DEADBOY - Aquellare

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Willian Vasconcelos

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Capítulo 1 Garotos Mortos Não Choram

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Willian Vasconcelos

O necrotério de Santa Lúcia nunca me pareceu tão frio. O meu nome é Trent e essa é a sexta vez que eu “morro”. Se não estou errado é a sexta vez mesmo. A primeira vez foi no acidente que vitimou meu pai, isso foi há cerca de 15 anos, eu devia estar com uns 6 ou 7 anos de idade, o carro capotou e ganhei um caco de vidro na minha garganta. Um corte transversal de aproximadamente 16 cm. Inexplicavelmente eu acordei 3 horas depois quando o meu corpo estava sendo preparado para a autópsia numa mesa de aço como a que eu me encontro agora. Claro foi um pânico geral. Lembro como se fosse hoje a cara do legista, ali abismado, segurando um bisturi. O fato foi que eu levantei, mas estava totalmente sem forças, massacrado, assim que coloquei meus pés no chão, desabei. Três bolsas de sangue e dois litros de soro depois eu estava pronto para outra. Estou conseguindo mover o braço, que bom, logo já poderei me levantar. Dessa vez, ao contrario da ultima morte, a culpa não foi minha. O cara tava bêbado e invadiu a calçada, pelo menos era um porsche 911 Carrera, um clássico, bati com a cabeça no meio fio e aqui estou. Antes dessa, eu tentei banca o herói ajudando uma moça quando voltava de uma festa, a primeira vista ela estava sendo assaltada por um cara, quando corri em direção da cena, percebi que era uma armadilha, só tive tempo de sentir o cano frio na minha nuca. Tomei um tiro na cabeça. Fiquei quinze horas jogado no meio do lixo. Acordei com uma dor de cabeça astronômica, demorou uma semana para desaparecer. Tomava analgésico como se fosse bala. Mas me serviu de lição, não é por que eu não morro, que eu não vou sentir dor. Idiota. Foi merecido. A minha força está voltando, preciso achar minhas roupas e minha carteira logo e sair fora daqui.

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Deadboy - Aquellare São quase 3 da manhã e eu finalmente ganho as ruas, tenho pouco mais de 3 horas para dormir e voltar à rotina. De volta à faculdade, de volta ao trabalho de meio período na locadora. Vertigem. Preciso comer rápido. A madrugada em Santa Lúcia é deserta e gélida. O vento da madrugada tem o apelido de “faca”, pois tem se a impressão de se ter a pele do rosto cortada por ele. Maldita dor de cabeça...espero que não fique me perturbando por uma semana.Vivo aqui nessa cidade há 2 anos. Desde quando decidi fazer a faculdade de desenho industrial. Sai da capital, 800 km daqui, sozinho, com apenas um endereço, deixei para trás poucos amigos, minha mãe e meu cachorro Luke. A grana do seguro do meu pai deixou a gente numa situação bem confortável, nada de luxos, mas o suficiente para vivermos bem. O aluguel do apartamento mais o do antigo escritório rendem uma boa soma. Localização privilegiada tem seu preço. Santa Lúcia me recebeu de braços abertos. Deve possuir algo em torno de 300 mil habitantes. Moro num pequeno apartamento em cima da locadora em que eu trabalho. O salário até que é bom, trabalho das 13:00 até as 22:00, com direito a pegar qualquer DVD. Isso alimentou e muito o meu vicio em filmes. Passo madrugadas inteiras acompanhado por Scorcese, Tarantino, De Palma, Romero e Kubrick. É um bom lar para o que quer que eu seja, tenho uma boa TV, um bom sofá, um banheiro que funciona, um microondas para me alimentar, Deus abençoe quem o inventou, e um aquecedor para os dias frios. Para um jovem universitário trabalhador de meio expediente e que não morre, é um bom lar. Não me questiono mais por que eu simplesmente não morro. Confesso que isso me atordoou bastante até a terceira vez. Poderia ser um dom? Um castigo? Quem sabe? Mas agora...agora, parece tão rotineiro. É como ir a um hospital fazer uma sutura. Simples. Fico na mesa de aço, ou no carro do IML, até a hora de “acordar”. Shazam! É assim e pronto.

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Willian Vasconcelos Ahh finalmente hora do almoço. Engulo o macarrão instantâneo tão rápido quanto o tempo que eu demorei para fazer, uma lata de refrigerante ajuda a empurrar a comida. Pego o capacete subo na moto e disparo em direção ao parque. Meu santuário. Meus trinta minutos de baforadas e devaneios. Sento-me no mesmo banco. Tiro um cigarro do maço, e acendo-o com minha ultima criação. Um isqueiro – pen drive. Na verdade, só retirei a proteção plástica da minha pen drive, e coloquei num compartimento que modelei dentro do meu velho Zippo. Desnecessário dizer que recebi alguns pedidos de companheiros de baforadas, mas nada feito é exclusivo. Enquanto fumo, tenho como costume rabiscar o bloco de desenho. Foram lá que nasceram o meu isqueiro hi-tech, diversos logos, alguns designs, algumas árvores. Mas hoje tem algo novo sendo desenhado. Eu adoro observar os outros. Como se comportam em publico. O parque é meu local favorito. Tem sempre pessoas diferentes. Fique trinta minutos observando as pessoas ao seu redor, e você vai reconhecer padrões, gente fútil sempre tem padrões, chega a ser irritante como muitas meninas tão mais importância a um fio de cabelo do que a alguém próximo a elas. Em trinta minutos você vai chegar a conclusão de que todos nós humanos somos estranhos quando observados de perto. Nossas manias e tiques. Costumes. Todos somos criaturas estranhas. Em trinta minutos você pode também chegar a conclusão de que seres humanos não servem para nada... ou não. Pode variar conforme o seu humor. Hoje eu estou desenhando uma garota. Não sei por que, mas não consegui tirar os olhos dela. Talvez sejam os traços exóticos do rosto dela. Uma mistura asiática e européia. Um olhar enigmático por trás dos óculos de visual moderno. Assim como eu, ela aparenta estar aqui pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Diferente da maioria das pessoas que estão aqui hoje, ela exala uma

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Deadboy - Aquellare tranqüilidade e ao mesmo tempo um certo temor, um certo receio, uma aura de superioridade. Parece não pertencer a esse mundo. Talvez não pertença, nunca a vi por aqui. Droga. Fiquei tão fissurado que nem percebi que ela me notou. Cara de assustada.Fica ainda mais linda. Engraçado, me parece familiar. Parece que viu um fantasma. Será que é isso que eu sou? Um tipo de fantasma, uma criatura das trevas? As vezes me sentia assim, deslocado do mundo, como um padre em um bordel...é pensando bem não é uma comparação muito valida com os padres que temos hoje em dia... mas é realmente estranho quando você sente que não pertence a lugar algum. Droga ela ta se levantando. No mínimo deve pensar que sou algum tarado. Merda, melhor sair daqui. Já tava na minha hora mesmo.

No trabalho, não sei por que, fiquei com a impressão de que aquela garota era uma pessoa conhecida. A forma como me olhou. Lindos olhos. Era como se ela tivesse visto um fantasma. Fantasma de alguém que ela conheceu. Ou vai ver, ela só estava

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Capítulo 2 O Pesadelo Do Anjo Branco

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Deadboy - Aquellare Toda noite é a mesma coisa. Desde que me entendo por gente eu venho tendo o mesmo sonho. Estou sonhando novamente. Não é nada agradável. Uma viagem psicodélica banhada a sangue. Já faz muito tempo que tenho esse sonho, nunca encontrei um significado, se é que existe um significado. Se os sonhos trazem uma mensagem eu não sei... se refletem o seu subconsciente pior ainda, me trancariam numa cela acolchoada.O meu nome é Anyel e quero acordar desse pesadelo. É simplesmente incrível. É como uma grande batalha, mas sinceramente eu não sei o por que de estar no meio dela, nem o motivo desta luta estar acontecendo. Nem de que lado estou. Simplesmente, estou aqui. No meio de milhares de seres que exalam uma podridão, que dizem coisas que não compreendo, seres doentes. Milhares deles. Ao fundo vejo a catedral, repleta desses seres, como fiéis em um domingo profano. Posso ver três noivas na escadaria com seus vestidos negros, e mais ao fundo como enfeites, pessoas enforcadas e outras sendo torturadas. Seriam os convidados? A figura daquele general. Eu já sei o que vai acontecer, ele corre em direção a um rapaz, alias todos correm em direção a ele, mas o general é o que mais me chama a atenção. Parece aqueles filmes americanos mega-patriotas, é como se ele dissesse “ Você não pode fazer isso, sou um General do exercito Americano!”. Mas o rapaz do qual nunca vejo o rosto parece ser comunista ou não é fã desse tipo de filme, deve ser alérgico a clichês. Um movimento rápido, um risco prateado, e é como se tudo ficasse em slow-motion. Posso ouvir o baque surdo que atinge o general, os pequenos estalos dos ossos do crânio sendo esmagados, dilacerados e arrancados do maxilar soam como trovões, os primeiros esguichos de sangue parecem tinta sendo borrifada, é um espetáculo ultra-violento e belo, que tem como ato final um corpo com um maxilar sorrindo de forma macabra enquanto o resto da cabeça explode no ar.

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Willian Vasconcelos Logo há uma enorme poça de sangue em volta do rapaz. Ele é tão decidido. Eu simplesmente assisto a tudo imóvel, de camarote com direito até a traje de gala, um longo vestido branco, meus cabelos estão platinados e minha pele está tão pálida, é como se eu não pertencesse a esse sonho. É como se fosse uma outra pessoa. Alguma pessoa poderosa. Não sou eu. A sombra gigantesca aparece. Finalmente vou acordar. Sempre que a sombra aparece, tenho uma terrível sensação de morte. Uma sensação de frio, dor, raiva tudo misturado. O rapaz se lança em uma corrida desenfreada, que vai deixando um enorme rastro de corpos podres decapitados e sangue. Uma maratona sangrenta em direção a catedral. Em direção a aquela sombra assustadora.Espere. O rapaz! Por que ele tá olhando pra mim!? Isso nunca aconteceu antes! Por que!? ... Droga. Acordei. Quando finalmente eu quero ver o final desse sonho estúpido, eu acordo. Droga. De volta à rotina, pela primeira vez em muitos anos vou ter o que pensar sobre um sonho. Como eu queria saber desenhar para retratar o rosto daquele rapaz. Deve ter o que...uns 20, 22 anos no máximo. Melhor sair para espairecer, andar um pouco por Santa Lúcia. Antes vou dar uma ligada pro meu pai. Faz tempo que não falo com ele. Eu não pertenço a essa cidade. Minha mãe nasceu aqui. Logo ali no bairro japonês. Quando ela tinha uns 17 anos ela ganhou uma bolsa para estudar ballet em Paris. Lá ela conheceu meu pai, um advogado nascido em Lion, 6 anos mais velho que ela. Logo no segundo ano de casados eu nasci. Anyel. Uma mistura de asiática e frances, uma mistura exótica. É difícil ver uma asiática de cabelos castanhos dourados naturais e de olhos azuis. Infelizmente eu chamo a atenção por isso. Gostaria tanto que me deixassem a sós no meu mundinho. Por que quando precisamos das pessoas é tão difícil

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Deadboy - Aquellare achar alguém disposto a ajudar ou apenas a nos escutar e quando simplesmente desejamos ficar sozinhos, tem sempre alguém se intrometendo!? Ah droga... minha madrasta atendeu. Meu pai não está. Não é que eu não goste da idéia de meu pai arrumar alguém. Mas eu esperava alguém que não fosse apenas 2 anos mais velha que eu. Foi estranho, quando na minha ultima visita ao meu pai, eu me deparar com alguém que curtia boys bands ao lado dele, que trazia pingentes coloridos no celular e que ainda achava a Hello Kitty uma graça. A Madame Dupin não é uma madrasta ruim, mas sei lá, é como se meu pai estivesse saindo com minha amiga Eliza. Mas fazer o que, tenho que aceitar, é estranho, mas é assim que ele quer. As ruas de Santa Lúcia nunca pareceram tão vazias. Nunca fui lá pelos lados da faculdade. Acho que o fato de eu não saber o que cursar, me mantém afastada dela. Auto defesa quem sabe. Se tivesse descoberto esse parque antes, passaria a aparecer aqui mais vezes. Fico feliz de ser só mais uma na multidão. Não é por que 90% do meu guarda roupa é composto de preto e branco, que a minha vida tem que ser assim. Preciso abrir a mente. Respirar um pouco de ar puro. Olha tem até borboletas por aqui. Adoro borboletas. Ah droga. Tenho um admirador. Estaria escrevendo um poema para mim? Desenhando meu retrato? Humm ele é bonitinho. Tem cara de pervertido. Opa, troca de olhares... Espera!! É ele!! É ele!! Droga não da bandeira! Não acredito... droga ele ta indo embora! Será que percebeu que eu me assustei... merda! - Espera!! – Será que não me ouviu, ou fez que não me ouviu? Tinha certeza que era o rapaz do meu sonho! Merda! Simplesmente sumiu. Só sobrou o rastro da fumaça do escapamento da moto se dissipando no ar. Será que ele sabe quem eu sou?! Me conhece? Fugiu por medo que eu o reconheça? Quem é esse cara?

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Willian Vasconcelos Por que aparece naquele meu sonho esquisito? Não da para acreditar. Era ele, tenho certeza! Se ele é freqüentador daqui, eu vou achá-lo. Meu coração ta batendo tão rápido e eu não consigo tirar aquele rapaz da cabeça. Já fazem duas horas desde eu o vi. Por que, depois de sei lá quantos anos sonhando com isso, justo hoje, quando eu vi o rosto dele no sonho, ele aparece ali na minha frente, me olhando, me observando a sei lá quanto tempo? É como seu eu conhecesse ele. Me assustei por que estava perdida em meus pensamentos, até por que ele me passa um sensação de tranqüilidade, segurança e força. Aproveitar e comprar o remédio de estomago da minha mãe. Ela vai para Tóquio e eu vou para a casa da Eliza. Uma coisa engraçada mas que eu nunca tinha reparado antes, mas o farmacêutico era uma das pessoas que morriam no meu sonho... na verdade, tem muita gente que está aqui que estava no meu sonho... como eu não percebi isso antes? Melhor ir para casa, minha mãe já deve estar preocupada, sai e nem disse aonde ia. De repente o vento se tornou tão frio. Écomo se soprasse uma melodia triste em meus ouvidos.

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Capítulo 3 Palavras Mortas

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Willian Vasconcelos - “This is my life/ It's not what it was before/ All these feelings I've shared/ These are my dreams/ That I'd never lived before/ Somebody shake me ‘cause I/ I must be sleeping” . Espero que eu não morra hoje. Isso iria estragar um dia tão bom. - Trent... Trent?! Está me ouvindo?? - Ahhh, desculpa, estou procurando algo aqui, Ivan. – droga de gerente, não tem o que fazer não !? - É estou vendo. O que é? Filme novo? Antigo? Pedido de cliente? - É ... um cliente me pediu, é filme antigo ou independente... O cliente no caso é minha mente. Minha estranha, complexa e obscura mente. - E qual é o nome? - Aquellare. - Putz... nunca ouvi falar. Bom melhor ir, está atrasado para aula. Se quiser eu procuro para você e vejo o que descubro. - Droga, já estou atrasado... aqui era o computador mais perto. Bom até depois do almoço chefe. - Que gênero que é? - Gênero ? - É Trent, gênero, você sabe comédia, terror, ação, blá blá blá? - Terror. Deve ser terror. Como é que eu vou saber? Afinal que droga de palavra é essa? Não achei no dicionário. Nada nos catálogos de filmes. Afinal o que é Aquellare? Desde que eu acordei estou com essa maldita palavra na cabeça. Desde aquele sonho estranho. Eu estava em uma espécie de casamento, com muitas pessoas, milhares, falando em uma língua que eu não entendia. Tinha algo mais... três noivas de

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Deadboy - Aquellare vestido negros, enfeites estranhos. Eram o povo de Santa Lúcia. Lembro-me muito bem que o barman do Kali estava nele, o juiz também, o reitor...estavam todos lá. Pareciam com eles pelo menos. Pareciam com um tipo de doença. E falavam coisas sem o menor sentido. Fora o cheiro podre. De repente tudo escureceu, senti uma pressão no peito e simplesmente amanheci todo suado. O que é mais estranho... é difícil eu me lembrar dos meus sonhos. É raro. Normalmente eu fecho os olhos e acordo no outro dia, como se tivesse passado apenas alguns segundos. Se eu me lembro bem eu sonhei com aquela garota. É aquela garota. É outra coisa que não me sai da cabeça. Enquanto não terminei o retrato dela, não consegui dormir. Fora aquela estranha sensação de deja vu. Aquela estranha sensação de que eu a conheço tão bem. É como se eu pudesse sentila, tocá-la. Atrasado. Colocar um som no mp3 player e ir para a faculdade. Quem é ela? Por que me olhava com aquela cara? Provavelmente nunca vou saber… será que algum dia a encontro novamente? -“Now that we're here/ It's so far away/ All the struggle we thought was in vain/ All the mistakes/ One life contained/They all finally start to go away” </PRE> Droga. Eu detesto chegar atrasado.Bem no meio da aula do Levin. Para piorar. Nossa. O cara ta me fuzilando com os olhos. Melhor sentar e ficar quieto. Merda, perspectiva... cadê meu livro?? Ah... olha só o desenho da garota... é como se fosse um anjo. Acho que eu poderia ficar horas olhando para isso, horas e horas e com certeza teria a mesma sensação. Uma linda, forte e enigmática garota. Será que ela vai estar no parque na hora do almoço? Aquellare. Droga para de pensa nisso porra! Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare.

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Willian Vasconcelos Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Não quer parar. A garota. O que ela tem a ver com isso!? Ela pode me ajudar? - Jovem sente agora mesmo!! Está me ouvindo!? Cala boca professor idiota! Cala a porra da boca! Aquellare!! Não quer parar!! Eu preciso sair daqui!! Eu tenho que sair daqui agora. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Aquellare. Parece que as paredes estão se fechando...tem pouco ar aqui...preciso de ar! Aquellare. Aquellare. Aquellare. É como um mantra infernal. Que droga!! Desaparece da minha mente!! A moto... eu preciso dela. Preciso procurar pela garota. - Mate-a. O que? Quem falou isso!? - Mate a garota assim que a ver. Mate-a! Vai pro inferno voz maldita!! Droga alguém tem que fazer isso parar, merda! A enfermeira. É ela no fim do corredor, ela pode me ajudar. Deve ser alguma alucinação por causa do meu ultimo incidente. Só pode. Eu espero que seja! - Me ajuda por favor. Me ajuda... - Mejov o euq êcov átse odnitnes? - Que?! Merda...ta doendo... não entendi nada.. fala direito.. - O euq êcov átse odnitnes? Essa idiota não pode me ajudar, nem sabe falar. Droga ta chegando mais pessoas. Porra que frio de repente! Que merda ta todo mundo falando estranho. Merda. Eu tenho que sair daqui. Minha moto. Eu tenho que chega até lá. Eu preciso ir para o parque. Eu preciso matar a garota. Isso, eu tenho que mat... merda!! Eu tenho que achá-la e rápido, eu vou ficar maluco. Isso deve ser um sonho. É só a merda de um sonho ruim. Finalmente o estacionamento. Minha moto. Chaves? Cadê?? Aqui. Dar a partida. É

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Deadboy - Aquellare melhor cortar caminho e dar a volta nas fabricas. Sem transito. Chego em 5 minutos ao parque. A voz parou. Mas que merda foi aquela. Por que todo mundo tava falando estranho? Tudo tão frio. Por que comigo? Elas falavam igual às pessoas do meu sonho. Meu coração ta batendo tão rápido que parece que vai estourar meu peito. Alias, parece que ele é a única coisa que tem aqui dentro. Está tudo tão vazio. Tão vazio quanto esta rua. Beleza, era tudo o que eu precisava. Um corredor bem asfaltado, sem transito, livre para acelerar. Vamos lá. 100. 120. 150! Sensação de liberdade maior não há! 150 quilômetros por hora e nada para atrapalhar! O vento no corpo. A adrenalina correndo nas veias com o dobro da velocidade. Incrível.... aquilo é um cachorro? Ah merd.... Era um cachorro. E eu tinha que jogar a moto em cima dessa caçamba de lixo. Lixo industrial ainda. Gênio! Eu sou um gênio mesmo! Bom pelo menos dessa vez eu não morri. Bom pelo menos eu acho. Vamos tentar ficar de pé. To um pouco tonto. É não morri. Sangue tem. Bastante por sinal. Bastante mesmo. Olha ganhei um piercing... de novo. Mas dessa vez é no estomago. Uma barra de ferro de uns 60 cm..é deve ser por ai... droga se pelo menos eu não sentisse dor seria ótimo, mas não, tem que doer e muito ainda. Por que ao invés de imortal eu não poderia ser anestesiado 24 horas por dia? Senão bastasse isso, vou ter que passar em casa para trocar de roupa. Agora pra onde eu estava indo...não me lembro... o que era?? Deu branco. Já era. Bom vamos lá piercing você tem que sair daí...argh... ihh merda ta esguichando sangue.. vai 1,2,3 agora!! ... Desmaia não Trent. Seja firme. Ah quem eu to querendo engana... mas por que eu tava com tanta pressa? E onde eu queria chegar? Quanto sangue. Aquellare. Não quer parar... é vou desmaiar eu sei...

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Willian Vasconcelos ... Se o meu despertador ta certo eu fiquei desacordado por 2 horas. Eu nem me lembro como cheguei em casa. Está quase na hora de ir trabalhar, to com uma baita fome e não tenho idéia do que seja Aquellare. Era por isso que eu tava correndo que nem um louco. Por Aquellare. Pela maluquice que o que quer que seja isso fez com minha mente. Por aquela garota. Aquela garota...minha mente gira, gira e volta sempre nela. Opa meu celular. Chefe. Saco! A gente não pode nem ao menos se recuperar de uma rápida remoção de objeto metálico do sistema digestivo que já tem um chefe te alugando. - Trent? - Sim? - Você já está vindo pra cá? - Sim eu já estou saindo – como eu sou mentiroso. - Então...sabe aquele filme que você estava procurando? Aquele tal de Aquellare?? - Sim, claro, você achou? - O filme não...só uns poucos comentários em um blog obscuro. Quando você chegar dá uma olhada, ok? - Claro, pode deixa..hã.. valeu! Té mais. Quem diria que o Ivan ia me fazer um favor? Não que ele seja um mau chefe, ele não é nenhum carrasco, mas é chefe. Isso já basta. Bom finalmente vou saber o que é Aquellare. É uma sensação estranha não sei se eu realmente quero saber o que é depois do que aconteceu na faculdade, foi estranho, um frio veio do nada, as pessoas falando estranho, aquela voz, aquela angustia...aquela vontade de matar, um desejo quase incontrolável, é como uma sede de sangue, um prazer quase mórbido em acabar com tudo, era quase igual a Anarchy in UK dos Sex Pistols, um prazer que agora se foi...espero que para sempre.

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Deadboy - Aquellare ******************* As ruas de Santa Lúcia nunca me pareceram tão vazias, tão cinzentas e tristes. Tem sempre gente nas ruas a essa hora. Santa Lúcia nunca foi tão fria. O vento da madrugada soprando em pleno meio-dia. Cortante. Cantando uma canção assustadora em meus ouvidos. Desde que sai do trabalho estou vagando sem rumo. Aquellare. Segundo o que o Ivan achou, era uma reunião feita por bruxas com a presença do demônio na forma de um bode. Um bode igual a esses que a gente vê em camisetas de bandas de Black metal. O que isso tem a ver comigo? Por que essa merda grudou na minha cabeça e não some? E aquela garota? Onde entra no meio de tudo isso? Tenho varias perguntas, nenhuma resposta. Tempo estranho.Parece que vem um tempestade por ai...

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Capítulo 4 ** MÃES **

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Deadboy - Aquellare -Tchau filha, se cuida ta? - Pode deixa mãe, eu vou ficar bem na casa da Eliza. Promete que me liga quando chegar lá? - Claro Any.. pode deixar... bom até daqui 5 dias filha. - Tá bom vai lá, e traga algo para mim de Tóquio. - Trago sim. Tchau filha. - Tchau mãe. Eu realmente poderia ficar no meu apartamento sozinha. Mas ao mesmo tempo em que adoro ficar sozinha, morro de medo. É uma coisa bem estranha, quase um sentimento masoquista. Tenho a impressão de ter sempre alguém lá. De ter alguém me chamando, me espiando. Mas ao mesmo tempo, ter o apartamento só pra mim é show. Ninguém vai me encher o saco seu estiver andando de calcinha e meia pelo lugar ou se estou demorando no banho. Mas aquela sensação de ter alguém a mais no apartamento é angustiante. - E então Any, pra onde vamos? - Hummm... que tal para a sua casa Eliza? To morrendo de sono! Faz tanto tempo que sou amiga da Eliza que para mim é como se fosse uma irmã. - Nossa você tem o que uns 40 anos?! - Há-há muito engraçado. Juro que estou morrendo de rir por dentro... mas queria ver você fazer piada se estivesse desde as 3 da manhã acordada com uma mãe neurótica com medo de perder o vôo. - Calma... tudo bem... você venceu. Vamos pegar um taxi. - Assim está melhor. Juro mesmo que nunca estive com tanta vontade de dormir, sério mesmo, não me lembro de querer tanto uma cama quentinha. Normalmente dormir é a ultima coisa que gosto de fazer.

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Willian Vasconcelos Quando era mais nova fazia de tudo para não dormir. Agora, sei lá. Tanto faz.Que sorte um taxi assim fácil, fácil . Cama ai vou eu. - Então Any... decidiu o que vai cursar? - Aff nem me lembra... estou mais perdida que cego em tiroteio. - Mas tem alguns cursos em mente? - Ah... tenho, bastantes para falar a verdade. Para falar a verdade eu nunca tive um sonho. Tem gente que sempre sonhou em ser médica, advogada, atleta. Eu nunca tive algo parecido. Eu nunca mesmo tive um simples sonho. Gostaria muito de ter tido um sonho em que pessoas não parecessem cadáveres ambulantes, que falassem uma mistura de chinês e aramaico, ou seja lá o que eles falam, e principalmente que não tivesse tanto sangue. Acho que ficaria feliz até sonhando que era uma Barbie. Desde que não tivesse sangue. - Quais? Fala aí, quem sabe eu não posso te dar uma luz? - Bom, eu andei pensando em Psicologia, Fisioterapia e Artes Cênicas... - Nossa totalmente nada a ver né?? - Ah num tira uma com a minha cara não... já estou com sono, e você ainda vem me zoar? Deixe-me em paz! - É já sei o que você deve cursar... Artes Cênicas...você adora fazer um drama... Meryl Streep vai ser uma principiante perto de você. Como é bom rir de nós mesmos. Alias rir é muito bom. Faz tanto tempo que eu não dava uma gargalhada. Faz tanto tempo que eu não me sinto viva. - São 12,45 meninas. - Pode deixar Any eu pago. - Nossa, é a generosidade em pessoa, fiquei comovida. - Olha só quem virou piadista! Vai fazer filme com Jim Carey? Se for me traz um autografo por favor!

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Deadboy - Aquellare Santa Lúcia nunca foi tão fria como agora. Apesar do sol brilhando entre as nuvens lá em cima, o vento sopra cortante aqui. O vento está soprando uma canção tão triste nessa cidade. - Olá Anyel, entra, por favor, está um vento frio ai fora. - Olá dona Elizabeth, obrigada por me receber na sua casa. - Nossa quanta cerimônia vocês duas... parecem a família real britânica. Vamos ter o chá da cinco para vossa alteza? - Tudo o que eu quero é dormir. - Sua cama está pronta querida se quiser pode ir lá descansar. - Obrigada dona Elizabeth. - Eliza, eu vou até o mercado comprar pão e leite. Quer alguma coisa? - Ahhh eãm zart arap mim mu etop ed etevros? ... Eu não entendi nada. É algum código? O que a Eliza acabou de dizer? -Euq robas? Deus o que elas estão falando!? E essa dor de cabeça agora? O que ta acontecendo?! - O que vocês disseram? - Disse para ela comprar sorvete...o que foi amiga? Tá tudo bem Any? - Está sentindo alguma coisa Anyel? Você está pálida. - Acho ..acho que é só cansaço mesmo. Melhor ir dormir. Melhor ir dormir...vão achar que eu estou maluca. Elas falaram perfeitamente. Eu que estou cansada que não entendi. Deve ter sido uma queda de pressão. Melhor não pensar nisso. Eu só preciso dormir. Dormir...só isso. Mas por um instante elas falavam como as pessoas do meu sonho. ...

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Willian Vasconcelos Eu estou sonhando de novo. E não é o sonho de sempre! Alivio. Nada de sangue e morte. Só eu. Somente eu e o parque da cidade. Eu sei que é somente um sonho, mas sinto uma felicidade que nunca senti acordada. Se existe um paraíso é aqui. Longe de problemas, ventos tristes, pessoas falando coisas que não posso entender. Somente eu e este parque lindo. É um dia lindo. Olha lá, tem alguém vindo. Quem é?? Ainda não consigo reconhecer. O vento sopra uma melodia agradável. Parece sussurrar um verso. Vamos lá quem quer que seja, venha pra sombra para que eu possa vê-lo. Não acredito é ele! O rapaz do parque. Como é bonito. - Olá! Eu vi você no parque outro dia. Se aproxime. Ele tem um andar elegante, mesmo vestido com camiseta do Ozzy e calça jeans e coturno. - Eu sei. Eu estava te observando. Deus... o que é aquilo na boca dele!? - Como!? Eu ouvi você falando claramente...mas não vejo seus lábios se mexerem! - Claro...não vê ? Minha boca está costurada. Agora que ele se aproximou, eu percebi, os lábios dele estão costurados, parece que usaram cabelo como linha... - Quem fez isso com você?? - Não sei. Isto aqui é um ambiente criado por você. Não posso interferir nas regras que você inconscientemente criou para este lugar. Mas também pode ter sido uma força extra...mas deixe isso pra lá. - É estranho...é como se você falasse diretamente na minha cabeça. - É isso mesmo que acontece, Anyel. - Você sabe meu nome? Como? - Lembre-se ... é um sonho.

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Deadboy - Aquellare - Sim...eu sei...mas não sei o seu nome. - Sabe sim... está escrevendo ele com seu pé na poeira do chão. - T-R-E-N-T... Trent? Esse é o seu nome? - Decepcionada, Anyel? Esperava o que Justin Timberlake? Ou algo tipo Príncipe Albert Michael Robert Gates IV ? - Mesmo com a boca fechada é metido a engraçadinho. - Só quando estou em sonhos de garotas como você. - Há-há ... muito engraçado Don Juan. Mas posso saber por que estava me observando? - Te faço a mesma pergunta de outra forma. Por que estou aqui no seu sonho? Eu sei que isso é apenas um sonho. Mas de repente o clima aqui do parque esfriou. O sol se escondeu. E Trent parece ter achado o ponto. Meu calcanhar de Aquiles. - Não sei... vejo você lutando em meus sonhos a anos, minha vida toda. Muita morte, muito sangue. Todas as noites. Toda maldita noite desses anos todos. E você sempre esteve lá. Até que naquele dia eu vi seu rosto de relance neste sonho, algo que nunca tinha acontecido antes e te encontrei no parque ao meio-dia. Fiquei pensando no que isso significava todo esse tempo... -Sim...mas você não me respondeu...por que estou aqui? Sei lá... só estou com um medo. Um medo que apareceu do nada. Um aviso talvez. Um frio na barriga. Uma dor na cabeça. Espera...por que ele está indo embora?! - Trent? TRENT!! Espera!! O que é isso!? Ele está sumindo dentro de uma sombra negra. Droga que barulho ensurdecedor. Não é uma sombra...é uma multidão! Estão vindo até mim. O que eles falam!? Não da para entender nada!! Eu quero acordar!! Vamos Anyel abra os olhos!! Eles me cercaram! Eles estão me agarrando!! Tirem as mãos de mim!! Me deixem em paz! Me deixem em paz por favor!

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Willian Vasconcelos - Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! O que eles querem de mim?! Por que me cercam?! Por que eu!??! Aquilo hoje cedo, com a Eliza e a mãe dela...foi real! Por que eu não entendo nada do que falam?! Como fedem! Estão putrefatos!! Sumam daqui!! - Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh! ! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Porra acorda!!!! Por favor Deus…me deixe abrir os olhos!! Por favor!! - Anyel!! É a voz de Trent! Onde ele está!? - Anyel!! Aqui! Eu posso vê-lo atrás da multidão. Por que não vem me ajudar? - Por que se permite passar por tudo isso!? Por que deixa essas coisas te perturbarem...acabe com elas! Acabar com elas? Como ? Não tem como eu fazer isso! Deve ter o que aqui...umas 3 mil pessoas! - Me ajude Trent, por favor!! Alguém me tira daqui!! Alguém me acorde desse pesadelo! Eu quero voltar para a minha vida. Nada como a minha vida simples e sem graça. Por favor!! - Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egereh!! Arrom egere h!! Arrom egereh!! Dor de cabeça! Parece que alguém ta abrindo ela com uma furadeira! Agora não!! Meu nariz ta sangrando!! Droga!! Acho que vou morrer... ...Não agüento mais...

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Deadboy - Aquellare - POR QUE VOCÊS TODOS SIMPLESMENTE NÃO MORREM!!!!!!!!!!

...Calor...tão quente... aconchegante... ... - Anyel...levante-se. Eu acordei?... Não. Não se tem essa sensação de estar voando na vida real. Eu ainda estou naquele pesadelo. - Abra seus olhos. Por que estou com medo de abrir os olhos. Trent! Essa voz é dele. Por que não me ajudou? - Por que não me ajudou com aquela multidão seu desgraçado?! Por que deixou aquelas coisas me cercarem? - Olhe a sua volta... eu disse que você não precisava se submeter a aquilo. Cadáveres. Milhares deles. Carbonizados. Implorando. Pedindo perdão?! Quem sabe. Parece um culto macabro. Cadáveres rezando por dias melhores, carbonizados por seus pecados. - Eu fiz isso? - Por que me pergunta? A resposta você já sabe. Até mais. - Espera! Droga sumiu de novo!! ... Como eu posso ter feito isso? Carbonizado essas pessoas. Que tipo de pessoa eu sou? Argh...essa maldita dor de cabeça. O que eu sou? O que causou tudo isso? Trent? Eu? Eu me lembro de ter sentido um calor...e depois não me lembro de mais nada... o que aconteceu aqui afinal? Por que esse sonho diferente agora? - Eu fiz isso. Da onde veio essa voz? - Quem é? Quem falou isso?

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Willian Vasconcelos - Eu fiz isso. Você sabe quem é que está falando... - Aparece porra! Tenha calma Anyel, você sabe que é só um sonho...ou pelo menos deveria ser. Eu quero acordar...não agüento mais. - Deixe me sair... - Saia então e se mostre!! Anda! Arghh... meu ventre...que dor... Deus o que é isso!? - Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... Deixe me sair... - Maldita! Quem é você!? O que está fazendo comigo!? -Deixe me sair... Sangue. Muito sangue. Dor. Eu estou sangrando. Dói muito. Falta de ar...não consigo respirar...esse cheiro de coisa podre ta me sufocando... tem algo revirando no meu ventre...não estou agüentando ficar em pé. Sangue. Sujando meu vestido. Minhas pernas. Eu não agüento mais. - Deixe me sair... Cala a boca. Você venceu. Estou de joelhos. Suja de sangue. Meu sangue. Lavando meu corpo e todo o chão. O que quer que seja...termine com isso... quero acordar... - Deixe me sair... - Você venceu... pare com isso por favor! Não agüento mais...chega! - Não pode ser fraca dessa jeito!! Sinto como se alguém estivesse me levantando pelo pescoço! Está me estrangulando! Da mesma forma como me levou ao chão e a implorar por um fim... agora me suspende no ar pelo pescoço. - Nunca retroceda! Você tem que lutar até o fim! - O que você quer de mim!?! Droga está me estrangulando... consigo sentir a mão envolta do meu pescoço, cada dedo, cada pressão que faz em meus nervos,

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Deadboy - Aquellare veias, artérias. É como se realmente houvesse alguém ali. Mas não tem. Apenas o toque frio dessa mão em meu pescoço. É essa coisa, é isso que está maculando meu ventre. Está me usando como "mãe". Posso sentir sua mão fria apertando meu pescoço. Não consigo respirar... eu quero acordar...quero acordar... sinto tanto frio... Arghh...que dor..é como se tivesse é como se tivesse levado uma facada na barriga...maldição...é como se eu tivesse passando por uma cesariana sem anestesia e realizada por um açogueiro...Arghh... ar..eu tenho que respirar... Deus...quanto sangue... meu corpo está sendo mutilado...essa coisa... essa parasita está saindo...sangue... e esse sonho tinha começado tão bem...sangue... Deus...não queria estar.. estar aqui... - Nós... Tem um braço... -Nos veremos... Tem um braço saindo do meu corpo... - Em breve, Anyel. É uma mulher... É uma mulher adulta. É isso que saiu do meu ventre... é linda... tem cabelos platinados, olhos tão azuis, pele branca como a neve, tão fria... ela me encara...face a face... como mãe e criança após o parto... tem algo de familiar...mas não reconheço. Da mesma forma que ela surgiu...desapareceu. Essa coisa...rasgou meu ventre...tem tanto sangue...quero acordar... vou desmaiar... estou caindo...estou morrendo... ... ... ...

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Willian Vasconcelos %CMine, immaculate dream made breath and skin/I've been waiting for you/Signed, with a home tattoo/Happy birthday to you was created for you %C Duran Duran. Come Undone. O rádio. Voltei. É a casa da Eliza. Finalmente acordei... dormi o dia todo... será mesmo que eu dormi e sonhei tudo isso? Minha garganta dói. Uma cólica horrível. Minha menstruação ta adiantada quase uma semana. O que foi tudo aquilo? Mal consigo ficar em pé. Minhas pernas doem tanto. Me sinto tão fraca. Janela. Como é bom respirar o ar puro. Santa Lúcia. Daqui eu tenho uma bela vista. A cidade está tão cinzenta. Cinzenta como essa grande nuvem que cobre a cidade agora.Tem uma tempestade se formando... %CWe'll try to stay blind/to the hope and fear outside/Hey child, stay wilder than the wind/And blow me in to cry%D

Fim da Parte 1

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Willian Vasconcelos

Capítulo 5 Paraísos Perdidos

PARTE 2: A ESCURIDÃO, O CAOS E OS MORTOS.

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Deadboy - Aquellare Ele ouve os primeiros acordes. Mesmo de olhos fechados pode ouvir o dedilhado de Kirk Hammet sair quente do amplificador valvulado, a guitarra da inicio a canção. Logo ao lado James Hetfield, um pouco atrás estão Jason Newsted e Lars Ulrich. James olha e oferece o microfone. Ele pode sentir a energia. Nothing Else Matters vai começar. - “ So close no matter how far/ Couldn't be much more from the heart/Forever trusting who we are/And nothing else matters” As fãs gritam enlouquecidas. De olhos fechados pode sentir sua platéia. Loiras, morenas, negras e asiáticas, com seios do tamanho da cabeça pulando do decote, cinturas finas como se fossem esculpidas e traseiros magníficos. Era o rei delas. -“ Never opened myself this way/ Life is ours, we live it our way All these words I don't just say/ And nothing else matters” O calor dos isqueiros se faz sentir. A letra flui facilmente. A voz sai potente. É o mestre do palco. -“ Trust I seek and I find in you/Every day for us something new/Open mind for a different view/And nothing else matters” E então ele finalmente abre os olhos e encara a parede de azulejos. Trent já está no banho há cerca de 40 minutos, fazendo um mega show imaginário ao lado do Metallica para 600 mil fãs imaginárias e sedentas por ele. Para uma manhã fria e com garoa desde a meia noite, um banho quente com um bom repertório era tudo que ele precisava para começar o dia. Sábado, era um dos piores dias. Tinha que acordar cedo, abrir a locadora, e se preparar para a avalanche de consumidores, Ivan só chega por volta do meio dia, para que Trent possa almoçar. Sábado é dureza. Trent se olha no espelho. Somente uma pequena cicatriz na altura do estomago. A barra de ferro. Maldito cachorro, pensou. Girou e conseguiu ver que suas costas também possuía uma pequena

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Willian Vasconcelos cicatriz. A barra tinha atravessado. Amanhã já não restaria nada para contar essa história. Nada de lembranças. Da mesma forma como se abriam os ferimentos, eles se fechavam. Sentia-se como Wolverine. Puxou as pontas do cabelo e montou o penteado do mutante baixinho dos quadrinhos da Marvel. Faltavam apenas o charuto e uma Tempestade ou uma Fênix do lado. Nesse momento a imagem da garota veio-lhe a mente. Ainda não tinha a encontrado novamente. Mas a figura daquela menina não passava mais que alguns minutos longe da sua mente. Soltou um longo suspiro. Pelo menos as vozes não voltaram mais. Pegou suas roupas e foi se vestir. Hora de ir pro trabalho. Descer a escada lateral, virar a esquina e pronto estava na porta da frente da vídeo locadora. Abriu a porta e suspirou novamente. Tinha um dia de trabalho agitado pela frente. A garoa não dava trégua, apesar de ser nove da manhã, está escuro como a madrugada. Os postes estão acesos. As ruas desertas. Trent olhou para o relógio de pulso para confirmar, nove da manhã. Sentou atrás do balcão e suspirou novamente. A imagem da garota voltou a sua mente.

Anyel se movimenta na cama. Puxa o edredom. Está com frio. Agitada. Mesmo dormindo pode ouvir o barulho da garoa que cai desde o primeiro segundo desse sábado. Ela quer acordar. Está sonhando de novo. Já não bastava aquele pesadelo que teve dormindo durante o dia, agora estava as voltas novamente com estranhos filmes dirigido por sua mente perturbada. Em seu sonho, ela caminha debaixo de uma garoa, como a que cobre Santa Lúcia no mundo real. Um cemitério. Um belo e deserto cemitério. A chuva cai gélida na pele de Anyel. Há uma suave neblina que torna o ambiente ainda mais frio. Ela pode ouvir uma sinfonia macabra vindo de bem longe. A melodia vem da

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Deadboy - Aquellare catedral. Mesmo de longe ela consegue enxergar o casamento. O casamento que ocorria em seu outro sonho. Uma tosse grave e o barulho de uma pá caindo ao chão chamaram a atenção de Anyel de volta ao cemitério. A figura que ela julgou se tratar de Trent sumiu em meio a neblina que agora se mostrava bem espessa. Ou pelo menos uma versão coveiro de Trent. Anyel caminha em direção a cova que a figura estava cavando. Um choque percorre toda a sua espinha. A lapide de mármore negro exibe seu nome em baixo relevo. Seu corpo é tomado por outro choque quando nota que a tumba é forrada por pequenas agulhas. Milhares delas. Sinos. Soando como um estrondo. Anyel não consegue se virar. Está paralisada. Só consegue sentir uma mão fria... tão familiar... - Oi “mãe”! A mão que a tentou estrangular no outro sonho. Fria. Forte. - O que você quer de mim? - Quero que você seja forte, Anyel! - Para que? - Não vê o casamento? - Sim...o que tem? - Não pode deixar aquele casamento ser realizado... - Por quê? Responda-me! - Apenas não deixe que se realize... A mão gélida toca a pele de Anyel. A cova parece cada vez mais perto. Ela finalmente sente o corpo ser tomado pela dor que as agulhas provocam. Agulhas de cristal. Milhares delas. Frias como gelo. Rasgando a pele de Anyel. Os sinos tocam enfurecidos sufocando os pedidos de ajuda. Anyel chega a pensar se a dor está lhe causando loucuras... por que ela vê a sua

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Willian Vasconcelos própria face. Seu rosto. Cabelos platinados, pele alva. Sua algoz. Sua “filha”. A dona da mão gélida que a empurrou para esse martírio de agulhas. Seu rosto. Perfeitamente copiado. - Lembre-se... o casamento... impeça-o. Em meio à dor as palavras não tem sentido. - Encontre Trent... Mal a palavra Trent chegou a seus ouvidos, Anyel sentiu algo além da dor. Frio. Sua “filha”, aquele clone de cabelos platinados, estava enterrando-a viva. Mas em vez de terra ela usava neve. Neve. O frio intensificou a dor provoca pelas agulhas. Anyel se debatia. Centenas delas estavam encravadas em seu corpo. Sangue. Muito sangue. - Me... tira... - Por... - ... - ME TIRA DAQUI POR FAVOR!! ... O quarto de Eliza, quente e confortável surgiu em suas retinas. Acordou. Sentia ainda a dor das agulhas, o frio. Estava tremendo. O relógio marcava nove da manhã. - Droga... o que esses sonhos querem me dizer!? Passou a mão pelos cabelos. Suspirou. Sentou na cama. Respirou fundo. Não havia explicação. Não sabia por que era vitima desses terríveis pesadelos. E principalmente, não sabia por que aquela coisa tinha seu rosto, por que lhe chamava de mãe. As únicas certezas que Anyel tinha em mente é que ela e Trent deviam se encontrar. Estava convencida que ele é uma chave para resolver essa loucura. Tinha que encontrá-lo de qualquer forma. Lá fora, a garoa continuava...

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Trent caminha até a porta com uma lata de coca-cola na mão e observa. Ruas vazias. Garoa caindo. Escuridão. Já passava das dez e meia da manhã e continuava escuro. Era como se a madrugada não tivesse terminado. Nenhuma alma nas ruas. Trent observou o céu. Em sua imensidão era formado por nuvens negras, algumas cinzentas. O horizonte não trazia nenhuma esperança. As lâmpadas de vapor de sódio dos postes de iluminação se esforçavam na luta contra a escuridão que tomou conta de Santa Lúcia. - Parece até 30 dias de noite... – Pensou Trent entre um gole e outro de coca-cola. Do meio da névoa no fim da rua, Trent viu surgir três carruagens negras lado-a-lado. Suntuosas. Reentrâncias. Negras. Rubras. Quatro cavalos cada. Rasgaram a rua e sumiram em meio ao nevoeiro novamente. Trent não acreditava no que tinha acabado de presenciar. Ou só não queria acreditar. Três pares de olhos. Três pares de brasas. Loucura? Depois dos últimos acontecimentos até que era normal três carruagens góticas passeando por Santa Lucia em uma manhã de sábado. Absolutamente normal. Pelo menos não estava sangrando. Já era um grande negócio. - Em eduja!! Em eduja!! Era um grande negócio. Assim como as carruagens apareceram e sumiram em meio ao nevoeiro, aquela velha senhora estava plantada atrás de Trent. Como entrou? Pouco importou a Trent. E novamente as pessoas estavam dizendo coisas incompreensíveis. Novamente. Maluco? Não. Realidade. Realidade escrita em letras garrafais, piscando como as placas de cassino de Las Vegas. - O que? -Ajuf iuqad odipar !!

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Willian Vasconcelos Assim como as carruagens, a velha saiu em disparada em direção ao nevoeiro, jogando Trent contra a porta da locadora. Claro. Tinha que ter um pouco de dor. E sangue, obvio. Mas esse sangue não pertencia a ele. Era de sua mais recente amiga. A velhinha. Ela não possuía os olhos. Apenas cavidades negras. Sangrando. Dizendo coisas incompreensíveis. E a garoa prosseguiu durante todo o sábado. Ivan não deu as caras. Além da velha e de sua cara refletida no espelho, Trent não viu mais ninguém. A garota em sua mente era um pensamento utópico. Trent em sua cama só desejava que tudo voltasse a ser como era. Todos falando a mesma língua. Sem sangue. Sem dor. E sem esse som estranho que parece preencher toda a cidade...

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Capítulo 6 Madrugada

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Willian Vasconcelos Toshio chegou do Japão há 3 anos. Ficou seis anos em Kyoto, com a avó e sua prima Kari. Deixou para trás, um emprego em uma montadora de automóveis, uma jornada de 14 horas diárias, avó com 78 anos e uma prima de 19 anos que lhe mostrou os prazeres da vida. Tudo isso para que? Voltar a Santa Lucia para um emprego de sushiman no Banzai Corp. Certo, o dinheiro que recebia dava para se sustentar, pagar a faculdade e ainda sobrava uns trocos para se divertir, que ele guardava religiosamente para trazer Kari para morar com ele assim que a avó falecesse. As vezes, se pegava pensando porque diabos aquela velha não morria logo!? Estranhamente, aquele sábado estava em casa as 23:30. Isso nunca acontecia. Não apareceu uma alma no Banzai. Alias, aparecer até que apareceu. Uns 3 malucos, deviam estar tão chapados, que não diziam coisa com coisa, pareciam que tinham inventado um idioma. Japonês não era, muito menos russo. Que porra eles estavam falando? No caminho de volta, mais alguns poucos pirados, falando sabe se lá o que. Mesmo assim, Santa Lucia, a cidade parecia estar morta. Morta. Mortos. A cidade estava idêntica aos pirados que bateram na porta de Toshio as 3:00 da madrugada. Fediam. Pronunciavam coisas estranhas, sem sentido. Fediam muito. Cheiravam a mofo e sangue. Principalmente sangue. Eram os malucos do Banzai. Toshio queria muito sevir um sushi ou quem sabe um sashimi para eles. O nissei adora seu trabalho. Mas quando os 3 malucos quiseram fazer um sushi com ele, não teve outra opção. Os fatiou como um filé de salmão. Fatiou. Eram duros na queda, mas se renderam ao excelente corte das facas de Toshio. E não eram só 3. Do lado de fora havia mais 5 malucos. 5 cadáveres fedendo a mofo e sangue. Reconheceu dois deles. Seus vizinhos que viviam brigando, agora estavam unidos, querendo algo em comum, concordando com um único fato. Toshio tinha que ser devorado. O

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Deadboy - Aquellare jovem mestre de cozinha, tentou argumentar, de nada adiantou. Estava em algo que parecia a porra de um filme do Romero. Não sabia como começou. Quando percebeu já estava no meio de tudo isso. Os vivos se tornaram mortos. E os mortos que estavam em seu jardim, se tornaram pedaços de carne. Toshio só pensava em Kari. Só pensava em correr para longe daquela loucura. Se ao menos os sinos da catedral parassem de tocar, quem sabe ele poderia pensar em algo, mas só Kari lhe vem a mente. Só a tempo para correr... Trent não conseguia dormir. Sinos infernais. Seria alguma porra de popstar fazendo um casamento às 3 da madruga? Filho da puta!! Sábado estranho esse, Trent pensava. Sem sinal de clientes, sem sinal de Ivan... somente aquela velha. E a garota que não saia de seus pensamentos. Para tentar vencer a insônia, Trent desenhava. Em cinco folhas, apenas o rosto doce e sedutor daquela garota. Tentava relembrar o momento em que a viu. -Droga. Se não tivesse dado tanta bandeira ela não estaria achando que é um pervertido seu idiota... TOC-TOC. - Mas que porra! A essa hora?! Quem é? - Zzzzzzzz - Olha só seu viadinho, eu to muito puto da vida, morrendo de se for zoeira é melhor você correr muito cara! - zzzzzzz ... TOC-TOC. Click. Fechadura Aberta. Cheiro de sangue e mofo. Crachá da locadora. Um empurrão descomunal. Mesa de centro quebrada. Caco de vidro na artéria. - Gasp.. cof cof. Filho..da puta...

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Willian Vasconcelos - zzzzzzz Ivan. Era ele. Ou pelo menos se parecia com ele. A pele estava pálida. Os olhos injetados, cheio de capilares a mostra. Sangue na boca. Na camisa branca, sempre impecável. Agora suja. Muito sangue. - Que.. cof cof...que merda... pensa que..cof cof..ta fazendo!? - Egereh! Trent tinha um caco de vidro alojado no pescoço. - Vai...pro inferno... Tinha que se livrar daquele caco de vidro. A dor aguda escureceu a vista. Ou foi o sangue que verteu fartamente? - Egereh! Quando Ivan saltou sobre ele, a única coisa que Trent pensou foi alcançar alguma coisa. Mas não deu tempo. A única coisa a mão era o caco de vidro que retirou do seu pescoço. Vista escurecendo. Enjôo. Cheiro forte. Mofo e sangue. Improvisou. O cadáver de Ivan sofria violentos espamos, e agonizava com o caco de vidro, que transpassou seu maxilar e atingiu o cérebro. Trent se encostou em uma parede e desmaiou. As ultimas coisas que ouviu foram os grunhidos que Ivan fazia, o corte em seu pescoço se fechando, seu coração disparado e os sinos infernais da catedral... Anna sempre quis ser medica. Sempre quis salvar vidas. Brincar de Deus. Beirava a megalomania na adolescência. Sempre quis salvar vidas. Formou-se. É uma linda médica no alto dos seus 28 anos. Sempre quis salvar vidas. Estava salvando. Até esta madrugada. Até que o senhor Kiriatos, seu paciente de 55 anos, começou a vomitar sangue coagulado. Isso ocorreu as 2:45 da

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Deadboy - Aquellare madrugada. Sempre quis salvar vidas, mas quando o cheiro de sangue e mofo tomou conta do quarto do seu paciente, quando ele voltou de uma parada cardíaca, quando ele sofreu violentas contrações, quando se tornou gélido e pálido, ela não pode salvá-lo. Anna só pode fincar um bisturi na têmpora esquerda do velho Kiriatos. Sempre quis salvar vidas...mas aquela noite, teve que matar. Não só o velho paciente que sofria de câncer no pulmão, teve que matar todos que fediam a sangue e mofo. E olha que não foram poucos. Até conseguir ganhar a rua, corpos no corredor do hospital. E muitos amigos dilacerados para trás. Edna era advogada. Viúva, sem filhos. 55 anos. E uma consumidora diária de cocaína. Estava acostumada a dar sentenças para as pessoas que seu vicio sustentava e da qual dependia para controlar o vicio. Hipócrita. Uma viciada defensora da lei. Parece até um gibi escrito pelo Garth Ennis. Adrenalina. Ficava imaginando o dia em que um acusado iria apontar o dedo na cara dela em plena audiência e gritar a plenos pulmões que a excelentíssima juíza Edna era uma viciada. Quando ligou para o traficante pedindo um pouco do seu pozinho mágico, não tinha como adivinhar que teria que meter uma bala na cabeça dele. Não tinha como adivinhar que teria que matar mais uns 4 malucos que estavam em seu jardim. Fedendo a sangue e mofo. Não tinha como adivinhar que eles queriam um pedaço da sua carne. O que a juíza fazia com um calibre 38 na mão as 3 da madrugada? Ora não seja bobo, não sabe que traficantes são pessoas P perigosas?

%C You hurt and abuse tellin' all of your lies. Run around sweet baby, Lord how they hypnotize . %C

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Willian Vasconcelos Ao som desses versos, Anyel começava a dormir. Laranja Mecanica na TV, pipoca, sua melhor amiga. Um dia quase normal, o que para ela queria dizer quase perfeito. Se não fosse pelos sinos que começam a soar, conseguiria dormir e quem sabe acordar por volta das 11:00 da manhã. Abriu os olhos e viu o radio-relogio. 3:00 da madrugada.

- FAZ ISSO PARAR PORRA!! Eliza. - AHHHHHHHHHH SOCORR... -Eliza que foi!? Anyel cambaleou assustada. Eliza convulsionava fortemente. Hemorragia forte. Um insuportável cheiro de mofo...parou. Anyel nem se deu conta que lagrimas escorriam de seus olhos. - Liz? Liz? Fala comigo... Nada. Gelada. Sem respiração. ... ... Anyel esta jogada no chão do quarto de Eliza. Ficou desacordada. Não sabe da onde tirou forças para quebrar o pescoço da amiga. Também não tem idéia de como sua amiga se tornou um cadáver que tentou tomar sua vida. Talvez não importasse mais. Tudo estava estranho. Sinos de madrugada. Sua amiga vira um defunto esfomeado. 5 da madrugada. Logo ia amanhecer. - Trent... Foi a única coisa que conseguiu dizer. Foi a ultima coisa que pensou quando escutou passos na escada. Trent...

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Capítulo 7 Olhos Vazios

- Isso não foi um pesadelo. Foi a primeira frase que Trent disse assim que recobrou a consciência. Assim que abriu os olhos a única coisa que viu foi seu chefe. Um cadáver em decomposição. O que sobrou de Ivan. Desorientado. Confuso.

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Deadboy - Aquellare Sirenes. Derrapagem. Batida. Tudo ficou escuro. E logo tudo ficou encoberto por vermelho e azul. Trent se esforçou e conseguiu levantar. Olhando pela janela ele viu o que causou a seqüência de acontecimentos que deixou tudo em duas cores. Uma viatura espatifada no poste. Junto dela, quatro pessoas se levantavam. Um policial saiu cambaleante. Trent se assustou quando o homem da lei executou disparos em direção a aquelas pessoas. Assustou-se ainda mais quando viu que seis tiros no peito não derrubaram aquelas coisas. Tudo fez mais sentido quando a pessoa que foi alvejada arrancou um naco do pescoço do policial. Aqueles seres que banqueteavam o policial eram iguais a Ivan. Com os gritos desesperados do policial, Trent se locomoveu até a parede da sala, e apanhou a katana que enfeitava aquele canto. Desembainhou-a e passou o dedo pelo fio. Um rubro filete escorreu de seu indicador. Sabia o que fazer. Silencio. O policial se foi. Barulho. Alguém na escada. A porta está aberta. O vento carrega o cheiro de sangue. Trent sabe que é ele ou aquelas coisas. Então só resta enfrentar o que esta subindo a escada. Trent aparece no topo da escada. A criatura é uma jovem. Deve ter uns 16 anos. Toda banhada em sangue. Assim que vê o jovem imortal no alto da escada a jovem enlouquece e tenta atacar. Só tenta. A lamina atravessa sua testa e sua nuca. É a segunda morte daquela garota. O corpo dela realizou um balé, enquanto um grosso fio de sangue escapava de sua cabeça. Ele rodou e caiu escada a baixo. O barulho chamou a atenção dos que restavam. Trent saltou o lance de escada com a espada na mão direita e a bainha na esquerda. Tão logo virão o garoto em posição de guarda, as criaturas atacaram. A primeira teve a cabeça decepada em um só golpe, com a bainha Trent afundou o crânio da que veio em seguida, uma senhora gorda de vestido florido que mesmo após violento golpe, permaneceu em pé e

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Willian Vasconcelos ao tentar morder o braço de Trent acabou sendo vitima de nova pancada da bainha de aço, e desta vez tombou convulsionando. Trent observava o policial com as vísceras a mostra, tremendo, com grandes olheiras. Esse descuido acabou levando Trent ao chão. Um homem careca, todo sujo de sangue estava sobre ele. Com o pé direito no peito do careca, Trent tentava escapar das mordidas e livrar a mão direita para poder alcançar a pistola do policial. Sua katana e a bainha estavam longe demais. Tinha que ser a pistola. Tinha que estar carregada. O hálito asqueroso esquentava seu rosto. O braço esquerdo sendo apertado latejava. Até que sua mão direita tocou algo. Com o resto de suas forças, Trent forçou o agressor para trás, mirou e atirou. Uma nuvem de sangue foi expelida. E mais um corpo tombou. Trent reuniu suas forças. O braço esquerdo doía terrivelmente. Um grande hematoma ocupava a área. Apanhou a espada e a bainha. Ouviu um gemido. O policial se tornava um novo agressor. Uma nova coisa. - É como a porra de um filme do Romero... – disse Trent mirando a cabeça do policial – Parece que todo mundo virou zumbi... Blam. Outro corpo estendido. Trent olhou sua moto encostada. Caminhou até a viatura. O outro policial tinha morrido com o impacto. Estendeu a mão e pegou o municiador na cintura do oficial. Checou o porta-luvas e encontrou mais um. Recarregou a pistola. Improvisou uma correia com uma tira de pano e colocaram a espada as costas. Guardou a pistola na cintura e o municiador extra no bolso. Ligou a moto e partiu. Pelas ruas de Santa Lucia, Trent só via morte. Cadáveres fazendo o lanchinho da madrugada, novos cadáveres ganhando “vida”. Santa Lucia era a porra de um filme do Romero. Era só o que pensava. O posto de gasolina da Av. Sete, pegava fogo. No meio

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Deadboy - Aquellare do incêndio, podia se ver cadáveres caminhando, criando uma cena tão maravilhosa como assustadora. - Tem que atirar na cabeça... Fogo. Distração. Cachorro. Acidente. Mortos. Mortos que andam. Mortos com fome. Cercado. Ferido. Tiros. 10 tiros. 5 corpos caem. Tem que fugir. Corra para a Avenida. Um sedã em alta velocidade. Mercedes. Cheiro de sangue e mofo logo atrás. Borracha queimada. Derrapagem. Porta se abre. - Entra!! Rápido!! Perfumes. Aromas. Suaves. Nada de Sangue. Só couro e perfume de mulher. - Obrigado. - Obrigado nada! Foi ferido!? Se foi mordido pode ir dando o fora.- disse o motorista, um policial do tipo “pé-no-saco” pensou Trent. - Heitor! Cala a merda dessa boca! – retrucou o jovem asiático no banco do passageiro. Trent olhou para as ocupantes ao seu lado. Duas jovens. - Meu Deus...é você!! – essa frase foi dita por duas pessoas. E a Mercedes rasgou a avenida em direção a universidade.

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Capítulo 8 Ao Contrário

Anyel encarava o espelho. Ainda sobrou um cantinho do pescoço com sangue. Acordou às 5 da manhã depois de matar a sua melhor amiga. As 5:10 estava matando a mãe da sua melhor amiga. Utilizou o cutelo de aço inox para acabar com a vida da matriarca de sua amiga Eliza. Fechou os olhos. O que estaria acontecendo ali? Viu que na rua esses ataques estavam acontecendo. Não era um pesadelo. Como queria que fosse. Depois de um banho, sentiu um forte impulso de sair. Precisava encontrar Trent. O cutelo seria seu companheiro. Saiu pelos fundos. Toshio lhe deu um grande susto quando ele a puxou para dentro da loja de conveniência do posto. Havia um pequeno grupo lá. Uma senhora chamada Edna, uma jovem medica de nome Anna e um policial chamado Heitor, além de Toshio. -Verifica se ela não foi mordida, ok? – ordenou logo de cara o policial - Eu não estou..não tenho ferimento algum. – Anyel retrucou . - Viu eu não falei, ela esta legal. – Toshio acrescentou - Tudo bem pode ficar. – disse o policial andando para os fundos da loja.

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Deadboy - Aquellare - Bom deixa eu me apresentar, meu nome é Anna, esse aqui é o Toshio e aquela é a Edna. O policial se chama Heitor. Você está bem? - É pode se dizer que sim... alguém sabe o que está acontecendo? – disse Anyel se encostando no balcão. - Bom eu tenho a teoria de que seja uma espécie de doença, acredito que alguma coisa que ataque o sistema nervoso e circulatório... – disse Anna fechando a porta da loja. - É, mas essas pessoas parecem que estão mortas doutora! – Edna finalmente se pronunciou. - É verdade Anna... o que a Edna falou é verdade mesmo, eles cheiram a sangue e mofo. Mofo principalmente. – Toshio abrindo a geladeira e pegando uma cerveja. - O japa! Deixa isso ai caralho! Vai cometer furto assim na frente de um oficial da lei? – esbravejou Heitor tirando a garrafa da mão do jovem sushiman. - Porra você ta maluco Heitor? Todo mundo virou a porra de um bicho e você fica ai fazendo graça. Dá essa porra de cerveja agora! - Olha garoto me respeita – disse sacando a pistola automática – senão encho você de bala e te jogo para aqueles malucos comerem! - Calem a boca os dois! – Gritou Edna. Anyel se assustara com a cena. E principalmente ninguém sabia o que fazer Barulho. Vidro Quebrado. Sangue e mofo . - Puta merda... – disse Toshio . Uma grande legião de ex-habitantes normais da cidade estava tentando entrar pela porta de vidro do estabelecimento. Heitor

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Willian Vasconcelos municiou a arma e disparou varias vezes, tendo acertado na mosca em vários alvos. A cada disparo, uma nova nuvem de sangue era jorrada. Toshio também eliminou alguns com as facas, mas dessa forma quase tornou alvo fácil, tinha que chegar muito perto para poder causar dano fatal nas criaturas. Ele só conseguia pensar no que ele havia deixado no Japão. Edna disparava contra os agressores, mas tamanho o nervosismo, produziu poucas baixas na multidão de mortos-vivos. - Vamos sair pelos fundos! – bradou Anyel. - Vai, eu e a Edna vamos tentar segurar eles aqui um pouco! Veja se acham algum carro pra gente sumir daqui! Anyel disparou para o fundo da loja, seguida pela doutora e pelo jovem asiático. Um estreito corredor atrás do caixa levava aos fundos da loja. Ao fundo disparos e urros. O sangue criava uma paisagem abstrata na pequena sala comercial. Era como um quadro surreal. Talvez nem Dalí em seus arroubos mais loucos conceberia aquela cena. - Heitor, Edna!! Tem um carro! Um carro aqui no fundo!! Vamos! O carro era uma Mercedes, não era das novas, mas serviria. Toshio quebrou o vidro. A passagem para sair daquele inferno estava perto. Iria reencontrar sua paixão! O momento de Toshio foi quebrado por um grito de Anna e em seguida, por um tiro de Heitor. Havia uma criatura presa naquela garagem. Foi atraída pelo barulho do vidro sendo estilhaçado. Mas mal teve tempo de tentar algo. Ganhou um buraco no meio da testa. Hector rapidamente revistou o defunto e achou chaves gravadas com a estrela que caracteriza a marca alemã. Edna disparava da porta e pedia rapidez. Foi atendida. Heitor deu a partida. Todos a bordo!

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Deadboy - Aquellare O bólido alemão rompeu a porta da garagem com fúria, atropelando três criaturas e chamando a atenção de mais um grupo deles. A cidade estava tomada! - Precisamos achar algum lugar isolado! – disse Anna visivelmente perturbada. - Mas onde!? Parece que estão por toda a parte! – Heitor retrucou desviando do grupo de mortos que vinha de encontro a seu grupo. - Siga para a faculdade, acho que teremos mais chances lá. É isolado, fica longe do centro e não há tantas residências por lá – ponderou Anyel, a que permanecia mais lúcida no momento. A decisão foi acatada por todos. Durante o percurso o que se via era um espetáculo gore. Havia corpos, sangue e vísceras a todo instante. Mulheres, idosos, crianças. Todos haviam sucumbido a aquele estranho fenômeno. Todos haviam sucumbido à fome animal que devorava suas entranhas. Todos sucumbiram à maldita voz em suas cabeças pedindo cada vez mais morte e destruição. Aquela voz doce carregada de segundas intenções e trevas. Anyel observava a paisagem quando sentiu uma forte pontada na cabeça. - Olhem aquele cara! – disse Heitor apontando para fora do veiculo. Anyel nem precisou olhar. Ela sabia. Sentia. - Vamos lá cara... Precisamos ajudá-lo. – Toshio completou. O carro acelerou atropelando mais alguns mortos-vivos e parou bruscamente. - Entra!! Rápido!! - Obrigado. - Obrigado nada! Foi ferido!? Se você foi mordido pode ir dando o fora. – disse Heitor, visivelmente nervoso. - Heitor! Cala a merda dessa boca! – retrucou também muito nervoso Toshio.

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Willian Vasconcelos Anyel se aliviou e ao mesmo tempo se espantou. Finalmente tinha encontrado quem procurava. - Meu Deus... É você!! – repetiram em uníssono Trent e Anyel. E a Mercedes rasgou a avenida em direção a faculdade.

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Deadboy - Aquellare

Capítulo 9 Caindo Aos Pedaços

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Willian Vasconcelos Imagine-se como um fantasma. Intangível. Oculto. Zanzando entre paredes de alvenaria, vigiando a tudo e a todos. Se sua imaginação puder conceber isto levarei você a um passeio por Santa Lucia. A bela cidade de Santa Lucia. Outrora quem sabe... O termo mais apropriado seria uma necrópole. Veja estamos na avenida principal, o que vê? Mortos. De todas as formas e jeitos. De todas as raças. Classe social... Se bem o que importa tudo isso, essas coisas pertencem ao mundo dos vivos...estamos mortos. Quem sabe o que teria acontecido a Santa Lucia? Será que o inferno está tão cheio que vomitou essas aberrações pra fora naquela pacata madrugada chuvosa? Por hora vamos... Estes cadáveres praticando canibalismo estão por toda parte... E esse aroma de vivos vem daquele prédio... Uma faculdade... Ainda há vida... Por enquanto. Se essa viagem fosse real você poderia ver o sedan de luxo estacionado logo atrás do portão de entrada, formando uma barricada reforçada pelo portão. Olhe, o vigia está agonizando ainda, se despedindo da sua “segunda vida”, se você reparar bem poderá ver que o corte quase o decapitou. Ouça, ouça!! Ahh... o ultimo suspiro! Essa é a minha deixa... Agora é com você adentre a faculdade e descubra quem exala esse delicioso cheiro de vida... Ou se junte aos rejeitados famintos pela cidade. - Seu filho da puta!!!!!!!!!! O grito ecoou pelo corredor da faculdade e reverbou bonito prédio afora. Toshio era o dono do palavrão. Quando o proferiu se dirigindo a Heitor, o corpo de Edna já jazia no chão encerado com dois buracos de bala na testa. - Porra o que você queria que eu fizesse!? Ela foi mordida merda!! Ela ia vira uma daquelas coisas que tem lá fora!

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Deadboy - Aquellare De fato, desde que criaram uma barricada, atravessando o carro atrás do portão, a faculdade tinha se tornado um matadouro. Dezesseis mortos. Com a juíza a contagem chegava a dezessete. Anyel e Trent olhavam atentos a discussão entre o policial e o habilidoso sushiman, por hora tinham se esquecido de suas visões, paixões e nem sequer tinham se falado. Trent desmaiou logo que se sentiu a salvo dentro do carro. Mas palavras não eram necessárias. São dois lados da mesma moeda. Anna a médica tentava em vão procurar por sinais vitais, em meio uma crise de ciúme em ver o novo membro do grupo com aquela menininha sem sal. Anyel sabia que o pesadelo piorava a cada segundo, mas o fato daquele garoto estar ao seu lado à mantinha incrivelmente calma, mesmo tendo presenciado um assassinato a sangue frio há poucos instantes, e antes disso ver seus parceiros de grupo criar um rio de sangue com os ferimentos causados aos funcionários que também acabaram por causa um ferimento no braço do membro mais velho do grupo. Anyel nada pode fazer quando Toshio e Heitor entraram em combate. - Faça alguma coisa eles vão acabar se matando!! Trent saiu do estado de torpor com a suplica da doutora. Aquilo era inevitável, era quase impossível manter a sanidade numa situação como aquela. Todos queriam sobreviver. Todos queriam sair daquele pesadelo regado a sangue, tripas e mortes. Mas era evidente que tudo estava caindo aos pedaços. Desejou que todos morressem. Só queria aquela menina, e um lugar aconchegante para esclarecer as coisas. Quando Toshio cravou a faca no abdômen de Heitor, o que se ouviu foi um gemido, seguido de um estalo. Um tiro. O corpo do jovem asiático desabou para trás. - Ai meu Deus... Ai meu Deus... Por que você fez isso seu idiota!?!? Maldito!

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Willian Vasconcelos - Por que ta tão histérica doutora!? Nós todos vamos morrer, você não percebe? - Vai pro inferno seu cretino!! </</P> - Vou sim... Mas como sou cavaleiro... Mulheres primeiro! – e novamente um tiro se fez ouvir pela faculdade, e novamente um corpo cai sem vida, e novamente o sangue jorra. - Agora é a vez de vocês... Um casal tão bonitinho, mas que infelizmente vai ter que morrer... - Você não precisa fazer isso cara... – disse Trent entrando na frente de Anyel - Ah não preciso é? – retrucou o policial cambaleando por causa do ferimento que o jovem asiático tinha lhe imposto. - Não cara não precisa, nós vamos achar um jeito de acabar com essa merda toda que ta acontecendo! - Sim, e eu já achei o modo de acabar com essa merda toda! Você é burro ou que? Acha que isso é uma epidemia de gripe? Nós estamos totalmente isolados porra! Santa Lucia toda está sem comunicação, é como se não existíssemos para o mundo ai fora... Além disso, tem um mar de defuntos sedentos e famintos ai fora! Não vem com essa de que “vamos dar um jeito nisso” por que não resposta pra essa merda que ta acontecendo porra! Trent sabia que o que o policial dizia era verdade, também pensava dessa forma. O mundo caia aos pedaços e ele concordava. - Vai a merda Heitor! Você vai deixar a gente ir então, se quiser estourar seus miolos que estoure então, não temos nada a ver com isso! Anyel sentia uma angustia e um frio insuportável tomar conta do seu peito, algum ruim iria acontecer. Tudo desmoronou em uma madrugada. Os sinos da Catedral ainda tocam. A chuva não cai mais. O garoto dos seus sonhos ela finalmente encontrou.

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Deadboy - Aquellare - Desacato a autoridade é crime passível de morte agora sabia? O estampido rompeu o silencio. A bala rasgou o ar, elevando a temperatura deste. Uma curta e ferina língua de fogo surgiu. Antes mesmo que os ouvidos de Anyel e Trent pudessem processar o barulho, o projétil encontrou seu alvo. Primeiro rasgando a derme do tórax do jovem, depois estilhaçando e transpondo músculos e a costela, para finalmente parar sua trajetória no coração. Trent sentiu o peito arder, como se estivesse em chamas, a visão ficou turva, as pernas sem forças, sentiu um grande frio na espinha, ajoelhou-se, tateou o chão gélido, observou que uma pequena camada de gelo começava a recobrir o piso do corredor, por fim rendeu-se e caiu. Em um ultimo esforço pode reconhecer os sapatos de Anyel passarem flutuando ao seu lado, raspando apenas a ponta, como uma mistura de patinadora do gelo e bailarina, seria uma alucinação? Não teve tempo para indagar, antes de desmaiar pode ver uma mecha prateada esvoaçando e decorando o ambiente que cheirava a sangue e pólvora, a medo e desespero. Anyel teve a sensação de que o tempo parou e ela dormiu por um segundo assim que Heitor disparou contra Trent, e ao voltar a si era como se uma parte gélida dentro dela tivesse despertado. Quando se deu por conta, sua transpiração gélida criava fumaça no ar, típica de dias frios, deslizava com grande imponência, tentava parar e ajudar Trent, mas seu corpo não obedecia, era como se estivesse passageira de seu próprio corpo, como um fantasma aprisionado numa prisão sem muros. Ela viu Trent ir ao chão e olhar incrédulo para a sua pessoa, tudo emoldurado por uma mecha de cabelo prateado, brilhante como cristal. - Deus... – murmurou Heitor segurando sua ferida no abdômen e tentando se proteger do frio que tomara o ambiente.

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Willian Vasconcelos - Ele não pode te ajudar mortal – A voz sedutora, rouca e fria foi pronunciada por Anyel. Heitor só teve tempo de sentir dedos delicados, mas extremamente fortes enrodilhar em seu pescoço, e uma pressão absurda começou. O policial tentava em vão pedir por perdão, mas sua voz não era ouvida, resumindo a uma chuva de saliva. Como podia uma garota tão frágil como aquela que ele acolheu em seu grupo sufocá-lo com apenas uma mão? A ignorância mata e ele ia descobrir da pior forma possível. Logo um frio caustico tomou conta da região da sua ferida. Num esforço sobre-humano tentou ver o que acontecia. Uma fina placa de gelo circundava a região, funcionando como uma espécie de luva para a mão da garota de cabelos prateados passear por suas entranhas, ela tinha cabelos prateados? Sentiu o corpo esfriando, o pulmão endurecendo, estava morrendo. Em seu ultimo suspiro, pode observar a face de sua algoz, e agradeceu a Deus por poder morrer e não ter que encarar aquela face metade anjo, metade demônio; metade garota, metade morta. Mas ainda assim extremamente sedutora. Anyel então se virou e flutuou em direção a Trent, se ajoelhou e pôs o ouvido em seu peito. Por entre seus cabelos prateados luminosos ela sorriu. Podia escutar o som dos tecidos se regenerando... Realmente ela tinha encontrado a pessoa que tanto procurou, tomou o corpo inerte do amado em seus braços e deslizou sumindo nas sombras a procura de um lugar aconchegante para que Trent pudesse repousar, deixando para traz o que por um instante foi sua família, agora eram somente cadáveres.

FIM DA PARTE II

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Deadboy - Aquellare

Capítulo 10 Pés Doloridos

3º PARTE: O ANDARILHO E SUAS HISTÓRIAS

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Willian Vasconcelos

A manhã era de nevoeiro e um frio alucinante. Se você prestar atenção, conseguirá ouvir passos. Passos pesados. Passos pesados que parecem caminhar a séculos. E se realmente você prestar atenção vai ouvir entre os passos um som de algo pesado sendo arrastado. Esses passos começaram a ser percorridos há 30 anos. E o que você está lendo agora está acontecendo antes da primeira linha que leu aqui. Estou contando a você sobre Ferrez, o andarilho que carrega o pesado esquife por muitos anos. Ferrez o encontrou quando tinha 18 anos. O livro de seu avô realmente estava certo. O altar da catedral era falso. Ele não pensou que aquele tampo de madeira maciça que demorou uma eternidade para ser deslocado o suficiente para seu corpo passar significasse algum tipo de “não entre”. A catacumba começava em um corredor estreito e baixo. A lanterna ajudou. Realmente era um corredor extenso. Era uma cripta toda de pedra. O cheiro era nauseante. O que Ferrez queria com uma tumba escondida em uma igreja? Ouro? Tesouro? Não, apenas se livrar do tédio mortal que corroia as entranhas. - Eduja-em... Coração disparado. Adrenalina injetada. Reações. Estado de alerta. Caramba estava ouvindo coisas! Ferrez tentou conter a respiração para acalmar-se. Estava difícil. Parecia que estava dentro de um jogo de tiro em terceira pessoa, como Doom ou Quake. - Eduja-em... Não era a droga de um jogo. Eram duas da madrugada. E realmente ele ouviu algo. Estranhamente ele sentiu atraído em direção a ampla sala no fim do corredor. Ao passar pelo arco de pedra que servia de porta sentiu um enorme peso nas costas. Era como se tivesse trabalhado horas e horas em serviço pesado. Sentiu-

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Deadboy - Aquellare se massacrado. O facho de luz da lanterna revelou o que a sala continha. O esquife. Em cima de uma mesa de pedra. Aquellare. Em letras garrafais. Por todos os lados. Notou também que o corredor continuava mais a frente. - Obrigado – disse uma voz soturna – você mortal sabe aonde estão minhas noivas? -Quem tai porra? A-aparece! - Calma jovem. Não irei te fazer mal. - Cadê você? - Aqui neste caixão. - Deus... – disse Ferrez tentando se manter em pé. - Quase isso, meu jovem. Preciso de um favor... - Você tá vivo? Caramba como escuto sua voz aqui na minha cabeça? - Depois explico... Preciso de um favor, ajuda-me? -Não vou te tirar daí nem a pau! Deve ta só a carcaça... - Eu prometo que lhe pago muito bem... E agora Ferrez arrasta o caixão. “Encontre minhas noivas meu jovem”. Isso ficou ecoando durante décadas na cabeça do pobre garoto entediado. A oferta ele não pode recusar. “Afinal, ele só quer se casar” foi o que pensou na hora. Mal sabia ele que sairia da sua pacata vila no litoral da Espanha para andar até os confins onde ficava a região da Mesopotâmia. Quando começou a arrastar o caixão pela continuação do corredor da cripta que acabava em uma pequena gruta, Ferrez não imaginou que seu mestre enclausurado era. E nunca poderia imaginar a história que aquela voz lhe diria.

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