O QUE MOVE
AS COISAS O imaginรกrio da casa nas favelas
william chinem caderno teรณrico
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Chinem, William O que move as coisas: O imaginário da casa nas favelas - Caderno teórico / William Chinem; orientadora Karina Oliveira Leitão. coorientador Artur Simões Rozestraten. coorientadora Sandra Maria Patrício Ribeiro - São Paulo, 2018. 215 p. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. História em Quadrinhos. 2. Imaginário. 3. Casa. 4. Favelas. I. Leitão, Karina Oliveira, orient. II. Rozestraten, Artur Simões, coorient. III. Ribeiro, Sandra Maria Patrício. IV. Título.
Elaborada eletronicamente através do formulário disponível em: <http://www.fau.usp.br/fichacatalografica/>
Catalogação na Publicação Serviço Técnico de Biblioteca Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Hoje de manhã, atravessando o mar Vou me perder, vou me encontrar A cada vento que soprar Cada dia é uma chance pra ser melhor que ontem O sol prova isso quando cruza o horizonte Vira fonte que aquece, ilumina Faz igualzinho o olhar da minha menina Outra vez, a esperança na mochila eu ponho Quanto tempo a gente ainda tem pra realizar o nosso sonho? Não posso me perder, não Vários trocou sorriso por dim Hoje tão vagando nas multidão Sem rosto, na boca o gosto da frustração Tô disposto a trazer a cor dessa ilustração No meu posto, dedico o tempo por fração Pra no fim não levar comigo interrogação Ação sem câmera, só luz pra conduzir Sinceridade pra sentir a alma reluzir Os inimigo não vai me alcançar, não vai me pegar, não vai me tocar Nem me ofender, eles não podem me enxergar, quem dirá me entender Eu sei que cada orixá vai me proteger Porque minhas rima são oração de coração Homenagem a quem volta cansado dentro dos busão Então, sucesso na missão, parceiro É ter paz quando pôr a cabeça no travesseiro Conseguir manter quem te faz bem perto Parabéns mamãe, seu projeto de homem feliz deu certo! Com meu fone de ouvido duvido que a Matrix me alcance Sabedoria pra que minha tropa avance Tudo isso pela felicidade dos meus Pra manter nosso contrato vitalício com Deus Direto penso: dinheiro é a desgraça do povo Mas cê já viu o sorriso no rosto de quem ganhou um boot novo? Essa é a parada neguim Eu quero vida boa pras pessoas que vêm de onde eu vim Deixar o sofrimento pra trás, é quente Cê quer saber o sentido da vida, pra frente Vou com a paciência de quem junta latinha, Focado no que tenho, não no que vou ter ou tinha Começa outro dia, o trem se desprende, vai Cheio de gente que deixou a alegria, stand by Com a essência da rua, no espírito amordaçado Quando eles perceberem o poder que têm, cuidado! Clareza na idéia, pureza no coração Sentimento como guia, honestidade como religião Sinceramente, é isso irmão!
a cada vento emicida
o que move as coisas
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O Imaginário
da
Casa
nas
Favelas
William Chinem
orientação. Karina Leitão coorientação. Artur Rozestraten e Sandra Patrício banca examinadora. Karina Leitão, Artur Rozestraten, Sandra Patrício e Felipe Moreira Trabalho Final de Graduação FAUUSP 2018
โ ขdedicatรณria
Ao Jeff, Meu amigo, companheiro de time, parceiro de resenha e coautor deste ensaio gráfico, por todas as conversas que tivemos e por acreditar nesta pesquisa mais do que eu mesmo, compartilhando de um entusiasmo fundamental para sua finalização. À toda família Santos: Seu José, Dona Isabel, Giovana, Luccas, Thiago e Matheus, reais protagonistas desse trabalho, por me receber com muito carinho e por abrir as portas que protegem esse universo tão íntimo que é a casa.
•dedicatória
Essa eu escrevi pros meus amigos porque quando eu perdi, eles tiveram comigo quando eu caí, eles tiveram comigo então quando eu subir, eles vão tá comigo também.
Por isso escrevi essa como homenagem que cada linha dessa te traga uma imagem uma lembrança dos nossos melhores anos mais que isso, uma lembrança dos nossos melhores manos Eu tive amigos de todo tipo que se imagina eu tive irmãos de outras mães que me aconselhavam uns como filhos que se perderam em cada esquina outros como pais que praticamente me bancavam alguns sumiam por meses, mas eu sempre amei vocês.
Meus amigos são a luz que me guia eles podem não saber, mas eu devo a eles cada dia.
Eu sou um cara de poucos amigos, poucos e bons um cara de poucos amigos, poucos e bons um cara de poucos amigos, poucos e bons amigos, essa é pra vocês.
poucos e bons rashid
À Karina Leitão, ser humano especial, capaz de iluminar qualquer ambiente com sua energia contagiante e transformar toda e qualquer conversa em um afago na alma. Te admiro como professora, como mulher, como acadêmica, como intelectual, mas principalmente como ser humano sensível, compreensível e solidário que é. Agradeço por me permitir conduzir esse trabalho com a leveza e sensibilidade que ele merece. Ao Artur Rozestraten, por compartilhar, sempre com entusiasmo, seu conhecimento e dedicação ao ensino e pesquisa. À Sandra Patrício, por tão bem me acolher no Instituto de Psicologia e me apresentar, com admirável sabedoria, novas possibilidades de enxergar e sentir o mundo ao meu redor. Ao Felipe Moreira, pelo inspirador trabalho junto ao LabLaje e por aceitar o convite em fazer parte da banca. Ao LabLaje: Paulinha, Rodrigo, Victor, Lara, Vivi, Henrique e demais professores e alunos colaboradores, pelo esforço e militância na discussão das favelas sob um viés menos academicista, menos elitista e, sobretudo, mais humano. À Nívia e Beth, mulheres guerreiras e inspiradoras, à Associação de Moradores e a toda a comunidade da Favela do Jardim Jaqueline, cujos ensinamentos sobre a vida jamais esquecerei. Aos meus pais, que sempre me ofereceram todos os caminhos do mundo e me incentivaram em toda minha trajetória, com amor incondicional. Devo a eles cada
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conquista e sonhos vividos. Ao meu irmão, pela amizade, conversas e convívio ao longo desses anos. Às famílias Ganyoko e Chinem, pelo carinho de sempre com o (não mais) caçula da família. À Atlética FAU USP, por proporcionar o encontro com pessoas incríveis e me permitir um grande crescimento individual. A toda gestão de ouro de 2012, pela entrega e cumplicidade. À gestão 2013, por enfrentar todas as dificuldades com sorriso no rosto. Às equipes de futsal e futebol, pelos momentos incríveis vivenciados dentro e fora de quadra e por ressignificar os esportes que pratico desde minha infância. Ao Pimentinha, por compartilhar sua invejável sabedoria e bagagem cultural e por toda a ajuda na diagramação deste caderno. Ao Borba, Canhão, Fefs e Michel, por todo o suporte e pela parceria nos melhores (e também nos mais difíceis) momentos da minha vida. À Raquel, por sempre me incentivar e me acolher em seu coração. À Dé, irmã que a vida me deu, por todos os conselhos de sempre. Ao Quinteto e ao Suarão. Ao Buzz, melhor pior grupo de amigos, por animar os dias com cultura e desinformação. À Fefa, pela amizade e dedicação em transformar as dificuldades em coisas divertidas. À Dea Barcelos, pelas conversas e contribuições ao trabalho. A todos os colegas de FAU que deram sentido aos vários anos vividos nesta Faculdade. À Escola Técnica Estadual de São Paulo – ETESP e todo o
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corpo docente, que muito me ensinaram sobre a vida – dos desafios de estudar em uma escola pública, das liberdades nas escolhas e amadurecimento diante de cada uma delas, do reconhecimento de meus próprios privilégios, dos significados de viver coletivamente e em sociedade, dos valores políticos e do empenho em indicar caminhos que me transformaram em um ser humano melhor. À toda equipe da SP Urbanismo, pelos ensinamentos e esforços diários no planejamento de uma cidade voltada pras pessoas. A todas aquelas pessoas que, mesmo sem saber, contribuíram para a elaboração deste trabalho, seja através de uma conversa, de frases soltas escutadas pelas ruas ou, ainda, abrindo as portas de suas casas, oferecendo abrigos (físicos, imaginários) ao longo de meus intermináveis deslocamentos pela cidade.
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â&#x20AC;¢resumo
•resumo O trabalho proposto investiga, partindo-se de uma abordagem fenomenológica do espaço, o imaginário da casa no espaço das favelas através da representação gráfica – especificamente, na linguagem das histórias em quadrinhos (HQ). O objetivo principal deste ensaio gráfico é apontar para as dimensões simbólicas e poéticas presentes no universo doméstico e na experiência do habitar das favelas. O viés da precariedade, constantemente associado ao universo das favelas, é deixado de lado, dado que a casa e sua simbologia são investigadas enquanto elementos universais e de fundamental importância na vida do homem. Justamente devido à relação íntima existente entre o homem e a casa, e também por tratar-se, de maneira mais abrangente, de uma relação entre corpo e espaço, o trabalho contou com contribuições teóricas das mais diferentes áreas de estudo (arquitetura, filosofia, psicologia, geografia, sociologia) que tanto tem a dialogar entre si e sobre o universo doméstico. O caráter transdisciplinar do processo de pesquisa se evidencia na metodologia, onde música, literatura, poesia, histórias em quadrinhos, exposições, manifestações culturais, noticiários e a experiência subjetiva decorrentes de meus deslocamentos pela cidade foram estudados enquanto elementos que compõe o imaginário da casa, formando uma grande constelação de imagens que se associam e passam a se relacionar. A partir deste arcabouço teórico,
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mas, principalmente, da vivência e do diálogo com uma família, moradora de favela e protagonista do presente trabalho, origina-se a HQ proposta como ensaio gráfico, a fim de provocar um novo olhar sobre as favelas e ressignificar a casa que existe dentro de cada um de nós. PALAVRAS CHAVE: Imaginário, favelas, casa, cidade, história em quadrinhos, ilustração.
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â&#x20AC;˘abstract This thesis investigates, under a phenomenological perspective of the space, the house imagery within the favelasâ&#x20AC;&#x2122; area through graphic representations â&#x20AC;&#x201C; specially in the language of comic books. The main goal of this graphic essay is to point out the symbolic and poetic aspects referred to the domestic universe and the experience of living in a favela. This dissertation put aside the current precarity bias associated with favelas, considering that the house and its symbolisms are studied as universal conditions and fundamental to living. Rightly due to the intimate relation between the man and the house, which might be approached as the connection among the body and the space in a more comprehensive way, this work has collected theoretical references from different fields of knowledge (architecture, philosophy, geography, sociology) that have a lot to contribute and dialogue between themselves and the domestic universe. The transdisciplinary facet of the research process becomes evident on the methodology. Music, literature, poetry, comics, exhibitions, cultural manifestations, newscasts and subjective experiences that I have lived on the city were approached as elements related to the housing imagery, which formed a huge constellation of images that are associated and communicate to each other. A comic book was drafted from the combination of this theoretical framework and, mainly, from my own perception, which
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includes conversations with one family who actually lives in favelas and has become protagonist of this thesis. The graphic essay suggests a new point of view about the favelas and give new meaning to the house that resides inside all of us. KEY-WORDS: imagery, favelas, dwelling, city, comic books, illustration.
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โ ขprรณlogo
É sempre possível construir uma casa imaginária no interior de todo espaço habitado, qualquer que seja ele. (KAUFMANN, 1988, p.80) in MARTÍNEZ, Javier Guevara (Coord.).
Los cambios físicos y sociales de la vivienda popular en Latinoamérica. 1. ed. México: UPAEP, 2003. p.40.
•prólogo Explorar a relação do homem e o espaço que o cerca é tarefa constante do arquiteto. Entender as dinâmicas que movem as cidades do ponto de vista da arquitetura significa materializar, espacialmente, as mais variadas questões. Ao longo desses anos todos enquanto estudante de arquitetura e urbanismo e, principalmente, enquanto ser humano, minhas experiências pessoais e percepções relacionadas à vivência nas cidades foram mais que essenciais para a elaboração do Trabalho Final. Entre tantas experiências que direcionaram meu olhar para o imaginário e os aspectos simbólicos da casa e da cidade na vida do homem, destaco três. O intercâmbio em Valência (Espanha) realizado entre agosto de 2014 e agosto de 2015, através do Programa Ciências sem Fronteiras, me permitiu vivenciar um espaço completamente novo e distinto pelo olhar do estrangeiro. A cidade, e consequentemente a simbologia da casa, do sentir-se em casa, reverberavam de diferentes maneiras. Tentar compreender tais sentimentos passava obrigatoriamente pela discussão das relações entre as cidades e seus habitantes, e era possível identificar que, em cada nova cidade visitada, existia um imaginário que previamente a definia. As inúmeras horas passadas dentro do trem, durante meus deslocamentos pela Grande São Paulo, me faziam devanear sobre a relação de cada um dos passageiros
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com a metrópole, na tentativa de entender suas lutas e imaginar suas histórias. O trem (especialmente o da linha 8 – Diamante da CPTM, que cruza vários municípios e as favelas que os acompanham) era representante da materialização de um espaço que se colocava entre as casas e as cidades; muitas vezes era possível sentir no trajeto de ida o desconforto (não apenas espacial) dos passageiros, ao passo que a volta, para além do cansaço, carregava consigo o conforto do retorno à casa. Constantemente tentei também entender qual a minha relação com este espaço, sendo alguém que sempre viveu, mas nunca morou, na cidade de São Paulo. Novamente, os aspectos simbólicos do habitar estavam presentes na discussão. A participação na Oficina Favelas, organizada pela equipe do LabLaje em associação com os moradores da Favela do Jardim Jaqueline, possibilitou o contato com outras metodologias de se fazer arquitetura, ao discutir a reurbanização das favelas e o papel do arquiteto neste processo e apresentar o universo das favelas sob uma outra ótica. O contato diário com os moradores durante a semana em que passamos no Jardim Jaqueline, que nos receberam de braços abertos e compartilharam seu universo tão particular, da casa, da rua, do bairro e da vida cotidiana que ali se manifestava, novamente direcionou meus olhares às relações do habitar; os debates que de lá surgiram e que se estenderam para outros campos de pesquisa foram o ponto
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de partida para definir os possíveis temas de estudo do trabalho final de graduação, contrapondo os espaços das favelas aos espaços das cidades. Muitas questões, então, surgiam referentes ao campo do espaço e sua relação com as pessoas que dele usufruem – ou deixam de usufruir. De que maneira o modo de vida das pessoas molda esse espaço, e vice-versa? Por quais motivos (que vão além do desenho urbano, do projeto do edifício e dos aspectos histórico-políticos) consegue-se criar uma ponte entre homem e lugar, que se reflete na materialização espacial? Qual a importância e o papel do imaginário, do espiritual, da memória, das tradições, do desejo, na concepção desses ‘lugares do habitar’ e a sua experimentação, no sentido mais profundo? A tentativa de compreensão desses aspectos guiou a elaboração do presente trabalho ao encontro de outras formas de pensar a questão urbana. A discussão da cidade e do problema da moradia, portanto, fugiu daquilo que considero como certo olhar arquitetônico tradicional e passou a ser aprofundada nas esferas simbólica e poética, talvez mais comum a outros campos de estudo, como a filosofia, psicologia e sociologia. Aos poucos, em um desenvolvimento nada linear, o projeto foi ganhando forma. É importante ressaltar que o estudo da dimensão simbólica e poética da casa no espaço das favelas partiu de uma experiência subjetiva de alguém
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que jamais morou em uma, contando com uma visão particular sobre cada espaço vivenciado, sobre cada interação humana observada e compartilhada pela cidade. Mais do que o resultado final obtido, é o processo em si que merece destaque, e que busca, através do desenho, discutir – e, principalmente, sensibilizar – para novas maneiras de enxergar a casa.
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โ ขsumรกrio
•introdução
O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora. - Avô Mariano COUTO, Mia.
Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 53.
•tema O presente trabalho parte da análise da casa enquanto elemento fundamental e universal na vida das pessoas. Será a partir dela que se estruturará o debate, tanto em relação ao universo da casa no espaço das favelas e tudo aquilo que representa na vida do homem como a seus aspectos materiais e imateriais, seu imaginário, chegando a uma discussão maior no âmbito da cidade. A casa está presente na vida do homem desde seu nascimento; quando não se manifesta materialmente, ainda assim se manifesta simbolicamente. Discutir a casa é discutir inúmeros aspectos que envolvem a vida das pessoas e as relações entre corpo e espaço. O trabalho não tem como intuito ignorar toda a produção acadêmica existente sobre a questão da moradia, em especial do ponto de vista da luta e da mobilização em favelas e assentamentos precários. Tampouco procura romantizar o espaço das favelas, desconsiderando a precariedade e vulnerabilidade que por vezes se fazem presentes. Pelo contrário: busca atribuir à casa ainda mais importância, reiterando o porquê de seu caráter enquanto direito fundamental ao homem. Assim como a publicação Quando a rua vira casa, desenvolvida pelo arquiteto e antropólogo Carlos Nelson e sua equipe: Através da abordagem de um microcosmo dentro do vasto universo metropolitano (...), chegam a
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ser questionados grandes postulados da teoria urbanística tidos como científicos. Tudo na escala conveniente, a do bairro, a da rua, a do quarteirão, a da casa, a de gente de verdade, praticando, a nível material e simbólico, as suas possibilidades efetivas de vida quotidiana. Atos de todos os dias, que, vistos com o devido distanciamento crítico e metodológico, põem em cheque idealizações utópicas sobre o espaço e as formações sociais que comporta. •SANTOS, Carlos Nelson F. dos; VOGEL, Arno. Quando a Rua vira Casa: a Apropriação de Espaços de Uso Coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro: Convênio IBAM / FINEP, 1981. p. 7.
A pesquisa divide-se em dois momentos maiores: um de caráter mais teórico, que se propõe menos a formular teorias e conclusões acerca do habitar, e mais a discutir o processo do trabalho, entender as inúmeras categorias que envolvem o universo doméstico e questionar quais os seus possíveis reflexos na vida das pessoas; um ensaio gráfico na linguagem das histórias em quadrinhos, desenvolvido a partir da vivência, dentro do grande universo das favelas, no microcosmo da casa da família Santos, em Pirituba. Inicia-se o trabalho com a apresentação dos esquemas e mapas mentais que auxiliaram na escolha do tema do
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presente Trabalho Final de Graduação. São apresentadas também algumas experiências prévias de trabalhos desenvolvidos em outras disciplinas que já discutiam as questões da representação gráfica, da casa e do corpo sensível. O dicionário analógico e seu modo de organização das palavras através de famílias e conceitos é brevemente explicado, partindo-se, então, à teoria do imaginário (seguindo a linha de pensamento do filósofo francês Gaston Bachelard), onde o mesmo é visto enquanto estrutura essencial de todos os processamentos do pensamento humano. Posteriormente apresentam-se algumas reflexões desenvolvidas na primeira etapa da pesquisa, que por questões didáticas, partiram do ambiente da casa para o da cidade (ou seja, do microcosmo ao macrocosmo, e não contrário), considerando-se que, desta maneira, não seria necessário que o trabalho abrangesse inúmeras discussões sobre a cidade até chegar ao objeto principal de estudo, que é o da casa no espaço das favelas. A entrevista que se segue procurou dar voz aos protagonistas das histórias, que são os próprios moradores – ainda que contenha uma interpretação bem pessoal que reflete minha perspectiva sobre os assuntos retratados. Por fim, o ensaio gráfico em história em quadrinhos consistiu na ideia de que a linguagem escolhida interfere diretamente na acessibilização do conhecimento. Soma-se a isso o fato de sua capacidade em gerar imagens poéticas, oferecendo ao leitor inúmeras
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possibilidades sensoriais que ultrapassam os limites da visão e evidenciem o universo simbólico da casa. O estudo do imaginário da casa no espaço das favelas se apresenta como um estudo aberto. Se por um lado apresenta uma interpretação muito particular, do ponto de vista da entrevista e dos desenhos elaborados, por outro permanece sem grandes conclusões, no intuito de polemizar sobre o tema da moradia, despertar interesses diversos e abrir questões que envolvam outras áreas de conhecimento para além do campo da arquitetura. Trata-se, portanto, de uma opção antropológica, que coloca um pouco de lado suposições técnicas e acadêmicas e enxerga no imaginário, na poesia e no simbolismo outras formas de abordagem igualmente válidas para a discussão.
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•objetivo O objetivo principal desta pesquisa é investigar aspectos sobre o imaginário da casa no espaço das favelas, através de um ensaio gráfico realizado na linguagem das histórias em quadrinhos (HQ). A investigação procura ir além do estudo da materialidade dos espaços, buscando identificar as dimensões simbólicas e poéticas presentes no universo doméstico. Entende-se que esse tipo de abordagem, nem sempre comum na discussão da moradia em favelas e assentamentos precários, identifica códigos culturais que viabilizam uma leitura mais aprofundada da casa e de suas apropriações. Dessa forma, pretende-se levar a discussão da casa para outras áreas de conhecimento, polemizando, despertando interesses distintos e abrindo questões para o debate. A escolha da representação dos aspectos imateriais da casa em HQ propõe a discussão de novas linguagens no ato de fazer ciência, questionando o caráter estritamente acadêmico que grande parte dos Trabalhos Finais na Universidade apresentam. Pretende, portanto, apontar para outros caminhos que possibilitem uma maior acessibilização da informação. Este pequeno caderno teórico e as reflexões nele contidas tem o intuito de introduzir ao leitor as diferentes referências (teóricas, gráficas, audiovisuais) que me auxiliaram durante todo o processo de elaboração do TFG. Dessa forma, desejou-se dar ênfase ao processo em si, mais que
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ao resultado final, identificando a maneira com a qual cada uma das referências contribuiu. Por
fim,
o
presente
trabalho
busca
sensibilizar.
Sensibilizar para novos olhares sobre o espaço das favelas e seus habitantes; apontar para os aspectos simbólicos que nos cercam e se conectam ao espírito, à subjetividade de cada um de nós; destacar diferentes experiências do habitar, que envolvem todos os sentidos do corpo e afetam a percepção espacial; e, ainda, ressignificar o universo da casa – da casa que habitamos, no presente e no passado, e da casa que mora em nós e se manifesta de diferentes maneiras ao longo de nossas vidas.
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•universos casas e favelas O objeto de estudo principal do ensaio é a casa no espaço das favelas. Seguindo a linha de pensamento bachelardiana, a casa é vista aqui como elemento universal na vida do homem: entender o universo doméstico significa decifrar os códigos que o conectam àquele que o habita. O estudo subjetivo, simbólico e poético da casa, portanto, significa um estudo do próprio homem e vice-versa. Todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa. O ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através dos pensamentos e dos sonhos. Nessas condições, se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 200.
Ao longo do curso de arquitetura e urbanismo, em especial nos últimos anos de elaboração do trabalho final, percebi a forma com a qual meu olhar foi se modificando. Tarefa do arquiteto, o ato de projetar significa imaginar espaços, da
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escala da casa ao planejamento urbano: estudar as dinâmicas sociais, compreender seus contextos, idealizar usos, esboçar possíveis apropriações. Elementos que, no entanto, escapam das mãos de qualquer projetista. Ao me questionar sobre os diferentes tipos de apropriação espacial que ocorrem na cidade e possíveis sensações decorrentes da interação entre corpo–espaço, entendendo que nenhum espaço é neutro e afeta o homem de alguma maneira, encontrei na noção de casa um denominador comum. Não a casa física, propriamente dita, mas sim em sua essência, seu espírito, sua simbologia. A ideia de projetar bons espaços que fossem acolhedores passava, portanto, pela investigação dos princípios da casa e de tudo o que ela representa. Nosso objetivo está claro agora: é necessário mostrar que a casa é um dos maiores poderes de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 200.
Ainda que se apresente enquanto algo universal, o estudo da casa deveria possuir um recorte menor, de modo a
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possibilitar maior aprofundamento nas questões. Quando falamos sobre a casa, constantemente a associamos a um estereótipo específico de espaço. Um modelo construído no imaginário social, veiculado pela televisão, revistas, jornais, que acaba por criar uma idealização espacial da moradia e de padrões de consumo. Enfim, é comum associarmos a noção de casa aos padrões da casa da classe média-alta. Igualmente estereotipada é a construção ideológica que se faz sobre o espaço das favelas, veiculada quase que sempre pelo viés da violência, da precariedade, da informalidade, do tráfico de drogas, das festas. Raramente nos é apresentado o mundo das favelas a partir do olhar dos favelados, seus verdadeiros habitantes. 31 de maio ... Cheguei na favela: eu não acho o geito de dizer cheguei em casa. Casa é casa. Barracão é barracão. O barraco tanto no interior como no exterior estava sujo. E aquela desordem aborreceu-me. Fitei o quintal, o lixo podre exalava mau cheiro. Só aos domingos que eu tenho tempo de limpar.1 •JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. São Paulo: Francisco Alves, 1960. In: OLIVEIRA, Nelson de (Org.). Cenas da Favela: Antologia. Rio de Janeiro: Geração Editorial, 2007. p.37.
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1 Quarto de Despejo, diário de Carolina Maria de Jesus escrito em 1960, foi fenômeno literário, esgotando todos os volumes da primeira edição. Destaquei essa frase pois aborda, de maneira impactante, a noção de casa e sua simbologia, do ponto de vista da uma favelada.
Há inúmeras favelas muito heterogêneas entre si, cada qual com sua peculiaridade. E é possível dizer que, na maioria dos casos, estão em constante conflito com a cidade: cidade na qual se inserem espacialmente, mas que as excluem de diversas formas. Passei a imaginar como essa relação particular com a cidade poderia se manifestar na vida dos habitantes das favelas e em seus espaços mais íntimos – suas casas. Dessa forma, a casa no espaço das favelas tornou-se objeto principal da pesquisa a ser desenvolvida. É de extrema importância relembrar que, embora realizado a partir de conversas com moradores das favelas e algumas vivências nestes espaços, o trabalho reflete uma visão bem subjetiva de alguém que não nasceu e nunca morou em favelas. No entanto, assume-se o risco de repetir algumas estereotipações que o olhar do não-favelado pode conter; discutir as dimensões simbólicas e poéticas da casa nas favelas significa também dar voz e visibilidade a aspectos mais íntimos de seus moradores, e reforça sua importância enquanto espaços heterogêneos, dotados de qualidades, defeitos, peculiaridades, sonhos e desejos tão distintos entre si. Licia Valladares, em seu estudo A invenção da favela, aponta os três dogmas mais resistentes, que há décadas tem turvado a visão de pesquisadores,
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escritores e artistas: o primeiro dogma apresenta a favela como o espaço da transgressão e da baixa qualidade de vida, o espaço ocupado de modo irregular e ilegal, fora das normas urbanas; o segundo dogma reafirma a teoria da marginalidade, ou seja, reafirma que a favela é o local da pobreza urbana, é o território dos miseráveis, e apenas isso; o terceiro dogma apregoa que a favela deve ser entendida sempre no singular, jamais no plural, fazendo da multiplicidade e da diversidade internas algo homogêneo e plano. Mas Licia contesta esse modo preguiçoso e estereotipado de enquadras as favelas (...). Ou seja, está na hora de pararmos de definir a favela a partir do que ela não tem e começarmos a defini-la a partir do que ela tem. •OLIVEIRA, Nelson de (Org.). Cenas da Favela: Antologia. Rio de Janeiro: Geração Editorial, 2007. p. 16.
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•metodologia Partindo das mais variadas leituras que enfatizam o caráter transdisciplinar do presente trabalho, optou-se pela realização de entrevistas que, mais tarde, seriam transformadas em HQ. As entrevistas in loco foram encaradas como a melhor maneira de se investigar fenomenologicamente as questões da casa e seus habitantes, enquanto experiência multissensorial repleta de subjetividade. Inicialmente seriam realizadas três entrevistas, com três famílias moradoras de favelas diferentes; no entanto, o aprofundamento das discussões que a primeira entrevista realizada permitiu direcionou a decisão de focar o tempo restante do trabalho na construção de apenas uma HQ, e não mais três. As narrativas construídas no decorrer da HQ buscaram refletir as sensações afloradas durante a entrevista, naquele momento. As conversas trataram de investigar os aspectos simbólicos da casa, não focando nos aspectos materiais do espaço. Em outras palavras, decidiu-se pela realização de uma pesquisa qualitativa, no microcosmo de uma casa na favela em Pirituba. Para a seleção dos entrevistados procurou-se moradores de favelas e assentamentos precários que compartilhassem comigo outros universos em comum, de modo a facilitar o contato com eles e seus respectivos espaços familiares.
Dessa
maneira,
os
três
entrevistados
escolhidos para a elaboração do trabalho seriam todos estudantes da FAUUSP, apresentando, ademais dos
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grandes deslocamentos diários pela cidade, o convívio cotidiano do ambiente da Faculdade. Ao mesmo tempo em que se apresentou enquanto facilidade, demostrou-se uma ótima oportunidade para manifestar, dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, as vozes e olhares dos estudantes que vem das periferias da cidade – que cada vez mais passam a frequentar as universidades públicas, espaços que deveriam ser seus por direito, estimulados pelas recentes políticas de inclusão adotadas na Universidade de São Paulo. Em um primeiro momento as entrevistas seriam gravadas e transcritas. No entanto, logo na primeira entrevista, as gravações feitas por celular foram perdidas, e a escrita se deu através da memória. O exercício de escrever a partir das lembranças e dos momentos que mais me marcaram, ainda que não intencional, apresentou resultados melhores que o esperado; a quebra da linearidade dos fatos (que estaria presente, obrigatoriamente, na transcrição da entrevista a partir da gravação) permitiu uma escrita poética, talvez um pouco distorcida, mas extremamente mais sensível. Paralelamente ao processo das entrevistas, várias foram as contribuições para o desenvolvimento do trabalho, decorrentes de leituras variadas, músicas, filmes, animações, poemas, exposições e outras experiências dos mais diversos tipos. Todas essas referências, seja do campo da
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literatura, do desenho ou do audiovisual, sensibilizaram meu olhar para as dimensões afetivas e simbólicas que envolvem a casa. Embora tenham sido realizadas entrevistas somente com a família de Jeff, o constante diálogo e o contato bem próximo com ele possibilitou discussões mais aprofundadas sobre diversas questões. Desse modo, entre uma conversa e outra, a HQ foi tomando forma – primeiramente através da parte escrita sobre a conversa que tivemos em sua casa, depois pela organização dessa escrita em um roteiro, seguido da elaboração de um storyboard contendo as ideias de ilustração para cada página, com todos os textos e diálogos já definidos, para finalmente chegar nas ilustrações finais, com a pós-produção desejada.
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•quadro referencial teórico Dada a interdisciplinaridade com a qual o trabalho se desenvolveu, buscou-se embasamento em diferentes leituras e experiências que igualmente contribuíram para a elaboração deste ensaio gráfico. Mais importante que o conhecimento teórico em si, as leituras permitiram a ressignificação de minhas vivências e um olhar mais sensível para diversas questões que se apresentam no dia-a-dia e que constantemente passam despercebidas. Gaston Bachelard (1984), além de introduzir os aspectos da casa a partir de uma abordagem poética, possibilitou o primeiro contato com as teorias do imaginário. Embora tratasse do espaço da casa europeia, suas reflexões acerca do universo doméstico foram de extrema importância. A disciplina A cidade, o imaginário e a experiência subjetiva, ministrada pela professora Sandra Patrício no Instituto de Psicologia, colocou em debate outros pensadores no campo da filosofia: Durand (1960), Heidegger (1951), Berque (1999), Simmel (1903), filósofos que discutiam o imaginário, a casa, o habitar na cidade e os sentidos da paisagem. Foucault (2013), Merleau-Ponty (1999), Guatarri (1992), Beguin (1991) e Corbin (1987) contribuíram para o entendimento das relações corporais no espaço, tal como as relações de poder que nele são exercidas. Situando o corpo humano como o ator principal de todas as nossas relações com o espaço (físico, imaginário) no campo dos aspectos
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imateriais e simbólicos, me fez refletir sobre minhas próprias experiências na cidade. Da mesma maneira, Pallasmaa (2006) atenta para as experiências multissensoriais no âmbito da arquitetura, desconstruindo a hegemonia da visão pela qual estamos acostumados. Os trabalhos de Santos e Vogel (1981), assim como de Rabinovich (2002), foram referências chave sobre os modos de se fazer pesquisa e sobre o papel do pesquisador. Embora com enfoques diferentes e pertencentes ao campo do urbanismo e da psicologia, respectivamente, ambos apresentam uma abordagem antropológica, na escala do local, do bairro, da casa, articulada com os principais personagens atuantes nesses espaços – seus próprios habitantes. Enquanto o primeiro trabalha na escala urbana, atentando para as relações sociais presentes no bairro e que procura colocar em cheque os novos postulados do urbanismo da época, o segundo lida com o ambiente doméstico como manifestação sociocultural – da casa como corpo, como símbolo, como tempo e como poesia. Foram leituras essenciais na construção da metodologia deste trabalho. Buscou-se no campo da literatura publicações que trabalhassem, ainda que indiretamente, com a mesma temática do simbolismo da casa, entendendo que poderiam apresentar grandes contribuições ao processo de elaboração deste ensaio. Nas obras de Couto (2005) e Hatoum (2000) as casas desempenham papel crucial na narrativa, revelando
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vários elementos simbólicos das personagens. Oliveira (2009), em sua antologia, reúne um conjunto de obras que tratam das favelas. São poemas, contos e excertos de livros que tentam exibir outras faces da vida nas favelas, fugindo do estereótipo ao qual comumente estão associadas. Andresen (2004, 2005, 2018), poeta portuguesa, carrega sua obra poética de imagens sobre as casas, cidades, paisagens e elementos da natureza que fizeram parte de sua vida, através de uma linguagem simples e tocante. Já Quarto de despejo, de Maria Carolina de Jesus (1960), é uma das obras mais impactantes; seu diário revela, sob a perspectiva de uma mulher negra e favelada, uma série de detalhes presentes nos seus eventos cotidianos, sendo impossível não se emocionar e se sensibilizar. A exposição Imaginarios: um encuentro en el tiempo, visitada em julho de 2017 no Museo Casa de la Memoria, em Medellín (Colômbia), reafirmou a ideia de trabalhar com o imaginário. A exposição misturava elementos da memória, das vivências e das expectativas dos colombianos, a fim fundir sonhos e realidades e construir imaginários de paz que fossem possíveis ao país, e o fazia através de desenhos, contos, fotografias. Outra exposição referência na elaboração do Trabalho Final de Graduação foi a Ocupar, Resistir, Construir, Morar, na ocupação Nove de Julho, que tratava sobre os movimentos de moradia e direito à cidade e utilizava da linguagem em HQ em vários
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dos painéis expostos, ao esclarecer o funcionamento e os motivos das ocupações. Por considerar que o imaginário coletivo sobre a casa e sobre a cidade é algo que se constrói e se manifesta de diversas maneiras, também fizeram parte do processo de pesquisa filmes, animações, documentários e músicas. Destacam-se duas animações. O Menino e o Mundo, animação brasileira de Abreu (2014), emociona ao contar a trajetória do menino Cuca, que sai de sua tranquila casa no campo e viaja até a cidade grande em busca do pai, que ali fora trabalhar. A procura pelo pai leva o menino a explorar um mundo totalmente diferente do seu, e após muitos anos o reencontro familiar se materializa nas lembranças da casa de sua infância. A casa de pequenos cubinhos, animação japonesa de Kato (2008), mostra a história de um viúvo que vive em uma cidade constantemente alagada, e para que a casa não fique submersa, tem de acrescentar cada vez mais andares de tempos em tempos. Quando derruba acidentalmente seu cachimbo no poço de água dentro da sala, o velho se vê obrigado a mergulhar para recuperá-lo, e a partir daí passa a relembrar todas as memórias das casas em que já viveu ao revisitar seus andares, um por um, até chegar ao final – ou início – de tudo. Na música, o rap foi a principal companhia e influência. Embora não seja a única representação da voz que vem das ruas e, principalmente, das periferias, carrega em
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sua essência a luta e resistência e denuncia a realidade de diversos problemas sociais presentes no cotidiano das favelas. As rimas de Emicida, Racionais MC’s, Criolo, Sabotage, Rashid, Kamau, Flora Matos, Drika Barbosa, Rincon Sapiência, Karol Conka, Rael, RZO, entre outros artistas, podem não abordar diretamente o universo da casa, mas dizem muito sobre o universo do habitar em uma escala maior. Desse modo, o rap, ainda que não apareça de maneira evidente nas páginas do trabalho, foi imprescindível para a construção e articulação das ideias aqui expostas. Por fim, os trabalhos de D’salete (2017), Eisner (2009) e Sousanis (2017) foram obras fundamentais para entender como se concebem histórias nas linguagens dos quadrinhos, explorando os recursos gráficos possíveis, as construções narrativas, as relações entre narrador e personagens, entre outros vários elementos. Elaboradas dentro de temáticas diversas, cada uma dessas obras espetaculares deu sentido à elaboração deste trabalho nos moldes em que se apresenta, sendo Desaplanar, de Sousanis, o pontapé inicial que encorajou e sustentou a elaboração de um trabalho acadêmico nessa forma de representação gráfica.
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•linguagens abordagem poética/simbólica A poética é o tornar-se homem ao fazer-se poeta. Poeticamente, os homens habitam o mundo. A poética emerge como uma dimensão tão arraigada e profundamente humana que parece definir e concretizar a própria humanidade: ser humano é ser-poeta e deste modo transformar o espaço em lugar. •RABINOVICH, Elaine Pedreira. TASSARA, Eda Terezinha de Oliveira. Pluridimensionalidade na análise de moradias populares brasileiras: uma reflexão crítica. In: MARTÍNEZ, Javier Guevara (Coord.). Los cambios físicos y sociales de la vivienda popular en Latinoamérica. 1. ed. México: UPAEP, 2003. p. 66.
Para muitos filósofos que se propuseram a discutir aspectos interiores da vida do homem, tal como Heidegger, a morada do ser humano e o habitar, em suas essências, pertencem à dimensão poética. Como a casa está sendo enxergada enquanto elemento mais íntimo, enquanto espaço onde o imaginário, o sonho e a subjetividade atuam de maneira mais intensa, me pareceu muito mais interessante desenvolver o trabalho na dimensão do simbólico. Desse modo, a 2
Bachelard define a imagem poética como o produto mais fugaz da consciência humana, essencialmente variacional.
partir das imagens poéticas 2 , entende-se que os pequenos aspectos da casa se revelam com maior facilidade.
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Tanto a poesia quanto a imagem poética não tratam a coisa como objeto, muito menos a substituem enquanto tal. Do contrário, trabalham para ilustrá-la e dotá-la de contextos que podem ser livremente interpretados – afinal, são, em sua essência, variacionais e se encontram em constante movimento. Da mesma maneira que a poesia escrita, a representação gráfica trabalha, portanto, na chave da dimensão poética e simbólica: não substituem as coisas, não as transformam em objetos, mas nos oferecem inúmeras possibilidades de interpretar aquilo, como que concretizando o abstrato 3 .
3
A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. [...] Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
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Em suas considerações sobre as categorias do ornamento e do lirismo presente na casa, Rabinovich diz que, para o poeta, a palavra transcende a sua circunstância ao mesmo tempo que a ilustra: ela não está no lugar da coisa, mas nutre-se de uma história de sentidos que a contornam, que o poeta tenta recuperar, paramorficamente, fundindo som/imagem, concretizando o abstrato. Neste movimento, a história condensa-se, e o ser-humano, ao se fazer poeta, se faz humano (RABINOVICH, 1996).
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato. ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Geografia. Lisboa: Caminho, 2005. p. 95.
A ideia de representar graficamente o universo da casa na linguagem das Histórias em Quadrinhos surgiu a partir dessas reflexões. Através do desenho associado ao mundo das palavras, o formato da HQ possibilita a construção de uma narrativa que parta para o surreal, para o fantasioso. E é justamente por meio dessa quebra de realidade, ao abordar assuntos tão reais, que a linguagem da HQ ganha força, estimulando a imaginação e incentivando o leitor a novos olhares. A escolha da representação gráfica em HQ, porém, pautou-se principalmente pela questão da acessibilização da informação que se produz nos meios acadêmicos. Pressupõe-se que esse tipo de linguagem de fácil circulação e melhor poder de comunicação consiga atingir, de modo mais eficiente, os maiores interessados sobre essas questões, que se encontram pela cidade, nas ruas, dentro das casas, ou seja, fora da bolha que nos cerca na universidade. O trabalho, portanto, é uma tentativa de
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romper com essa lógica de produção do conhecimento extremamente acadêmico 4 . A técnica de combinação fotografia-desenho, usada de forma experimental, valeu muito para que apreendêssemos as dimensões internas da vida social no Catumbi. (...) Fotos e desenhos facilitam a leitura, captam e traduzem com grande impacto as expressões sensíveis do urbano. Valem por mil palavras. Têm de ser vistos, no entanto, como esforços assemelhados de interpretação; revelam a reação de um observador especial em suas tentativas de envolvimento e interação com meios acontecimentos frente aos quais é um estranho. •SANTOS, Carlos Nelson F. dos; VOGEL, Arno. Quando a Rua vira Casa: a Apropriação de Espaços de Uso Coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro: Convênio IBAM / FINEP, 1981. p. 15.
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4 O livro Quando a rua vira casa, de Carlos Nelson e Arno Vogel, também discute essa questão da produção acadêmica: Sendo coerente com a ideia de que as cidades são de fato da conta e da responsabilidade de todos os que nela habitam e que, portanto, merecem conhecê-las e debatê-las sempre que possível, o presente trabalho é complementado por um filme. Supõe-se que esse meio de fácil circulação e poder de comunicação contribua para romper a viciosidade das pesquisas inatingíveis para a maioria interessada e levante questões para uma discussão e uma tomada de consciência (...) (SANTOS & VOGEL, 1981).
Tô pra ver um daqui sucumbir Você pode até sorrir mas no final vai chorar Mexeu com nóis assim s-só sorte Tô com a favela eu tô forte
Eu tô pra ver um daqui pedir toalha, água Não resistir a essa batalha Do rap não sou uma estrela, eu sou uma arma Que cospe a verdade, pega e fala É do perreio, desespero, descabelo e da desgraça Que nutre o ódio e prolifera com a massa O gosto amargo, descaso que se passa É trabalhar sem ter se envolver vira fumaça Dignidade do poeta que vai se diluindo Numa luta covarde vou seguindo, tossindo O que mais me incomoda é sua pobreza de espírito O que mais te incomoda é que eu sou feliz fazendo isso Desistir, nunca, não sou covarde Queira ou não rap é uma realidade Desistir, nunca, meu povo não é covarde Queira ou não o rap é uma realidade de luta Luta, luta, luta, luta, luta, luta, luta, luta
tô pra ver criolo
Não escolhi fazer rap não, na moral O rap me escolheu porque eu aguento ser real Como se faz necessário, tiozão Uns rimam por ter talento, eu rimo porque eu tenho uma missão Sou porta-voz de quem nunca foi ouvido Os esquecidos lembram de mim porque eu lembro dos esquecidos Tipo embaixador da rua Só de ver o brilho no meu olho os falso já recua Burlando as lei, um bagulho eu sei Já que o rei não vai virar humilde eu vou fazer o humilde virar rei Se o rap se entregar favela vai ter o que? Se o general fraquejar soldado vai ser o que? Tem mais de mil muleque aí querendo ser eu Imitando o que eu faço, “tio, se eu errar fudeu!” Ser MC é conseguir ser H ponto aço No fim das contas fazer rima é a parte mais fácil Na pista, pela vitória, pelo triunfo conquista, se é pela glória, uso meu trunfo A rua é nóiz, é nóiz, é nóiz
triunfo emicida
Porque rimo que eu vivo, vivo o que rimo e tenho dito não falo de política, falo do que acredito, viu? não tô na de beijar a lona é noiz por noiz e se não for assim não funciona perante o silêncio das rua, esse é o momento pra gente não existe tempo pra perder tempo trabalho e organização, cê me entendeu? vou, mais um milhão de solitário que nem eu tô disposto a tudo ou nada, crente que se só meia dúzia trabalha isso aqui não vai pra frente é você quem define a parada cê pode morrer na praia ou então decide pra onde nada se existe um inimigo a ser vencido não sei por quem e nem pra quê, só tive a honra de ser escolhido e os verdadeiro tão no corre então deixa eu ir nessa porque se depender de alguns o rap morre
stephanie
rashid
Stefanie rimo aqui, pra dizer o porquê interessados? quem quiser agora vai saber inspiração é tudo que afeta ou me completa cada um tem sua missão e Deus já deu minha meta capacidade pra alguma coisa todo mundo tem de tudo que já fiz, isso me fez sentir bem rimar na batida da rua é muito mais além pois luta contra o mal e já salvou muita mente também rima é ação de unir o útil ao agradável minha escolha de vida, meu prazer inexplicável: rimar é crer pra mim que ainda existe esperança é a arte marginalizada que quer ver mudança eu rimo pra que o lado negativo enfraqueça e para que o coração gelado se aqueça pra que alguma coisa boa aconteça e pra que minha vida inteira se fortaleça
emicida
Porquês não se criam dentro de meus cadernos onde cada lágrima minha é um mar de amores eternos de infernos com dores de almas sem paz a rima nasce nos olhos soturno onde a esperança não vive mais a morte é próxima demais da vida dos MC por isso quando rimo é sempre meu último free, último fi chave de ouro pra trajetória com 15 anos eu escrevia rap, hoje escrevo a história de quem tá pra viver, isso é mais que existir não pra quem pode entender mas pra quem pode sentir pra quem pode ouvir o silêncio das ruas o barulho da calçada e a sinfonia das duas pra quem se viu distante, frio que nem Plutão mais uma lenda viva morrendo de fome porque soube dizer não pra se afastar dos tiriça ou já não sabe mais se vocês quer uma BMW ou justiça
Junto as palavra na folha, boto tudo pra fora mas permaneço na encolha de momento tá tudo bem, do nada maldade vem das coisas que a vida tem, não deram escolha revidar quem ataca, chacina seria a meta repressão não me fez o vilão fez o poeta os soldados da rua tão de glock e bereta convocado pra guerra mas só me deram a caneta se a palavra é poder, impactante é o vocal tranquilizante escrever, emocionante o sarau o loco vai perceber, olha na bola do olho você vê o efeito da rima na expressão facial a mente criminal, criação do destino marginal, neguin, mal visto desde menino elevei a moral, vi as quebrada curtindo qualquer lugar que tiver vai ser por elas que eu rimo
rincon
kamau
Não sei se tenho razão, mas várias são as razões são vários os motivos poucas as motivações tenho grandes sonhos e pequenas ambições sei que mesmo que seja na melhor das intenções não aponto soluções, provoco o pensamento semeando sugestões, quantizando sentimentos e momentos da vivência que façam diferença não marcam sua presença pra ganhar mais audiência deram a sugestão, segui por empolgação surgiu a inspiração, hoje é quase obrigação o que guia minha mão pelo meu bloco sem pauta foco pro trabalho ser entregue sem falta pode não ser a resposta que cê queria ouvir é um pensamento difícil de traduzir até tento reduzir, mas nesse verso não cabe eu sei bem o meu porquê, mas e você, sabe?
porque eu rimo (non ducor duco) kamau rashid, stephanie, emicida, rincon sapiência
â&#x20AC;˘processo
Mal se equilibrava em pé. A mão direita, trêmula, segurava um pedaço de giz, a outra, um cigarro. Esperávamos a “preleção” de costume, uns cinquenta minutos que dedicava ao mundo que envolvia o poeta. Tinha sido sempre assim: primeiro o cerco histórico, ele dizia, depois uma conversa, por fim a obra. HATOUM, Milton.
Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.188.
•primeiros passos Como já mencionado, o processo de pesquisa e desenvolvimento do trabalho não foi algo linear. Embora algumas das referências citadas tenham sido ponto de partida para determinadas abordagens deste ensaio, muitas delas foram surgindo durante o percurso. Ora abandonadas, ora revisitadas, acredito que o processo permitiu uma enriquecedora liberdade na busca dessas inspirações. Percebi que, em diversos momentos, sentia a necessidade de pensar através de imagens e da organização de mapas mentais. Semelhante à metáfora da constelação de imagens de Aby Warburg 5 , porém feito através de palavras, desenvolvi um mapa de conceitos e tentei agrupá-los por afinidades temáticas, apontando os diferentes universos (e diferentes imaginários) aos quais normalmente estavam associadas cada concepção. A partir desses dois mapas mentais apresentados, o universo de pesquisa e as vontades de encontrar um denominador comum para a temática da cidade, das favelas, do urbano, do espaço, da casa, mas que se aprofundassem nas questões sentimentais e mito-poéticas do homem, foram se revelando.
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5 Abraham Moritz Warburg (1866 — 1929) foi um historiador de arte alemão. Discutia a relação das imagens e as diferentes possibilidades de associá-las. Para ele, quando colocamos diferentes imagens ou objetos numa mesa, temos uma constante liberdade para modificar a sua configuração e criar diversas constelações de imagens, possibilitando o descobrimento de novas analogias, de novos trajetos de pensamento. Ao modificarmos a ordem, fazemos com que as imagens tomem uma posição, revelando suas subjetividades e multiplicidades.
•experiências prévias frentes de estruturação Considero que a temática do Trabalho Final de Graduação foi se desenvolvendo, sobretudo, ao longo das experiências dos últimos três anos. É possível destacar três grandes eixos que estruturaram este ensaio (e que também orientaram as escolhas das disciplinas optativas cursadas nos últimos semestres): o contato com leituras e outras correntes de pensamento, sob um ponto de vista externo ao da arquitetura, como nas disciplinas de Cenografia (Artes cênicas – Escola de Comunicação e Artes), Introdução à Animação (Audiovisual – Escola de Comunicação e Artes) e Cidade, Imaginário e Experiência Subjetiva (Instituto de Psicologia); as conversas informais do dia-a-dia, os momentos de pausa e lazer com os amigos e as saídas à campo, tanto naquelas planejadas (como para a realização das entrevistas) quanto nas não planejadas, ou seja, a observação e vivência cotidiana dos mais variados espaços da cidade; as mais variadas experimentações gráficas (nos desenhos de observação do dia-a-dia, nos trabalhos finais de disciplinas), a fim de desenvolver uma linguagem pessoal, soltar o traço e entender as potencialidades do desenho enquanto representação do imaginário, do abstrato e do imaterial. As leituras realizadas, (quase que) em sua totalidade, foram fichadas e tiveram seus excertos principais transcritos, facilitando o acesso às contribuições de cada obra. O mesmo recurso foi utilizado ao se tratar de
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desenhos e imagens, como no caso das leituras de histórias em quadrinhos e das exposições visitadas, através de registros fotográficos. A seguir, são expostos alguns trabalhos gráficos desenvolvidos em outras disciplinas, mas que contribuíram para estruturar este ensaio e exploraram o universo da casa como proposta temática. Na medida em que são vistos enquanto experiências prévias, onde a maior contribuição para o trabalho final se encontra no processo de elaboração em si.
o menino e o mundo Realizado durante a disciplina A cidade, o imaginário e a experiência subjetiva, ministrada por Sandra Ribeiro no Instituto de Psicologia da USP, o trabalho discutiu a produção cinematográfica de O Menino e o Mundo, animação brasileira de 2013 escrita e dirigida por Alê Abreu, à luz de alguns textos da bibliografia base da disciplina. O filme conta a história do menino Cuca, que vive em uma pequena aldeia no interior. Seu pai parte em busca de trabalho na distante e misteriosa capital (cidade grande), e Cuca resolve sair mundo afora à sua procura, desvendando e experimentando um universo totalmente diferente do seu. Com base nos textos de George Simmel, Lewis Mumford e Augustin Berque, a análise teve como principal
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foco a discussão de cidade a partir da transição entre rural e urbano, aldeia e cidade grande, interior e capital, sob a ótica de uma criança e todo o simbolismo presente em suas percepções (infantilidade, ingenuidade). A ilustração tentou refletir esses dois mundos vivenciados por Cuca ao longo da animação: o de sua infância na aldeia, repleto de cores, onde sua casa, sua família e o contato com a natureza estão presentes, assim como as principais memórias afetivas; e o da cidade grande, das máquinas, cinza, que leva seus habitantes à exaustão.
autorretrato Realizado durante a disciplina Introdução à Animação, ministrada por João Schittler na Escola de Comunicação e Artes da USP, as ilustrações buscaram refletir a presença do corpo no espaço e discutir, de maneira poética, a simbologia da vida enquanto algo cíclico.
casa, mundo Proposta como exercício final para a mesma disciplina, a animação pretende revelar a importância da casa na vida do homem. Através do (re)encontro entre a garota e sua primeira morada vemos como ela se revela e se conecta enquanto lugar dos sonhos, transmitindo a ideia de abrigo
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e explorando seu potencial íntimo, que guarda em seu espaço as memórias e os sentimentos daquele que a habita. É verdadeiro na vida. Mais verdadeiro ainda no devaneio. As verdadeiras casas da lembrança, as casas aonde os nossos sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel, são avessas a qualquer descrição. (...) Descrevê-las seria fazê-las visitar. Do presente, pode-se talvez dizer tudo, mas do passado! A casa primeira e oniricamente definitiva deve guardar sua penumbra. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 205.
A domesticidade dos corpos Na tentativa de observar as maneiras com que se dão as transformações do significado de habitar, o ensaio buscou discutir, a partir da casa, as relações de poder que ali existem, e investigar os modos com que foi se convertendo na tal máquina de habitar, refletindo na espacialidade e nas dinâmicas familiares. A história em quadrinhos foi proposta como trabalho final da disciplina Arquitetura, Espaço e Sociedade: Teoria e Crítica, ministrada na FAU USP
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por José Lira, que tinha como objetivo principal a investigação das maneiras em que o corpo sensível é afetado, através das relações e mecanismos de poder existentes nos espaços da cidade.
gravuras em metal Ensaios sobre a representação gráfica da casa, realizados na técnica de gravura em metal durante a disciplina Linguagens Gráficas, ministrada na FAU USP por Maria Teresa Saraiva. As gravuras foram impressas no Laboratório de Produções Gráficas - LPG FAU USP. Pensou-se em três representações de diferentes tipos de casa que guardassem em sua essência a mesma noção de habitar - apesar de todas as qualidades que as diferem. Embora desenhados em três matrizes diferentes, a ideia era criar um conjunto composto pelas três ilustrações a partir dos pontos de fuga de cada perspectiva. Durante o processo foram realizadas também algumas monotipias, a fim de estudar possíveis grafismos e texturas a serem aplicados nas gravuras.
serigrafias No decorrer da disciplina Linguagem e Expressão, ministrado por Francisco Homem de Melo na FAU USP, foram
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exploradas diversas técnicas de expressão gráfica, da tipografia de chumbo à impressão digital. Durante os exercícios realizados na técnica de serigrafia com matriz em papel vegetal, optou-se pela representação gráfica da casa no espaço das favelas, dentro das dimensões propostas. Foram realizados duas experiências gráficas, impressas no Laboratório de Produções Gráficas - LPG FAU USP. A primeira serigrafia realizada teve como ideia principal de ilustração a representação de um conjunto de casas e os diversos elementos construtivos que caracterizam a rua. Aproveitando a possibilidade de reprodução que a técnica de serigrafia oferece, pensou-se em uma maneira de criar uma matriz modular, que permitisse encaixes nos dois sentidos e não evidenciassem a repetição. Assim, os conjuntos de casas são compostos por desenhos de casas diferentes. Para o segundo experimento realizado, partindo dos mesmos princípios da ilustração anterior, pensou-se em uma maneira de criar vários pequenos módulos quadrados, que permitisse encaixes nos quatro sentidos. No entanto, diferentemente da primeira serigrafia, que explorava a horizontalidade, os desenhos foram pensados de forma a evidenciar a verticalidade de algumas favelas, sendo as escadas e lajes seus principais elementos estruturadores.
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serigrafia 1 Técnica: Serigrafia com matriz em papel vegetal; Dimensões: 18 x 27 cm; Especificações: Matriz em caneta nanquim. Serigrafia em conjunto de 3 módulos.
A ideia principal da ilustração foi representar
um conjunto de casas e os diversos elementos construtivos que caracterizam a rua. Aproveitando
a possibilidade de reprodução que a técnica de
serigrafia oferece, pensou-se em uma maneira de
criar uma matriz modular, que permitisse encaixes nos dois sentidos e não evidenciassem a repetição. Assim, os conjuntos de casas são compostos por desenhos de casas diferentes.
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serigrafia 2 Técnica: serigrafia com matriz em papel vegetal; Dimensões: 18 x 27 cm cada tela; Especificações: Matrizes em caneta nanquim, Serigrafia em conjunto de 12 módulos de 9 x 9 cm cada.
Partindo dos mesmos princípios da ilustração
anterior, pensou-se em uma maneira de criar vários pequenos módulos quadrados, que permitisse
encaixes nos quatro sentidos. No entanto, dife-
rentemente da primeira serigrafia, que explorava a horizontalidade, os desenhos foram pensados de forma a evidenciar a verticalidade de algumas
favelas, sendo as escadas e lajes seus principais elementos estruturadores.
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sketches Os desenhos de observação tiveram enorme
contribuição para o processo de elaboração deste
TFG. Realizados principalmente em aulas, palestras,
seminários e apresentações, o ato de desenhar
nessas situações me encorajou a soltar e exercitar o traço. Percebi também que o desenho se configurou
como minha forma de anotação, pois as memórias associadas a ele, muitas vezes, eram mais nítidas que
aquelas associadas às anotações por escrito. Ainda,
os sketches representam lembranças importantes,
seja do ponto de vista afetivo e emocional, seja em relação à riqueza do conteúdo debatido em cada uma das ocasiões.
O reencontro com o desenho foi essencial durante a
etapa final de minha graduação. Ao longo dos anos
na FAU, é nítido perceber como a imensa maioria dos
estudantes se distancia da ferramenta do desenho, seja como forma de expressão artística, seja como
modo de representação gráfica dos trabalhos acadêmicos realizados. Se por um lado as novas
tecnologias encaminham este distanciamento, por outro é a própria escola desencoraja o aluno a manter
o ato de desenhar como parte do cotidiano do curso de arquitetura.
Assim como nos trabalhos acadêmicos em geral,
é comum encararmos o desenho como um produto
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final, que seja esteticamente agradável. Desse modo, deixamos de entendê-lo justamente como ferramenta essencial do processo criativo, seja ele qual for.
Todos esses desenhos - além de reduzidos a seguir
- também se encontram de alguma forma ou outra distribuídos neste caderno teórico.
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•dicionário analógico thesaurus Na etapa final de elaboração do trabalho entrei em contato pela primeira vez com o Dicionário Analógico da língua portuguesa – ideias afins / thesaurus 6 , de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Diferentemente dos dicionários comuns, o Dicionário Analógico não procura informar os significados e definições das palavras, e sim, agrupá-las, entre muitas palavras análogas, em áreas de significados, em campos de conhecimento que se relacionam entre si. São duas as possibilidades de busca no dicionário analógico: a primeira, através da identificação da área
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Conhecido como tesauro, é uma obra de referência que lista e agrupa palavras com significados semelhantes dentro de um domínio específico de conhecimento. O objetivo é auxiliar o escritor na escolha das palavras que melhor expressam uma determinada ideia.
conceitual na qual se encaixa a palavra, seguindo o modelo do Thesaurus de Roget 7, que apresenta uma grande árvore classificatória dos grupos analógicos; a segunda, a partir de termos e expressões conhecidas, organizadas em um índice geral que relaciona todas as palavras e expressões contidas no dicionário. Entender a estrutura organizacional de classificação das palavras e compará-las analogamente com os temas explorados no TFG foi um processo interessante. A dimensão do tempo, sempre presente nas relações entre homem e casa, aparece inserida na Classe I – relações abstratas. A categoria do espaço, essencial na discussão da casa nas favelas e seu significado pros seus habitantes, é entendida enquanto grande protagonista, e por isso constitui sua própria classe de palavras (Classe II). Os aspectos materiais e físicos do mundo estão agrupados na Classe III – matéria. Em
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Criado em 1805 por Peter Mark Roget (1779–1869), o Thesaurus de Roget é o mais importante e conhecido thesaurus elaborado na língua inglesa.
contrapartida, na Classe VI – afeições, se agrupam as sensações e sentimentos do homem. Por fim, temos na Classe IV – entendimento; um conjunto de palavras que fazem parte da estruturação do pensamento e das maneiras possíveis de comunicar as ideias. E é justamente a estruturação de um raciocínio que seja coerente e a discussão da melhor forma de representá-lo que compõem os principais desafios do TFG.
classificação das palavras Esquema de classificação das palavras, organizadas em classes e divisões temáticas. Dentro das divisões, existem ainda subdivisões, em determinados casos.
Classes
Divisões I.
I. Relações abstratas
II. Espaço
III. Matéria
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Números
Existência
1-8
II.
Relação
9 - 24
III.
Quantidade
25 - 57
IV.
Ordem
58 - 83
V.
Número
84 - 105
VI.
Tempo
106 - 139
VII.
Mudança
140 - 152
VIII.
Causa
153 - 179
I.
Em geral
180 - 191
II.
Dimensões
192 - 239
III.
Forma
240 - 263
IV.
Movimento
264 - 315
I.
Em geral
316 - 320
II.
Inorgânica
321 - 356
O que Move as Coisas
Classes
Divisões
III. Matéria
III.
Orgânica
357 - 449
I.
Formação das ideias
450 - 515
II.
Comunicação das ideias
516 - 599
I.
Individual
600 - 736
II.
Com referência à sociedade
737 - 819
I.
Em geral
820 - 826
IV. Entendimento
V. Vontade
VI. Afeições
Números
II.
Pessoais
827 - 887
III.
Simpáticas
888 - 921
IV.
Morais
922 - 975
V.
Religiosas
976 - 1000
quadro sinóptico Classe I. Relações abstratas
Divisão VI. Tempo
1. Absoluto
106. Tempo
107. Nunca
108. Período
109. Curso
110. Diuturnidade
111.Transitoriedade
112. Eternidade
113.Instantaneidade
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100
O quadro sinóptico é o resumo esquematizado de uma ideia. Permite a visualização da estrutura geral do conteúdo exposto. As tabelas destacadas mostram o modo de organização em quatro colunas: a primeira indica uma nova subdivisão. As outras três colunas são colocadas em lados opostos. Representam conceitos antagônicos, No centro, representam algum conceito neutro ou sem um antônimo correspondente.
Classe I. Relações abstratas
Divisão VI. Tempo 1. Absoluto
114. Cronometria
115. Anacronismo
116. Prioridade
117. Posterioridade
118. Tempo presente
119. Tempo diferente
2. Relativo
2.I. A sucessão
120. Sincronismo
2.II. A um período determidado
121. Futuro
122. Passado
108. Período
108. Período
123. Novidade
124. Velharia
125. Manhã
126. Tarde
127. Infância
128. Velhice
129. Infante
130. Ancião 131. Adolescência
2.III. A um efeito ou propósito 3. Periódico
132. Presteza
133. Demora
134. Oportunidade
135. Inoportunidade
136. Frequência
137. Infrequência
138. Periodicidade
139. Irregularidade
101
O que Move as Coisas
Classe II. Epaço
Divisão I. Espaço em geral
1. Considerado abstratamente
2. Relativo
3. Existência no espaço
180. Espaço
180-a. Inextensão 181. Região 182. Lugar 183. Situação
184. Localização
185. Deslocação
186. Presença
187. Ausência
188. Habitante
189. Morada 190. Conteúdo 191. Receptáculo
Classe III. Matéria
Divisão I. Matéria em geral 316. Matéria
317. Imaterialidade 318. Universo
319. Gravidade
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320. Leveza
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Classe III. Matéria
Divisão III. Matéria orgânica
1. Vitalidade
357. Organização
358. Não organização
359. Vida
360. Morte
1.I. Em geral
361. Homicídio 362. Cadáver 363. Enterro
Classe IV. Entendimento
Divisão I. Formação das ideias
1. Operações intelectuais em geral
450. Intelecto 451. Pensamento
452.Incompreensão
453. Ideia
454. Tópico
505. Memória
506. Esquecimento
507. Expectativa
507. Surpresa
6. Extensão do pensamento 6. I. Passado
6. II. Futuro
509. Ceticismo 510. Previdência
103
O que Move as Coisas
Classe IV. Entendimento
Divisão I. Formação das ideias 511. Predição 6. II. Futuro
512. Agouro
7. Pensamento criador
514. Suposição
513. Oráculo
515. Imaginação Divisão II. Formação das ideias
3. Meios 550. Indicação 551. Registro
552. Supressão 553. Registrador
3.I. Meios naturais
554. Representação
555. Arremedo 556. Pintura 557. Escultura 558. Gravura 559. Artista
3.II. Meios convencionais
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560. Linguagem 561. Letra
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Classe VI. Afeições
Divisão I. Afeição em geral 820. Qualidades 821. Sentimento 822. Interesse
823. Desinteresse 824. Excitação
825. Excitabilidade
826.Inexcitabilidade
Divisão II. Afeições pessoais 827. Prazer
828. Sofrimento
829. Deleite
830. Dolorimento
831.Contentamento
832Descontentamento
833. Saudade 834. Alívio
835. Agravação
836. Alegria
837. Tristeza
1. Passivas
838. Regojizo
839. Lamentação
840. Divertimento
841. Enfado
842. Espírito
843. Chateza
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O que Move as Coisas
As tabelas destacadas indicam alguns dos principais conceitos trabalhados ao longo do TFG. Dentro da organização do dicionário são palavras de destaque: tempo, espaço, lugar, habitante, morada, universo, vida, morte, ideia, memória, imaginação, representação, linguagem, sentimento(s), espírito, alegria, tristeza, saudade. Muitas dessas palavras se encontram também no primeiro mapa mental desenvolvido durante o processo de escolha do TFG. De maneira semelhante, tais conceitos foram organizados segundo outros grupos de palavras - podendo pertencer, inclusive, a mais de um deles. Entre conceitos que poderiam ser discutidos mais profundamente, no índice estão os quatro principais que estruturaram o trabalho, presentes ao longo de todo o processo: imaginário, casa, favela e cidade. Constata-se a ausência de qualquer menção à palavra favela; embora se justifique pelo fato do dicionário ter sido escrito em 1950, ressalta-se que não foram incluídas nas novas revisões, podendo indicar que, além de ser um termo mais recente, é também assunto visto com menor relevância. O termo cidade limita-se à relação com apenas outra palavra - morada; não estão presente na casa muitos de seus aspectos imateriais aos quais poderia estar associada; e por fim, o imaginário é trabalhado apenas sob o viés do inexistente, do falso e irreal.
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โ ขimaginรกrio
O ninho do homem, o mundo do homem, nunca termina. E a imaginação nos ajuda a continuá-lo. BACHELARD, Gaston.
A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 53.
•teoria do imaginário No decorrer do século XX, o imaginário foi tema de investigação de pensadores de diversos campos de conhecimento. Gaston Bachelard, Sigmund Freud, Gilbert Durand, Jacques Lacan, Cornelius Castoriadis, Henri Corbin, entre outros teóricos, dedicaram seus estudos a fim de apresentar diferentes dimensões e significações ao imaginário que rompessem com o senso comum. De maneira geral, o imaginário é visto e entendido como algo irreal, fictício e inexistente, pertencente ao universo da imaginação. Essa maneira de interpretar o imaginário passa a ser contestada por esses autores, que começam a associá-lo à produção e reprodução de símbolos, à formação das imagens, mitos, arquétipos, como parte integrante das capacidades imaginativas do homem. Dada a complexidade do tema, não será possível, nas poucas linhas que se seguem, explorar suas diversas perspectivas e teorias. Embora tenha tido um breve contato com o pensamento de Gilbert Durand, o trabalho segue a linha de pensamento Bachelardiana acerca do imaginário, pautado em sua obra A poética do espaço – primeiro contato que tive com a teoria do imaginário, sob outra perspectiva do termo. Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo e ensaísta francês, foi pioneiro no estudo do imaginário a partir de novas concepções. Sua leitura, além de introduzir a noção de imaginário enquanto estrutura fundamental de todos os
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116
processamentos do pensamento humano, situa os espaços da casa em relação aos aspectos íntimos do homem, através de uma abordagem poética e sensível. As imagens poéticas geradas por Bachelard inspiraram o estudo do ambiente doméstico, atentando-se ao fato de que a casa analisada (estruturada em três andares – sótão, térreo e porão) representava o contexto europeu e de sua época. Como seria possível entender os vários elementos presentes no espaço das casas no contexto brasileiro, em especial nas favelas? Só a fenomenologia – isto é, o levar em conta a partida da imagem numa consciência individual – pode ajudar-nos a restituir a subjetividade das imagens e a medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem. Todas essas subjetividades, transubjetividades, não podem ser determinadas definitivamente. A imagem poética é essencialmente variacional. Ela não é, como o conceito, constituitiva. (...) pede-se ao leitor de poemas para não tomar uma imagem como objeto, menos ainda como substituto do objeto, mas perceber-lhe a realidade específica. É preciso para isso associar sistematicamente o ato da consciência criadora ao produto mais fugaz da consciência: a imagem poética. (...) A imagem, em sua simplicidade, não precisa
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O que Move as Coisas
de um saber. Ela é uma dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão, é uma linguagem jovem. O poeta, na novidade de suas imagens, é sempre origem de linguagem. Para especificarmos bem o que possa ser uma fenomenologia da imagem, para frisarmos que a imagem existe antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, antes de ser uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma. Deveríamos então acumular documentos sobre a consciência sonhadora. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 185.
Dessa forma, a obra de Bachelard e suas considerações sobre o imaginário, imagens poéticas e imagem em movimento reverberou durante todo o processo de elaboração do Trabalho Final, sendo vista como obra introdutória que apresentou um campo de conhecimento totalmente novo. Explorar, de fato, suas publicações e considerações sobre o imaginário e os quatro elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) demandaria muito tempo e, ainda assim, talvez não fosse tarefa viável, diante de sua densidade. No entanto, a leitura de A poética do espaço indicou a vontade de trabalhar com os imaginários da casa no espaço das
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favelas, especialmente por meio de uma abordagem poética possibilitada pela linguagem do desenho, das histórias em quadrinhos. Consideramos, portanto, que o imaginário não representa aquilo que é oposto ao real. A imaginação precede a razão, e antes que um fato aconteça ele foi imaginado. Sendo assim, tentar entender os imaginários da casa, os imaginários das favelas e os imaginários da cidade significaria tentar entender, de maneira mais profunda, as relações existentes entre o homem e seus espaços. Seguimos a imaginação em sua tarefa de engrandecimento até ultrapassar a realidade. Para ultrapassar efetivamente, é preciso primeiramente aumentar. Vimos com que liberdade a imaginação trabalha o espaço, o tempo, as forças. Mas não é apenas no plano das imagens que a imaginação trabalha. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 270.
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O que Move as Coisas
•imaginarios un encuentro en el tiempo Durante visita ao Museu Casa de la Memoria, em Medellin (Colômbia), tive a oportunidade de conhecer a exposição Imaginarios: un encuentro en el tiempo, que através de desenhos, contos, fotografias e entrevistas misturava elementos da memória, das vivências e das expectativas dos colombianos, no intuito de fundir sonhos e realidades e construir imaginários de paz que fossem possíveis ao país. A visita à exposição foi substancial para a elaboração do trabalho final de graduação e fundamentou suas bases, principalmente devido a três fatores. Primeiro, pela abordagem de um tema tão complexo como a violência e a guerra, partindo da interpretação dos Imaginários enquanto representações individuais e coletivas que dão forma às interpretações de diversas realidades. A exposição consegue colocar em pauta, de modo extremamente sensível, a questão da violência, um dos temas mais vulneráveis para a população colombiana. Isso reforçou a importância do Imaginário enquanto ferramenta de análise das questões emocionais e espaciais que envolvem o homem. Segundo, pelo caráter participativo do processo de organização. Organizada através de convocatórias públicas que contaram com diversos movimentos sociais e estudiosos do tema da memória, seu processo legitimou a exposição ao dar voz àqueles que sofreram diretamente com o duro histórico de guerra de Medellín, que afetou a população
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120
durante anos e deixou marcas imensuráveis. Por fim, pela escolha de linguagem e de representação. Misturando literatura, poesia, entrevistas, produções audiovisuais, ilustração e fotografia, a exposição consegue emocionar e nos fazer refletir sobre todos os acontecimentos passados, de modo que não se repitam no futuro. A experiência da exposição ressignificou o conceito de imaginário e suas possibilidades. Sua capacidade poética, subjetiva e simbólica ao trabalharmos com temas tão sensíveis, como a violência e o problema da moradia, reforçou a abordagem do trabalho final partindo do imaginário. Embora não seja de fácil entendimento quando visto do ponto de vista estritamente teórico, o imaginário, retratado sob outras formas de representação, ganha força e se apresenta como abordagem extremamente pertinente ao estudo da simbologia da casa e das experiências que envolvem o habitar. Imaginarios. Un encuentro en el tiempo Nuestros conflictos gracias a nuestra capacidad de imaginar e intuir soluciones Los
imaginarios
son
las
representaciones
individuales y colectivas que dan forma a las interpretaciones de las realidades, las relaciones entre las personas, y entre estas y sus territorios. Se materializan según el tiempo y las condiciones
121
O que Move as Coisas
históricas, sociales y culturales. Es por esta razón que los imaginarios tienen una estrecha relación con la memoria, pues se reafirman, de-construyen o transforman, de acuerdo a las huellas, imágenes y referentes del pasado y el presente. En esta exposición se presentan los imaginarios de vida en paz de los ciudadanos de Medellín, los cuales cuestionan la linealidad del tiempo y evidencian tensiones entre pasado, presente y futuro. En el acto de imaginar, el tiempo se convierte en una espiral donde se mezclan nuestros recuerdos, vivencias y expectativas, y se funden los sueños y las realidades. IMAGINARIOS, Un encuentro en el tiempo, es el resultado de los procesos de construcción participativa de memorias, desarrollados en los laboratorios de creación-reflexión y la convocatoria pública de estímulos, propuestos por el Museo Casa de la Memoria. El recorrido es una invitación a transformar los imaginarios de guerra, volvernos hacia otras creencias, mitos, lenguajes y símbolos; para transitar hacia nuevas formas de construir y comprender la paz, como el reconocimiento de otras identidades, formas de habitar el territorio, prácticas de resiliencia y maneras de relacionarnos con los otros. Alrededor de estos imaginarios de vida en paz se van configurando
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las necesidades sobre las cuales podrían edificarse las prácticas cotidianas, formas de participación ciudadana y estrategias estatales que promuevan la superación del conflicto. •MUSEO CASA DE LA MEMORIA. Imaginarios: un encuentro en el tiempo Medellín: Museo Casa de la Memoria, 2017.
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O que Move as Coisas
â&#x20AC;¢ensaios
O que é a cidade de São Paulo? Quem é São Paulo de Piratininga? Não existe propriamente uma São Paulo, são várias as cidades de emergência que aqui existiram à beira do Anhangabaú. Realmente o vilejo do jesuíta nada tem que o relacione ao centro que cingiu o mundo no comércio do café. Nada tem que ver a garoenta cidade jurídica com o centro de irradiação aventureira que foi buscar no sertão, índio e esmeralda. Nada tem que ver finalmente a histórica cidade da independência, com a chaminezona de agora, dependente, industrial, internacional, onde o autoctonismo será simples soberbia desocupada. À medida que as exigências dum presente novo se firmavam, surgia uma diversa civilidade paulistana que se deixava empolgar por uma nova razão-de-ser e só
dela cuidava. E assim, quem queira ter um panorama histórico de São Paulo, não conseguirá mais que um rosário de cidades sucessivas que no correr do tempo vieram pousar no mesmo bebedouro do Anhangabaú. Americanamente, São Paulo sempre foi uma cidade incompleta, desprovida daquele totalismo civil, que torna os grandes centros da civilização europeia, conglomerados polimorfos, donde irradia e para os quais chega sempre, não tal ou qual manifestação especializada da atividade humana, mas o homem em sua inenarrável grandeza. Constantemente na América, a psicologia dos caminhos demonstra bem nossas desarmonias. São frequentes entre nós, as cidades cujos caminhos parecem apenas partir, ao passo que em outras os caminhos parecem apenas chegar.., ANDRADE, Mário.
Dia de São Paulo. In: RAM - REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. v.206, 202 p., 2015. p.13.
•casa, favela, cidade No decorrer das diversas leituras e experiências que deram as bases do processo de pesquisa foram escritos alguns ensaios sobre os espaços da casa, das favelas e da cidade como um todo. Em um primeiro momento a investigação foi dividida entre esses três eixos temáticos, a fim de facilitar sua compreensão, mas tal divisão deixou de fazer sentido. Desse modo, as reflexões elaboradas no início do trabalho e expostas a seguir são, em sua grande maioria, questionamentos que reverberaram em sua sequência e orientaram o olhar nas entrevistas e nas vivências espaciais, partindo do microcosmo da casa ao macrocosmo da cidade.
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•o homem e a casa A maior relação de intimidade entre o homem e o espaço está representada na sua conexão com a casa. Esta casa se manifesta tanto fisicamente quanto no imaginário. Apesar de se encontrar em algum lugar na cidade, com dimensões, características e demais peculiaridades que configuram seu espaço físico, sua existência está atrelada ao significado que o homem a ela atribui. Se desde seu nascimento o ser humano já possui dentro de si as noções de abrigo (proporcionada pelo período de gestação), a importância da casa se faz evidente – assim como tudo que a ela se relaciona. Quais são, portanto, as influências da casa na vida do homem? Mais especificamente, de que modo a primeira morada se reproduz em sua vida? O que ela revela? (...) É preciso, ao contrário, superar os problemas da descrição – seja essa descrição objetiva ou subjetiva, isto é, que ela diga fatos ou im pressões – para atingir as virtudes primeiras, aquelas em que se revela uma adesão, de qualquer forma, inerente à função primeira de habitar. (...) o fenomenólogo faz o esforço preciso para compreender o germe da felicidade central, seguro e imediato. Encontrar a concha inicial, em toda a moradia, mesmo no castelo, eis a tarefa primeira do fenomenólogo. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 199.
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O que Move as Coisas
Portas da casa I. A casa está na tarde Actual mas nos espelhos Há o brilho febril de um tempo antigo Que se debate emerge balbucia II. Com um barulho de papel o vento range na palmeira O brilho das estrelas suspende nosso rosto Com seu jardim nocturno de paixão e perfume A casa nos invade e nos rodeia III. A casa vê-se de longe porque é branca Mas sombrio É o quarto atravessado pelo rio IV. A casa jaz com mil portas abertas O interior dos armários é obscuro e vazio A ausência começa poisando seus primeiros passos No quarto onde poisei o rosto sobre a lua ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Geografia. Lisboa: Caminho, 2005. p.53.
A representação deste espaço pode ser feito de algumas formas: através da descrição (objetiva e também subjetiva, abrangendo as sensações e evocando as memórias), através do desenho, em três dimensões... Cada forma de representar a casa revela, em algum aspecto, singularidades que se apresentam na vida cotidiana. Deste modo começamos a entender a importância da casa na vida do Homem; entender o porque da casa ser o objeto de estudo deste trabalho, uma vez que repercutirá ao decorrer de toda sua vida; compreender a casa enquanto abrigo que possibilita o sonho e o devaneio, como nos escreve Bachelard. Consolidada a temática da casa nas favelas e buscando essa conexão do imaginário, da poética do espaço e dos sentidos que a arquitetura proporciona ao indivíduo, partiu-se para algumas reflexões, desde o microcosmo da casa até as favelas, enquanto conjunto de vários microcosmos. Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo. Até a mais modesta habitação, vista intimamente, é bela. Os escritores de aposentos simples evocam com frequência esse elemento da poética do espaço. Mas essa evocação é sucinta demais. Tendo pouco a descrever no aposento modesto, tais
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escritores quase não se detêm nele. Caracterizam o aposento simples em sua atualidade, sem viver na verdade a sua primitividade, uma primitividade que pertence a todos, ricos e pobres, se aceitarem sonhar. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 200.
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133
O que Move as Coisas
A luz e a casa Em redor da luz Com sombras e brancos A casa se procura Minhas mãos quase tocam O brando respirar Da sua atenção pura ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Geografia. Lisboa: Caminho, 2005. p.34.
A noite e a casa A noite reúne a casa e o seu silêncio Desde o alicerce desde o fundamento Até a flor imóvel Apenas se ouve bater o relógio do tempo A noite reúne a casa e seu destino Nada agora se dispersa se divide Tudo está como o cipreste atento O vazio caminha em seus espaços vivos ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Geografia. Lisboa: Caminho, 2005. p.35.
•correlações ambientes e estados de ânimo De que maneira os ambientes da casa invocam determinados sentimentos, memórias, medos, desejos? Na casa Europeia estudada por Bachelard ela é imaginada como um ser vertical, estruturada entre sótão / térreo / porão, e se relaciona diretamente à estrutura psicológica do homem. A verticalidade é assegurada pela polaridade do sótão e porão, e a ela se associam diversas imagens. De maneira geral, o térreo representa os acontecimentos do dia-a-dia, com elementos da vida cotidiana. O sótão é associado aos sonhos, aos desejos, pois permite ao habitante da casa elevar-se. Nele também se encontra a racionalidade: mesmo quando lidamos com o medo é preferível buscá-lo no sótão, onde os pensamentos são mais claros, uma vez que a escuridão não é permanente e a experiência do dia pode sempre apagar o medo da noite. Do contrário, o porão é primeiramente o ser obscuro da casa, associado à irracionalidade das profundezas, onde a escuridão impera dia e noite. Bachelard diz ainda que os cantos da casa são essenciais ao devaneio do homem, dada sua simplicidade e por não estarem associados a nenhuma função. Com o passar do tempo, o conceito de máquina de morar e de racionalização do espaço fez com que os cantos (por vezes vistos como espaços residuais) fossem minimizados ao máximo. Eis o ponto de partida de nossas reflexões: todo
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136
canto de uma casa, todo ângulo de um aposento, todo espaço reduzido onde gostamos de nos esconder, de confabular conosco mesmo, é, para a imaginação, uma solidão, ou seja, o germe de um aposento, o germe de uma casa. (...) O canto é, então, uma negação do universo. No canto não se fala a si mesmo. Se nos recordamos das horas do canto, recordamos o silêncio, um silêncio de pensamentos. (...) O mais sórdido dos refúgios, o canto, merece um exame. Recolher-se no seu canto é, sem dúvida, uma expressão pobre. Mas se ela é pobre, é também aquela que possui numerosas imagens, imagens de uma grande antiguidade, talvez mesmo imagens psicologicamente primitivas. Muitas vezes, quanto mais simples é a imagem, maiores são os sonhos. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 286.
Diante dessas considerações foram levantados alguns questionamentos no contexto da casa nas favelas. Como se daria essa manifestação dos sentimentos a partir do momento em que a verticalidade da casa e a organização por andares se transforma em um andar único – ou ainda,
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O que Move as Coisas
deixa de existir? Se a escada é vista por Bachelard como o elemento de ascensão do homem, que conecta ao céu e carrega consigo a simbologia da subida (não só no aspecto físico), teria ela – na casa das favelas – a mesma conotação? Não seria a laje este espaço de ascensão e conexão com o céu, com a natureza? E se, por um lado, a laje permite esse momento de intimidade (como os cantos permitem), não seria ela também o espaço de convívio familiar, coletivo? Qual seria a correlação entre os cantos, tão necessários para o devaneio, na casa das favelas? Enxergar os becos e vielas como extensão da casa não possibilitaria sua análise enquanto canto? E se os cantos trazem uma intimidade do sonho, um canto coletivo poderia atribuir um novo sentido a esses sonhos? (...) é graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas e se a casa se complica um pouco, se tem o porão e o sótão, cantos e corredores, nossas lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados. Voltamos a eles durante toda a vida em nossos devaneios. Um psicanalista deveria portanto dar atenção a essa simples localização das lembranças. Como indicamos em nossa introdução, daríamos a essa análise auxiliar da psicanálise o nome de topoanálise. A topoanálise seria então o estudo psicológico sistemático dos lugares físicos
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de nossa vida íntima. No teatro do passado que é a nossa memória, o cenário mantém os personagens em seu papel dominante. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 202.
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O que Move as Coisas
No quarto No quarto roemos o sabor da fome A nossa imaginação divaga entre paredes brancas Abertas como grandes páginas lisas O nosso pensamento erra sem descanso pelos mapas A nossa vida é como um vestido que não cresceu conosco ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Geografia. Lisboa: Caminho, 2005. p.47.
•corpo do homem e da casa É comum comparar os elementos que nos cercam com o funcionamento do corpo humano, uma vez que nosso corpo é a principal referência perante o mundo. Ao longo da história muitos autores compararam a casa com o corpo do homem, ora de maneira poética, como quando se diz que os olhos são como a janela da alma, ora de maneira sistemática, onde a casa já esteve inserida num planejamento de cidades que seguia a organização de fluxos e setorização de funções analogamente ao funcionamento biológico de nossos organismos. Após a leitura do Corpo Utópico, de Foucault, comecei a imaginar a casa como um corpo. Na tese de doutorado de Rabinovich, a casa como corpo emerge como uma das cinco categorias identificadas no universo doméstico. De que maneira, para a presente pesquisa, seria pertinente essa comparação entre casa e corpo? É em referência ao corpo que as coisas estão dispostas. (...) o coração do mundo é esse pequeno núcleo utópico a partir do qual sonho, falo, me expresso, imagino, percebo as coisas em seu lugar e também as nego pelo poder indefinido das utopias que imagino. (...) O meu corpo (...) não tem lugar, mas é de lá que se irradiam todos os lugares possíveis, reais ou utópicos. (...) Então, o corpo, em sua
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materialidade, em sua carne, seria como o produto de suas próprias fantasias. •FOUCAULT, Michel. O corpo utópico. As heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2O13. p. 3.
Se entendermos o espaço da casa como uma complementariedade do homem, como sua extensão e, não só isso, como lugar fundamental ao seu imaginário, não poderia a casa ser vista como este corpo que Foucault nos descreve, no âmbito da cidade? Não é a partir da imagem da casa que se irradiam todos os outros lugares? Não seria a casa o produto das próprias fantasias do homem? Não seria ela a utopia onde se reproduzem, nesses espaços do microcosmo, uma utopia de cidade?
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O que Move as Coisas
- Tia Miserinha, o Avô quer que vá para nossa casa. - Eu sei, ele sempre quis. Mas não posso. - Aquela é a sua casa. - Minha casa é esse mundo todo. Deste e do outro lado do rio. A sua recusa é definitiva. Eu não percebia. Miserinha explica: no mundo de hoje, tudo é areia sem castelo. Há lugar de morar, há lugar de viver. Agora, lhe faltava era um lugar de morrer. Pede-me que escute um pedido simples: enquanto estiver na Ilha eu que dê uma volta pelas ruelas, só para ver se ela não estaria por ali tombada, num beco sem luz. COUTO, Mia.
Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.136.
E é por esse mundo, agora já aumentado, que vou prosseguindo. Nunca a Ilha me pareceu tão extensa, semelhando ser maior que o próprio rio. Desço a encosta até que vejo Ultímio sentado no paredão do cais. Está olhando a outra margem do rio. As faixas que lhe cobrem as queimaduras parecem amarfanhá-lo por dentro. Dir-se-ia que esperava por mim, falando de costas, sem virar: - Estou à espera do barco. Vou para a cidade. - Vai sair, Tio? - vou, mas volto logo para tratar da comprar de Nyumba-Kaya. - O Tio não entendeu que não pode comprar a casa velha? - Pois, escute bem, eu vou comprar com meu dinheiro. Essa casa vai ser minha. - Essa casa nunca será sua, Tio Ultímio. Ai não?! E porquê, posso saber? - Porque essa casa sou eu mesmo. O senhor vai ter que me comprar a mim para ganhar a posse da casa. E para isso, Tio Ultímio, para isso nenhum dinheiro é bastante. COUTO, Mia.
Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.248.
•a casa experiência multissensorial Após a leitura de Os olhos da pele, de Juhani Pallasmaa, passei a imaginar como os sentidos são trabalhados no espaço das casas nas favelas. Se muitas vezes nos deparamos com ambientes menores – ou até com uma multiplicidade de ambientes concentrados em um só -, quais as mudanças entre as sensações tidas nesses espaços em contraste com os espaços da cidade formal? Os principais fatores ambientais que caracterizam as cidades são: Tempo, cheiro, ritmo e espaço. O tempo da cidade tem uma cadência especial. É afetado pela breve duração dos eventos. O cheiro é uma cacofonia de emissões de um sem-número de empreendimentos. O ritmo é um elemento da velocidade que dita como os habitantes têm de negociar o movimento. E o espaço é a limitada área habitável deixada pelos obstáculos no labirinto de concreto. •EISNER, Will. Nova York: a vida na grande cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 240.
A casa, todas elas, parecem ter voz. Comunica-se com seus moradores, ainda que de modo sutil. Os cheiros remetem a eventos específicos, de determinados dias da semana.
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Através dos ruídos, o chão e as paredes denunciam as atividades simultâneas que ocorrem pela casa: o chiar da panela, o escorrer da água do chuveiro, o caminhar do chinelo, o noticiário da TV. Sabemos quem está ou não presente simplesmente pelos sinais que o ambiente nos revela. O som exterior, que muitas vezes não é absorvido, cria uma sensação maior de interioridade, na mesma medida em que relembra que a casa não está imune às relações vicinais com o mundo exterior. Do mesmo modo que os cheiros e ruídos, a luz se relaciona diretamente com o cotidiano da casa. Seria possível afirmar que a relação entre as sombras e a pouca luz natural nos espaços concentrados, como ocorre em alguns conjuntos de casas nas favelas, convida o morador a entregar-se mais facilmente à fantasia? Qual a influência da luz no controle sobre a passagem do tempo, ao longo do dia? E a materialidade das casas? Como o tato interpreta sua textura, sua temperatura, sua história e sua memória? El ojo es el órgano de la distancia y de la separación, mientras que el tacto lo es de la cercanía, la intimidad y el afecto. El ojo inspecciona, controla e investiga, mientras que el tacto se acerca y acaricia. Durante experiencias emocionales abrumadoras tendemos a cerrar el sentido distanciante dela vista; cerramos los ojos cuando soñamos, cuando escuchamos música o
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acariciamos a nuestros seres queridos. Las sombras profundas y la oscuridad son fundamentales, pues atenúan la nitidez de la visión, hacen que la profundidad y la distancia sean ambiguas e invitan a la visión periférica inconsciente y a la fantasía táctil. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 46.
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•imagens da memória o tempo e o íntimo A casa articula as mais variadas relações entre seus habitantes e o lugar através dos cheiros, ruídos, texturas, luzes e sombras, anunciando as permanências que se fazem presentes no dia-a-dia, com as quais nos acostumamos. Porém, existem momentos em que esses mesmos fatores rompem o cotidiano, seja por um período curto ou longo, revelando ausências que podem causar um grande estranhamento. Quais elementos da casa nos fazem ter em conta a passagem do tempo, evocando na memória as lembranças da infância, da primeira morada, das relações afetivas entre as pessoas que ali passaram? Como a ideia de morte se encontra presente? La tersura de la construcción estándar actual se ve fortalecida por el debilitado sentido de la materialidad. Los materiales naturales - piedra, ladrillo y madera - permiten que nuestra vista penetre en sus superficies y nos capacitan para que nos convenzamos de la veracidad de la materia. Los materiales naturales expresan su edad e historia, al igual que la historia de sus orígenes y la del uso humano. Toda materia existe en el continuum del tiempo; La increíble aceleración de la velocidad durante el último siglo ha hecho que el tiempo se desplome en la pantalla plana del presente sobre la que se proyecta la simultaneidad del mundo. A medida que el tiempo
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Habitação Muito antes do chalet Antes do prédio Antes mesmo da antiga Casa bela e grave Antes de solares palácios e castelos No princípio A casa foi sagrada – Isto é habitada Não só por homens e por vivos Mas também por mortos e por deuses Isso depois foi saqueado Tudo foi reordenado e dividido Caminhamos no trilho De elaboradas percas Porém a poesia permanece Como se a divisão não tivesse acontecido Permanece mesmo muito depois de varrido O sussurro de tílias junto à casa de infância ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Ilhas. Lisboa: Caminho, 2004. p.37.
pierde su duraciรณn y su eco en el pasado primigenio, el hombre pierde su sentido del yo como un ser histรณrico y se ve amenazado por el terror del tiempo. La arquitectura nos emancipa del abrazo del presente y nos permite experimentar el lento y curativo flujo del tiempo. Los edificios y las ciudades son instrumentos y museos del tiempo. Nos permiten ver y entender el transcurso de la historia y participar en los ciclos temporales que rebasan la vida individual. โ ขPALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 30.
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•favelas imaginário, paisagem e cidade Embora muitos autores tenham se disposto a analisar a cidade sob diversos aspectos, uma inquietação muito grande me acompanhou no decorrer das leituras. Ao tratar de conceitos como cidade, urbano, roça, campo de maneira genérica tornava-se extremamente difícil enxergar as favelas em alguns desses contextos. Não seria essa falta de representatividade na literatura uma síntese das barreiras que estas enfrentam no imaginário que muitos têm sobre elas? Ainda que de modo não intencional, a falta de visibilidade e de não-reconhecimento dos espaços das favelas nessas representações, literárias ou audiovisuais, contribuem para perpetuar a sensação de exclusão que seus moradores carregam em suas vidas: exclusão social, por viverem nesses espaços marginalizados, e exclusão territorial, onde o descaso do poder público e sua ausência nos mapas da cidade formal se fazem presentes. Seria possível inferir que, aos olhos de muitos dos habitantes de São Paulo, as favelas configuram Cidades Invisíveis, no sentido literal da palavra, uma vez que muitas pessoas as enxergam mas não as reconhecem? Por outro lado, é importante a crítica da representação estereotipada que se faz sobre as favelas, principalmente nas representações do cinema, das novelas, dos noticiários e outros meios de comunicação, consolidando no imaginário coletivo visões extremistas (ora pejorativas, ora romantizadas) que imperam no modo de ver as favelas.
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Favelário nacional 12. Desfavelado me tiraram do meu morro me tiraram do meu cômodo me tiraram do meu ar me botaram neste quarto multiplicado por mil quartos de casas iguais. Me fizeram tudo isso para o meu bem. E meu bem ficou lá no chão queimado onde eu tinha o sentimento de viver como queria no lugar onde queria não onde querem que eu viva aporrinhando devendo prestação mais prestação da casa que não comprei mas compraram para mim. Me firmo, triste e chateado, Desfavelado ANDRADE, Carlos Drummond de.
Corpo. In: OLIVEIRA, Nelson de (Org.). Cenas da Favela: Antologia. Rio de Janeiro: Geração Editorial, 2007. p. 212
A questão da paisagem urbana começa aquém das formas da cidade: ali onde não é vista. (...) Partirei do velho provérbio aristotélico, format dat esse rei: a forma doa o ser à coisa. A forma da cidade dá-lhe seu ser de cidade. Sim, mas o que dá forma à esta forma, é o ser humano. É por conseguinte o ser humano que dá à cidade o seu ser. •BERQUE, Augustin. A trajetividade das formas urbanas. Tradução de Sandra Maria Patrício Ribeiro. São Paulo: 1999. In: ANGOTTISALGUEIRO, Heliana (coord.). Paisagem e arte. São Paulo: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2000, p.2.
Portanto, de início, achei pertinente reler os textos que trazem as origens etimológicas dessas palavras: cidade, urbano, roça, campo, paisagem, lugar, para que suas relações com as favelas estivessem mais bem fundamentadas - partindo então para a leitura de obras com as de Georg Simel, Lewis Mumford e Augustin Berque. Tentando deixar um pouco de lado os aspectos históricos de sua formação, se faz válida, então, a seguinte reflexão: qual o lugar da favela na cidade? As definições de Mumford em A cidade na História são um bom início para tal análise.
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Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e antes de tudo isso houve certa predisposição para a vida social que o homem compartilha, evidentemente, com diversas outras espécies animais. •MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Mumford discorre sobre o surgimento da cidade, com base nas transformações do homem paleolítico e neolítico, pautando-se em três pilares: Santuário, Aldeia e Fortaleza. Para que se configure uma cidade, é necessária a presença desses três elementos. Ao nos questionarmos, então, sobre qual o lugar da favela na cidade, essa pergunta soa, de certa forma, impertinente. Pois se, na visão de Mumford, uma cidade é considerada cidade a partir da forte presença desses três elementos, as favelas são, em si, várias cidades. Configuram-se
enquanto
Santuário,
por
resguardar
momentos no nível espiritual de seus habitantes, por criar uma identificação entre o ser humano e suas origens, enraizadas no espaço das favelas; enquanto Aldeia, no sentido de comunidade (outro modo comum de denominar as favelas), onde se tecem as relações afetivas entre os
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homens; e Fortaleza, pois é ali nos espaços das favelas que a maioria de seus habitantes se sentem seguros, acolhidos, pertencentes uns aos outros e ao próprio espaço, independentemente das situações precárias e insalubres que os cercam em muitos dos casos. Para Mumford, não identificar um desses três elementos pode ser interpretado como grandes ausências na vida do homem: de referência da memória; de ausência do sagrado, do equilíbrio espiritual; da sensação de segurança, afastando-se da ideia de fortaleza e gerando medo. Dessa forma, esses elementos (ou suas ausências) fomentam novas manifestações, seja no campo da cidade ou no campo comportamental de cada indivíduo. E enxergando as favelas como cidades, é pertinente destacar que, como toda cidade, possui suas deficiências e imperfeições – muito em parte relacionadas com as ausências descritas acima. É igualmente válido destacar que, através da tríade proposta por Mumford, é possível analisar não só o espaço da cidade, mas também os lugares mais íntimos ao homem, sejam eles espaciais ou físicos – como objetos que carregam essa carga simbólica de Santuário, Aldeia e Fortaleza. À medida que passa o tempo, estes mesmos símbolos se encontrarão em constante ressignificação, podendo representar com maior ou menor intensidade cada um desses três elementos. Pensando nas peculiaridades das favelas, tão heterogêneas entre si – o que nos relembra da necessidade de
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enxergarmos a presença de várias favelas dentro das favelas, As grandes cidades e a vida do espírito (1903), de Georg Simmel, que trata, sobretudo, da maneira com que o modo de vida da cidade grande afeta o espírito do lugar, se faz intrigante. Simmel teoriza sobre a maneira que as cidades possuem certo espírito, invisível, mas que se faz presente influenciando o espírito de cada ser. Ao comparar o caráter da vida da cidade pequena com o da cidade grande, Simmel nos conta de que forma a intensificação da vida nervosa se deu, afetando as individualidades do homem e, consequentemente, as relações na escala coletiva. Na medida em que a cidade grande cria precisamente estas condições psicológicas - a cada saída à rua, com a velocidade e as variedades da vida econômica, profissional e social - ela propicia, já nos fundamentos sensíveis da vida anímica, no quantum da consciência que ela nos exige em virtude de nossa organização enquanto seres que operam distinções, uma oposição profunda com relação à cidade pequena e à vida no campo, com ritmo mais lento e habitual, que corre mais uniformemente de sua imagem sensível-espiritual de vida. Com isso se compreende sobretudo o caráter intelectualista da vida anímica do habitante da cidade grande, frente ao habitante da cidade pequena, que
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é antes baseado no ânimo e nas relações pautadas pelo sentimento. •SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). In: MANA: estudos de antropologia social, vol. 11, n.2. out. 2005. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional do Rio de Janeiro. UFRJ, 2005. p. 578.
Para Simmel, o fenômeno que ocorre no ambiente das grandes cidades é o denominado espírito objetivo sobre o espírito subjetivo, ou seja, à medida que os homens na cidade grande são tratados enquanto números, sempre controlados pelo tempo que rege e regra suas vidas, as relações sociais se dão no campo do objetivo, ao passo que nas pequenas cidades, com o caráter de Aldeia muito mais marcante, as relações possuem caráter subjetivo. Todas as relações de ânimo entre as pessoas fundamentam-se nas suas individualidades, enquanto que as relações de entendimento contam os homens como números, como elementos em si indiferentes, que só possuem um interesse de acordo com suas capacidades consideradas objetivamente (...).
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•SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). In: MANA: estudos de antropologia social, vol. 11, n.2. out. 2005. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional do Rio de Janeiro. UFRJ, 2005. p.579.
A percepção dos homens sendo tratados enquanto uma grande massa, sem expressão ou elementos que demonstrem suas individualidades, se evidencia na sociedade capitalista e consumista nas quais as cidades – e consequentemente, as favelas – se inserem. Os meios de comunicação que se apresentam (televisão, outdoors), o controle da grande mídia perante o imaginário da população (associado às ferramentas de repressão do Estado, como o controle militar), tudo isso caracterizam os sintomas desse espírito da cidade grande. Nota-se, neste território cada vez mais megalomaníaco das cidades grandes, o ambiente acelerado da construção civil, com seus edifícios gigantescos, Shopping centers que buscam (de maneira artificial e desastrosa) se apresentar enquanto alternativas de espaços públicos de lazer, demonstrando a força do sistema capitalista voltado à produção e ao comércio em larga escala. Nesse ponto a quantidade da vida converte-se de
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modo muito imediato em qualidade e caráter. A esfera de vida da cidade pequena é, no principal, fechada em si mesma e consigo mesma. Para a cidade grande, é decisivo o fato de que sua vida interior se espraia em ondas sobre um território nacional ou internacional mais amplo. •SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). In: MANA: estudos de antropologia social, vol. 11, n.2. out. 2005. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional do Rio de Janeiro. UFRJ, 2005. p. 586.
Existindo em grandíssimo número dentro da metrópole, na própria cidade grande, como é possível que as favelas (cidades informais) possuam um espírito tão diferente do resto de São Paulo, enquanto cidade grande que possui todas estas características e sintomas descritos pelo autor? Por qual motivo, embora inserida geográfica e socialmente dentro da Cidade Grande formal, seu espírito parece se assemelhar mais ao das cidades pequenas e de interior, cujo contato humano é mais próximo e as experiências mais intensas, com um senso de comunidade muito mais marcante? Tais reflexões tornam-se fundamentais para tentarmos entender qual o lugar da favela na cidade. Embora pareça
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possuir esse espírito de comunidade que se assemelha muito mais à vida de bairro, é mais do que necessário ressaltar as consequências trazidas pela vida de interior mencionada por Georg Simmel, que procura se espraiar sobre outros territórios – como o território das favelas. Isso se nota em inúmeros aspectos: através do comércio e da imposição cultural de consumo; por meio da gentrificação de diversos espaços que passaram a ser vistos como valorizados pelo mercado imobiliário; pelas disputas internas de domínio e poder; todos eles inerentes ao sistema capitalista. Pois mesmo apresentando infinitas peculiaridades que as qualificam e as diferenciam da grande maioria dos bairros das cidades grandes atuais (do ponto de vista da cidade utópica, onde os espaços públicos assumem certo protagonismo e as relações de comunidade se fazem mais presentes no cotidiano e nas trocas afetivas), as favelas reproduzem para dentro de si a mesma lógica do sistema capitalista – na qual estão inseridas, numa escala mundial. Os espaços públicos continuam sendo zonas de conflito e de interesse. O descaso e marginalização por parte do Estado e da própria sociedade continuam existindo. Condições de precariedade e insalubridade na moradia e em todos os espaços das favelas podem diminuir com o tempo, mas permanecem em grande quantidade. A presença do tráfico, poder paralelo e a pouca oferta de espaços culturais e de lazer, por parte do poder público, é uma realidade. Todos
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Quanto mais simples é a casa gravada, mais ela trabalha minha imaginação de habitante. Ela não é apenas uma “representação”. Suas linhas são fortes. O abrigo é fortificante. Quer ser habitada simplesmente, com a grande segurança que a simplicidade dá. A casa gravada desperta em mim o sentido da cabana; revejo aí a força de olhar que a pequena janela tem. E vejam! Se eu descrever sinceramente a imagem eis que sinto a necessidade de sublinha-la. Sublinhar não será gravar escrevendo? BACHELARD, Gaston.
A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 230.
esses pontos devem, obrigatoriamente, ser considerados em qualquer análise que se faça dos espaços das favelas, jamais os desassociando do contexto maior no qual se inserem. Por fim, outras ligações extremamente relevantes para as análises que aqui estão se construindo é a relação entre Homem x Natureza, refletindo sobre a forma com que favelas e paisagem se relacionam - e com ela, a maneira com que o sentimento de felicidade ou complementariedade do espírito humano se externaliza. O sentimento de felicidade (ou alegria, vida, amor, empatia, compaixão) aparece e reaparece em diversos momentos de nossas vidas: nas relações com a natureza e os animais, nas relações afetivas entre familiares e amigos, em manifestações pontuais como na casa, na arte e na música, que dialogam com outros sentidos do nosso corpo e que tem o poder de suscitar dentro de nós memórias que remetem a tal felicidade. Porém, na cidade grande, muitas vezes a vida aparenta se esvair de dentro de nós, onde, cada vez mais, o homem se molda ao padrão do homem massificado, deixando de lado muitas das subjetividades que tem a capacidade de transformar algumas experiências em manifestações de felicidade. São nesses momentos em que o homem é convidado a escapar, ainda que por alguns instantes, do cotidiano, da rotina pré-estabelecida nessa vida quantificada, que
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algumas demonstrações de felicidade ocorrem. A invitação ao lúdico, ao contato com a natureza, aos momentos de contemplação, permitem que essa felicidade apareça em alguns símbolos. Muito em parte, um dos principais responsáveis por esses momentos de contemplação é a própria natureza. No sol que se põe e colore o céu de diversos tons de azul, amarelo e vermelho; Na lua cheia que se impõe no horizonte e ilumina as ruas com seu brilho natural; Na grande copa da árvore que abriga o leitor de um livro, o beijo de um casal apaixonado, abriga aqueles que fogem da chuva torrencial que cai inesperadamente, assim como o cochilo do homem que busca aconchego e proteção no ato de fechar os olhos e expor-se perante o resto do mundo. A natureza, pela sua essência, está conectada à ideia de complementariedade do homem. O termo natureza aplica-se a tudo aquilo que, de alguma forma, tenha como característica fundamental o fato de ser natural. (...) O que significa ser natural? Ser natural é o contrário de ser artificial. O artificial é um algo-construído pelo ser humano, um algo que se acrescenta ao já-antes, ao pré-existente. Portanto, desde este ponto de vista, natureza é toda a envolvente que não teve ainda intervenção antrópica.
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•JANEIRO, Pedro Antônio. A natureza da arquitetura: O Sentido da Paisagem. 2012. p.47.
Porém, se pensarmos na ideia de natureza enquanto o Uno - na Terra como Mãe de tudo que é atural, que não teve interferência do homem -, logo ela não existe mais nos dias atuais – pelo menos não nessa concepção de unidade. É possível que existam fragmentos de natureza? Esses fragmentos fazem sentido, ou seu sentido existe apenas enquanto seu caráter unitário se fizer presente? (...) hoje, graças às tecnologias midiáticas onipresentes, (...) a idéia de uma vida feliz vem orientando os processos de socialização e subjetivação em todo o mundo ocidental ou ocidentalizado. (...) Pode-se imaginar a Terra como Mãe, entregue ao insaciável apetite de seus bilhões de filhos; de cada ponto do seu corpo (...) sugam-lhe todo tipo de recurso exigido pelo apetite voraz, indiscriminado e sem limites. Faltará noutro lugar? Haverá o bastante para todos? Quanto tempo poderá durar? •RIBEIRO, Sandra Maria Patrício. A Felicidade e a(s) Paisagem(ns) Desprotegida(s):
imagens
aterradoras de um incerto devir. São Paulo: Universidade de São Paulo. p. 3.
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De que forma a falsa sensação de felicidade presente na sociedade atual está interligada ao ato de sugar os recursos da natureza de maneira indiscriminada? Talvez, configure-se como falsa justamente por não ir de encontro a um ideal de convívio harmônico com o natural, como o comportamento do habitante da cidade grande em geral sugere. A ideia de paisagem enquanto forma espiritual estaria assim associada, desde o início, à nostalgia da unidade, do Uno presente em todas as coisas. •SERRÃO, Adriana Veríssimo (coord.). Filosofia da paisagem: Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011. P. 163.
O Uno não mais existe. Lugares que não estejam imersos na lógica da produção capitalista são raríssimos – e os poucos que existem, possuem sua existência ameaçada. Raríssimos também são os lugares naturais, que preservam em sua essência a originalidade e a inocência da Mãe Terra. Para que essa relação entre homem e natureza seja melhor compreendida, adentramos, então, no conceito de paisagem. Nas palavras de Adriana Serrão: (...) a categoria de paisagem emergiu da clivagem
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entre homem (ou cidade) e natureza (ou mundo agrícola. (...) Cidades e paisagens aproximam-se e interpenetram-se como duas realidades complementares; por contraste, a figura da megalópole, a metrópole gigante da sociedade industrial que absorve com seus tentáculos a cidade histórica e a paisagem natural, alerta-nos para o empobrecimento da dimensão temporal da existência, e no limite, para a extinção total da vida. (...) A indispensável reaproximação entre cidade e paisagem só será possível mediante a reabilitação da natureza. •SERRÃO, Adriana Veríssimo (coord.). Filosofia da paisagem: Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011. p. 160.
Porém, se pensarmos na ideia de natureza enquanto o Uno - na Terra como Mãe de tudo que é atural, que não teve interferência do homem -, logo ela não existe mais nos dias atuais – pelo menos não nessa concepção de unidade. É possível que existam fragmentos de natureza? Esses fragmentos fazem sentido, ou seu sentido existe apenas enquanto seu caráter unitário se fizer presente?
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Hoje em dia, porém, há muitas pessoas, sobretudo nos países altamente industrializados, que entoam um novo hino ao campo: detestam o asfalto e o cimento armado, dois símbolos da esterilidade das grandes metrópoles modernas, que se tornaram monstruosas e desumanas; vêem nos atritos químicos, que poluem o ar, a água e o solo, uma séria ameaça à sobrevivência do gênero humano; já não querem urbanizar o nosso planeta, mas torná-lo habitável, o que não será possível sem uma certa medida de ruralização. •BESSELAAR, José Van Den. As palavras têm a sua história. Braga: Edições Appacdm, 1994. p. 42.
Todas essas delongas por entre esses conceitos de Natureza e paisagem, retratando suas relações com as cidades grandes, industriais e capitalistas, apenas embasam que a reconciliação entre homem e natureza se faz mais do que necessária – e urgente. E é nesse embate da lógica do capital e das preocupações ambientais que se encontram as favelas. Fato é que muitas delas (segundo seus aspectos históricos e políticos de formação, que não serão aprofundados aqui) ocupam áreas onde o contato com a natureza, ou melhor, o contato com o que até menos tempo era natural, é mais intenso. Algumas favelas
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surgem nas ocupações das áreas de mananciais, em áreas de proteção ambiental, ou ainda nas periferias, no processo de expansão urbana pela qual a grande cidade passou. E é essa relação entre favelas e natureza / favela e paisagem que mais nos importava desde o princípio – mas que só faria sentido após essa breve introdução. Por lo tanto, más que un territorio que la naturaleza presenta al observador, el paisaje es producto de una manera de ver el espacio, un escenario que supone una mirada particular sobre el mundo externo. Para que exista paisaje no basta la naturaleza, es necesario un espectador, un relato, un punto de vista, un recuerdo, un dibujo, una imagen, en suma, una representación. •ORTIZ-OSÉS,
Andrés;
LANCEROS,
Patxi.
Diccionario de la existencia: asuntos relevantes de la vida humana: Lao-Tsé, Epicuro, San Pablo, F. Nietzsche, M. Heidegger, G. Vattimo, M. Maffesoli, C. Castoriadis, R. Panikkar y otros. Barcelona: Anthropos Editorial, 2006. p. 439.
Muitas das favelas apresentam, mesmo que forçadamente ou indiretamente, um contato maior com o natural. Contato com espécies vegetais, proximidade com a água, em muitos dos casos. Contato esse que na
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cidade grande formal quase não existe, e quando existe, está dotado de uma superficialidade, uma artificialidade. Em contrapartida, essa relação entre homem e Natureza no espaço das favelas está longe de ser harmônico, ou de representar a reconciliação com o uno, de entoar o tal novo hino ao campo. Dentre as condições e limitações pelas quais são expostas as favelas, a poluição das águas e do solo ocorrem igualmente que em outros meios urbanos. As favelas também transformam e absorvem a paisagem natural – embora de maneira diferente dos moldes em que ocorreu e ocorre na cidade. E se até mesmo a cidade, de tempos em tempos, sofre as consequências em haver desdenhado de sua conexão com a natureza quando ocorrem os chamados desastres naturais (é nítido o quanto sofremos com as chuvas intensas na cidade de São Paulo), nas favelas essa relação é muito mais frágil. Afinal, são elas que se encontram em lugares de vulnerabilidade ambiental, e sofrem com enchentes dos córregos, os deslizamentos de terra nas encostas dos morros. Não entram nesse quesito os incêndios que, em sua grandíssima maioria, estão mais interligados à ação do homem e representam vontades políticas. Explorados alguns aspectos que julgou-se pertinente para a discussão de favelas, imaginário, paisagem e cidade, voltamos outra vez ao questionamento inicial: qual o lugar das favelas na cidade? Quem e o que representam?
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Favelário nacional 10. Sabedoria Deixa cair o barraco, Ernestilde, deixa rolar encosta abaixo, Ernestilde, deixa a morte vir voando, Ernestilde, deixa a sorte brigar com a morte, Ernestilde, Melhor que obrigar a gente, Ernestilde, A viver sem competência, Ernestilde, No áureo, remoto, mítico - lúgubre conjunto habitacional. ANDRADE, Carlos Drummond de.
Corpo. In: OLIVEIRA, Nelson de (Org.). Cenas da Favela: Antologia. Rio de Janeiro: Geração Editorial, 2007. p. 204.
Pode-se considerar, através dos pensamentos de Simmel, que as favelas são os espaços que representam a transição entre o meio urbano das grandes cidades e o rural, a roça, a aldeia. Nesses espaços, inseridos territorialmente nos espaços das cidades, existe um espírito da aldeia que predomina nas relações – embora existam conflitos de interesses e apresentem seus espaços como locais de tensão. Difícil mensurar até que ponto o contato com o natural, ainda que fruto dos aspectos históricos e políticos de formação das favelas, exerce influência nas relações de articulação comunitária existentes. Seu espírito de luta e resistência, também consequências desses mesmos aspectos, podem também estar diretamente relacionados com o sentimento de aldeia. Embora possuidoras de dinâmicas próprias que as diferem, favelas e cidade não compartilham apenas alguns espaços físicos. Seus habitantes também cruzam seus trajetos diários, suas histórias de vida, o que logicamente influencia nas relações afetivas que os cercam. Toda generalização carrega consigo incorreções, pois não mais abrange as subjetividades; mas em linhas gerais, pode-se afirmar que o morador das favelas habita – e transita – entre esses dois mundos: o da cidade e o das favelas. O contrário não pode ser dito daquele que nasceu e vive na cidade. A relação do favelado com os espaços da cidade passa pelo momento de luta, de apropriação daquilo que também é seu por direito – como os espaços públicos e culturais. Constantemente, passam
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por situações onde são excluídos social e territorialmente da cidade, e isso definitivamente se reflete no seu imaginário individual, coletivo, de vida e de cidade. E se as favelas se configuram enquanto Fortaleza para seus moradores, muitos habitantes da cidade as veem enquanto um obstáculo urbano; e justamente por não transitarem no mundo das favelas e serem incapazes de compreender seus códigos, seu imaginário sobre os favelados e seu mundo se concretiza a partir dessas distorções. Se espacialmente acredito que as favelas sejam o território de transição entre o rural e o urbano, seu imaginário, na minha opinião, representa a cidade dos sonhos - consideração que será mais bem explorada nos capítulos seguintes. O mais fundamental nessa série de questões aqui levantadas é a tentativa de compreender o modo em que essas manifestações do espírito e seus novos símbolos se desta-cam, se ressignificam, surgem, ressurgem ou desaparecem. O que mais me parece pertinente é identificar de que maneira o espaço (o da casa, o das favelas, o da cidade) se configura e influencia no comportamento humano, que por sua vez, reconfigura o espaço. Identificar de que maneira a Paisagem vem sendo trabalhada, a casa vez que o natural distancia-se das cidades. Identificar de que forma os mitos se apresentam nesse campo de estudo, de que maneira o imaginário e outras energias imateriais podem afetar o lado espiritual, que reflete na materialização dos espaços. Entender, portanto, as
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Relações entre os hábitos e os espaços habitáveis. La oposición entre un espacio construido y elaborado artificiosamente como la ciudad y una naturaleza en estado originario a cuyo alrededor tantos sueños ideoecológicos se han alimentado, pierde cada vez más su pertinencia en esta experiencia expandida de las metrópolis contemporáneas (...). Pero ha crecido tanto la ciudad que los procesos de socialización-desocialización y los enclaves de subjetivación de sus habitantes definen hoy otros espacios y socios. En efecto: salvo por un criterio demasiado débil como la permanencia que crea la ilusión de la pertenencia a un territorio citadino, hace tiempo que somos extranjeros en nuestros territórios; mejor dicho, emigrantes e inmigrantes en nuestro propio lugar. •ORTIZ-OSÉS,
Andrés;
LANCEROS,
Patxi.
Diccionario de la existencia: asuntos relevantes de la vida humana: Lao-Tsé, Epicuro, San Pablo, F. Nietzsche, M. Heidegger, G. Vattimo, M. Maffesoli, C. Castoriadis, R. Panikkar y otros. Barcelona: Anthropos Editorial, 2006. p. 77.
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•cidade nascer e chegar Nativo. Estrangeiro. Migrante. Imigrante. Nascer. Chegar. Pertencer. Habitar. Conceitos que povoam o imaginário das pessoas, afetando suas relações afetivas, influenciando (ou sendo influenciado) pelo espírito existente em cada território. Uma possibilidade que pode estar relacionada a esse fenômeno da peculiaridade de seu espírito é o debate sobre nascer na cidade e chegar à cidade. Muitas das pessoas que migram para São Paulo vêm em busca de novas condições de vida, trazendo consigo todos seus sonhos e desejos por uma vida melhor. Muitas vezes, vem de cidades pequenas e interioranas, com outra lógica de funcionamento e percepção do tempo, e talvez por isso esse espírito de comunidade se sobressaia mais do que o famigerado espírito da cidade grande, que nos sufoca, nos bombardeia de estímulos e informações e nos leva a criar barreiras (físicas, emocionais) – configurando o chamado caráter Blasé, identificado por Simmel. Talvez por isso, também, seja um campo de estudo muito interessante sobre o imaginário na questão habitacional, urbana, de discussão de cidade e seus espaços. E não são as favelas, em grande número, que acolhem os indivíduos que aqui emigram / imigram / se refugiam? Não são elas que se apresentam enquanto possibilidade de abrigo, assim como as ocupações e outros movimentos sociais de acesso à moradia? E justamente por amparar
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- Seu Avô nunca chorara antes. Ela se aproximara, carinhosa, para enxugar as lágrimas ao marido. Ele, violento, lhe tinha prendido a mão. Não toque em mim agora, que estas águas devem tombar no chão, assim ele disse. Vendo a agonia em Dito Mariano, eu ainda tentara um consolo: - Eu volto, Avô. Esta é a nossa casa. - Quando voltares, a casa já não te reconhecerá – respondeu o Avô. O velho Mariano sabia: quem parte de um lugar tão pequeno, mesmo que volte, nunca retorna. Aquele não seria o lugar de minhas cinzas. Assim fora com os outros, assim seria comigo. - Avô Mariano COUTO, Mia.
Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 45.
realidades tão distintas, de seres humanos em condições de vulnerabilidade que aqui chegam, repletos de desejos de mudança, de melhorias de suas condições, enfim, propriamente por se apresentar como um abrigo físico aos sonhos e possibilitar o devaneio do homem em sua casa, não seriam as favelas as cidades dos sonhos? A vida de aldeia acha-se engastada na associação primária entre nas¬cimento e lugar, sangue e solo. Cada um dos seus membros é um ser inteiramente humano a desempenhar todas as funções apropriadas a cada fase da vida, do nascimento à morte, em aliança com forças naturais que venera e às quais se submete. (...) Antes que começasse a existir a cidade, a aldeia já criara o vizinho: aquele que mora perto, dentro de uma distância onde é fácil chamá-lo, compartilhando as crises da vida (...). Quem olha o rosto de seu vizinho enxerga a própria imagem. •MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
O ato de identificar o outro enquanto vizinho, enquanto ser próximo - e assim, enquanto a si mesmo – faz com que se fortaleçam os laços de comunidade. Algo que, no entanto,
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os habitantes da cidade grande parecem haver perdido ao longo do tempo, algo que se reflete em seu traçado urbano, nas muralhas que se erguem, nos elementos ditos como elementos de segurança, onde a tendência de se isolar desse contato com o vizinho impera. O caráter de Aldeia (mais que o Sagrado e a Fortaleza) parece estar ausente na vida do homem, principalmente nos habitantes das cidades grandes – e, uma vez ausentes na vida dos indivíduos, isso pode significar uma au¬sência num contexto maior, da própria cidade, que por sua vez, passa a influenciar a vida desses indivíduos, como um ciclo interdependente entre si.
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Yo enfrento la ciudad con mi cuerpo; mis piernas miden la longitud de los soportales y la anchura de la plaza; mi mirada proyecta inconscientemente mi cuerpo sobre la fachada de la catedral, donde deambula por las molduras y los contornos, sintiendo el tamaño de los entrantes y salientes; el peso de mi cuerpo se encuentra con la masa de la puerta de la catedral y mi mano agarra el tirador de la puerta al entrar en el oscuro vacío que hay detrás. Me siento a mi mismo en la ciudad y la ciudad existe a través de mi experiencia encarnada. La ciudad y mi cuerpo se complementan y se definen uno al otro. Habito en la ciudad y la ciudad habita en mí. PALLASMAA, Juhani.
Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 41.
•favelas relações intergeracionais e os sentidos Corpo e espaço, homem e arquitetura. Relacionam-se, conectam-se, complementam-se através dos sentidos. A partir deles, o lugar passa a ter alguma significação – é o homem, portanto, através de seus sentidos, que dota o lugar de significados, e faz do lugar um lugar. Como os sentidos, já explorados no espaço da casa, se apresentam nas favelas? De que forma a passagem do tempo modifica a percepção – e, principalmente, a conexão – do homem com estes espaços? Pois certamente uma mesma esquina de uma favela (deixando de lado as subjetividades de cada ser, e focando nas comparações intergeracionais entre os indivíduos) não manifesta a mesma percepção para a criança, para o jovem, para a mulher, para o idoso. E para este mesmo Homem, o mesmo espaço será ressignificado ao longo do tempo – sendo válido ressaltar, novamente, que os pontos em discussão são mais relacionados às divisões etárias e de gênero de cada ser do que aqueles que caracterizam a subjetividade de cada indivíduo. La arquitectura está profundamente comprometida con cuestiones metafísicas del yo y del mundo, de la interioridad y de la exterioridad, del tiempo y de la duración, de la vida y dela muerte. Las prácticas estéticas y culturales son particularmente susceptibles a la experiencia cambiante del
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espacio y del tiempo, justamente porque implican la construcción de representaciones y artefactos espaciales fuera del flujo de la experiencia humana escribe David Harvey. La arquitectura es el instrumento principal de nuestra relación con el tiempo y el espacio y de nuestra forma de dar una medida humana a esas dimensiones; domestica el espacio eterno y el tiempo infinito para que la humanidad lo tolere, lo habite y lo comprenda. Como consecuencia de esta interdependencia del espacio y el tiempo, la dialéctica del espacio exterior e interior, de lo físico y lo espiritual, de lo material y lo mental, de las prioridades inconscientes y conscientes que incumben a estos sentidos, así como a sus papeles e interacciones relativas, tienen un impacto fundamental en la naturaleza de las artes y de la arquitectura. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 16.
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•autoconstrução, espaços sonhados La experiencia del hogar está estructurada en actividades definidas - cocinar, comer, socializar, leer, almacenar, dormir, actos íntimos -, no por elementos visuales. Uno se encuentra con un edificio; nuestro cuerpo se aproxima, se enfrenta, se relaciona con él, se mueve a través suyo, utilizado como una condición para otras cosas. La arquitectura inicia, dirige y organiza el comportamiento y el movimiento. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 64.
Nas favelas, a cidade dos sonhos, a autoconstrução impera. Ainda que sem a figura do arquiteto na maioria dos casos, são os próprios moradores – através mutirões, autoconstruções que se erguem lentamente pelas mãos daqueles que futuramente habitar estes espaços – que materializam seus desejos. O sonho da casa própria, do canto para chamar de seu. Afinal, a casa é o sonho do homem, e é a casa que o permite sonhar. Fica evidente que, nas favelas, a arquitetura é feita majoritariamente sem arquitetos. Nem por isso deixa de possuir as qualidades que confere à casa o espírito de lar, criando a atmosfera do pertencer àquele espaço – onde o processo do fazer está intimamente relacionado ao habitar. Afinal,
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o fazer arquitetônico se pauta nos sentidos do homem e, portanto, dada a existência de seu corpo, este homem está habilitado (ainda que no inconsciente) a materializar espacialmente as suas percepções. Tenemos una capacidad innata para recordar e imaginar lugares. La percepción, la memoria y la imaginación están en constante interacción; el dominio de la presencia se fusiona en imágenes de memoria y fantasía. Seguimos construyendo una inmensa ciudad de evocación y remembranza y todas las ciudades que hemos visitado son recintos en esta metrópolis de la mente. (…) La memoria nos devuelve a ciudades remotas y las novelas nos transportan a través de ciudades invocadas por la magia de la palabra del escritor. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 68.
Apesar da necessidade de se enxergar o saber arquitetônico das favelas e sua relação com a autoconstrução, não se pode negar a importância do arquiteto e outros profissionais. Afinal, toda construção passa, evidentemente, pelo saber técnico (algo a ser aprofundado no próximo
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tópico). Entretanto, de início, vale problematizar o espaço construído nas favelas, principalmente ao considerarmos as imagens da memória e da imaginação do homem como peças fundamentais e atuantes no processo da autoconstrução, do fazer arquitetônico. Pois se ao longo de sua vida os habitantes das favelas habitaram e pertenceram à espaços que se encontram em situações de vulnerabilidade e precariedade, estes espaços tornam-se seus referenciais de arquitetura, que habita em seu consciente e se reproduz através de seu imaginário. O mesmo pode-se dizer dos espaços da cidade em que os favelados transitam; lugares que, em sua maior parte, deixam de apresentar em sua essência locais de convívio; lugares que não manifestam o espírito de aldeia, e de alguma maneira também começam a ser reproduzidos nas favelas. Não só o espaço começa a sofrer interferência direta do imaginário (algo que sempre ocorreu, se analisarmos o papel da casa e sua relação com o homem), como o inverso também ocorre. E numa instância maior, a lógica do capital, que impera nas relações das cidades grandes e rege a produção urbana de seu traçado e de sua arquitetura, começa a ser reproduzida nos espaços das favelas. Grades, muros, portões que começam a configurar pequenas vilas dentro dos espaços das comunidades; a especulação imobiliária que começa a dominar na relação entre homem x casa; falta de espaços públicos de qualidade que permitam
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o encontro, a união entre pessoas. No entanto, novamente se faz necessário pontuar que, ainda que exista a influência do imaginário neste homem que constrói os espaços das favelas, fatores muito mais determinantes influenciam nessas condições em que as favelas são produzidas. E isso desde os aspectos políticos do cenário brasileiro, onde a desigualdade social é marcante, até o descaso e omissão do Estado, passando pela marginalização socioespacial das favelas e dos favelados.
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As mãos, em concha, escavaram a terra. E o assombro me catapultou o peito. O solo ali era fofo, minhocável, esfarelento. Nyembeti descobrira onde se podia cavar a sepultura do Avô. - Como é que você encontrou esse lugar? Mas ela negou. Os lugares não se encontram, constroem-se. A diferença daquele chão não estava na geografia. Apontou para nós dois e embrulhou as mãos para, em seguida, as levar ao coração. COUTO, Mia.
Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 189.
•arquiteto papel e atuação nas favelas O lugar, o lar, a casa e o espaço se apresentam frente ao homem através das relações sensoriais como um todo. Os ambientes construídos pelo homem, passando ou não pelas mãos dos arquitetos na concepção de seus projetos, reproduzem, em alguma instância, os sonhos daquele que o idealiza. E se o poder público se faz omisso nessa produção espacial, onde se encontra o arquiteto? Qual é o papel do arquiteto e sua atuação nos espaços das favelas? La teoría y la crítica de la arquitectura moderna han tenido una fuerte tendencia a considerar el espacio como un objeto inmaterial definido por superficies materiales en lugar de entender el espacio en términos de interacciones e interrelaciones dinámicas. Sin embargo, el pensamiento japonés se basa en una comprensión relacional del concepto de espacio. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 64.
Juhani Pallasmaa, em Os olhos da pele, escreve as formas com que a arquitetura interpretou o espaço ao longo dos anos, sempre com destaque para o sentido da visão e
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entendendo-o como objeto imaterial, e não através das relações que delas sucedem – ou melhor, relações que dotam a arquitetura de sentido. Com alguma frequência, menciona que o arquiteto dos espaços públicos que são projetados, o arquiteto das casas, o arquiteto dos grandes edifícios que se espalham pela cidade grande devem se atentar aos outros sentidos, começando a projetar por um viés multissensorial e interpretando os espaços arquitetônicos através das relações e sensações humanas. Entretanto, a leitura de sua obra suscitou a mesma inquietação já mencionada anteriormente; Pallasmaaa parecia se referir ao arquiteto da cidade, que produz os espaços dessa cidade, com as problemáticas gerais que os espaços da cidade grande apresenta. As favelas novamente pareciam não se encaixar no perfil descrito, nem no perfil espacial, muito menos em relação ao arquiteto que deve atuar nas favelas. Mas como mencionado em Autoconstrução, espaços sonhados, este arquiteto parece já estar ausente do espaço das favelas, em sua grande maioria - exceção feita aos projetos de reurbanização de favelas, à alguns profissionais do poder público e acessorias técnicas que se articulam com as comunidades. Portanto, para buscarmos uma resposta que analise como deve ser a atuação dos arquitetos nos espaços das favelas, é preciso primeiramente entender a forma em que este profissional está presente nos dias atuais
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La eterna tarea de la arquitectura es crear metáforas existenciales encarnadas y vividas que concretan y estructuran nuestro ser-en-el-mundo. La arquitectura refleja, materializa y hace eternas ideas e imágenes de la vida ideal. Los edificios y las ciudades nos permiten estructurar, entender y recordar el flujo informe de la realidad y, en última instancia, reconocer y recordar quiénes somos. La arquitectura nos permite percibir y entenderla dialéctica de la permanencia y el cambio para establecemos en el mundo y para colocamos en el continuum de la cultura y del tiempo. •PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. 1. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p. 71.
Diante de algumas reflexões propostas sobre as relações do homem com a casa, as favelas e a cidade, apontam-se cada vez mais caminhos que abranjam a relevância do Imaginário durante a concepção dos projetos. A questão da multidisciplinariedade / interdisciplinariedade também é outro ponto importantíssimo a ser considerado: o ato de projetar deve abranger cada vez mais profissionais de diversos campos de conhecimento. Em ambientes tão complexos como o das favelas, que assim como outros espaços da cidade apresenta
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desigualdades e situações que merecem maior atenção (seja do ponto de vista técnico, seja nas dinâmicas sociais que ali se apresentam), não só a presença destes profissionais é essencial: os moradores, pessoas diretamente envolvidas e afetadas por aqueles lugares, são os protagonistas destes espaços e devem permanecer protagonistas durante todas as etapas projetuais. Embora muitas discussões relacionadas à questão habitacional já tenham considerado a questão participativa dos moradores durante o processo de projeto enquanto fatores diretamente relacionados ao êxito ou fracasso deste tipo de intervenção urbana, entender a importância do imaginário (individual e coletivo) atuante nestes espaços se demonstra enquanto ferramenta extremamente potencial para projetos futuros. Se no passado imperava o chamado traço colonialista do arquiteto, onde todas as decisões se centravam na figura do arquiteto, no presente é perceptível uma mudança deste tipo de comportamento. No entanto, muitos projetos (como inúmeros realizados pelo programa Minha Casa, Minha Vida) continuam apresentando deficiências grandíssimas, que modificam radicalmente a forma de morar (somam-se a isso, evidentemente, as questões das políticas públicas de moradia no caso das habitações de interesse social, o que não exploraremos à fundo), sem um olhar mais humano. E ainda que muitos projetos recentes que envolvam as
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favelas, como os projetos de reurbanização e readequação, possuam um caráter experimental grandíssimo, acredito que seja possível a inclusão do Imaginário enquanto ponto chave dos espaços do habitar – coletivos e individuais. A imaginação, em suas ações vivas, nos desliga ao mesmo tempo do passado e da realidade. Aponta para o futuro. •BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 195.
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•conclusões
•considerações finais Meu neto, Agora sabe onde me há-de visitar. Já não necessito de lhe escrever por caligrafada palavra. Falaremos aqui, nesta sombra onde ganho dimensão, corpo renascendo em outro corpo. Você, meu neto, cumpriu o ciclo das visitas. E visitou casa, terra, homem, rio: o mesmo ser, só diferindo em nome. Há um rio que nasce dentro de nós, corre por dentro da casa e deságua não no mar, mas na terra. Esse rio uns chamam de vida. •COUTO, Mia. Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 258.
Desde o princípio de sua elaboração, o trabalho tinha como principais metas polemizar, problematizar, investigar e trazer ao debate os aspectos simbólicos e imateriais da casa nas favelas, de seu imaginário e de tudo aquilo envolvido na experiência do habitar, através, principalmente, do ensaio gráfico na linguagem dos quadrinhos. Como previsto, a pesquisa se apresentou como um estudo aberto e de caráter pouco conclusivo, sendo mais pertinente para esta etapa final tecer alguns comentários relacionados ao seu produto final principal – a História em Quadrinhos.
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Vivenciar cada uma das etapas de elaboração da HQ permitiu a comparação dos potenciais simbólicos e poéticos da linguagem escrita, da representação gráfica e da representação na linguagem dos quadrinhos. Embora as ilustrações, assim como as palavras, transmitam por si só uma série de sensações, quando associadas adquirem maior capacidade de suscitar novas imagens poéticas. Todo processo de criação, do desenho à composição das páginas, evidenciou que diferentes combinações entre as mesmas palavras e imagens tinham a capacidade de enfatizar um ou outro aspecto. Ainda, o processo de definição das ideias de ilustração de cada página da HQ revelou que, na maioria dos casos, era possível identificar a pré-existência de certos imaginários fortemente associados a determinados símbolos, sentimentos e ações. Em alguns momentos, estes lugares comuns se apresentaram como melhor solução gráfica e compuseram as páginas finais. Diferentemente de muitas HQs, a principal dificuldade enfrentada foi a construção da representação gráfica com ênfase no espaço. Conciliar os protagonismos, ora das personagens, ora do lugar, do ambiente e da paisagem foi o fio condutor que tencionou toda a narrativa. Desse modo, o espaço da casa vai se revelando pouco a pouco, desenho a desenho, desde sua relação com a cidade até as relações afetivas com seus moradores. É bem provável que a leitura do caderno teórico, apenas,
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não torne tão palpável a imensa maioria dos conceitos os quais se propõe a discutir – a maioria no campo do imaginário, do simbólico, do subjetivo, da representação e da poesia. O mesmo se pode dizer da HQ, onde sua leitura isolada, talvez, não dê conta de explorar a grande quantidade de conceitos abordados ao longo de todo o processo de elaboração do trabalho final de graduação. Apesar disso, sua capacidade poética é tanta que a HQ cumpre seus objetivos principais, pois revela nas entrelinhas muitas de suas vontades. Discute, através de sua própria linguagem (pautada na relação texto-imagem), a produção acadêmica tradicional. Apresenta, partindo do microcosmo, relações corpo-espaciais entre a casa e seu habitante, sem a intenção de tomar aquilo como verdade universal. Revela alguns dos aspectos imateriais e simbólicos da casa, permitindo que cada um de nós ressignifique este espaço onipresente em nossas vidas. Emociona ao representar as favelas e seus moradores, pessoas e espaços reais, de maneira sincera, tentando fugir de romantizações e estereotipizações. Em resumo, a história em Quadrinhos proposta cumpre seu objetivo principal se, de algum modo, for capaz de sensibilizar o leitor ao apresentar um olhar diferente sobre a experiência de habitar a casa nas favelas e seu imaginário.
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