Livro a trilha

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Sumário.

Bem Vindo à Trilha .7

O princípio .8 Pedras no caminho .16 A força de uma rocha. .18 M. Oswald .20 As coisas que a gente deixa pra trás .23 Bob .27 Trilhando com qualidade! .29 Show! .30 Algo que nos move .32 32 dentes .34 Mosquitos .37 Mágico ! .38 Nem tudo é o que parece .39 Diário de M. Oswald .43 O desfiladeiro .44 Preparem-se! .45 Antes que a luz apague .47 Respire fundo! .50 Círculos .51 Enigma .53


Selva .56 Destino .57 Dom .59 Caramuru .61 A bela e a fera .63 Coração de leão .66 Rosas .67 A raposa .69 A vila .72 Dois pés sobre uma folha de sulfite .75 Runas e ruínas .78 Detalhes .80 Cap. final .83


Bem-vindo à Trilha.

Você irá conhecer quatro incríveis aventureiros: Aurora. Bento. Álvaro. Poliana. Juntos, eles se encontram e fazem a seguinte promessa: “Juntos, iremos chegar até o final da trilha. Juntos, caminharemos em direção aos nossos destinos. Juntos, nos apoiaremos. Não deixaremos nenhum de nós fraquejar. E que a caminhada seja o melhor para nós. Juntos. Sempre juntos”. Mas veja só, estou me adiantando um pouco. É cedo para eu me apresentar e falar sobre a Trilha do Destino e as coisas incríveis que vocês encontrarão pelo caminho. No próximo capítulo, vou contar sobre o dia em que meus adoráveis aventureiros receberam o chamado para a Trilha. Acredito que você vá se identificar com algum deles, pois esta história também é a sua. O que mais dizer?

Em frente!

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O princĂ­pio

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A vida pode ser muitas coisas. Sem dúvida alguma, a vida sabe ser curiosa. Sem jamais terem se visto antes, Aurora, Álvaro, Bento e Poliana receberam o mesmo chamado. Um chamado que muitos recebem, mas poucos decidem ouvir. Bom. Foi assim que tudo começou. (...)

O chamado de Aurora Ela nasceu para ser uma líder. Ela apenas não sabe disso ainda. Aurora recebeu por e-mail um convite que a surpreendeu:

Caríssima Aurora Precisamos de você na Trilha do Destino. Sabemos do que você tem medo. Por isso pedimos que confie em nós. Acima de tudo, confie em si mesma. Com grande apreço. M. Oswald.

A sobrancelha de Aurora pareceu um ponto de interrogação. Ela já ouviu falar na Trilha do Destino, mas tudo o que sabe dessa enigmática estrada parece lenda. Dizem que poucos chegam ao final dela. E ninguém nunca voltou para contar alguma coisa. Também dizem que no final da trilha os viajantes mais corajosos encontram o próprio destino.

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Aurora fecha o notebook e olha para o porta-retrato em sua mesa. A filha de cinco anos parece sorrir para ela e dizer com os olhos: “você consegue, mamãe”. “Você consegue”, concorda aurora em pensamento. “Pela minha filha tudo vale a pena”. (...)

O chamado de Bento Bento é o que se pode chamar de um cara extrovertido. Bento certamente sabe fazer os amigos rirem. Daqui a alguns dias, Bento irá realizar um grande sonho: uma apresentação de stand-up em um bar que recebe muitos comediantes. Bento está nervoso, pois nas poucas vezes em que tentou subir num palco, começou a suar frio. Mas Bento também é o tipo de homem que enfrenta seus medos. Foi justamente enquanto ensaiava que, no meio das páginas do roteiro, Bento achou um bilhete.

Querido Bento: Nossa trilha terá muito mais graça se você estiver presente. Posso contar com você? Venha encontrar seus companheiros de aventura daqui a sete noites, logo depois da sua apresentação de humor. Um grande abraço do seu fã, M. Oswald!

Dois aventureiros já foram chamados para iniciar a Trilha do Destino: Aurora e Bento. Conheça agora as duas pessoas que complementam este quarteto. 12


O chamado de Poliana Poliana é o que se pode chamar de uma pessoa leve, apesar de nem todas as pessoas a enxergarem assim, pois para os padrões de estética que a sociedade atual costuma impor, Poliana é considerada um pouco ‘gordinha’. Orientadora vocacional, Poliana sente prazer em ajudar os outros a chegarem aonde realmente querem estar. Porém, “santo de casa não faz milagre” e Poliana nunca soube exatamente o que fazer da própria vida. Ela é feliz, mas não plenamente. Pelo menos uma vez por dia ela se pergunta qual é o seu destino. Até o dia em que recebeu esta mensagem no celular:

Levíssima Poliana: você tem um encontro com o destino. Sério mesmo. Isso não é trote, nem pegadinha.

A mensagem terminou a convidando para ir até o portal de entrada da Trilha do destino, com a assinatura do tal de “M. Oswald”. Poliana só estranhou palavra levíssima. Correu pro espelho e refletiu: “será que consigo com estes quilinhos a mais?”.

O chamado de Álvaro Álvaro ama os números. Matemático por formação, Álvaro se dá melhor com os números do que com as pessoas. Seu único amigo, o Bob, desapareceu faz algum tempo. Isso deixou Álvaro ainda mais introspectivo. Fechado. Triste.

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Mas como você já deve ter adivinhado, Álvaro recebeu um chamado para a Trilha. Ele recebeu esta mensagem aqui: Z1 = 3+4i ; Z2 = -1-6i ; Z3 = 3i Z1+Z2 = (3-1)+(4i-6i) = 2-2i Z3 - Z2 = [0 -(-1)] - [3i-(-6i)] = 1-9i Álvaro resolveu a equação e compreendeu o convite. Decidiu aceitar, porque reparou que havia uma sigla fascinante escondida no meio da fórmula numérica: BOB (...) Este é o quarteto, senhoras e senhores. Aurora. Poliana. Álvaro. Bento. Juntos, fazem a promessa de percorrer toda a trilha com verdadeiro espírito aventureiro. Com ética. Com garra. Com vontade de progredir. O portal de entrada para a Trilha do Destino não é um lugar inacessível. Ele é apenas o marco para o início do percurso e absolutamente ninguém é proibido de se aventurar. Porém, é fundamental que cada um saiba de algumas coisas antes de dar o primeiro passo, e para isso existe o manual do aventureiro. Mas claro, nem tudo está no manual, como nem tudo se aprende na escola. Existem coisas que só a vida e o tempo são capazes de ensinar. (...) Os quatro aventureiros se encontram diante do portal. Aurora. Poliana. Álvaro. Bento. Juntos, firmam o compromisso de chegar até o final da trilha.

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- Será que vamos andar muito? – pergunta Bento, já ofegante. - Cara, a gente nem começou! – espanta-se Aurora. - Pela estimativa de cálculos que eu fiz no caminho pra cá – disse Álvaro dedilhando a inseparável calculadora - temos alguns meses pela frente. - De uma coisa eu sei. – sorriu Poliana. – Será uma grande aventura. O quarteto enfim passa pelo portal. Cada qual com seu objetivo, mas com o mesmo compromisso. E eles não sabem, mas há alguém seguindo eles desde este ponto, desde o princípio. É. Você mesmo. Boa sorte na estrada. Que seja um caminho feito de muitas, muitas recompensas. Aurora. Bento. Poliana. Álvaro. Cada pessoa é um “um universo” de emoções, desejos, qualidades e defeitos. Os trilheiros mais sábios que já passaram pela Trilha buscaram realmente melhorar. E só conseguiram vencer porque assumiram um compromisso com a equipe e também com eles próprios. É nisso que Aurora está pensando agora, enquanto o quarteto atravessa os primeiros metros da Trilha. Há uma ponte estreita de madeira marcando o início da estrada de terra. - Esta ponte não me parece nem um pouco segura. – comenta Bento. - Sim. – concorda Álvaro. – A probabilidade de cairmos é gigantesca! Os quatro olham simultaneamente para a ponte, como se tivessem ensaiado. 16


Um vento gelado faz a ponte balançar levemente, o que provoca calafrios nos trilheiros. - Não estou muito certo que devemos fazer isso e... Álvaro se cala, pois para espanto de todos, Poliana anda decidida até a ponte. - Cuidado! – pede Álvaro. - Já viu a altura do “tombo”? Poliana dá uma espiadinha para baixo. Não seria uma queda fatal, mas certamente machucaria. Porém, Poliana está decidida e sabe que desistir facilmente dos desafios traz feridas muito mais graves com o tempo. Motivada, Aurora se posiciona ao lado de Poliana e segura a sua mão. - Confio em você. – diz Aurora. – Juntos, iremos conseguir vencer todas as provas. Os quatro se olham. Bento tenta disfarçar a emoção, mas todos percebem. Sorriem. Os quatro fizeram o compromisso de se ajudarem até o fim. É preciso mais do que uma ponte estreita para impedi-los. A ponte, para os bravos trilheiros, nada mais é do que uma passagem para seguir adiante. Um por um, atravessam a ponte. Poliana foi a primeira e nunca se sentiu tão leve. Do outro lado, os quatro se abraçaram e comemoraram muito. Aprenderam a primeira das valiosas lições da Trilha: “não existe ‘mais ou menos’ quando você assume um compromisso”. A Trilha espera o melhor dos seus trilheiros, pois sabe do enorme potencial daqueles que recebem o chamado. A Trilha sabe.

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Pedras no caminho

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Como vimos no último capítulo, nossos personagens já entraram na Trilha... e às vezes, a princípio, “nem tudo são flores”. Depende do seu olhar sobre o mundo. - Não entendo o que esta Trilha tem de diferente. – comenta Poliana, um tanto desanimada. Eles olham em volta. De fato, não parece haver nada de “místico” no princípio da Trilha. Trata-se de um caminho de terra ladeado por finos troncos de madeira, uma estradinha seca que segue em linha reta até sumir no horizonte. Só de pensar no longo caminho que eles têm pela frente, Álvaro se sente cansado. - Já estamos chegando? – pergunta. - Álvaro, estamos andando há dois minutos! Bento cai na risada. A aventura promete, ele pensa. Uma das qualidades do bem-humorado Bento é a capacidade de enxergar longe. Esta Trilha é linda e ele sabe disso. (...) Cerca de 3 km após passarem pelo portal, o cenário começou a mudar um pouco. Isso porque a paisagem da Trilha é como os trilheiros: a mudança vem aos poucos. No caso, uma mudança para melhor. A estrada foi ganhando sombra e os protegendo do calor incessante, pois dezenas de árvores foram “aparecendo” na medida em que os quatro avançavam. - Vejam! – gritou Aurora. – Um lago! 19


Correram em direção à lagoa, prontos a se atirarem de roupa e tudo. Mas não tiveram chance. Uma pedra gigantesca rolou de uma colina ao leste e barrou o caminho dos trilheiros, por pouco não os esmagando. - E agora? – perguntou Bento, ofegante. – É impossível mover esta pedra! Os três olharam automaticamente para Aurora, como se fosse natural ela ser a líder do grupo. Aurora, por sua vez, olhou para a enorme rocha diante deles. Sentiu-se uma formiguinha. Desistir de tudo estava fora de cogitação. Recuar, jamais! Não passou pela cabeça de nenhum deles fraquejar, pois juntos assumiram o compromisso de ir até o final. Entretanto, há uma enorme pedra no caminho... O que fazer?!

A força de uma rocha.

- O que fazemos?! – aflige-se Bento. Aurora olhou aborrecida para Bento. É óbvio que enfrentarão muitas dificuldades pelo caminho e o medo não ajuda. Entretanto, e isso Aurora teve que concordar, a gigantesca pedra é um problema. - Um problemão. – enfatiza Álvaro. – E pelos meus cálculos, é impossível tirarmos essa pedra do caminho! Ninguém ouve Álvaro. Pouco carismático, Álvaro sempre teve dificuldade para ‘se impor’. Ele tem uma esperança que é só dele de que a 20


Trilha mude isso também. - Vamos empurrar a pedra. Nós todos, juntos. – diz Aurora, decidida como de costume. - Pode dar certo! – anima-se Poliana. Então eles empurram. E empurram. E empurram com mais força. A pedra não é movida um milímetro sequer. - Acho que quebrei meu braço. – geme Bento. Poliana ri do exagero do colega. Sentam - se, cansados. Há pressa, logo escurecerá e ali não parece ser um bom lugar para acamparem. - Ânimo, gente! – pediu Poliana. – Nem sempre as respostas vêm no tempo que desejamos. - Sim, mas isso não faz sentido. – suspira Aurora. – Como esta pedra veio parar aqui? De cima da pedra, para a surpresa de todos, alguém gritou: - Precisam de ajuda? Os quatro olharam pra cima. Viram um trilheiro desconhecido. Poliana sorriu e saudou o estranho com alegria. - Como você subiu aí? É impossível! – disse Álvaro. O estranho jogou uma corda. Um de cada vez, os trilheiros escalaram a pedra. E cada vez que um deles chegava ao topo, não conseguia conter o espanto. O homem que jogou a corda é um cadeirante. Apresenta-se para o quarteto: 21


-Meu nome é Steven. Bem-vindos à nova etapa da Trilha. - Como... Como você... – balbuciou Álvaro, de olho nas rodas da cadeira. O homem sorri e responde. - Eu não desisti em nenhum momento.

M. Oswald De cima da enorme pedra, os quatro trilheiros tiveram uma perspectiva diferente do que virá pela frente. Steven, o homem que os ajudou a subir ali, conta um pouco sobre sua experiência na Trilha. - Estou aqui há muito tempo e já vi um pouco de tudo. Vi trilheiros desistirem muito cedo. Outros, indo além do que podiam no momento. Álvaro ficou olhando hipnotizado para as rodas da cadeira de Steven. Tentou sem sucesso imaginar de que maneira Steven conseguiu subir na pedra. Certas coisas parecem ir além da razão. - O que posso garantir. – afirmou Steven. – É que a Trilha costuma ser mais segura para os trilheiros que caminham juntos. - Sabe, Steven – disse Álvaro, tímido. – Não sou do tipo que gosta muito de estar ‘enturmado’, sabe? Até gostaria, mas... - Ser sozinho é diferente de ser solitário, meu amigo. Por exemplo: eu gosto de estar sozinho, mas tenho consciência de que preciso da companhia dos outros. O solitário é mais triste, pois não tem a quem recorrer. Álvaro lembra de seu melhor amigo. Seu único amigo. Estará ele em algum trecho da Trilha?

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- Venham comigo. – diz Steven. Os trilheiros o seguem. Há uma rampa camuflada sob um arbusto no topo da rocha. Eles descem. (...) Lá embaixo, Steven orienta o quarteto. - Sigam nesta direção, trilheiros. Logo encontrarão um guia. Ah, e levem isto com vocês! Steven tira uma pedra da mochila e a arremessa na direção de Álvaro, que improvisa um malabarismo desajeitado até firmá-la na mão. Bento ri. - O que é isso? – pergunta Poliana. - Uma mensagem enviada por alguém. Sei que por enquanto parece só uma pedra. - sorri Steven. – Logo ela será lapidada. Agora vão. E vão em paz. Os trilheiros se afastam. Steven fica acenando até eles sumirem de vista. Alguém se aproxima de Steven. - Gosto de pensar que tenho o dom de saber quem são os escolhidos. Steven se volta, assustado. Sorri ao reconhecer esse ‘alguém’. Cumprimenta-o: - Olá, M. Oswald. Em uma humilde casa fora da Trilha, uma menina prestes a completar seis anos de vida pergunta para a avó: - Cadê a mamãe? A avó sorri, faz um afago na cabeça da neta e olha de relance para um porta-retrato sobre a cômoda. Aurora estava realmente linda no dia em que tirou esta foto. 23


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As coisas que a gente deixa pra trรกs

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No topo da rocha, M. Oswald usa um binóculo para enxergar os trilheiros. Em seu coração, sabe que Aurora, Bento, Álvaro e Poliana farão parte do seleto grupo dos que chegam até o final da Trilha. Torce muito pra isso. M. Oswald sente que um dos quatro é o escolhido para algo muito especial. Isso tudo, é claro, o tempo dirá. Um passo de cada vez. M. Oswald tira um celular do bolso e liga para alguém. - Jonas, preciso da sua ajuda. (...) Após passarem pela enorme pedra, os quatro trilheiros andaram por quilômetros sem parar. - O que me desanima é não saber para aonde vamos! – desabafou Álvaro. Mal disse isso e um homem de aparentes trinta anos se aproximou em sentido contrário. Os trilheiros o saudaram e o homem se apresentou. - Meu nome é Jonas. - Gostei dos óculos escuros. – elogiou Poliana. – Por que está fazendo o caminho de volta? - Um grande homem pediu para que eu retornasse até encontrar vocês. Serei o guia para a próxima fase. Venham! Os quatro trilheiros o seguiram e ficaram impressionados com a facilidade com que desviava de todos os obstáculos. E não só isso: com firmeza e serenidade, Jonas os orientava a andar pelo terreno íngreme da forma mais segura possível. - Escuto o som dos grilos. Está escurecendo. – disse próximo a uma velha figueira. - É um bom lugar para vocês acamparem. Pela manhã, sigam até o ‘portão dourado’ e estarão em uma nova etapa. 26


Jonas se despediu e seguiu seu caminho sem problemas. Ele pode andar tranquilamente pela Trilha à noite. Se tivesse tirados seus belos óculos escuros diante dos trilheiros, eles teriam visto que Jonas na verdade é cego. Para Jonas sempre é noite. Mas ele não um homem triste, pois ama a noite e imagina que todos os portões do mundo são de ouro. Sob a figueira, os quatro montam as barracas e logo tratam de descansar. Apenas Aurora demora pra pegar no sono. Fica pensando na filha, que logo fará seis aninhos. É por ela que Aurora luta. Deseja que a filha a veja como um exemplo. Pela manhã, os trilheiros acordam com um tremendo susto: Álvaro não está ali. Preocupados, eles o procuram sem sucesso. E é então que acham um bilhete dentro de sua barraca. “Sinto muito. Tem sido um fardo pesado demais para os meus ombros. Eu quero voltar pra casa, pra tudo que eu deixei pra trás! Sinto muito por falhar com vocês. Eu não tenho a mesma força. Álvaro.”. Lamentando muito, os três trilheiros desmontaram acampamento e seguiram rumo ao portão. Quando iam passar por ele, Aurora fincou os pés na terra e disse com a voz firme: - Não! Bento e Poliana se voltaram. Aurora concluiu: - Somos uma equipe. Não vamos continuar sem o Álvaro. Poliana sorriu. Bento coçou a nuca, indeciso. Aurora olhou decidida para o caminho pelo qual vieram. - Vamos voltar. - disse.

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Bob Álvaro devia ter enchido o cantil com água. Sente sede. Muita sede. O sol lateja em sua testa e o cega por alguns segundos. Vem uma forte tontura. As pernas de Álvaro tremem. E é então que leva um susto que o faz despertar. Robert, (conhecido como “Bob”) está a poucos metros de distância. - Bob! – Álvaro grita. Álvaro arranja forças que nem ele sabia que tinha e corre até o melhor e único amigo, desaparecido misteriosamente. Álvaro tinha certeza de que o encontraria na Trilha! Mas... tudo escurece. Álvaro desmaia e a última visão que tem é a do amigo virando fumaça... (...) Estranho. Parece um sonho. Álvaro tem a sensação de estar flutuando. Sente-se como uma pena. Abre os olhos e compreende tudo. Bento o carrega no colo. - Olá, dorminhoco! Álvaro é colocado no chão com gentileza pelo colega trilheiro. Olha para eles. Bento, Aurora e Poliana. - Onde estamos? - pergunta meio atordoado. - Passamos pelo portão dourado! – esclarece Poliana. 29


- Estamos em outro terreno agora. – fala Bento. Álvaro não entende bem o que aconteceu. Tem a impressão de ter visto o melhor amigo, mas não tem certeza se foi real. Mas passa a ter certeza de uma coisa, ao olhar para os três trilheiros: agora tem novos amigos. - Por que não me deixaram pra trás? – pergunta ele. - Eu quis desistir! - Sabemos que você é forte. – diz Aurora enquanto passa um cantil para ele. – Quando estamos juntos, fazemos tudo melhor. A qualidade aumenta! - Mas eu... Eu me sinto um peso. - Não! – se apressa em dizer Poliana. – Cada um de nós tem seu papel nesta Trilha. Não consegue ver isso? Cada um aqui tem melhor aptidão pra algo. - Sim! - concorda Bento. – Por exemplo, eu sou o mais bonito, o mais espirituoso, o mais... - Babaca. – completa Aurora. - Sim, sim, sim. – se empolga Álvaro. – Eu sou o cara dos números. O mais apto aqui pra calcular as rotas. - E não só isso. – corrige Poliana. Você também é nosso amigo. Álvaro sorri, emocionado. Mas antes que tenha tempo de balbuciar um “obrigado”, Aurora diz com firmeza: “vamos em frente!”. Porque a aventura continua.

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A qualidade é um diferencial em qualquer caminho. Um serviço de qualidade nem sempre é ‘perfeito’... Mas com toda a certeza encanta


Trilhando com qualidade! Apesar deste trecho da Trilha ser muito bonito, uma considerável depressão em sua superfície transformou parte da região em um ‘banhado’. “É bom tomarmos cuidado”, previne Aurora. “Um passo em falso e um de nós pode se perder nesta lama toda”. - Se me permitem, tenho uma sugestão. – diz timidamente Álvaro, e para surpresa dele, os três param para ouvi-lo. Os quatro amarram cordas em suas cinturas seguidas por ‘quatro nós’. Como prova de confiança, Álvaro segue na frente e o quarteto vai atravessando o banhado em segurança. No meio da travessia eles veem um homem ilhado sobre um tronco. Vão até ele e perguntam se ele precisa de ajuda pra sair dali. - O que é que vocês acham? – berra o homem. - É claro que eu preciso de ajuda! O homem pede desculpa pelos mau modos e se apresenta. Seu nome é Dalton e os óculos dele se perderam em algum lugar do banhado. - Pobre de mim. – choraminga Dalton. - Sou um vendedor que aceitou vir para esta Trilha em busca do destino... E agora estou cego feito uma toupeira e não consigo enxergar número algum! - Ah, você gosta de números! – anima- se Álvaro. - Mas como os números podem ser úteis aqui na Trilha? –pergunta Bento e é “fuzilado” pelo olhar de Álvaro e Dalton. Paciente, Dalton explica: - É muito fácil se perder por aqui se você não souber as coordenadas certas! Por isso neste tipo de região é bom ter alguém com as minhas qualidades.

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- E então? - pergunta Dalton. – Podem me ajudar a sair daqui? Podem ser a minha ‘visão’?

Show! Antes de iniciar na Trilha, Bento venceu uma grande barreira, um tipo de medo que era só dele: fazer ‘stand-up’ em um bar de comédia. Muito extrovertido, Bento não tinha certeza que podia fazer alguém que não fossem seus amigos rirem. Mas Bento estava muito, mas muito nervoso quando subiu ao palco. Sim, teve coragem e “deu a cara à tapa”. Porém, ninguém riu. E foi assim que o ‘sempre alegre’ Bento entrou na Trilha sem que ninguém percebesse. Levando uma dor escondida na mochila. (...) Os trilheiros ajudam Dalton a sair da “ilha” em que se meteu, um tronco velho flutuando sobre o banhado. - Deixa eu te ajudar. – diz Bento enquanto passa um pedaço da corda em torno da cintura de Dalton. – Pronto! Está firme! – sorri. Enquanto atravessam o banhado, Dalton conta para os trilheiros o que vendia “lá fora”, antes de ser chamado para a Trilha. - Eu vendia sonhos. Os trilheiros olham sem compreender para Dalton. Bento arrisca uma pergunta: - De nata, chocolate e doce de leite? 32


Após um breve silêncio, todos caem na risada. Bento se sente feliz. Ama fazer os outros rirem. A vida teria muito mais qualidade se as pessoas rissem mais. Bento acredita piamente nisso. - Sua visão foi comprometida. – compreendeu Álvaro. - Sim. Etiquetas foram trocadas, números embaralhados... - OH MEU DEUS! – berrou Álvaro. – Números embaralhados não! -Pois é. – concordou Dalton. – E isso acaba prejudicando outras pessoas. - Cuide bem dos seus olhos, bom trilheiro. – disse Aurora. – O trabalho de todos depende do cuidado em cada detalhe. Andam mais cem metros, com dificuldade. Estão cansados. Muito cansados. As piadas de Bento os ajudam a se distraírem. - Sabem por que um trilheiro atravessa o banhado? Pra chegar do outro lado. E dá-lhe gargalhada. Riem de tão bobo que é. - Vejam! – grita a alegre Poliana. Há um pequeno barco de madeira a vista. Seguem.

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Algo que nos move

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- Não cabem todos no barco. – alerta Álvaro. É a pura verdade. O pequeno barco de madeira não passa confiança. Contando com Dalton, eles estão em cinco agora. “Não dá”, insiste Álvaro. Num gesto nobre, Dalton se desfaz da corda em sua cintura e tranquiliza os companheiros. - Daqui eu sei me virar. – explica. – Há um acampamento aqui perto onde alguns trilheiros me esperam. Aurora insiste que Dalton não se separe deles, já que perdeu seus óculos e não enxerga muito bem. Mas Dalton garante que está seguro. “um bom homem chamado Jonas me ensinou a enxergar com a alma”, segreda. No caminho para o acampamento, Dalton refletiu sobre a importância do seu olhar. “Quando eu voltar para casa, vou cuidar dos meus olhos. Vou ter a atenção de colocar os devidos preços nos pacotes, pois isso poupará tempo e fará bem para todos. Com o tempo não se brinca. (...) Aurora. Álvaro. Bento. Poliana. Os quatro estão no barquinho. Usam galhos tortos e extensos como remos. A união os move. A coragem lhes serve de guia. Remam com a certeza de que algo os espera. Algo melhor. O destino dos quatro parece até gritar seus nomes. Poucos chegam ao final da Trilha. (...)

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O barco bate em algo que o faz ficar preso no lodo. - Droga! – diz Álvaro. – Estamos presos em alguma pedra, eu acho. Pobres trilheiros. Logo descobrirão que esta “pedra” tem muitos dentes. Os dentes de um crocodilo. (...) Dalton chega com segurança no acampamento. Seus amigos o recebem com imensa alegria. Todos o abraçam efusivamente. Um deles acena de longe, tímido como sempre. Dalton sorri e o cumprimenta. - Oi, Bob.

32 dentes Dalton aperta a mão de Bob. E conta para todos que foi salvo por quatro destemidos trilheiros. - Aurora é uma líder nata. Dá pra ver de longe. – descreve Dalton. – Poliana é um doce de mulher, tem sempre uma palavra de incentivo. Bento é um cara bem espirituoso. E o outro... Bom, o nome dele me fugiu agora. Mas é um sujeito brilhante. (...) O barco bate em algo que o faz ficar preso no lodo. - Droga! – diz Álvaro. – Estamos presos em alguma pedra, eu acho. Poliana é a primeira a notar que não é exatamente uma pedra. O medo a congela antes que ela consiga dizer cro-co-di-lo. 36


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A mandíbula do imenso animal tem 80 dentes. Uma mordida dele pode ter o impacto de 1,5 toneladas. O monstrengo abre a bocarra e o barco chacoalha. Bento quase cai na água pegajosa. Quem o socorre é Álvaro, que segura firme em seu braço. Aurora olha meio que em choque para o bicho, sem conseguir gritar. Bento berra erroneamente “um jacaré”. - Pessoal... Não gritem. – sussurra Aurora, sem tirar o olhar da fera. – Sem movimentos bruscos... Sem pânico. O crocodilo olha por um breve instante para os olhos de Aurora. Os olhos do réptil parecem ser sem vida. Aurora não sente medo. Sente compaixão. Um bicho assim, pela sua própria natureza, não conhece nada além da lei da selva. Nasceu predador. Morrerá predador. Lágrimas escapam dos olhos de Aurora. O crocodilo deve ser solitário. Sem desviar os olhos da trilheira, o crocodilo submerge em silêncio e desaparece. Por algum tempinho só se ouve os dentes de Bento batendo de medo. - V-vamos e-e-embora daqu-ui d-de uma v-vez. – diz. (...) Na margem sul do banhado, os trilheiros colocam os pés sobre a terra úmida. - Precisamos descobrir como voltar pra trilha deste ponto. O lugar não é bom para montarem acampamento, mas não há muito escolha. Devem seguir o exemplo de Aurora diante do crocodilo. Devem encontrar serenidade dentro deles para lidarem com as situações mais complexas sem tanto drama.

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A alguns metros deles, Aurora ainda está olhando para o banhado. Está reflexiva. Não sabe se é melancolia ou tristeza. Os pensamentos são assim: passam pelas nossas mentes sem pedirem licença e viram palavras soltas ou versos de improviso. No momento, Aurora está pensando: “como a humanidade conseguir chegar ao topo da cadeia alimentar com apenas 32 dentes?”.

Mosquitos Os trilheiros improvisam um acampamento à margem do banhado. Carregam pouca comida. Pouca água. Mas muita esperança. Esperança de que amanheça logo e eles encontrem um caminho favorável para voltar a Trilha. Se andarem sem rumo pela mata fechada, podem correr o risco de se perderem, andarem em círculos ou mesmo voltarem. - Mas que coisa! Álvaro dá um tabefe no próprio rosto. Isso porque “zilhões” de mosquitos invadem o acampamento. A noite não é fácil. Demora. Não dormem com o calor e os insetos, apenas cochilam um sono sem qualidade alguma. Por volta das cinco da manhã, um grito os desperta de vez. - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! Cada um deles sai correndo da barraca. Parecem até quatro zumbis despenteados. Bento não faz piada, não acha que é hora pra isso. Alguém gritou. Alguém precisa de ajuda. - Achei que tinha sido um pesadelo meu. – comenta Poliana. Ouvem o grito novamente. Os quatro olham para a mata fechada. Ainda falta uma hora para o sol nascer. Partir por este caminho pode ser uma péssima escolha, ao mesmo tempo em que a vida de alguém pode depender da coragem deles. 39


Poliana pensa. Bento finge não tremer. Álvaro faz cálculos mentais. Apenas Aurora já tomou sua decisão faz 30 segundos. Ela espanta um mosquito que pousa na orelha e caminha em direção ao som do grito.

Mágico! - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! Os quatro trilheiros correm em direção ao grito. A mata é fechada e escura. Falta uma hora para amanhecer. Na pressa em ajudar um desconhecido, os trilheiros cometem um erro grave. Não pensam nos detalhes. A falta de tempo para elaborarem uma estratégia de qualidade vai diretamente de encontro à afobação deles. Álvaro corre, corre, corre... E quando percebe, está sozinho. - Ops. – é só o que consegue dizer. Números passam pela sua cabeça. Se os quatro tivessem usado pelo menos um pouquinho da razão, teriam entrado na mata de mãos dadas. Teriam levado tochas. Teriam feito qualquer coisa, menos o que fizeram. Agora não é apenas uma pessoa que está perdida. São cinco. Porque é isso que o desespero faz com uma equipe. (...) Poliana por acaso é a primeira a esbarrar no estranho. O homem parece procurar por algo. - Como posso ajudar você? – pergunta Poliana, buscando vencer seu medo. Os olhos vão se habituando a escuridão e Poliana consegue distinguir melhor a feição do enorme homem. Poliana ri. Na verdade o “gigante” tem 40


uma baixa estatura. O que o fazia parecer alto é sua cartola gigantesca. - Meu nome é Cliff. - ele se apresenta. – Eu sou um mágico. - E por que estava gritando? – indaga Poliana. - Gritando? Eu não estava gritando. (...) A alguns metros dali, Aurora tropeça em uma pedra. A pedra tem alguma inscrição em relevo, Aurora sente ao passar os dedos. Aurora aproxima a pedra dos olhos para tentar ler o que está escrito, mas... - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! O grito. Alto, estridente, bem atrás dela. Aurora se volta, assustada. E não consegue desviar.

Nem tudo é o que parece “Meu nome é Cliff. Eu sou um mágico”. - Uau! –diz Poliana admirada. – Você vive disso? - Não. – responde enquanto tira a cartola e coça a calva. “É um homem realmente pequenino”, pensa Poliana. - Na verdade, simpática garota, eu sou um técnico. Mas aqui na Trilha posso ser as duas coisas, um técnico e um mágico! Posso ser o que eu quiser e ninguém vai me julgar. A Trilha encoraja os sonhos de quem a mantém viva. Por que está rindo?

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- Desculpe. É que nunca conheci um técnico mágico antes. Como você se tornou mágico? - As pessoas começaram a me chamar assim. - Por quê? - Porque eu faltava em muitas visitas técnicas agendadas. Daí perguntavam: “ué, cadê o Cliff?”. E sempre alguém respondia: “desapareceu!”. - Entendi. Mágico é um apelido então. - Não! – ofendeu-se Cliff. – Eu SOU um mágico -Mas não é um bom técnico. - Você não pode falar assim comigo! - Não grita! – pede Poliana. – Aliás, por que estava gritando? - Gritando? – estranha Cliff. – Não dei grito nenhum. Só estou procurando meu coelho. E em silêncio, pra não assustá-lo ainda mais. (...) Os trilheiros conseguem sair da mata e voltam para o acampamento próximo ao banhado. Poliana traz junto Cliff e todos ficam felizes em conhecer um mágico de verdade. - Meu dom é consertar coisas. - Esta é sua mágica? – estranha Álvaro.

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- Bom, eu tenho outras. – responde Cliff, meio sem jeito. - Mas meu coelho é hiperativo e dificilmente fica na cartola. As cartas também não são o meu forte. - Mas então quem... Antes que Bento termine a frase, um vulto surge da mata. - Aurora! – comemoram os trilheiros. Os quatro se abraçam. Cliff se junta a eles. - Também quero apresentar alguém. – diz Aurora. – Será que está tão escuro que vocês não viram o que eu tenho no meu ombro? - Que bonitinho! – sorri Poliana. – Ele fala? - Não. – esclarece Aurora. – Mas acha que é o Pavarotti, então ele grita. - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! – berra o papagaio. Os trilheiros se olham e caem na risada. Aprendem algo valioso. Muitas vezes a mente cria problemas onde não existem.

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Diário de M. Oswald Querido diário, velho companheiro de Trilha: Nos últimos dias, os trilheiros cruzaram com o caminho de dois veteranos: Dalton e Cliff. Dalton estava “ilhado” no banhado e quem sabe estaria perdido se o quarteto não tivesse o encontrado. Foi um bom encontro. Acredito que a visão de Dalton se tornou mais aguçada e ele tomará mais cuidado em atribuir o valor certo para as coisas. Já que tudo tem um preço, que seja então o preço certo. Não acha? Cliff, o “mágico” também foi encontrado enquanto procurava por seu coelho. Sinceramente, se este coelho existe, eu nunca vi! (risos) Cliff é chamado de mágico por simplesmente ‘desaparecer’ nos encontros agendados. Mas Cliff é um bom homem e também tenho esperança de que os trilheiros possam ser uma boa influência para ele. Não sei dizer se o tempo fará de Dalton um bom vendedor e de Cliff um bom técnico. Mas sei que o caminho foi apontado e agora depende deles. Aurora. Bento. Poliana. Álvaro. Que enorme carinho eu tenho por esses trilheiros, meu estimado diário.

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O desfiladeiro

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É um dia quente. O sol é tão intenso que parece ter sido desenhado no céu sem nuvens. Aurora olha confiante para frente. Aurora sempre olha para frente. Ela reflete sobre tudo o que viram nos últimos dias. Os dois trilheiros que conheceram, Dalton e Cliff, comprometem a qualidade da Trilha. Cada qual a sua maneira precisa evoluir em nome da equipe. Aurora pensa na filha e uma pontada de dor atravessa seu coração. “Deveria estar com ela agora”, ela pensa, mas então se lembra da razão de estar na Trilha. Cada passo é para um lugar melhor. Vão em frente depois de se despedirem de Cliff, o mágico, que decide não seguir com eles. Cliff sente que ainda não está preparado. Os quatro trilheiros caminham por horas. O peso das runas em suas mochilas torna tudo mais difícil. Quando pensam em parar pra descansar, se aproximam de uma placa de madeira com a inscrição:

Atenção. Há mais de um caminho no desfiladeiro.

Preparem-se!

Aurora. Bento. Poliana. Álvaro. Ali estão eles, na entrada do desfiladeiro. A passagem entre as montanhas é muito estreita e Poliana sente medo de passar pela fenda. - Eu vou ficar presa e só de pensar nisso me dá uma angústia muito forte! Geralmente, Poliana é uma pessoa leve, sempre otimista com o que vem pela frente. Em tudo Poliana enxerga uma oportunidade, o que não quer dizer que ela não tenha o direito de sentir medo às vezes. 47


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O medo é a emoção mais primitiva da humanidade. Ter consciência dos riscos e de como fazer para superá-los é o que fez com que os humanos chegassem tão longe. Aos olhos de Poliana, o desfiladeiro representa o desconhecido. Do outro lado da fenda, os trilheiros tentam encorajar a colega. - Você consegue! Poliana sente vontade de chorar. A ideia de ficar aprisionada entre as rochas a apavora. Álvaro toma então uma decisão corajosa: - Eu vou voltar pela fenda e procurar um caminho que seja melhor para a Poliana. – avisa ele para Bento e Aurora, que comovidos, aceitam a escolha sem retrucar. Poliana abraça Álvaro, que meio sem jeito, se limita a dizer que está tomando a decisão mais inteligente. - Quando você atinge um resultado com um mínimo de perda de recursos, você faz algo com eficiência. – comenta Álvaro, ainda “sufocado” pelo abraço da amiga.

Antes que a luz apague - Obrigada. – diz Poliana para Álvaro. - Pelo quê? - Como assim? Você voltou por mim! Sem jeito, Álvaro murmura um “vamos”. Poliana ri. Álvaro aponta para um ponto do desfiladeiro onde duas enormes colunas de pedra improvisam um tipo de ‘portal’. Álvaro e Poliana passam por ele sem saberem que estão entrando em um labirinto onde poucos encontram a melhor saída. 49


(...) - AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH... Aurora e Bento gritam por trinta segundos, que o tempo que levam escorregando pelo buraco imprevisto que caíram. ‘Pock’. ‘Pock’. Despencam feitos dois abacates. A respiração de ambos fica ofegante. Não enxergam um palmo diante do nariz. Bento acende um fósforo. “Onde estamos?”, pergunta Aurora, atordoada. “Não sei”, responde Bento, e quando passa a mão na testa, sente que está sangrando. Tremendo, Aurora sussurra “acho que vou desmaiar”. O diminuto fósforo se apaga. “Aurora?” chama Bento, aflito. Como resposta, só há o silêncio. (...) Um ano antes, na casa de Aurora. - Mamãe, conta uma historinha? Aurora sorri, senta ao lado da cama e abre o livro predileto da criança: “Os três porquinhos”. - Sabe por que os três porquinhos não viraram papinha do lobo? - Sei sim, mamãe. Graças ao porquinho Prático. - Isso mesmo! O Prático foi muito eficiente. Esteve um passo antes de qualquer imprevisto e construiu uma forte e segura casinha de tijolos. Quanto aos outros dois porquinhos... A menina já está dormindo. Aurora dá um beijo molhado no rosto da filha. E apaga a luz. 50


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Respire fundo! Aurora abre os olhos. Sua visão está desfocada. Ela enxerga apenas um vulto, que pergunta com a voz abafada: “você está bem?”. É Bento que está diante dela. “O que aconteceu?”, pergunta a trilheira, deitada sobre o colo do amigo. “Você apagou”. Olhando em volta, Aurora fica um tanto surpresa: há um indício de luz a alguns metros! Aurora e Bento se olham. Não é preciso palavras. Bento ajuda a companheira a se levantar. Caminham em direção à luz. (...) Olham para a direita. Olham para a esquerda. Parece o mesmo caminho. - Estamos completamente perdidos! – grita Álvaro com a voz fina. Poliana ri e isso o deixa mais possesso ainda. - Acha engraçado estarmos completamente perdidos? Poliana controla a risada. E se lembra de alguém. - Vovô, por onde vamos? Poliana tinha uns 6 aninhos. Passeavam por uma trilha na Serra da Graciosa, quando seu avô resolveu “improvisar” por atalhos desconhecidos e acabaram se perdendo. A menina ficou assustada. Mas vovô logo tratou de acalmá-la. - A primeira coisa é nos acalmarmos. – disse ele. – Fofinha, lembre-se disso. Uma pessoa eficiente toma o cuidado de fazer tudo direitinho. Tudo com capricho. Mas a vida é cheia de imprevistos, é bom você saber. Quando seu coração começar a palpitar muuuuuuito forte e você sentir que está perdendo o controle da situação... Respire fundo e pense: “o que o vovô faria”? 52


Poliana respirou fundo. Fechou os olhos. Quando os abriu, apontou para um dos corredores do labirinto e disse com segurança: “ele escolheria este caminho”. - “Ele” quem? – perguntou Álvaro. Enquanto andaram, Poliana contou algumas das doces lembranças que tem do seu vovô.

Círculos Poliana e Álvaro caminham pelo labirinto. Suas bocas estão secas e ambos sabem que precisam encher os cantis com urgência. - Já passamos por aqui! – diz Álvaro, com a voz cansada. – Pra variar, estamos andando em círculos! Pelos meus cálculos... - Esquece a calculadora! – grita Poliana, milagrosamente impaciente. – Veja! Tem alguém ali! Olhou. A uns cem metros, Álvaro viu uma plataforma com uma escada. “É uma miragem”, balbuciou. “Não deve ser real, Poliana”. - Vamos! – disse ela, puxando Álvaro pela mão. – Tem alguém ali! - M-mas n-não sabemos se é amigo ou inimigo! - Não podemos ficar parados até morrer de sede! Aproximaram-se da escada. Subiram lentamente. Viram um homem sentado, com as pernas cruzadas, os olhos fechados. Poliana e Álvaro ficaram parados, cautelosos. O estranho então abriu os olhos e os observou com serenidade. “Ele me passa confiança”, pensou Poliana. - Olhem pra baixo. – pediu ele. 53


Álvaro e Poliana ficaram deslumbrados. Dali de cima era possível enxergar o labirinto sob uma perspectiva diferente. Enxergaram a solução, e não o problema. Até mesmo a paisagem mudou, como se a Trilha se alimentasse das boas energias dos trilheiros. - Agora olhem seus cantis. – disse o homem. Novamente, os trilheiros obedeceram. - Estão cheios! – vibrou Álvaro. Beberam quase metade de uma só vez, mas se contiveram. Pensaram no futuro. Enxergaram adiante. Quando foram agradecer o homem, viram algo sobrenatural. Ou melhor, não viram. O homem havia sumido. (...) Ao final deste mesmo dia, M. Oswald acrescentou uma nota em seu diário: Hoje eu pude fazer a diferença, e isso sempre me faz muito bem! Não há nada melhor que dormir com a sensação de que algo que você fez causou algum impacto. Saber que você é um agente da mudança. Não pude ajudar todos eles, é verdade. São muitos, e dois deles me preocupam mais do que os outros, pois caíram na fenda do desfiladeiro e os mistérios que ali existem estão além da minha jurisdição! É a aventura da vida que nos põe a prova diariamente. Nem todos os problemas do mundo podem ser resolvidos tão facilmente quanto um gesto tão simples. Como encher dois cantis d’água, por exemplo. 54


Enigma - Por aqui! – disse Bento. Aurora e ele seguiram firmes até um tímido facho de luz. Se a luz não fosse uma saída, estariam em maus lençóis. Na quase completa escuridão, Bento bateu com o pé numa pedra e gemeu de dor. “%$#&#@ de pedra!”, praguejou. Seguindo seus instintos, Aurora tateou no escuro, pegou a pedra e a guardou em sua mochila. - Falta pouco. – sorriu Aurora. – Falta pouco... Mas um estranho “imprevisto” aconteceu: o facho de luz sumiu do nada! Aurora e Bento pararam de respirar alguns instantes. “É o fim”, pensou Bento. “Estamos sepultados aqui”. Então a caverna inacreditavelmente ‘falou’. Sua voz de trovão ecoou direto nos tímpanos dos dois trilheiros:

Um enigma em forma de charada: Três irmãos são muito unidos. Não se perdem e andam em círculos. O mais velho é obeso, baixinho e corre bem devagarinho. O do meio é alto, magro e mantêm um ritmo constante. O mais novo é o mais veloz! E ainda assim, é o segundo. Quem são os três irmãos?

E a caverna nada mais disse. Por um breve tempo só se ouviu o palpitar dos corações de Bento e Aurora. De repente os olhos de Aurora brilharam e parecerem duas lanternas. Ela soube dar a resposta! E com isso o facho de luz reapareceu. 55


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Aurora e Bento voltaram para a superfície. Abraçaram-se. Riram. Choraram. Durante o resto da vida, por mais que descrevessem o que passaram, ninguém jamais compreenderia o que sentiram na pele. (...) - É bom ver o labirinto daqui de cima. – comenta Álvaro. Poliana concorda com a cabeça. Alguém se aproxima. Álvaro pega o binóculo. Suas mãos tremem e a voz oscila de emoção quando ele anuncia: “Bento e Aurora!”. Poliana e Álvaro fazem um estardalhaço para que os amigos não se percam no labirinto. Aurora e Bento sobem a escada e reencontram Poliana e Álvaro. Os quatro se abraçam. Mais tarde terão tempo para conversarem. Agora, é preciso deixar o lugar. E que alívio eles sentem, pois é muito é fácil se perder no desfiladeiro. Se perder também é caminho.

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Selva

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Aurora. Álvaro. Bento. Poliana. Novamente juntos, os quatro se aproximam da linha que separa os meninos dos homens, as meninas das mulheres. Andam cerca de meia hora, passam por uma ponte e a paisagem muda rapidamente. Os galhos das árvores se entrelaçam. As flores têm cores diferentes. Os insetos são maiores. E os sons... - Estão ouvindo? Param pra ouvir o que Poliana percebeu primeiro. Não conseguem acreditar. - Foi o rugido de um elefante? Os trilheiros se racham de rir. O rosto de Bento fica vermelho de vergonha. - Até onde sei, elefantes não rugem. – sussurra Álvaro. Poliana observa que, de qualquer modo, é impossível que seja um elefante. Continuam o caminho. Tentam evitar ao máximo fazer uma pausa, temem que a noite chegue e eles estejam ali. - Vejam! Os quatro olham sem compreender para a carcaça de um avião.

Destino Os quatro trilheiros se aproximam da carcaça do avião perdido no meio da selva. Bento brinca: - Já assistiram Lost*? *Série muito famosa exibida pela ‘ABC Entertainment’ entre 2004 e 2010.

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Álvaro corre para o avião e examina os destroços. - Este avião deve ter caído há muito tempo. – comenta Álvaro. - Por que diz isso? Álvaro aponta para um detalhe do avião. Há algo escrito nele: Bento cai na risada. - Não pode ser o mesmo avião daquele santo. - Que santo, Bento? - Santos Dumont. Aurora aproximou-se também do que sobrou do avião e logo viu algo que passou despercebido pelos outros. Havia um bilhete próximo aos pedais. Aurora o pegou com cuidado, com receio de que o papel amarelado se despedaçasse. Aurora o lê em voz alta: “Se você não pode mudar seu destino, mude sua atitude”. - Quem será que deixou essa mensagem? – perguntou Poliana. Álvaro olha pra cima por acaso. No galho da figueira sobre eles, há uma gravata enrolada. Álvaro vai comentar sobre ela, mas um barulho chama a atenção de todos. Vozes se aproximando. Os trilheiros ficam na defensiva, prontos para o que der e vier. Dalton e Cliff surgem correndo, desesperados. Não param para cumpri60


mentar ninguém, passam correndo feito rajadas de vento. Em meios aos gritos, a única frase que conseguem distinguir é a de Dalton: - A fera! Por instinto, os quatro trilheiros também saem correndo e se embrenham ainda mais selva adentro. Pelas costas, ouvem um rugido que poderia ser ouvido a léguas de distância. Aurora arrisca olhar para trás. Talvez não devesse, mas é mais forte que ela. Ela o enxerga. O coração vai a mil. As pupilas se dilatam. A respiração para. Ali está ele. O rei da selva.

Dom - A fera! Todos correm selva adentro. Aurora arrisca olhar pra trás. É mais forte do que ela. Ela o enxerga. Ali está ele. O rei da selva. (...) Nenhum dos dois se mexe. Aurora pensa estar frente a frente com a morte. Sem desviar os olhos de Aurora, o leão se aproxima passo a passo da trilheira. Por um breve instante, o último pensamento de Aurora é a filha, no tapete da sala, brincando com um leãozinho de pelúcia. 61


- Mamãe, por que o leão é o rei da selva? A pergunta da criança fez Aurora refletir mais tarde. Dizem que alguns nascem com um ‘dom’. O leão, por exemplo, nasce para ser rei. Mas Aurora nunca viu isso com “bons olhos”. Se liderar é um dom, então não há nada que você possa fazer para ser um líder. Ou você nasce um líder ou não, e Aurora não acredita nisso. - Ele é muito forte, querida. - Mas tem bichos mais fortes, não tem? O urso, o gorila... - Você é uma menina muito inteligente. Mas acho que sei por que o leão é o rei. - Por que os outros bichos têm medo dele? - Não. Porque todos respeitam o leão. (...) Poliana, Álvaro, Bento e a dupla Cliff e Dalton. Eles fugiram tão rápido da ‘fera’ que já nem sabe onde estão. Correm até chegar numa ‘clareira’, um trecho da selva que recentemente sofreu uma queimada. Então ouvem um barulho estranho. Será o monstro? - Onde está Aurora? – pergunta Poliana, alarmada. O barulho cresce e vem do alto. Não é um rugido. É mais um... - Olhem! – grita Bento. O avião 14-Bis passa rasgando o céu. Não a “carcaça”, mas ele inteirinho. 62


- Vocês viram isso? – diz Bento, eufórico. Ninguém mais viu o avião, o que para Bento é muito estranho. Bento nunca teve uma alucinação. “Até agora”, pensa. Os arbustos em volta deles se mexem. Setas pontiagudas surgem entre as folhas. Som de tambores. DonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDonDon - Selvagens! – diz Cliff bem baixinho. – Estamos cercados por selvagens. - Será que são amigos? – sussurra Poliana. - Claro que sim. – sorri Bento. – Não vê que estão juntos? Poliana chuta a canela de Bento.

Caramuru Os selvagens levam Poliana, Álvaro, Bento, Cliff e Dalton para a tribo deles. O ‘Chefe Caramuru’ recebe os trilheiros em uma enorme oca, enquanto lá fora os tambores continuam e uma fogueira começa a ser preparada. Não foram os trilheiros bem recebidos. O Chefe da tribo mandou que todos fossem amarrados e escoltados até sua tenda. É onde eles estão agora. (...) Sempre muito observador, Álvaro notou que o Chefe Caramuru tem a 63


aparência bem diferente dos outros “selvagens”. Bento concordou e disse: - Ele não é um índio! Este ‘cocar’ não engana ninguém! Para azar de Bento, o Chefe ouviu. Aproximou-se de Bento e o encarou. - Cuidado com as palavras. – avisou Caramuru. – Podem ser suas últimas. Voltando para o seu trono de madeira com dois crânios nos “braços”, Caramuru se acomodou e disse com toda a calma: - A verdade é que estranhos não são bem-vindos por aqui. E vou dizer por que: esses “selvagens”, como você disse, acham que eu sou um tipo de “deus do trovão”. Caramuru gargalha e mostra dois longos caninos moldados em marfim de elefante. Os trilheiros sentem um frio na espinha. Quando Caramuru consegue parar de rir, continua a falar: - Eu vendia fogos de artifício antes de vir pra Trilha. Tomei escolhas erradas. Pequei em minhas atitudes. Perdi-me nesta selva há alguns anos. Eu tinha meio cantil de água e um rojão. - Pra que um rojão? – perguntou Álvaro. - Não me interrompa! Era o que eu tinha. Foi então que ouvi os tambores. Esses bárbaros me cercaram! Sem saber o que fazer, acendi o rojão e apontei pro céu. Kabum! Minha intenção era que alguém viesse em meu socorro, mas adivinhem só! Os selvagens se ajoelharam e começaram a me reverenciar. Logo eu, um “herói” sem caráter! Caramuru volta a rir até cair do trono. Bento boceja e sussurra para Poliana: -Se ele mentiu pra esses pobres índios, fez muito mal em nos con64


tar. Quando ele nos soltar, podemos ajudar o pessoal dessa tribo. Eles serão livres, como nós! Poliana olhou com compaixão para Bento, às vezes tão inocente. Lá fora, a fogueira já acendeu.

A bela e a fera Som de tambores. Sob a ordem do Chefe Caramuru, os trilheiros são levados até a fogueira. Os “selvagens” dançam em torno da fogueira. - Eba! – diz Bento. - Vai ter marshmallow! Poliana olha brava para Bento. “Isso é hora de fazer piada sem graça?”, diz ela. - Se você é mesmo um mágico – sussurra Álvaro para Cliff. -, esta é a hora de nos salvar. Cliff fez que não com a cabeça. Os grandes conflitos da vida não desaparecem num “passe de mágica”. Os desafios exigem que seja tirada da cartola uma série de habilidades. É preciso ter mais do que uma carta na manga. - Minha tribo! – brada Caramuru, com a lança em riste. – Hoje eliminaremos pra sempre estes intrusos da Trilha! - O QUÊ? – grita Bento. Os índios da tribo se olham. Um deles indaga Caramuru: - Isso é mesmo necessário? - Não questione minhas ordens! – briga Caramuru. – Eu sou o líder! 65


“Um péssimo líder”, pensa Dalton. “Sorteado” para ser o primeiro, Álvaro é agarrado por dois dos selvagens. Quando vai ser lançado na fogueira, alguém grita: - Não! Todos olham para Aurora. Ela tem o olhar firme e cheio de atitude. Em seu pescoço há um colar com uma nova ‘runa’. Caramuru aponta a lança pra ela, debocha: - Ah, veio se juntar aos seus coleguinhas? Chegou na hora certa, estamos fazendo um churrasco! - Eu acho que não. – desafia Aurora. – Estes trilheiros tem outro destino. - É mesmo? – ri Caramuru. – E quem vai me impedir? - Eu. – responde Aurora com toda a calma do mundo. Caramuru gargalha. - Você e que exército? - Fico feliz que tenha perguntado. Aurora assovia. Logo em seguida, um rugido faz todas as ocas da tribo balançarem. Todos se arrepiam com a criatura que surge da selva e se posta ao lado de Aurora. Emocionado, Álvaro diz baixinho: - A bela e a fera. Os ditos “selvagens” se ajoelham em respeito ao rei da selva. Caramuru tem um chilique e acaba fugindo, com pavor do leão. “Onde é que nós estamos, no Brasil ou na África?”, ele grita.

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Dalton e Cliff tomam a atitude de ajudarem a reorganizar a tribo. Os índios são livres para verdadeiramente fazer parte da jornada. A Trilha não aprisiona. A Tribo liberta. Seguindo pela selva, os trilheiros não sabem o que vão enfrentar pela frente. Mas sentem que o destino é ‘logo ali’. No céu, o avião 14-bis passa entre as nuvens. Novamente, só Bento o enxerga. Não comenta nada, sabe que vão achar que ele está querendo fazer graça.

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Coração de leão

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Há muitos anos, uma valente leoa decidiu que, se um dia se tornasse mãe, seu filhote não passaria a vida aprisionado como ela. Ela faria o que fosse preciso para que o caminho de seu filho fosse mais promissor. Quando seu filho chegou a este mundo tão conturbado, o zoológico recebeu de madrugada a visita de um bom homem. Um ser especial, que consegue se comunicar com tudo o que é vivo. - Meu nome é M. Oswald. – se apresentou para a leoa. – Eu ouvi seu coração me chamar. A leoa se emocionou pela maneira educada como aquele homem a tratou. Era a primeira vez que não a enxergavam como um bicho irracional. Ela deixou que M. Oswald levasse seu bebê para a Trilha. Confiou nele. - Eu prometo. – disse ele. – que seu filho será livre. Ele fará a diferença na Trilha. Na vida de muitas pessoas. Ainda que muitos o vejam como uma “fera”, olhos mais sensíveis saberão enxergar a essência dele. A leoa lambeu a face de seu filhote. Chorando muito, mas firme em sua decisão, disse para o filho: - Vá e encha a sua mãe de orgulho. M. Oswald foi embora, com o bebê em seu colo. E não só ele. Levou também uma imensa responsabilidade.

Rosas Aurora. Bento. Poliana. Álvaro. Os quatro seguem pela Trilha. O leão veio seguindo eles até certo tre69


cho, quando então parou e disse algo que apenas a mente de Aurora conseguiu ouvir. - Não posso ir além deste ponto. Agora é com vocês. Lidere-os, minha “leoa”. Aurora sorriu, olhou pra trás e se despediu do amigo em silêncio. “Até breve”, disse ela em pensamento. (...) O quarteto chegou a um trecho estranho da Trilha. - O que é isso? – perguntou Álvaro. Ali havia uma placa com os dizeres: “Você não consegue escapar da responsabilidade de amanhã esquivandose dela hoje”. - Acho que essa frase é do presidente Abraham Lincoln. – comentou Álvaro. – O que ela significa? - Não sei, mas curti. – sorriu Poliana. - Então compartilha. - brincou Bento. – Mas falando sério, tenho que dizer algo. - Qual a piada agora? – murmurou Álvaro. - Se é piada eu não sei. Mas vi duas vezes o 14-bis passar voando sobre esta selva. - Bento, você andou cheirando suas meias? - Não, dona Poliana! Eu sei muito bem o que eu vi! - Deixem isso pra lá. Vejam! 70

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. (Antoine de Saint-Exupéry)


Os trilheiros olham pra onde Álvaro aponta. É inacreditável como o cenário da Trilha muda entre um passo e outro. No caso, surpreendentemente para algo mais lindo. Logo em frente há um jardim repleto de rosas. - Cinco mil, pra ser mais exato. – sussurra Álvaro.

A raposa Um jardim com cinco mil rosas. Os trilheiros ficam absolutamente encantados com o que veem. Uma lágrima desce pela face de Poliana. - Meu avô ia amar ver isso. - Estas rosas estão muito bem cuidadas. – observa Álvaro. A lágrima de Poliana atinge a terra e de imediato brota uma semente. No meio das rosas se levanta um jardineiro com fones de ouvido. Os trilheiros levam um baita susto. Seu nome é João Raposa. Ele veste um macacão, um boné surrado, botas de borracha e um regador antigo. Ele tira os fonezinhos, se apresenta e diz com satisfação: - Eu cuido deste jardim. - Sozinho? – se espanta Álvaro. - Impossível! - Na verdade é bem simples. – diz com humildade. - Nesta região chove dia sim, dia não. E eu amo o que faço. Se eu não cuidar dessas rosas, quem vai cuidar? Certamente não eles. - “Eles” quem? – pergunta Aurora. 71


O jardineiro aponta numa direção e esclarece: - Ali há uma vila. Os moradores dela desistiram. - Desistiram do quê? – indaga Bento. - De tudo. Tudo o que eles fazem é descansar. - E como se alimentam? – questiona Álvaro. - Bom, nem todos desistiram. Há outros como eu, mas são cada vez menos. Cuidam dessas pessoas, como eu cuido das rosas. São pessoas que precisam de ajuda, pois estão “murchas” e não podem simplesmente serem ‘regadas’. Tristeza é pior que seca. - Eu quero conhecer essa vila. – diz Poliana. – Quem sabe eu possa “regar” essas pessoas com boas energias. João Raposa sorri com melancolia. “Quem dera fosse tão simples”, desabafa. - Poliana, não sei se isso é boa ideia. – diz Bento. – Temos que seguir em frente. A esta altura do campeonato, qualquer desvio é um risco enorme e... Uma abelha entra na calça de Bento. Ele corre desesperado pelo jardim, sacudindo as mãos. “Não pise nas rosas, principezinho!”, berra Raposa. Todos riem. Os trilheiros seguem para a vila além do jardim, enquanto os sons da selva vão ficando cada vez mais distantes. Tomam pra eles a responsabilidade de tentar mudar o mundo em que vivem. O jardineiro sorri e volta a colocar os fones. Está ouvindo uma canção que o faz sorrir: “Better Together”.

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Why are we here? And where do we go? (Por que estamos aqui? E para onde vamos?)

And how come it’s so hard? (E por que é tão difícil?)

It’s not always easy and sometimes life can be deceiving (Não é sempre fácil e a vida às vezes pode ser enganadora)

I’ll tell you one thing (Vou te dizer uma coisa)

it’s always better when we’re together (É sempre melhor quando estamos juntos)

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A vila Como João Raposa descreveu para os trilheiros, os moradores da vila próxima ao jardim das rosas desistiram de tudo, e agora, o que fazem é descansar. - Mas do que eles descansam? – indigna-se Bento. – É como perguntar pra um bicho-preguiça o que ele faz em seu dia de folga! Poliana olha em volta. Por todo o campo as pessoas estão jogadas feitas flores murchas. Pelas redes. Pelas árvores. Pessoas já com a pele da “cor de chumbo” e os olhos semicerrados, grudados de remela. Com a falta de desafios, perspectivas e metas, essa pobre gente nem conversa mais uns com os outros, afinal, ninguém ali tem novidade alguma pra contar. O tédio tomou conta dessa pequena comunidade. Estão todos ali, portanto, mortos em vida, o que costuma ser mais doloroso do que a própria morte. Lágrimas descem pela face de Poliana, mas ela logo as enxuga e diz com firmeza: - Estas pessoas precisam de ajuda. (...) O jardineiro vê três dos trilheiros se aproximando. Aurora. Bento. Álvaro. João Raposa franze o cenho. - Cadê a outra moça? – pergunta. Os trilheiros olham pra baixo. Parecem tristes. - Não me diga que foram contaminados pelo desânimo! – exclama Raposa. 74


Aurora olha para o jardineiro. Sorri, para tranquilizá-lo. - Poliana – explica ela. – decidiu ficar e ajudar as pessoas. - Mas como? – estranha Raposa. – Eu já disse, pessoas são diferentes das rosas! Não é tão simples “podar” as pessoas! - Nós falamos isso. – comenta Álvaro. – Mas Poliana é irredutível. Os trilheiros se despedem do jardineiro com um forte abraço. As rosas se inclinam em direção aos trilheiros, assim como os girassóis se inclinam para o sol. Muito além do jardim, Aurora, Bento e Álvaro encontram uma placa gigantesca ao lado de uma runa:

Parabéns. Poucos chegam até aqui. Poucos voltam. Passem desta linha e nunca mais serão os mesmos. A decisão não é da Trilha. A responsabilidade é toda de vocês.

Os trilheiros se consultam com os olhos. Não há dúvida alguma. Eles seguem em frente.

Andam por horas, até a lua cheia ganhar o céu e eles decidirem parar pra comer algumas frutas e descansar. - Estão sentindo isso? A terra começa a tremer violentamente. (...) Na vila, Poliana tenta chamar a atenção de todos com palavras de otimismo. 75


- Este não é o final da Trilha! Há muito mais além daqui! A poucos metros há um jardim com milhares de rosas! E o futuro! O futuro é logo ali, “dobrando a esquina”! Todos a ignoram. Um deles, um dos moradores, um tal de “Bob”, boceja longamente. Bob deixou o acampamento onde estava e foi cair ali, na vila do desânimo. Foi rapidamente “infectado”. Já nem lembra mais de seu amigo Álvaro. Não lembra mais nem do próprio nome! Aflita, Poliana sente como se estivesse cercada de zumbis.

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Dois pĂŠs sobre uma folha de sulfite

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A terra começa a tremer violentamente. Bento, Álvaro e Aurora se levantam assustados. Por toda a Trilha, nas centenas de acampamentos, labirintos e atalhos, os trilheiros olham para a lua: seu brilho parece aumentar de intensidade. A luz branca fica tão forte que os trilheiros são obrigados a fecharem os olhos. (...) Quando Aurora abriu os olhos, notou que estava numa ampla sala branca, tão branca que seus pés pareciam estar sobre nada. Olhou confusa para os lados. Onde estão Bento e Álvaro? Na sala não havia paredes, janelas ou portas. Apenas a cor branca, como se Aurora estivesse sobre uma paleta desprovida de cores. Depois de passar por tantos momentos de emoção, a calma ao extremo do lugar, a princípio provocou em Aurora uma sensação perturbadora. Mas Aurora respirou fundo, pensou na filha, imaginou coisas boas e retomou seus batimentos cardíacos ao normal. Quando os olhos de Aurora se acostumaram um pouco com o ambiente, a valente trilheira enxergou algo logo à frente. Correu até lá. Quando chegou mais perto, viu que era algo escrito no chão. “Olá Aurora!”. Aurora olhou espantada para as letras. Diante dela, a tinta ganhou vida e era como se uma “mão invisível” continuasse a escrever. “Você faz parte deste diário, querida e preciosa Aurora”. Aurora balbuciou um “quem é você?”, com a voz tão baixinha que não saberia dizer se foi apenas um pensamento. Mas a resposta veio nítida e 78


clara, como o sopro de um vento que anuncia harmonicamente a mudança do tempo: - Meu nome é M. Oswald. (...) Muito distante da Trilha, uma menina de cinco aninhos de idade desenha com todas as possibilidades que somente a imaginação de uma criança torna possível. Com gizes de cera das mais diversas e alegres tonalidades, a criança desenha sua mamãe sobre um papel em branco. É curioso: no desenho, a mulher segue por um caminho lindo, com flores tão fantásticas que cada pétala parece ter sido criada com muito cuidado. E logo depois desse jardim, pensa a criança, a mãe vira à direita, passa por uma porta de ouro e volta pra casa. Ela abraça a filha e diz: “Eu voltei!”. Uma porta se abre, o que para Aurora dá a impressão de ser um suave recorte num papel. Aurora passa pelo espaço. Não é mais noite e ela está num lugar tão lindo quanto a imaginação de uma criança permite ser. Aurora, a sempre tão forte Aurora, se permite chorar um pouco. Um choro de felicidade. Como uma pluma levada ao vento, a mão de M. Oswald toca em seu ombro. Aurora se volta. Os dois se abraçam longamente, como se fossem velhos amigos.

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Runas e ruínas Uma porta se abre feito um suave corte numa folha em branco. Bento passa pela porta. Surpreso, caminha sobre um imenso palco a céu aberto. Não há plateia, e ainda assim, Bento sente que não está sozinho. Que alguém, neste momento, ouve seu pensamento: “viver é um grande show”. Bento se sente dono de uma felicidade que talvez nunca tenha sentido antes. Logo ele, “o engraçadão da turma”, que tantas vezes escondeu seus medos sob a máscara feliz de um palhaço. Bento tirou do bolso um bilhete que guardou desde o princípio. Releu-o pela milionésima vez: “Querido Bento: nossa trilha terá muito mais graça se você estiver presente”. O trilheiro sorri e sente que a Trilha também sorri, pois em cada passo ele não deixou o mau-humor abatê-lo. Olha para frente. O palco continua. O show não pode acabar. (...) Álvaro, o matemático. Álvaro, o “certinho”. Álvaro isso, Álvaro aquilo. Álvaro ainda está de olhos fechados, sem coragem de abrir. Não sabe onde está, mas sente como se estivesse voando! Quando para de tremer um pouco e se arma de coragem para dar uma espiadinha, sente uma vertigem. Álvaro está a bordo do 14-Bis. À sua frente, vê as costas de um piloto. Usando um chapeuzinho de Santo Dumont, M. Oswald se vira e sorri pra ele. Álvaro, desesperado, grita:

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- Olha pra frente! - Ops! O avião rodopia feito um girocóptero. Quando M. Oswald retoma a estabilidade, Álvaro olha pra baixo. Sob essa perspectiva, a Trilha é ainda mais linda. Toda a Trilha é separada por runas e ruínas. As runas marcam os pontos em que os melhores trilheiros encontraram seu destino; já as ruínas, as marcas dos que desistiram. - Trilheiro – berra M. Oswald. – Hora de saltar. - Ah sim, hora de... O QUÊ?! (...) Na vila dos “zumbis” (é assim que Poliana se refere às pobres pessoas desmotivadas que está conhecendo), a vida não continua. A vida é um caminho, e ela para quando você perde a vontade de dar o próximo passo. Poliana já está quase se tornando um deles. Está cansada. A tristeza é contagiosa. O medo é feito um bicho que se esconde debaixo da cama. Como eles, Poliana está deitada na grama, a cabeça sobre a mochila, sem vontade de levantar. Não há mais nada a ser dito. Poliana fecha os olhos, a escuridão lhe faz bem. Sua pele vai ficando cinza, da cor das pedras. Quando percebe isso, João Raposa, o jardineiro, corre na direção de Poliana. Ele carrega a trilheira sobre seu colo, como se ela fosse uma das suas preciosas rosas. Os olhos de Raposa se enchem d’água. Pessoas são mais complexas do que flores. Gente precisa mais do que água para se reerguer.

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João Raposa olha para o céu e faz uma prece. E é então que vê dois anjos voarem em sua direção! João esfrega os olhos. É uma miragem? Enquanto pensa e supõe um milhão de coisas, M. Oswald e Álvaro descem serenamente de paraquedas.

Detalhes Álvaro ajuda Poliana a se erguer. Ainda sem energia, Poliana olha cansada para o amigo e o homem ao seu lado. - Este é M. Oswald! – diz Álvaro empolgado, como se estivesse apontando pro Denzel Washington ou algo assim. Poliana olha para ele com curiosidade. João Raposa abraça o velho amigo. - Raposa. – sorri Oswald. – O que seria do jardim sem seus cuidados? O rosto do jardineiro fica vermelho. Sorri, agradecido. Olhando em volta, M. Oswald parece adivinhar os pensamentos de Poliana. - Eu sei, Poliana. Você gostaria de ajudar cada pessoa deste lugar. Mas não é bem assim que a Trilha funciona. Olhe pra você mesma. O que acha que guarda dentro da mochila? - Um monte de pedra. – responde com um pessimismo que não combina com ela. - Nada disso. – intromete-se Álvaro. – São runas. - Os dois estão certos e errados ao mesmo tempo. Dependendo do seu olhar, podem ser runas ou um monte de pedras. Mas eu digo 82


o que há na mochila de cada um de vocês: o peso da experiência. Álvaro nota algo que o deixa paralisado. Ali está ele. Seu melhor amigo. - Bob! – Álvaro grita. O amigo está irreconhecível. Em algum momento da Trilha ele se perdeu. Bob olha para o nada. M. Oswald esclarece: - É lá que sua mente está no momento. Uma folha de papel em branco onde ele não consegue encontrar a porta de saída. - E como posso ajudá-lo? – pergunta Álvaro, aflito. - Bons exemplos inspiram. Persistam. Sigam em frente. Mais cedo ou mais tarde, eles podem seguir o rastro de vocês. - Ou se perderem mais ainda. – observa Álvaro. - Bom, se perder também é um caminho. – lembra M. Oswald. – Ainda que um tanto triste. Agora vamos! Poliana prende a mochila nas costas. Álvaro dá uma última olhada para o amigo e pensa: “Pessoas são tão mais complexas que números!”. (...)

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Uma nota à parte do diário de M. Oswald: Muita coisa acontece ao mesmo tempo na Trilha. Enquanto Bob permanece olhando para o nada, Dalton enfrenta o labirinto do desfiladeiro e o mágico Cliff tenta sair de uma areia movediça que se meteu pela “trocentésima” vez. No local onde o Chefe Caramuru era um líder terrível, a tribo agora vive em paz. Pessoas novas diariamente passam pelo Portal do Destino que há no princípio. O natal se aproxima e tudo ganha uma energia nova. Cada valor é renovado e parece ainda mais forte, como se os trilheiros se livrassem de qualquer medo e saíssem de seus casulos rumo a um céu onde o impossível acontece. Uma borboleta se livra do casulo e nos lembra que na vida tudo está em permanente mudança. Muita coisa acontece ao mesmo tempo na Trilha. (...)

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Cap. final Os trilheiros olham para o portal do destino com as runas. Cada qual pensa em uma coisa diferente. “Cada pessoa é um universo”, pensa M. Oswald enquanto olha com admiração para eles. Além do portal não é possível ver nada, como se ele levasse a um galpão de intensa luz branca. Aurora sente vontade de passar pelo portal correndo. A levíssima Poliana, de voar. Bento está muito curioso. Álvaro calcula mentalmente qual exatamente a distância entre alguém e seu destino. E os quatro pensam algo em comum: “para nos tornarmos o que nascemos pra ser, o que temos que deixar para trás?”. M. Oswald lê o coração deles e responde em alto e bom som: “o medo”. Os quatro olham para o sempre discreto e eficiente mentor. M. Oswald faz um sinal de cabeça para o portal: - É hora de vocês partirem. - Você vem com a gente? – pergunta Poliana. M. Oswald responde com os olhos que não. Emocionado, tenta explicar o que eles não poderiam entender no instante: - Meu destino é ligar as pessoas. Não há nada pra mim além deste portal. Depois de abraçarem M. Oswald, um de cada vez passa pelo portal do destino. É só quando está sozinho que M. Oswald percebe que é capaz de chorar. Ele ainda se surpreende com esses detalhes que compõe a jornada. E se pergunta, em silêncio, como seria ser humano uma única vez. (...) 85


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Trecho do diário de M. Oswald, escrito no mesmo dia:

Hoje alguns dos trilheiros escreveram o destino deles. Um recomeço. Bento perdeu o medo do palco da vida e está dando um show. Insisto que esta Trilha não teria tido a mesma graça sem ele. Álvaro descobriu que pessoas são mais fascinantes que os números, ainda que sejam tão imprevisíveis. Todos os dias ele se lembra do amigo que se perdeu na Trilha, e torce para que ele se reencontre. Poliana agora sabe o que quer da vida: viver. O restante será consequência da sua garra. O destino de todo trilheiro é ser feliz, mas ser feliz às vezes parece até um peso pra alguns! Pois Poliana se sente mais leve do que nunca. Sobre Aurora... Escrevo amanhã, pois tenho que correr para o portal de entrada e receber os novos trilheiros. Mal posso esperar pelas próximas aventuras! (...)

Uma doce menina desenha numa folha de papel em branco. Como as outras crianças da escolinha, ela não sabe o que o amanhã reserva. Mas quem é que sabe? Parece que os adultos estão sempre se movendo pra algum lugar, ela pensa enquanto desenha o sol e a porta do mesmo tamanho.

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Batidas na porta. A professora abre. A criança abre um sorriso do tamanho do universo. E corre pra abraçar a mãe, Aurora. (...) A vida promete. Sentada num banco de praça enquanto a filha brinca no parquinho, Aurora pensa sobre a vida, este enorme ponto de interrogação que surge diante dos olhos a cada esquina que dobramos. A vida promete muito. O futuro é promissor quando lutamos no presente. O amanhã nunca chega, o que torna cada dia uma luta com você mesmo e as pedras que surgem no caminho. Aurora sorri. Em seus pensamentos vem o rugido do leão que conheceu na Trilha. Agora é o rugido dela também. Compromisso! Espírito de equipe! Qualidade! Eficiência! Atitude! Responsabilidade! A vida promete muito. E Aurora é capaz de cumprir.

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