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Conheça o time de football da cidade de Cajamar, em São Paulo
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI | CURSO DE JORNALISMO | 5º SEMESTRE | TURMA VO MANHÃ | 2018-1
QUEM SOMOS Reitor Prof. Paolo Tommasini Gerente das áreas de Artes, Comunicação, Design e Educação Prof. Renato Tavares Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Nivaldo Ferraz Coordenadores Adjuntos do curso de Jornalismo Prof. João Elias Nery Profa. Maria Cristina Rosa de Almeida Produção de Revista Profa. Nara Lya Cabral Scabin Fotojornalismo e Planejamento Visual II Prof. Elcio Sartori Redação e diagramação Alicia Batista Gabriel Nascimento Marina Amaral Rudiney Freitas Wemerson Ribeiro
CARTA AO LEITOR N
o ano de 1969, em excursão pela Nigéria, Pelé ajudou a parar a Guerra de Biafra, um confronto civil que assolava o país africano. Na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, a cambaleante Gabrielle Andersen usou suas últimas forças para completar a maratona olímpica feminina. Na África do Sul, a nação negra abraçou sua seleção de rugby permeada por atletas brancos pouco depois do fim do Apartheid. O esporte é um dos fenômenos sociológicos mais impactantes nas sociedades ao redor do mundo. Se apresenta, por diversas vezes, como uma ferramenta de auxílio social, uma grandiosa maneira de resgatar o que o indivíduo tem de melhor a oferecer, mesmo que seja preciso verbalizar essas virtudes através de movimentos corporais. É impossível dissociar o esporte da sociedade, e vice-versa. A DESPORTO surge com o intuito de levar ao leitor o conhecimento de histórias que vão além do âmbito esportivo. Nossa filosofia é apresentar personagens que compartilham sonhos, decepções, conquistas e amarguras, mas ainda assim continuam expressando o que carregam dentro de si pelo uso, mesmo que indireto, da prática esportiva. Na editoria “Tupiniquim” desta revista estão os perfis dos que sonham por dias melhores e veem no esporte uma possibilidade para isso. Em “Vozes”, reportagens que buscam humanizar seus personagens. Há também, nesta edição, uma entrevista com o nadador Leonardo de Deus, textos opinativos, como crítica e artigo, além de poemas, porque, afinal, não é possível falar de esporte sem uma pitada de poesia. Prestes a começar a vigésima primeira edição da Copa do Mundo, também abordamos o mundial nesta edição da DESPORTO, em crônica, artigo e notas sobre a maior competição de futebol do mundo. Agora depende de você, leitor. Permita-se compreender o esporte além da disputa e das limitações técnicas das regras. Imagine os personagens desta primeira edição como pessoas que, como boa parte dos brasileiros, têm sonhos e amam esse bálsamo chamado esporte. Bem-vindo à DESPORTO.
EQUIPE ALICIA BATISTA
GABRIEL NASCIMENTO
MARINA AMARAL
RUDINEY FREITAS
WEMERSON RIBEIRO
SUMÁRIO PERFIL - DO SUSTO AOS PÓDIOS .............................................. 06 ARTIGO - DE OLHO NO LANCE! ...................................................................... 08 CRÔNICA - DUZENTOS MILHÕES DE NELSONS .................................... 09 ENTREVISTA - LEONARDO DE DEUS ................................................. 10 REPORTAGEM - FUTEBOL AMERICANO EM SP........................................................................... 13 REPORTAGEM - VENDEDOR DE CANNOLI ....................................................................... 17 CRÍTICA- ÍCARO (NETFLIX) ....................................................................... 20 REPORTAGEM - À MODA ITALIANA ................................................................................ 21 ESPECIAL - CURIOSIDADES DA COPA ................................................................................. 23 POEMAS ..............................................................................24 REPORTAGEM - SKATE COMO ESTILO DE VIDA ............................ 25 PERFIL - O FUTEBOL ENTREOLHARES ......................................... 30
TUPINIQUIM
DO SUSTO AOS PÓDIOS Mesatenista paraolímpico desde 2012 pela AACD, Paulo Cesar de Oliveira pratica também crossfit, musculação e dá uma aula de perseverança TEXTO: MARINA AMARAL
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/ DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
Fotos: Marina Amaral
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No dia 26 de junho de 1995, entrei no Senai para fazer o curso de mecânica geral. No intervalo das aulas, era aquela bagunça e diversão. Descobri o tênis de mesa e começamos, eu e meus amigos, a jogar nos intervalos. Percebi que eu tinha uma boa noção da modalidade. A partir de então, criei gosto, aprendi mais sobre ela e comecei a competir”, relembrou Paulo Cesar, em uma quarta-feira ensolarada na cidade de Santo André. Na sala, ao lado de dois sofás cinzas e com uma feição leve, Paulo recorda um pouco da sua passagem pela faculdade e do trabalho que conseguiu antes do acidente que o deixou paraplégico em 2008: “Entrei na Volkswagen com quatorze anos e tive que parar de jogar devido aos compromissos profissionais. No dia 18 de agosto de 2002, eu estava a caminho do trabalho, era um final de semana, de sábado para domingo, e parece que tudo mudou”. Paulo Cesar de Oliveira nasceu há 37 anos na cidade de Santo André, município brasileiro da Região do Grande ABC Paulista, onde reside até hoje. De estatura média, pele clara, barba cerrada e cabelos curtos e pretos, é apaixonado pelo esporte e pela vida. Enquanto entrávamos em sua residência, um sobrado branco de três cômodos com portões antigos e descascados, no bairro de Vila Vitória, gatos começaram a aparecer e observaram, com olhar desconfiado, a visita incomum de uma estudante de jornalismo. Na sala, o tapete escuro gerava reflexos sobre as paredes brancas, que estavam repletas de quadros e objetos de decoração. Eram presentes de amigos, imagens de inspiração pessoal e molduras com medalhas conquistadas em campeonatos.
Paulo tem dois bronzes em Campeonatos Paulistas de tênis de mesa
Ao me aproximar de Paulo, notei que ele transparecia um ar ressabiado diante de minha presença, até então, desconhecida. Ajudei-o a colocar algumas cadeiras na sala para iniciarmos um diálogo de minutos. Em meio a um cenário improvisado, perguntei a ele como tinha acontecido o acidente que mudou a sua vida. Com a voz embargada, disse: “Parei atrás de um cidadão no semáforo. Quando abriu, ele continuou parado. Como eu estava atrasado, dei um sinal de luz alta e ele continuou parado. Cortei pela esquerda e, como não vinha carro nenhum, fui embora”. Pensou que teria ganhado eslocamento cotidiano, até que percebeu que estava sendo seguido. “Fui fazer uma curva para a esquerda e, quando eu fiquei frente a frente, ele atirou. A bala entrou pelo vidro, passou por debaixo da axila e atravessou o pulmão. A bala atingiu a quinta vértebra torácica e seu calor seccionou a medula por completo e me deixou paraplégico”. Um sorriso acanhado indicava que Paulo tinha ainda mais coisas para contar. A ESPERANÇA NO ESPORTE De repente seu pai, Jesus Cesar, de 64 anos, entra na sala. Todos levam um susto. Receptivo e simpático, me cumprimentou e se interessou pela conversa que estava tendo com Paulo, mas com vergonha, disse algumas palavras para o filho e saiu no mesmo momento. Naquela tarde ensolarada, ele seguiu para continuar sua jornada de trabalho. Jesus é motorista e vive o dia inteiro de um lado para o outro na cidade. Os gatos brincavam ao redor da casa e Paulo continuou a me contar sobre a sua vida antes de se encontrar no esporte. “Preferi viver, seguir a vida, não voltei a trabalhar por motivo burocráticos, mas quando recebi a notícia de que iria me aposentar por invalidez, comecei a me dedicar ao esporte.”
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Existem dois caminhos: o de se entregar ou seguir em frente”.
Antes do ocorrido, ele não pensava em seguir no esporte, era apenas um hobby, jogava bola como toda criança. Passarinhos cantavam, o sol escaldante e as lembranças da infância
começavam a aparecer. Algumas lágrimas caiam sobre o rosto de Paulo. Eram lembranças boas, mas saudosas. Foi com pouco ânimo e muito incentivo que, após dez anos do acidente, a musculação, o crossfit e o tênis de mesa viraram atores principais em sua vida. Através de amigas que já praticavam, foi parar na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). O GOSTINHO DA VITÓRIA “Manter minha saúde forte era o meu objetivo. Não gosto de falar que sou exemplo para ninguém, mas muitas pessoas começaram a se espelhar e ver que é possível continuar depois de uma lesão medular”. Se dedicando ao máximo nesta vida nova, ao chegar na aula de crossfit, ele viu aquela corda que fica pendurada para exercícios de resistência e pediu ao professor para subir. Destemido e corajoso, foi e deixou todos boquiabertos. “Era o meu momento, tinha que arriscar”. Com todo o apoio da equipe, Paulo treina todos os dias, com o objetivo de fortalecer cada vez mais a sua saúde e autoestima.
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A vida não espera. Corra atrás dos seus sonhos”.
Em alguns segundos, muitas cenas passaram em sua cabeça: as conquistas, as medalhas e toda dedicação e perseverança que tinham renascido. Com um olhar confiante e brilhante, saiu com sua cadeira de rodas e foi até um dos cômodos buscar alguma coisa. Esperei por pouco tempo e, quando voltou, vi que mal cabiam em suas mãos o grande número de medalhas conquistadas. “Primeiro campeonato brasileiro que fui, que estava federado e podia participar, peguei medalha de bronze por equipe e foi uma conquista bem satisfatória depois de 6 meses de preparo”. Além do brasileiro, ganhou ouro, prata e vários bronzes no campeonato Paulista. O treinamento não é fácil, a rotina é diária e cansativa. De segunda a sexta em vários lugares, horários e modalidades diferentes. Realmente sua vida tinha mudado para melhor. Paulo perguntou se eu não queria to-
mar um café ou água, nesse momento ele respirou fundo, olhou dentro dos meus olhos e disse “quer conhecer meu carro? Ele é todo adaptado, vai ser uma experiência diferente”. Na hora, eu me levantei, os gatos também mostraram inquietude e fomos até a garagem. Era bonito de ver o orgulho que estava sentindo. Podia fazer tudo, dirigir, sair sozinho se precisasse, só não conseguia fazer nada que estivesse no alto. Voltamos para a sala para finalizar a conversa que já ultrapassava algumas horas.
Paulo coleciona premiações
O FIM DO RECOMEÇO O calor aumentava, mas o nervosismo tinha ido embora. Parecia uma conversa entre irmãos. Curiosa para saber sobre a modalidade adaptada, Paulo me contou algumas curiosidades. Na China usa-se a nomenclatura “Ping Pong”, geralmente destinado para o lazer, mais popular, porém no Brasil usa-se a expressão tênis de mesa, mais técnico e complexo. Em todos os campeonatos oficiais, cadeirante joga somente contra cadeirante, a única regra é que o saque não pode sair da lateral da mesa. O restante funciona igual. São 5 sets, quem ganhar 3 elimina o adversário e o tempo é independente. Com o olhar voltado para o céu azul que predominava aquele dia limpo, Paulo ficou emocionado pela oportunidade de contar novamente a superação que teve, e que a escolha de seguir em frente foi a melhor que fez na sua vida.
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OPINIÃO
DE OLHO NO LANCE!
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TEXTO: WEMERSON RIBEIRO | IMAGEM: DIVULGAÇÃO / FIFA.COM
ra começo de conversa: de que lado você está? Imagino que, se você for mais saudosista e suspira quando vê os lances de quando o mundo era preto e branco, provavelmente você é contra a inclusão da tecnologia no futebol. Do mesmo modo, se Messi e Cristiano Ronaldo são seus eleitos para os melhores atletas da história do futebol e você não perde as rodadas da Premier League ou da Champions por nada, você deve estar mais propenso a acreditar que a arbitragem de vídeo (VAR ou Video Assistent Referee) cairá como uma luva nos gramados brasileiros. Mas acalme-se: se você não se encaixa em nenhum desses perfis citados, permita-se ter uma opinião. Eu tenho a minha. Diferente do quadro da polarização política, aqui você não é nem “coxinha”, nem “mortadela”. Nem tucano, nem petralha. Tampouco revolucionário versus contrarrevolucionário. Nesta discussão, é permitido ter vários lados, inclusive. No vôlei, a arbitragem de vídeo existe há pelo menos uma década. No tênis, a mesma coisa. Ouso dizer que o futebol americano – aquele em que a bola é oval e joga-se com as mãos – é o que melhor se utiliza dela, desde o excelente sistema de comunicação entre os juízes aos recursos de imagem utilizados, sempre rápidos e decisivos. A tecnologia surgiu nas competições de alto nível como um recurso de auxílio aos árbitros e árbitras – falíveis e corruptíveis, nos piores casos. No mais-que-centenário futebol, ela apareceu só no começo da segunda década do século XXI para resolver o problema de quando existe a dúvida sobre se a bola entrou ou não na meta. A “tecnologia da linha do gol” deixou de ser uma ideia quando as principais federações da Europa, como
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Inglaterra e Alemanha, adotaram o projeto em seus campeonatos da elite profissional. Na América do Sul, berço de muitos craques lendários e terra do “joga bonito”, sequer a maior competição da CONMEBOL, a Libertadores, dispõe desta ferramenta. A justificativa é econômica. Sim, você leu certo. A confederação sul-americana de futebol disse não achar financeiramente sustentável o uso desses equipamentos em seus torneios, mesmo com seus lucros crescendo cada vez mais a cada ano. Ironicamente, em 2017, depois de sofrer inúmeras críticas sobre a má qualidade da arbitragem latina, os engravatados sediados no Paraguai resolveram pular um estágio e adotaram o árbitro de vídeo a partir das semifinais da Liberta. No meio disso tudo, o Brasil só observou sem tomar posição. Até o começo de 2018, pelo menos. Em meio aos campeonatos estaduais deste ano, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) reuniu presidentes dos principais clubes do país para definir se adotaria o VAR no Brasileirão, carro-chefe da federação, e nos outros torneios organizados por ela, como a Copa do Brasil. Sem um projeto bem estabelecido e plano duvidoso para arcar com os
custos, que iriam todos para os times, tudo foi feito para a proposta não ser aprovada. E de fato não foi. Os números são os seguintes: 1 milhão de reais pedido para cada agremiação da primeira divisão, a maioria delas afundadas em dívidas, somando 20 milhões para todo o aparato tecnológico. No ano passado, a entidade esboçou receber 1 bilhão de reais – parte da quantia de contratos publicitários e televisão –, um recorde caso se confirme. Também em 2017, entrou em acordo junto à FIFA para o recebimento de cerca de 100 milhões de dólares como fundo do legado da Copa – este um pouco sumido, é verdade. A CBF só engana os mais desavisados e decisão contrária é tiro no pé da antiga Confederação Brasileira de Desportos, dos louváveis João Havelange e Ricardo Teixeira. O esporte bretão é o único que flagra tanta rejeição à ferramenta. Já foi provado por “A mais B” – ou por “Grondona mais Dualib” – que depender da subjetividade humana para, muitas vezes, decidir um campeonato em um lance decisivo é, no mínimo, arriscado. Tão cercado de jargões, o futebol deveria abraçar mais um: “Toda ajuda é bem-vinda”. Se a CBF e seus dirigentes relutam em aceitar o recurso, posso afirmar com toda certeza que é porque ele representa um avanço no esporte. Aliás, nem se atreva a falar essa palavra perto deles: “avanço”. O polêmico árbitro de vídeo estará presente na Copa do Mundo e a tendência é que você se acostume a ele. Lembra que eu disse que você pode ter vários lados no debate? Permita-se a isso ou escolha o seu.
OPINIÃO
DUZENTOS MILHÕES DE NELSONS Quando até quem não acompanha futebol com frequência rói as unhas e grita “gol” TEXTO: RUDINEY FREITAS
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Esse envolvimento do torcedor brasileiro com a seleção canarinho faz sentido a um mês do certame da Fifa. Após o humilhante 7 a 1, veio Dunga. Com ele, dois anos desperdiçados e uma coleção de eliminações. Em 2016, Tite chegou e foi responsável por devolver o brilho brasileiro – nas quatro linhas e nos olhos do torcedor amargurado. Marcelo, Neymar, Coutinho, Gabriel Jesus... Gol! Partida oficial, Adenor ainda não perdeu nenhuma. “Ninguém será capaz de parar o escrete brasileiro. Os bravos leões do técnico Tite encantam os mais amargurados vira-latas, agora já ébrios por tamanho talento. Convertem os mais profanos e questionam até os mais fiéis”. Talvez fosse mais ou menos assim que Nelson Rodrigues escreveria no “Jornal dos Sports” sobre a
Divulgação: Lucas Figueiredo / CBF
restes a começar, a Copa do Mundo vai pedindo passagem e o clima já vai esquentando por todos os cantos. O vizinho ranzinza se rende e decora a sacada de verde e amarelo, o sobrinho completa o álbum de figurinhas, os bolões dos jogos já começam a circular nos grupos de “WhatsApp” e até aquele tiozão indiferente ao futebol durante quatro anos já pergunta o horário da partida de estreia do Brasil. Nos dias de jogos, a sala de estar se torna um verdadeiro espaço para estudos comportamentais. Olhos vidrados na televisão, unhas sendo lentamente roídas,pés tremelicando para lá e para cá, e, de repente, um som uníssono de “gol” toma conta do ambiente. O controle remoto voa longe, a pipoca se esparrama pela sala, a criança – até então distraída – se assusta, todos se abraçam e se esforçam para ver o “replay” enquanto retornam aos seus lugares. A união que a seleção brasileira causa entre os brasileiros durante a Copa é de fazer inveja aos mais experientes diplomatas da ONU.
seleção brasileira um mês antes da Copa. Em sua máquina de escrever Hermes 3000, refutaria qualquer cético que ousasse questionar o favoritismo da seleção canarinho na Copa da Rússia. Seria preciso cautela, Nelson. A pentacampeã chega à Rússia como uma das favoritas, mas divide holofotes com verdadeiros colossos do riscado, como Espanha, Alemanha e França. Apesar dos números a favor e da aparente facilidade perante os adversários nas eliminatórias, a pentacampeã travou diante da desfalcada Inglaterra, em amistoso realizado em novembro do ano passado. Partida movimentada, menos no placar. Zero
a zero. Nada de distopias, claro, mas uma dose homeopática de prudência sempre costuma cair bem. Em território russo, vinte e três jogadores vão representar o sonho de milhões. A seleção brasileira, entidade do Éden futeboleiro, tem o povo consigo, jogadores do mais alto nível para decidir partidas e uma imprensa encantada. Não é o tempo de Garrincha, Vavá e Pelé. É o momento de Coutinho, Neymar e Gabriel Jesus. O encanto pelo futebol tupiniquim segue o mesmo – e é impossível não se encantar. Nelson Rodrigues, um apaixonado, se deliciaria.
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BATE-BOLA
LEONARDO DE DEUS, UMA ESPERANÇA OLÍMPICA Um dos mais destacados nadadores brasileiros, conta, nesta entrevista, sua trajetória de vida em doze anos de carreira diante de expectativas e dificuldades. TEXTO: MARINA AMARAL
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eonardo Gomes de Deus, nascido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, é um nome de destaque na natação brasileira. O atleta disputa diferentes provas e estilos, mas sua especialidade são as de meio fundo (200 metros Borboleta e Costas e 400 metros livres). O jovem de 27 anos tem conquistado espaço e marcas satisfatórias dentro do esporte com duas semifinais em Olimpíadas, bicampeonato Pan-americano, finalista de Mundial e quebra de recordes. “Seja como a água fazendo o seu caminho através de rachaduras. Não seja assertivo, mas ajuste-se ao seu objetivo. Você deve sempre encontrar uma maneira de atingi-lo.” Quando você percebeu que a natação era para a sua vida? Comecei a fazer o esporte como qualquer outra criança, aos onze anos de idade. A minha família sempre foi muito ativa, meu pai jogava tênis e minha mãe praticava natação. Como lazer, decidi apreciar a natação mais de perto e acompanhar minha mãe nos treinos. A curto prazo, desenvolvi minhas capacidades físicas com a prática de 500 e 1000 metros, e minha primeira experiência foi pelo Clube do Remo. Me federei, realizei treinos aos poucos e criei um gostinho pela competitividade. Quando menos imaginei, estava no meio do esporte. Como você se profissionalizou? Meu pai, militar e aposentado, se mudou para Brasília, e eu e minha família, sempre unidos, fomos junto com ele. Comecei a treinar de verdade com o Hugo Lobo, que atualmente é diretor/presidente do CTA (Centro de Treinamentos Aquáticos), há 12 anos na AABB/DF (Associação Atlética Banco do Brasil), e foi aí que decidi
ver a natação como um trabalho e algo profissional. Decidi que ser um atleta é começar toda essa carreira, buscar algo no esporte e aprender a tomar decisões rapidamente. Na época, eu era baixinho, gordinho e desacreditado, porém fui muito perseverante. Precisava que um clube me bancasse, algo grande e de modo que eu pudesse treinar com atletas grandes. Então, em 2008, recebemos a proposta do Minas Tênis Clube. A família se separou pela primeira vez, meu pai continuou em Brasília e eu, minha mãe e minha irmã fomos para Belo Horizonte. Minha mãe começou a estudar, pois viu a necessidade de me dar um apoio na parte nutricional. Isso foi um divisor de águas na minha carreira. Obtive bons resultados e conquistei meu espaço, mesmo sendo um momento difícil de adaptação em uma cidade totalmente diferente da que estávamos acostumados. Em 2010, você recebeu um convite para treinar nos Estados Unidos. Por que decidiu não ir? Não queria sair do Minas [Tênis Clube], gostava da equipe e foi lá que obtive um grande salto na minha carreira. Surgiu a oportunidade de treinar nos Estados Unidos, mas, como eu era muito novo, tinha muito receio de irmos somente eu e minha mãe.
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O sonho não era somente meu e sim da família inteira”.
Não estava pronto e nem sabia se ia dar certo. Surgiram aqueles medos normais e por fim resolvi ficar no Brasil. Saí do Minas em 2010 e vim para
São Paulo com a família. Recebi a proposta de treinar no Esporte Clube Pinheiros por seis meses com o Alberto Silva, hoje técnico da principal seleção brasileira masculina, e senti o peso de representar um dos maiores clubes do Brasil. Comecei a fazer a mesma coisa, com treinos e ganho de espaço. Meus pais sempre comigo, tudo a favor para dar resultado. Foi a melhor época da minha vida, me tornei campeão Pan Americano e os patrocínios começaram a aparecer. Você permaneceu durante quatro anos no Sport Club Corinthians Paulista. Como foi essa experiência? Na época já tinha 21 anos e pensei em continuar em São Paulo com a minha família, por estar ao lado das pessoas que me ajudaram, investiram em mim e no meu sonho. Entretanto, uma das coisas que afligia era o pensamento “eu não posso dar errado”. Fui para o Corinthians e fiquei quatro anos por lá. O clube me proporcionou muitos resultados, fui finalista e semifinalista de Mundial, tanto em Londres quanto no Rio de Janeiro, e a luta era contínua para estar em uma final olímpica. A diretoria e a presidência do clube mudaram e os investimentos para a natação caíram. Foi quando eu me desliguei do clube e surgiu o interesse da UniSanta [Universidade de Santa Cecília], de Santos. Existe toda uma estrutura na parte de viagens, competições e fisioterapia. Com esse crescimento, uma das coisas mais importantes foi a parceria com a CareClub, uma clínica de Medicina do Esporte onde realizo a parte de preparação física, recuperação e massagem com profissionais competentes e de confi ança, que me ajudam no trabalho de desenvolvimento dentro do alto rendimento. DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 11
Fotos: Gabriel Nascimento
BATE-BOLA
O nadador Leonardo de Deus vai em busca do ouro nas Olimpíadas do Japão em 2020
Dentre essas idas e vindas, qual foi sua maior dificuldade? Meus pais sempre fizeram de tudo, portanto a parte financeira nunca foi um obstáculo. O que realmente complica é a parte mental. Eu pensava “será que vai dar certo?”. A busca pela motivação é árdua. Já fui para duas Olimpíadas, duas semifinais, fui bicampeão pan-americano, recordista pan-americano, finalista de mundial..., mas, e agora? Esse esforço implacável de persistência e incentivo é diário, pois a rotina é cansativa, mas todos os profissionais que estão comigo me mostraram que eu podia chegar lá e que tudo era possível. Hoje, estou em uma rotina de preparo para as Olimpíadas de Tóquio 2020, conquistar novos objetivos dentro do esporte e alcançar a minha tão sonhada medalha olímpica. Como é a rotina de um atleta profissional? Quando lidamos com o corpo é fundamental se conhecer bem, respeitar o descanso e saber lidar com a parte psíquica. É uma rotina pesada e cansativa. Treino de segunda a sábado, dois períodos no dia, menos 12 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
no sábado, quando só treinamos de manhã. Tem a parte fora da água como musculação, pliometria, fisioterapia, massoterapia e a parte dentro d’água. A alimentação é fundamental nesse processo. Nosso corpo é nosso ganha pão, nosso resultado, temos que cuidar como ninguém. São sacrifícios que nos submetemos por conta do esporte que muitas pessoas leigas não sabem. O treinamento acontece o dia inteiro, duas horas e meia de manhã, duas horas e meia a tarde dentro d’água, uma hora e meia da parte física e mais uma hora na parte de recuperação com aquecimento e alongamento. Ao todo são 8 horas por dia. É difícil percorrer essa estrada a que poucos se propõem e chegam lá. Têm muitos atletas que com vinte anos de idade não ganham nada, mas acreditam que um dia vão chegar lá. Isso é o que move o esporte: o atleta ter perseverança e força de vontade. O sonho de todo atleta é entrar na Seleção Brasileira. Como tem sido essa passagem da sua vida? Foi um sonho de garoto e hoje, ao fazer parte dele, me sinto realizado
por todos os momentos e situações que vivi pelo esporte dentro da Seleção Brasileira. A partir do momento em que você representa seu país lá de fora, é motivo de muito orgulho. São emoções que nós atletas sentimos dentro de nós, nos motivando e dando força nessa caminhada árdua. Você começou a estudar educação física. Como está sendo conciliar a faculdade com os treinos? Comecei a estudar Educação Física na UNIP (Universidade Paulista) da Chácara Santo Antônio, no início de 2017. Estou no terceiro semestre e não está sendo fácil. Minha rotina é muito corrida: vou para o treino, parte física, depois para casa, almoço, descanso, vou para o treino da tarde, volto para casa, me alimento e depois vou para a faculdade. Os professores compreendem, mas não podem fazer milagre. O primeiro ano foi bem ruim, mas agora consigo lidar melhor e passar sem nenhum susto pelo semestre.
VOZES
FUTEBOL AMERICANO GANHA ESPAÇO NA GRANDE SÃO PAULO
Fotos: Alicia Batista
Time da cidade de Cajamar inova ao praticar esporte pouco conhecido pela população
Time masculino do Cajamar Hunters joga na modalidade Full Pad
TEXTO: ALICIA BATISTA
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futebol é o esporte mais popular no Brasil. Até mesmo os brasileiros que não simpatizam conhecem alguma regra. Sendo o mais tradicional, também ficou registrado como uma das grandes paixões nacionais e uma das marcas do país internacionalmente – devoção eternizada pelo jornalista Nelson Rodrigues em sua célebre expressão “pátria em chuteiras”. Mas não é essa a tradição que preenche as manhãs de domingo no “Campo do Doze”, no distrito de Polvilho, cidade de Cajamar. Quem
passar por lá verá cerca de cinquenta pessoas treinando um esporte sobre o qual grande parte da população nacional conhece pouco – ou nada. Esse grupo compõe o time de futebol americano Cajamar Hunters, que nasceu em dezembro de 2015 na cidade de 73 mil habitantes, localizada a quarenta quilômetros da capital paulista. Ir ao treino desse time significa ouvir diversos termos em inglês. “Touchdown”, “end zone” e “quarterback” são algumas das palavras que se escutam ao acompanhar os integrantes.
Até mesmo o nosso futebol é referido como “soccer”e o treinador chamado de “coach”. As atividades começam às oito horas da manhã com alongamento e aquecimento de todos os jogadores das duas modalidades praticadas: “Full pad” e “Flag”. A segunda etapa consiste em treinos específicos. O time masculino se divide em pequenos grupos de acordo com a posição que cada jogador exerce no jogo – ataque, defesa e times especiais –, enquanto o feminino pratica suas jogadas em conjunto. Por úlDESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 13
VOZES timo, os rapazes fazem a simulação de uma partida de “Full pad”, acompanhada de perto pela equipe feminina. Para complementar o treinamento feito todos os domingos, os atletas trabalham o condicionamento físico durante a semana por meio de musculação e outras atividades, como corrida, por exemplo. Mas também é necessário estar informado sobre a parte “teórica” do esporte, como contou o treinador Alexandre Paladino: “Além da parte teórica, estudada a partir do ‘playbook’ [livro com informações sobre o esporte/time] para saber sobre regras e sobre jogo, é necessário se informar sobre o que você está fazendo, por que você está fazendo, por que fez essa situação e não fez aquela situação. Então, tem que se habituar ao jogo e ler muito, estudar muito”. HISTÓRICO E MODALIDADES A iniciativa de levar o futebol americano – ou “football”, para os mais íntimos – para a pequena cidade da
Grande São Paulo veio da vontade conjunta de Paulo Neto, presidente e jogador do Hunters, e alguns amigos que já gostavam do esporte. “Conversamos, surgiu a ideia e decidimos tentar montar um time em Cajamar para ter uma modalidade a mais, porque fazia tempo que não havia um esporte novo por aqui, que chamasse a população para conhecer algo novo”, afirmou Neto. Inicialmente, o time masculino jogava na categoria “Flag” e, em 2016, chegou a disputar campeonatos nessa modalidade. No ano seguinte, iniciaram a migração para a categoria “Full Pad” e agora se preparam com treinos e jogos amistosos para a “Pick-SixCup”, campeonato que engloba times da região metropolitana, Vale do Paraíba, Litoral e interior de São Paulo e começará em julho deste ano. Já as caçadoras – apelido do time feminino – iniciaram suas atividades em 2017 no “Full Pad”, mas realizaram a transição para a modalidade “Flag” a fim de atrair mais praticantes.
Segundo as jogadoras, existe muito receio por parte das mulheres em relação à prática devido ao intenso contato físico. “[Mudamos] porque as mulheres têm medo do “Full pad”. Você vai convidar alguém e a pessoa já fala ‘ah, mas vou treinar com aqueles homens gigantes, com a mulherada gigante, vou me machucar, tem aquele contato, vou quebrar meu joelho’”, afirmou Michele Lento, atleta da equipe. Algumas delas conheceram o Hunters e o apresentaram para outras amigas, que acabaram entrando no time. As redes sociais também são um forte aliado para a divulgação dele. Uma das integrantes, Michele Lento, conheceu a equipe pelo ambiente online. “Eu sempre gostei de assistir futebol americano e pensei ‘será que não tem nenhum [time] por aqui? ’ Então, fui procurar na internet, encontrei e desde o ano passado estou aqui”, disse. Para recrutar atletas, são feitas seletivas anualmente, em que os interessados fazem testes físicos para participarem do time.
Time feminino treina na modalidade Flag, que não possui contato físico e as jogadas são paradas quando o adversário pega uma das fitas - “flags” - localizadas na cintura do jogador que está com a bola
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Após os treinos divididos, o time faz a simulação de uma partida Full Pad. Na foto, jogo-treino com o time “Black Panthers”, de São Paulo
Existe ainda a possibilidade de ingresso em outras épocas do ano. Segundo o presidente do Hunters, “a gente quer que seja um esporte abrangente na nossa região, por isso deixamos as portas abertas para quem quiser praticar, vir e conhecer o esporte.” MODELO DE NEGÓCIO Mantido por meio da colaboração mensal dos atletas, o Hunters possui uma equipe gestora composta por seis pessoas, entre elas o presidente, diretores e equipe de comunicação, além de uma comissão técnica com dois treinadores e um estudante de fisioterapia. As mensalidades são utilizadas para manter o time, custeando o transporte dos técnicos, que moram em São Paulo, e a compra de equipamentos para os jogadores que não possuem condições financeiras para adquirir os materiais necessários. A gestão está baseada no
modelo de “associação esportiva”, ou seja, é um time sustentado pelos seus jogadores. Por isso, o clube não pode finalizar o ano com quantia em caixa, já que se trata de uma instituição sem fins lucrativos, como explicou o presidente Paulo Neto: “Revertemos este dinheiro da mensalidade sempre em prol do time, porque do jeito como ele está montado não pode ter um caixa, tem que rodar o dinheiro. Não podemos finalizar o ano com um valor grande, então temos que gastar. Por exemplo, se chegar ao fim do ano com 500 reais, fazemos uma festa para gastar o valor”. Essa forma de gerir é o que permite que o time esteja apto a participar de programas de incentivo ao esporte, um dos objetivos da administração do Hunters. Esses programas auxiliam na parte financeira de uma organização esportiva e possibilitam reduzir os custos para os atletas. “Como muitos times são amadores e na maioria das vezes mantidos pelos
próprios jogadores, o fato de ter uma verba destinada ao desenvolvimento é bem melhor”, explicou Neto. RESPONSABILIDADE SOCIAL Para desmistificar o estereótipo que ainda recai sobre o esporte e difundir o time dentro da cidade de Cajamar, existe uma preocupação em mostrar o outro lado do futebol americano. Segundo o presidente do Hunters, Paulo Neto “O preconceito com o futebol americano é muito grande aqui em Cajamar; não só na cidade, mas no Brasil, até por causa do futebol”. De acordo com ele, muitas pessoas acham que a modalidade norteamericano “destrói o gramado” e que os atletas querem “roubar o espaço” do esporte mais tradicional do país. Por isso, ele instrui os jogadores a mostrarem que não possuem essa postura, com a “ideia de não ser só mais um time que joga pelada de final de semana, e sim, fazer o bem para a DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 15
VOZES população da cidade”. Tudo isso para que a população “entenda que o time é mais do que esporte, são pessoas preocupadas com o futuro de Cajamar”. O time procura colaborar com as necessidades existentes no município. “Infelizmente, aqui em Cajamar tem enchente, então a gente busca sempre ajudar com arrecadação de roupa, alimentos, esse tipo de coisa”, afirmou Neto. Em 2017, junto com a Diretoria de Esportes da cidade, alguns atletas realizaram a pintura de uma pista de corrida localizada em uma das praças mais movimentadas do município. Além disso, a equipe possui planos futuros para ações sociais mais ambiciosas, atraindo outros tipos de público, como contou o treinador Paladino: “A ideia aqui no Cajamar Hunters é fazer um projeto social com as crianças também”.
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O time é mais do que esporte, são pessoas preocupadas com o futuro de Cajamar”
O ESPORTE Muito popular nas universidades norteamericanas, o futebol americano surgiu no século 19, nos Estados Unidos, justamente em uma partida entre as universidades estadunidenses Havard e Yale. O esporte possui duas “Full Pad” possui maior contato físico, como explicou Alexandre Paladino: “Tem todo o equipamento envolvido – capacete, “sholders” [protetor de ombros], luvas, joelheiras – e é onde tem mais contato, você só para a jogada quando derrubar o seu adversário que esteja com a bola”. Os times são divididos em ataque, defesa e times especiais, e essas divisões entram em campo em determinadas jogadas. O principal objetivo é chegar à zona final do adversário – “end zone” – segurando a bola, o maior número de vezes possível, o que caracteriza o “touchdown”. Isso 16 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
contabiliza seis pontos para o time que está atacando. Outra forma de pontuar é por meio do “field goal”, jogada em que o “kicker” (jogador do time especial que dá o pontapé inicial na partida) deve chutar entre as traves “Y” a partir do local em que o ataque parou. Se acertar, o time acrescenta três pontos ao placar; se errar, perde a posse de bola e deverá colocar a equipe de defesa em campo. A modalidade “Flag” 5x5, praticada pela equipe feminina do Hunters, se caracteriza principalmente por não ter contato físico, mas também possui o objetivo de alcançar a “end zone” do time rival e conquistar o “touchdown”. Cada atleta utiliza duas bandeiras – “flags” – amarradas na cintura. As jogadas são paradas quando a defesa consegue remover uma das fitas de quem está com a posse de bola ou impedir um lançamento. Contatos propositais caracterizam falta. FUTEBOL AMERICANO NO BRASIL Um time de futebol americano em uma pequena cidade brasileira mostra como esse esporte tem ganhado simpatizantes em nosso país nos últimos anos. De acordo com uma pesquisa online feita pela Ibope Repucom, em 2017, o Brasil possui cerca de 15,2 milhões de pessoas que se declaram fãs da modalidade. Esse crescente interesse é evidenciado pelos números de audiência dos canais da televisão brasileira que transmitem a principal liga de futebol americano dos Estados Unidos, a NFL (National Football League). O Brasil é atualmente o segundo maior mercado da competição fora dos EUA. No último Superbowl, evento que marca a final da NFL e que aconteceu em fevereiro deste ano, a ESPN, wque transmite os jogos no Brasil, liderou a audiência entre as emissoras de TV por assinatura no país. Paulo Neto, presidente do Cajamar Hunters, acredita que essa crescente audiência atrai novos jogadores. “Muitos atletas chegam aqui falando que já viram os jogos na televisão, que sabem o nome dos jogadores”. O consultor da CBFA (Confederação Brasileira de Futebol Ame-
ricano), maior órgão regulamentador do esporte no país, Ítalo Mingoni, disse que existem, em média, 320 equipes desse esporte no Brasil e já são mais de sete mil atletas cadastrados.
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O público tem procurado também equipes para praticar o esporte, o que está contribuindo muito para o crescimento do futebol americano aqui no país”.
De acordo com ele, “com esse interesse na transmissão dos jogos americanos, o público tem procurado também equipes para praticar o esporte o que está contribuindo muito para o crescimento do futebol americano aqui no país”.
MODALIDADES FULL PAD ATAQUE: Quarterback; back; Wide Receiver. Tight End; Center; Offensive Guard; Offensive Tackle. DEFESA: Defensive Tackle; Defensive end; Outside Linbackers; Cornerback; Safety. ESPECIALISTAS: Kicker, Punter, Long Snapper. FLAG 5x5 Snapper; Quarterback; Passador; Corredor; Blitzer.
Fotos: Rudiney Freitas
TUPINIQUIM
O MENOS CÉLEBRE VENDEDOR DA JAVARI A vida de um comerciante que faz dos jogos de futebol uma oportunidade TEXTO: RUDINEY FREITAS
E
m uma tarde escaldante de sábado, torcedores do Clube Atlético Juventus começaram a encher a famosa Rua Javari, na Mooca, Zona Leste de São Paulo. Animados pelo batuque de instrumentos regido por torcedores uniformizados ao lado do Estádio Conde Rodolfo Crespi, casa do time do Moleque Travesso, alguns fãs do time juventino tentavam aliviar o calor comprando copos de água e latinhas de refrigerante. Outros, ao invés disso, faziam um círculo em volta de Wilson, um senhor de óculos e com bigode farto. Com uma caixa de plástico transparente e cheia dos tradicionais “cannoli” em mãos, o homem de estatura média e sorriso fácil conversava com os
clientes enquanto pegava a guloseima para entregar aos compradores. Wilson Armando de Santis é vendedor de “cannoli” na Rua Javari há pouco mais de um ano e meio. O doce, muito popular entre os moradores do bairro da Mooca, consiste em uma massa doce frita em formato de tubo recheada com um creme de ricota. De origem italiana, proveniente da região da Sicília, o “cannolo” – singular de “cannoli” no idioma original – conquistou o paladar dos torcedores juventinos de São Paulo, de muitas cidades ao redor do mundo e até das telonas. “Leave the gun, take the cannoli” (ou “deixe a arma, pegue os ‘cannoli’”) – já anunciava mafioso Peter Clemenza no clássico O Poderoso
Chefão. No Brasil, a iguaria da terra da bota sofreu adaptações no recheio, que também pode ser encontrado em sabores como baunilha e chocolate. Ao me aproximar de Wilson, comento sobre o sucesso da sobremesa, e ele logo me convida a provar um. Pergunto se irá demorar a entrar no estádio para aumentar as vendas, mas o comerciante é categórico: “Não vendo lá dentro, é lugar do Sr. Antônio”. Desconversa, fecha a caixa de doces e continua o bate-papo com um torcedor e cliente juventino já idoso. O outro vendedor a que Santis se refere é Antônio Garcia, uma celebridade na região. Vendedor de “cannoli” há muito mais tempo, Garcia já coleciona participações em DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 17
TUPINIQUIM programas de televisão, nos quais falou de sua história e do processo de produção do doce. É figura celebrada nas arquibancadas do estádio do Moleque Travesso e faz a alegria dos torcedores juventinos durante os intervalos das partidas. Mas Wilson não se queixa, admite a impossibilidade de disputar vendas com Garcia e prega humildade. “O Sr. Antônio não é meu concorrente, eu sou o concorrente dele”, afirmou. Como Wilson não entra no estádio para vender, combino de conversarmos após a partida perto de um bar, na mesma Rua Javari. Dentro do acanhado Conde Rodolfo Crespi, a bola sofria com o calor do gramado e insistia em não rolar, pulava de cabeça em cabeça até chegar um zagueiro e mandar a pelota para longe. Juventus e Oeste disputavam três pontos na última rodada do Campeonato Paulista da Série A2; o Moleque Travesso, sem chances de classificação, apenas cumpria tabela. Já o Rubrão almejava uma vaga para a Série A1, a ser disputada em 2019. Os torcedores do Juve passaram grande parte do tempo alternando o uso de suas bocas entre gritos de motivação para o time e mastigadas nos “cannoli”. Mas não adiantou muito. Em uma partida de muita vontade por parte dos jogadores, mas nem tanto primor técnico, o Juventus acabou derrotado por 2 a 1, o que encaminhou a classificação para o Oeste. Cabisbaixos e resmungando, os poucos fãs do time grená foram deixando as arquibancadas de cimento e madeira e partiram rumo a suas casas. PODE ME CHAMAR
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DE WILSON “Um é quatro, três é dez!”, repetia Wilson do lado de fora do estádio, um pouco mais à frente do portão principal. Ao lado de um Corsa escuro, aproveitava a saída dos torcedores para vender os “cannoli” que haviam sobrado. “Ô, meu querido!”, gritou ao me ver, enquanto vendia as guloseimas para quem passava. “Quando o pessoal sai, é o horário que eu consigo vender. Depois não consigo vender mais”, me contaria minutos depois. Wilson Armando de Santis é paulistano, nasceu no bairro do Brás, em 14 de fevereiro de 1962. Atualmente morador do Ipiranga, é casado e tem duas filhas; uma mora em Florianópolis (SC) e a outra com ele, em São Paulo. Já avô, não esconde a felicidade ao falar que outro neto está a caminho. Quando toco no assunto de seu comércio, Santis pondera que vende o doce italiano apenas em dias de jogos e que, mes mo com a ajuda na renda mensal que as vendas lhe trazem, trata o negócio como um “bico”. “Não vivo disso. Já fui vendedor da [cerveja] Itaipava, hoje estou parado, mas semana que vem vou começar a trabalhar em uma distribuidora. Tenho 36 anos de vendas, cara. Com 20 anos de idade, comecei a tentar vender cerveja que ninguém queria”, conta com seu sotaque característico da Mooca. O SURGIMENTO DA IDEIA A ideia de vender “cannoli” surgiu muito tempo após os anos dedicados ao comércio de bebidas. A inspiração veio do irmão, que diz considerar
como um pai. No início, comprava os canudinhos – base para o doce – de sua cunhada a R$ 2,00 cada. Começou fazendo o recheio e depois sentiu a necessidade de produzir, ele próprio, também a massa. Hoje em dia, é Santis quem cuida de todas as etapas da produção. Orgulhoso do aprendizado, não deixa de fazer comparações com Antônio, o ilustre vendedor da Javari. “O Sr. Antônio vende a R$5,00 cada um, eu vendo três por R$10,00. Se eu vender 100 “cannoli” hoje, pra mim, tá bom demais”. Wilson é sujeito simpático e de muito traquejo. Atende os compradores e tenta usar de seus anos de experiência como vendedor para fazer o cliente se encher de “cannoli”. Com as mãos ágeis ao pegar as caixinhas com os doces, vai engatando perguntas aos fregueses e, se eles dão espaço, de repente já começam uma longa e profunda conversa, que só é interrompida quando mais alguém passa em frente a seu carro. “Um é quatro, três é dez! Olha o “cannoli”, meu querido!”, lança de supetão. Quando relembra suas decisões no passado, assume uma posição de conselheiro. Pega no meu ombro e, com a voz mais pausada, relata seus inúmeros causos. Naquela tarde sábado, duas vezes as lágrimas lhe varreram o rosto. A primeira ocorreu ao falar de um acontecimento que considera inusitado e de grande importância para continuar suas vendas. Certa vez, estava vendendo o doce em frente ao Rodolfo Crespi e ofereceu a guloseima a uma mulher que chegava ao estádio. Mas Wilson não sabia que essa senhora era es-
O doce é uma das iguarias que o torcedor encontra indo às partidas do Juventos
O estádio do Juventus é um dos mais tradicionais de Sâo Paulo
posa do Sr. Antônio, seu concorrente. “Eu tinha medo, todos falavam: ‘Você é louco, véi, tá vendendo “cannoli” em frente ao Juventus, você é louco!’ Ela então me disse: ‘meu filho, o sol nasceu pra todos.’ Quando aquela senhora chegou e me falou aquilo…”, interrompeu o depoimento, com a voz embargada e lágrimas nos olhos. A segunda vez em que se emocionou foi ao falar do que afirma ter sido seu único sonho na vida. Com 28 anos, não mediu esforços para alcançar o posto de trabalho que mais almejava. “Fiz um currículo e mandei. Três vezes. Meu sonho era trabalhar na Coca-Cola. Toda hora eles me recusavam. Eu já tinha oito anos de convivência com bebida. Já trabalhei na Itaipava, Schincariol, Brahma… O único sonho que eu tinha era trabalhar na Coca-Cola. Fui falar com o gerente lá e perguntei: ‘você pode me dizer por que vocês não me contratam?’ E ele falou: ‘companheiro, aqui nós formamos vendedores, não pegamos veteranos.’
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O único sonho que eu tinha era trabalhar na Coca Cola”
Por que ele não falou isso antes? Eu não perderia meu tempo. Três anos mandando meu currículo…”
De repente, Wilson já enxugou as lágrimas e está contando outras de suas histórias, dessa vez bem mais alegre. “Teve um cara que chegou e perguntou ‘quanto que é?’ [o doce]. Pegou o “cannoli”, começou a comer… pensei ‘esse já está vendido!’. Ele saiu andando e falou ‘obrigado!’. Saiu sem me pagar. Fui atrás dele e perguntei ‘por que você não me pagou?’ Ele me respondeu ‘por que não gostei.’ Mas ele comeu os três! Ele comeu os três! Porra, meu, se fosse um, tudo bem. Mas ele comeu os três!”. O futebol sempre esteve presente na vida do vendedor veterano, o “macaco véio”, como Wilson mesmo gosta de dizer. Fala com muito orgulho do tempo que passou jogando bola no Juventus quando era ainda pequeno. A paixão pelo time grená, no entanto, hoje divide espaço em seu coração com um clube tricolor, o São Paulo Futebol Clube. “Sou juventino e são-paulino. Todo Juventino tem dois times”, diz convicto. O tempo passou e a bola nos pés não lhe trouxe maiores conquistas. O jeito mesmo que encontrou de ficar perto do futebol foi vendendo “cannoli”. E se engana quem pensa que as vendas sempre se limitaram à Rua Javari, pois Wilson já foi até ao estádio do Palmeiras e da Portuguesa para comercializar, apesar de admitir com bom humor seu insucesso no jogo da Lusa. “Fui vender [“cannoli”], mas os caras não gostam. Me ferrei lá. Talvez se eu tivesse levado
bolinho de bacalhau…”
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Sou juventino e são-paulino. Todo juventino tem dois times”
Quando pergunto por quanto tempo pretende continuar atuando em frente aos estádios, Wilson é taxativo. Diz que não pretende exercer a tarefa por sua vida toda; na verdade, já não consegue se imaginar comercializando o doce nem nos próximos dez ou quinze anos. A noite vai caindo, os poucos os torcedores vão se dispersando, o movimento de carros na Javari também diminui e até o barulho nos bares ao lado do estádio cessa. Se não conseguir vender todos os “cannoli”, Wilson vai para outras ruas oferecer a outras pessoas. Não gosta de voltar para casa com doces. Enquanto a noite não chega de vez, continua com sua estratégia de sempre. Sorri, mostra os doces para quem passa e repete seu bordão. “Um é quatro, três é dez!”.
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OPINIÃO
ÍCARO: A EXPERIÊNCIA QUE LEVOU À DENÚNCIA DE UM ESQUEMA DE DOPING NO ESPORTE RUSSO Documentário retrata escândalo que retirou a equipe de atletismo russa das Olimpíadas Rio 2016
Divulgação
TEXTO: ALICIA BATISTA
A
plicações de substâncias como testosterona na coxa e muito treinamento físico. É assim que tem início o documentário de invenção “Ícaro”, dirigido por Bryan Fogel. O longa possui, a princípio, o objetivo de realizar uma experiência diferente: o próprio diretor, que é ciclista amador, decide utilizar drogas para aumento do desempenho físico, a fim de competir no “Tour de France” – competição de ciclismo amador que acontece na França – e mostrar que consegue passar sem ser pego pelos exames “antidoping”, comprovando a fragilidade do método. Para isso, Fogel contata o químico russo Grigory Rodchenkov para receber apoio científico. Naquele momento, Rodchenkov era diretor do laboratório “antidoping” da Rússia, até então considerado um dos mais eficientes do mundo. Tudo muda quando, no meio da produção, às vésperas das Olimpíadas Rio 2016, descobre-se um escândalo no esporte russo: um esquema de uso de “doping” por atletas
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profissionais de diversas modalidades. A partir daí o longa ganha outra abordagem. O relato passa a mostrar os desdobramentos do esquema em que Rodchenkov estava envolvido, acusado de ajudar esportistas russos a participarem de diversas competições mundiais utilizando substâncias proibidas. Ganhador do Oscar 2018 na categoria de melhor documentário, “Ícaro”– cujos direitos foram adquiridos por cerca de cinco milhões de dólares pela Netflix – faz jus à estatueta. Com o principal depoente do escândalo, a produção documenta os bastidores de um dos acontecimentos mais graves na história recente do esporte mundial. Além de contar com as confissões do ex-diretor russo e explicações de como funcionava a fraude no sistema “antidoping”, também apresenta respostas de importantes nomes do cenário esportivo, como o próprio presidente da Agência Mundial Antidoping – Wada. “Ícaro” possui uma notável quantidade e qualidade de fontes, por isso passa credibilidade. Após a descoberta do escândalo, Grigory decide deixar a Rússia por sentir que sua segurança estava ameaçada e fica asilado na casa de Bryan Fogel, diretor do filme, nos Estados Unidos. A relação dos dois se torna mais próxima, e quem assiste ao documentário percebe a preocupação de Bryan em relação ao futuro do russo. Uma das cenas marcantes é a chegada de Rodchenkov ao aeroporto de Los Angeles, onde é recebido por Fogel. O relacionamento dos dois é de grande importância, já que a ajuda de Bryan Fogel permitiu que Grigory Rodchenkov chegasse aos Estados
Unidos e pudesse contar tudo o que sabia. Com isso, ele entrou para o programa de proteção a testemunhas e atualmente vive nos EUA, para fugir das ameaças que recebe desde quando iniciaram as revelações. Outra cena com muita emoção se dá quando Grigory recebe a notícia da morte de seu amigo de adolescência, Nikita Kamayev, ex-chefe da agência “antidoping” da Rússia. De acordo com a versão oficial, Kamayev sofreu um ataque cardíaco, mas seu amigo demonstra desconfiança em relação à verdadeira causa da morte. A qualidade fotográfica acerta, e em alguns momentos o público até se esquece de que se trata de um documentário devido à qualidade da captação das imagens e à forma como as pessoas filmadas agem diante das gravações. Explicações a respeito de como eram feitas as manipulações e troca de recipientes com amostras dos atletas são dadas através de ilustrações acompanhadas de uma narração, o que proporciona ao espectador uma forma didática de entendimento. “Ícaro” certamente deve estar na lista de filmes de todos os que se interessam por esporte – e também por política. Mostrar evidências de uma denúncia que não envolve apenas instituições “antidoping” e atletas, mas também o governo da Rússia, intensifica o caráter investigativo e o tom denunciante do documentário.
Ficha técnica
Nome: Ícaro (Icarus) - 2017/EUA Direção: Bryan Fogel Roteiro: Jon Bertain, Bryan Fogel, Mark Monroe, Timothy Rode Duração: 121 min.
À MODA ITALIANA Um esporte antigo que reúne apaixonados ao fim do expediente TEXTO: RUDINEY FREITAS
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uando a noite cai e o movimento de carros diminui, um amplo salão em uma rua escondida de São Paulo ganha vida. Da calçada, já é possível ouvir os gritos de comemoração, as lamúrias, e o forte som de bolas rígidas que se batem. É com essas ações que todas as quartas e sextas-feiras, amantes da Bocha, um esporte pouco conhecido, se encontram em busca de manter viva uma tradição milenar. No Clube da Comunidade Vila Olímpia, em São Paulo, mais de dez homens se reúnem em volta de uma cancha - local de disputa do jogo - para celebrar o fim do expediente. “Um lugar para se distrair e se divertir”, é como Alcides Godoy define o clube no qual é presidente. Sentado, com um cigarro aceso, e uma voz pausada que dá ares de reflexão em suas frases, Godoy diz que é integrante do Clube Comunidade Vila Olímpia há aproximadamente doze anos. O que o atraiu pela casa, no entanto, foi outro amor seu, também com bolas que batem umas nas outras, mas as que são movimentadas por um taco. “Sempre passava por aqui [rua do clube], via a mesa de snooker - bilhar, e então um dia entrei para jogar. Depois comecei aos pou-
cos a jogar bocha e, um ano depois, já me tornei presidente [do clube]”, conta de maneira orgulhosa.
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Um lugar para se distrair e se divertir”
A casa na qual Godoy preside participa dos torneios da Federação Paulista de Bocha e Bolão (FPBB), e as quartas e sextas-feiras são os dias que os praticantes da Bocha utilizam para treinos, acompanhados de cervejas e muitas risadas. “Um jogador deve estar sempre se aperfeiçoando, deve jogar sempre para ganhar. Se não, apenas se distrai, não evolui. Isso também é o interessante do jogo”, diz Godoy, enquanto arruma o óculos e dá uma tragada no cigarro. A Federação Paulista de Bocha e Bolão (FPBB), sediada no bairro do Tatuapé, em São Paulo, cuida dos torneios nos quais participam diversos clubes filiados. Os campeonatos acontecem aos finais de semana, e um clube visita o outro para dis-
putar as partidas. Os certames são bem ecléticos, permitem que diversos tipos de pessoas compitam, em categorias para homens, mulheres e juvenis. “O clube inscreve o sócio; se o jogador já conhecia o esporte antes, eu mesmo chego e falo para ele participar”, conta Godoy, ao explicar como funciona o cadastro de um jogador do clube nos campeonatos. “Mas o sócio deve ter um tempo disponível para jogar aos domingos. Saímos 8h para jogar fora [em outro clube]”, destaca o presidente ao falar do compromisso que o praticante inscrito no campeonato deve ter. “Se não tiver tempo, é besteira entrar”, finaliza. Apesar dos compromissos que os torneios costumam cobrar dos participantes, quem não deseja competir, ou ainda não está preparado, pode frequentar o clube apenas pela diversão. “Amizade, parceria, brincadeiras; no clube só vem pessoas bacanas e a gente vai se curtindo”, conta o empresário Otávio Vallado, que diz encontrar no clima do clube a razão para frequentá-lo por mais de duas décadas. A rotina de Vallado, no entanto, não permite que vá sempre DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 21
Fotos: Rudiney Freitas
VOZES
VOZES
Alcideis Godoy, presidente do Clube Comunidade Vila Olímpia
ao Comunidade Vila Olímpia. “Tenho um restaurante, venho quando consigo dar uma fugida para tomar uma cerveja”, conta em meio a risadas e convites dos amigos para disputar uma partida de Bocha, que começará nos próximos minutos. UMA ORIGEM DISTANTE Diz-se que há muitos séculos o ser humano já pratica atividades recreativas utilizando objetos esféricos primeiramente a pedra e depois outros materiais. As atividades, pouco a pouco, foram se aperfeiçoando e ganhando regras e parâmetros. Delas, surgiram diversos esportes que conhecemos hoje, e, por ter uma origem também muito distante, é impreciso afirmar quando surgiu a Bocha. Há historiadores, no entanto, que datam o esporte desde a Grécia Antiga. Para Roger Nelson Steiger, escritor do livro “O emocionante espetacular esporte da bocha”, não há muitas dúvidas de que a prática tenha surgido na Itália, e suas primeiras atividades tenham acontecido durante o Império Romano, quando era jogada com o nome de boccie. UNA STORIA ITALIANA Foi a partir da década de 1870 que diversos navios abarrotados de italianos começaram a atracar nos portos brasileiros. A imigração atin22 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
Clube coleciona títulos conquistados na cidade de São Paulo
giu seu ápice entre as décadas de 1880 e 1910, quando um grande fluxo de italianos pisou em solo tupiniquim em busca de trabalho e rumou para o Sul e Sudeste do Brasil. Em um país visto como terra nova de oportunidades, os italianos compartilharam sua força de trabalho e um esporte ainda novo por aqui, o já modernizado boccie. Com o passar dos anos, a Bocha começou a ser praticada em clubes, empresas e locais públicos. Assim como o crescimento fabril pelo território brasileiro, uma paixão milenar arraigou quase que na mesma proporção. E se engana quem pensa que a Bocha é um esporte apenas para idosos. É uma prática que envolve “vários exercícios, inclusive o pensar”, como declarou em uma noite pacata de quarta-feira, Alcides Godoy, o presidente do Clube Comunidade Vila Olímpia.
A BOCHA O “campo” de jogo: em um terreno plano e nivelado, as canchas devem possuir cerca de 27,5 m de comprimento e entre 2,5 a 4 m de largura. Participantes: A disputa pode ser individual ou entre equipes. Objetivo: Consiste na marcação de pontos através do lançamento de bolas; a intenção é de que as pelotas se aproximem de um ponto determinado aleatoriamente pelo lançamento de uma esfera inicial, o bolim. Quantificação: A depen- der da organização do torneio.
TÁ ROLANDO
CURIOSIDADES DA COPA D
ia 14 de junho, milhões de espectadores ao redor do planeta irão concentrar as energias em torno da Copa do Mundo. Dessa vez, a parada é na Rússia. O país, famoso por sua história, recebe a 21ª edição do Mundial FIFA. Será nessas terras que 32 seleções irão em busca da taça, inédita para a maioria delas. O Brasil, maior campeão, vai em busca da sexta estrela no peito. TIMES ESTREANTES Em todas as edições da Copa do Mundo, sempre houve pelo menos uma seleção estreante. Em 2018, na Rússia, será a vez de Islândia e Panamá. O país nórdico está no grupo D e irá estrear em uma partida contra a Argentina. Enquanto isso, a seleção latino-americana estreará contra a Bélgica, com quem divide o grupo G. Zabivaka “O pequeno goleador” é o mascote da Copa da Rússia
QUEM FICOU DE FORA? Algumas grandes seleções não se classificaram para a Copa do Mundo 2018. Nesse grupo estão Itália, Holanda e Chile. A consagrada seleção italiana, tetracampeã mundial, não se classificou na repescagem das Eliminatórias da Copa em partida contra a Suécia. A Holanda ficou em terceiro lugar no grupo A, sem conseguir passar para a repescagem. Já os chilenos ficaram em sexto na tabela geral dos sul-americanos.
OS CRAQUES ESQUECIDOS Em todas as Copas, há jogadores celebrados que ficam de fora do Mundial. Além de Buffon, Robben e Sanchez que não vão à Rússia porque suas seleções não se classificaram, há casos de atletas que foram “esquecidos” pelos treinadores. Alguns nomes são Rabiot e Benzema, da França, Morata e Pedro, da Espanha, Götze, da Alemanha, Icardi, da Argentina e Nainggolan, da Bélgica. OS CAMPEÕES O grupo de campeões do mundo é bem seleto – são apenas oito integrantes. O Brasil tem cinco títulos, Itália e Alemanha conquistaram qua-tro, Argentina e Uruguai possuem dois canecos, e Inglaterra, França e Espanha carregam uma estrela no peito. AS CASAS DA COPA Onze cidades serão responsáveis por hospedar a Copa do Mundo. Moscou, São Petersburgo, Kazan, Sochi, Caliningrado, Níjni Novgorod, Samara, Volgogrado, Saransk, Rostov-on-Don,e Icaterimburgo têm palcos para receber os times. A SELEÇÃO CANARINHO Desde a estreia de Tite, a seleção brasileira está invicta em jogos oficiais. A primeira partida sob o comando do técnico foi contra o Equador, na sétima rodada das Eliminatórias da Copa, com uma vitória por 3 a 0. O último amistoso aconteceu contra a Alemanha, primeiro encontro após o histórico “7 a 1”, que resultou em 1 a 0 para o Brasil. Destaques do time: Tite defende que uma das maiores forças da seleção é a coletividade. Porém, não nega os atletas talentosos que es-
O Brasil é cinco vezes campeão mundial
tão no elenco. Na meta, tem goleiros como Alisson e Ederson; na defesa, Thiago Silva e Marcelo; Casemiro, Philippe Coutinho e Willian como meio-campistas, e, no ataque Gabriel Jesus e Neymar dão brilho a um coletivo forte. JOGOS DA PENTACAMPEÃ A seleção brasileira inicia a busca por mais um título no dia 17 de junho. A partida será contra a Suíça, às 15h, na Arena Rostov, na cidade de Rostov-on-Don. O segundo jogo acontecerá contra a Costa Rica, em 22 de junho, às 09h, no estádio Krestovsky, em São Petersburgo. Para fechar a fase de grupos, o Brasil enfrentará a seleção da Sérvia, no dia 27 de junho às 15h, no estádio de Spartak, em Moscou.. DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 23
DEVANEIOS
POEMAS
TEXTO: RUDINEY FREITAS
PRÉVIA SUDAMERICANA
SONHO E SUOR
Qual é teu nome?
Penumbra, é terça Entalo, nó na garganta Sofrimento, espera Reprimido, já canta
Suor escorre Lava o rosto imberbe O Sol castiga, surra Faz com que se rebele
Pela voz Um tormento É Liberdade! O alento
Respira, relembra Da vida, da fome Chutar, chorar
Quem faz milhares sorrirem E chorarem na mesma intensidade A quem celebram De quatro em quatro anos A reunião de 32 países?
Pedro Martín Bolívar
O beque afasta a redonda Que sobe, dança no ar O pequeno une forças Se perde no campo
Canto, batuque Cor, la hincha Encanto, Pelé, Garrincha
Tem capacidade de parar guerras Levar enfermos aos templos sagrados Consegue encantar quem na vida Só enxerga desencanto
Pensa em bobeiras Vontades, caprichos Mas também no encanto
Quando a reunião começa Tu traz o que de mais belo Pode fazer conosco Unir tribos, ideologias, paixões
BOLA QUE ROLA
QUEM ÉS TU?
Me diga, quem és tu? Não tema, diga!
Sorriso aberto Respiro, recomeçar Afago n’alma Chute colocado Bola gasta a rolar
Qual é teu nome? Quem é que pipoca Nas telas país afora?
Grito de alegria Breque, balanceio Passe escocês O drible, um passeio Mistura, hit, samba Jazz e Jongo Miles Davis E Lupita Nyong’o
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Me diga, quem és tu Não tema, diga!
Tão apaixonante e complexo que é Talvez nem tu mesmo saiba teu nome
Quem faz qualquer pessoa De repente querer te seguir? Qual é o sinônimo pra tanta Felicidade no rosto desses aqui? Me diga, quem és tu? Não tema, diga! Quem nasceu no Reino Unido Mas de tão universal uniu reinos? Dos pés dos abastados chegou Aos mais humildes, contentes por te descobrir
VOZES
MAIS DO QUE UM ESPORTE: UM ESTILO DE VIDA
Fotos: Gabriel Nascimento
Skatistas contam a transformação da prática esportiva do skate e como ela transformou suas vidas
Victor do Nascimento Gonçalves treina suas manobras na pista de skate do bairro da Saúde, São Paulo
TEXTO: GABRIEL NASCIMENTO
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elógio desligado: não há hora marcada para encerrar boas conversas. Risadas à toa, compartilhamento de manobras, histórias e estilo de vida. No olhar de cada skatista, é possível identificar paixão. Para eles, não há tempo ruim, basta um ”shape” montado, um tênis e uma boa turma para transformar tudo ao seu redor no melhor ambiente possível para a prática do que amam. Desde o meio da década de
1960, quando o skate surgiu no Brasil, sua prática se iniciou nas ruas e, por esse contato mais próximo ao cotidiano das pessoas, foi condicionado à perspectiva artística e cultural – estava associado ao lazer e não ao profissionalismo. Nos anos de 1970, começou a ser difundido como um esporte no Brasil e, nesse período, o mercado profissional dessa atividade foi crescendo e modificando a forma que a sociedade olhava para ele. Hoje, vive-se um momento de
forte popularização dessa atividade. O skate se tornou esporte olímpico, conquista cada vez mais pessoas e movimenta cerca de um bilhão de reais por ano no Brasil, segundo a Confederação Brasileira de Skate, com base na pesquisa da “SGI EUROPE” em parceria com a “Adventure Sports Fair” e a promotora alemã ISPO (Sports Business Network). Nesse contexto, há duas culturas do skate que se misturam: estilo de vida e prática profissional. DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 25
VOZES A ENTRADA NO BRASIL O skate surgiu nos Estados Unidos na década de 1950, e a versão mais aceita para explicar seu surgimento remete à insatisfação de grupos de surfistas da Califórnia. Eles não conseguiam praticar o surfe devido à falta de ondas das praias, então, como solução, substituíram-nas pelas ruas. Pegavam pranchas de madeira, colocavam rodas de patins e saíam andando pela cidade. Eram conhecidos como “surfistas de calçada”. No começo da década de 1960, depois do futebol, o surfe era um dos esportes que mais chamavam a atenção dos jovens em São Paulo. Eles usavam roupas que estampavam as marcas patrocinadoras do esporte aquático, mas poucos conseguiam praticar profissionalmente. Na época, o esporte não contava nem com uma federação no Brasil. O surfe conquistava a admiração dos fãs por meio de revistas, fitas e, às vezes, pela televisão. A revista era o canal que mais se comunicava com esse público e, por ela, eles conheceram os “surfistas de asfalto”. A primeira revista brasileira desse esporte, “Brasil Surf”, publicou matérias sobre a prática do skate pelos californianos e, em seguida, começou uma movimentação em alguns estados do Brasil em torno do que chamava de “surfinho” – uma referência às manobras feitas no asfalto que parecem aquelas feitas do mar. ENCONTRO COM O “SHAPE” Cada skatista tem a sua história de encontro com o “shape”. Na maioria das vezes, elas dizem muito sobre o motivo pelo qual começaram a andar e continuam até hoje. Idade, amigos, bairro, pistas, música, moda e família são alguns dos exemplos que demonstram a influência do contexto social e histórico para a escolha do skate como estilo de vida ou prática profissional. Roberto Alves, 56, conta que, em 1974, aos 14 anos, ganhava o seu primeiro “shape”:“Cara, na época o meu skate ainda era o ‘bandeirantes’. A parada era feita de madeira compensada e as rodas eram adap26 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
tadas. Nem considerava um skate, pra mim era mais um brinquedo, mas ali foi o meu encontro com a parada”, afirma. A vontade de praticar o esporte nas ruas era tão grande que, em 1997, um jovem do outro lado da cidade, no Parque das Cerejeiras, extremo sul de São Paulo, trocava a sua bicicleta nova por um “shape” usado. Josuel Paulo da Silva, 33, conta como foi o seu encontro com o material: “Tinha treze anos e havia acabado de assistir um filme sobre skate. Estava animado, queria muito ser skatista. Alguns dias depois, apareceu um cara vendendo um skate ‘tubarão’ e achei demais. Como queria muito um, troquei minha bicicleta nova por ele sem pensar duas vezes. Meus pais ficaram putos comigo, me fizeram tentar pegar a bicicleta de volta, mas o cara já estava longe”, conta Cerejeira – como é conhecido pelos amigos. Victor do Nascimento Gonçalves, 16, conheceu o esporte pelascompetições transmitidas na televisão e por meio de “games”. Em 2013, Vitinho tinha onze anos e não aguentava mais ver a prática esportiva de longe. “Pedia muito um skate para a minha mãe. Ela não entendia muito e comprou um baratinho no mercado. Ele era de brinquedo, eu treinei tanto que em quatro dias ele quebrou.
PIsta de Skate fica no bairro do Jardim Ângela, em São Paulo
Aí, começamos a juntar dinheiro e no meu aniversário consegui o meu primeiro”, conta Victor. Aos doze anos, o atleta profissional Paulo Piquet de Oliveira ganhou o seu primeiro skate, foi à pista da Saúde e entrou para a família de skatistas do bairro. Ali, na pista ao lado de sua casa, começou um sonho. Aos 32 anos, ele conta como foi o seu encontro com o objeto: “Comecei em 1998, mano. Meu primo andava há um tempo e decidiu me dar um skate. Na real, ele me integrou nesse mundo. Ele me deu, me trouxe aqui
Pais costumam levar os filhos para aprender a andar de skate
na pista da Saúde, me apresentou a galera e, mano, depois disso fui praticando e nunca mais parei”. Cerejeira e Beto escolheram o esporte pelo estilo de vida que tinham. Na época, viam a prática como uma manifestação cultural. As roupas, as músicas, o jeito de falar e o espaço em que os praticantes estavam marcavam fortemente suas características. “Morava em um bairro que não tinha banca de jornal. O meu acesso à cultura foi pelo skate, ele me levou a conhecer novos lugares, pessoas e informações. Encontrei nele um caminho de incorporação cultural”, comenta Cerejeira. Na Califórnia, os surfistas escolheram a prática para compensar a falta de ondas. Em São Paulo, o skate teve o papel social de suprir a falta de acesso à cultura em muitos espaços. Piquet entrou no esporte e vivenciou tanto a sua prática voltada ao estilo vida, quanto a profissional. Vitinho conheceu o skate pelos meios de comunicação e decidiu praticá-lo por essa influência, mas ao poucos foi conhecendo a representatividade cultural da prática esportiva. 24 HORAS NA PISTA Às vezes, nem o pôr do sol é capaz de acabar com a vontade de estar na pista. Para os praticantes, sempre há novos momentos e histórias. “Skate é toda hora, todo momento. Quando o ‘shape’ não está no pé, nosso jeito de ser representa a parada”, conta Paulo Piquet. Cerejeira comenta uma das consequências da paixão: “Não conheço um skatista que ame andar e nunca tenha pensado em se tornar profissional. Não é nem pela grana, o objetivo principal é poder andar de skate toda hora”. Josuel decidiu tentar se profissionalizar em 1999, época em que a prática estava começando a atingir um público massivo. Aos poucos, o seu desejo começou a ser o mesmo de muitos outros jovens. O contexto social da época colaborou para essa crescente. Nesse mesmo período, houve uma série de fatores que impulsionaram a popularização do esporte no Brasil. Em 1995, Robert Burnquist
havia se tornado o primeiro brasileiro campeão mundial, as emissoras de televisão começaram a transmitir as competições e a criar programas específicos para esse público, outros skatistas brasileiros tornaram-se mais reconhecidos e, principalmente, passou a surgir uma forte aceitação social da prática entre os jovens. O desejo de profissionalização de alguns foi realizado – mas não foi o caso de Josuel. “Quase todos os dias saía do meu bairro com o pé cheio de lama, levava quase duas horas para chegar nas melhores pistas do centro. Lá, conheci uma galera, consegui apoios [empresas que ajudam na compra dos materiais] e comecei a rodar em competições com o nome das marcas que me ajudaram. A minha rotina era andar por São Paulo participando de competições ou praticando”, conta Cerejeira. Ele permaneceu por cinco anos na mesma rotina, mas nesse tempo não conseguiu nenhum patrocinador, ou seja, uma empresa que estabelecesse um salário mensal ao atleta. Na época, esse processo era mais complicado, pois não havia tantas corporações dispostas a investir nessa modalidade. Já com 21 anos, Josuel começou a desanimar. Sua família o pressionava por conta de sua vida financeira e ele começou a sentir dificuldades em se adaptar aos novos estilos do skate, mas o princi-
pal motivo foi o cansaço de estar na mesma rotina por anos. Ele fazia o que amava, mas a prática exigia um esforço físico alto. Analisou tudo ao seu redor e decidiu encerrar a tentativa de profissionalização para seguir novos caminhos que, naquele momento, seriam melhores. Skatista profissional desde 1999, quando conseguiu seu primeiro patrocínio, Paulo Piquet conta como foi a sua trajetória: “Eu queria ter um patrocinador ou apoio não para competir. Eu nunca curti esse lance de disputa, mas era um caminho no qual eu teria melhores materiais e isso me ajudaria a continuar meu sonho de ser uma referência na modalidade “street”. Eu andava todos os dias e não via isso como um treino, era o meu vício, saca? Skate é mais do que um esporte, ele é cultura, estilo de vida e essência”. Piquet começou a competir com doze anos nos campeonatos mirins do esporte. Conheceu pessoas, começou a ser visto e, gradativamente, foi ganhando espaço entre os profissionais. Começou sendo patrocinado pelas marcas Tracker e Sb Shoes. Atualmente, sua principal patrocinadora é a Cisco Skate. “Hoje, se você bombar no Instagram ou Youtube, pode conseguir com mais facilidade um patrocínio. O marketing se dá assim hoje. Quando comecei não havia redes sociais, o meu marketing era o
Como de costume, após o trabalho Josuel vai até a pista Zambia. Lá, anda de skate, conversa com os jovens e procura pontos para a manutenção do espaço
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VOZES meu proceder. Além do skate era preciso saber conversar, negociar, ser visto e reconhecido como uma boa pessoa pelos skatistas”, conta Paulo. Considerado um prodígio por seus amigos, inclusive por Paulo Piquet, Vitinho, que não tinha nem um ano de prática em seu primeiro cam-
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Skate é mais do que um esporte, ele é cultura, estilo de vida e essência”
peonato mirim, conseguiu chegar à final competindo com adversários considerados mais experientes. “Depois desse campeonato eu fiquei muito empolgado. Comecei a treinar quatro horas por dia. Tomei a minha decisão. Eu quero ser um skatista profissional. Não quero parar de andar e fazer outra coisa, tá ligado?”, comenta Victor. Vitinho mora no Distrito do Jardim Ângela, extremo sul de São Paulo. Tem dezesseis anos e é patrocinado pela marca Progress Skate. Aos poucos, vê sua carreira evoluir e seu sonho chegar mais perto da realização. “Recebo os materiais da “Progress” e posto no meu Instagram, gravo vídeos falando dos produtos, recomendo para os meus seguidores, além de competir representando a marca”, conta Vitinho. PAIXÃO E ESTILO DE VIDA O esporte é capaz de tocar as pessoas e levá-las a sentimentos únicos. O skate faz isso de um jeito plural por estar associado à forma como um grupo de pessoas se coloca perante a sociedade, seja por meio do esporte ou estilo de vida. Beto nunca pensou em ser skatista profissional, na época que iniciou ele precisava trabalhar em um lugar mais estável e não tinha recur28 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
Paulo Piquet ganhou seu primeiro skate aos doze anos
sos para se dedicar totalmente ao esporte. A sua perspectiva profissional para o que ama se expandiu quando recebeu um convite para trabalhar no setor de vendas da Loja Street Town: “Eu aceitei, saí do meu emprego no setor de departamento pessoal e, em 1987, comecei a trabalhar com vendas. Faz 31 anos que encontrei um caminho de sempre estar fazendo o que eu gosto. Hoje o skate não é só meu estilo de vida, mas também o meu ganha pão”. Josuel desistiu da carreira como skatista profissional para abrir a Last Skate Shop, uma loja no Par-
que das Cerejeiras, bairro onde cresceu e mora até hoje. Esse sempre foi o plano B caso a tentativa de ser um atleta profissional não desse certo: “É o meu segundo pé no skate. É um jeito diferente de vivenciar o que amo e levar o nosso estilo de vida e cultura ao meu bairro”, conta. Por meio das Last Skate Shop, ele consegue dar aulas do esporte para as crianças do bairro, reformar as pistas da região e fazer parcerias com escolas. Encerra emocionado: “Somos uma família e essa loja é um instrumento para unir todos à cultura do skate. Ela me mantém vivo, me dá vida!”.
Beto largou seu emprego há 31 anos e passou a se dedicar apenas ao skate
Last Skate Shop faz sucesso no destrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo
“Tudo que tenho e sou foi o skate que me deu. Tenho orgulho de me tornar um profissional sendo reconhecido pelo meu estilo de vida”, conta Piquet. Não teve títulos importantes, o seu reconhecimento veio pela sua prática nas ruas paulistas. Por meio dela, teve seu trabalho divulgado em revistas e meios audiovisuais. reportada em matérias de revistas, fotos e vídeos. O meu estilo de vida “street” me levou ao skate profissional. Se amanhã meus patrocínios acabarem eu não vou abandonar o skate, isso é o que eu sou”, diz Paulo.
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consegue se imaginar em outro lugar: “Procuro não pensar muito no sucesso. Tenho medo de dar errado, prefiro continuar me divertindo com e fazendo a minha parte. Vou continuar acordando cedo, indo em várias pistas, conhecendo a galera, sendo visto para ser lembrado. Sei que com o tempo as coisas poderão dar certo”. O estilo de vida skatista transcende o amor por conversas, amizades, cultura, aprendizados e pistas. Por ele, jovens buscam se adaptar, recomeçar, dividir, ter novas conquistas, ir a lugares não planejados, evoluir e, impreterivelmente, no andar diário, nunca deixar de fazer pulsar o skate a cada passo.
Me mantém vivo, me dá vida!”
Victor está no começo da trajetória rumo ao seu sonho e não DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS / 29
Foto: Gabriel Nascimento
TUPINIQUIM
O FUTEBOL ENTREOLHARES José, um fanático por futebol que vai ao estádio e não assiste à partida TEXTO: GABRIEL NASCIMENTO
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esde a adolescência, sempre que podia, o menino de sorriso cativante trocava a televisão pelo estádio e o grito de gol no sofá pelo abraço de desconhecidos em meio à arquibancada. A vontade de estar nesse ambiente só aumentava, mas sua condição financeira não lhe permitia estar com frequência nas partidas. A alternativa veio só aos 36 anos, quando participou de um processo seletivo para trabalhar como controlador de acesso no Estádio do Morumbi. Ele foi aprovado e, desde então, está presente nos jogos do São Paulo. José Pereira Santos, 37, pai do Nicolas e do Klebersom, vê a ansiedade se intensificar no sábado à noite, horas antes do clássico entre São Paulo e Santos, no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, em São Paulo. Para os fanáticos desse esporte, 30 / DESPORTO / TEMAS CONTEMPORÂNEOS
ter sentimentos assim é habitual, até mesmo para o “Zé” – como é chamado pela família –, que trabalha no mesmo espaço há um ano. “Todos os jogos me deixam ansioso. Penso a semana toda nele e não vejo a hora do dia chegar”, conta dias antes da partida por telefone. Pela manhã de domingo, ele coloca a roupa que havia separado no dia anterior, penteia o seu “Black Power”, toma café da manhã ao lado da esposa Joelma e, às 9 horas, vai para o ponto de ônibus da Rodovia Régis Bittencourt esperar o coletivo da linha Pinheiros 032, que o deixará próximo ao serviço. Às 10h30, a Avenida Giovanni Gronchi, na zona sul de São Paulo, está praticamente vazia. O trânsito flui bem e os torcedores sequer começaram a chegar, mas José precisava estar lá para não perder o credenciamento da equipe selecionada
para o evento. “Costumava passar aqui com a rua inundada de torcedores e ansioso para entrar no estádio. Agora, tenho tempo de sobra”, brinca. Já dentro do estádio, os passos rápidos em direção à reunião da equipe demonstram o nervosismo e a alegria de estar ali. No encontro de alinhamento, os olhos ficam focados no instrutor para trazer a si todas as informações passadas. Na pausa para o lanche, ele olha às arquibancadas e, com um sentimento de nostalgia que é visível a cada expressão facial, descreve partes de sua experiência como torcedor no estádio: “Sempre que conseguia alguns trocados, vinha aqui. Perdi a conta dos jogos, dos amigos que acompanhei, das zoeiras, das histórias. Tenho até títulos vistos”. Em seguida, anota sua posição e vai para o posto designado. “José Pereira Santos? Por favor, vá para o setor da cadeira térrea”, anuncia em voz alta o coordenador. No portão 18, em sua posição, Zé vive um paradoxo. Ele sempre procurou maneiras de frequentar mais vezes os estádios para ver jogos. Esse sonho era sua marca registrada e, quando conseguiu o atual emprego, grande parte da família o apoiou. Eles ficaram felizes porque sabiam de sua paixão. O rapaz – que sorriu e buscou contato visual com o primeiro ao último torcedor a chegar – controla o acesso para a entrada lateral do campo – ou seja, trabalha de costas para o jogo e de frente aos torcedores. O seu objetivo inicial era trabalhar no estádio para assistir aos jogos, e a sua posição é uma das poucas que não possibilita isso. Pergunto-lhe como é estar tão próximo e tão distante da visão do jogo. “No começo, eu sentia um pouco de cada coisa. Achei engraçado, depois fiquei triste, mas acabei entendendo que estava ali para trabalhar e não assistir ao jogo. Não vou mentir, a vontade de olhar é muito grande, principalmente, quando os torcedores gritam “uh!”, quando xingam o juiz ou fazem caretas de sofrimento”, responde Zé. O jogo começaria em instantes e precisei me afastar. José continuava a sorrir o tempo todo. Para o rapaz da pipoca, para as crianças, para os torcedores e a quem mais estivesse ao alcance do seu olhar. O seu sorriso aumentava quando alguém pedia
ajuda para achar os assentos. Sentia-se visto, lembrado, importante. Apita o árbitro, começa a partida e todos os olhares estão no campo – menos o de Zé. É possível ver sua inquietação em não poder enxergar o que todos estavam vendo. Quando volta a buscar um olhar e dificilmente o encontra, seu sorriso se torna menos intenso, no entanto, seus olhos permanecem na torcida à sua frente. Nesse turbilhão de sentimentos, Zé busca refúgio em mim, pois estou fixamente focado nele. Percebendo isso, me afasto e começo a acompanhá-lo de uma distância maior. De longe, consigo perceber um leve arregalar de olhos com uma chance desperdiçada pelo São Paulo. Ele também reagiu quando uma moça na sua frente levantou e colocou as mãos sobre a cabeça enquanto gritava “ah, quase!”. Novamente apita o juiz, fim do primeiro tempo. O jogo foi movimentado com as duas equipes tentando abrir o placar. Aproveito a pausa para me aproximar de Zé e fazer novas perguntas. No caminho, observo novamente um sorriso intenso, cabeça acenando para todos e expressão amigável. Assim que cheguei perto dele percebi uma forte interação com um grupo de torcedores. Eles afirmavam: “Esse cara é o sósia do Jô [ex-jogador do Corinthians]”. A conversa se estendeu até que os torcedores pediram para tirar uma foto com Zé. No começo, ele recusou, disse que estava trabalhando e não podia tirar, mas os são-paulinos insistiram tanto que ele aceitou e fez a foto com os jovens. José escolheu esse trabalho pela partida, mas se encontrou realizado nos momentos em que a bola não está rolando. Os jogadores voltam para o segundo tempo e as duas equipes começam o jogo buscando com todas as forças abrir o placar. Posiciono-me ao lado de Zé e pergunto por que ele olha tão fixamente para as pessoas e como se sente quando não percebem que ele está olhando para elas. Sorrindo, ele me respondeu: “Eu não posso olhar para o campo. Ver a reação das pessoas é o único jeito de entender o que está acontecendo. Não perceber é normal. É difícil competir com o jogo, mas hora ou outra alguém perceber e acena, sorri ou estranha”. Fiquei ao lado do controlador observando as reações
das pessoas ao seu redor. Coloquei-me em sua perspectiva e percebi que ele colocava alguns sentidos como protagonistas. Qualquer respiração mais compassada, uma voz elevada, tapa na cadeira, reclamação, mãos à cabeça, unhas sendo comidas, além das inúmeras situações frequentes na torcida que eram alvo da sua escuta e olhar. Ali, ao lado dele, pude ver que havia pessoas que também retribuíam o seu olhar. Era como seu houvesse uma atração, pois muitos estavam fixados no jogo e, quando Zé começava a olhar, elas viravam para ele, mesmo que por segundos. Quando olhavam de volta, era como se enxergassem pela perspectiva dele e entendessem que ele também queria ver o jogo. Próximo aos cinco minutos do segundo tempo, o controlador observa a reação do público, e um rapaz o olha de volta por cerca de dez segundos, gritando“foi no pé da trave. Estamos chegando lá!”. Zé abriu um sorriso e deu risada. O são-paulino conseguiu perceber no entreolhar a busca do outro. Zé provou-me que via o jogo através do outro e como levava isso a sério. Continuou ainda fanático por futebol, mas nem uma leve olhada ao campo houve. Os olhares, reações e sons do público eram as suas imagens da partida. Em um piscar, explosão! Gritos, abraços, sorrisos, saltos, palavrões e olhares. Gol do São Paulo, Diego Souza abre o placar aos dez minutos de jogo. Vendo sem ver, Zé começou a dar risada: estava feliz em assistir a reação da torcida. Em seguida, ainda sorrindo, disse: “Não vai comemorar também, hein?!”. Ele sabia que aquela emoção era contagiante e impulsionava emoções. Com sutileza, me ensinou um novo jeito de assistir futebol: entreolhares. Fim de jogo. Zé precisa esperar a maioria dos torcedores sair do seu setor para retornar à base da equipe e, em seguida, à sua casa. Entre a felicidade da vitória e a ansiedade para ir embora, vejo-o sendo lembrado por alguns torcedores. Havia um leve aceno com a cabeça, outro cumprimento com a mão, um olhar sutil. Já nos corredores do Morumbi, rumo à saída, ouvimos um grito à meia distância - não muito alto, mas claro: “Ô, corintiano!”, fala um torcedor. Estranho: naquele ambiente,
esse me parecia o jeito menos cordial de chamar alguém. Não me importo e continuo a conversar com José. Novamente o grito, dessa vez ainda mais alto: “Ô, corintiano!”. Fico ainda mais surpreso quando Zé se incomoda, olha para trás e reconhece que o torcedor é seu vizinho. “Não me chama assim aqui. Tá ficando doido?!”, brinca. Corintiano – assim conhecido pela maioria de seus amigos -, Zé me pegou de surpresa. Ao ver minha reação, ele deu risada. Desde o começo, o reconhecia como são-paulino. Minhas expressões faciais implicitamente pediam a ele uma explicação. “O Corinthians não teve estádio por um bom tempo. Aqui, no Morumbi, foi o lugar onde mais vi o timão jogar. Me acostumei com aqui, gosto muito do estádio”, responde José. Na porta do Morumbi, antes de me despedir, pergunto-lhe como aprendeu a se relacionar com outra torcida. “Brinco que aprendi a torcer pelo meu rival. Nunca imaginei isso. Sou timão e nunca vou mudar de time, mas, quando o São Paulo joga, torço para ele ganhar. Assim, tenho mais trabalho, vejo os torcedores alegres e posso vir mais vezes para assistir aos jogos de perto”, afirma o corintiano.
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Brinco que aprendi a torcer pelo meu rival. Nunca imaginei isso”
Zé demonstrou que o futebol entreolhares mudou a sua forma de enxergar a disputa entre as torcidas. Que a diversidade presente nas arquibancadas rivais, nos muros dos estádios, nos gritos distintos de cada torcedor, nas cores das camisas e na rivalidade se unem por uma paixão que conecta a todos: o futebol.
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