Índice | MO 5 2. 2 9. 10. 24. 30. 33. 37. 41. 47. 50. 54. 55. 58. 62. 64. 67. 69. 73. 76. 79. 90. 83. 87. 91. 96. 100. 102. 107. 110 112. 118. 123. 127. 130. 133. 141. 144. 147. 152. 158. 162. 166. 173. 174. 175. 178. 179. 184. 188. 190. 192.
EDITORIAL Transnacionalização do sindicalismo - Mário Coimbra ESPAÇO SINDICAL E LABORAL A ASFIC, a defesa coletiva e os lacaios do poder - Miguel Sousa Concentração na Assembleia da República – 21 de Novembro de 2012 - Carlos Garcia | Miguel Sousa | Jorge Paiva | Mário Falé A honestidade, sem as regras de decoro, transforma-se em grosseria – Paulo Ferrinho Direito ao contraditório - Direcção nacional da ASFIC/PJ PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores – António Mendes Piquete - quando o barato sai caro – Nuno Domingos Utilização dos transportes públicos – Nota do editor O Regime disciplinar, a questão dos transportes – Paulo Gomes NAS TEIAS DA LEI Reclamação Coletiva - Jorge Braga Disponibilidade funcional e trabalho suplementar - Pedro Rascão e Miguel Santos Pereira Banco de horas e o trabalho extraordinário na Investigação Criminal - Helena Lages e José Pires Providência cautelares – o Direito à urgência II - Goiana Mesquita JUSTIÇA & SEGURANÇA O Papel da Polícia Judiciária – Rui Miranda (Des) conceito estratégico de Segurança e defesa nacional - Pedro Rascão Conceito estratégico de Segurança e defesa nacional -breve comentário - Joaquim Freitas da Rocha O Desgoverno da Nação e a falta de estratégia Nacional - Carlos Pinto de Abreu Cartoon - Rodrigo de Matos A Polícia Judiciária e a Administração da Justiça – Miguel Sousa O novo projeto de lei orgânica da PSP – Castanheira Neves As Polícias, a Polícia Judiciária e o pântano legislativo – Carlos Pinto de Abreu Ainda não houve fusão das polícias. Porque será? – Rogério Jóia O Modelo português de Polícia – João Figueira A (des) coordenação dos OPC – Cunha Gomes Custos das Forças e Serviços de Segurança Duplicação há só uma - Acácio Pereira Banda Desenhada – Pedro Silva As reformas nas Forças e Serviços de Segurança - Luís Andrade Terrorismo e Financiamento - África Ocidental do caos à segurança - Carlos Sarmento A racionalidade do uso das ciências forenses no interesse da inv. crim. – Fernando Viegas e Helder Figueiredo A pertinência da formação académica em Criminologia para o ingresso nos OPC - Vítor Silva e Cristiano Nogueira O Laboratório e o FBI – Christian Hassel O princípio da oportunidade em Processo Penal – Luís Neiva Transfigurações da realidade - José Leal Especialidades da casa - Nuno Almeida The Federal Bureau of Investigation - breve descrição e competências – Rui Miranda A OLAF e a Polícia Judiciária – Yannis Xenakis e Maria-Myrto Kanellopoulou III Congresso de Investigação Criminal – Ministra da Justiça e Presidente da ASFIC/PJ III Congresso de Investigação Criminal – Magalhães e Silva e José Braz A comissão Organizadora do III CIC e apoios institucionais SAÚDE NO TRABALHO A Psicoterapia como um Espaço de Verdade - Ana João Pereira MEMÓRIAS & DIVAGAÇÕES 9 anos de PSP e 9 anos de PJ - Carlos Castro A Kalashnikov da Central - Luís Dias A austeridade e o burro – Filipe Pereira A austeridade – Arnaldo Silva Jack the Ripper e Jack the Stripper – Carlos Pinto de Abreu
Director Carlos Garcia Coordenador Editorial Mário Coimbra Conselho Editorial Miguel Sousa | Jorge Paiva | Helena Gravato | Mário Fallé Colaboradores internos António Mendes| Arnaldo Silva | Carlos Castro | Carlos Garcia | Carlos Sarmento | Cunha Gomes | Fernando Viegas | Filipe Pereira | Hélder Figueiredo | João Figueira | Jorge Paiva | José Braz | José Leal | Luís Dias | Luís Neiva | Mário Coimbra | Mário Falé | Miguel Sousa | Nuno Almeida | Nuno Domingos | Paulo Ferrinho | Paulo Gomes | Rogério Jóia | Rui Miranda Colaboradores externos Acácio Pereira | Ana João Pereira | Carlos Pinto de Abreu |
Castanheira Neves | Cristiano Nogueira | Goiana Mesquita | Helena Lages | Joaquim Freitas da Rocha | Jorge Braga | José António Pires | Luís Andrade | Magalhães e Silva | Miguel Santos Pereira | Paula Teixeira da Cruz | Pedro Rascão | Vítor Silva Colaboradores estrangeiros Christian Hassel | Yannis Xenakis | Maria-Myrto Kanellopoulo Cartoon | Banda Desenhada Rodrigo de Matos | Pedro Silva Propriedade: ASFICPJ – Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, Rua Gome Freire,n º 174, 1119-007, Lisboa. Tel. 213151857 - Fax 213549100 - email asficpj@iol.pt; Secretariado/publicidade: Helena Santos – Tel. 915799104; - publicacoes.asficpj@gmail.com Fotografia: ©Shuterstock + Hervé Hette + Rui Barreira
Revisão: João Nascimento | Mário Coimbra | autores Tradução: Philingua Design e Paginação: Atelier João Borges Impressão: Clássica - Artes Gráficas Tiragem: 2000 exemplares ISSN: 1646-6799 Depósito Legal: 255431/07 Patrocínios: Renault Boavista; Securitas; Sieric-Soluções Informáticas; Liberty, Seguros; DeathClean; Domenicos, Viagens e Turismo. PVP: 10 € Os associados de entidades com protocolo com a ASFIC/PJ têm direito a desconto – Solicite informação através do telefone 225 518 814 ou através do mail: publicacoes.asficpj@gmail.com
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EDITORIAL
TRANSNACIONALI Z por Mário Coimbra Secretário Nacional-adjunto da ASFIC/PJ Secretário Geral-adjunto do CESP Inspector da PJ na Diretoria do Norte
É sintomático e até profético que a primeira vitória jurídica-laboral em matéria de interesse colectivo da ASFIC/PJ, nos últimos anos, tenha sido obtida numa instância Europeia e não numa instância nacional, mormente num tribunal administrativo, que é, INFELIZMENTE, a sede nacional onde somos obrigados a dirimir os nossos litígios administrativos e laborais. DIZEMOS INFELIZMENTE, porque nenhum tribunal administrativo nas muitas acções de todo o tipo que interpusemos foi capaz de proferir uma decisão tão simples quanto óbvia como foi a decisão do CEDS - Comité Europeu dos Direitos Sociais do Conselho da Europa, no âmbito da Reclamação Colectiva 60/2010, contra Portugal (focada na remuneração do serviço de piquete e prevenção na Polícia Judiciária):
CONCLUSÃO DO CONSELHO DA EUROPA Pelos motivos indicados anteriormente, o Comité chegou à seguinte conclusão: - Por uma maioria de 13-1, que existe uma violação do disposto no artigo 4.º, número 2 da Carta Social Europeia (revista), com o fundamento de que os agentes policiais em missões de serviço de prevenção activa e serviço de piquete não recebem uma remuneração majorada conforme é exigido, nem mesmo uma remuneração equivalente à sua remuneração base horária. Ou seja, o CEDS do Conselho da Europa, com uma clareza que parece ser inacessível aos tribunais administrativos portugueses decidiu que o regime remuneratório do trabalho extraordinário na PJ (Piquetes e prevenções) viola dois princípios básicos contidos na Carta Social Europeia (bem presentes também na legislação nacional), a saber: 1) todo o trabalho prestado para além do horário normal de serviço é trabalho extraordinário e 2) todo o trabalho extraordinário deve ser pago com base no valor – hora de referência majorado. DIZEMOS INFELIZMENTE, porque os Tribunais Administrativos nacionais não cuidaram, uma única vez, de confirmar a autenticidade de alguns pressupostos em que basearam as suas decisões, proferindo, consequentemente, decisões absolutamente fantasiosas que, para além do mais, confundem conceitos tão distintos como disponibilidade para o trabalho e trabalho extraordinário, claramente definidos na lei.1
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Veja-se o caso da norma que diz que «25% da remuneração base correspondem à disponibilidade funcional», que é totalmente inconsistente com as definições legais de remuneração e suplemento remuneratório ou a conclusão, também absurda, contida em acórdãos de que o pessoal de investigação criminal tem um «específico estatuto remuneratório, mais favorável que o do regime geral da função pública».
Editorial | Transnacionalização do Sindicalismo I Mário Coimbra
ZAÇÃO DO SINDICALISMO DIZEMOS INFELIZMENTE, também, devido à morosidade das suas decisões (7 e 8 anos) aspecto que tem sido objecto de condenação, em muitos casos, no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. POR FIM, DIZEMOS INFELIZMENTE, porque tivesse a nossa matéria jurídico-laboral outra sede, por exemplo, um Tribunal do Trabalho, e já teríamos tido, há muito tempo, outra sorte, como nos tem sido observado por muitos advogados e professores de direito, mormente os que trabalham com a ASFIC/PJ. Esta pequena, mas grande vitória jurídico - laboral da ASFIC/PJ, na Europa, é também um sinal de uma certa «metamorfose» do sindicalismo moderno, que começa a apostar, cada vez mais, na transnacionalização da sua actividade sindical, na perspectiva de que as problemáticas laborais são mais ou menos transversais aos trabalhadores de outros países e de que os vários sindicatos nacionais unidos, numa só voz (no nosso caso, no Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia) ou numa modalidade bilateral ou multilateral (como a reunião de 19 de Fevereiro de 2013, em Lyon, onde se reuniram cinco sindicatos dos países da Europa do sul, para debater as forças de polícia com estatuto militar) podem e devem posicionar-se num patamar superior de negociação sindical supra e multinacional, capaz de responder mais eficazmente a uma economia cada vez mais globalizada e politicamente orientada a partir de centros de decisão europeus e mundiais, com os governos nacionais cada vez mais reduzidos à condição de meros executantes. O que explica a correria quase semanal dos nossos governantes para Bruxelas, Haia, Estrasburgo, etc., para reunirem com os seus homólogos dos outros países, do que resulta uma concertação de decisões políticas e económicas que deve, obviamente, quando necessário, suscitar uma também concertada reacção sindical europeia. Consideramos, que esta interligação da ASFICPJ, com o CESP, tem nessa perspectiva, uma importância estratégica para a defesa da própria Polícia Judiciária e que o CESP é uma ferramenta sindical, assim a saibamos utilizar, que pode, em muitas circunstâncias, auxiliar bastante o nosso processo reivindicativo nacional, como se provou recentemente com a utilização do instrumento jurídico – político da reclamação colectiva. Nesse pressuposto, vamos continuar a fazer tudo para manter uma posição de participação intensa no interior do CESP, assumindo todas as responsabilidades que pudermos e soubermos assumir nesse movimento sindical de polícias europeus.
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Editorial - Transnacionalização do Sindicalismo - Mário Coimbra
A PJ NA RUA EM PROTESTO! 21 DE NOVEMBRO DE 2012 É um sinal dos tempos difíceis e negros que vivemos: a «PJ» esteve na rua em protesto! O passado dia 21 de Novembro revelou-se, sem dúvida, uma grande lição sobre o exercício da Cidadania e a participação activa na construção de uma Sociedade mais Democrática. Esta medida de protesto que tinha como objectivo, essencialmente, sensibilizar os deputados da Assembleia da República para as graves consequências da implementação das medidas previstas na Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2013, teve ainda a capacidade de evidenciar o nível de COESÃO entre os Funcionários de Investigação Criminal da PJ.
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Editorial | Transnacionalização do Sindicalismo I Mário Coimbra
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Editorial | Transnacionalização do Sindicalismo I Mário Coimbra
Mais Cidadania | Mais Democracia | Mais Sensibilidade Social | Menos Austeridade De facto, a expressiva participação revelou o despertar dos investigadores criminais da PJ, para a necessidade de uma cidadania mais activa, norteada pela vontade de apontar caminhos diferentes daqueles que vêm sendo tomados, intimada pelos princípios da equidade e da igualdade, convocada pelo absoluta necessidade de inversão do actual “estado das coisas”, designadamente, do actual défice de participação no processo democrático e do ciclo de empobrecimento que vivemos resultante de um programa de austeridade tão cego e brutal, quanto irracional, porque desmentido pela realidade dos principais indicadores económicos e, não menos despiciendo, porque não convence ninguém, nem mesmo a esmagadora maioria dos políticos e analistas da área do governo, para não falar de mentores do mesmo, que hoje procuram desvincular-se de qualquer responsabilidade política no desastre social que se avizinha. Comparecendo em massa naquela que foi uma manifestação SILENCIOSA [apesar de ensurdecedora], ORDEIRA [mas desviada da normalidade instalada], DIFERENTE [sem perder de vista o objectivo] e de tal modo SENTIDA, a espontaneidade colectiva surpreendeu com a evocação dos valores e símbolos patrióticos – entoando o Hino Nacional. Não há palavras que qualifiquem, com objectividade e justiça, a elevação que inundou todo o evento. Todo o conjunto de pequenos grandes acontecimentos que marcaram aquele dia 21, são a demonstração inequívoca de que os Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária partilham de uma CONSCIÊNCIA COLECTIVA de CIDADANIA e DEVER CÍVICO de cujo orgulho aqui deixamos registo. Todos os órgãos dirigentes da ASFIC/PJ aplaudiram com emoção a expressiva participação e registaram, para a história do nosso sindicato, a CORAJOSA ATITUDE e a COERÊNCIA deste COLECTIVO, a que nos orgulhamos de pertencer: a POLÍCIA JUDICIÁRIA. Aos que estiveram fisicamente presentes e a todos os outros psicologicamente não-ausentes: BEM-HAJAM!
Vitalidade | Coesão União | Solidariedade SOLIDARIEDADE foi outro dos valores que marcou presença nesta acção de protesto – os Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária são CIDADÃOS como quaisquer outros, e por isso, não são apenas vítimas dos mesmos cortes cegos que as políticas de austeridade pretendem aplicar, como ainda reconhecem (e gostariam de conseguir evitar) o efeito nefasto que este tipo de medidas tem na sociedade em geral, edificada na base de um Estado Social orientado para as pessoas, enquanto seres humanos e não, exclusivamente, para números manipulados em folhas de Excel e modelos econométricos. É certo que aos investigadores criminais da Polícia Judiciária, como de resto a outros funcionários cujas funções cometidas são o suporte da soberania do Estado, é imposto um regime de exclusividade de funções – que compreendemos e aceitamos – limitador da procura de rendimentos por via do exercício de outras actividades remuneradas. Ora, os sucessivos Governos, na adopção de medidas de austeridade de carácter transversal cego, não têm cuidado em saber quais os efeitos de tais medidas nas vidas destes profissionais. Como, da mesma forma, não têm acautelado as devidas salvaguardas para que estes profissionais pudessem continuar a cumprir com os compromissos que ao longo da vida assumiram.
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Editorial | Transnacionalização do Sindicalismo | Mário Coimbra
ASFIC/PJ recebida por Assunção Esteves Enquadrado no Protesto Público | Concentração | Manifestação, membros da Direcção Nacional foram recebidos por Sua Excelência, a Presidente da Assembleia da República, Dr.ª Assunção Esteves, a quem entregaram um MANIFESTO de Protesto Contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2013 e expressaram a sua profunda inquietação relativamente ao futuro da Polícia Judiciária, que tem vindo a estar sob permanente «ameaça», no discurso do Senhor Primeiro-ministro o que, felizmente, contrasta com a firme oposição pública da Senhora Ministra da Justiça.
Protesto da ASFIC/PJ ecoa na Europa No mesmo dia da manifestação, todos os sindicatos do CESP enviaram missivas de solidariedade com a ASFIC/PJ, às representações diplomáticas de Portugal, nos respectivos países. Alguns dirigentes sindicais europeus fizeram questão de as entregar pessoalmente nas embaixadas e consulados de Portugal, como foi o caso dos dirigentes do PSS da Eslovénia, do SPP da Espanha, do VPSR MVD da Ucrânia, do NPS da Sérvia e do MPS da Macedónia. Acções de solidariedade como esta (no dia 21 de Novembro com a ASFIC, antes, ao longo de 2012, com os colegas espanhóis, sérvios, cipriotas e húngaros, amanhã com outros que delas necessitem), muito têm contribuído para fortalecer um saudável espírito solidário e de entreajuda sindical entre as organizações constituintes do CESP, que tem estado na base de acções pensadas e articuladas em conjunto, muitas das quais com relevante sucesso sindical, como é o caso das reclamações colectivas portuguesas e francesas levadas a escrutínio/decisão no Conselho da Europa.
PSS da Eslovénia
NPS da Sérvia e do MPS da Macedónia
SPP da Espanha
VPSR MVD da Ucrânia
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Editorial | Transnacionalização do Sindicalismo I Mário Coimbra
O VII CONGRESSO da ASFIC/PJ Aproxima-se o VII Congresso Nacional da ASFIC/PJ que vai ter lugar, mais uma vez, na região de Lisboa (estritas razões de poupança ditam que não se realize noutra cidade), nos dias 18 e 19 de Abril de 2013. O Congresso Nacional é antecedido por eleições para novas Direcções Regionais, Delegados Sindicais e Delegados ao Congresso (15 de Março). Um tanto ou quanto estranhamente não surgiram candidaturas alternativas à CNP - Comissão Nacional Permanente da Direcção Nacional da ASFIC/PJ, pois era a maneira que se impunha de corporizarem as críticas à direcção cessante, com propostas inovadoras quanto ao rumo e à forma de conduzir o nosso sindicato. Mas, a ausência de candidaturas alternativas não pode ser lida como sinal de desinteresse, apatia ou mesmo unanimismo interno, pois ressalta imediatamente de uma análise às candidaturas existentes (nacionais e regionais) duas conclusões que desmentem qualquer reparo nesse sentido: 1) a renovação de 65 % dos candidatos a dirigentes dos órgãos sociais regionais e nacionais e 2) a integração, no mesmo projecto colectivo, de candidatos que foram e são conhecidos pelas suas críticas à direcção cessante. O Congresso Nacional é, por excelência, o espaço privilegiado de reflexão e debate sobre o nosso presente e o nosso futuro, face a um contexto nacional e internacional de fortes condicionalismos e exigências, que desafia conceitos, paradigmas e soluções, que nos confronta com uma profunda crise financeira e com a necessidade ditada por uma agenda securitária externa de, rapidamente, repensarmos Polícia Judiciária e nos reposicionarmos em defesa da sua matriz histórica. O Congresso vai servir pois para afinarmos, em conjunto, num último esforço final, os programas e as estratégias submetidas a sufrágio, que vão ditar o nosso rumo sindical nos próximos três anos, no pressuposto de que nenhuma proposta apresentada é fechada e, por conseguinte, pode e deve ser aditada com sugestões no sentido do seu aperfeiçoamento. Todos nós queremos, seguramente, transformar o VII Congresso Nacional da ASFIC/PJ num grande marco histórico do nosso sindicato, com repercussão no nosso futuro colectivo. Para a realização desse desiderato e para o sucesso do Congresso é de fundamental importância que cada congressista viva intensamente o espírito deste evento e participe com as suas ideias e experiências. O caminho é árduo, porém acabará por ser gratificante, se percebermos que estamos a escrever um capítulo importante na história da ASFIC/PJ e da Polícia Judiciária.
Contamos com todos. Sejam bem-vindos! Um grande abraço
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ESPAÇO SINDICAL E LABORAL Miguel Sousa
Direção Nacional da ASFIC/PJ
Carlos Garcia
António Mendes
Miguel Sousa
Nuno Domingues
Jorge Paiva
José Lopes
Mário Falé
Paulo Gomes
Paulo Ferrinho
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Espaço Sindical e Laboral | A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... | Miguel Sousa
por Miguel Sousa Vice-presidente Nacional da ASFIC/PJ Presidente da Direção Regional Norte da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... A 12 de Outubro de 1981, um grupo de valentes heróis lançaram a semente do que haveria de constituir-se como a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária. Então argumentavam: “É perceptível, quando abordamos aspectos da nossa vida profissional, a necessidade da existência de uma estrutura sindical que dê resposta cabal às legítimas aspirações dos profissionais que somos e aos problemas com que nos defrontamos no dia-a-dia. Um organismo dinâmico e operante que, com base na análise correcta dos problemas e suas soluções, nos leve a participar activamente em tudo o que nos diga respeito. Uma estrutura que nos represente em quaisquer instâncias, nomeadamente junto dos órgãos do Poder e da nossa própria Hierarquia.”1 A Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ) viria a constituir-se a 26 de Março de 1983. Hoje é uma pessoa colectiva de direito privado, “sindicato dotado de personalidade jurídica e capacidade legal para prosseguimento dos seus fins que visa exclusivamente a promoção e a defesa dos interesses económicos, sociais, profissionais e culturais dos seus associados.”2 A história que partilham estas duas instituições - ASFIC/PJ e PJ - regista acentuadas marcas de um vínculo quase conceptual - articulado, intemporal e não programado – diria, uma verdadeira ligação umbilical. Com efeito, não raras vezes, nos mais diversos espaços, com suportes de notória boa-fé, se confunde a ASFIC/PJ com a PJ e vice-versa. Esta ligação não se funda apenas na qualidade dos constituintes, parece, antes, provir de um registo sentido e marcado na vivência dos cidadãos. É sabido que para se integrar a primeira tem que se ser parte da segunda. O contrário já não é verdade. De facto, a ASFIC/PJ tem sido, inúmeras e incansáveis vezes, o único vetor defensivo da Polícia Judiciária e nesse contexto, a sua intervenção pública, inelutavelmente, fundamenta a referida confusão. Não se trata de uma atitude corporativa de mera e fútil solidariedade institucional, muito menos neo-corporativista, é a materialização de uma relação imaterial edificada na independência, na isenção e sobretudo livre do “yesmenismo” - este tão interessadamente permeável ao político-partidarismo. Não é portanto, a circunscrição a um central comando estatutário - defesa e promoção do prestígio profissional dos Associados e da Polícia Judiciária3 - é uma equação de cultura organizacional com capital intelectual e humano. Dito assim, porém, e sem pormenorizar as vicissitudes de um passado bem recente que todos conhecemos, 1
Carta de Intenções | Início dos trabalhos para constituição de uma Associação Sindical, 12 de Outubro de 1981. Artigo 1º dos Estatutos da ASFIC/PJ. 3 Artigo 6º al. a), b) e c) do dos Estatutos da ASFIC/PJ. 2
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Espaço Sindical e Laboral | A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... | Miguel Sousa
Assembleia do Conselho da Europa. (Reuters) não se pretende desresponsabilizar aqueles que, por dever moral e funcional, deveriam antecipadamente agir, desobrigando a ASFIC/PJ de o fazer. Se bem que se possa afirmar que a defesa da PJ é responsabilidade de todos os seus funcionários, parece correcto sustentar que, se os seus dirigentes assumissem o seu verdadeiro papel, nessa qualidade e na íntegra (e não apenas na parte que lhes tem dado jeito, mormente a das regalias), nomeadamente, na defesa pública da instituição e dos seus funcionários, poderia a ASFIC/PJ canalizar todos os seus esforços e recursos para outras “frentes de batalha”. A verdade é que, mantendose o status quo directivo na PJ, o quadrante securitário tenderá a intensificar o ataque, principalmente, porque o alvo está enfermo e não dispõe de oposição oficial. Resta saber se o inimigo vem de assalto ou se gentilmente convidado... Enquanto assim for, a ASFIC/PJ tenderá, cada vez mais, a confundir-se com a PJ, pois, cada vez mais, vai ser mais solicitada a intervir na sua defesa pública. Nesta dupla função que a ASFIC/PJ assume - a defesa dos interesses dos seus Associados, por um lado, e a defesa da Polícia Judiciária, por outro – revela uma intervenção correlacionada mandatária de um determinismo mecanicista que garante que a defesa da PJ constituirá sempre a defesa dos interesses dos seus Associados, todos eles funcionários da PJ. Por isso, não nos deixemos inebriar pela vontade dos que defendem que a ASFIC/PJ se deve eximir de publicamente defender a PJ da forma como tem feito, pois está ainda por demonstrar a verdadeira origem e motivação de tal vontade. E acima de tudo não esqueçamos: A ASFIC/PJ só o faz, porque mais ninguém o faz!
Estultícia paradoxal... É no contexto desta confusão, que vão brotando discursos acusatórios de que os dirigentes da ASFIC/PJ têm vindo a fazer muitas exigências para com a direcção da PJ e a tutela, esquecendo, propositadamente, que nem todos os funcionários da PJ são merecedores de tais reivindicações. Discordamos em absoluto. Vejamos: a premissa assim formulada aceita
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Espaço Sindical e Laboral | A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... | Miguel Sousa
que todos os funcionários, excepto alguns, são merecedores dos objectivos de tais reivindicações. Ora, o espírito do sindicalismo, mais do que apelar à universalidade, exige e luta pela igualdade no reconhecimento de direitos. Entenda-se - para situações iguais, direitos iguais. Dito de outra forma: os direitos, os benefícios e as regalias que o legislador houver que reconhecer e atribuir, pretende-se que o faça de forma justa e, sobretudo, de forma abstracta. Numa sociedade que se pretende de direito e democrática, os direitos pessoais (latu sensu) não podem ser atribuídos/reconhecidos em função de uma qualquer característica ou qualidade pessoal, mas antes justificados pelo jusnaturalismo enquanto conjunto de princípios fundamentais universais dotados de perenidade e imutabilidade porquanto intrínsecos à natureza humana. Reconhecer-se que muitos há que merecem o acesso aos direitos que se reivindicam, de per si, justifica não só a formulação de tais reivindicações como ainda que sejam atendidas. Por outro lado, importa dizer que a ASFIC/PJ não dispõe de um sistema de avaliação que quantifique, qualifique, diferencie ou premeie o desempenho dos Associados. Nem deve dispor! Isso subverteria todos os princípios que enformam a construção associativa e bem assim o sindicalismo que se pretende representativo, democrático, autónomo e independente.4 A ASFIC/PJ, nas naturais diferenças que caracterizam as diversas categorias e carreiras em que se inserem os seus Associados, bem como nos diferentes interesses e tendências existentes entre aqueles, pretende constituir-se como elemento agregador, e assim contrariar o processo corrosivo que muitos teimam em promover. Acresce que para as organizações representativas de interesses – qualificadas pelo seu carácter associativo e pela ausência de fins lucrativos - não fará nenhum sentido a avaliação de desempenho dos seus Associados, quer atendendo aos princípios sobre os quais se edificam, quer por conta dos fins que encerram em si mesmo. Mas, mesmo considerando, por mera e remota hipótese, a possibilidade de proceder a essa avaliação, não esqueçamos que a ASFIC/PJ só é competente no âmbito restrito dos seus Associados e, por isso, caso avaliasse, mesmo que de forma inconsequente, os seus Associados, só lhe era acessível, para o efeito, a esfera do estrito cumprimento e desempenho daqueles no seu papel de Associado (nomeadamente quanto ao exercício dos direitos e deveres de Associado) integrado na estrutura organizativa sindical. Parece que o que confunde muita gente é o facto de a ASFIC/PJ representar os interesses de determinadas carreiras e categorias no preciso âmbito das funções que aquelas desempenham na Polícia Judiciária. Pois, estaremos todos de acordo que as reivindicações, as acções judiciais e administrativas de âmbito laboral e estatutário, como de resto grande parte da acção sindical, são desenvolvidas para representar e assegurar interesses e direitos dos Associados da ASFIC/PJ mas, de facto, o grosso dos resultados e efeitos de tais acções e reivindicações têm exclusiva repercussão e aplicação na esfera do funcionário da PJ e não no Associado da ASFIC/PJ. A título de exemplo: a ASFIC/PJ, através do CESP, conseguiu a condenação de Portugal no Comité Europeu dos Direitos Sociais (CEDS)/COE por violação da Carta Social Europeia5. Quando se operar a alteração legislativa no direito interno que garanta o acesso ou preveja O mais caricato é que, normalmente, os que se arroa remuneração do trabalho prestado fora do gam grandes defensores da democracia são, os que horário normal, serão os funcionários da PJ os menos democraticamente se comportam. exclusivos destinatários de tal direito e não os A democracia exige que se olhe para um colectivo e Associados da ASFIC/PJ. Pois, tanto a reivindi- este, invariavelmente, encontra-se no campo de visão cação como a acção têm por base o trabalho oposto ao do próprio umbigo. desenvolvido pelos investigadores criminais da PJ e não o trabalho desenvolvido pelos Associados da ASFIC/PJ, porquanto são os primeiros quem desenvolve a actividade objecto de apreciação.
Os Associados da ASFIC/PJ avaliar-se-iam a si mesmos enquanto funcionários da PJ e diferenciar-se-iam entre si para que, aos positivamente avaliados, e apenas a estes, fossem reconhecidos direitos. Quantos Associados teria uma associação destas?
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Artigo 5º, nº 1 dos Estatutos da ASFIC/PJ.
Vd. Reclamação Colectiva nº 60/2010 e a conclusão do CEDS - http://www.coe.int/t/dghl/monitoring/socialcharter /Complaints/CC60Merits_en.pdf
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Espaço Sindical e Laboral | A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... | Miguel Sousa
Em síntese: os segundos são os primeiros constituídos numa associação sindical que representa, naturalmente, os interesses dos segundos enquanto desempenham as funções dos primeiros. Conclusão: a verificar-se a premissa formulada, teríamos os segundos, constituídos numa associação sindical, a avaliarem o seu desempenho enquanto primeiros, no âmbito das funções cometidas à PJ. Ora, se a ASFIC/PJ procedesse à avaliação que alguns pretendem – classificar os seus Associados de acordo com o seu desempenho profissional/funcional na PJ – estaríamos perante aquilo a que nos atrevemos a denominar de paradoxo existencial. Assim dito, fazer juízos, proceder a avaliações ou considerações sobre funcionários da PJ (mesmo que estes sejam os seus Associados) enquanto funcionários integrados numa estrutura hierarquizada parte da Administração do Estado, no desempenho das suas funções profissionais, não constitui um papel que deva ser desenvolvido e praticado pela ASFIC/PJ. Pois assim, estaria a ASFIC/PJ, de facto, a interferir ou mesmo a substituir a hierarquia da PJ que é a quem compete as funções e tarefas referidas. Coisa bem diferente é discutir e avaliar se a hierarquia da PJ, enquanto representante da Administração, está fazê-lo bem ou mal. Os associados da ASFIC/PJ avaliar-se-iam a si mesmos enquanto funcionários da PJ e diferenciar-se-iam entre si para que, aos positivamente avaliados, e apenas a estes, fossem reconhecidos direitos. Quantos Associados teria uma associação destas?
Defesa e protecção dos Associados Um mesmo nível de intelecção e compreensão é exigido quanto à matéria de defesa e protecção que a ASFIC/PJ oferece quando qualquer dos seus Associados é alvo de sansão, negação ou supressão de direitos por parte da Administração. A ASFIC/PJ defende os seus Associados – quer através de assistência jurídica quer através da denúncia pública - dos abusos de que são vítimas no seu relacionamento com a Administração, nomeadamente através da hierarquia e, em especial, mas não só, por parte daqueles que exercem cargos dirigentes. Quando a ASFIC/PJ, no âmbito referido, patrocina uma qualquer acção judicial visa sempre uma decisão da Administração ou da Tutela. E também nesta matéria a ASFIC/PJ não pode proceder a juízos de valor ou avaliações quer dos funcionários da PJ, quer dos seus Associados. Apenas pode orientar-se pelas máximas da solidariedade, da coesão, e do interesse colectivo, e dar o respectivo cumprimento aos Estatutos e Regulamento de Assistência Jurídica. Resumindo: a ASFIC/PJ não patrocina acções contra ou entre Associados. Mas para entendermos isto, é preciso que antes entendamos o que significam o associativismo e o sindicalismo. Ora, as dificuldades identificadas (e não são poucos os casos), são indicadores seguros e concretos da ocorrência de uma realidade de certa forma maniqueísta: por um lado, exigem-se direitos colectivos, por outro, vivese, cultiva-se e incentiva-se o individualismo - significado inequívoco do enorme deficit de cultura associativa, sindical e, consequentemente, de um abismo de cultura democrática. O mais caricato é que, normalmente, os que se arrogam grandes defensores da democracia são, os que menos democraticamente se comportam. A democracia exige que se olhe para um colectivo e este, invariavelmente, encontra-se no campo de visão oposto ao do próprio umbigo.
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Espaço Sindical e Laboral | A ASFIC/PJ, a defesa colectiva e os lacaios do poder... | Miguel Sousa
Os Maestros de um bando de marionetas Uns acham-se os verdadeiros líderes de uma rectaguarda vitalícia, espumam um desejo quase infantil do exercício de manipulação de marionetas. Insistem que a ASFIC/PJ deveria ser representada por uns quantos dirigentes marionetas que seriam “sabiamente” orquestrados por ilustres barões “puppeteers”. Outros, sedentos de um suposto espaço mediático e do pretenso poder inerente, mas incapazes de se sujeitar às regras democráticas de conquista do poder, preferem optar por manobras pouco claras, cair na detracção e maledicência gratuitas, porquanto será, para aqueles, bem mais fácil do que construir com princípio, meio e fim. Imagine-se que já há os que preconizam a constituição de associações profissionais que tenham como âmbito de acção “organizar e liderar no âmbito da ASFIC-PJ (associação sindical dos funcionários de investigação criminal da polícia judiciária) o grupo de associados que ali integram o grupo minoritário da categoria profissional de inspectores chefes.” (nº 2 do art.º 2º dos [Projecto] Estatutos da Associação Profissional dos Inspectores Chefes da Polícia Judiciária, designada por “Chefes-PJ”). Consta-se que os argumentos para a criação de tal Associação são: a) A ASFIC/PJ só está preocupada com os interesses dos Inspectores; b) Que concordam com o Caderno Reivindicativo mas não com o “verbo”; c) Constituir a “Chefes-PJ” como uma plataforma de entendimento entre a ASFIC/PJ e a Direcção Nacional da PJ. Que dizer? A estrutura directiva da ASFIC/PJ é constituída por Associados, organizados em listas, e eleita em conformidade com os preceitos estatutários. Os Associados não têm categorias e dispõem dos mesmos direitos e deveres aos olhos da Associação. Todos os órgãos são colegiais e neles têm assento os eleitos independentemente da categoria que detêm enquanto funcionários da PJ – não confundamos. Trazendo aqui o exemplo do órgão executivo por excelência – a Direcção Nacional – que se compõe de dezassete membros (cinco da Comissão Nacional Permanente e doze das quatro Direcções Regionais), quatro daqueles são Inspectores-chefe. É neste órgão que se decidem todas as opções nas mais diversas matérias que se encontram “em cima da mesa”. Acresce que a ASFIC/PJ tem tido a preocupação e o cuidado de proceder à auscultação dos Associados nas mais diversas matérias. Lembramos aqui não só o profícuo trabalho que têm desenvolvido os Delegados Sindicais, mas também, o recente plano de recolha de contributos para a discussão de alteração do Estatuto Profissional. Quanto aos argumentos do “verbo” e da “plataforma de entendimento com a Direcção Nacional da PJ” julgo que ficaremos todos elucidados com os subtemas que seguem.
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Confusão funcional ou desrespeito da legalidade? O respeito que merecem os profissionais, das mais diversas carreiras, que exercem funções na PJ, funda-se não apenas das relações estabelecidas por via das interacções funcionais, mas também no facto de cada um ter a noção do lugar que deve ocupar - é como quem diz: segurança não investiga, administrativo não faz segurança, dirigente não é assistente administrativo, investigador não é mecânico e mecânico não conduz detidos a tribunal, muito menos conduz viaturas que assinalam marcha de urgência. Quando abordamos esta temática, fazemo-lo na perspectiva do planeamento, da gestão, da responsabilidade e, sobretudo, da complexidade funcional. As decisões na PJ, todas elas, independentemente da área e do assunto, não podem ser adoptadas e transmitidas tendo por base um qualquer “porreirismo” e a expectativa de que “não vai haver azar”. Entre a decisão e o resultado da sua execução sobrevêm sempre umas quantas variáveis de imprevisibilidade. Estas compreendem irremediavelmente o risco, a ameaça, a oportunidade, a que se somam outras tantas variáveis – estas bem à margem da teoria das probabilidades – sorte, azar e infantilidade. Na conclusão do processo ainda se podem arrolar: a insegurança rodoviária e a segurança de funcionários, detidos e terceiros. A montante de tudo isto, afinal, apenas se exigia dignificação e estanquicidade funcional. Continuando nós a permitir (alguns até a ordenar) que se produzam estes desvios, amanhã teremos os dirigentes a investigar (com todos os prejuízos para a isenção e imparcialidade), os investigadores a afinar válvulas e correias de alternador (com os correspondentes prejuízos para o bom estado de funcionamento das viaturas), o pessoal administrativo a controlar acessos e a fazer segurança a testemunhas protegidas, enfim, o assistente operacional a dirigir – alguns, não tenho dúvidas, com mais capacidades e, certamente, melhores resultados que os actuais vilipendiadores do erário público.
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A Carneirada Infantil e o tal verbo Será este o verbo a que se referem: “(...) Durante o mês de Março a Brigada esteve de greve de zelo decretada pela ASFIC. Malgrado a adesão de todos os Inspectores da Brigada à imponderada “greve da ASFIC” e no empenho por eles demonstrado na desestabilização da unidade orgânica e na sabotagem dos objectivos expectáveis – operacionalidade e eficácia no combate à criminalidade violenta – ainda foi possível, graças à abnegação dos coordenadores e das chefias intermédias e de um inspector (...) que não alinhou na “carneirada infantil” do Movimento dos Fracassados que tem minado a instituição: (...). Reparem que, não obstante as possibilidades democráticas que estariam acessíveis ao autor do texto para ten-
tar contrariar as medidas de luta democraticamente deliberadas e adoptadas pelos órgãos competentes, é, pelos vistos, muito mais fácil criticar aqueles que lutam pelo reconhecimento de direitos. Agrava que se trata de direitos já reconhecidos à maioria dos trabalhadores há várias décadas. E mais, direitos que se vierem a ser reconhecidos também aproveitam o autor do texto citado. Mesmo assim, há que dizer, a tal «imponderada “greve da ASFIC”», não tenhamos dúvidas, abriu o caminho a um processo negocial – objectivo alcançado! Quanto à suposta «desestabilização da unidade orgânica e na sabotagem dos objectivos expectáveis» convém que se esclareça que nunca foram objectivos da luta realizada. Mas ninguém pode alhear-se de que as greves - todas elas, independentemente das formas que tomem – implicam, inexoravelmente, com a estabilidade e os objectivos das unidades orgânicas. É nestes períodos, por norma, que se destacam chefias de grande qualidade, dotadas de visão estratégica e gestão flexível que sabem que não pode definir-se objectivos com base em expectativas – infelizmente não é o caso. É também pelas infelicidades referidas, demasiado repetidas, que a ASFIC/PJ se opõe a que o desempenho da PJ venha a ser avaliado com base em objectivos pré-definidos algo que, em teoria, pode até potenciar o crime. Aliás, em teoria, poderia interessar à instituição, para efeitos de alcance e superação de objectivos, provocar ou induzir à prática de crimes. Por isso, entendemos que um sistema que venha a proceder à avaliação de desempenho da instituição PJ e dos seus funcionários não pode, sob pena de pôr em causa a própria democracia, assentar no cumprimento de objectivos previamente contratualizados. Refere-se ainda que a luta encetada pela ASFIC/PJ se empenhou na «sabotagem dos objectivos expectáveis – operacionalidade e eficácia no combate à criminalidade violenta».
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Mais uma vez se reitera que a ASFIC/PJ não teve essa intenção. Mas já não podemos dizer o mesmo quanto às opções gestionárias adoptadas – tanto quanto sabemos só neste Departamento. Numa altura em que o país submergia no abismo da crise, havia Departamentos (este em concreto) na PJ, que se davam ao luxo de obrigar os funcionários a regressar à localidade sede à hora de almoço, como castigo pelos funcionários se encontrarem a exercer o constitucional direito à greve (recorde-se que visava o período do almoço -12:30-14:00 – e após as 17:30). Quanto terá custado esta medida ao erário público? Alturas houve em que os funcionários, com diligências de inquirição marcadas para as 10:00 em determinada localidade, tiveram que repetir a deslocação por diversas vezes para terminar as diligências necessárias. Combustível, portagens, desgaste da viatura, manutenção, pneumáticos... A tudo aquilo acresce ainda o tempo – sim, muito tempo desperdiçado. O tempo do investigador criminal pesa-se em ouro, não pelo valor a que é remunerado mas, essencialmente, porque, quase sempre, o correr do tempo é seu inimigo. Mas, pelo menos, os ditos responsáveis por esta medida parece que terão conseguido tal suposta e inesperada poupança que serviu para suportar, integralmente, às referidas chefias do departamento, as suas deslocações em viaturas oficiais desde a localidade sede do Departamento até às suas residências em distâncias superiores a 150 Kms (duplicado). Para termos uma ideia do quanto aquela medida terá permitido “poupar” registemos que uma das viaturas só no período compreendido entre Agosto de 2011 e Julho deste ano já conseguiu efectuar cerca de 70.000 Kms, quase todos em percursos de auto-estrada. «Mercê do desempenho destes incansáveis profissionais que mesmo perante atitudes vergonhosas do Movimento dos Fracassados que abandonaram o serviço deixando sem protecção vítimas concretas de crimes de extorsão agravada ameaçadas de morte e potenciais vítimas de criminalidade violenta desenvolvida pelo Gang (...)» E continua dizendo que «eliminou-se a actividade deste bando, resolvendo com alguma engenharia processual no âmbito do instituto da conexão, os processos a seguir indicados, logrando-se que os arguidos ficassem presos preventivamente.». Ora afinal não estamos a perceber! A greve prejudicou ou não o desempenho do departamento? É que até parece, depois de apanhadas as flores, que o prurido do autor poderá ficar a dever-se ao facto de ter tido ele próprio que trabalhar... ele e os «coordenadores» (...) as «chefias intermédias» (...) e um inspector», descredibilizando, afinal, o tal «desempenho destes incansáveis profissionais». Por outro lado, a greve dos que trabalham terá servido pelo menos para aguçar o engenho do autor, pois o que parece é que se assim não fosse não teria recorrido a «alguma engenharia processual no âmbito do instituto da conexão». No que toca ao «Movimento dos Fracassados» registamos a visão do autor, pois tratou-se, de facto, de um movimento. Em contraponto, outros deram origem ao que nos atrevemos a rotular de «Paralisia dos Bem-Sucedidos». Esta dicotomia lexical traz-nos à memória os escritos de Gianfranco Pasquino6 nos quais este bem caracteriza, no contexto da participação política, os designados free riders, como os que “acabarão por ter obtido uma «boleia» no impulso da participação política dos outros actores.”. O autor, ainda de forma esclarecedora, continua que “quando o bem colectivo que se pretenda atingir seja indivisível (...), os «benefícios » não podem ser dados exclusivamente aos que se bateram por eles: todos (...) desfrutarão das vantagens obtidas, independentemente de quem se mobilizou e participou efectivamente, talvez mesmo fazendo greve ou oferecendo o seu tempo e a sua disponibilidade, e arcando pessoalmente com as consequências e os custos.” (Pasquino;2010;98). Pasquino, numa perspectiva quase responsabilizadora, diferencia os free riders considerando que “podem sêlo consciente ou inconscientemente. Apenas os conscientes de o serem, calculistas e frios, podem regozijar-se com os resultados e avaliar as vantagens da boleia relativamente aos custos em que teriam tido de incorrer. Os outros poderiam, sem hesitação, queixar-se de não terem podido ou sabido participar. Todavia, sendo conscientes e calculistas, os free riders vão dar-se conta, mais cedo ou mais tarde, de que, estando em causa a conquista de bens indivisíveis, abaixo de um certo limiar a sua falta de participação pode tornar impossível a obtenção do bem colectivo que também eles desejam.” (Idem:99). 6
Pasquino, G. (2010). Curso de Ciência Política. 2ª Edição. Cascais.Princípia.
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Quanto à «carneirada infantil»... Infantil parece ser a forma como se justificam fragilidades, incapacidades e, como se escondem, por vezes, incompetências. Carneirada parece ser a forma como se pretende agradar ao superior hierárquico. Infantil é que uma autoridade de polícia criminal se permita a diarreias mentais em relatórios oficiais. Carneirada é a desfiliação sindical com carta pessoal explicativa (ou outra coisa qualquer) ao Director Nacional da PJ. Infantil é não alcançar que neste ainda Estado de Direito Democrático o recurso à greve é um direito constitucionalmente consagrado e protegido. Carneirada é usar o argumento arteiro do abandono das vítimas, como se não existissem Piquetes e Prevenções. Infantil, por fim, é ser-se infantil.
Plataforma de entendimento ou “trampolim de entendimento”? Entendemos que a hierarquia há-de constituir-se, sempre, como plataforma de comunicação entre o topo e a base. A hierarquia será sempre uma necessidade presente num tipo de Administração onde a responsabilização é, não só um factor de funcionamento, mas também um instrumento disciplinador. A hierarquia na PJ constitui-se de diversas carreiras e categorias e não apenas de Inspectores-chefe [sem qualquer conotação – pretende-se apenas responder ao motivo de criação da referida Associação], por isso, desenganem-se os que pensam que embarcaremos em necessidades construídas, em realidades plantadas, em impostos projectos ou em “cantos de sereia”. Louvor “Pudim Flan” junta-se água e já está! Uns servem para reconhecer o mérito daqueles que de facto o têm e, por isso, merecem vê-lo reconhecido. Para esses, leiam aqui o nosso reconhecimento e apreço. E sobretudo não se permitam a confusões. Para que no meio das centenas, se distingam os verdadeiros, é imperioso que se exponham os falsos... e estes, fruto da banalização, por via da atribuição imprópria e massificada, dos instrumentos de reconhecimento do mérito, só tem como causa a necessidade de se pagar a “rede de bufaria” constituída. Uns a soldo da confiança política, da compra do mérito, do “cafezinho de gabinete”, do carrinho para usos estranhos ao serviço; outros a estipêndio de posição de inexpertos peritos, lá vão somando os diplomasitos que enriquecem o currículozinho. Registem, pois estes são os falsos! Não nos enganaremos muito se depois da palete de louvores (e outras formais formas de reconhecimento do mérito) atribuídos a 20 de Outubro, alguém venha a conseguir a abertura de concursos de promoção a Inspector-chefe e CIC [e a impor certos critérios de selecção], aproveitando o tal processo formal de reconhecimento do mérito e influenciando todo o processo de selecção – é um excelente contributo para a mediocrização da hierarquia.
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http://www.lavanguardia.com/libros/20110919/54217593760/luis-de-rivera-el-mediocre-patologico-no-es-consciente-de-su-anomalia.html
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Os actos de gestão e o esvaziamento das competências da PJ Não há assunto mais actual, para nós funcionários da PJ, como a constatação inequívoca de que, desde há alguns anos a esta parte se encontra em marcha um plano que pretende conduzir as instituições policiais a um tal de “modelo dual”. Podemos então esperar que se venham a intensificar os ataques externos. Mas, não nos foquemos demasiado nas hostilidades que surgem do exterior quando, internamente, vamos permitindo uma série de trapalhadas (ingénuas ou propositadas) que são bem mais dilacerantes do que os desferimentos dos inimigos externos. Lá somos nós conduzidos outra vez ao tipo de gestão que se faz na Polícia Judiciária. Na Directoria do Norte, temos vindo, ao longo destes últimos anos, a assistir ao extermínio do grupo de trabalho que se dedica ao combate do tráfico de estupefacientes. Não obstante as mais variadas tentativas de demonstração que a diminuição do número de investigadores numa área como a do combate ao tráfico de estupefacientes é a causa inequívoca de resultados indesejados, a dupla directiva na maior Directoria do país, decidiu, outra vez, pela redução. Mas de uma dupla de “porteiros político-partidários” (esta categorização só tem a ver com as famosas aberturas da “porta do cavalo” aos candidatos do PS pelo círculo eleitoral do Porto nas últimas eleições legislativas e ao Presidente da Câmara do Porto Rui Rio - ilações diferentes desta serão, naturalmente, da responsabilidade de cada um que as tire) será legítimo, ou até razoável, perspectivar algo diferente? Se procurarmos uma lógica nesta decisão logo somos conduzidos ao primado dos números e à ditadura da estatística. Com efeito, parece ter sido este o factor determinante. Quando a gestão na Polícia Judiciária se limita a uma gestão por comparação - clara assunção de incapacidade para a implementação de modelos inovadores - inevitavelmente tende-se a comparar períodos e resultados, desprezando realidades, recursos e oportunidades. Estas, sem dúvida, temporalmente desencontradas. A ditadura da estatística impõe que resultados inferiores aos da referência conduzam à diminuição dos recursos (e como na PJ, depois do brutal corte orçamental ocorrido em 2006, os únicos recursos que existem são os parcos recursos humanos), reduz-se a equipa de trabalho, canalizando a “mão-de-obra” para áreas que à luz dos critérios (os tais da ditadura da estatística) o justificam. Mais tarde, avalia-se (ou outra coisa qualquer), outra vez por comparação, e como os resultados continuam a decrescer, volta-se a cortar os recursos, definhando as unidades orgânicas. E continuamos neste tipo de gestão que, para além de não ser gestão nenhuma (a não ser talvez danosa!?), mais não é do que um portal de dimensões gigantescas que se abre sem que nos permita o domínio do “controlo de acessos”. Mas também pode dar-se o caso de estarmos absolutamente enganados e, a final, tudo não ter passado do já habitual: “Porque quem manda sou eu! E como tal eu é que sei!”. Para se ter uma ideia das consequências deste tipo de opções, não é, de todo, inoportuno aconselhar a leitura da reportagem Investigação Criminal – “Pela Verdade” publicada na revista VIVA! (pág. 14-20) Edição de Junho 2012.
Do Marketing Judicial à Burla Judicial Anda por aí uma coisa! Há quem lhe chame marketing judicial. Nós não sabemos o que isso é. O que sabemos é que seja lá o que for, tem vindo a florescer em mata seca e deixa no ar um certo odor a burla...
As situações que fomos revelando, descrevendo e criticando [que estão, parece-nos, muito para além de meros paralelos de realidade], conduzem-nos à dura, triste e difícil conclusão que tudo não passa, afinal, de uma realidade instalada e de que outrora (mas devidamente actual) nos falava o politólogo Miguel Esteves Cardoso: “O Engraxanço e o Culambismo Português” .
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Antes de mais parece-nos importante que se encontre uma definição de marketing - poderemos assim, julgo, entender mais facilmente o alcance desta actividade. Então, marketing, segundo Philip Kotler, será “a actividade humana dirigida para a satisfação das necessidades, vontades e desejos através de processos de troca". Percebemos então que alguém tem andado à procura de vender um produto que, porque, eventualmente, entendido padecer de fraca qualidade, não se vende a si mesmo e, por isso mesmo, esse alguém se socorre das técnicas de marketing para o impingir. Ora, isto, de facto, deixa um terrível mau cheiro a burla... “(...) pressupondo-se também que se excluem da sua proveniência os funcionários que aqui laboram (...) diligencie pela remoção das referidas aves das instalações (...)” – Sim! Não queremos cá burlões, mesmo que sejam aves [raras ou não].
Dos cultores da “culambice” à ascensão dos medíocres... São palavras absolutamente actuais: «Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. (...) cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores (...) e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores, os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. (...) Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. (...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. (...)». Este é um tema sobre o qual se tem debruçado um considerável número de autores. Não é um problema recente mas é absolutamente actual. Já no séc. XIX, Honoré de Balzac escreveria Ilusões Perdidas, um romance que retratava a sociedade francesa no final do séc. XVIII. Escrevia então: “Por isso, quanto mais medíocre é alguém, mais depressa sobe; pode engolir sapos, resignar-se a tudo, bajular as paixõezinhas baixas (…)” De facto, a problemática despertou o interesse de vários membros da comunidade literária e científica nacional e internacional ao longo dos tempos.
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A abordagem científica do tema chega a incluir estudos sobre o distúrbio da personalidade, adoptando nesses a expressão “mediocridade”, que, pese embora não pretenda substituir o calão “culambismo”, acaba por absorvê-lo por inclusão conceptual. Um exemplo que nos chega da vizinha Espanha, pela mão do catedrático em psiquiatria, Luís de Rivera7, usa a ciência para encontrar a definição de mediocridade como sendo a incapacidade para apreciar, aspirar ou admirar a excelência. Dentro da mediocridade aquele especialista distingue três graus. No primeiro grau, a mediocridade simples e inócua que se contenta com a satisfação das necessidades básicas. No segundo grau – a mediocridade pseudocriativa - encontram-se os que querem atingir a excelência, só não sabem como fazê-lo e, por isso, dedicam-se à imitação, ao plágio e à falsidade. Padecem de falta de originalidade e de criatividade. Talvez na tentativa de esconder as suas limitações, sente necessidade de mostrar o poder de que se encontra investido. Se ocupar uma posição de relevo nas organizações sobrecarregam os outros com exigências burocráticas, unicamente para que se pense que se encontra a fazer algo de importante. No terceiro grau, encontram-se os que se enquadram na síndrome da mediocridade inoperante activa (MIA). Estes são os medíocres mais perigosos. São incapazes de criar algo de valor e tentam destruir todos os que à sua volta exibem atitudes, comportamentos e desempenhos de excelência. La Rivera refere que enquanto as pessoas de valor se encontram ocupadas a fazer o que sabem fazer bem, os medíocres dedicam o seu tempo a maquinar a forma de ascender na organização.
A individualização das relações de trabalho e a política de mediocrização de recursos humanos Há uma dificuldade comportamental instalada, de tal ordem profunda, que não é possível prever-lhe uma solução a curto prazo. Revela-se muito preocupante o facto de ser já difícil encontrar, cá dentro, quem, no que concerne a comportamentos e desempenhos, aceite a existência de diferenças aos mais variados níveis: capacidades, características, qualidades, defeitos, etc.. Parece que já não se consegue reconhecer e distinguir diferenças, qualidades e capacidades nos outros. Perguntar-nos-emos, mas porquê? Bom, parece que advém da crescente individualização das relações de trabalho. Mas, o que é isso? É o processo segundo o qual os políticos/dirigentes/empregadores pretendem desproteger os trabalhadores retirando da alçada da negociação colectiva (constitucionalmente na esfera sindical) alguns dos direitos e matérias do foro da legislação laboral. Passa a verificar-se a individualização das remunerações, das carreiras, da formação, da comunicação, da avaliação das potencialidades pessoais. Basta atentarmos às alterações introduzidas este ano no Código do Trabalho, e ainda ao Projecto de Lei nº 81/XII/1ª Gov em discussão na Assembleia da República e que visa transpor as alterações já efectuadas ao CT para o RCTFP. São, não temos dúvidas, medidas que desenham uma estratégia de racionalização da gestão em busca da utilização do trabalho como fonte de competitividade e, mais grave ainda, que obstaculizam, contrariam ou impedem a mobilização colectiva dos trabalhadores, porquanto entendem, pode pôr em causa uma maior rentabilidade das empresas. Conclui-se, como defendem Fitoussi e Rosenvalon (1997) que pretendem um individualismo fragilizador que conduz o trabalhador à insegurança, à desfiliação e, consequentemente, à fragilização do laço social. Por outro lado, é também o processo que a designada alta mediocridade adoptou como forma de exercício de um efectivo e austero controlo
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dos subordinados. Caiem neste saco: louvores e outras formas de reconhecimento do mérito, nomeação para cargo de chefia interina, nomeação para frequência de acções de formação, colocações, representação institucional, utilização abusiva de viaturas, “ajudas marteladas”, etc.. Senão vejamos: logo que se identifica um dirigente medíocre, a tendência natural é que os subordinados adoptem comportamentos que denunciem a sua mediocridade, nomeadamente, desvalorizando as suas decisões e opções. Ora, para aquele, ousar não lhe ser atribuída a importância que ele acha que merece é muito difícil de digerir. Por isso, ele sente a necessidade de criar uma rede de apoio que lhe permita mostrar que “quem está com ele, está melhor do que quem não está”. Ou seja, só tem a ganhar quem aderir à dita rede. O recrutamento para a rede é feita individualmente, incentivando o dirigente medíocre aquilo que se encontra latente noutros quantos medíocres [a baixa mediocridade]
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– a vontade de subir a qualquer custo. Ora, num universo culturalmente acima da média, esta baixa mediocridade só vinga assente numa relação vampírica que suga a competência e empenho de alguns e, simultânea e clandestinamente, opera no sentido de lhes barrar o acesso a oportunidades, ocupando-lhes o espaço que por competência lhes pertenceria. Por isso, hoje, tantos há mestres sem que aprendizes tenham sido. Muitos há “experts” que nunca foram “practicioners”. Já lhes chamam, com alguma piada é certo, os peritos-proveta. Um exemplo também concreto desta “política” medíocre – todos recordarão com certeza, pois era exemplo na Directoria do Norte – era a não publicitação das acções de formação. E porque motivo era assim? Porque os criadores da rede da mediocridade olhavam para as acções de formação como o instrumento motivador de selecção e adesão. Ou então, veja-se o caso dos louvores e outras formas de reconhecimento do mérito, que com um registo bem actual se atribuem às carradas. E o desempenho de cargo de chefia interina sem nomeação legal? E para agravar, os montantes de ajudas de custo de valor fixo que aqueles dirigentes e responsáveis de departamentos autorizam que aqueles “da sua confiança, quiçá da rede da mediocridade” apresentem no final de todos os meses? Teríamos neste assunto, com certeza, muito pano para mangas...
Não restarão dúvidas que, actualmente, a mediocrização dos recursos humanos é uma estratégia em marcha... É aqui que se realiza na íntegra o famoso “princípio de Peter” (Laurence J. Peter) que argumenta que “numa empresa ou organização, qualquer trabalhador tende a ascender até atingir o seu nível de incompetência.”. A promoção da mediocridade tenderá a colocar pessoas em cargos para os quais não detêm competência. A ascensão da mediocridade nas organizações terá alguma relação com a Maçonaria? A Maçonaria está acima do Estado, e bem acima de todos os partidos, dizem que funciona em pirâmide, é reservada a membros e rege-se, pelos vistos, por normas próprias só conhecidas dos seus “irmãos”. Diz-se que reúne secretamente... nas lojas.
Já alguém publicou algures uma lista de maçons... quem sabe amanhã não aparece, algures também, a lista dos medíocres...
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Espaço Sindical e Laboral | Concentração na Assembleia da República – 21 DE NOVEMBRO DE 2012
por Carlos Garcia Presidente Nacional Inspetor da PJ na UNCTE
Concentração na Assembleia da República
21 DE NOVEMBRO DE 2013 «Foi assim que, nos últimos anos, apostando fortemente num discurso demagógico e de desinformação, criaram esta divisão na sociedade Portuguesa, manipulando a opinião pública contra os funcionários do Estado, focando-a no que diziam ser privilégios destes trabalhadores, esquecendo-se sempre de referir as especiais vinculações que, mais que qualquer outro aspecto, marcam, caracterizam e qualificam esta relação laboral. Esquecendo, por exemplo, que, como é o nosso caso, dentro da Administração Pública, um significativo número destes profissionais exerce a sua actividade numa especial relação de sujeição e dependência do Estado que lhes restringe o exercício de direitos cívicos fundamentais, constitucionalmente protegidos e por isso irrestringíveis para qualquer outro cidadão. Para o Governo, enquanto funcionários, passamos a ser considerados como despesa! Mas, enquanto meros cidadãos, ignorada a condição de funcionários, também somos receita! Quer isto dizer que nos encontramos irremediavelmente emparedados! Somos afectados com as opções orçamentais pelo lado da despesa – confisco directo de salários, congelamento de progressões e carreiras, degradação salarial que dura há pelo menos oito anos, destruição dos aparelhos institucionais dedicados aos cuidados de saúde etc – e com as opções orçamentais que operam pelo lado da receita – aumento dos imposto directos e indirectos, aumento da carestia de vida, aumento dos combustíveis, aumento da idade de reforma, etc. Ao mesmo tempo que somos confrontados com todos os problemas que neste momento afectam a generalidade dos Portuguesa. Quantos, entre nós, não se confrontam hoje com o desemprego da esposa ou dos filhos e a crescente contração do apoio concedido pelo subsídio de desemprego a esses familiares? Quantos entre nós não se vêm hoje confrontados com a necessidade de, não obstante as suas próprias dificuldades, acorrer às dificuldades dos seus pais a braços agora com a drástica diminuição das suas parcas reformas? Ou, pelo contrário, quantos entre nós não se vêm com a necessidade de pedir ajuda a seus pais?»
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Espaço Sindical e Laboral | Concentração na Assembleia da República – 21 DE NOVEMBRO DE 2012
por Miguel Sousa Presidente da Direção Regional Norte Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
Tudo o que vos direi aqui é absolutamente livre de qualquer carga politico-partidária ou político-ideológica. Asseguro-vos que, quer uma quer outra constituem, para mim, espaços de desinteresse e, por isso, não explorados. A 20 de Outubro de 2013, vai ser inaugurado o novo edifício sede da PJ aqui em Lisboa. É absolutamente merecido pelas excelentes condições de trabalho que irá proporcionar a todos. Mas não esqueçais que esse palácio vai albergar uma nova classe de cidadãos - os novos pobres, as vítimas do neo-esclavagismo, aqueles que sujeitos a um regime de exclusividade apertadíssimo, sujeitos a um regime disciplinar instrumental do despotismo, pidesco e persecutório, CONTINUARÃO A SER PAGOS A UM EURO E MEIO À HORA! POR ISSO É CASO PARA PERGUNTAR: Onde pára o Sr. Director Nacional? Já encontrou o seu espaço de conforto e vai continuar sentado e escondido atrás do postigo de onde espreita? Será que ainda acha que gere um orçamento adequado e equilibrado? Mas quem é que não sabe que a frota automóvel está podre? Que só se aproveitam as viaturas adstritas aos dirigentes... Sim, aos dirigentes - são as únicas sujeitas a uma manutenção decente e são as únicas que usam pneus de verdadeira borracha... Mas quem é que não sabe que o parque informático se encontra ultrapassado, escaqueirado, inoperacional? Já trazemos os equipamentos informáticos de casa: os teclados, as unidades de armazenamento, e os próprios computadores... (há aqui bons exemplos disso). Amanhã, vamos trazer o papel para a impressora... Mas quem é que não vê que a base de dados do SIIC está prestes a rebentar pelas costuras sem que se preveja uma intervenção de fundo? Mas quem é que não vê que o acesso ao regime da disponibilidade tem vindo a ser negado porque pesa no orçamento? Senhor Director Nacional Vai outra vez, ousar cobardemente dizer que a ASFIC/PJ rejeitou uma proposta de aumento de 50%? Porque não disse que se tratava de um aumento de 70 cêntimos? Vai outra vez propor a duplicação do valor da prevenção activa sem alterar os valores de Piquete e Prevenção passiva? Vai outra vez usar da traição e engano, concordando nas nossas caras e discordando nas nossas costas? Vai, de uma vez por todas, impor a moral que o estado de crise exige na utilização da coisa pública? Não se esqueça Senhor Director Nacional quando estes Nobres funcionários lhe gritarem por auxílio que Louvores e outras formas de reconhecimento do mérito não pagam as contas no fim do mês...
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Espaço Sindical e Laboral | Concentração na Assembleia da República – 21 DE NOVEMBRO DE 2012
por Jorge Paiva Presidente da Direção Regional Centro Inspetor da PJ na Diretoria do Centro
No que concerne à Polícia Judiciária e aos seus funcionários / trabalhadores é bem visível o «esquecimento» a que têm sido «condenados» por parte da Tutela, pelo tempo excessivo que já decorreu sem que a carreira à semelhança de outras tivesse sido modernizada, adaptada e convertida ao abrigo da legislação vigente (que é de 2008); pelo decréscimo incompreensível do efetivo face às necessidades; pelo facto de uma parte significativa do trabalho realizado ser prestado a título de «voluntariado» sem que se apressem a alterar a organização e a remuneração do trabalho; pelo facto de assistirmos, cada vez mais, a sinais preocupantes de insatisfação, desmotivação e revolta dos investigadores criminais, sem paralelo na nossa história, sem que se vislumbre por parte da Direção da PJ e do Ministério um empenhamento sério na resolução dos problemas. A vida ensina-nos que só por via de uma luta determinada e da persistente na prossecução dos nossos objectivos é que poderemos ser bem-sucedidos. É absolutamente irrealista baixar os braços e esperar que alguém venha a fazer alguma coisa por nós. Infelizmente, o mais provável é que esse “alguém” - governante ou director - esteja muito mais empenhado na resolução dos seus próprios problemas!
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Espaço Sindical e Laboral | Concentração na Assembleia da República – 21 DE NOVEMBRO DE 2012
por Mário Falé Presidente da Direcção Regional Sul Inspetor da PJ na Diretoria do Sul
Que papel queremos para a PJ? Que represente o papel de um moribundo? Que faça bons serviços aqui, ali e acolá, graças exclusivamente ao sacrifício da vida pessoal dos seus funcionários, com uma aflitiva carência de pessoal e meios, enquanto assiste ao engrandecimento de outros OPC(s), que aumentam anualmente, sem problemas, os seus quadros com novo pessoal; que adquirem novos meios tecnológicos, quantas vezes desnecessariamente, que ultrapassam, em várias áreas, os que a PJ detém actualmente? Quando reclamamos por meios necessários para realizar o nosso trabalho com eficácia e eficiência é porque queremos continuar a ser bons no combate ao crime para assim nos podermos orgulhar de trabalhar na Polícia Judiciária. Calarmo-nos e assistirmos ao desmoronamento da PJ é que não nos parece uma solução! Para aqueles que continuam sentados, sem fazerem ondas, somente preocupados com os seus objetivos pessoais, fingindo muitas vezes que estão connosco, tenhamos a coragem de lhes dizer “MEXAM-SE”. Sob a capa do “não concordo com greves”, “não concordo com manifestações”, “não concordo com RGT(s)”, “não é o meu estilo”, etc., alguns colegas escondem assim a sua cobardia e o seu oportunismo. Por isso, meus caros companheiros e companheiras: Temos que nos “MEXER”. E entendam este mexer como PARTICIPAR, APRESENTAR PROPOSTAS, PROTESTAR CIVICAMENTE, IR ATÉ ONDE FOR PRECISO!
MANIFESTO Absolutamente contra este tipo de políticas, por demais evidentes como desadequadas e ruinosas, os investigadores criminais da Polícia Judiciária lutarão com todas as energias para evitar a desconstitucionalização das funções sociais do Estado, tendentes à degradação do Estado Social e, de igual modo, não aceitarão que o Governo prossiga com a política desastrosa de cortes e reduções remuneratórias cegas e impiedosas, motivo pelo qual não abdicarão de usar e pôr em prática todos os direitos e deveres de cidadania que os assistem para fazer face a mais uma extirpação à dignidade da pessoa humana. São muitas as preocupações que vão consumindo as reservas de alento destes… Senhora Presidente da Assembleia da República, Excelência Desta forma, muito respeitosamente, a Direcção Nacional da ASFIC/PJ vem, consciente da importância e fundamento do papel que V. Exª desempenha na representação do Órgão de Soberania Assembleia da República - que mais não é do que o Povo, colocar à Vossa Constitucional Guarda e Protecção as vidas e os destinos destes Nobres Servidores, aqui e agora, Nobres Cidadãos. Expectantes que V. Ex.ª cumpra bem com o Povo que representa
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Espaço Sindical e Laboral | "A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria." | Paulo Ferrinho
por Paulo Ferrinho Associado da ASFIC/PJ Inspctor Chefe da PJ na Diretoria do Norte
"A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria." Confúcio Antes, agradecer à direção da revista a oportunidade de poder publicar esta reflexão e por este intermédio partilhar com os leitores algumas ideias que preconizo em relação à atividade sindical e, por arrastamento, à Polícia Judiciária. Estamos a viver um período muito difícil na sociedade portuguesa com impacto importantíssimo na regulação das condições de trabalho, sobretudo, na Administração Pública, eleita como “mal” de todas as insuficiências e inabilidades da classe política que nos tem (des)governado há algumas décadas. As receitas políticas aplicadas na gestão da “coisa” pública originaram desequilíbrios profundos na “prestação de serviços” do Estado, sendo visível, o empobrecimento da qualidade, da eficiência e da eficácia, designadamente, no mundo onde nos inserimos – o sistema de justiça. A Polícia Judiciária, corpo superior de polícia, com décadas de história e com provas dadas na sociedade portuguesa, não escapa ao definhamento como organização e ao emagrecimento de qualidade por via do estrangulamento do seu capital humano e perda constante de competências e objetivos. Retrospetivando encontram-se muitos responsáveis por esta situação, onde, obviamente, todos concorreram sem exceção, todavia, com contribuições multivariadas, mas, igualmente sempre decisivas, mormente, os responsáveis políticos, a Direção Nacional da PJ e também alguns dirigentes da ASFIC que por omissão ou por agenda própria sempre se “protegeram da chuva”. Inegável, é o papel da ASFIC, como estrutura sindical, que vai muito para além dos dirigentes que a constituem, para a discussão e a defesa intransigente dos seus associados, procurando, e bem (a meu ver), descobrir novas formas de intervenção. E é aqui, que começa o meu desacordo com a atual direção da ASFIC. Percorrendo a luta sindical dos últimos anos, percebe-se que os atores da ASFIC, vão permanecendo na direção, mudando apenas de lugares e funções, gente que nos vem habituando a ser sindicalistas “profissionais”, afastados dos associados, mantendo a noção que resolvem novos problemas com “velhas receitas”. É verdade, como defendi no último congresso, que o sistema eleitoral vigente na ASFIC para a escolha dos seus órgãos sociais (sistema representativo por congresso, onde 10% dos eleitos pelos pares escolhem os órgãos da ASFIC mesmo que o mandato entregue não corresponda ao desenvolvimento da discussão das eventuais listas em congresso) proporciona a manutenção dos dirigentes, afastando a possibilidade de um confronto eleitoral
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Espaço Sindical e Laboral | "A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria." | Paulo Ferrinho
onde cada sindicalizado represente a mudança, isto é, urge implementar, com urgência, um sistema universal, por voto secreto e direto, onde cada voto conte para a eleição dos dirigentes. Para isso está constituída uma comissão de revisão de estatutos, desde praticamente do Congresso, todavia, ainda não reuniu, postergando para as “calendas gregas” alterações fundamentais para a vida da ASFIC. Esta alteração, será sem dúvida, um elemento charneira para “democratizar” a ASFIC e permitir uma “concorrência” em igualdade de armas a todos os sindicalizados que ambicionam um sindicalismo diferente e com mais qualidade. Este sindicalismo suportar-se-á numa visão mais proactiva e esclarecida, onde o papel que a Polícia Judiciária representa no país será mais importante que a “guerra” de capelinhas e de “egos” que tem contribuído, de maneira assustadora e irresponsável, para descredibilização da nossa instituição. Ideia de fácil compreensão, mesmo para aqueles cuja “miopia sindical” se sobrepõe à visão da realidade, porém, desejo concretizar e registar algumas preocupações que “assaltam” aos associados de base, como é o meu caso: 1. Tive oportunidade de dizê-lo pessoal e publicamente ao Presidente da Direção da ASFIC e em tempo oportuno, pelo que, não cometo inconfidência, que a “fulanização” da querela entre a ASFIC e o Diretor Nacional, Dr. Almeida Rodrigues e o Diretor Nacional Adjunto, Dr. Pedro do Carmo, era perfeitamente inócua, irresponsável, sem eficácia e só contribuiria para o descrédito público de todos. O tempo deu razão a todos aqueles que, na altura, se insurgiram contra um comunicado “musculado”, “destemperado”, “caceteiro” e despropositado, vivendo-se até hoje num clima interno que poderia e deveria ter sido evitado. Não podemos confundir as instituições com as pessoas que, na altura são responsáveis pela sua condução, criando-se clivagens insuperáveis e perniciosas, com graves prejuízos, para aqueles que procuramos representar. Assertividade não é impropério, objetividade não é “ruído”, negociação não é monólogo, gestão de conflito não é “batalha” verbal, daí o título, “A honestidade, sem as regras do decoro transforma-se em grosseria.” Como é possível negociar com a Direção da PJ se fechamos as portas do entendimento???!!!
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Espaço Sindical e Laboral | "A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria." | Paulo Ferrinho
2. Embora discorde frontalmente e, já tive também oportunidade em dizê-lo a quem de direito, da forma como Direção Nacional da PJ gere os problemas internos, nomeadamente na sua clara e incompreensível “omissão de intervenção pública” na defesa da Polícia Judiciária, na incapacidade de ultrapassar bloqueios quanto ao regime de horas extraordinárias, piquetes, prevenções, promoções e progressões na carreira, estatuto profissional e, “cereja no topo do bolo” – regulamento de utilização de viaturas (aqui dever-se-ia perguntar quem foi de facto o responsável pela sua elaboração e talvez alguns “amigos da ASFIC” fossem desmascarados…), entre outras, contudo, por questão de honestidade (tema deste artigo), reconheço que pela primeira vez uma Direção da Polícia termina um mandato de três anos, que a produtividade e resultados apresentados melhoraram na vigência desta Direção, que se encontra em construção uma nova sede na cidade de Lisboa representando o maior investimento dentro de todos os organismos dependentes do Ministério da Justiça, que se mantém a preocupação clara em manter e até, reforçar os Departamentos e Unidade Locais. 3. Compreende-se, com muita dificuldade, sendo caso único do sindicalismo, que um pré-aviso de greve se mantenha vigente sine die, há quase dois anos, aproveitando, apenas, quem todos os dias, contribuiu decisivamente para a implosão da PJ, carecendo de um estudo sério e responsável quanto à sua eficácia. Tentamos caçar moscas com mísseis… 4. Sinal errado dado pela ASFIC é a subalternização de uma classe em relação a outras, sendo lamentavelmente representativo, a ausência de Inspetores Chefes na negociação que está ser conduzida no Ministério da Justiça (única ausente!!!!). Por isso defendo a criação urgente de uma estrutura de reflexão dos Inspetores-Chefe (ideia que se aplica a qualquer outra classe), organizada e enquadrada no seio da ASFIC, do tipo de Observatório, sem caráter sindical ou para-sindical, respeitando os estatutos, no sentido dos Inspetores Chefes poderem pensar, refletir e produzir documentos para serem discutidos no seio da ASFIC, à semelhança de outros sindicatos. 5. Incompreensível, como já foi visto antes, iniciarmos um processo negocial sem quaisquer contrapartidas (mesmo com uma decisão fundamental do Conselho da Europa que nos permite uma vantagem inequívoca…), ficando à mercê da boa vontade política da Sr.ª Ministra, sem acautelar, como é evidente, “pontes” e “consensos “ com a Direção Nacional da PJ, com o intuito de permitir “músculo” organizacional da Polícia Judiciária, que é isso que devemos defender, pois, só existiremos enquanto esta se manter. 6. Como sementes para o futuro deixo urgência na reflexão das questões sobre o ingresso, as promoções e progressões da carreira (existe um óbvio “esclerosamento” da organização por falta de recursos humanos que nos levará à política do eucalipto – secar a PJ) já resolvida por outros OPC’s por via do orçamento rectificativo (nem uma palavras de “azedume” vi dos dirigentes da ASFIC…), a questão dos concursos internos (sempre merecedores de censura pelos seus opositores), dos piquetes (para quê duas Autoridades de Polícia Criminal quando ambos processualmente respondem da mesma forma) e prevenções, das chefias interinas, da seleção de quadros para determinados lugares de representação institucional, da ausência de oficiais de ligação (política de isolamento com efeitos devastadores na investigação e credibilização pública nacional e internacional), a falta de representatividade social e pública da Polícia Judiciária com o indeferimento da participação dos seus quadros em ações de formação, lecionação, etc., (logo preenchidos por elementos de outras forças policiais sem as nossas competências legais), a ausência de um gabinete de relações públicas com o fim de eliminar a “concorrência publicitária” entre Unidades e Departamento, entre outros assuntos que a exiguidade do espaço não me permite abordar. Outras questões se poderiam levantar, no entanto, concluo afirmando o papel insubstituível da ASFIC, da sua atual e inquestionável missão, folgando que, num futuro próximo, os métodos, a estratégia e os protagonistas possam ser ajustados aos novos desafios.
Porto, 10 de Junho de 2012
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Espaço Sindical e Laboral | Direito ao contraditório | Direção Nacional da ASFIC/PJ
por Direção Nacional da ASFIC/PJ
Direito ao contraditório A revista Modus Operandi é uma publicação de cariz essencialmente sindical onde impera a liberdade de expressão, naturalmente na sua noção mais abrangente que inclui obrigatoriamente o direito ao contraditório. Tem sido com agrado que registamos a grande participação dos Associados nas diversas edições. Os temas abordados têm-se revelado pertinentes, informativos e mobilizadores. Artigos tão abrangentes quanto, por exemplo: “O verdadeiro custo do Piquete”, Disponibilidade funcional”, “Banco de Horas”, “Nove anos de PSP, Nove anos de PJ”, “A austeridade e o burro”, “A psicoterapia como espaço de verdade”. Não obstante a amplitude dos temas abordados nos artigos que agora se publicam, um houve que, na leitura prévia que compete ao Conselho Editorial veio a desencadear o presente contraditório. Trata-se do artigo intitulado “A honestidade, sem regras do decoro, transforma-se em grosseria” da autoria do Associado Paulo Ferrinho. O autor começa por enquadrar o definhamento que vive a PJ “como organização e ao emagrecimento de qualidade por via do estrangulamento do seu capital humano e perda constante de competências e objectivos.” para logo encontrar os responsáveis daquele quadro. Responsabiliza políticos, Direcção Nacional da PJ e alguns dirigentes da ASFIC que por omissão ou agenda própria sempre se “protegeram da chuva”. O Associado lança acusações, generalidades e insinuações sem que se refira em concreto às situações e aos implicados. Louva a actuação da ASFIC pela “defesa intransigente dos seus associados, procurando, e bem [a seu ver], descobrir novas formas de intervenção”, para, logo no parágrafo seguinte, e sem que introduza outro assunto, afirmar que “é aqui, que começa o meu desacordo com a actual direcção da ASFIC.”. Fala-nos de «gente que nos vem habituando a ser sindicalistas “profissionais”, afastados dos
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Espaço Sindical e Laboral | Direito ao contraditório | Direção Nacional da ASFIC/PJ
associados, mantendo a noção que resolvem novos problemas com “velhas receitas” e que vão permanecendo na direcção. É, antes de mais, reprovável que procure atribuir qualquer conotação menos própria por via da utilização do nome colectivo “gente” quando se refere a colegas seus que defendem os seus interesses como é, a exemplo, o caso ainda bem recente na memória de todos – pelos vistos não na sua – das promoções do último curso de Inspectorchefe. Podemos não concordar, pelos mais variados motivos, com o trabalho dos outros, mas devemos, pelo menos, respeitar as intenções e o empenho. Quando não concordamos devemos manifestar-nos, de preferência por escrito, para que fique o registo. E se achamos que faríamos melhor, temos um excelente remédio, nas eleições que se seguirem, apresentamos a respectiva moção de candidatura. Assim, seremos, de facto, frontais. Quanto ao que diz ter defendido no último congresso sobre o sistema eleitoral, se o fez, registamos que não somos conhecedores de qualquer projecto de alteração do sistema eleitoral que tenha dado entrada na ASFIC/PJ. Por outro lado, repare o autor do artigo que, não é por um sistema eleitoral se realizar com recurso ao voto secreto e directo que vai proporcionar a “cada sindicalizado que represente a mudança”. Por vezes permitimo-nos cegar com o que parece mais óbvio e esquecemos o que de facto devia ser óbvio, principalmente para quem parece procurar processos mais democráticos e participativos. É que olhando para o universo de Associados que a ASFIC/PJ representa, logo se verifica que a existência de cinco minorias (Especialista-adjunto, Inspector-chefe, Coordenador de Investigação Criminal, Coordenador Superior de Investigação Criminal e Assessor) cuja participação se veria fragilizada põe em causa qualquer sistema eleitoral directo porquanto não garante a representatividade das minorias. Acresce que a implantação territorial da ASFIC/PJ assente em quatro Direcções Regionais e oito Secções, correspondentes às Directorias e DIC’s da PJ, resulta inexoravelmente numa distribuição irregular dos Associados com anormal predominância na DRGLI, que conduziria à tendência natural da escolha local, em detrimento de uma solução mais abrangente. Qualquer Associado (que reúna as condições previstas nos Estatutos) tem o direito, e isso constitui ainda um dever, de se candidatar aos órgãos da ASFIC/PJ. Outra das preocupações que deve presidir a qualquer alteração ao sistema eleitoral é a baixa participação e a falta de cultura sindical que uma profissão como a que exercemos, de facto, condiciona e prejudica. Quanto à Comissão para Revisão Estatutária registe que foi instituída pelo Conselho Nacional, por iniciativa desta Direcção Nacional. Esta Direcção da ASFIC/PJ não tem, não teve, nem manteve qualquer «”guerra” de capelinhas e de “egos”» com quem quer que seja. Concretize, e já agora traduza “miopia sindical”... Já agora deveria fazer alguma justiça quando deseja “concretizar e registar algumas preocupações que “assaltam” aos associados de base, como é o meu caso” e porque não dizer “que assaltam a alguns associados de base, como é o meu caso”? Quanto ao ponto 1. – A «“fulanização” da querela entre a ASIC/PJ e o Director Nacional, Dr. Almeida Rodrigues e o Director Nacional Adjunto, Dr. Pedro do Carmo, era perfeitamente inócua, irresponsável, sem eficácia e só contribuiria para o descrédito público de todos.» - estará o autor esquecido dos motivos de tal querela (como lhe chama)? ... «Comunicado “musculado”, “destemperado”, “caceteiro” e despropositado». O autor está a ser leviano e incorrecto, pois não encontra em nenhum comunicado desta Direcção um qualquer léxico que justifique as suas afirmações, bem ao contrário, o artigo do autor é que pretende – sabe-se lá porquê - ser “caceteiro” e “destemperado” para com a actuação da Direcção da ASFIC/PJ. Evita, propositadamente, o contexto e os motivos que estiveram na base da «querela» que refere, aliás repare e registe: o autor está a comportar-se com a Direcção da ASFIC/PJ, precisamente da mesma forma que, simultaneamente, pretende criticar a Direcção da ASFIC/PJ de ter actuado com a Direcção Nacional da PJ. Só que com uma abissal diferença – a Direcção da ASFIC/PJ tinha motivos para agir daquela forma e fê-lo em consciência do exercício da defesa colectiva, como é seu dever - o autor não. O autor não tem motivos para agir desta forma com a Direcção Nacional da ASFIC/PJ, pois esta nunca o traiu (nem a qualquer outro Associado) – o Director Nacional da PJ fê-lo;
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Espaço Sindical e Laboral | Direito ao contraditório | Direção Nacional da ASFIC/PJ
A Direcção da ASFIC/PJ nunca enganou os seus Associados – o Director Nacional da PJ fê-lo; A Direcção da ASFIC/PJ nunca prejudicou os seus Associados – o Director Nacional da PJ fê-lo. A diferença que nos separa, Associado Paulo Ferrinho, é precisamente todo o espaço que vai da esfera colectiva à esfera pessoal - a Direcção da ASFIC/PJ actua na defesa do interesse colectivo. Quem confunde aqui instituições e pessoas parece ser o autor, senão repare outra vez: a Direcção Nacional da PJ é um órgão que merece todo o respeito, independentemente de quem exerce os cargos correspondentes. Procurou-se não atacar o cargo, que nos deve merecer todo o respeito, mas tão-só pôr a nu que as pessoas que ocupavam e ocupam aqueles cargos não reuniam, na altura e à luz dos critérios que a Direcção da ASFIC/PJ entende como relevantes, condições (da mais variada ordem) para o exercerem. Conclui-se, do que escreve, que manter as portas do entendimento é aceitar ser traídos, enganados, enxovalhados – porque não escreveu, assumindo mesmo que em jeito de ensaio ou projecto, qual é o limite do que entende como razoável? Dito de outra forma, qual é a medida do que acha que uma Direcção Sindical deve aturar, aguentar até adoptar a acção que esta Direcção adoptou? Ou, acha que foi fácil decidir escolher aquela via? Convém aqui esclarecer, que a ASFIC/PJ nunca negociou com a Direcção Nacional da PJ, fê-lo sempre directamente com o MJ. Mesmo assim, procuramos sempre envolve-la para que usasse da sua posição e influência junto do MJ. O Director Nacional da PJ disse, olhos nos olhos da Direcção Sindical, concordar na íntegra com o Caderno Reivindicativo da ASFIC/PJ e depois o que fez foi absolutamente contrário do que disse. Quanto ao ponto 2 – Neste ponto, não há grande margem para dúvidas, o autor deixa mesmo “a cereja em cima do bolo” [para usar a sua expressão, aliás absolutamente correcta no contexto]. Então não é que reconhece todos os problemas que a Direcção da ASFIC/PJ vem identificando e ainda por cima consegue imputar a responsabilidade da sua existência à Direcção Nacional da PJ? Discorda «da forma como Direção Nacional da PJ gere os problemas internos, nomeadamente na sua clara e incompreensível “omissão de intervenção pública” na defesa da Polícia Judiciária, na incapacidade de ultrapassar bloqueios quanto ao regime de horas extraordinárias, piquetes, prevenções, promoções e progressões na carreira, estatuto profissional e, “cereja no topo do bolo” – regulamento de utilização de viaturas» mas «reconheço que pela primeira vez uma Direção da Polícia termina um mandato de três anos, que a produtividade e resultados apresentados melhoraram na vigência desta Direção, que se encontra em construção uma nova sede na cidade de Lisboa representando o maior investimento dentro de todos os organismos dependentes do Ministério da Justiça, que se mantém a preocupação clara em manter e até, reforçar os Departamentos e Unidade Locais.» e ainda por cima justifica-se dizendo que é «por questão de honestidade (tema deste artigo)»? De facto, só não se percebem os motivos que o afastam desta Direcção da ASFIC/PJ, pois que os que o aproximam da Direcção Nacional da PJ, esses são por demais evidentes. Quanto ao ponto 3. – Merece correção que a manutenção da vigência dos pré-avisos de greve da ASFIC/PJ sine die seja caso único – vários há neste modelo e vigentes, alguns há mais de sete anos. Depois, a vigência dos mesmos tem produzido os efeitos esperados, nomeadamente, quanto ao esvaziamento de perseguições disciplinares que o autor bem conhece, aliás, é um bom testemunho de que se fazem “cá na casa”. Deve, contudo, explicar quem são as “moscas”, é que, repare outra vez, neste sistema parece que seremos nós as moscas, ou acha mesmo que é a Administração ou a Tutela? Quanto ao ponto 4. – Há que referir, como aliás fica explicito em toda esta resposta, que o autor sabe muito bem dizer um atabalhoado monte de generalidades e (in)verdades em que só o autor acreditará depois de se repetir inúmeras vezes. Explicando outra vez: a Equipa de Negociação foi definida pela Direcção Nacional da ASFIC/PJ que é constituída por 17 membros, 4 dos quais são Inspectores-chefe. A Equipa Negocial representa a Direcção Nacional e só se encontra mandatada para discutir e negociar os assuntos que previamente aquela tenha decidido. Ao criticar a constituição da Equipa Negocial por nesta não estar representada a categoria de Inspector-chefe, esquecendo, propositadamente (parece) que, naquela também não se encontram Assessores, Coordenadores Superiores de Investigação Criminal, Coordenadores de Investigação Criminal, nem Especialistas-adjuntos. Não fica bem à honestidade que apregoa. Quanto ao ponto 5. – As pontes e consensos que houver que estabelecer são da responsabilidade e competência da Direcção da ASFIC/PJ. Quanto
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Espaço Sindical e Laboral | Direito ao contraditório | Direção Nacional da ASFIC/PJ
ao músculo organizacional: só rezamos para que não seja o mesmo com que contávamos no passado, pois esse deu em traição e engano. Quanto ao ponto 6. – Por que motivo não usa aqui outra cereja no topo do bolo? Sementes para o futuro? Só pode ser desatenção, é que tudo o que relata são preocupações já em devido tempo manifestadas pela ASFIC/PJ à Direcção Nacional da PJ e MJ: «o ingresso, as promoções e progressões da carreira (existe um óbvio “esclerosamento” da organização por falta de recursos humanos que nos levará à política do eucalipto – secar a PJ) já resolvida por outros OPC’s por via do orçamento rectificativo (nem uma palavras de “azedume” vi dos dirigentes da ASFIC…), a questão dos concursos internos (sempre merecedores de censura pelos seus opositores), dos piquetes (para quê duas Autoridades de Polícia Criminal quando ambos processualmente respondem da mesma forma) e prevenções, das chefias interinas, da seleção de quadros para determinados lugares de representação institucional, da ausência de oficiais de ligação (política de isolamento com efeitos devastadores na investigação e credibilização pública nacional e internacional), a falta de representatividade social e pública da Polícia Judiciária com o indeferimento da participação dos seus quadros em ações de formação, lecionação, etc., (logo preenchidos por elementos de outras forças policiais sem as nossas competências legais), a ausência de um gabinete de relações públicas com o fim de eliminar a “concorrência publicitária” entre Unidades e Departamento»
E mais haveria a dizer…
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Espaço Sindical e Laboral | PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores – António Mendes
por António Mendes Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Centro
Novo regulamento da Utilização do Correio Electrónico e Internet através de Equipamento de Polícia Judiciária (PJ)
PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores A propósito de uma notícia na revista Sábado, na sua página 20, assinada por António José Vilela, com o título "PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores" Sou um funcionário que nunca passei da mediania, aviso já! Nunca tive pretensões em ir mais longe do que o lugar que neste momento ocupo, ou por razões de saúde, ou por mera inépcia da minha parte, aviso já! Sou um ser humano, profissional ou não, que tentou, sempre, ser justo ao longo da sua carreira e da sua vida. Aviso já que não consegui! Fui injusto com poucos, a quem peço desculpa, e tenho "telhados de vidro". Não são muito finos, até porque sempre fui muito sincero com aqueles que me julgam. Aviso já que não tenho medo de nada! Tenho mais de meio século. Tenho três filhas. Sou um profissional com mais de trinta anos de carreira, desde o grau mais baixo, auxiliar de investigação, até ao momento em que nisto permaneço, contra vontade, "mas olhem, ando por aí ". Não quero ser injusto, nem morder a mão de quem me deu de comer, mas tenho de comentar tal notícia. O Novo regulamento, ou proposta de novo regulamento, intitula-se, diz a notícia, (...) Regulamento da Utilização do Correio Electrónico e Internet através de Equipamento de Polícia Judiciária (PJ) e visa evitar "uma
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Espaço Sindical e Laboral | PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores – António Mendes
espécie de abdicação do homem em favor da propriedade cognitiva e decisória do computador". (...) “Eh pá”, utilizando a linguagem "rude dos inspectores da PJ", tenho mais de 30 anos de “casa”, não sei há quantos anos "ando nisto" da internet, do e-mail, do Facebook e não tinha reparado que o "sacana" do computador se tinha apropriado da minha capacidade cognitiva, nem que, me tinha dificultado a vida no factor decisório. Sei lá…, às tantas é por isso que não passei da cepa torta e "estou congelado", num nível que não deveria estar. Diz o jornalista que o director nacional da PJ, Dr. (acrescento eu) Almeida Rodrigues, - pessoa a quem estimo muito -, sem ironia de espécie alguma, (...) que pretende "maior exigência no bom uso do equipamento informático" da judiciária. Leia-se, diz " o jornalista", (...) um controlo da NET e do e-mail usados, por exemplo, pelos investigadores da PJ. (...) “Eh pá”, utilizando a linguagem de formação superior que a maior parte dos investigadores desta polícia têm, estamos em desacordo! E, quando digo "estamos"…, lá está..., é por falta de formação da minha parte, e assim quero dizer, não estou de acordo. Fico mais descansado, ainda que não totalmente, quando o jornalista disse que o director disse, " que garante que o objectivo não é recolher informações sobre os perfis dos funcionários, mas acautelar "os excessos de absentismo virtual e o nome e a imagem da PJ". “Ai ó mãe!” Então, vejam lá se não é verdade que, quando os inspectores entram para esta estrutura que se exige, e se deseja que o seja, profissional, não são sujeitos a um escrutínio rigoroso de escolha, não fazem um teste escrito, uma prova oral, testes psicotécnicos, testes médicos, físicos, um curso de formação 6 ou 9 meses, um estágio de 3 ou os meses que se entenderem (depende das necessidades do país)? Não são os mesmos que são sujeitos a avaliação rigorosa pelos coordenadores de estágio? Espera lá…, no que diz aos perfis não, não estamos de acordo, a não ser que isto já não seja uma proposta de regulamento, e eu esteja em infracção "no absentismo virtual", ao escrever este comentário, mas "bolas", para não falar rudemente, o computador ainda não me comeu a capacidade cognitiva, nem a capacidade de decidir!? Ahhhhhhh, só agora é que percebi, o computador não é meu! É do estado, é da PJ, ahhhhhhhh!
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Espaço Sindical e Laboral | PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores – António Mendes
ESPIÕES INFORMÁTICOS… Então…”hum…”, então é por isso, que o artigo da Sábado revela que (...) para o conseguir, o director da PJ anuncia que serão feitas "acções de monitorização" com o objectivo de identificar os prevaricadores. (...) E, adianta o Sr. jornalista, que (...) Entre os comportamentos impróprios, o regulamento destaca as mensagens de conteúdo pornográfico ou xenófobo, as "mensagens alarmistas", o uso do servidor da Judiciária para armazenar arquivos pessoais ou o acesso a redes sociais, como o Facebook, para fins particulares (...) “Eh pá”, - que eu sou da aldeia -, então querem lá ver que eu acedo a conteúdos xenófobos e partilho-as? Mas com que intenção é que faria isso? Eu sirvo o Estado Português! E já agora, nunca fui penalizado nem criminalizado por supostamente ser qualquer coisa..., Mensagens de conteúdo pornográfico? - O que é que isso quer dizer? Que supostamente acedo ao meu email, ao email pessoal, não o do Outlook, não o interno, e "pimba", o meu amigo Jójó do Algarve, envia-me as fotografias da “Marla”, a tia dele, a "posar nua" na varanda do vizinho! Ai meu Deus, como diz a minha colega do lado, o que é que eu faço? Meu Deus, Meu Deus e correligionários, que os tipos da informática (os futuros ex. espiões) vão ver isto! Ai não posso abrir? Então porquê? Porque (...) A Polícia Judiciária reserva-se o direito" de vedar o acesso a páginas de Internet que pela sua natureza o justifiquem, nomeadamente jogos, músicas, filmes, pornografias e downloads (...) Ah...então não é para todos, então vai haver uma listagem dos prevaricadores?! Pois…, estou tramado..., adeus Facebook, adeus correio electrónico, adeus trabalho ao som da música. Terei que regressar ao passado, ler as notícias pelo papel, escrever notas para à noite ir ao Facebook, (absentismo virtual não é, “vão -se lixar”, só estou a tomar notas e depois escrevo em casa!). Meu Deus outra lista negra onde consta o meu nome! A notícia continua, (...) refere o regulamento, que alerta para o facto de a unidade de informática da Judiciária - os “espiões mais recentes”, acho que nem eles sabiam que iam ser tão especiais -, monitorizar diariamente o ""volume de tráfego e as páginas da Internet globalmente visitadas por cada trabalhador" (...) Estou profundamente abalado, não sabia, mas não sabia mesmo que não sendo aquilo que julgam que possa ser, estou a trabalhar há trinta anos, com sodomitas, com racistas e com indivíduos que levam downloads para casa? Ou partilhar mensagens alarmistas - vide - políticas -? Vocês já viram os energúmenos que somos? O nível de desconfiança que causamos? O tipo de investigadores e funcionários que a capacidade informática criou?
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Espaço Sindical e Laboral | PJ Vigia Internet e correio electrónico dos inspectores – António Mendes
Eu vou continuar a escrever sobre isto. Hoje estou cansado. O computador consumiu muita energia e que era minha… Já agora, amanhã há eleições da ASFIC. Porque será? Outro dia. Dia de eleições. Parece-me positivo. Contestação e alegria à porta. Obviamente que dormi para o lado que me convinha melhor, ponto final. O comentário foi escrito em estado de "transe" intelectual, daí alguns erros na semântica. Ficou por comentar, no artigo da Sábado, que só se pode retirar produtos de trabalho profissional, ou matéria informática que seja da posse do estado /PJ, com uma “pen” que estará identificada com número de série. Eu conheço este tipo de condicionantes, aqui em Portugal passarão a ser isso mesmo, condicionantes, mas, lá fora, isso - procedimentos - só se fazem nos "circuitos internos" do FBI/CIA, ao mais alto nível. Desconheço se em França na polícia judiciária francesa/PN, ou em Espanha, ou na Inglaterra ou noutros países da Europa comunitária, digo bem, comunitária, estes tipos de comportamentos são usados. Claro que sim, informar-me-ei melhor, já que carece de mais e melhor informação este comentário. Só para acabar, (não conseguirei), aborrece-me a desconfiança que têm comigo, (neste caso até se justifica...) mas fazerem-me de mim ignorante e infantil, desconfiarem de mim ao ponto de me controlarem internamente, “eh pá” incomoda-me. Foi certamente um erro de casting o estar aqui, mas, acho que, de há 30 anos para cá, houve muitos erros e do mesmo género. Se, ao ler as letras todas da proposta de regulamento tiver o direito de pensar, que todos, mas todos mesmo, já fizeram isto ou aquilo que ali está explicitado, não devo ser comprometido por ter esse pensamento. "Bolas" esta "casa" onde dormi com gosto, onde trabalhei com afinco, onde regi a minha conduta por parâmetros de grande dignidade e afeição, de dever e direito de pertencer, do orgulho de não comentar, está hoje diferente, de rosto "lavado" com palavras dúbias e intenções menos poderosas. Sou um homem do povo e aqueles que me conhecem poderão ter, estar, surpreendidos pelo "arrufo" com o artigo da revista Sábado. Com razão. Os homens e mulheres comentam em surdina, contrariados com a exposição errónea da sua - possível - conduta interna. Que passou para o exterior! Para a comunidade que servimos, que protegemos. Já ontem, já ontem mesmo, “levei” com uma "boca" menos inteligente mas "apropriada". Claro, pelo conteúdo do mesmo artigo: "Eh pá”, então vocês, passam a vida a ver filmes pornográficos…?". Fiquei a sorrir "tipo caramelo", e apeteceu-me dizer uma daquelas "coisas" que os selvagens e energúmenos inspectores/trabalhadores costumam dizer...
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Espaço Sindical e Laboral | Piquete – quando o barato sai caro | Nuno Domingos
por Nuno Domingos Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na UNCT
Piquete – quando o barato sai caro Todos os que fazem Piquete têm a – frustante - noção que, face às extenuantes horas de trabalho (24 horas sem descanso), a descontinuidade do serviço (os funcionários fazem piquetes de 2 em 2 meses, ou mais) e o facto de (estranhamente) não existirem normas de procedimentos para as situações que habitualmente surgem no Piquete, a qualidade do serviço prestado não é condicente quer com um corpo superior de Policia, quer com a qualidade dos recursos humanos da Policia Judiciária. A juntar ao exposto acresce: • A inoperacionalidade do Piquete (o Chefe de Piquete caso envie alguma equipa para o exterior para uma ocorrência, fica sem elementos no Piquete) • A incompreensível existência de Piquete em alguns Departamentos (em que há uma dezena de queixas por ano). • As dificuldades de gestão do serviço das brigadas ( ou seja de investigações em curso) resultantes das folgas do serviço de Piquete. Considerando todos os defeitos do Serviço de Piquete, e o facto de a PJ persistir no mesmo, em vez de outras formas de organização do trabalho (por ex: turnos), a única lógica subjacente ao Piquete seria o seu reduzido custo. Efectivamente o subsídio de Piquete é reduzido (máxime para aqueles que têm de estar nas instalações 24 horas) a valores entre 32 a 45€ (consoante se trate de Piquete a dia útil ou fim de semana/ feriado), para remunerar 17 ou 24 horas de trabalho. Mas, estranhamente esquecidos estão os custos de oportunidade do Piquete, isto é, o valor das folgas dos funcionários que realizaram Piquete (cujos ordenados são pagos e eles não trabalham). Em bom rigor os custos das folgas de Piquete, facilmente calculáveis, deverão ser – numa lógica de “centro de custos” – imputados ao serviço de Piquete. Considerando que: • Por cada Piquete de semana resultam 1,8 folgas ( ou seja dos 5 dias de piquete semanais resultam 9 folgas em dias úteis, pelo que 9/5=1,8) por cada Piquete de fim de semana resultam 1,5 folgas em dias úteis ( ou seja Sábado direito a uma folga em dia útil, o Domingo a duas =3/2) • Existem cerca de 261 dias uteis por ano ( não foram considerados neste artigo os 13 feriados anuais, por ser dificil determinar se são fim de semana ou dia de semana e porque em tais casos apenas acresce o valor do Piquete de fim de semana e serem irrelevantes em termos de folgas) e 104 dias de fim de semana.
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Espaço Sindical e Laboral | Piquete – quando o barato sai caro | Nuno Domingos
• Um Inspetor de Escalão 1 (considera-se este valor apenas para facilitar o cálculo) ganha cerca de 1600 Euros (ao qual acresce 25% de subsidio de risco que para o presente caso é irrelevante), pelo que o valor hora obtido atravès da formula legal (valor ordenado*12)/(numero de horas semanais*52)=10,55; o que significa que o custo diário de um Inspetor (7 horas de trabalho)é de 73.85€. • No dia em que estão escalados para o serviço de Piquete os funcionários recebem o seu ordenado ao qual acresce o subsídio de Piquete, pelo que o custo de tal dia de trabalho tem de ser imputado ao serviço de Piquete. Do que supra vai exposto, resulta que um Piquete tem os seguintes custos anuais por funcionário (que goze o direito a folgas resultantes do Piquete):
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Espaço Sindical e Laboral | Piquete – quando o barato sai caro | Nuno Domingos
• Custos directos - Subsídio de Piquete- 13.815€ (261 dias uteis*35€ + 104 fins de semana*45€) - Ordenado do funcionário: 19.274€ (261 dias uteis*73,85€) • Custos indiretos - Folgas 44.066€ (626 folgas – 261 dias uteis*1.8 + 102 dias não uteis*1.5 ao custo unitário de 73.85)
Conclusões: O custo anual do Piquete é de cerca de 77.155€ (setenta e sete mil cento e cinquenta e cinco euros) por cada funcionário que goze folgas (existirão cerca de 25 Inspetores de Piquete pelo país, todos os dias), o que significa que por dia (77.155€/365) um Inspetor de Piquete custa à Policia Judiciária 215€. Assim, anualmente e a nível nacional o custo dos Piquetes (sem considerar o valor unitário dos subsídios de piquete pagos aos Inspetores Chefes e Coordenadores de Investigação Criminal que ascendem anualmente a 13128€ e 14328€, respetivamente), ascende a mais de 1.928.875€. A análise dos factos supra elencados demonstra, inequivocamente, que o Piquete para além de ser uma estrutura pouco eficiente é também onerosa para a Policia Judiciária devido às externalidades que do mesmo resultam, pelo que seria de todo conveniente encontrar novas formas de organização dos serviços de um corpo superior de policia de investigação criminal, sem vocação – face à exiguidade de meios humanos que dispõe e à missão que lhe foi destinada – para ser uma policia de proximidade e/ou de atendimento a qualquer hora.
Adenda: uma proposta Considerando a diminuta “procura” do serviço de Piquete nas Unidades Locais (leia-se Portimão, Setúbal, Leiria, Aveiro, Braga, Guarda e as Ilhas: Funchal e Ponta Delgada) sugere-se o encerramento destes serviços da Policia Judiciária, sendo os telefones reencaminhados para a Directoria respectiva (e eventualmente também o sistema de videovigilância/câmara de atendimento). As vantagens decorrentes destes encerramentos são óbvias: • “Reforço” de pessoal, significando, por funcionário de Piquete (que goze folgas), um acréscimo de 4,42 (quatro vírgula quarenta e dois) Inspetores para a Unidade local: considerando que por cada Piquete resultam, em média, 1,71 folgas, 624 dias de folgas (365*1.71) aos quais acrescem 260 dias úteis de presença no piquete (dias úteis por ano), pelo que por cada “posto” de piquete são alocados 884 dias por ano, ora se dividirmos 884 pelos dias de trabalho de um funcionário “médio”, que se estima em 200 (260 dias úteis- 30 de férias10 dos feriados – 20 de faltas diversas) resulta os referenciados 4,425. • Melhor gestão do pessoal das Brigadas e disponibilidade para ocorrer a situações de prevenção/investigações em curso. • Margem financeira para reforço das prevenções (por cada funcionário de Piquete possibilidade, pelo mesmo custo direto, de ter 2,5 funcionários de prevenção) • Diminuição de externalidades (folgas) do serviço, mantendo-se o legítimo direito a folga aquando da realização de trabalho de prevenção (prevenção ativa), nos termos do regulamento interno (Despacho 07 SEC/DG) Desvantagens: • Segurança das instalações – situação facilmente resolúvel através de turnos aleatório realizados pelos elementos do departamento de segurança – cujo reforço seria de ponderar - e por sistema de videovigilância controlado pela directoria respectiva. No tocante às Directorias, por questões de padronização e de qualidade de serviço, face à especificidade do serviço de Piquete/atendimento, seria conveniente a criação de secções dedicadas ao Piquete/Atendimento a funcionar por turno de funcionários (em moldes a definir).
O autor vai tomar posse no VII Congresso Nacional da ASFIC/PJ (18 e 19 de Abril de 2013) como Presidente da Direcção Regional da Grande Lisboa e Ilhas da ASFIC/PJ.
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Espaço Sindical e Laboral | Utilização dos Transportes Públicos
Utilização dos Transportes Públicos Nota do editor - A Direção Nacional da Polícia Judiciária «decidiu» unilateralmente que o Artigo 144 do OE para 2013 revogou o nº1 do Artigo 84 da Lei 275-A/2000 (LOPJ) e que os elementos da investigação criminal “PERDERAM” assim o direito à utilização dos transportes públicos em todo o território nacional, nos termos aí previstos: «1 - As Autoridades de Polícia Criminal, o demais pessoal de investigação criminal e os membros do conselho superior de polícia têm direito à utilização, em todo o território nacional, dos transportes colectivos, terrestres, fluviais e marítimos.» Mas, enquanto na Polícia Judiciária se é sempre «mais papista que o papa» e se restringe e condiciona (por regra, somente para o pessoal de investigação criminal) nas outras instituições interpreta-se a mesma norma (Artigo 144 do OE para 2013), no sentido de permitir uma utilização dos transportes públicos, nos termos exactamente idênticos aos existentes antes do OE 2013, ou seja, nos termos dos respectivos estatutos, sem mais e sem menos. Uma decisão tão lesiva não poderia deixar causar repercussões como a que reportamos a seguir, que representa fielmente o estado emocional e anímico actual dos investigadores criminais da Polícia Judiciária. Excerto de uma exposição de um Inspetor, instado por despacho a pronunciar-se sobre duas viagens realizadas no mês de Janeiro de 2013: Coimbra, 25.02.2013 “Relativamente ao esclarecimento solicitado por V. Ex.ª sobre a utilização de transportes públicos – comboio – (…) (…) Nestes termos, disponibiliza-se a pagar o valor da “infração” a que se reportam as viagens dos dias 18 e 20 de Janeiro últimos. Porém e, com o devido respeito, seria sensato que após uma limitação como esta, o mesmo pensamento ponderasse a extensão dessa perspetiva economicista num horizonte mais amplo e considerasse também a utilização de todos os transportes, nomeadamente à utilização de viaturas. Situações há, quiçá mais lesivas ao erário público, que muito provavelmente não estarão sujeitas a uma intervenção direta no conceito do “serviço de caráter permanente e obrigatório” e que se manterão. Acreditando num Estado justo, terei fé que todo o rigor imposto à classe de investigação, aos homens e mulheres que compõem a génese e essência da existência da Polícia Judiciária - pois outras são circunstanciais e ou de alternância cíclica – será também aplicado a toda a Polícia Judiciária, não excluindo as viaturas de chefias e cargos de direção. Aliás, se nos procedimentos base em torno da verdadeira essência da PJ - a investigação -, cada viatura tem um livro onde são registados os quilómetros, o local da diligência para onde se desloca em serviço, então por que razão não estender esse princípio de transparência, controle e dignidade a toda a frota.
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Espaço Sindical e Laboral | Utilização dos Transportes Públicos
Em praticamente 21 anos de serviço, após sucessivas “machadadas” nos direitos, sendo esta questão dos transportes a mais recente, não posso deixar de expressar este repúdio e pensar seriamente se a perspetiva de extinção da Polícia Judiciária não será mais por responsabilidade interna do que externa. Nestes quase 21 anos, algumas foram as situações em que o signatário foi chamado, na sua qualidade profissional a “socorrer” e mediar algum conflito a bordo dos comboios, situação pela qual já passaram certamente muitos outros funcionários desta Polícia. Certamente a esse incómodo está alheio quem continua a viajar por autoestrada, muito para além do que é o exercício do mesmo serviço a que se reporta a justificação pedida ao signatário, pelas viagens efetuadas nos dias 18 e 20 de Janeiro último. A questão põe-se nestes moldes. Agora que está obrigado ao pagamento da viagem, isso significa que deixa de funcionar a perspetiva de caráter “permanente e obrigatório de serviço” e, dessa forma, deixará de intervir, exceto se um valor soberano estiver em risco. Extingue-se todo o cariz e magia que caraterizava esta profissão e não é apenas pela supressão do “benefício” que advinha da utilização dos transportes públicos. São situações como esta que condenam cada vez mais a Instituição à desmotivação e consequentemente a um estado mórbido. Recordo que a faculdade de viajar nos transportes públicos nos moldes que vigorava anteriormente, foi inicialmente atribuído à classe de investigação da Polícia Judiciária e, com o passar do tempo banalizou-se o principio génese dessa faculdade, passando a ser abrangidos outros grupos de funcionários. O mais caricato, ou melhor, o mais ridículo, será termos a noção que outras classes continuam a usufruir da utilização de transportes públicos e àqueles para quem foi pensada essa ferramenta, está vedado.
Em praticamente 21 anos de serviço, após sucessivas “machadadas” nos direitos, … não posso deixar de expressar este repúdio e pensar seriamente se a perspetiva de extinção da Polícia Judiciária não será mais por responsabilidade interna do que externa.
Uma perspetiva de pensamento algo terceiro-mundista tem inúmeros exemplos e, infelizmente a PJ possui algumas na sua história. Recordo por exemplo a questão do subsídio de risco, pensado para quem tem como objeto de trabalho a proximidade com o risco, para quem tem de conviver assiduamente com situações de perigo, bater a uma porta para surpreender um suspeito, sem saber qual é o dia em que do interior da casa a
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resposta é dada com um tiro de caçadeira, conduzir em situações extremas para tentar alcançar um suspeito, capturar um qualquer “solitário” que não hesita disparar ao mínimo sinal de proximidade de um OPC.
O fundamental será reduzir custos, somar mais às sucessivas perdas dos funcionários, classe já melindrada por anos (ou décadas) de luta sindical ludibriada vezes sem conta pelo poder político e, a cereja no topo do bolo, despojá-la da utilização dos transportes públicos nos moldes em que sempre funcionou esta Polícia.
O caricato foi, a determinado momento, verificarmos que o principio génese se foi banalizando e a medida se foi tornando abrangente, no extremo ridículo de haver funcionários administrativos, como era o caso dos chefes de núcleo (funcionários de secretária), cujos subsídios de risco eram superiores àqueles pagos ao funcionário de investigação criminal, situação que está perfeitamente documentada no histórico de vencimentos processados pela Instituição.
Quem sabe seja preferível uma Polícia passiva, composta por Inspetores desmotivados, arredados do verdadeiro espírito que edificou esta Instituição, consequência de uma política que desprezou o custo de algumas vidas ceifadas em serviço, o imensurável esforço e empenho que muitos granjearam a muito custo durante décadas. O fundamental será reduzir custos, somar mais às sucessivas perdas dos funcionários, classe já melindrada por anos (ou décadas) de luta sindical ludibriada vezes sem conta pelo poder político e, a cereja no topo do bolo, despojá-la da utilização dos transportes públicos nos moldes em que sempre funcionou esta Polícia. Aos que ainda detêm a garra e determinação para lutar e ir mantendo digno o nome da instituição, que lhes bastará? Para boa parte da “classe influente/decisória” a instituição PJ representa uma “pedra no sapato”, pois a sua irreverência, a determinação e zelo de alguns “casmurros” que nela persistem em lutar, são um incómodo, aliás por demais evidente nalgumas declarações públicas, especialmente em situações mais mediáticas que beliscam interesses, grupos ou “personagens sagradas”. Assim se compreende que será preferível aniquilar definitivamente a Polícia Judiciária, prestando-lhe um cortejo fúnebre deprimente e discreto, ao invés da humilhante “fusão” ou “incorporação”, pois alguém poderá argumentar o feito poupadinho, ao invés da eficácia e brio que em tempos caraterizou a Instituição no país e no mundo. Penitenciando-me desde já da carga emocional que não consigo arredar desta exposição, a verdade é que não posso deixar de manifestar o repúdio pela agonia a que está condenada esta Instituição e aqueles que nela batalham, especialmente aqueles “viciados” que na Polícia Judiciária se realizam profissionalmente, aqueles que cumprem a missão investigando.
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Muitos são os que hipotecaram para além do racional o tempo das suas vidas, o convívio com os seus filhos, cônjuge, muitas são as situações em que o(a) esposa/marido do funcionário(a) nutre aceso ciúme pela Instituição, tal é o amor que o parceiro dedica à Polícia Judiciária, mas no final de tudo somos obrigados a concluir que esse esforço é vão, foi completamente desprezado, face à forma leviana como a classe foi deitada ao abandono. A exemplo de outros, pondero baixar os braços, passar a cumprir o estritamente necessário, naquele “ram-ram” ironicamente conectado ao funcionário público, tentar sanar da mente esta insistente perspetiva de batalhar e nunca quebrar, pois seria algo masoquista persistir face a este rol de contrariedades. Por outro lado, acredito que seria sensato ponderar uma alteração da terminologia que ainda vigora para identificar o cartão “Livre-trânsito”, pois cada vez é mais óbvio tratar-se de uma expressão obsoleta, que transmite uma certa ironia sarcástica.
Quem sabe seja preferível uma Polícia passiva, composta por Inspetores desmotivados, arredados do verdadeiro espírito que edificou esta Instituição, consequência de uma política que desprezou o custo de algumas vidas ceifadas em serviço, o imensurável esforço e empenho que muitos granjearam a muito custo durante décadas.
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Espaço Sindical e Laboral | Utilização dos Transportes Públicos
Pondero deixar o cartão “livre-trânsito” e a arma na Diretoria, aliás opção já muito frequente entre muitos dos Inspetores desta Polícia, pois tudo está praticamente despido de sentido/conteúdo. Por mera tolice ainda resisto a essa tentação, por não me ter conseguido abstrair da possibilidade de me deparar a qualquer momento com a necessidade de ter de salvaguardar a vida ou integridade de algum infeliz cidadão, pois é a pensar num povo cada vez mais miserável, cada vez mais saqueado pelos impostos e pilhado pelo crime, que ainda persisto nesta postura altruísta (mas manifestamente burra, como acima referi). É tudo quanto me cumpre levar ao conhecimento de V. Ex.a para os fins que tiver por mais convenientes. O Inspetor,”
Pondero deixar o cartão “livre-trânsito” e a arma na Diretoria, aliás opção já muito frequente entre muitos dos Inspetores desta Polícia, pois tudo está praticamente despido de sentido/conteúdo.
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Espaço Sindical e Laboral | O regime disciplinar, a questão dos transportes | Paulo Gomes
por Paulo Gomes Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
Legislação sobre a Polícia Judiciária
O autor, perante uma chamada de atenção para o regime disciplinar em vigor na polícia judiciária, o Decreto-lei n.o 196/94, de 21 de julho, autorizado pela Lei n.o 1/94, de 19 de Fevereiro, e nos termos da alíneas a) e b) do no 1 do artigo 201.o da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP- que corresponde ao atual artigo 198.o), resolveu indagar o enquadramento jurídico de tal diploma face ao decurso de tempo volvido de 19 anos! Este diploma encontra-se em vigor ao abrigo do Decreto-lei n.o 295-A/90, de 21 de Setembro, cuja vigência se inicia ex vi do n.o 4 do artigo 53.o. Neste ponto, urgiu indagar, face à premente questão de um Decreto-lei autorizado pela Assembleia da República (doravante AR), se o regime disciplinar se encontraria em conflito normativo com o diploma onde se integra a sua aplicação ou outros que vierem a suceder a este. Falamos, claramente, do Decreto-lei n.o 295 A/90, de 21 de Setembro. Este diploma legal, para nosso espanto, é um decreto-lei emanado pelo governo, não contendo o valor de lei, de acordo com o designado na positivação dos atos normativos previstos no artigo 112 da CRP, e com o articulado com a competência para legislar sobre tal matéria (reserva absoluta ou relativa da AR) 1.Parece-nos desde logo que possam ter existido atos praticados pelas autoridades de polícia criminais que se podem considerar ilegais, senão mesmo inconstitucionais, porquanto, a título exemplificativo, este diploma legal que define competências não pode valer para o efeito das regras de detenção “fora de flagrante delito” previstas no decreto-lei autorizado que regulamenta o Código De Processo Penal (doravante CPP), pois só um diploma emanado nos termos da Constituição pode restringir direitos, liberdades e garantias. Não tendo sido esta a questão que nos moveu, que nos parece estar agora resolvida em definitivo pela Lei n. 37/2008, de 6 de agosto , aprovada pela AR nos termos da alínea c) do artigo 161.o da CRP, que revogou, ao abrigo do artigo 5.o do Decreto–lei n.o201/2006, de 27 de Outubro, (revogação das normas e decretos leis que aprovam a estrutura orgânica dos serviços, órgãos consultivos e demais estruturas da administração direta do Estado.), neste ponto aponta-se o facto de a lei orgânica do governo ser da competência legislativa do governo, consagrando a forma de Decreto-lei.2
1
Vide Páginas 224 e 225 de “Constituição da República Portuguesa, Comentada”, Rebelo de Sousa, Marcelo; Melo Alexandrino, José de; Lex-2000, Lisboa; 2 Questão que não é pacífica em relação às leis orgânicas dos ministérios; em sentido afirmativo Paulo Otero, apud in” Direito Constitucional”, Gomes Canotilho, José Joaquim; 5ªEdição, Almedina, pág.: 790.n.d.r.
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Espaço Sindical e Laboral | O regime disciplinar, a questão dos transportes | Paulo Gomes
Temos aqui então uma Lei da AR a consignar uma estrutura para a polícia judiciária que, recorrendo, através da norma revogatória consignada no artigo 58.o, ordena a revogação no âmbito do artigo 5.o do decreto lei que consigna a revogação dos artigos 1.o a 61.o, 70.o,112.o a 117.o,129.o e 173.o a 175.o do Decreto-lei n.o275 A/2000, de 9 de novembro, na redação conferida pela (…)- vide norma do artigo 58.o da Lei 37/2008, de 6 de agosto. Parece então que, apesar destas incongruências de valor normativo sucessivo, a Lei 37/2008, de 6 de Agosto, veio revogar a primeira parte do Decreto-lei n.o 275 A/2000, de 9 de novembro revogado pela primeira. A primeira parte tem valor de lei da AR e a segunda de Decreto-lei emanado pelo governo. Uma lei orgânica com valores constitucionais diferentes aferidos pelo órgão de soberania que legislou.3 A questão das detenções fora de flagrante delito não se poderão colocar mais em crise porque o artigo que define e atribui competências às autoridades de polícia criminal, mormente o artigo 11.o e 12.o têm indubitavelmente valor igual ao do Decreto-lei autorizado pela AR que regula o CPP. Mais, quando um decreto-lei se preparava para legislar e atribuir competências de investigação à PJ através de portaria ministerial, foi suscitada a inconstitucionalidade preventiva, donde o Tribunal Inconstitucional veio a declarar tais normas inconstitucionais: “Decisão, Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 22.o, n.o 2, e 29.o, n.o 1, do Decreto da Assembleia da República n.o 204/X, na parte em que determinam que as competências das diversas unidades da Polícia Judiciária são estabelecidas nos termos da portaria referida no mencionado n.o 2 do artigo 22.o, por violação da reserva de acto legislativo imposta no artigo 272.o, n.o 4, da Constituição da República Portuguesa.” In Acórdão do Tribunal Constitucional n.o 304/2008. Daqui se retirou que, sendo a Polícia judiciária uma polícia do conceito constitucional abrangido no artigo n.o 272.o da CRP, a “lei” da previsão normativa do número 4 desta lex superiori é interpretada como lei emanada ou autorizada pela AR.
Do regulamento disciplinar, O artigo 54.o da Lei n.o 37/2008, de 6 de agosto, refere que os regulamentos em vigor para a PJ continuam a aplicar-se, com as necessárias adaptações, até à publicação da regulamentação decorrente das normas previstas na mesma lei. De seguida, no número 2, consagra-se a aplicação do regime disciplinar em vigor. Daqui, houve que voltar ao Decreto-lei n.o 275 A/2000, de 9 de novembro que, no seu artigo n.o 153.o disciplina o regime disciplinar, remetendo para a lei geral. Referindo o seu número 5 que” a medida da competência (…) é fixada pelo Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária, a aprovar por portaria do Ministro da Justiça.” – A nosso ver nunca poderá ser regulamentado por portaria, porque configurará uma inconstitucionalidade orgânica, formal, dado que a competência para legislar sobre esta matéria pertence a outro órgão constitucional.4 Ainda assim, o mesmo Decreto-lei n.o 275 A/2000, de 9 de novembro, no seu artigo 178.o, no seu número 1, preceitua um prazo de 180 dias a contar da data de entrada em vigor de tal diploma legal para o órgão legiferante proceder à legislação regulamentadora. – Facto até à presente data inexistente quanto ao regulamento disciplinar.5 Porém, o número 3 do mesmo artigo n.o 178.o ordena que, enquanto não houver sido realizada a obrigação de legislar nos termos dos números anteriores, continuam-se a aplicar os regulamentos em vigor.
3
Vide “Constituição, Ordenamento e Conflitos Normativos, Esboço de uma Teoria Analítica da Ordenação Normativa.”, Freitas da Rocha, Joaquim, Coimbra Editora, 2008, págs 560 e ss. 4 Vide “Direito Constitucional”, Gomes Canotilho, José Joaquim; 5ªEdição, Almedina, págs: 695 e ss; 790 e ss. 5 Volvidos quase 13 anos após a entrada em vigor do Decreto-lei n.o 275 A/2000, de 9 de Novembro, podemos dizer que, de acordo com a norma do artigo 178.o,que obriga a legislação complementar, poderemos estar a facear uma inconstitucionalidade por omissão prevista no artigo n.o 283.o da CRP.
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Espaço Sindical e Laboral | O regime disciplinar, a questão dos transportes | Paulo Gomes
Ora, Face a esta legislação extravagante e conflito normativo do valor das leis (sentido lato) observadas, cumpre opinar o seguinte: O Decreto-lei n.o 196/94,de 21 de Julho terá caducado, dado que a sua existência e valor normativo se consagrava pela vigência do Decreto-lei n.o 295 A/90, de 21 de setembro. Tendo este último diploma sido revogado pelo decreto-lei 275 A/2000, de 9 de Novembro, de acordo com a norma revogatória do artigo 179.o, observando a exceção do número 3 do artigo 178.o do mesmo diploma, não vemos como será possível a sustentação da aplicação de tal regulamento disciplinar (Decreto-lei n.o 196/94, de 21 de Julho) que fazia parte integrante do Decreto-lei n.o 295 A/ 90, de 21 de Setembro, no seu artigo 53.o, no 2, de acordo com o escopo da Lei que autorizou . Acresce que o Decreto-Lei 275 A/2000, de 21 de setembro, no seu artigo 153.o ordena que se observem os princípios e normas da lei geral. Nesta vigência, a lei geral correspondia ao Decreto-lei n.o 24/84, de 16 de Janeiro. Este diploma, por remissão do artigo 30.o do Decreto-lei n.o 196/94,de 21 de Julho, era observado quanto ao processo disciplinar. Hoje, vigora para o regime geral a Lei n.o Lei n.o 58/2008, de 9 de setembro “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas”, que revogou o anterior regime do Decreto-lei n.o 24/84, de 16 de janeiro, de acordo com o estatuído no seu artigo 5.o. Este diploma legal, no seu artigo 1.o, número 3, afasta a aplicabilidade aos trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial. O artigo 2.o”Âmbito de aplicação objectivo” refere o seu número 1:” O presente Estatuto é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado.” Em consequência, por todo o exposto e pela conjugação do preceituado no artigo 1.o, título I, capítulo I, a Polícia Judiciária é um serviço central da Administração direta do Estado, dotado de autonomia técnica. Portanto, não é a PJ uma força de segurança nem serviço de segurança. Pelo que deverá estar abrangida pelo regime geral da Lei n.o 58/2008, de 9 de setembro. Se assim não fosse, a própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária teria que obedecer aos cânones constitucionais quanto à competência legislativa. De modo a não criar dúvidas quanto ao conceito supra referido, cumpre dizer que a PJ exerce funções de segurança interna na acepção do
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Lei geral de Orçamento de Estado de 2013.
Espaço Sindical e Laboral | O regime disciplinar, a questão dos transportes | Paulo Gomes
artigo 25.o, n.o 2, alínea b) da Lei n.o 53/2008, de 29 de Agosto, (Lei de Segurança Interna) e não é força de segurança nem serviço. Caso contrário o legislador tinha-a consagrado como tal de modo igual ao preceituado nas leis orgânicas da Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana e Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, respetivamente. Por último, resta dizer que não se vê com harmonia de interpretação jurídica a integração da Polícia Judiciária no conceito lato de “outras forças policiais” que o artigo n.o 144.o da Lei n.o 66-B/2012, de 31 de Dezembro considera para efeitos da utilização dos transportes gratuitos. Em nossa opinião, e de acordo com o estatuído no n.o 1.o da Lei n.o 37/2008, de 6 de agosto, a Polícia Judiciária é um corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça. Logo, teria que figurar no regime de exceção previsto no número 1 do artigo n.o 144.o da Lei Geral de Orçamento de Estado. A própria lei Orgânica do Ministério da Justiça integra a Polícia Judiciária na sua estrutura e dependência. Não se entende o porquê de, agora, se remeter para o conceito lato de cariz economicista e não legalista. Se existe lacuna, esta deveria ser integrada nos termos do Código Civil Português.
Porto, 07 de março de 2013
Bibliografia, •Freitas da Rocha, Joaquim, Constituição, Ordenamento e Conflitos Normativos, Esboço de uma Teoria Analítica da Ordenação Normativa.”, Coimbra Editora, 2008; •Gomes Canotilho, José Joaquim, Direito Constitucional, 5ªEdição, Almedina. •Hart, H.L, O Conceito de Direito, 5ª edição, tradução de A. Ribeiro Mendes, Fundação Caloust Gulbekian, 2007-Lisboa; •Kelsen, Hans, Teoria Pura do Direito, Almedina, 2008-Tradução portuguesa. •Rebelo de Sousa, Marcelo; Melo Alexandrino, José de, Constituição da República Portuguesa, Comentada”, Lex-2000, Lisboa.
O Autor é Licenciado em Direito na área jurídico económicas, Mestre em Direito Constitucional Fiscal e Doutorando em Direito Tributário Penal
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NAS TEIAS DA LEI Jorge Braga Pedro Rascão Miguel dos Santos Pereira Helena Lages José António Pires José Manuel Goiana Mesquita
Nas Teias da Lei | Reclamação Colectiva | Jorge Braga
por Jorge Braga Advogado
Reclamação Colectiva Direito à dignidade internacionalmente reconhecido aos investigadores criminais! Direito Interno… Direito Europeu… Em 2010, a ASFIC através do seu congénere/parceiro CESP, apresentava no COMITÉ EUROPEU DOS DIREITOS SOCIAIS uma reclamação onde se concluía: “Com a presente reclamação, que se intenta através do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia, pretendese que o Comité reconheça e declare existir violação por parte de Portugal do artigo 4 alínea 2 da Carta Social Europeia revista e que aquele estado, aplique por consequência e para reposição da legalidade, aos funcionários de investigação criminal da Polícia Judiciária, o conteúdo do decreto-lei 258/98, de 18 de Agosto no que concerne, à remuneração das horas extraordinárias, e que negoceie com as estruturas sindicais nacionais os diplomas de aplicação daquele diploma” Estava então, essencialmente, em causa a razão ou “razões que reclamam o Direito a condições de trabalho e remuneração justas com uma taxa de remuneração acrescida para abono de horas extraordinárias adoptada por Portugal”. O direito nunca reconhecido ao pessoal de investigação criminal do direito à remuneração por trabalho extraordinário prestado, com o reconhecimento unanime da dogmática e da medicina que, quanto maior é o numero de horas de trabalho menor é a capacidade de concentração por força do cada vez maior cansaço (em certos casos de esgotamento físico) impõe-se aos trabalhadores nestas circunstâncias um maior cuidado maior atenção e esforço, que terá de ser compensado como tal. Dito de uma forma simplista, sempre foi entendimento que, caso existisse, o subsídio de disponibilidade consagrado no art.º. 79º da LOPJ, não poderia ser confundido com alguma forma, ainda que parcial ou ténue, de remunerar o trabalho suplementar. Isto porque, este terá sempre de conter uma majoração que traduza a penosidade e esforço despendido, para além daquele que resulta da prestação normal de trabalho. O que de forma mui cristalina se vinha discutindo seria a Estamos assim perante uma solução que não admite forma de remuneração do trabalho suplementar (extraor- que a coberto de designações como prevenção activa, dinário) por um lado, e, a disponibilidade funcional por piquete ou qualquer outra, se viole o princípio plasoutro. Sendo que em momento algum aqueles conceitos mado no art. 4º, nº 2 da Carta Social Europeia (repoderiam ou deveriam ser confundidos como pretendeu o vista). Ou seja, trabalho com dignidade impõe governo fazer, quer internamente quer no Conselho Euro- pagamento digno. peu de Sindicatos. Importa assim, que de forma simplista se tente distinguir aqueles conceitos como forma de jamais os ver atropelar-se um ao outro. De facto, com a disponibilidade funcional o que se pretende e terá de ser devida e justamente compensado será o que destrinça o pessoal de investigação criminal de qualquer agente, funcionário ou simples trabalhador do Estado. Trata-se de um ónus,
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Nas Teias da Lei | Reclamação Colectiva | Jorge Braga
encargo para os funcionários de investigação que se traduz num estar sempre disponível, fora do horário, no período de descanso, férias, etc., de forma tal que o agente de investigação criminal é sempre considerado ao serviço, tendo de estar disponível a qualquer hora dos 365 dias do ano, para prestar serviço. Esta disponibilidade deve ser remunerada de forma especial, porque sui generis, com um acréscimo à remuneração base, nunca através da simples consideração de que “25% da remuneração base correspondem ao factor disponibilidade funcional”, pois que tal será sempre uma supressão da remuneração. Por seu turno, o trabalho extraordinário ou suplementar será aquele que ocorre após o términos da prestação diária de trabalho. Ou seja, estaremos aqui nas situações normais de prestação de serviço para além do horário ou após o cumprimento deste. São pois situações que não serão confundíveis nem uma incorpora a outra. É pois importante que o CEDS tenha determinado que o Estado português terá de remunerar convenientemente e de acordo com o que está legislado para os demais trabalhadores mas, no essencial com respeito pela Carta Social Europeia Revista, o que implica remunerar este trabalho com uma majoração que respeite o supra refe-
O que de forma mui cristalina se vinha discutindo seria a forma de remuneração do trabalho suplementar (extraordinário) por um lado, e, a disponibilidade funcional por outro. Sendo que em momento algum aqueles conceitos poderiam ou deveriam ser confundidos como pretendeu o governo fazer, quer internamente quer no Conselho Europeu de Sindicatos.
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Nas Teias da Lei | Reclamação Colectiva | Jorge Braga
rido e que caracteriza e destrinça o trabalho extraordinário do trabalho normal. Aqui chegados importará então atender à conclusão primeira do CEDS que determinou “por uma maioria de 131, que existe uma violação do disposto no artigo 4.º, número 2 da Carta Social Europeia (revista), com o fundamento de que os agentes policiais em missões de serviço de prevenção activa e serviço de piquete não recebem uma remuneração majorada conforme é exigido, nem mesmo uma remuneração equivalente à sua remuneração base horária.”. Tal conclusão significa por um lado, uma imperiosa necessidade de negociação com os representantes dos investigadores criminais, e por outro a procura de solução legislativa que fixe o valor do trabalho extraordinária em valor superior ao da hora normal, independentemente da designação que lhe for dada. Estamos assim perante uma solução que não admite que a coberto de designações como prevenção activa, piquete ou qualquer outra, se viole o princípio plasmado no art. 4º, nº 2 da Carta Social Europeia (revista). Ou seja, trabalho com dignidade impõe pagamento digno. Não será aceitável, uma qualquer medida que imponha restrições ao pagamento do trabalho suplementar, independentemente do período que se atravessa, sob pena de manutenção de violação do preceito vindo de citar. E, muito menos que qualquer negociação sobre esta temática – a que se está obrigado – se confunda ou tenha presente o subsídio de disponibilidade, porquanto como se referiu o mesmo respeita a pagamento de um ónus, que aliás, insiste-se, não vem sendo verdadeiramente pago. Desta sorte, a negociação com os representantes governamentais deverá pautar-se pelo poder de supervisão da CEDS, principalmente para observação do Art. 6º da Carta Social Europeia Revista Artigo 6.º Direito à negociação colectiva Com vista a assegurar o exercício efectivo do direito à negociação colectiva, as Partes comprometem-se: 1) A favorecer a consulta paritária entre trabalhadores e empregadores; 2) A promover, quando necessário e útil, a instituição de processos de negociação voluntária entre os empregadores ou suas organizações, de um lado, e as organizações de trabalhadores, de outro, com o fim de regulamentar as condições de emprego através de convenções colectivas; 3) A favorecer a instituição e utilização de processos apropriados de conciliação e arbitragem voluntária para resolução dos conflitos de trabalho; e reconhecem: 4) O direito dos trabalhadores e dos empregadores a acções colectivas no caso de conflitos de interesses, incluindo o direito de greve, sob reserva das obrigações decorrentes das convenções colectivas em vigor. A paridade deve estar presente para que se possa falar de verdadeira negociação colectiva, bem como da legislação interna sobre a matéria. A negociação tem de facto estado ausente nos processos da administração pública em geral e dos profissionais de polícia em particular, assistindo-se a uma obsequiosa imposição das medidas que o empregador público pretende. Ora, no caso presente, apenas o consenso permitirá obter um resultado que de forma inquestionável poderá preencher os requisitos da resposta do CEDS em relação à Decisão de Mérito de 17 de Outubro de 2011, resultante da Reclamação n.º 60/2010, apresentada pela ASFIC, através do CESP junto do CEDS. Pretende-se apenas chamar a atenção para o facto dos investigadores criminais terem ganho o direito a “… uma taxa de remuneração acrescida para as horas de trabalho suplementar…”, o que apenas foi conseguido pelo recurso a instancias europeias, levando-nos aqui a aludir que o direito ao respeito deve ser preservado no processo negocial que terá de se seguir, não devendo as partes perder a oportunidade de se redimirem dum passado que não honra o país. O verdadeiro direito à negociação colectiva está na capacidade que as partes tem de se respeitarem, no campo de um realismo jurídico, aceitável e dignificante.
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Nas Teias da Lei | Disponibilidade Funcional e Trabalho Suplementar | Pedro Rascão & Miguel dos Santos Pereira
por Pedro Rascão & Miguel dos Santos Pereira Advogados
Disponibilidade Funcional e Trabalho Suplementar À luz da decisão do Comité Europeu dos Direitos Sociais e não só… É a primeira vez que nos dirigimos a todos os Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (FIC/PJ), cumprindo em primeiro lugar saudar todos de forma especial, reconhecendo que a missão que prosseguem, na prevenção, investigação e combate à criminalidade, sobretudo a violenta e altamente organizada, muito contribui para a defesa do Estado de Direito que todos acreditamos e procuramos defender. O desafio que nos foi colocado foi dar a nossa perspectiva sobre a forma como os investigadores exercem a sua actividade profissional, os problemas que enfrentam e as expectativas que, legitimamente, têm na melhoria das respectivas condições de trabalho. Como facilmente se percebe, muitos seriam os temas possíveis para um desenvolvimento jurídico que permitisse introduzir algumas pistas de resolução dos problemas (vários) que no dia-a-dia se colocam. Optamos por desenvolver um tema que consideramos actual, tomando por base a recente decisão do Comité Europeu dos Direitos Sociais do Conselho da Europa (CEDS) proferida em 17 de Outubro de 2011 que, julgando procedente a queixa apresentada pelo Conseil Européen des Syndicats de Police (CESP), em representação da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ), contra o Estado Português, em traços gerais reconheceu que o actual pagamento das horas de trabalho suplementar prestado pelos funcionários de investigação criminal, quando se encontram em serviço de Piquete e/ou Prevenção, viola o n.o 2 do art.o 4o da Carta Social Europeia (CSE), na medida em que o método de cálculo instituído pela Portaria 98/97 de 13 de Fevereiro (Portaria n.o 98/97) prevê um valor/hora abaixo do fixado para o trabalho normal e com limitação diária. Em síntese a argumentação invocada pelo CESP fundou-se na interpretação do n.o 2 do art.o 4o da CSE, nos termos do qual deverá ser reconhecido pelos Estados-Partes o direito dos trabalhadores a uma taxa de A gestão da investigação criminal, sobretudo em temremuneração acrescida para as horas de trabalho su- pos de crise, pode e deve fazer-se, racionalizando replementar, sendo que, o que se verifica, de facto, é que cursos e combatendo os desperdícios e as entropias as horas de trabalho suplementar prestadas pelos FIC/PJ, próprias de uma organização. Não deve nem pode quando em serviço de Piquete e/ou de Prevenção, não fazer-se à custa da compressão de direitos para lá do só não são pagas a uma taxa acrescida como, mais que é razoável. grave, são pagas em valor reduzido quando comparado com o valor/hora de trabalho normal. A argumentação apresentada pelo Ministério da Justiça, defendendo o actual regime, foi a sobejamente conhecida de todos: de acordo com a previsão do n.o 6 do art.o 79o da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (LOPJ),
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Nas Teias da Lei | Disponibilidade Funcional e Trabalho Suplementar | Pedro Rascão & Miguel dos Santos Pereira
25% do valor de remuneração base dos investigadores corresponde ao factor “disponibilidade funcional”, integrando, nessa sui generis interpretação, parte dos suplementos devidos por trabalho suplementar. A decisão do CEDS, rejeitou – e bem – a argumentação do Governo Português, na medida em que considerou que, a ser assim, os FIC/PJ, poderiam permanecer ao serviço por um número infindável de horas suplementares sem a devida compensação. Acrescentou ainda que, se esse fosse este – na verdade – o entendimento do Governo Português, mal se compreendia a razão pela qual foram estabelecidos os suplementos de Piquete e de Prevenção, no n.o 3 do art.o 79o da LOPJ, tendo sido estabelecida a fórmula de cálculo prevista na Portaria 98/97, que se mantém inalterada. A referida decisão é de uma importância extrema para todos os FIC/PJ, uma vez que na prática obriga o Governo Português a proceder aos necessários ajustamentos à fórmula de cálculo dos suplementos de Piquete, Prevenção e Turno, adequando-os ao disposto no n.o 2 do art.o 4o da CES. Abordaremos novamente este tema num futuro próximo, até porque sabemos que a actual Ministra da Justiça estará sensibilizada para o problema e para a urgência na sua solução. Todavia, entendemos que esta é apenas uma face do problema. Na outra face temos as infindáveis horas de trabalho extraordinário prestadas pelos FIC/PJ, formalmente fora do serviço de Piquete, Prevenção ou Turno, sem as quais muitas investigações correriam o risco de fracassar, senão mesmo tornarem-se impossíveis de realizar. A este propósito, não podemos acolher a interpretação As horas de trabalho suplementar prestadas pelos – no mínimo estranha – de recentes decisões dos TriFIC/PJ, quando em serviço de Piquete e/ou de Preven- bunais Administrativos, no sentido de que as horas de ção, não só não são pagas a uma taxa acrescida trabalho prestadas fora do horário previsto no Despacomo, mais grave, são pagas em valor reduzido cho Normativo de 18/2002 de 5 de Abril (Regulamento quando comparado com o valor/hora de trabalho nor- do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária mal. - RHTPPJ) só poderiam ser consideradas como trabalho extraordinário desde que, previamente, autorizadas pelo dirigente do respectivo serviço, aludindo para o efeito ao regime geral relativo à duração e horário de trabalho na função pública, aprovado pelo Decreto-Lei n° 259/98, de 18 de Agosto. Com efeito, tal julgamento não é compatível com as especificidades do trabalho desenvolvido pelos investigadores criminais. Bastará ter em atenção a planificação de uma operação policial que envolva buscas, as quais terão necessariamente de ser realizadas de acordo com o previsto no art.o 177o do Código do Processo Penal (CPP). Se acaso for determinada a realização de uma busca a iniciar pelas 07:00 horas (já para não falar das inerentes a casos de terrorismo ou de criminalidade organizada, que poderão ser realizadas entre as 21:00 e as 07:00 horas), como bem se percebe que assim seja na maior parte dos casos por razões de eficácia, como poderá ser enquadrada a prestação de trabalho dos funcionários que integrarem a equipa que assegurará a diligência? Trabalho normal não será, atento o horário de trabalho fixado pelo RHTPPJ. Se os membros da equipa não estiverem de turno, prevenção ou piquete (serviços que tem natureza distinta), também não haverá lugar a pagamento de qualquer suplemento. Trabalho voluntário também não será, uma vez que a organização das equipas de investigação que asseguram uma diligência é feita de acordo com as instruções dadas pela respectiva chefia - Coordenadores, Inspectores-Chefes ou Inspectores que chefiam brigadas (que na prática asseguram
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Nas Teias da Lei | Disponibilidade Funcional e Trabalho Suplementar | Pedro Rascão & Miguel dos Santos Pereira
competências adstritas a Inspectores-Chefe) – sendo que em caso de não comparência de algum dos funcionários destacados para a operação, a mesma poderá dar lugar a falta injustificada, com a consequente instauração de procedimento disciplinar, salvo se a justificação apresentada venha a ser atendida pelo superior hierárquico. Como resulta claro, tais decisões judiciais revelam – apenas e só – o desconhecimento das concretas funções que diariamente são exercidas pelos FIC/PJ. Mas o que é ainda mais estranho é que o Ministério da Justiça, conhecedor da forma como os seus funcionários de investigação criminal exercem as suas funções, ultrapassando os limites do aceitável por força um quadro de pessoal muito longe de estar preenchido (e que inexoravelmente conduz a excesso de trabalho por funcionário), com ritmos de trabalho necessariamente mais elevados, exigidos pela cada vez maior sofisticação da criminalidade que tem de ser investigada e combatida, não promova as necessárias alterações ao status quo vigente. E não se apresente como desculpa para a inacção o quadro de crise económica que vivemos. Todos nós somos sensíveis à crise que a Europa atravessa e, sobretudo, aos efeitos recessivos do resgate financeiro de Portugal e do Memorando da Troika. Contudo, não se pode aceitar que, no período conturbado que o País atravessa, com os indicadores de criminalidade a apontar para uma subida preocupante, muito motivada, justamente, pela crise, se limitem os direitos dos funcionários de investigação criminal, reduzindo remunerações e suspendendo (ou eliminando…?) o pagamento de subsídios de férias e de Natal, sine die, quando a outros funcionários públicos tenham sido reconhecidos regimes de excepção, alegadamente, pelas especiais funções exercidas. Terão os funcionários da TAP e da Caixa Geral de Depósitos funções mais relevantes que aquelas que
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Nas Teias da Lei | Disponibilidade Funcional e Trabalho Suplementar | Pedro Rascão & Miguel dos Santos Pereira
são exercidas pelos órgãos de polícia criminal, nomeadamente pelos FIC/PJ? Serão as horas de trabalho extraordinário, isto é, para lá daquilo que é o respectivo horário, consideradas também “trabalho voluntário” como, na prática, consideraram recentemente alguns Tribunais Administrativos a prestação de trabalho fora do horário normal por parte dos FIC/PJ? Certamente que não, e daí a urgência em corrigir as disfuncionalidades remuneratórias que existem na Polícia Judiciária. Como corpo superior e especial de Polícia, urge tratar a os funcionários de investigação criminal de forma compatível à definição que deles é dada (cf. Art.o 1o da Lei 37/2008 de 6 de Agosto e n.o 1 do Art.o 62o da LOPJ. É certo que existe um tratamento diferenciado em relação aos outros órgãos de polícia criminal (OPC) e autoridades policiais, aliás legalmente imposto. Mas não é menos certo que não se pode pretender que tal diferenciação permita tudo, ao ponto de violar normativos internacionais a cujo cumprimento o Estado Português se vinculou. É fundamental perceber que manutenção da ordem pública e investigação criminal não são a mesma coisa, ainda que possam coexistir níveis de investigação, como aliás se prevê na Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC). Mas, por ser assim, e estando cometida à Policia Judiciária a investigação exclusiva da criminalidade mais grave e complexa, nomeadamente transnacional, violenta e organizada, não se pode pretender que a diferenciação existente seja um privilégio. É antes a justa medida da diferenciação que existe face aos demais OPC. A gestão da investigação criminal, sobretudo em tempos de crise, pode e deve fazer-se, racionalizando recursos e combatendo os desperdícios e as entropias próprias de uma organização. Não deve nem pode fazer-se à custa da compressão de direitos para lá do que é razoável. Os FIC/PJ, à semelhança dos demais trabalhadores que exercem funções públicas, tem sabido acatar tudo o que lhes tem sido imposto, designadamente o corte dos subsídios de férias e de Natal, ainda que entendam que as especiais funções que lhe estão cometidas imporiam a mesma diferenciação que foi, mal ou bem, reconhecida noutros sectores da actividade do Estado, como vimos. A manter-se um sistema de remuneração de trabalho prestado fora do horário normal, sem que seja prestado no âmbito das Prevenções, Piquetes ou Turnos, isento de pagamento (é disso que estamos a falar!), sob a capa do serviço permanente e de uma norma que se tem prestado a interpretações (n.o 6 do art.o 79o da LOPJ), a nosso ver abusivas, é não perceber que o espirito de sacrifício e de missão dos FIC/PJ não é inesgotável. Acreditamos, porém, que a actual Direcção Nacional, sensibilizada que está, desde o início do seu mandato, para esta situação e conhecedora como é da actividade diária dos FIC/PJ, uma vez que tem como Director Nacional o primeiro funcionário de carreira que passou por todas as categorias do quadro de investigação criminal da Polícia Judiciária, não deixará de promover as necessárias reformas para que, enfim, possa ser reconhecido o legítimo direito dos investigadores a ver o seu trabalho diário, não só reconhecido, mas devidamente remunerado. Os FIC/PJ têm famílias que, na esmagadora maioria dos casos, são sacrificadas em nome da salvaguarda da eficácia das investigações criminais em curso. A justa medida de compensação é atribuir aos FIC/PJ a remuneração devida pelo seu esforço adicional, fora de horário, única forma de poderem fazer crer às suas famílias que o seu empenho e brio profissional, em detrimento do acompanhamento familiar, não é em vão.
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Nas Teias da Lei | Banco de horas e o trabalho extraordinário na investigação criminal: solução ou problema? | Helena Lages & José António Pires
por Helena Lages & José António Pires Advogados
Banco de horas e o trabalho extraordinário na investigação criminal: solução ou problema? É já longa a discussão entre a ASFIC e o Ministério da Justiça resultante da problemática dicotomia entre a prestação de trabalho suplementar lato sensu que permita a correcta prossecução da investigação criminal e os direitos fundamentais plasmados no art. 59.º da CRP. Por um lado, entende-se – pacificamente – que deve ser assegurada a eficácia da política de investigação criminal através de mecanismos que permitam assegurar o carácter permanente e obrigatório do serviço. Por outro lado, importa harmonizar as necessidades dos serviços com o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar, o direito à prestação do trabalho em condições de saúde e de segurança e o direito ao repouso e lazer. Dever-se-á, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio e ter em consideração vários factores, nomeadamente a exposição diária a riscos físicos e de vida que tornam o trabalho dos investigadores mais penoso e, por conseguinte, tornam o descanso e repouso mais importantes para o equilíbrio e eficácia do serviço. Há muito que se impõe uma reforma laboral que responda às especificidades da prestação de trabalho na investigação criminal e que regule de forma equilibrada a relação eficácia do serviço e direitos laborais. Sabido que no ordenamento jurídico coexistem dois campos jus-laborais: o campo das relações jus-laborais privadas e o campo do funcionalismo público cujo âmbito abarca também os funcionários da PJ. Por estranho que pareça, pese embora existam algumas especificidades provenientes do DL n.º 275-A/2000, a relação laboral da PJ é regulada pelo regime normal dos funcionários públicos e por incrível que seja, as particularidades do trabalho da investigação criminal ainda não mereceram uma adequada regulação legal, ainda que se venha a assistir a uma aproximação do campo público ao privado, com a flexibilização quer ao nível de despedimentos, quer ao nível de duração e horário de trabalho, sendo evidente cada vez mais os regimes tenderão para a uniformização1. Assim, importará perceber, o âmbito das reformas laborais no sector privado, uma vez que muitas alterações feitas poderão ver o seu âmbito de aplicação alargado ao sector público, o que, aliás, já foi manifestado pelo Governo no que diz respeito à última reforma laboral resultante do acordo dos parceiros sociais em sede de Concertação Social.
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Sintoma daquilo que entre nós já se chamou “nova gestão pública” e que se define pele fuga da Administração para o direito privado, mais flexível e eficiente. 2 Apesar de todo o mediatismo que rodeou a figura do banco de horas ela já estava plasmada na nossa legislação laboral desde a reforma de 2009. A reforma de 2012 introduziu, inter alia, a possibilidade de o estabelecer um banco de horas mediante acordo entre o empregador e o trabalhador.
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Nas Teias da Lei | Banco de horas e o trabalho extraordinário na investigação criminal: solução ou problema? | Helena Lages & José António Pires
Particular atenção mereceu o banco de horas2 cujas alterações se A impossibilidade ou elevada dificulfazem sentir no trabalho suplementar e que impõe uma atenta aná- dade de prever, situar e limitar no lise decorrente da problemática discussão entre a tutela e a ASFIC tempo as acções e diligências poliacerca do trabalho prestado para além do horário de trabalho. ciais, quanto ao início, duração e térO banco de horas define-se como método de organização do mino leva-nos a pôr em causa a tempo de trabalho em que o cumprimento do período normal de aplicação do banco de horas à investrabalho pode ser realizado em termos médios, através de uma tigação criminal. conta-corrente, onde as horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho são como que depositadas, para mais tarde serem convertidas integralmente em tempos de descanso em igual número, em retribuição ou em ambas. A composição do tempo de trabalho neste regime torna o período normal de trabalho assimétrico, com variações diárias, adequando-se ao interesse da entidade patronal. O regime de banco de horas constituiria uma alternativa ao regime do trabalho suplementar, permitindo uma gestão mais eficaz dos tempos de trabalho, bem como uma diminuição dos custos do trabalho, em razão da alteração de critérios e descanso compensatório e ainda do encargo relativo ao registo do trabalho suplementar. A discussão permitira perceber se um tal regime serviria aos picos de produção a um reforço de encomendas, podendo os empregadores planear o tempo de trabalho com uma antecedência limitada3. Descrito sucintamente este instituto legal, levantar-se-ão prontamente algumas dúvidas no que concerne à aplicabilidade daquele ao vínculo laboral dos investigadores criminais. Com efeito, como já alguém disse, “o criminoso não marca hora nem local para actuar, podendo o crime ocorrer a todo o momento”. A dinâmica criminal é imprevisível não é compatível com planificações de qualquer tipo. A impossibilidade ou elevada dificuldade de prever, situar e limitar no tempo as acções e diligências policiais, quanto ao início, duração e término levanos a pôr em causa a aplicação do banco de horas à investigação criminal . A inaplicabilidade desta figura não resultará apenas das vicissitudes próprias da investigação criminal, mas também da necessária compensação (pecuniária ou em tempo de descanso). Na verdade, há bastante tempo que se levanta a questão do tempo excessivo de trabalho consecutivo e o descontrolo existente no que toca ao (in)cumprimento dos descansos devidos aos inspectores. Pode-se dizer que, no âmbito da investigação criminal, a compensação horária é, efectivamente, de difícil previsão e de dificílima recuperação. A compensação pecuniária não parece também ser a melhor solução, tendo em consideração a situação periclitante das finanças públicas, pese embora se reconheça que o regime de banco de horas permite uma poupança para o empregador comparativamente com o regime de trabalho suplementar. A introdução desta figura trará porventura mais instabilidade a uma relação laboral já por si problemática, podendo contribuir mais para o problema do que propriamente para a solução. Para além de toda a burocracia cuja gestão lhes incumbe, os inspectores estão sujeitos a gerir um conjunto de situações imprevisíveis: buscas, seguimentos, detenções, confrontos, etc. Pelo exposto afigura-se, no mínimo, inoportuna a aplicação desta figura na investigação criminal, pelo menos enquanto não houver (a possível) estabilização nas relações laborais existentes no âmbito da investigação criminal. Bibliografia Base: • Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 2010 • Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010 • Vital Moreira, Sebenta de Direito Administrativo, texto policopiado, Coimbra, 2005/2006 • O Regime de Trabalho na Investigação Criminal – Comunicações, debates e conclusões da Conferência, Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, 2003
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A reforma em questão empreendeu a criação de um banco de horas grupal, ou seja, estabeleceu um banco de horas para uma equipa, uma secção ou uma unidade económica. Na realidade, no crime hodierno, não faz qualquer sentido a figura do investigador isolado, cada vez mais a investigação criminal é feita em equipas especializadas. 4 Esta figura tem sido, aliás, aplicada em sectores em que a produção requerida é previsível, como a metalurgia e a metalomecânica, a construção e os transportes.
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Nas Teias da Lei | Providências Cautelares – O Direito à Urgência (II) | José Manuel Goiana Mesquita
por José Manuel Goiana Mesquita Advogado
Providências cautelares – o direito à urgência (II) Mas eu não quero o tempo, quero a realidade, Quero as cousas que existem, não tempo que as mede” (Fernando Pessoa / Alberto Caeiro)
Em anterior texto sobre providências cautelares foi referido que a lei prevê expressamente, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, um elenco de seis providências. Mas, foi também referido, trata-se de um catálogo aberto. Porquanto para além destas podem ser decretadas providência previstas na lei de processo civil, e ainda providências não previstas em lado algum – desde sejam adequadas à tutela cautelar que o caso concreto justifica ou exige. Ficaram para momento posterior algumas palavras sobre os critérios de decisão: quando e em que circunstâncias é que o juiz administrativo deve considerar procedente ou improcedente a solicitada tutela cautelar. Por uma questão de simplificação vamos concentrar a atenção numa das providências que se encontram expressamente previstas: a admissão provisória em concursos e exames. Consideremos então que, em procedimento concursal do âmbito da carreira de investigação criminal, determinado candidato é excluído numa fase procedimental inicial porque, entende o júri, não demonstra documentalmente a licenciatura que diz ter e que é fator indispensável de admissão da candidatura. No entanto, entende o candidato, ao apresentar a candidatura fez juntar documento o comprovativo idóneo, emitido pela respetiva Universidade. Em tal contexto, arredado liminarmente da possibilidade de prestar prova escrita, não ficará incluído em lista classificativa final. E mesmo que o Tribunal lhe conceda razão em ação administrativa, só muito depois de todas as promoções feitas é que o direito virá a ser reconhecido. E as dificuldades em passar do reconhecimento direito à sua efetivação vão ser mais que muitas, e muito demoradas. Poderá então o candidato erradamente afastado lançar mão da possibilidade de ser admitido de forma provisória em concursos e exames. Para o efeito tentará demonstrar – como já vimos antes, de forma sumária, instrumental e provisória – que documentou devidamente a licenciatura que diz possuir. A Administração irá por seu turno dizer que tal grau académico não foi atribuído, ou não está reconhecido em Portugal, ou o documento não o comprova, ou o documento que a pretende comprovar não é válido, etc. Isto posto, como decidir? Interessa por isso refletir sobre quais os critérios que vão determinar a decisão do juiz administrativo, num ou noutro sentido. Por outras palavras: com que fundamentos o juiz vai deferir a requerida providência, decidindo que o candidato vá provisoriamente fazer provas, ou indeferir, não decidindo desse modo. E aqui haverá que distinguir bem duas hipóteses. A primeira: o juiz considera que é “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”. Ou porque o certificado universitário não lhe oferece a menor dúvida e está devidamente registada a respetiva apresentação, ou porque o júri de algum modo admite haver incorrido em lapso. Em tal circunstancialismo o juiz, não tendo dúvida – por ser “evidente” – que a pretensão do candidato merece provimento, decretará a pretendida providência, o interessado será admitido às provas e o procedimento de concurso tramitará até final: até publicação da lista ordenada final e subsequente homologação.
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Segunda hipótese: pode a pretensão não ser tão evidente assim, por múltiplas razões que não importa sequer exemplificar. É o que normalmente sucede no dia-a-dia dos tribunais administrativos. Por isso que o decretamento da providência com base unicamente naquele critério de decisão, a evidência das razões do requerente, acontecerá bem
Interessa por isso refletir sobre quais os critérios que vão determinar a decisão do juiz administrativo, num ou noutro sentido. Por outras palavras: com que fundamentos o juiz vai deferir a requerida providência, decidindo que o candidato vá provisoriamente fazer provas, ou indeferir, não decidindo desse modo.
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poucas vezes. Bem pelo contrário, nas situações mais correntes não ocorre tal “evidência”. Haverá então que ponderar-se o fumus boni iuris ou, como também se usa dizer, a aparência do bom direito. O que irá ser conjugado com outros fatores de ponderação: a saber, o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. E ainda a consideração dos interesses públicos e privados que no caso concreto estejam em causa. Aqui chegados importa sublinhar que importa ter noção da distinção entre providências cautelares conservatórias e antecipatórias. É que o fumus boni iuris – a aparente procedência, digamos assim – vai relevar de modo diferente conforme se trate de uma ou de outra. No caso de providência conservatória (simplificando: a que se destina a manter a situação existente) será ela decretada “desde que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal” ou não seja manifesta a ocorrência de circunstâncias que obstem ao conhecimento da questão de mérito. É o que se chama a vertente negativa do fumus boni iuris. Situação diferente é a da providência antecipatória. Justamente porque visa alterar a situação existente criando um situação jurídica nova, compreende-se que a lei imponha um exame diferente, mais ponderado e mais exigente de tudo o que está em questão. E então só será deferida se, ponderados sempre os demais critérios, “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”: é o fumus boni iuris na sua vertente positiva. Como facilmente se infere, a admissão provisória num concurso ou num exame é medida antecipatória, pelo que será exigível o fumus boni iuris nesta última variação. No entanto, excluindo aquela primeira hipótese, claramente especial, nenhum destes critérios é excludente dos demais: o juiz terá de os conjugar com a ponderação dos “interesses públicos e privados em presença”. E deverá recusar tutela cautelar se concluir que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências diversas das requeridas. Nada disto é assim se no processo principal estiver em causa apenas o pagamento de uma quantia certa sem natureza sancionatória. Neste caso a providência será adotada, independentemente da verificação dos demais requisitos, desde que seja prestada garantia numa das formas previstas na lei. Por fim: as providências cautelares hão-de limitar-se ao que for estritamente necessário para evitar a lesão do interesse defendido pelo interessado - requerente. Pode decretar providência diferente da que foi requerida e pode rever mais tarde o que anteriormente decidiu, revogando, alterando ou substituindo a decisão, no decurso da ação principal. Voltando ao nosso exemplo: pode o Tribunal entender mais adequado à proteção dos interesses do particular que, para além da prestação provisória de prova, o procedimento de concurso seja sustado. E o inverso: bem pode acontecer que na pendência da ação se descortine que afinal o diploma de licenciatura é falso… razão que levará o juiz a revogar a sua anterior decisão. O que bem se compreende, tendo em conta o carácter instrumental, sumário e provisório de toda e qualquer decisão cautelar. Foi assim que o legislador de 2004 em boa hora se propôs colmatar uma tão grave lacuna antes existente, a da quase absoluta carência de proteção cautelar no nosso ordenamento processual administrativo. O sistema que agora está em vigor promove o equilíbrio entre dois princípios estruturantes do ordenamento jurídico: o princípio da prossecução do interesse público e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Compreende-se que haja urgência por parte da Administração – tal e qual como se compreende que igual urgência tenha o cidadão em evitar que uma decisão administrativa produza danos irreparáveis ou de difícil reparação. São estes dois tempos – estas duas urgências – que têm no atual sistema um tratamento que de forma mais ou menos unânime tem sido interpretado como equilibrado, proporcionado e fundamentalmente justo. Ponto é que a loucura legiferante que tantas vezes predomina de forma desenfreada, as mais das vezes a reboque dos media ou da avulsas agendas políticas, saiba preservar a atual tutela cautelar administrativa. Que, naturalmente, pode ser melhorada. Mas com o cuidado de se considerar sempre que muitas vezes a alteração ou correção de um ou outro pormenor de somenos pode ser o pretexto para se abrir a porta à tal voragem destrutiva…, rigorosamente a evitar.
Referências legais: Constituição da República, nº 5 do artº 20º, nº 4 do artº 268º; Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artºs 112º a 134º e 147º; Código de Processo Civil, artºs 393º a 427º .
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JUSTIÇA E SEGURANÇA INTERNA
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Rui Miranda Pedro Rasc達o Joaquim Freitas da Rocha Carlos Pinto de Abreu
CESDN
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Justiça e Segurança Interna | O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – O papel da Polícia Judiciária | Rui Miranda
por Rui Miranda Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Sul
O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN)
O papel da Polícia Judiciária O actual governo português, por intermédio do actual Ministro da Defesa Nacional (MDN), solicitou em meados do ano de 2012, através do Despacho n.o 1348/2012 de 11 e Junho, que viesse a ser criada uma comissão, sobre a qual viria a recair a responsabilidade de elaborar uma proposta com vista a “remodelar” o vigente Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), vertido na Resolução de Conselho de Ministros n.o 6/2003 de 20 de Janeiro. Considerada do domínio público, a proposta apresentada em finais do ano de 2012, resultou numa inovação, pois não só se considerou a alteração ao actual CEDN mas também, estabeleceram-se os parâmetros para um conceito mais alargado, o qual, veio a convergir num regime de “interoperabilidade” entre os sistemas de Segurança Interna (SSI), de Defesa Nacional (SDN), de Informações da República (SIRP) e de Operações, Protecção e Socorro (SIOPS). A proposta vem assim apresentar um Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN), onde, em traços gerais e na sua essência, se promove um regime mais alargado de interoperabilidade entre organismos adstritos à defesa nacional, nomeadamente as Forças Armadas (FA) e à segurança interna, ou seja, às Forças e Serviços de Segurança (FSS). Desta proposta de CESDN, terá resultado um novo conceito: o de Segurança Nacional (SN). Bem, muito se tem falado contra e a favor desta proposta de CESDN, e acima de tudo do conceito de SN, julgando-se necessário fazer-se uma breve súmula, em traços muito gerais, sobre o que decorre legalmente e institucionalmente quanto ao vigente CEDN e das alterações de relevo propostas pelo CESDN, nomeadamente, aquelas que se centram nos planos da Segurança Interna, Defesa Nacional e Informações. Assim, o n.o 1 e n.o 2 do art.o 273.o da Constituição República Portuguesa (CRP), refere que cabe ao Estado assegurar a defesa nacional, onde esta última tem por objectivo, a manutenção da independência nacional, assim como, a integridade, liberdade e segurança da sua população contra qualquer agressão ou ameaça externa, cabendo às FA, cf. vem vertido no n.o 1 do art.o 275.o da CRP, a defesa militar da República Portuguesa (RP). Por outro lado, reza o n.o 1 e 2 do artigo 1.o da vigente Lei de Segurança Interna (LSI)1 que a segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado, para garantir a ordem, a segurança, e a tranquilidade pública, assim como, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade, sublinhando-se que a segurança interna, será sempre exercida nos termos da CRP, assim como, das leis penais, lei-quadro da política criminal, leis sobre política criminal e das leis orgânicas das forças e serviços de segurança, ou seja, cf. o disposto no n.o 1 do art.o … no âmbito das suas funções e tendo em conta 25.o da LSI, da Guarda Nacional Republicana (GNR), que as suas competências se focam essencialPolícia de Segurança Pública (PSP), Polícia Judiciária mente nos planos da criminalidade violenta, es(PJ), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Ser- pecialmente violenta e altamente organizada, a viço de Informações e Segurança (SIS), Autoridade PJ desempenhou desde sempre uma profícua Marítima Nacional (AMN) e órgãos do Sistema de gestão de informações policias/criminais quer foAutoridade Aeronáutica (SAA). cada no plano da investigação criminal, quer nos
planos da prevenção e detecção… 1
Lei n.o 53/2008 de 29 de Agosto.
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Justiça e Segurança Interna | O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – O papel da Polícia Judiciária | Rui Miranda
Em suma, e segundo o exposto, entender-se-á numa primeira instância, que a defesa nacional caberá FA e a segurança interna às FSS. O certo é que desde os ataques terroristas perpetrados contra os Estados Unidos da América (EUA) em 11 de Setembro de 2001 (onde resultaram 2977 mortos e 6291 feridos), os conceitos de segurança e defesa sofreram consideráveis e substanciais alterações, quer nos EUA, quer ao nível dos seus aliados europeus que por força das circunstâncias e prevendo ataques terroristas – que acabaram por ocorrer em Espanha em 11 de Março de 2004 na rede ferroviária em Madrid, Espanha (onde resultaram 191 mortos e 1700 feridos) – assumiram, essencialmente ao nível dos países membros do Tratado da Organização do Atlântico Norte (OTAN/NATO), da União Europeia (EU) e da União da Europa Ocidental (UEO), alterar as suas doutrinas de contra-terrorismo. Independentemente das ameaças e riscos inerentes à criminalidade, especialmente aquela associada aos crimes de tráfico de estupefacientes, tráfico de pessoas e tráfico de armas, o crime de terrorismo e de organizações terroristas, principalmente o sustentado no fundamentalismos islâmico, tornou-se um verdadeiro quebra-cabeças dos Estados sustentados em regimes democráticos. Por tal, e equacionando-se duas das dimensões capazes de neutralizar substancialmente a ameaça e o risco das acções terrorista, considerou-se elevar o seu “combate” num plano a montante (a chamada, “guerra preventiva”), ou seja, na aposta na prevenção e detecção. Assim, e tal como num jogo de xadrez, a opção de ouro foi o investimento na gestão de informações de segurança, policiais/criminais, militares e estratégicas, sendo certo que as ofensivas militares no Afeganistão e Iraque (na última década), tornaram provavelmente possível, uma elevada obtenção de informações “preventivas” tendentes à neutralização de múltiplas ameaças terroristas, quer nos EUA, quer na Europa. Bem, efectivamente, e sem entrar em grandes pormenores, a proposta apresentada face ao “novo” conceito estratégico, entende – na opinião do autor – um investimento a montante no sentido de vir a diminuir o risco, assim como gerir a ameaça por forma a detectá-la antecipadamente e subsequentemente, neutralizá-la. Pelo facto, e para um pais como Portugal, cujos meios humanos, logísticos e financeiros são exíguos, e fortemente dependente do sucesso do tecido empresarial e das infra-estruturas (muitas delas consideradas criticas, quando ao seu potencial de risco e ameaça), vir a ser a ser alvo de um ataque terrorista, assim como, tornar o pais numa “porta-giratória” de transacções de génese criminosa, assim como numa “base” de operações para organizações criminosas, estará fora de qualquer equação, quer no que concerne aos interesses nacionais em concreto, quer no que concerne aos interesses da União Europeia, tal como aos interesses dos restantes aliados. A criminalidade actual – pois não nos devemos esquecer que mesmo o fenómeno terrorista é também ele um facto tipificado como ilícito criminal – opera cada vez mais num plano “subversivo” fazendo lembrar uma actuação de guerrilha, ou seja, uma “guerra não convencional”, onde a dissimulação e extrema mobilidade dos seus agentes, aliada a consideráveis capacidades financeiras e corruptivas, torna-a quase invisível às instâncias estatais de segurança e defesa. Nesse sentido, investir-se na disponibilidade de meios humanos e logísticos, para num regime de protocolo, actuarem a montante e a jusante, de forma articulada e num registo de interoperabilidade, será com todo a certeza, a decisão mais viável e mais rentável. No entanto, e face ao objecto do presente artigo, várias questões se devem colocar face às propostas apresentadas no âmbito do CESDN de forma a que as mesmas possam vir a ser comparadas e analisadas com o
Acrescente-se ainda que a PJ mantém a sua estrutura policial e de informações, estruturada numa simbiose entre o trabalho de investigação criminal e de prevenção e detecção criminal, onde impera a proficiência dos ciclos de produção de informações (CPI) tendentes a neutralizar potenciais ameaças, como p.e. o terrorismo e tráfico de armas de destruição massiva.
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Parecer n.o 147/2001 de 9 de Novembro.
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já actual CEDN, assim como, com alguma da legislação já existente. Já verificamos neste artigo, a distinção entre a defesa nacional e a segurança interna e quem se assume como seus legais e representantes e operadores, agora a questão que se coloca é a de: será esta uma ideia nova, a de empenhar as FA no plano da segurança interna num registo de interoperabilidade? Não, não é uma ideia nova! Logo após os ataques terroristas de 2001 aos EUA, Portugal, na figura do seu Procurador-Geral de República (PGR) e através de um seu parecer, datado de 9 de Novembro de 20012, foi claro ao assumir que os conceitos de ameaça e agressão externos (ou seja, provenientes de fora de Portugal), são conceitos indeterminados que abrangem novas formas de actuação externa, susceptíveis de afectar bens jurídicos que constituem objecto do conceito constitucional de defesa nacional. Por tal, assume o PGR que a defesa nacional, poderia desde então, exercer uma componente externa caracterizada por um exercício legítimo de defesa, no quadro dos compromissos internacionais e uma componente interna, focada na protecção contra ameaças externas, dentro do espaço físico do território nacional, com especial enfoque naquelas que viessem a afectar as nossas infraestruturas críticas (IEC), na medida em que constituíam interesses vitais para o bem-estar e segurança das populações. Aliás, o vigente CESN, interrelaciona os conceitos de segurança interna e externa e os objectivos que estes prefiguram na medida em que as acções terroristas de génese transnacional, transcendem a capacidade de resposta individual dos Estados, assumindo-se por tal que esta será também ela, uma missão das FA. Assim, quando a proposta de CESDN destaca o empenho das FA no plano da segurança interna, não será concerteza uma ideia recente. No entanto, julga-se importante ressalvar – pelo que o autor interpreta – que a intervenção das FA é actualmente proposta num princípio de interoperabilidade e complementaridade de meios humanos e logísticos em casos que não venham a sugerir a implementação de estados de excepção, tais como o Estado de Sitio (ES) ou o Estado de Emergência (EE), essencialmente no plano da protecção e segurança física de bens jurídicos susceptíveis de enquadrarem, p.e, IEC, quer nacionais quer europeias (ou seja, aquelas cujo comprometimento venha a afectar mais do que um Estado membro da EU). Talvez por tal, se tenha vindo a assumir a intervenção a montante – ou seja, no plano securitário – da GNR, a qual, por se assumir como detentora de uma “dupla valência”, na medida em que é considerada uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas, dependente em regra, do Ministério da Administração Interna (MAI), e por excepção, do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), ou seja, do Ministério da Defesa Nacional (MDN). Agora, o que não se tornará concerteza funcional é centralizar num organismo vocacionado essencialmente para a gestão da segurança e manutenção da segurança e ordem pública, qualquer que ele seja, competências para a prevenção, detecção e investigação criminal centradas em tipologias criminais, tais como terrorismo, assim como, em crimes, a título de exemplo, de tráfico de armas, trafico de estupefacientes, entre outros afins. Para tal, decorre da vigente Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) e da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (LOPJ), que cabe à PJ, como corpo superior de polícia, a prevenção, detecção e investigação criminal dos crimes elencados no n.o 2 do art.o 7 da vigente LSI. Aliás, no âmbito das suas funções e tendo em conta que as suas competências se focam essencialmente nos planos da criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, a PJ desempenhou desde sempre uma profícua gestão de informações policias/criminais quer focada no plano da investigação criminal, quer nos planos da prevenção e detecção, sublinhando-se a título de exemplo os resultados da sua Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), antecessora da atual Unidade Nacional de Contra Terrorismo O título comparativo, poder-se-á fazer referência (UNTC), face às acções e subsequente desmantelaà congénere norte-americana da PJ, nomeada- mento das antigas Forças Populares 25 de Abril mente o “Federal Bureau of Investigation” (FBI), (também conhecidas como FP-25), onde o papel das onde ao nível da segurança interna dos EUA de- informações policiais/criminais e até de segurança, sempenha um papel fulcral na identificação e foram fundamentais para o sucesso da neutralização gestão das ameaças e riscos contra os EUA fo- daquela ameaça, que imperava sobre a recém-criada cando essencialmente a sua missão na preven- democracia. Acrescente-se ainda que a PJ mantém a sua estrução e detecção. tura policial e de informações, estruturada numa simbiose entre o trabalho de investigação criminal e
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de prevenção e detecção criminal, onde impera a proficiência dos ciclos de produção de informações (CPI) tendentes a neutralizar potenciais ameaças, como p.e. o terrorismo e tráfico de armas de destruição massiva. A título comparativo, poder-se-á fazer referência ao congénere da PJ, nomeadamente o “Federal Bureau of Investigation” (FBI), onde ao nível da segurança interna dos EUA desempenha um papel fulcral na identificação e gestão das ameaças e riscos contra os EUA focando essencialmente a sua missão na prevenção e detecção. Aliás, no que concerne à gestão das informações policias/criminais, mas também das respeitantes às de segurança, o FBI assume a missão que em Portugal é atribuída ao SIS, porquanto – tendo em contra que “quem pode o mais pode também o menos” – considerou-se que seria desenvolvido neste modelo uma optimização de capital humano, operacional, tecnológico, logístico e financeiro. Veja-se a título de exemplo, o programa do FBI ao nível do contra-terrorismo onde aquele organismo policial, veio a criar uma “National Joint Terrorism Task Force” (NJTTJ), traduzida numa estrutura operacional conjunta, composta por diversas entidades federais, estatais e locais de segurança dos EUA, organizada em sub-estruturas (JTTF) localizadas em cerca de 100 cidades.
Integrar o SIS na Estrutura de Informações da PJ Pelo exposto, poder-se-á afirmar – no plano da segurança interna e defesa nacional – subentendendose já aqui o conceito alargado de SN, que apesar do necessário empenho de meios ao nível da segurança física, do pessoal e afins, é imprescindível a investimento nas informações quer estratégicas quer militares, assim como, e mais voltado para o plano interno, nas informações de segurança e policiais/criminais, porquanto, e seja qual for o Estado, não se pense que é pela força que se conseguirá fundamentalmente suster uma ameaça, mas sim, e a montante, pela sua antecipação onde o investimento no “saber” é nuclear e vital. Assim, seria de considerar – na opinião do autor – que ao nível do plano integrado de SN, e no que se refere aos domínios da prevenção, detecção, investigação criminal e gestão de informações caberá à PJ – organismo tutelado pelo Ministério da Justiça e cujas investigações criminais se encontram tuteladas e supervisionadas pela magistratura – um papel de extraordinário relevo, quer junto das tomadas de decisão dos executivos governamentais (num plano alargado da SN), quer junto da magistratura. Apesar de viver com consideráveis limitações no que concerne ao número de funcionários da carreira de investigação criminal, assim como da policia cientifica e técnica, a PJ, caso viesse a assumir a gestão das informações de segurança – para além daquelas que já produz no plano preventivo e da detecção – poderia vir a criar uma carreira complementar de informações onde, à semelhança do FBI, operassem os funcionários adstritos às informações de segurança podendo equacionar-se inclusive, uma integração do próprio SIS – com a devida manutenção das carreiras e progressões – na estrutura de informações da PJ, até porque, e dentro das vigentes limitações legais instituídas em Portugal, para além da PJ, nenhum órgão de policia criminal ou serviço de informações, detém cumulativamente a permissão legal para o recurso às intercepções das comunicações, assim como, ao empenho de agentes destinados às acções encobertas, inclusive, em acções de prevenção criminal, recordando-se que estas ferramentas de investigação são completamente vedadas aos serviços de informações portugueses. O autor é Licenciado em Psicologia Criminal e do Comportamento Desviante, Mestre em Relações Internacionais na especialização em Segurança e Informações, Pós-Graduado em Segurança Interna e em Informações e Segurança. Vai tomar posse no VII Congresso Nacional da ASFIC/PJ (18 e 19 de Abril de 2013) como Secretário da Direcção Regional Sul da ASFIC/PJ.
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Justiça e Segurança Interna | (Des)Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional | Pedro Rascão
por Pedro Rascão Advogado
(Des)Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional Devido à situação económica que o País tem enfrentado, o Governo considerou necessário revisitar um tema, ciclicamente colocado na ordem do dia, promovendo a definição de um novo (?) Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) aparentemente mais abrangente, realista e claro. Para tal, foi constituída uma comissão de sábios, que produziu um relatório assente três pilares essenciais: segurança e defesa nacional, crescimento económico e social e diplomacia e forças armadas. O aludido relatório, priorizando as questões económicas, relacionadas com a crise que Portugal enfrenta, enuncia as principais vulnerabilidades que, supostamente, limitam a plena mobilização dos activos dificultando a resposta a riscos e ameaças externas, entre elas, desigualdades sociais e pobreza; as questões relacionadas com o endividamento externo, que limita a liberdade de acção governativa; invoca o deficiente funcionamento do sistema da Justiça, e o agravamento da dependência alimentar externa. Neste seguimento são enunciados objectivos nacionais permanentes e conjunturais de forma a combater os principais constrangimentos e as vulnerabilidades nacionais; medidas de prevenção e combate a riscos e ameaças à Segurança Nacional; e valorização de recursos distintivos. Indo ao cerne da questão que nos ocupa, teremos de ter em atenção as medidas propostas de prevenção e combate de riscos e ameaças à segurança nacional, principalmente à segurança interna, em face da conjuntura actual. Mas será que a estrutura pode, sem mais ser abalada pela conjuntura? Tal como refere o relatório, o sistema de segurança interna dispõe de um conjunto de forças e serviços de segurança, de acordo com o art.o 6o da Lei de Segurança Interna n.o 53/2008, de 29 de Agosto, (LSI), sendo no entanto estranho que o documento apenas faça referência à Polícia de Segurança Pública (PSP) e à Guarda Nacional republicana (GNR). De acordo com o disposto do art.o 25o n.o 2 da LSI, exercem funções de segurança interna, para além das duas “forças de segurança” (por excelência) supra referidas, a Polícia Judiciária (PJ), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e o Serviço de Informações de Segurança (SIS), entidades que são completamente ignoradas no relatório. Não nos iremos deter a uma análise profunda do relatório, embora se possam fazer várias críticas à ratio economicista do mesmo, vincada pelo acento tónico nestas questões. Mas não poderemos deixar de salientar que, para um relatório desta natureza e com o propósito de definir um novo conceito estratégico de segurança e de defesa nacionais, seja o mesmo fértil na panorâmica e árido nas soluções. A mais importante alteração que este (novo?) conceito pretende introduzir, é transferir para a GNR a missão de “combate à criminalidade mais violenta e ao terrorismo na protecção dos pontos sensíveis (em articulação com
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a PSP), na vigilância e no controlo das infra-estruturas críticas e das principais vias de comunicação e fronteiras”. Relativamente a esta questão, é essencial referir que a GNR e a PSP, tal como a PJ são órgãos de polícia criminal (OPC), e nesse sentido possuírem competência em matéria de investigação criminal. As competências em matéria de investigação criminal da PSP e GNR encontram-se respectivamente previstas nos artigos 3o n.o 1 al. e) da Lei n.o 63/2007 de 31 de Agosto (Lei Orgânica da PSP) e 3o n.o2 al. e) da Lei n.o 53/2007de 6 de Novembro (Lei Orgânica da GNR). Ambas as disposições legais fazem remissão para o art.o 6o da Lei de Organização da Investigação Criminal n.o 49/2008, de 27 de Agosto (LOIC), que prevê expressamente que compete a estas forças de segurança “a investigação dos crimes cuja competência não esteja reservada a outros órgãos de polícia criminal e ainda dos crimes cuja investigação lhes seja cometida pela autoridade judiciária competente para a direcção do processo”. Tal significa, pois, que a competência em matéria de investigação criminal destes dois OPC´s é apenas residual. Por outro lado, e relativamente à PJ, o art.o 7o n.o 2 da LOIC enuncia que a matéria de investigação criminal relativa a ilícitos criminais mais graves e complexos são da competência exclusiva desta polícia, não podendo tal competência ser diferida a outros OPC’s. O que leva a concluir que a LOIC, definindo expressamente a distribuição de competências entre os vários OPC, visa reconhecer a PJ como polícia de investigação criminal por excelência, destacando-a de outras forças de segurança, nomeadamente a PSP e a GNR. Tal distinção, tem consagração legal, sendo a PJ definida como um corpo superior de polícia criminal, que tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, bem como desenvolver e promover acções de prevenção, detecção e investigação em crimes da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes (cfr. art. 2o n.o1 da Lei n.o 37/2008 de 6 de Agosto – Lei Orgânica da PJ e art. 3o n.o4 da LOIC). Devemos recordar que a GNR é uma força de segurança de natureza militar, caracterizada como uma força militar de segurança pública, tendo como missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional (cfr art. 1o da sua Lei Orgânica n.o 63/2007 de 6 de Novembro) e a PSP uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público que tem por missão, igualmente, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos (conforme o art. 1o n.o1 e 2 da sua lei Orgânica n.o 53/2007 de 31 de Agosto). O que nos leva a concluir que a função primordial destes dois órgãos de polícia criminal é assegurar a ordem pública, ao contrário da PJ que exerce primordialmente funções de investigação criminal, sendo esta uma missão que por excelência lhe é reservada. A PJ tem tido um papel fulcral na coordenação operacional dos OPC´s, inclusive no combate à criminalidade mais violenta e ao terrorismo que só uma polícia vocacionada de raíz para a investigação criminal pode ter. Como supra referido, prevê-se no art. 7o n.o2 da LOIC que é matéria reservada à PJ, nomeadamente a investigação criminal de crimes de organizações terroristas e terrorismo; crimes de tráfico de estupefacientes, corrupção e criminalidade económica e financeira, entre outros fenómenos criminais de maior gravidade e alarme social. Neste contexto, e tendo em atenção a missão de combate ao terrorismo, a Lei Orgânica da PJ veio criar uma unidade nacional especializada em corrupção, terrorismo e tráfico de estupefacientes, designada por Unidade Nacional Contra Terrorismo (UNCT), direccionada à prevenção, detecção, investigação criminal e coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente a esses crimes e outros conexos. Ora, atento o exposto e salientando que a PJ foi especialmente criada para auxiliar a administração da justiça, sendo inegável e reconhecida a importância que este órgão de polícia criminal tem exercido no combate às distintas formas de criminalidade, revelando consistência organizativa e eficácia operacional. Portanto, qualquer tentativa ou acto de terrorismo é, tal como legalmente previsto, da competência exclusiva deste OPC. Desta forma, é censurável não haver qualquer referência à PJ no relatório apresentado. E ainda mais grave, se promover a retirada de competências que legalmente lhe está reservada, diferindo-a à GNR, coadjuvada pela PSP, sem que se dedique uma linha à (óbvia) necessidade de promover um conjunto de alterações legislativas com impacto na organização da investigação criminal. Admitimos que a omissão de referência à PJ no referido relatório ficou a dever-se ao facto de este OPC não ser uma força de segurança mas sim uma polícia de investigação criminal. Porém, acaba por ser contraditória a missão que o CESDN pretende atribuir à GNR no combate à criminalidade mais violenta e ao terrorismo, matéria essa
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Justiça e Segurança Interna | (Des)Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional | Pedro Rascão
– como vimos - de competência legalmente exclusiva da PJ, reconhecendo, ainda que implicitamente, ser esta polícia de cariz iminente investigatório e, portanto, excluída do conceito estratégico que se vija implementar. Perante a análise deste relatório é indiscutível que a comissão que o elaborou desvalorizou o sector da Justiça e, sobretudo, o papel e o reconhecimento público da PJ, como órgão de polícia de investigação criminal por excelência e de excelência. Aceitar este novo conceito, com as alterações que o mesmo implicaria, designadamente a revisão da ordem jurídica relacionada com a segurança e com a investigação criminal, seria desvirtuar o papel distinto que está atribuído a cada OPC, de acordo com os seus objectivos primordiais. A separação entre Justiça e Administração ou Segurança Interna, e destas com a Defesa Nacional, é fundamental para que não se comprimam direitos fundamentais, confundindo planos e misturando conceitos. A Segurança Interna visa a promoção e manutenção da ordem pública, a Defesa Nacional tem como missão assegurar a defesa do território nacional e dos seus cidadãos na diáspora, não podendo, naturalmente, exercer funções de administração da Justiça, designadamente fora do quadro da organização criminal vigente. Melhor teria sido que o Governo encarregasse a uma comissão, de (verdadeiros) sábios na matéria, a redefinição completa das competências de investigação criminal, retirando competências de investigação às forças de segurança que para tal não foram concebidas. Discutir o caminho inverso é pretender afectar o moral dos funcionários de investigação da PJ, polícia criada e concebida exclusivamente para a prevenção e investigação criminal, desde a sua origem. Esperamos que, como felizmente tem acontecido até hoje, o (novo?) conceito estratégico de segurança e defesa nacional tenha o mesmo fim da (também) peregrina ideia de criação da Polícia Nacional: a gaveta mais escondida do gabinete de quem o promoveu. Para bem de todos!
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Justiça e Segurança Interna | Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – Breve Comentário | Joaquim Freitas da Rocha
por Joaquim Freitas da Rocha Doutor em Direito Professor Auxiliar na Escola de Direito da Universidade do Minho Director do Departamento de Ciências Jurídicas Públicas Director do Mestrado em Direito Tributário e Fiscal
Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – Breve Comentário 1. Tendo presente que, por vários motivos — entre os quais a crise económica e social generalizada e a submissão a um regime de assistência financeira internacional —, “pesa sobre o país uma descrença (...) que é indispensável e urgente contrariar”, ensaia-se um documento que procura incorporar um novo (?) animus e um novo modo de perspectivar algumas das mais relevantes dimensões da convivência comunitária. Tratase do Conceito estratégico de segurança e defesa nacional (CESDN), um documento não normativo que procura condensar linhas de pensamento e de actuação em vista da definição de um “objectivo nacional” e da devolução aos portugueses, quer do “sentido da dignidade da sua nação”, quer do “respeito que lhe é devido”. Ao longo do mesmo, identificam-se, em contextos vários, os “activos nacionais” (entre outros, a identidade e coesão nacionais, o regime democrático consolidado, a centralidade territorial no espaço atlântico e a valia linguística) e as “vulnerabilidades internas” (por exemplo, o endividamento, as desigualdades sociais e a pobreza, o envelhecimento da população, o deficiente funcionamento do sistema de justiça ou a excessiva dependência energética) e, em face quer de uns quer de outros, são apontados os objectivos nacionais, sejam eles permanentes, sejam eles conjunturais. Ora, analisando o vasto âmbito de tópicos que no referido Conceito são abordados, algumas considerações críticas, construtivas, nos merecem especial atenção. 2. Desde logo, a identificação dos pilares da estratégia de segurança e defesa nacional, a qual nos parece redutora e demasiado localizada no tempo. Identificam-se três pilares, a este propósito - o crescimento económico e social, a diplomacia e as forças armadas. Compreende-se que estes o sejam, embora o primeiro deles apenas aqui figure por razões conjunturais e temporalmente situadas (“Só um país económica e financeiramente saudável, de contas equilibradas, pode suportar a despesa dos outros pilares...”). Mas e o que dizer da justiça e, principalmente, da educação? 3. Não nos parece que seja possível negligenciar a ideia de que só um Estado com um sistema de Num quadro em que se faz questão de enfatizar justiça sério e eficiente (com Tribunais e outros os princípios da complementaridade e da interórgãos a decidir em tempo útil) é que se pode dependência entre todas as forças do sistema, o afirmar como um verdadeiro Estado de Direito; que dizer ausência de referência integrada à incaso contrário sê-lo-á apenas do ponto de vista vestigação criminal e ao papel que os respectivos formal. Deve-se conceder que se prevêem linhas órgãos (onde se situa, por exemplo, a “esqueimportantes a respeito deste tópico – por exem- cida” Polícia judiciária), desempenham na consplo, defende-se a criação e o reforço de formas trução de um Estado seguro?
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Justiça e Segurança Interna | Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – Breve Comentário | Joaquim Freitas da Rocha
de solução alternativa de litígios e a correcção de “esquemas processuais” civis, penais, e administrativos, os quais “se têm revelado neutralizadores de um processo justo”. Contudo, apesar destas referências, a não consideração da justiça como pilar essencial secundariza de certo modo as questões e torna-as subalternas relativamente a outras dimensões. Por outro lado, neste segmento de análise, estamos em crer que uma revisão minimamente profunda do processo criminal — e porventura de algumas das retóricas que lhe subjazem —, poderiam contribuir para fazer de Portugal um espaço ainda mais seguro. Também importante e significativa é, a nosso ver, a menção à especialização dos diferentes agentes da administração da justiça, designadamente dos magistrados. 4. Por outro lado, como se pode construir um sentido da dignidade — objectivo do Conceito — sem apostar na educação e na formação dos mais jovens e das novas gerações? É verdade que se apela à valorização do “capital humano através de um sistema de educação criterioso, sensato, rigoroso, exigente e estável” e se procura “promover (...) uma cultura de segurança cimentada, designadamente, no conhecimento dos valores portugueses”. Também se tem em vista “corrigir as muitas deficiências do ensino universitário português”. Mas não é menos certo que se trata de um apelo genérico e temporalmente muito localizado, que não coloca o acento tónico onde o mesmo deve ser colocado – a transmissão de novos valores às gerações futuras. E principalmente daquele que em nossa opinião é o valor fundamental – a responsabilidade. 5. No que concerne especificamente à segurança, as dúvidas também não deixam de existir. Num quadro em que se faz questão de enfatizar os princípios da complementaridade e da i n t e rd e p e n d ê n c i a entre todas as forças do sistema, o que dizer ausência de referência integrada à investigação criminal e ao o-o t i s ó p papel que os respro a este iplomacia e , s e r pectivos órgãos a l d stiça três pi e social, a u j e s a d m (onde se situa, ca ico izer consiIdentifi nto económ as e o que d o ã n por exemplo, a a e M crescim armadas… ducação? … cial secun“e s q u e c i d a” e as en as forç palmente, da mo pilar ess e torna-as Polícia judiciái s o c e, prin da justiça c as questõe imensões. ria), desemd o do deraçã e cer to mo nte a outras penham na e d dariza nas relativam construção er subalt de um Estado seguro? A ausência é tanto mais notada quanto se constata que se procura racionalizar a investigação e corrigir as disfunções no sistema penal no sentido de o agilizar para o combate à criminalidade complexa, incluindo a corrupção, a evasão fiscal e o crime organizado. Seja como for, a valorização do estatuto policial deve ser sempre encarada como um propósito nobre, tendo em vista que apenas uma polícia forte (no sentido de uma polícia com meios e que pode actuar) permite a existência de uma sociedade na qual seja compensador viver e na qual os riscos da convivência comunitária podem ser convenientemente encarados. 6. Uma outra incompletude merece aqui referência, esta já especificamente relacionada com as matérias que constituem as nossas preocupações mais recorrentes, seja ao nível académico, seja ao nível da intervenção de cidadania. Trata-se da corrosão associada à economia paralela e à evasão e fraude fiscais. Na verdade, constitui este um dos segmentos nucleares de qualquer estrutura societária, a qual não consegue organizar-se convenientemente se não assentar num dever comunitário de solidariedade recíproca, por via do qual os financeiramente mais capazes se dispõem a abdicar de parte da sua riqueza em favor dos menos
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Justiça e Segurança Interna | Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) – Breve Comentário | Joaquim Freitas da Rocha
capazes. Os impostos desempenham assim um papel nuclear nas concepções modernas de existência, e a sua evitação mina irremediavelmente as pretensões de justiça que as devem enformar. Por tal motivo, estranha-se que um documento com estas pretensões de abrangência — no qual se mencionam os “riscos e as ameaças internas e externas que podem ferir a nação impedindo a sua existência” — não dedique a este tópico um papel de destaque. A omissão é tanto mais gravosa quanto se percebe que grande parte da solução para a saída desta crise (no sentido financeiro) estará situada nos terrenos do combate à evasão e à fraude fiscais, trazendo para o sistema todo um conjunto de pessoas ou entidades, indubitavelmente capazes, mas que à volta dele gravitam impunemente. Aliás, esta é uma ideia crucial que temos vindo a defender há muito – grande parte dos problemas poderão ser resolvidos sem (mais) aumento da carga impositiva, “bastando” seleccionar adequadamente as despesas públicas e obrigando a pagar todos aqueles que, devendo, escapam. O “conceito dinâmico, de todos os dias” referido no documento Uma outra incompletude merece aqui referênnão deveria ser ausente a este respeito, pois também se trata cia… Trata-se da corrosão associada à economia de uma questão relacionada paralela e à evasão e fraude fiscais… Os imposcom o “desenvolvimento de tos desempenham assim um papel nuclear nas uma generalizada cultura de seconcepções modernas de existência,… estranhagurança nacional”, no sentido nele apontado. se que um documento com estas pretensões de 7. Enfim, embora se comabrangência… não dedique a este tópico um preenda que o documento pode papel de destaque. ter propósitos mais ligados à segurança stricto sensu, não pode deixar de se questionar se, aos seus olhos, não será mais importante um Estado economicamente sadio, diplomaticamente bem representado e securitariamente bem defendido do que um Estado justo e com cidadãos instruídos. E a questão é legítima em face da abrangência que esse mesmo documento pretende transportar. Estamos em crer que grande parte das soluções para a saída das presente crise (em sentido amplo) passa pela reeducação aos mais diversos níveis, ensinando e transmitindo novos valores e uma lógica de responsabilidade, em detrimento de uma lógica assistencialista e misericordialista. A reeducação referida deve ser abrangente e fundar uma autêntica e nova cultura cívica, … é com alguma desolação que se constata que que acima de tudo privilegie aqueles que para nós são os dois grandes motoa responsabilidade e conseres de saída da crise — a reeducação cívica e o quentemente englobe os postulados da (i) protecção combate à fuga fiscal — são, senão ignorados, do ambiente, (ii) do auxílio significativamente negligenciados. aos necessitados e (iii) a contribuição para as despesas públicas e para o bem comum. Na nossa opinião, o documento em análise, na sua globalidade, pode considerar-se positivo, necessário e com propósitos louváveis. Todavia, de um ponto de vista muito subjectivo, é com alguma desolação que se constata que aqueles que para nós são os dois grandes motores de saída da crise — a reeducação cívica e o combate à fuga fiscal — são, senão ignorados, significativamente negligenciados.
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Justiça e Segurança Interna | O desgoverno da Nação e a falta de estratégia Nacional – O relatório sem nome... | Carlos Pinto de Abreu
por Carlos Pinto de Abreu Advogado
O desgoverno da Nação e a falta de estratégia Nacional
O relatório sem nome... Dele se disse, com clamor, que fez um diagnóstico muito negro da actual situação do país. Não era necessário, já o sabemos e sentimos, todos, na pele. Já lhe chamaram mesmo relatório incendiário. Mas, para já, a pólvora não deflagrou sequer em tiro seco. Querem-no, porém, um documento realista, exequível, que não seja apenas para registo de História, mas um guião mobilizador do que deve ser a intervenção do Governo. Mas mobilização é algo que não se vê há muito. Falta conteúdo e carisma. Dele se disse também, tentando acalmar os ânimos mais exaltados, que seria como um contributo entre vários, contrapondo-lhe até a salomónica necessidade de um documento alternativo. Criou já, nascituro ou recém-vindo ao mundo, desconforto e polémica. A criança, deseDo que não se fala uma única vez no referido do- jada, por uns, e cumento é, expressis verbis, da Polícia Judiciá- indesejada, por ria como instituição imprescindível no domínio outros, não foi dos pilares base da Segurança e, até, da Defesa. sequer, ao que É estranho. É mesmo muito estranho. dizem, comunicada a parte da Família. Pois, ao que parece, nem o Ministério da Administração Interna nem a Presidência da República sabiam que aí vinha e qual era, afinal, o seu ADN ou herança genética. Ou então foram, apenas, mais, rumores... Falamos aqui de uma proposta de Documento sobre Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) que foi dado a conhecer no âmbito da pretendida revisão do mesmo, revisão cuja elaboração (repita-se, em modo, como ora se diz, de draft) foi cometida a um, também assim designado, grupo de sábios ou grupo de senadores presidido por Luís Fontoura e com vários notáveis tais como Adriano Moreira, Ângelo Correia, António Vitorino, Figueiredo Lopes, Gomes Canotilho, Jaime Gama, João Salgueiro, Vieira Matias, Leonor Beleza, Loureiro dos Santos, Luís Amado, Severiano Teixeira, Pinto Balsemão, entre outros. Não sendo filho (ou filha) de pais incógnitos, o relatório (ou a proposta) ainda não tem nome, está fragilizado(a) e com viabilidade duvidosa, mas já gera dissenso e, sobretudo, traz a lume as razões do desgoverno da Nação e da falta de estratégia Nacional. Não era necessário, pelo menos por ora.
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Justiça e Segurança Interna | O desgoverno da Nação e a falta de estratégia Nacional – O relatório sem nome... | Carlos Pinto de Abreu
Aborda-se no referido texto (ponto 4.3.8) a temática da segurança interna, bem como o drama d’o deficiente funcionamento do sistema da Justiça e nele se refere a imperiosa necessidade de melhorar a eficácia do sistema de justiça. Até se alude às forças de segurança interna. Do que não se fala uma única vez no referido documento é, expressis verbis, da Polícia Judiciária como instituição imprescindível no domínio dos pilares base da Segurança e, até, da Defesa. É estranho. É mesmo muito estranho. Inépcia ou esquecimento? Pouco provável. Mas se sim, é grave, muito grave. Acto pensado ou propositado? Então é mesmo inacreditável! E, se sim, gravíssimo. Ou, dito de outro modo, mais uma infeliz manifestação da forma como o sistema de Justiça é maltratado e até completamente desvalorizado, pois sendo um dos poderes do Estado, nem sequer é tido como pilar da estratégia de segurança e defesa nacionais, já que neste conceito apenas são considerados pilares o crescimento económico e social, a diplomacia e as forças armadas e é surpreendentemente ignorada a Polícia Judiciária. E, sendo-o, são também desvalorizadas as suas reais atribuições e especiais competências. Mais, referem-se expressamente a GNR e a PSP e diz-se mesmo que ambas as forças, na área geográfica sob sua responsabilidade, devem assumir por completo a manutenção da lei e da ordem e as atribuições de órgão de polícia criminal. Não se tem em conta, pela positiva, a valência comprovada de uma força independente e de elite, potencia-se o risco da excessiva concentração de poderes, abre-se mesmo espaço a uma polícia nacional... e política, olvida-se o realismo da acção e nem sequer se persegue o idealismo dos …referem-se expressamente a GNR e a PSP e diz-se princípios. Segurança glomesmo que ambas as forças, na área geográfica sob sua bal e defesa colectiva responsabilidade, devem assumir por completo a manunão podem prescindir tenção da lei e da ordem e as atribuições de órgão de podos melhores... e, solícia criminal… Segurança global e defesa colectiva não bretudo, não podem podem prescindir dos melhores... e, sobretudo, não ser palcos espúrios de podem ser palcos espúrios de tentativas torpes de distentativas torpes de discriminação, de exclusão e/ou de decapitação. criminação, de exclusão e/ou de decapitação. É que é preciso não esquecer o papel essencial desta particular instituição – Polícia Judiciária – no apoio à política de segurança interna, no caso particular do crime transnacional organizado, da emigração clandestina, do tráfico de droga, da propagação de epidemias, já para não falar na sua competente abordagem de outras realidades como o combate ao terrorismo global, a protecção ambiental ou a poluição transfronteiriça, a contenção dos fundamentalismos, extremismos e integrismos, a mega criminalidade financeira, a tentativa de erradicação dos tráficos internacionais de pessoas, de armas e de viaturas, a prevenção da sabotagem, a luta contra a contrafacção e passagem de moeda falsa, a falsificação e utilização abusiva de cartões de crédito, o contrabando organizado de pedras preciosas, de tabaco e de álcool; sem esquecer ainda outras ameaças, algumas até provindas de estruturas estaduais, como seja por exemplo o roubo de identidade, o atentado à propriedade intelectual, a invasão de privacidade, a destruição ou deturpação de «sites», a utilização de computadores numa rede para daí lançar ataques a outros, o lançamento de pragas virais, a espionagem, a campanha psicológica... E por falar em campanha psicológica veio-se logo, com propriedade, notar que n’a esteira da desvalorização da Justiça, a investigação criminal e a Polícia Judiciária nem sequer aparecem mencionadas, apesar do documento se centrar na definição de ameaças e riscos internacionais, relevando algumas áreas que
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são da competência investigatória desta polícia. E concretiza-se com “o terrorismo transnacional, a pirataria, a criminalidade transnacional, a proliferação de armas de destruição em massa, a multiplicação de estados frágeis e de guerras civis, o ciberterrorismo e a cibercriminalidade, a disputa de recursos naturais escassos e os desastres naturais”, esquecendo-se até a relevante componente antecipatória da prevenção da criminalidade altamente organizada, grave ou violenta que já não prescinde de uma cuidadosa centralização da gestão de informação, de adequada articulação com as instituições da defesa nacional e de uma empenhada e arguta, porque eficaz e eficiente, diplomacia, intelligence e cooperação policial e judiciária internacional.
Numa ausência de estratégia global, numa truncagem do conceito de segurança, numa insuficiência de avaliação de riscos, de prevenção das ameaças e de limitação dos danos, por recurso inteligente a todos os meios e forças disponíveis, sem as destruir ou incapacitar; e para não cair nos lugares comuns, e de maugosto, do aborto ou do nado-morto (em relação ao documento ou proposta) dir-se-á apenas in fine que estamos (em relação à Polícia Judiciária) perante o exposto, aparentemente ao abandono, na roda da vida. Filha de um deus menor. Mas imprescindível quando troveja. Santa Bárbara... (n) os acuda!
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Miguel Sousa Castanheira Neves Carlos Pinto de Abreu Rodrigo de Matos Rogério Jóia João Figueira Cunha Gomes Acácio Pereira Pedro Silva Luís Andrade
Polícias e Polícia Judiciária
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Justiça e Segurança Interna | A Polícia Judiciária e a Administração da Justiça | Miguel Sousa
por Miguel Sousa Vice-presidente Nacional da ASFIC/PJ Presidente da Direção Regional Norte da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
A Polícia Judiciária e a administração da justiça Em 1945 a Polícia Judiciária, foi criada como “um organismo autónomo do Ministério da Justiça, directamente subordinada ao respectivo Ministro, correndo o seu expediente pela Direcção Geral da Justiça.”1 que tinha “por fim efectuar a investigação dos crimes e descobrir os seus agentes, procedendo à instrução preparatória dos respectivos processos, e organizar a prevenção da criminalidade, especialmente da criminalidade habitual.”2 3. De 1977 a 1990, a Polícia Judiciária foi um serviço de prevenção e investigação criminal, auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça4. As funções da Polícia Judiciária são exercidas na defesa da legalidade democrática e no respeito dos direitos dos cidadãos, cabendo a sua fiscalização ao Ministério Público. Repare-se que é do processo de sobrevivência à revolução de Abril de 74, e com a sua primeira Lei Orgânica do período democrático, que a PJ conquista o seu espaço como serviço auxiliar da Administração da Justiça. Entre 1990 e 2000, a Polícia Judiciária é designada de órgão de polícia criminal e mantém o seu espaço como auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado pelo Ministério Público5. Em 2000 foi, na Lei, um corpo superior especial de polícia criminal auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei ao qual competia coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação e desenvolver e promover as acções de prevenção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes. Hoje, com a Lei Orgânica de 20086, a Polícia Judiciária “abreviadamente designada por PJ, corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei, é um serviço central da administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa.”7 que tem por missão “coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as acções de prevenção, detecção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.“8 A diferença/distância de hoje para com o passado é que enquanto até ao ano de 2008 a PJ era um órgão de polícia criminal auxiliar da Administração da Justiça, actualmente, e desde então, é um serviço central da administração directa do Estado - é um serviço com competência em todo o território nacional que, de modo directo e imediato, e sob dependência hierárquica do Governo, desenvolve uma actividade tendente à satisfação de necessidades colectivas.9 Significa então que se encontra agora integrada, tanto orgânica como funcionalmente10, na Administração Pública – definindo-se esta, em sentido material, como a actividade desenvolvida pelos serviços e agentes administrativos no interesse geral da comunidade, com vista à satisfação regular e permanente das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar. 1
Artigo 24o do Decreto-lei no 35:042, de 20 de Outubro de 1945. Artigo 1o e artigo 2o do Decreto-lei no 35:042, de 20 de Outubro de 1945. 3 Competências partilhadas com a PIDE, Arto 2o, no2 do Decreto-lei no 35:042, de 20 de Outubro de 1945. 4 Decreto-Lei no 364/77, de 2 de Setembro e Decreto-Lei no 458/82, de 24 de Novembro. 2
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Justiça e Segurança Interna | A Polícia Judiciária e a Administração da Justiça | Miguel Sousa
Afinal, o que é a Administração da Justiça?
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Justiça e Segurança Interna | A Polícia Judiciária e a Administração da Justiça | Miguel Sousa
Num passado recente, dois actores políticos activos, auto-intitulados de grandes democratas (assim se julgavam até terem sido publicadas as despesas dos cartões de crédito que usavam enquanto Ministro da Justiça e Secretário de Estado da Justiça – julgamos que hoje não pensarão tanto assim), justificaram aquela alteração legislativa com a grande amplitude com que nos brinda a ciência da Hermenêutica. É um facto... É também esta a ciência que nos revela a definição, ou melhor, o arcaboiço dos verdadeiros democratas... Contrariamente à Administração Pública, a Administração da Justiça visa aplicar o Direito a casos concretos, aguardando que as partes solicitem que se pronuncie sobre os conflitos ou diferendos. A Justiça é absolutamente desinteressada nos casos em apreciação, não é, portanto, parte nos conflitos ou diferendos que decide, e está acima dos interesses das partes. Naquele sentido confirma Bilhim (2008) que, invocando a constitucional separação dos poderes executivo, legislativo e judicial, atira a satisfação das necessidades de Justiça para fora do âmbito da Administração Pública.11 Atentemos a um escrito de Barbosa de Melo que aprofunda o tema: «1. “Administrar a justiça em nome do povo” (1) A Constituição da República Portuguesa (CRP) e outras Constituições de Países de língua portuguesa, com poucas diferenças de redacção, atribuem aos tribunais a natureza de órgãos de soberania, conferindo-lhes a competência para administrar a justiça em nome do povo. Por outro lado, as mesmas Constituições proclamam que a soberania “reside no povo”, “emana do povo” ou “pertence ao povo”. Os tribunais neste círculo de Estados são pensados pelo poder constituinte como haurindo do povo os seus poderes jurisdicionais e a incumbência de os exercer em nome do povo e para satisfação dos legítimos interesses dele. (...) (2) Os tribunais são o elo orgânico por excelência entre a administração da justiça (ou realização do direito) e a comunidade política (communitas civium).(...) O objecto da sua acção consiste em dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, em defender os direitos e interesses juridicamente protegidos e em reprimir as violações da ordem jurídica. 2. “Estado de Direito Democrático” A função jurisdicional a que se refere a fórmula constitucional “administrar a justiça em nome do povo” está interactivamente implicada no vasto conjunto dos princípios materiais e estruturais recapitulados na ideia de Estado de Direito Democrático (art.o 2 da CRP). (1) Destacam-se aí os seguintes princípios: 1o - O princípio do primado da dignidade da pessoa humana e da garantia dos seus direitos e liberdades fundamentais, na e perante a comunidade política (art.o 1o, CRP). (...) Todos têm a mesma dignidade social (art.o 13o,1, CRP). Trata-se de uma ideia pressuposta na cultura jurídico-pública do Estado Constitucional, e de uma ideia, como se vê, com manifestações claras na CRP. 2o - O princípio de que as manifestações do poder público (soberano) se fundam na vontade popular (art.o 1o CRP), expressa nas formas previstas pela Constituição. (...) É, ao fim e ao cabo, o princípio da soberania popular segundo o qual a origem de todo o poder público se reconduz, em geral, ao voto directo, secreto e periódico do eleitorado (art.o 113o, 1, CRP). 3o - O princípio da divisão e interdependência dos Poderes e órgãos de soberania. De acordo com este princípio, o Poder Soberano distribui-se em Portugal por quatro órgãos supremos – o Presidente da República,
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Decreto-Lei no 295-A/90, de 21 de Setembro. Lei no 37/2008 de 6 de Agosto. 7 Artigo 1o da Lei no 37/08, de 6 de Agosto. 8 Artigo 2o da Lei no 37/08, de 6 de Agosto. 9 Lei no 4/2004 de 15 de Janeiro, alterada pelos seguintes diplomas: Lei no 51/2005 de 30 de Agosto, Decreto-Lei no 200/2006 de 25 de Outubro, Decreto-Lei no 105/2007 de 03 de Abril, Lei no 64-A/2008 de 31 de Dezembro, Lei no 57/2011 de 28 de Novembro, Decreto-Lei no 116/2011 de 05 de Dezembro e Lei no 64/2011 de 22 de Dezembro. 10 Distingamos dependência funcional orgânica de dependência funcional no âmbito do Inquérito. 11 Bilhim, J. - Ciência da Administração. 2ª Edição. 2008. Universidade Aberta. 6
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a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais – isto é, os órgãos de soberania (art.o 110o). A formação, a composição, a competência e o funcionamento de cada um deles são os definidos na Constituição – diz o n.o 2 do art.o 110o CRP. O princípio afirma uma relativa autonomia recíproca dos quatro Poderes supremos. (...) 4o - O princípio do pluralismo de expressão e organização política democráticas, que aflora em vários preceitos constitucionais (v.g. os art.o s 2o, 37o, 38o, 51o 113o e 114o). (2) A função jurisdicional, segundo a ideia de Estado de Direito Democrático, deve ser uma das expressões específicas da autodeterminação da pessoa e da sua liberdade, que vale como fundamento e fim do Estado Constitucional. Assim como no Estado Democrático a legislação deve ser expressão da autodeterminação das pessoas e apresentar-se assim como obra da sua autonomia, e assim também a administração e a jurisdição devem ser expressão da mesma autodeterminação e valer como autogoverno e como auto-jurisdição. O mesmo axioma antropológico é, por conseguinte, na ordem constitucional a base do princípio de autonomia, do princípio da autarquia e do princípio de autodiceia. (3) Neste contexto, por trás da fórmula lapidar “os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, está a ideia jurídica primordial segundo a qual o poder de julgar pertence, em último termo, não aos magistrados, às burocracias ou às elites ou camadas dirigentes dos Partidos ou do Estado, mas aos cidadãos, às partes do conflito, às comunidades parciais (comunidades locais), à sociedade em geral. Por outras palavras: de acordo com essa ideia, a função jurisdicional parece ter uma natureza mais societal que estadual. Mas nem por isso as Constituições a tratam como menos importante. Pelo contrário: costumam dar-lhe uma cuidada atenção, quer regulando-a directamente por meio de um mínimo, mas decisivo, núcleo de regras e princípios materiais, organizacionais e procedimentais indispensáveis à realização da justiça e ao bom funcionamento da comunidade política no seu todo (ubi societas ibi ius), quer sujeitando a organização e a actividade dos tribunais pro futuro ao princípio da legalidade (reserva de lei e preferência de lei) e, consequentemente, à influência diária do legislador ordinário.»12
Polícia de Segurança Pública «auxiliar da administração da justiça»! O que Sócrates subtraiu à Polícia Judiciária, Passos Coelho queria/quer (?) dar à Polícia de Segurança Pública. Se este estatuto de «AUXILIAR DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA» não fosse tão importante, não apareceria plasmado no (primeiro) projecto de Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública, que o MAI entregou aos sindicatos da PSP, para negociação, em Julho de 2012. Neste preciso momento, depois dos reparos que fizemos no Parlamento e no Ministério da justiça, ainda não sabemos se ficou plasmado ou não na lei orgânica da PSP. A Senhora Ministra da Justiça garantiu-nos solenemente que não, em Julho passado (COM. N.o 8 de 27.07.2012). Esta iniciativa do MAI – a origem da iniciativa tem em si mesmo um grande significado político, que não pode ser ignorado – suscitou o mais vivo repúdio da ASFIC/PJ, contrastante, mais uma vez, com uma incompreensível apatia por parte da Direcção Nacional da PJ e do próprio Ministério da Justiça. É que, enquanto a Direcção da PJ tinha acabado de obter o documento e estava a digerir a gravidade de algumas normas, sem perceber o alcance de outras, o Ministério da justiça desconhecia completamente o mesmo documento. A gravidade era tal, não apenas neste aspecto, que de imediato iniciamos uma ronda por todos os grupos parlamentares, políticos a título individual e Ministra da Justiça, para darmos conta das nossas preocupações.
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Barbosa de Melo, A. M. - A Administração da Justiça no Estado de Direito Democrático: o Caso Português - VIII Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional. Sevilha, 12.2003
Justiça e Segurança Interna | O Novo Projecto de Lei Orgânica da PSP | Castanheira Neves
por Castanheira Neves Advogado
O Novo Projecto de Lei Orgânica da PSP1 Encontra-se em discussão no Ministério da Administração Interna um novo Projecto de Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública. Confrontando o texto do referido Projecto com o texto da actual Lei Orgânica da PSP constante da Lei no 53/2007, de 31 de Agosto, cumpre destacar algumas alterações cuja introdução reveste particular interesse e reflectir sobre as possíveis implicações. I. Em primeiro lugar, o art. 1o, no 2 do referido Projecto de Lei, introduz a qualificação da PSP como “polícia integral”,
designação que se julga não ser de todo inócua, mas antes perfilhando já o vulto da polícia única, que concentra em si todas as valências das forças policiais actualmente existentes – PSP, GNR e PJ. II. Em segundo lugar, no art. 3o, no 2 c), é introduzida no espectro de competências da PSP a competência para “prevenir e reprimir a criminalidade organizada e o terrorismo (…)”. Tal alteração não pode deixar de causar alguma estranheza quando é certo que tais matérias se encontram sob a égide tendencialmente exclusiva da Polícia Judiciária. Com efeito, a actual Lei de Organização da Investigação Criminal – Lei no 49/2008, de 27 de Agosto, prevê no seu art. 7o, no 2, l), que é da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação dos crimes de “organizações terroristas e terrorismo” e, por outro lado, nos termos do artigo 8o, alíneas a), b) e c) da mesma Lei, a possibilidade de deferimento da investigação criminal dos crimes de competência reservada previstos no no 3 do art. 7o não é aplicável quando “a investigação assuma especial complexidade por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes ou das vítimas”, “os factos tenham ocorrido de forma altamente 1
Escrito em Julho de 2012, a propósito de uma versão de projecto de Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública, que esteve em discussão no Ministério da Administração Interna (MAI), entre a tutela e os sindicatos da PSP, ao longo dos primeiros meses de 2012. Não se conhece ainda a versão mais recente.
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organizada ou assumam carácter transnacional”, ou “a investigação requeira, de modo constante, conhecimentos ou meios de elevada especialidade técnica”. Assim, a PJ tem funções de prevenção e de investigação criminal, cabendo-lhe coadjuvar os magistrados judiciais e do Ministério Público e realizar as diligências por estes requisitadas nos termos da lei de processo, sendo a única entidade policial competente para coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação de certos crimes graves ou cuja investigação se presume complexa e constam do artigo 7o da Lei no 49/2008, de 27 de Agosto, o que se explica pelo reconhecimento da elevada competência técnica e científica da PJ. Sucede que a projectada alteração acaba por configurar uma verdadeira duplicação de competências entre PJ e PSP, em sentido dissonante com a anunciada eliminação de sobreposições e racionalização de meios, perspectivando o abandono do conceito de investigação criminal de proximidade que o legislador quis atribuir à PSP e à GNR na actual Lei de Organização da Investigação Criminal, deixando igualmente antever uma possível alteração da mesma em sentido convergente. III. Em terceiro lugar, o art. 3o, no 1, d) passa a atribuir a competência à PSP para o “comando e gestão dos incidentes tático-policiais”, noção que se julga poder consumir o conceito de “flagrante delito”, assim conferindo primazia à sanação da perturbação da ordem pública em prejuízo do total apuramento dos elementos essenciais ao apuramento da verdade. IV. Em quarto lugar, não deixa de causar estranheza o facto de o art. 3o, no 1, f) do Projecto de Lei em análise consagrar de forma expressa o papel da PSP como “auxiliar na administração da justiça”, quando é certo que, pese embora um tal conceito sempre ter representado a matriz definidora do papel da PJ, o mesmo não passou para o texto da LOPJ vigente com o argumento de que o mesmo se encontra implícito nas atribuições da PJ. V. Por último, o art. 3o, no 1, f) atribui à PSP a competência, na sua área de responsabilidade, para “garantir a fiscalização, o ordenamento e a disciplina do trânsito em todas as infraestruturas constitutivas dos eixos da Rede Nacional Fundamental e da Rede Nacional Complementar, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, nas Regiões Autónomas, bem como nas restantes vias da sua área de jurisdição”, o que representa a subtracção à GNR da fiscalização exclusiva do trânsito com a atribuição desta nova valência para a PSP. Verifica-se que as referidas alterações preconizadas no Projecto de Lei Orgânica de PSP que se encontra em discussão reflectem um sentido de conquista pela PSP de competências próprias da PJ e da GNR, redundando num
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acréscimo de duplicações e sobreposições já existentes, e fazendo perigar a identidade das referidas forças policiais, em especial da PJ, “disputando” a investigação criminal mesmo nos crimes mais graves e complexos, que atenta a especificidade das qualificações técnicas requeridas, se encontram cometidas à alçada da PJ. Aliás, a leitura concertada das alterações à LOPSP insertas no Projecto de Lei em análise permite antever como provável a criação - por muitos defendida publicamente de forma entusiasta - de uma “Polícia Nacional”, uma Polícia única, que, assente na estrutura da PSP, opere a fusão de todas as forças policiais. Porém, o referido conceito de “polícia integral” ou “polícia nacional” é por outros criticada com o argumento de fazer perigar princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, maxime o princípio da separação de poderes, quando é certo constituir corolário de todas as ditaduras a existência de uma polícia única dependente e controlada pelo poder político. Em nosso entender, a operar-se uma fusão de corpos policiais, por razões de contenção de custos, racionalização dos meios, optimização dos recursos humanos e materiais, a mesma poderia ocorrer entre a GNR e a PSP,
considerando a lógica securitária preventiva de proximidade que constitui a respectiva matriz histórica ideológica. A PJ, por seu turno, atenta a sua matriz histórica, o carácter altamente qualificado dos seus efectivos, as provas dadas em sede de investigação criminal, o mérito unanimemente reconhecido do seu trabalho, o saber acumulado ao longo dos anos, enquanto corpo superior de polícia criminal, deve conservar a autonomia face ao poder político, mantendo-se sob a tutela do Ministério da Justiça e reservando para si o domínio da investigação da criminalidade mais grave e complexa.
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Justiça e Segurança Interna | As Polícias, a Polícia Judiciária e o pântano legislativo. Alguém sabe o que aí vem? | Carlos Pinto de Abreu
por Carlos Pinto de Abreu Advogado
As Polícias, a Polícia Judiciária e o pântano legislativo
Alguém sabe o que aí vem?1 Em matéria de polícia, são permanentes as guerras de poder, as questiúnculas internas e partidárias, as tentativas subterrâneas de desestabilização e a indefinição pantanosa dos responsáveis e dos partidos sobre quem deve desaparecer, sobreviver ou tutelar, se a polícia A ou a polícia B ou a polícia C, quais as suas competências específicas ou delimitação de atribuições, isto sem esquecer as questões magnas, no processo-crime em concreto, do âmbito ou das fronteiras da dependência funcional ou da autonomia técnica, estratégica ou táctica, os quintais, os amuos e as desconfianças e os problemas da real direcção da investigação criminal e da efectiva fiscalização da actividade material, administrativa e processual dos órgãos de polícia criminal. Dor de cabeça constante de quem, no trabalho do dia-a-dia, se vê confrontado com o decisor político e o chefe que em vez de trabalhar mais e melhor só sabe legislar (ou mandar) cada vez mais e sempre pior. Já o disse, e repito, que “a Polícia Judiciária, para além de ter competências próprias e competências delegadas, competências específicas e reservadas, tem sobretudo um capital de informação e de experiência acumulada e de saber fazer e agir que não pode [nunca] ser desbaratado pela mera sobreposição de desgarradas posições de supreÉ que não se compreende na nova proposta de Lei de Or- macia arrogante ou esparsas e isoladas ganização da PSP até onde vai o conceito de polícia inte- reacções de exercígral. Quer-se com isto dizer que é tendencialmente cio do poder, pelo exclusiva? Que é de âmbito nacional? Que vai ter compe- poder, sem atentar nos interesses espetências genéricas e específicas bastante mais alargadas? cíficos do processo, Que vai afastar ou consumir ou incorporar outras polícias? da investigação; da comunidade, no seu Quais? Em que termos? conjunto; e de cada cidadão visado, em particular, seja ele arguido, assistente, parte civil, vítima, testemunha ou outro interveniente processual”. E que “é preciso não esquecer [nunca] que a Polícia Judiciária, como corpo superior de polícia criminal, é, ou deve ser, especialmente preparada, científica e tecnicamente apetrechada, e dotada de uma estrutura orgânica que lhe permita, com elevado grau de eficácia, prosseguir a sua função decisiva no âmbito da prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias.” Ora, a qualidade da investigação criminal depende muito do sistema de justiça penal, das regras do processo penal, mas depende sobretudo da matriz legal, da organização institucional e dos comportamentos, acções e omissões de 1
Escrito em Julho de 2012, a propósito de uma versão de projecto de Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública, que esteve em discussão no Ministério da Administração Interna (MAI), entre a tutela e os sindicatos da PSP, ao longo dos primeiros meses de 2012. Não se conhece ainda a versão mais recente.
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pessoas concretas, a começar pela inteligência prática e pela boa-fé e clareza de intenções do legislador. Primeira questão: será que as polícias, as várias polícias, e não só a PSP, vão ser alvo de reformas aparentemente profundas e de alcance ainda indefinido. E que há, oculta e perigosa, porque desconhecida, uma nova reforma policial? É que não se compreende na nova proposta de Lei de Organização da PSP até onde vai o conceito de polícia integral. Quer-se com isto dizer que é tendencialmente exclusiva? Que é de âmbito nacional? Que vai ter competências genéricas e específicas bastante mais alargadas? Que vai afastar ou consumir ou incorporar outras polícias? Quais? Em que termos? Até porque - cfr. de José Miguel Júdice em A Investigação Criminal: Juiz, MP ou PJ?, op. cit., p. 35 - o "tema de quem deve fazer e dirigir, bem como o de como fazer e como dirigir a investigação criminal é dos mais controversos que estão subjacentes aos processos reformistas da Justiça e que podem até ser o lugar da fractura por onde poderá entrar o reformismo... ou onde ele se poderá afundar.". Diz-se aí também que “há muitas polícias e ainda mais órgãos de polícia criminal” e que, por isso, há clara e indesejada “… confusão de funções [e de papéis], falta de definição de poderes [e fronteiras de actuação], contradições… competências [que] se sobrepõem, gerando desperdícios, descoordenação, conflitos corporativos… muitas e variadas entidades…”. De competência genérica temos a PJ, a PSP e a GNR (cada vez mais descaracterizadas); de competência específica, vários, desde o SEF, à ASAE, passando pela polícia florestal, pela polícia marítima, aos funcionários das secções de inquérito dos Serviços do Ministério Público. O que não há é um discurso político claro. Uma assunção frontal de uma matriz devidamente pensada e construída, para durar. Reina a hipocrisia e a dissimulação. Continuamos simplesmente numa tendência auto-fágica de destruir o que já deu provas de ser eficaz ou de legiferar em manta de retalhos. Segunda questão: justifica-se a fusão de polícias, de serviços, de sistemas de partilha de informação, tudo com a finalidade de colmatar as invocadas deficiências de segurança interna: duplicação excessiva de competências e serviços, má coordenação, deficiente partilha de informação, lógicas concorrenciais negativas, opacidade de métodos, falta ou dispersão de meios e de gente qualificada, etc, etc.? A reforma parcial agora anunciada diz pretender apenas a eliminação de “sobreposições e duplicações”. A verdade é que não se vê critério de resolução. Em primeiro lugar, uma reforma deste tipo não pode ser parcial, tem que ser global. Em segundo lugar, mantém-se a confusão de conceitos e não se eliminam as zonas de cinzenta e difusa confluência, de fronteira indefinida ou de conflito latente. E, em terceiro lugar, não se entende em que termos é que se vai aplicar no terreno o “comando e gestão dos incidentes táctico-policiais”. Ora, já foi dito, e escrito, que “a polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não impediu que se cometessem, reúne as respectivas provas e entrega os autores aos tribunais encarregados por lei de os punir” e que “a polícia administrativa tem por objecto a manutenção habitual da ordem pública em toda a parte e em todos os sectores da administração geral. O seu fim é, principalmente, o de prevenir os delitos” - cfr. a citação de Marcello Caetano, apud Germano Marques da Silva. Curso de Processo Penal, op.cit., p.277. Esta distinção clássica está hoje esbatida, tanto mais que quer por força da Lei de Segurança Interna - aprovada pela Lei no 20/87, de 12 de Junho, e alterada pela Lei no 8/91, de 1 de Abril - quer por força dos vários diplomas orgânicos, e outros, que regem as Polícias, todas elas têm, indistintamente (o que é causa das maiores confusões), funções cautelares, de prevenção criminal e funções no âmbito da investigação criminal, da prevenção, da acção e da repressão penal. Perde-se pois uma boa oportunidade para tratar de uma vez por todas e transversalmente as matérias de colisão e coordenação policial. A alterar que se pense o todo e não que se fique pela parte. Isto não impede que os órgãos de polícia criminal possam proceder a investigações preventivas ou prospectivas, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, não olvidando nunca o dever de participação imediata dos indícios de crime logo que constatados. Mas há que concretizar quem faz o quê.
O que não há é um discurso político claro. Uma assunção frontal de uma matriz devidamente pensada e construída, para durar. Reina a hipocrisia e a dissimulação. Continuamos simplesmente numa tendência auto-fágica de destruir o que já deu provas de ser eficaz [PJ] ou de legiferar em manta de retalhos.
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A reforma parcial agora anunciada diz pretender apenas a eliminação de “sobreposições e duplicações”. A verdade é que não se vê critério de resolução. Em primeiro lugar, uma reforma deste tipo não pode ser parcial, tem que ser global. Em segundo lugar, mantém-se a confusão de conceitos e não se eliminam as zonas de cinzenta e difusa confluência, de fronteira indefinida ou de conflito latente.
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Justiça e Segurança Interna | As Polícias, a Polícia Judiciária e o pântano legislativo. Alguém sabe o que aí vem? | Carlos Pinto de Abreu
Ao longo das últimas décadas, designadamente depois do 25 de Abril, a Polícia Judiciária conheceu uma reestruturação e aumento crescente dos seus poderes no âmbito da investigação criminal. A evolução das competências da Polícia Judiciária desenvolveu-se em torno da libertação da investigação de crimes ditos “menores”, mas não menos gravosos, sobretudo do ponto de vista da comunidade, e da (crescente) especialização científica e dedicação (quase) exclusiva à criminalidade considerada grave, violenta ou altamente organizada. Agora a PSP vê-se, também, à carga com tal responsabilidade. A pergunta é onde começa e acaba tal incumbência? Quem decide? Quem articula? Como se previnem e resolvem os conflitos? Ainda do ponto de vista orgânico, a Polícia Judiciária conheceu nas últimas décadas uma complexificação das suas funções e desempenhos e uma especialização técnico-científica acentuada, existindo hoje serviços altamente especializados na prossecução e coadjuvação do combate a determinado tipo de ilícitos. Por exemplo, a Unidade Nacional Contra-Terrorismo, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção, a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes; a Unidade de Informação de Investigação Criminal; a Unidade de Cooperação Internacional; o Laboratório de Polícia Científica; a Unidade de Perícia Financeira e Contabilística. Maior a nau, maior também a tormenta! O que suscita a terceira questão, vão-se duplicar serviços e competências num país de escassos e diminutos recursos? Não é isto desperdício? E sem vantagens! Uma das áreas mais importantes é a da informação. E a informação, hoje, como sempre, é poder. E poder sujeito a tentações e disponível para abusos. Ao abrigo da anterior Lei de Organização da Investigação Criminal, competia à Polícia Judiciária “assegurar os recursos no domínio da centralização, tratamento, análise e difusão, a nível nacional, da informação relativa à criminalidade participada e conhecida, da perícia técnico-científica e da formação específica adequada às atribuições de prevenção e investigação criminal.” Entretanto com
… o acervo de informações próprias da Polícia Judiciária é vasto e apetecível. Tudo bem! Mas há que assegurar, para além da gestão, o controlo da informação. E será que alguém quer o controlo – e não apenas da informação mas também da própria instituição - para outros fins que não apenas os da imprescindível prevenção e da necessária repressão do crime? É a última questão que nos assalta (porventura mal) o espírito. Ou será o (mau) espírito do legislador que nos vai assaltar a alma? a nova Lei de Organização da Investigação Criminal, e com o reconhecimento dos vários sistemas próprios de informação criminal de vários órgãos de polícia criminal, a centralização da informação foi deslocada para o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna. A Polícia Judiciária, não obstante, continua a ter um sistema integrado de informação criminal, de âmbito nacional e internacional, que centraliza, trata e difunde informação criminal, sendo que a recolha de dados pessoais para tratamento automatizado deve limitar-se ao estritamente necessário à prevenção de um perigo concreto ou à repressão de infracções penais determinadas ou a determinar no âmbito do processo próprio. Ainda assim o acervo de informações próprias da Polícia Judiciária é vasto e apetecível. Tudo bem! Mas há que assegurar, para além da gestão, o controlo da informação. E será que alguém quer o controlo – e não apenas da informação mas também da própria instituição - para outros fins que não apenas os da imprescindível prevenção e da necessária repressão do crime? É a última questão que nos assalta (porventura mal) o espírito. Ou será o (mau) espírito do legislador que nos vai assaltar a alma?
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Justiça e Segurança Interna | Ainda não houve fusão das polícias. Porque será? | Rogério Jóia
por Rogério Jóia Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria de Lisboa
Ainda não houve fusão das Polícias. Porque será? “Sociedade e disciplina. – Toda a comunidade e toda a associação têm uma razão de ser que impõe aos respectivos membros certos deveres de colaboração na obra comum ou de abstenção dos actos nocivos aos interesses gerais.”1 Na ausência ou em virtude do desaparecimento dos deveres a que os membros de uma comunidade estão obrigados a cumprir, o caos tomará conta dessa comunidade e desse Estado, seja ele de que tipo for. Tentando evitar esse caos e essa falência das instituições e do Estado, bem como, mediatamente da sociedade, é premente perceber-se quais são efetivamente os fins desse mesmo Estado. É indiscutível que a segurança e a justiça deverão ser fins prioritários do Estado, sem os quais estarem preenchidos, é impossível a realização de outros complementares, ainda que também relevantes, como educação, a saúde, o ensino… Em função desta conjuntura, vamos fazer de conta que entramos na fase do “rem” do sono e admitir a premência de uma reorganização de todos os sistemas securitários, de investigação criminal e de justiça, realidade que é uma urgência sentida por todos, comunidade e profissionais dos mesmos. Nesse sentido, foi levado a cabo um estudo que, pela primeira vez, juntava polícias, investigadores criminais e militares, que são simultaneamente professores universitários, juntando algo que nunca foi possível juntar: a experiência efectiva da profissão e a competência do vertente científico/universitária. Os princípios programáticos desta proposta foram levados ao conhecimento do poder político actual e sem qualquer razão ou fundamento sério e racional, foram não só desprezados, como ainda têm sido usadas algumas das medidas ali referenciadas, ainda que de forma encapotada, tentando encobrir a existência da fonte e denegrir pessoalmente e profissionalmente alguns dos autores do estudo em causa. Foi este estudo e a publicidade do mesmo, pela sua utilidade e mérito, que serviu de suporte à obstrução de uma verdadeira revolução securitária, que em vez de servir o interesse público, visava sim, servir algum poder que nada tem de político e utilitário, mas sim de económico e comercial. Foi através de uma conversa num hotel de Lisboa entre um inspector da Polícia Judiciária, um Professor Universitário e um Ministro do Poder Governativo, que tal opção deixou de ser considerada, quando se disse abertamente a quem de político só tem o seu interesse pessoal e o dos seus amigos, que caso a opção da fusão das polícias fosse para a frente, seria 1
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In “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, Tomo I, Caetano, Marcelo, Almedina Coimbra, pág. 5.
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claramente divulgado nos meios de comunicação social, quem queria tal opção e porquê! Não só quem eram os sócios, bem como, quem eram os intermediários, ou seja, não só quem eram os sócios dos “Garneis”, bem como, quem eram os colaboradores que agendariam os Decretos-leis necessários para as negociatas e quem eram os Generais ou General que estaria por trás da assessoria técnica. Mas também quem eram os altos quadros profissionais da Investigação Criminal de carreira, que como terna bem unida, tinham admitido “vender” a sua “casa” aos interesses comerciais dos primeiros, recebendo em troca altos cargos de Direção, conhecidos para alguns e ambicionado por outro. Às tantas acordei, vi que estava em Portugal e que tudo isto só poderia ser contado como sonho, ou como pesadelo… Quando se tenta controlar politicamente a informação criminal, tenta-se desarticular a separação de poderes que serve de base a qualquer verdadeiro Estado de Direito Democrático.
Mas também [identificar] quem eram os altos quadros profissionais da Investigação Criminal de carreira [PJ], que como terna bem unida, tinham admitido “vender” a sua “casa” aos interesses comerciais dos primeiros, recebendo em troca altos cargos de Direção, conhecidos para alguns e ambicionado por outro. Foi este estudo e a publicidade do mesmo, pela sua utilidade e mérito, que serviu de suporte à obstrução de uma verdadeira revolução securitária, que em vez de servir o interesse público, visava sim, servir algum poder que nada tem de político e utilitário, mas de económico, comercial e económico.
Justiça e Segurança Interna | Ainda não houve fusão das polícias. Porque será? | Rogério Jóia
Do mesmo modo se procede quando se tenta controlar politicamente as estruturas securitárias. E perante esta ameaça, cabe agora sim, fazeremse determinadas questões: Alguém acha que quando existe pela primeira vez num qualquer país, um estudo elaborado por profissionais do foro (polícias, investigadores criminais e militares), que são simultaneamente professores universitários, possuindo a experiência profissional por um lado e a vertente académico/científica por outro, estudo esse sobre a reorganização de todo o sistema de segurança, de investigação criminal, da justiça e da área das informações e que tem sido propositadamente desprezado pelo poder político e governativo vigente, pelo facto de ser a bem da nação e contra interesses privados, se pode considerar que estamos num verdadeiro Estado de Direito Democrático? Alguém acha que tal estudo que permitiria uma efectiva e verdadeira reorganização destas vertentes, reorganização sentida como urgente por parte do cliente externo (cidadãos) e por parte do cliente interno (policias) e que é propositadamente desprezado pelo poder político e governativo vigente, podemos perante isto, considerar que estamos num verdadeiro Estado de Direito Democrático? Alguém acha que quando é a grande maioria das estruturas sindicais que presumivelmente defendem o trabalhador, a reverem-se no estudo em causa e que permite ao país no lado do empregador (Estado), um gasto muito menor, com uma maior eficácia, e que é propositadamente desprezado pelo poder politico e governativo vigente, se pode considerar que estamos num verdadeiro Estado de Direito Democrático? Alguém acha que sendo a defesa do interesse público a pedra de toque do estudo supra referenciado e que ao invés de todas as reorganizações efectuadas nas dimensões supra referidas e que têm sido levadas a cabo por políticos ou só por professores universitários que nada sabem destes foros, e que é propositadamente desprezado pelo poder politico e governativo vigente, se pode considerar que estamos num verdadeiro Estado de Direito Democrático? Agora respondemos nós: a nossa resposta, a resposta de todos os elementos que elaboraram tal estudo, a resposta de quem defende efectivamente esta Polícia Judiciária e não de quem defende os seus cargos dentro da Polícia Judiciária é: não. Não, não e não. E não, porque num projecto desta dimensão, requer-se sobretudo conhecimento dos factos e conhecimento sobre a matéria de que se versa e capacidade académico/científica. Estes requisitos estão presentes. Poder-se-á perguntar se o poder governativo e vigente conhece o estudo? Não. Não conhece. Mas conhece os princípios programáticos do mesmo. E ficou interessado em conhecer o estudo em causa, de forma a pelo menos dizer: não presta e não presta porque…? Não. Não ficou interessado em o conhecer, Esta deve ser efectivamente a verdadeira matriz do porque o estudo supra referenciado era a favor Estado Moderno, que se quer Democráctico [a sedo interesse nacional e contra negócios priva- paração dos poderes]. Obviamente, sem influências maléficas dos “Gardos. Desprezou os princípios em causa, o estudo neis”, dos generais e dos seus amigos, externos ou em referência e o interesse nacional. Mas era “internos”… do interesse nacional esta reorganização? Tanto que era, que o poder governativo quis leva-la a cabo. Só que efectuada mais uma vez por quem nada percebia da poda e sem ter em conta o efectivo interesse da nação, mas alguns outros interesses… Mais uma vez… É o normal… É à portuguesa… É à moda do caso BPN, do caso Portucale, do caso Freeport e de muitos outros… Muitos que são claramente demais para quem paga e vive honestamente e sem ser à conta ou à sombra da palmeira do Estado, de funções políticas ou de cargos que possibilitam de forma irregular a utilização de bens públicos… Como a utilização de “aviões” públicos entre Leiria e Lisboa e vice-versa, quase todos os dias, para a realização de fins pessoais, o que é muito mais que irregular, o que é muito mais grave, o que é muito mais criminoso,
Quando se tenta controlar politicamente a informação criminal, tenta-se desarticular a separação de poderes que serve de base a qualquer verdadeiro Estado de Direito Democrático. Do mesmo modo se procede quando se tenta controlar politicamente as estruturas securitárias.
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quando tal é efectuado por quem deveria dar o exemplo… Tais reformas de interesse público, só não foram para a frente, porque seria difícil explicar aos portugueses porque é que se opta por interesses BPNianos em detrimento do interesse nacional… Enquanto que, simultaneamente, as reformas que nestas áreas se vislumbravam, aquelas que defendem apenas e exclusivamente o interesse de apenas alguns, só não foram ainda implementadas, pelo receio que os “Garneis” têm mais uma vez de aparecer nas parangonas da imprensa. Os “Garneis” e os amigos, os amigos de fora e os amigos de “dentro”… O Estado de Direito Democrático, o verdadeiro, é aquele em que coexistem vários poderes e que coexistem de forma independente. Esta coexistência e divisão de poderes que começou com Montesquieu2 “6. Constitucionalismo e divisão de poderes – No célebre livro XI do Esprit des Lois, Montesquieu desenvolveu a famosa doutrina de que todo o bom governo se devia reger pelo princípio de divisão dos poderes: legislativo, executivo e judiciário. Nesta sequência, vem o art. 16.o da Déclaration des droits de l´homme et du citoyen du ; 26 Août 1789, que transformava este principio em dogma constitucional : «Toute societé dans laquelle la garantie des droits n´est pas assurée, ni la séparation des pouvoirs déterminée, n´a point de constitution.» Esta verdade construída a partir do século XVIII é não só uma concepção mítica, como um dogma de qualquer Estado que se quer de Direito Democrático. Esta deve ser efectivamente a verdadeira matriz do Estado Moderno, que se quer Democráctico. Obviamente, sem influências maléficas dos “Garneis”, dos generais e dos seus amigos, externos ou “internos”… E sem a utilização de bens públicos, por quem deveria dar o exemplo… A Bem da Nação!
O Estado de Direito Democrático, o verdadeiro, é aquele em que coexistem vários poderes e que coexistem de forma independente.
Bibliografia Caetano, Marcello, “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, tomo I, Almedina, Coimbra, 1989. Canotilho, J. J. Gomes, “Direito Constitucional”, 4ª. ed., Almedina, Coimbra, 1989. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 26 de Agosto de 1789. Jóia, Rogério Paulo de Jesus Lourenço, “Caos Urbano”, Editora Lidel – Pactor, 2012.
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In “Direito Constitucional”, Canotilho, José Joaquim Gomes, Editora Almedina, Coimbra, 4ª. Edição, pág. 194 a 195 O autor é Licenciado em Direito, Pós Graduado em Ciências Jurídicas e Direito Penal Económico e Europeu e em Ciências Jurídicas, Mestre em Medicina Legal e Ciências Forenses com Tese em Direito, Doutorando em Ciências Sociais com Tese em Direito, Membro Investigador Integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) – Fundação de Ciência e Tecnologia e Professor Universitário Convidado no ISCSP – Universidade Técnica de Lisboa, na área do Direito.
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Justiça e Segurança Interna | O modelo Português de Polícia – generalidades e divagações | João Fernandes Figueira
por João Fernandes Figueira Associado da ASFIC/PJ Inspetor Chefe da PJ na UNCTE
O modelo Português de Polícia – generalidades e divagações 1 Parece não ser discutível existirem, pelo menos em tese, 3 tipos distintos de modelos de polícia: o modelo integral, o modelo dual e o modelo pluralista. A definição de cada um parece também óbvia: existência num dado país de uma só polícia (única, integral ou global), ou duas polícias (sendo uma militar e outra civil, com missões parcialmente comuns e com missões diferenciadas mas complementares), ou, enfim, várias polícias (não necessáriamente tantas como as cerca de 50 existentes no Reino Unido, mas com missões especializadas e complementares entre si, actuando implicitamente de forma concertada, de acordo com regras precisas de cooperação e procedimentos bem definidos de coordenação inter-institucional). Também parece ser (mais ou menos) claro que cada um destes modelos tem as suas vantagens e desvantagens e que a preferência por um ou outro é, basicamente, de carácter subjectivo e a sua discussão eterniza-se sempre e arrisca a tornar-se estéril e completamente inconsequente. Evitemo-la, pois. 2 Na análise do modelo actualmente aplicado a Portugal, os vários estudiosos e os inúmeros comentadores portugueses sobre o tema (geralmente defensores do modelo integral ou do modelo dual) referem, habitualmente, ser o modelo dual o agora existente em Portugal. Pessoalmente e aqui só entre nós, confesso ter muita dificuldade em compreender esta tese, mas isto dever-se-á, muito provavelmente, a incapacidade, incultura, desatenção, burreza e, ou qualquer outra deficiência ou insuficiência da minha parte. De facto, a menos que, por qualquer razão (mais ou menos) escondida, se ignore propositadamente os outros serviços de aplicação da lei existentes em Portugal e se considere, apenas, os dois maiores e, eventualmente, mais vistosos e bonitos, é que o sistema se reduz ao modelo dual.
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Justiça e Segurança Interna | O modelo Português de Polícia – generalidades e divagações | João Fernandes Figueira
Contudo, a realidade é que, ainda que se possa pretender serem desnecessários, inconsequentes ou incompetentes, existem, de facto, vários organismos policiais com missões especificamente atribuídas, que cumprem tarefas concretas e onde trabalham vários milhares de pessoas. Desde logo o SEF, a Polícia Marítima, a PJ, a própria PJM, a ASAE (porque não?)... … compensaria alterar este modelo policial? Traria E isto mantém-se se, numa rápida abordagem redução de custos? Onde? E porquê? Traria vanta- histórica, recuarmos ao passado dos serviços de gens de carácter funcional? Onde? E porquê? Os polícia em Portugal. Se não, vejamos: desde logo portugueses, enfim, ficariam melhor servidos? Al- a Guarda Fiscal, que existiu em Portugal durante guém pode agora e em Portugal, responder sincera cerca de 200 anos (de 1802, então como e cabalmente, a estas questões? Guarda das Barreiras, a 1995); também durante cerca de 200 anos existiram sucessivamente diversas polícias secretas, preventivas, políticas, de informações e, ou de segurança interna (de 1808 a 1974). Por seu lado, a investigação criminal autonomizou-se em fins do séc. XIX (1898) e tornou-se um serviço completamente independente em princípios do séc. XX (1917). A Autoridade marítima tem tido (desde 1818), ao longo do séc. XIX e XX vários serviços específicos de polícia marítima. Por períodos mais curtos houve, entre nós, inúmeros serviços muito especializados como a Polícia Fiscal (de 1887 a 1892), a Polícia Internacional Portuguesa (de 1928 a 1945), a Polícia de Viação e Trânsito (de 1937 a 1970), o Centro de Investigação e Controlo da Droga (de 1977 a 1982), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (a partir de 1986), a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (a partir de 2006). Já agora, as inúmeras forças de polícia existentes no antigo Império português, todas independentes entre si (a título de exemplo cite-se o Corpo de Polícia do Estado da Índia, as Polícias de Segurança Pública de Angola, da Guiné e de Moçambique, as Polícias Judiciárias de Angola e de Moçambique, as Guardas Fiscais, as Guardas Rurais, as Administrações Provinciais com os seus cipaios...). E, regressando à Metrópole, ainda as importantes autoridades de polícia local que eram os regedores e os seus cabos-de-ordem (de 1842 a 1977). Assim, modelo dual em Portugal, quando? E como? 3 Muito genericamente, parece-me ser indiscutível que o actual modelo português de polícia se caracteriza por três aspectos essenciais: a) É o NOSSO modelo. De facto, resulta da síntese de vários sistemas, de origens diferenciadas e da lenta evolução social e política ocorrida em Portugal. Não há outro exactamente como ele. Será o ideal? Mas haverá um modelo de polícia ideal? b) Está consolidado na sua versão actual há, pelo menos, um século. E assim tem sido aceite pela população portuguesa e reconhecido pelas congéneres estrangeiras. Cumpre as missões que lhe estão atribuídas? Tem cumprido. Na perfeição? A acção humana não atingirá, nunca, a perfeição. Poderá ser melhorado? Claro que sim. Porque não? Penso até que nem seria muito difícil. c) Assenta num muito sensível sistema de equilíbrios entre forças e serviços, de poderes cuidadosamente balanceados que, curiosamente, lhe dá flexibilidade e potencia a sua capacidade de resposta. Alterá-lo criaria, necessária e obviamente, uma conflitualidade permanente, dentro e fora dos E assim, porquê avançar agora para projectos verserviços remanescentes, potenciaria uma dadeiramente revolucionários, de carácter irreverdesmotivação generalizada e poderia impli- sível e aplicação contestada, de muitíssimo car uma significativa redução da produtivi- duvidosas vantagens e resultados muito incertos? dade e o aumento dos custos de operação. Assim, o que importa parece ser a resposta à questão: compensaria alterar este modelo policial? Traria redução de custos? Onde? E porquê? Traria vantagens de carácter funcional? Onde? E porquê? Os portugueses, enfim, ficariam melhor servidos? Alguém pode agora e em Portugal, responder sincera e cabalmente, a estas questões? E assim, porquê avançar agora para projectos verdadeiramente revolucionários, de carácter irreversível e aplicação contestada, de muitíssimo duvidosas vantagens e resultados muito incertos? Espera-se por parte do decisor, nesta, como nas outras áreas da governação, serenidade, seriedade, conhecimento e muitíssimo bom senso.
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Justiça e Segurança Interna | A (des)coordenação dos OPC | Cunha Gomes
por Cunha Gomes Associado da ASFIC/PJ Inspetor Chefe da PJ na Diretoria do Norte
A (des)coordenação dos OPC A coordenação das polícias de investigação criminal, ou a falta dela, tem constituído tema para intervenções de alguns operadores da justiça, políticos e comentadores. Esta falta de coordenação das polícias de investigação criminal, que na opinião de alguns tem origem numa errónea decisão política que se traduz na partilha da investigação criminal ocorrida em 2000, viria mais tarde a determinar, inclusive, a criação do lugar de Secretário-Geral do Sistema Integrado de Segurança Interna e tem alimentado argumentos no sentido da unificação de polícias, cuja génese, conteúdo funcional e cultura organizacional são bem distintas. Com a entrada em vigor da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) publicada pela L. 21/2000, de 10 de Agosto, a Polícia Judiciária, que nos termos da Exposição de Motivos da Proposta de Lei detinha especialização na investigação da criminalidade mais complexa, a qual, entendia-se, devia estar a cargo de uma polícia científica, passou a partilhar competências com a PSP e a GNR, “para a criminalidade cuja investigação requer uma eficácia de proximidade”, nos exactos termos do referido documento. Assim, àqueles dois OPC, foi atribuída competência para investigar crimes de proximidade, que não constavam do catálogo cuja investigação ficava reservada à PJ. Durante o debate na generalidade da proposta de lei que viria a dar origem à LOIC de 2000, curiosamente, o então Secretário de Estado da Administração Interna Luís Patrão, proferiu as seguintes palavras: “… o País disporá de mais investigadores e que não será necessário, nem será intenção do Governo, criar dentro da PSP e da GNR qualquer corpo específico dedicado exclusivamente à investigação criminal. Pelo contrário, queremos que os agentes da PSP e da GNR rodem o máximo possível por esta tarefa de investigação criminal, que é nobre e muito importante, e que, simultaneamente, aproveitem a experiência aqui colhida, no terreno, com a sua patrulha, para a sua tarefa de policiamento de proximidade, nas rondas do quotidiano, para melhor poderem fazer um trabalho de prevenção do crime”. O próprio afirmou ainda, “estimamos que será necessário afectar a esta função qualquer coisa como 10% dos efectivos de cada uma das corporações policiais”, o que constituiu uma clara preocupação para alguns dos deputados, nomeadamente Telmo Correia, que questionou se “com este sistema e a consagração desta nova responsabilidade de investigação, não ficará limitada a capacidade da PSP para a sua função essencial, que deveria ser sempre o policiamento e a prevenção”. Mais de doze anos volvidos, a realidade é bem diferente da que foi idealizada pelo legislador. Quer a PSP quer a GNR, apostaram fortemente em estruturas específicas que se dedicam exclusivamente à investigação criminal, verdadeiros corpos de polícia judiciária dentro das forças de segurança. A atribuição de competências por decreto, que visava evitar disfunções e sobreposições, revelou-se ela própria geradora de alguns dos conflitos, e nem mesmo as alterações introduzidas pela L. 49/2008, de 27 de Agosto, conseguiram regular cabalmente os problemas há muito identificados. Facilmente se elencam algumas situações em que o mesmo autor ou grupo de autores é investigado por mais que um OPC, bastando um pormenor, como por exemplo a utilização esporádica de uma arma de fogo, que opere numa comarca vizinha da competência de outro OPC, ou que uma determinada investigação dita de proximidade se encontre numa fase avançada de recolha de prova, para, por si próprias, provocarem episódios de conflito institucional.
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Justiça e Segurança Interna | A (des)coordenação dos OPC | Cunha Gomes
Sempre me questionei sobre o facto de ser o OPC de proximidade a classificar a infracção penal, quando, por mero exemplo, a matéria de facto aponta para um quadro de paredes-meias entre o homicídio tentado e a ofensa à integridade física grave, ou a decidir que não há crime, nos casos de morte não determinada, quando não tem competência legal para tal. Assim como me questiono acerca dos conceitos de investigação de proximidade, pequena criminalidade, provas simples e evidentes, investigações que não exijam especial mobilidade de actuação ou meios de elevada especialidade técnica, nomeadamente em inquéritos que abarcam várias comarcas, vigilâncias, ou mesmo com mais de uma centena de intercepções. Não parece contudo ter escapado ao legislador, que o afastamento dos investigadores da PJ do contacto com a dita pequena criminalidade, se traduziria na perda de informação importante e indispensável à investigação de uma criminalidade mais grave, mais organizada ou complexa, razão de ser da criação de um Sistema Integrado de Informação Criminal (SIIC). Parecia ser pacífico que a partilha da investigação criminal por vários OPC, implicaria necessariamente a partilha de informação, até porque as várias realidades criminais estão, as mais das vezes, interligadas. Ora, nos termos da referida lei, “o conteúdo, funcionalidades, deveres de cooperação e articulação com as autoridades judiciárias e entre os órgãos de polícia criminal, relativamente ao Sistema Integrado de Investigação Criminal”, seria regulado em diploma próprio. A verdade é que, enquanto tal, nunca o foi, nem mesmo depois das alterações introduzidas pela LOIC de 2008, e foi funcionando sem regulamentação legal, dependente da boa vontade das instituições ou de quem nelas manda. Refira-se que o SIIC foi pensado
para ser “alimentado” pelos vários OPC, que para tanto iriam dispor de terminais ligados em rede, o que nunca foi implementado. O vazio deixado pela falta de regulamentação quanto à gestão do sistema, níveis de acesso à informação por parte dos vários OPC, e manutenção do mesmo por todos, propiciou a organização de ficheiros próprios à margem do SIIC, nomeadamente na PSP e na GNR, autênticas bases de dados para uso exclusivo das mesmas, que viriam a ser reconhecidas pela L. 73/2009, de 12 de Agosto. Mais uma vez ficou demonstrado que uma lei prenhe de ambiguidades e que permite várias interpretações, ainda mais quando arrastada ao longo de anos, é facilitadora e geradora de vícios e, consequentemente, de conflitos. Ficou também demonstrado que a inexistência de um diploma que regulasse o funcionamento do SIIC, votou ao fracasso todo um sistema de informação e transformou a investigação criminal numa amálgama desorganizada, em que os atropelos às competências alheias são uma constante. Passados todos estes anos, com as consequências nefastas que qualquer leigo alcançará, discute-se agora a criação de uma plataforma para o intercâmbio de informação criminal, a que foi criada por decreto pela lei de 2009. Outras alterações introduzidas pela LOIC de 2008, que visavam em certa medida anular alguns episódios de
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Justiça e Segurança Interna | A (des)coordenação dos OPC | Cunha Gomes
conflito, pecaram por tardias e não foram impeditivas da manutenção dos vícios instalados. Aliás, o que antes poderia ser interpretado como episódios pontuais de invasão das competências da PJ, actos impensados de um ou outro elemento, parece ter-se transformado em metodologia de abordagem. Refiro-me em concreto aos crimes de cenário que se constituem por definição legal como criminalidade violenta, e em especial às situações de suspeita de homicídio ou mera averiguação de causa de morte; e ao facto de, cada vez com maior frequência, a polícia de proximi-
dade não se bastar pela preservação e comunicação imediata à PJ. Antes porém, o patrulheiro reporta aos DIC, EIC, SIC ou NIC da sua força policial, cujos elementos não deixam de se deslocar ao local e aí, mau grado estar logo à partida determinada a competência da PJ, e ainda antes de o comunicarem àquela, procedem à inspecção judiciária, à recolha de informação, a inquirições de testemunhas, condicionando assim negativamente o trabalho do OPC competente – a PJ. Ou seja, numa altura em que todas as instituições se confrontam com falta de meios humanos e recursos materiais, nalguns OPC parece ser possível desperdiçá-los permitindo-se fazer deslocar meios desnecessários, para realização de diligências de competência reservada alheia. Atitude à qual não será estranho o crescimento de uma corrente no seio dessas mesmas forças de segurança, que defende que o local do crime deve ser processado por quem primeiro toma contacto com ele, ou seja, invariavelmente, o OPC de proximidade. O Auto de Diligência ou o Relatório Táctico de Inspecção Ocular (curiosa designação para Relatório de Inspecção), que há-de ser enviado para os autos acompanhado da respectiva reportagem fotográfica, muitas vezes com fotografias de pormenor, ilustra bem que o local não foi preservado, numa clara atitude de invasão das competências alheias, justificada como sendo actos de preservação, que põem em risco a prova e, principalmente, comprometem irremediavelmente a garantia de custódia da mesma. E só então, depois de a cena do crime ter sido contaminada, a PJ é chamada ao local, onde, não raras vezes, se confronta com a inexistência de qualquer perímetro de segurança, com a presença de pessoas que se movimentam livremente, sejam elas elementos policiais ou familiares da vítima, estranhas pegadas, pontas de cigarros descontextualizadas e mesmo notórias alterações do cenário. Constatada esta irreversível realidade de terem de processar um local contaminado, aos profissionais da PJ impõe-se a acrescida tarefa de despistar também as alterações introduzidas pelo OPC de proximidade. Recorde-se que no que concerne ao crime de homicídio, bastaram dois anos para que o legislador introduzisse alterações no quadro de competências, já que no âmbito da LOIC de 2000 os OPC de proximidade tinham competência para investigar os crimes de homicídio em que o autor fosse conhecido, competência essa que lhes viria a ser retirada pelo DL 305/2002, de 13 de Dezembro. E o que dizer do facto de o MP, o titular do inquérito, se revelar totalmente insensível a esta realidade ou mesmo não cumprir a lei, entregando àqueles OPC investigações que a LOIC define como sendo competência reservada da PJ? Em entrevista que em 29/JAN/2012 deu ao JN, o então Procurador-Geral Distrital do Porto Dr. Pinto Nogueira, questionado acerca do número de elementos da PSP e da GNR ocupados em tarefas de investigação em vez da prevenção, no seu estilo bem directo, respondeu dizendo: “Temos vindo a verificar em Lisboa e no Porto que, em certas áreas que deveriam ser da PJ, entregamos a investigação à PSP não por ser melhor mas porque tem
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Justiça e Segurança Interna | A (des)coordenação dos OPC | Cunha Gomes
mais meios. E porque tem uma disciplina que devia existir também na PJ”. Retira-se assim das palavras daquele Magistrado, PGD à data, que o MP contribui para o incumprimento da lei e para o famigerado conflito entre OPC, já que conscientemente entrega à PSP investigações que são da competência da PJ, apenas porque aquela tem mais meios e mais disciplina que esta. Ao que parece, e porque aquele falou no plural, a estrutura do MP reconhece que a PJ tem profissionais competentes, mas meios mais escassos que a PSP, o que constitui factor preponderante para o incumprimento da lei, com a atribuição de investigações a quem para ela não tem competência legal. Parece também pesar uma alegada carência de disciplina na PJ, ficando-nos a dúvida, por não ter especificado a que tipo de disciplina se referia, se a mesma pode ser confundida com obediência cega ou disciplina intelectual típicas de polícias mais hierarquizadas, ou se essa alegada indisciplina da PJ é o reflexo da sua, por vezes incómoda, autonomia técnica e táctica consagrada na lei. Também no que toca a matéria de informação criminal, o ex-PGD Dr. Pinto Nogueira levantou o véu e confirmou a existência de conflitos. Questionado acerca desta matéria, respondeu que há necessidade de centralização de informação, afirmando ainda, “Actualmente, escondem tudo uns aos outros. A PJ perdeu informação porque deixou de andar na rua”. Já em 1977, com a LOPJ publicada pelo DL 364/77, de 2 de Setembro, o legislador demonstrava preocupação face à descoordenação das polícias, tendo referido que “É sabido que a inoperância policial no nosso país deriva, em parte, da proliferação de organismos policiais que amiúde se sobrepõem e confundem”. Consciente da importância da informação criminal, no mesmo diploma criou na estrutura da PJ “um arquivo central de registos e informações, com funções de tratamento, registo e difusão, à escala nacional, de todas as informações relativas à prevenção e investigação criminal”. A prática trata de demonstrar que nem sempre os criminosos se “especializam” e praticam um único tipo de crime. Ou seja, um grupo que hoje pratica um furto, crime da competência dos OPC de proximidade, amanhã poderá cometer um roubo, ou um homicídio, ou de alguma forma intervir no tráfico de estupefacientes, de armas ou de pessoas – a actividade criminal não conhece fronteiras jurisdicionais nem “competências” estanques. Mesmo os media, amiúde noticiam episódios de clara descoordenação ou mesmo conflito aberto entre as polícias, de que apenas os criminosos beneficiam. Em 28 de Setembro último, o DN noticiava “Tensão entre PSP e GNR após rusga polémica em bairros”, com a GNR a dizer ter sido desautorizada pela PSP, devido a incursão de elementos daquela força de segurança na sua área de jurisdição. O que faz reflectir na mais-valia da implementação do sistema dual e na criação de uma Polícia Nacional que agregue a PJ e o SEF à PSP, mas que mantém a valência de investigação criminal na GNR, noticiada no DN de 1 de Outubro, sistema que, alegadamente suportado em estudos profundos, irá resolver os problemas da investigação criminal. Já em 2007, ou seja, sete anos após o início da experiência de partilha, o Juiz Conselheiro Santos Cabral defendia que só a PJ deveria ter competência para a investigação criminal, e assim se evitariam “conflitos” com as polícias. E ainda, que a gestão da informação criminal tem de estar sob a alçada da PJ, já que “a partilha de informação tem necessariamente de ter um sentido unidireccional, convergindo para a polícia que efectua a investigação criminal de topo”. Opinião aliás partilhada pelo Bastonário da Ordem dos Advogados Dr. Marinho e Pinto, que no 2o Congresso de Investigação Criminal, em 2009, proferiu as seguintes palavras: “A prevenção e a repressão dos crimes constituem uma das mais relevantes funções do Estado de direito que deve ser devidamente valorizada. Por isso, deve estar apenas a cargo de polícias altamente especializadas, como é a Polícia Judiciária, e não de entidades vocacionadas para a defesa de outros valores…”. “Infelizmente, opções políticas erradas levaram a que outras forças policiais vocacionadas apenas para garantir a segurança de pessoas e bens fossem também redireccionadas para a investigação criminal. As consequências destas opções não são positivas, pois não só não melhorou a eficácia da investigação como conduziu a uma diminuição das garantias de segurança”.
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Justiça e Segurança Interna | Custos das Forças e Serviços de Segurança
Custos das Forças e Serviços de Segurança Elementos preliminares recolhidos no âmbito de um estudo sobre os custos das Forças e Serviços de Segurança que está a ser ultimado por um Associado da ASFIC e que será apresentado muito brevemente. Da análise dos dados da DGO (Direcção Geral do orçamento, disponíveis em www.dgo.pt), os quais, não incluem os valores dos investimentos do plano dos ministérios (que por dificuldades de apuramento não foram contabilizados, como por exemplo, os valores do PIDAC, etc.), resulta o seguinte:
PJ
PSP
GNR
Total em milhões de euros
2005
58.371.700
95.321.324
526.594.607
647.878.000
1.328.165.631
2006
59.372.000
90.221.124
532.995.000
675.168.000
1.357.756.124
2007
75.372.000
100.180.000
572.389.635
744.420.556
1.492.362.191
2008
72.460.000
101.357.000
575.276.303
749.145.061
1.433.024.364
2009
74.560.000
102.760.000
630.019.610
792.438.386
1.599.777.996
2010
90.000.000
118.189.478
683.194.079
862.550.559
1.753.934.116
2011
87.738.367
115.963.265
645.368.383
808.877.751
1.657.947.766
2012
84.971.461
102.581.720
703.718.850
807.150.517
1.698.422.548
2013
84.145.233
103.761.042
796.942.595
937.917.267
1.922.766.137
Conclusão • Enquanto os custos da GNR/ PSP e SEF aumentaram exponencialmente em 45%, no período 2005-2013, o custo da PJ, no mesmo período, aumentou apenas 8,85% …
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Justiça e Segurança Interna | Custos das Forças e Serviços de Segurança
• Aumento de mais de 590 milhþes de euros (valor anual) do custo da GNR/PSP/SEF e PJ desde 2005, sendo apenas 8.5 milhþes de euros imputåveis à Policia Judiciåria, isto Ê, menos de 2%
• A PJ representava em 2005 7% do total da despesa em FSS (GNR/PSP/PJ/SEF), descendo para 5% e em 2013. Peso relativo na estrutura Milhþes de ₏
%
MilhĂľes de â‚Ź
%
PJ
95.541.324,00
7,19%
103.761.042,00
5,40%
SEF
58.371.700,00
4,39%
84.145.233,00
4,38%
PSP
526.594.607,00
39,64%
796.942.595,00
41,45%
GNR
647.878.000,00
48,77%
937.917.264,00
48,78%
Despesa por FSS
• Se a PJ tivesse tido um aumento orçamental mĂŠdio idĂŞntico ao das restantes FSS, teria neste momento, um orçamento de 136 milhĂľes em vez de 103 milhĂľes de euros, ou seja, mais 33 milhĂľes de euros (os gastos em bens e serviços previstos no orçamento de 2013 sĂŁo 12 milhĂľes...), um acrĂŠscimo de capacidade ďŹ nanceira mais do que suďŹ ciente para resolver os seus principais problemas: recrutamento de mais pessoal (o quadro estĂĄ preenchido a menos de 50% do previsto; resolução mais rĂĄpida do pagamento do trabalho extraordinĂĄrio, nos moldes impostos pelo Conselho da Europa e modernização / aquisição dos equipamentos necessĂĄrios.
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Justiça e Segurança Interna | Custos das Forças e Serviços de Segurança
Aumento 2005-2013
Aumento %
MĂŠdia anual
PJ
8.219.718
8,60%
1,08%
SEF
25.773.533
44,15%
5,52%
PSP
270.347.988
51,34%
6,42%
44,77%
5,60%
44,74%
5,59%
GNR
290.039.264
Total
594.380.503
' '
' '
% = FSS coluna que ilustra o orçamento que a PJ deveria ter em 2013 se tivesse tido um aumento mĂŠdio orçamental idĂŞntico ao das restantes FSS (PSP, GNR e SEF). É indesmentĂvel que tem vindo a existir por parte dos sucessivos Governos de Portugal, um grande desinvestimento na PJ, ou seja, na investigação da criminalidade mais grave, complexa e violenta, designadamente, naquela que pode levar mais polĂticos e banqueiros Ă cadeia‌
Justiça e Segurança Interna | Duplicação há só uma | Acácio Pereira
por Acácio Pereira Presidente do SCIF/SEF
Duplicação há só uma O problema não está na PJ nem no SEF. O problema está em duas estruturas, GNR e PSP, que fazem a mesma coisa em sítios diferentes. A discussão sobre a organização do modelo policial português resume-se, neste momento, a duas opções: regredir ou evoluir. De um lado, os defensores do processo regressivo, interessados em quantificar custos mas omitindo os reais valores. Do outro, os cidadãos conscientes dos valores fundamentais da democracia e empenhados na sua evolução. Em grande alarido têm estado todos aqueles que se posicionam como defensores do processo de regressão. Apresentam-se em público como arautos de um bem supremo (não se vislumbrando qual), a coberto de instituições de ensino e de outras com maior ou menor peso na sociedade, definindo-se a eles próprios como “especialistas”. Quanto aos “estudos”, apresentam-nos como tendo um grande rigor científico, fundados em enormes bases de trabalho. Nada mais falso, infelizmente. Fazendo um breve recuo histórico, constatamos um facto surpreendente, para não dizer hilariante: a maior parte dos propalados “estudos” mais não são do que um recuo ao conturbado período da I República em Portugal, no qual vigorou um modelo policial verdadeiramente dual.
De um lado, a Guarda Nacional Republicana que, após ver desmantelado o seu enorme poder bélico e reduzida a sua importância política, viu publicado o regulamento que remeteu as suas competências para o serviço rural, por Decreto de 1920. Por outro lado, a Direção Geral de Segurança Pública foi criada pelo Decreto 4166 do Ministério do Interior, assinado pelo então ministro Henrique Bessa e pelo Presidente Sidónio Pais, em 27 de Abril de 1918. Nele estão espelhados, com maior ou menor similitude, todos os nomes das mudanças pretendidas para a atualidade. Como dizem os juristas, estarmos perante uma verdadeira repristinação da lei... Sem grandes delongas, e como é do conhecimento de uma grande parte dos cidadãos, o que este modelo faz é convergir num centralismo de má memória, que serviu os desígnios do período mais negro da nossa história recente, o período da ditadura do Estado Novo. As polícias inspiradas em modelos políticos corporativistas visam sempre mais a proteção do aparelho de Estado do que a defesa dos direitos dos cidadãos. Perante isto, é necessário dizer com toda a clareza que a opinião pública tem estado a ser enganada. Estamos perante uma verdadeira fraude, com proporções que sinceramente não me ocorre ter visto ou presenciado antes e cujo único objetivo é lançar a confusão. Acresce ainda que muitos dos mentores desta ideia regressiva já tiveram
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Justiça e Segurança Interna | Duplicação há só uma | Acácio Pereira
responsabilidades políticas com possibilidade de decidir no seu tempo e nada fizeram, o que revela uma de duas coisas: ou eles próprios, numa natural lucidez, consideram as suas atuais propostas inadequadas; ou, então, aspiram a outros desígnios inconfessos, ou inconfessáveis. Há também os que defendem outra posição – mais correta, na nossa perspetiva. O que está no seu horizonte é um modelo policial claramente civil, dividido em três grandes áreas, cada uma delas assente numa matriz que vinque a especificidade da sua cultura, que distinga a sua especialização e as diferentes vocações e capacidades de resposta. Assim, para a componente de controlo de fronteiras e imigração manter-se-ia o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), conservando todas as suas competências e estruturas. Para a área da investigação criminal, nas suas amplas vertentes, a Polícia Judiciária (PJ) manteria todas as atuais competências e estruturas. Para as importantes funções de prevenção do crime e da manutenção da ordem pública, seria criada uma Polícia Nacional que integraria as competências da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) numa estrutura civil, cumprindo a Carta Social Europeia que preconiza a desmilitarização das forças de segurança.
O que tem sido apontado como gerador de gastos desnecessários é a duplicação. E essa, no sistema policial português, só existe entre as duas maiores instituições: a PSP e a GNR. Não são precisos estudos para ver que ambas fazem a mesma coisa, com uma única diferença – a competência territorial. Ora isso, no século XXI, não faz nenhum sentido.
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Justiça e Segurança Interna | As Reformas nas Forças e Serviços de Segurança | Luís Andrade
por Luís Andrade Sargento-chefe da GNR na situação de reserva Especialista em assuntos na área da Segurança Interna
As Reformas nas Forças e Serviços de Segurança Considerando os superiores interesses do Estado, salvaguardando os direitos dos cidadãos, satisfazendo o desejo de muitos portugueses e num quadro de interesse público e de cidadania, foi desenvolvido um trabalho que consistiu na recolha de fundamentadas opiniões obtidas a cidadãos, em diferentes pontos do País. Estas opiniões prendem-se com questões relacionadas com a Justiça e com a Segurança Interna. Após a conclusão da primeira e da segunda fase do trabalho, os diversificados pontos de vista que foram recolhidos e transportados para dezenas de páginas, deram entrada nos principais Órgãos do Estado, nomeadamente: Presidência do Conselho de Ministros, Ministério da Defesa Nacional, Ministério da Administração Interna, Ministério da Justiça, Grupos Parlamentares com assento na Assembleia da República, Supremo Tribunal de Justiça, Procuradoria-Geral da República, Provedoria da Justiça, entre outros. Além deste trabalho ter chegado aos referidos Órgãos, chegou igualmente, a reconhecidas individualidades especialistas em assuntos de justiça e de Segurança Interna. É pertinente referir que o presente “estudo” de interesse público e de âmbito jornalístico será oportunamente objeto de publicação num ou mais órgãos de comunicação social, como também poderá servir de debate numa conferência que seja realizada com esse propósito. A perspetiva dos portugueses focaliza-se num olhar extremamente atento e fundamentado sobre a gestão dos meios humanos e logísticos das várias Forças e Serviços de Segurança. No que concerne a esta gestão, os cidadãos, dizem que estamos perante um autêntico esbanjamento dos dinheiros públi- … a Polícia Judiciária é o “anjo da guarda” da nossa cos por considerarem que existe uma nítida duplicação e ao Democracia.” mesmo tempo um desaproveitamento dos referidos meios. É pertinente sublinhar e deixar aqui bem claro que Dos vários exemplos apresentados, os cidadãos fazem ques- num quadro institucional que é o nosso, é indistão de sublinhar que não faz qualquer sentido, num País tão pensável a existência de uma Polícia Judiciária inpequeno como o nosso, existirem duas grandes unidades es- dependente, uma vez que desempenha um papel peciais, em duplicação nas Forças de Segurança destinadas a extraordinariamente relevante na Defesa dos Direiintervenções exclusivamente pontuais. tos Humanos. Existe uma unidade especial de intervenção, no seio da GNR para 90% do Território Nacional e para missões internacionais e outra no seio da PSP para os restantes 10% do Território. Outro exemplo apresentado é o da sobreposição em muitas cidades, de duas Forças de Segurança. Temos a cidade de Gouveia, que sendo uma das cidades mais pequenas do País, tem em duplicação a GNR e a PSP, situação não compreendida por muitos contribuintes. Mais uma situação, considerada inexplicável, são as funções de cozinheiros, barbeiros, sapateiros, empregados de mesa, amanuenses, entre muitas outras que abundam nas Forças de Segurança, serem desempenhadas por milhares de elementos que não estão a caracterizar a verdadeira função policial.
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Por outro lado, os mesmos portugueses não conseguem entender a falta de meios humanos e de meios logísticos noutras áreas de extrema importância, não só nas Forças de Segurança como também na própria Polícia Judiciária, onde inexplicavelmente este Superior Órgão auxiliar da Justiça, vê reduzido os seus elementos a cerca de 50% do previsto no seu quadro orgânico. Um outro olhar atento dos cidadãos, vai para os desvios comportamentais praticados por elementos que integram as Forças de Segurança. Os portugueses demonstram alguma preocupação em relação a algumas hierarquias destas Instituições, com especial relevância para os Comandantes Distritais. Fazem questão de referir que a inexistência de adequados mecanismos de controlo para fiscalizar os referidos comandantes, faz com que os mesmos possam ficar como que em plena “roda livre” podendo tal situação vir resvalar para situações nada benéficas para o País. Para ajudar a solucionar estas e outras questões, os cidadãos, entre outras medidas, sugerem as seguintes: a reconversão ou a reestruturação da própria Inspeção Geral da Administração Interna num outro órgão, com outras capacidades para intervir e prevenir comportamentos desviantes no seio das Forças de Segurança.
…os mesmos portugueses não conseguem entender a falta de meios humanos e de meios logísticos noutras áreas de extrema importância, não só nas Forças de Segurança como também na própria Polícia Judiciária, onde inexplicavelmente este Superior Órgão auxiliar da Justiça, vê reduzido os seus elementos a cerca de 50% do previsto no seu quadro orgânico.
Os cidadãos viam com bons olhos a criação de uma linha aberta neste novo órgão, com o objetivo de receber denúncias dos próprios elementos das Forças de Segurança em relação a questões relacionadas com estas Instituições. Consideram ainda que esta medida poderia ajudar bastante a própria Polícia Judiciária em eventuais investigações de índole mais complexa e nas situações que envolvessem as próprias hierarquias ou outros elementos das Forças de Segurança.
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Interrogam-se ainda os cidadãos se alguns dos desvios comportamentais praticados por elementos destas Instituições não serão o reflexo de eventuais maus exemplos retirados de alguns dos seus superiores hierárquicos. Mais se sugere, que os subordinados das Forças de Segurança sejam mandatados para que em situações de flagrante delito possam deter qualquer seu superior hierárquico que pratique eventuais desvios comportamentais que constituam crime. É pedida ainda uma participação mais ativa por parte dos Serviços de Informações e Segurança para
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que o poder político possa estar mais bem informado do que de mais relevante se passe no seio das Forças de Segurança, com especial atenção para os comandos operacionais mais elevados, nomeadamente os comandos Distritais. Sobre determinadas situações, elementos da PSP, já deixaram alguns alertas muito pertinentes em diferentes órgãos de Comunicação Social, que devem merecer uma especial atenção. No final do trabalho ficou expresso um desejo manifestado por muitos portugueses que se traduziu no seguinte apelo, dirigido a todas as entidades com responsabilidade nos destinos do nosso País: “Estejam sempre atentos e vigilantes, e não deixem que quaisquer outros interesses fiquem acima dos superiores interesses do Estado e dos cidadãos. Ouviu-se ainda a seguinte frase: a Polícia Judiciária é o “anjo da guarda” da nossa Democracia.” É pertinente sublinhar e deixar aqui bem claro que num quadro institucional que é o nosso, é indispensável a existência de uma Polícia Judiciária independente, uma vez que desempenha um papel extraordinariamente relevante na Defesa dos Direitos Humanos. É útil salientar a recente intervenção da Ministra da Justiça no Congresso de Investigação Criminal que decorreu nos dias 29 e 30 de Março na Figueira da Foz. As suas palavras convergiram no essencial com as preocupações expressas no trabalho que foi entregue às entidades acima referidas. É a convicção de todos os cidadãos que contribuíram Os cidadãos fazem votos para que o conpara o desenvolvimento deste trabalho, que os objetivos tributo da opinião pública tenha contriapresentados, são partilhados e aceites de bom grado buído para o bem do País, para o bem de por todos os cidadãos de bem que pretendem o melhor todos os portugueses, para os superiores para o nosso País, excetuando aqueles que procuram sainteresses de todas as Instituições envolvitisfazer os seus próprios interesses. das no presente processo e também para elevar a imagem dos nossos políticos. É a convicção de todos os cidadãos que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho, que os objetivos apresentados, são partilhados e aceites de bom grado por todos os cidadãos de bem que pretendem o melhor para o nosso País, excetuando aqueles que procuram satisfazer os seus próprios interesses. Os mesmos cidadãos estão cientes, que as Forças de Segurança são Órgãos do Estado de grande valor e prestígio nacional, a quem o País e os portugueses muito devem, tornando-se indispensáveis num Estado de Direito. Consideram ainda que estas Instituições são as primeiras interessadas a colaborarem dando o melhor de si, para que quaisquer que sejam os desvios comportamentais que venham a acontecer sejam os seus autores exemplarmente sancionados. Neste contexto, reside a esperança que o poder político se empenhe, dando todo o seu apoio e contributo, com total disponibilidade, aperfeiçoando e adaptando a legislação existente para que todos estes Órgãos envolvidos fiquem mais protegidos de atos menos próprios levados a cabo por quem não é digno de integrar Instituições que são o espelho do Estado Português. Todas as Instituições referenciados neste trabalho, além de serem pilares da nossa Democracia, têm também subjacente, um elevado sentido de missão que lhes é reconhecido com honra e dignidade. Traduz-se num notável trabalho que contribui para o bem-estar de todos os portugueses.
O autor é Licenciado em Comunicação Social com especialização em Jornalismo e Informação
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Terrorismo e Financiamento Carlos Sarmento
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Justiça e Segurança Interna | Financiamento do terrorismo e branqueamento – África Ocidental do Caos à Segurança | Carlos Sarmento
por Carlos Sarmento Associado da ASFIC/PJ Inspector Chefe da PJ na UIF
Financiamento do terrorismo e branqueamento
África Ocidental do Caos à Segurança
A manta de retalhos africana, provocada que foi por régua, compasso e por linhas dispersas da estratégia europeia dos séculos XIX e XX, jamais cobriria as ânsias e desesperos daquelas gentes. O tribalismo, as práticas animistas, o cristianismo e o islão já eram, por si, fenómeno fraturante entre povos. Hoje, a África Ocidental arrasta consigo todo um passado de mácula e um presente tingido pela avalanche do tráfico de estupefacientes e do terrorismo. Sentimo-lo em primeira mão. É presente e visível que o sistema lusófono não se enquadra com a francofonia e que estes, no seu percurso histórico influenciados que foram, entre outros, pelo Direito Romano e pelo Código Napoleónico, não colhem junto da Common Law. Ali temos, com profundas raízes, a África anglófona (ex. o Gana e a Nigéria), a África de pendor gaulês (ex. o Senegal e o Mali) e as terras onde se ergueu o padrão com a cruz de Cristo, sendo marcantes a realidade da Guiné Bissau e de Cabo Verde. Porém, a Cá como lá, um sistema de segurança válido é con- todos eles, independentemente das vontades e dos credição basilar de uma economia que possa respirar. dos, é transversal o fenómeno esmagador do crime orgaSem pressas securitárias, o nosso sistema é invejá- nizado. Foi uma missão relâmpago, com briefings e debriefings na vel e digno de se exportar. hipotética capital da Europa, iniciada no Gana, de permeio o Senegal e a Nigéria, e términus em Cabo Verde. Os objetivos prendiam-se com a avaliação e identificação do sistema de informações financeiras, vocacionado para o tratamento de dados conexos com o financiamento do terrorismo e branqueamento. Do político colheu-se, para além do opinar constante, entusiasmo e sugestão que se esbarram no (quase) insucesso; do operacional veio a inquietação e experiência inconsequente. Queremos com isso dizer que vontade e algum propósito parecem emergir, todavia, os resultados confrangem por irrelevantes ou inexistentes. O tráfico, o terrorismo, especialmente no norte da Nigéria (com a presença habitual da Jihadist: Boko Haram), e a corrupção são pandemias cujos perfis epidemiológicos aparentam diferenças, mas que acabam por confluir,
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sobretudo quando se encontram e/ou bifurcam na desestabilização dos sistemas financeiros e económicos da região, de si enfraquecidos por um sistema político insustentável. A este país desta região Subsaariana se refere Silva (2005, p. 397 a 399) sobre momentos de alguma violência, porém, assim o não é. Como sempre a história ensina, há cerca de seiscentos anos D. João I, ensaiou África e fez brandir a espada, que só por si foi bastante para explicar a primeira investida em Marrocos, sem excessos de misticismo ou lirismo heróico, mas sem exclusivismos de feição materialista (Martinez, 1985, p.65). Cá como lá, um sistema de segurança válido é condição basilar de uma economia que possa respirar. Sem pressas securitárias, o nosso sistema é invejável e digno de se exportar. Não se deve perder tempo com debates de inclusões, aglutinação e junção de serviços em nome dos números vertiginosos com que a economia nos vai ofuscando no dia-a-dia. Em primeiro lugar, porque tais dados não são assim tão complexos, isto na lógica do deve e haver, e depois porque a excelência é para preservar, expandir e divulgar. A Comissão Europeia dispõe direta e indiretamente de diferentes organismos, onde constam especialistas da área da segurança da qual brotam, entre outros, o crime organizado, a particularidade do financiamento do terrorismo e do branqueamento. A implementação imediata de sistemas de informação integrados junto das unidades de informação financeira (Financial Intelligence Units-FIUs), com o acompanhamento tático e formação circunstancial são saltos de giNão se deve perder tempo com debates de inclu- gante. sões, aglutinação e junção de serviços em nome dos Consciencializar e sensibilizar, foi motor de arranque, denúmeros vertiginosos com que a economia nos vai corre ação e impõem-se resultados, entre outros, o coofuscando no dia-a-dia. Em primeiro lugar, porque mércio de minerais preciosos passou a ter ligações com tais dados não são assim tão complexos, isto na ló- os fluxos financeiros ilícitos, a corrupção, o tráfico de gica do deve e haver, e depois porque a excelência droga, o contrabando de armas e o financiamento do terrorismo (cfr. GIABA – Grupo Intergovernamental de Ação é para preservar, expandir e divulgar. Contra o Branqueamento de Capitais na África Ocidental, relatório2010, p. 94). O desenvolvimento de uma verdadeira operacionalização, revela-se, antes, um processo mentoring para a África Ocidental. O rigor do processo AML (regulamento -método de combate ao branqueamento) a realizar nos parceiros (stakeholders) do sistema não financeiro (DNFBPs - Designated Non-Financial Business and Professions), sobretudo no que respeita às bases de dados existentes (alimentação, processamento e disseminação) é uma obrigação; concomitantemente a implementação - operacionalização dos gabinetes de recuperação de ativos (GRAs-ARAs), tendo como referência o modelo sul-africano (ARINSA) é condicionante de sucesso. Por serem exemplos de entrega e com resultados generosos, evidenciam-se as capacidades de algumas das agências que investigam o branqueamento e aqui emergem o EOCO (Gana), o EFCC (Nigéria) e a PJ de Cabo Verde (exemplo a seguir e que foi citado em diferentes ordenamentos – esta que fugiu ao funil da Polícia Nacional em Cabo Verde). Outrossim a NDLEA (unidade nigeriana de investigação de tráfico de estupefacientes) e a SCUML (unidade que trata e recebe as informações do sistema não financeiro), com todas as insuficiências materiais e outras, alcançam patamares de sucesso. Advogamos, para já, a sincronia e otimização tática dos diferentes agentes e/ou organizações que suportam as políticas ML. Haverá que evitar, por exemplo, o 'overtraining' e a aquisição de meios técnicos desnecessários. Vejamse, entre muitos, os relatórios (Mutual Evaluation Reports) do GIABA para Cabo Verde (7NOV2007) e para o Senegal (7MAY2008). A África ocidental ou 'oeste africano', como em muitos momentos se poderia apelidar, reveste-se ainda de grandes dificuldades no que respeita a uma política de ML segura e de convergência regional. Causas muitas se poderiam apontar: as assimetrias sociais; o impacto terramótico da corrupção; a di-
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ferenciação absoluta entre a francofonia, a 'common law' e a África lusófona, etc. E o Islão? Se se argumentar a Sharia, chama-se a Fiqh, se se empola a Jihad destrona-se a Takfir. Conforme assegura Ruthven (2006, p.404), ideologicamente o terror islâmico depende da conjunção assassina do Takfir e da Jihad. Domesticamente, são muitas as considerações que muitos autores tecem sobre tais matérias, que gostaríamos poder acolher, mas somos forçados a aturada reflexão. Por exemplo, sobre a Zakat é referido que está avaliada em cerca de dez mil milhões de USD por ano e esta não se limita a obras de caridade (Moreira, Torres et al, 2004), porém, não são referidas fontes relevantes e não se faz alusão aos Amil. Refere ainda o último autor (Torres, Adelino, p. 113) um certo ‘branqueamento ao contrário’, como que explicando o financiamento do terrorismo, mais à frente (fls.116) refere-se à Nigéria, como país improvável para a aplicação das normas do GAFI-FATF (vide definições wikipédia). Bom, são opiniões de interessados, de académicos respeitados, fiquemos por aqui.
Conclusão São muitos os insucessos na África Ocidental. Porém, também naqueles países, e insistimos, unidades como nigeriana EFCC, a ganesa EOCO e a PJ cabo verdiana, são fortes esperanças. Neste particular, as valias da PJ, do Ministério Público e do interesse político em construir uma nova FIU e um GRA cuja lei se vestirá no nosso ordenamento, merecem um convívio de oportunidades, que os países do Norte não podem olvidar. Citam-se, como términus, os valores essenciais do GIABA: integridade; profissionalismo; trabalho de equipa; respeito da diversidade; transparência; e responsabilidade. Sem discursos extensivos, literalmente, por cá, há instituições assim.
BIBLIOGRAFIA base: Martínez, Pedro (1985). História Diplomática de Portugal. Editorial Verbo Moreira, Adriano, et al (2004). Terrorismo (2.ª edição). Livraria Almedina, Coimbra. Ruthven, Malise (2006). Islam in the World (Third Edition). Granta Books, Londres. Silva, Teixeira (2005). Terrorismo e Guerrilha, Das Origens à Al-Qaeda. Edições Sílabo, Lisboa.
RELATÓRIOS referência: EFCC - Economical and Financial Crimes Commission (Establishment) Act, 2004; FMI (IMF). Cape Verde: Report on the Observance of Standards and Codes – FAFT Recommendations for Anti-Money Laundering and Combating the Financing of Terrorism; GIABA – Grupo Intergovernamental de Ação Contra o Branqueamento de Capitais na África Ocidental. Manual do Programa de Conformidade Com a Luta contra o Branqueamento de Capitais e o Combate ao Financiamento do Terrorismo. Dakar, 2010. GIABA. Relatório Anual 2010; GIABA. Corruption – Money Laundering Nexus: An Analysis of Risks and Control Measures in West Africa; GIABA – Threat Assessment of Money Laundering and Terrorism Financing in West Africa. 2010; GIABA – Mutual Evaluation Reports: Cape Verde (2007); Nigeria (2008); Senegal (2008); Gana (2008); National Durg Law Enforcement Agency (Federal Republic of Nigeria). NDLEA 2010 Annual Report; NDLEA, Drug Salvation Force, Vol. 1, no 2. Forth Quarter Publication 2010. Relatório Anual Sobre a Situação da Justiça Referente ao Ano Judicial 2010/2011, do Conselho Superior do Ministério Público de Cabo Verde. Cidade da Praia, Setembro de 2011; United Nations Office on Drugs and Crime. ‘Law Enforcement Capacity Building in the Fight Against Illicit Drug Trafficking is Selected Countries in Wes Africa.
O autor é Mestre em Ciências Criminais e Comportamentos Desviantes e Licenciado e doutorando em Relações Internacionais.
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CiĂŞncias Forenses Fernando Viegas Helder Figueiredo Vitor Silva Cristiano Nogueira Christian Hassel
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Justiça e Segurança Interna | A racionalidade do uso das ciências forenses no interesse da investigação criminal | Fernando Viegas / Hélder Figueiredo
por Fernando Viegas/Hélder Figueiredo Associados da ASFIC/PJ Especialistas-Adjuntos de Criminalística da PJ no Setor de Local do Crime do LPC
A racionalidade do uso das ciências forenses no interesse da investigação criminal Nas sociedades contemporâneas o mediatismo da informação emanada pelos órgãos de comunicação social, muitas vezes eivada de interesses lobísticos, leva os indivíduos de forma inconsciente a absorver determinadas ideias, não as questionando e tomando-as como verdades absolutas. Veja-se o exemplo da campanha de índole securitária que percorreu todo o ano de 2011, em que se apregoava o aumento desmesurado do crime violento e que, posteriormente, o Relatório Anual de Segurança Interna veio a revelar que a criminalidade mais gravosa decresceu em relação ao ano anterior. Este mediatismo e a frequente superficialidade com que a temática da investigação criminal é tratada, leva ao aparecimento de reconhecidas figuras públicas que se tornam “referências” nas mais diversas áreas do saber, mas que na verdade não passam de meros portadores de uma gnose generalista e que habilmente moldam o seu discurso apenas e só de acordo com os interesses do grupo onde estão inseridos. Tendo em consideração esta verdade «la palice» revela-se de extrema importância que as organizações criem mecanismos de controlo e avaliação por forma a combater eficazmente a banalização daquilo que é o seu trabalho e a ligeireza como a sociedade acaba por o avaliar, procurando contrariar eficazmente os efeitos nefastos dessa superficialidade. No que concerne ao universo das ciências forenses, atendendo ao fascínio público que as envolve e aliado ao seu mediatismo crescente nesta ultima década, fomos levados com alguma naturalidade ao advento, a nível académico, duma profusão de pós-graduações, mestrados e doutoramentos. Considerando ainda o reduzido número de especialistas a nível nacional com conhecimentos e experiência adequados para lecionar as temáticas relacionadas com o mundo forense, temos que, grande parte destes graus académicos assentam num conteúdo meramente generalista que deturpa gravosamente a essência das ciências forenses enquanto ferramenta da investigação criminal. A consequência primeira será levar os alunos que frequentam estes graus académicos, muitos deles elementos dos OPC`s, a ficarem com uma perceção completamente errónea do que é realmente ciência forense, da razão da sua existência e da interligação que deve ter com a investigação criminal.
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Justiça e Segurança Interna | A racionalidade do uso das ciências forenses no interesse da investigação criminal | Fernando Viegas / Hélder Figueiredo
Como o que enferma a árvore se transmite aos frutos, da mesma forma o facilitismo destes graus superiores de ensino encerra na prática danos gravosos para a investigação criminal e para o erário público, sendo por vezes difícil combatê-los em virtude dos elementos que atuam desta forma, reagirem mal à avaliação/questionação dos seus atos, sustentando as suas formas de atuação com os graus académicos obtidos e não na devida fundamentação. A verdade é que vivemos inebriados pela aparência e ignoramos a substância, cada vez mais confundindo a verdade com a verosimilhança, mas, naturalmente estes estados de alma têm consequências. No que concerne à prova material e no âmbito dos crimes de cenário, este superficialismo e falta de mecanismo de controlo de trabalho têm trazido elevados gastos ao erário público e incapacidade de resposta atempada dos laboratórios forenses às reais necessidades da investigação criminal, sendo este um dos principais efeitos nefastos atualmente existentes para a correta persecução da justiça. A inspeção judiciária é o verdadeiro momento preambular de uma investigação criminal, encontrando-se muitas vezes, a qualidade da investigação, diretamente ligada ao sucesso ou não daquela. Ao contrário do que o senso comum apregoa não é na recolha massiva de possíveis vestígios que se encerra o sucesso da inspeção judiciária. A evolução da ciência facultou-nos conhecimentos e mecanismos técnico/científicos que permitem a interpretação dos factos e a valoração dos vestígios a recolher, não sendo a quantidade dos vestígios recolhidos mas sim o seu potencial probatório que melhor traduz a qualidade do trabalho efetuado – “é preciso saber o que deve ser recolhido e porquê”. É a atual falta de mecanismos de controlo desta dicotomia (o que se recolhe e o porquê da recolha) que leva à realidade presente na justiça portuguesa da existência de elevados gastos monetários a nível de perícias laboratoriais sendo muitas vezes os resultados obtidos absolutamente irrelevantes e por vezes até adversos para a descoberta da verdade. A título exemplificativo, refira-se uma situação recente de violência doméstica em que o autor confesso do ilícito foi detido em flagrante por um OPC, enviando posteriormente para perícia laboratorial 22 vestígios hemáticos e 4 objetos supostamente relacionados com o crime. Só nestas perícias dispensarse-á aproximadamente 13.000€, sendo que com uma correta avaliação da situação levaria à análise de apenas 4 vestígios e ao dispêndio de 2.000€. Contrariamente ao que apregoam os porta-vozes de alguns grupos de interesse, não é a massificação das perícias forenses, seja por via da criação de novos laboratórios ou pela centralização dos laboratórios atualmente existentes num só, que irá otimizar a relação de trabalho entre as ciências forenses e a investigação criminal. Esta otimização só é possível através da racionalização dos meios e das perícias a efetuar de acordo com as reais necessidades da investigação criminal e as finalidades processuais. Acresce referir que, sendo verdade que a nível do saber, Portugal está dotado de peritos de igual valia aos países mais desenvolvidos no mundo no âmbito das ciências forenses, não menos verdade é que a nível organizativo urge repensar a forma de atuação dos diversos OPC´s.
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Justiça e Segurança Interna | A racionalidade do uso das ciências forenses no interesse da investigação criminal | Fernando Viegas / Hélder Figueiredo
É aqui que teremos que mudar o nosso modo de execução, avaliando o “quantum” das recolhas de vestígios e, num juízo de prognose, entender a sua utilidade ao processo concreto mas balizado num contexto macro de eficiência e visando a ausência do desperdício. Em diversos países da Europa, apesar dos diferentes enquadramentos legais, já há muito que esta problemática tem vindo a ser abordada e devidamente dirimida. É evidente para todos que, diferentes tipos de crime, implicam gravidades distintas para a sociedade e que nenhum crime pode ficar por investigar, mas, o mundo em que vivemos enfrenta graves contingências económicas. Assim, face aos elevados gastos que as ciências forenses implicam, a entrega de vestígios para pericia laboratorial não é deixada ao arbítrio de cada um dos seus intervenientes, mas sim, através do controlo rigoroso da necessidade da sua realização, tendo em consideração não só o tipo legal de crime em investigação mas também qual a pertinência dos possíveis resultados obtidos para a descoberta da verdade dos factos.
A avaliação dos vestígios a recolher
Face ao exposto e considerando a importância que a correta e atempada persecução da justiça tem para o são funcionamento de um verdadeiro estado de direito, urge também que em Portugal esta avaliação isenta seja efetuada, de forma a baixar significativamente a quantidade de vestígios a enviar para perícia e consequentemente os gastos para o erário público, bem como possibilitar aos Laboratórios Forenses responderem atempadamente às reais necessidades investigatórias da criminalidade mais violenta e gravosa, sendo para o efeito necessário desmistificar perante a sociedade em que vivemos os lóbis de natureza securitária que nela estão atualmente fortemente enraizados, pondo a nu os seus verdadeiros interesses mediáticos e essencialmente económicos.
A criação de caminhos de acesso ao interior do local do crime
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Justiça e Segurança Interna | A pertinência da formação académica em criminologia para o ingresso nos órgãos de polícia criminal | Vítor Silva e Cristiano Nogueira
por Vitor Silva/Cristiano Nogueira Presidente da Associação Portuguesa de Criminologia Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Criminologia
A pertinência da formação académica em criminologia para o ingresso nos órgãos de polícia criminal A licenciatura em Criminologia iniciou-se em 2006/2007, na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, após aprovação em 5 de Junho de 2002, tendo sido posteriormente alterada a sua estrutura curricular a 25 de Março de 2009, tal como está publicado no Despacho n.o 1083/2009, D.R. II Série, n.o 69, de 8 de Abril de 2009. Posteriormente à criação, na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, a licenciatura em Criminologia foi homologada na Universidade Fernando Pessoa – Porto (Despacho n.o 20758/2008, D.R., II Série, n.o 152, de 7 de Agosto de 2008), no Instituto Superior da Maia (Despacho n.o 23 723/2008 D.R., 2.ª série - n.o 182, de 19 de Setembro de 2008) e na Universidade Lusíada do Porto (Despacho n.o 13469/2009, de 1 de Junho, Publicado no Diário da República, 2ª Série, n.o 110 de 8 de Junho de 2009). Portanto, todas as instituições de ensino superior supra referidas estão reconhecidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Os planos curriculares, através da sua organização e estrutura, foram desenvolvidos com o objetivo de proporcionar aos estudantes uma formação que contemple as seguintes áreas científicas no seu ensino: Criminologia, Direito, Ciências Sociais e do Comportamento, Ciências Humanas, Estatística, Ciências Forenses, entre outras [3]. A Criminologia é uma área do conhecimento que se pauta pela sua multidisciplinariedade, e que pretende analisar e estudar o fenómeno criminal, pelo cruzamento de diferentes áreas do saber e práticas através de perspetivas e metodologias, nomeadamente das ciências sociais, das ciências jurídicas e das ciências biomédicas, assentando particularmente no Direito, na Sociologia, na Psicologia e na Medicina [8]. Combinando, cruzando e articulando diferentes áreas do saber sobre o fenómeno criminal, a Criminologia não se dedica apenas ao estudo do indivíduo que comete o crime, sendo uma ciência empírica e autónoma, que se debruça sobre os métodos que possibilitam o conhecimento do crime, do delinquente, da vítima, da criminalidade, da perceção da (in)segurança e da reação social ao crime sempre numa vertente científica e, portanto, obediente ao método que caracteriza essa forma de conhecimento [5] [6]. Efetivamente, o licenciado em Criminologia apresenta uma formação teórico-prática sólida e uma perspetiva multi, inter e transdisciplinar sobre o crime, estando habilitado com saberes e competências necessárias ao pleno desempenho profissional na área do saber criminológico. Assim, estes profissionais (Criminólogos) encontram-se aptos a desenvolver diversas atividades como análise criminológica, elaboração e planeamento de políticas criminais, conceção e execução de programas de prevenção, intervenção clínica, intervenção comunitária, mediação, consultadoria em diversas áreas, conceção de políticas sociais e penais, investigação criminal, segurança privada, investigação científica, formação e/ou ensino [3]. Ao nível institucional e de empregabilidade, os Criminólogos poderão e deverão desenvolver a sua atividade profissional em diversos contextos
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Justiça e Segurança Interna | A pertinência da formação académica em criminologia para o ingresso nos órgãos de polícia criminal | Vítor Silva e Cristiano Nogueira
institucionais, de que são exemplo: Órgãos de Polícia Criminal, Ministério da Defesa, Tribunais, Gabinetes de Mediação, Instituições Penitenciárias, Serviços de Reinserção Social, Centros Educativos para Menores Delinquentes, Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, Centros de Acolhimento e de Assistência a Vítimas, Centros e Projetos de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, Autarquias, Empresas de Segurança Privada, Projetos de Investigação Científica e Ensino da Criminologia [3]. Se por um lado é verdade que enquanto existirem pessoas e sociedades existirão crimes, é tão mais verdade que é necessário apostar na prevenção bem como no combate e repressão ao crime. Com a globalização, as novas habilidades e novos meios utilizados para a prática de ilícitos criminais, urge a necessidade de formar cada vez mais e melhores profissionais capazes e competentes ao nível teórico e prático para estes novos desafios e realidades criminais [4]. A carreira de inspetor na Polícia Judiciária constitui sem dúvida um aliciante para os jovens que procuram os cursos de Criminologia, sendo certo que esta é uma das possíveis saídas profissionais deste curso universitário, muito embora até ao momento nenhum concurso público A carreira de inspetor na Polícia Judiciária consti(interno ou externo) tenha solicitado tui sem dúvida um aliciante para os jovens que proesta mesma formação académica. curam os cursos de Criminologia, … muito embora Contudo, a licenciatura em Crimiaté ao momento nenhum concurso público (interno nologia dota os seus alunos de várias competências, nomeadamente ou externo) tenha solicitado esta mesma formação ao nível do atendimento e entre- académica. vista a vítimas e ofensores (menores e adultos), ao nível da avaliação do risco e da re-vitimação, o que torna estes profissionais tão ou mais aptos e qualificados, comparativamente a outros profissionais, cuja formação não parece contemplar este nível de avaliação. O facto da formação em Criminologia ser multidisciplinar e contemplar, entre outras, unidades curriculares essenciais à formação policial tais como: Criminologia, Vitimologia, Direito Penal, Direito Processual Penal, Investigação Criminal e Criminalística, Criminalidade Organizada e Económica, Criminalidade Violenta e Sexual, Delinquência Juvenil, torna esta formação académica numa das mais ricas e relevantes para o exercício da atividade de Polícia Criminal. Mais, e como escreveu José Braz “o ensino e o desenvolvimento científico [da investigação criminal], excluindo o contexto de formação profissional nas escolas de polícia e muito particularmente na Escola da Polícia Judiciária, tem lugar nos cursos de criminologia e de ciências e tecnologia, muito centrado, neste último caso, em áreas curriculares específicas no domínio das chamadas ciências forenses, incidindo predominantemente na sua dimensão material, muitas vezes de forma fragmentária e direcionada para áreas muito concretas e parcelares do conhecimento” [2]. Com efeito, nos cursos de Criminologia, ao nível específico das unidades curriculares de investigação criminal são lecionadas matérias diversificadas tais como: a investigação criminal no Estado de direito e no Sistema de Justiça, estratégias de investigação criminal (conceito normativo, técnico e material), a organização e os modelos de investigação criminal, para além de diversos campos da criminalística. Tendo em conta a formação de um aluno de Criminologia comparativamente aos alunos de Direito, que representam 35% das vagas de ingresso na Polícia Judiciária, não podemos deixar de nos questionar se os primeiros não estarão academicamente melhor apetrechados para o desempenho das atividades específicas cometidas a este órgão de polícia criminal. Dada a multiplicidade de fenóTendo em conta a formação de um aluno de Crimi- menos criminais cada vez mais nologia comparativamente aos alunos de Direito, …, emergentes e a necessidade de não podemos deixar de nos questionar se os pri- uma diversidade de saberes, para a sua compreensão, é meiros não estarão academicamente melhor ape- certo que os órgãos de polícia trechados para o desempenho das atividades criminal com responsabilidades específicas cometidas a este órgão de polícia cri- no combate ao crime e mais especialmente na área da investiminal. gação criminal terão, na nossa
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Justiça e Segurança Interna | A pertinência da formação académica em criminologia para o ingresso nos órgãos de polícia criminal | Vítor Silva e Cristiano Nogueira
perspetiva, uma maior proficiência quanto mais multidisciplinar for o seu corpo técnico-operacional [1]. A Polícia Judiciária tem vindo a alargar o espectro da formação académica do pessoal do quadro da investigação criminal, seja à Psicologia, à Sociologia, à Economia, à Contabilidade ou algumas Engenharias (nomeadamente a informática). Cremos, contudo, que a Criminologia aportaria igualmente uma mais-valia à investigação criminal, cada vez mais entendida numa perspectiva holística de compreensão do cruzamento de interesses criminosos, diversidade de “modi operandi”, transnacionalidade e complexidade. Assistirá, porventura, alguma razão aos profissionais que afirmam que a investigação criminal, sendo mais uma arte do que uma ciência, embora integrada por ambas, não pode ser ensinada, e que só pode ser aprendida ao longo de anos de prática [1]. Porém, como já referido, a vastidão das atividades criminosas, que um mundo globalizado potenciou, a promiscuidade de interesses legais e ilegais, a intrincabilidade do crime organizado, representam enormes desafios para o Estado de Direito. Por isso, o sistema de justiça, designadamente a vertente da investigação criminal, não pode prescindir de uma área do saber em que o crime é estudado sob o prisma fenomenológico humano e social, numa perspectiva de aplicação prática. À Criminologia não interessa apenas o fenómeno criminal, mas também como a ele reagir, compreender a verdadeira natureza do crime, conhecer quem são os delinquentes, identificar e compreender as causas do crime, como preveni-lo ou medir a eficácia das medidas policiais, judiciárias ou penais na luta contra o crime [7]. Sendo uma disciplina complexa, nela se entrecruzam perspetivas simultaneamente teóricas, onde desempenha um papel importante a recolha e tratamento de informação, e aplicadas, designadamente na elaboração de planos de prevenção ou na definição de outras medidas concretas de política criminal.
A Polícia Judiciária tem vindo a alargar o espectro da formação académica do pessoal do quadro da investigação criminal, seja à Psicologia, à Sociologia, à Economia, à Contabilidade ou algumas Engenharias (nomeadamente a informática). Cremos, contudo, que a Criminologia aportaria igualmente uma mais-valia à investigação criminal…
[1] Antunes, M. (1999). Formação de Polícia: O Futuro como Problema Presente. In: Gonçalves, R; Machado, C.; Sani, A. & Matos, M. (Orgs.), Crimes: Práticas e testemunhos. Braga, Universidade do Minho, pp. 217-228. [2] Braz, J. (2011). Uma Investigação Criminal ao Serviço da Justiça e da Liberdade. In: Lúcio, Á; Barreiros, J. & Braz, J. (2011). Levantese o Véu! Reflexões sobre o exercício da Justiça em Portugal. Lisboa, Oficina do Livro, p. 72. [3] Criminologia (2012). [Em linha]. Disponível em <http://sigarra.up.pt/fdup/cursos_geral.FormView?P_CUR_SIGLA=LC>. [Consultado em 02/07/2012]. [4] Cusson, M. (2002). Criminologia. Lisboa, Casa das Letras. [5] Dias, F & Andrade, M. (1997). Criminologia. O Homem Delinquente e a Sociedade Criminógena. Coimbra, Coimbra Editora. [6] Faria, R. e Agra, C. (2012). A História Epistemológica da Criminologia. In: A Criminologia: Um Arquipélago Interdisciplinar. Porto, Universidade do Porto, pp. 27-62. [7] Kuhn,, A. & Agra, C. (2010). Somos Todos Criminosos?. Lisboa, Casa das Letras. [8] Poiares, C. (2008). Nota à Edição Portuguesa. In: Le Blanc, M., Ouimet, M., Szabo, D. (Coord.), Tratado de Criminologia Empírica. Lisboa, Climepsi Editora, pp. 13-15.
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Missão do FBI Proteger e defender os EUA contra ameaças terroristas e representadas por intelligence estrangeira, reforçar a aplicação das leis criminais do país e disponibilizar liderança e serviços de justiça criminal às agências e parceiros federais, municipais, estaduais e internacionais.
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Estatísticas do FBI • 36.000 funcionários – 15.000 agentes especiais – 21.000 profissionais de apoio • 56 Gabinetes locais (Field Offices) nas principais cidades dos EUA – 400 unidades residentes em pequenas cidades • 60 agregados jurídicos (oficiais de ligação) em Embaixadas dos EUA.
Staff do Laboratório do FBI • Aproximadamente 1.100 funcionários – 90% dos efectivos não são investigadores criminais (cientistas forenses e examinadores, técnicos, artistas, engenheiros e administrativos) – 10% são agentes especiais (resposta operacional e explosivos) • No laboratório é exigido o grau de Bachelor of Sciences como habilitação mínima – Preferencialmente em Biologia e Química
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Laboratório do FBI, Quantico VA
Ciências forenses no Laboratório do FBI • Impressões digitais latentes • ADN • Evidência probatória • Documentos • Química • Armas de fogo e marcas instrumentais • Criptoanálise • Área digital
• Explosivos • Armas de destruição massiva (WMD) • Nuclear • Biológico • Químico • Resposta na recolha de matéria probatória
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Capacidades do Laboratório do FBI IIntelligence ntelligence
R Resposta esposta
Análise llaboratorial aboratorial
Pr Produtos odutos e serviços llaboratoriais aboratoriais
Casos práticos p ráticos
Desafios Os resultados das ciências forenses devem ser: – Tão acutilantes quanto possível • O trabalho realizado nos casos práticos deve ser o mais adequado para apresentação em juízo. • Acreditação através de trabalho de qualidade certificada. • “Perfeitos”.
– Tão célere quanto possível • Intelligence, pistas de investigação • De carácter “Imediato”
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Soluções • Programa de qualidade certificada adaptável – Para reportar resultados preliminares
• Tecnologia – Melhoria da abordagem em tempo real, análise in-situ
• Mudança de cultura – Interação com os investigadores
Explosivos Dia de Natal de 2009
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Resposta em cenários NBQR
Procedimentos de análise de ADN Q Químicos uímicos
Extração Extr ação de ADN
0001
C Cópias ópias d dee A ADN DN p por or rregiões egiões
PCR Q Quantificação uantificação d dee A ADN DN h humano umano Visualização V isualização perfis de de de perfis ADN U Unclassified nclassified
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Justiça e Segurança Interna | Laboratório do FBI
Tempo real, análise do ADN In-situ
Avaliação imediata do potencial de ADN DNA Can Now Be Collected Collected Here Here ADN pode ser colhido aqui e agora
ADN fo foii o obtido btido aqui aqui
Mudança de cultura CIÊNCIAS FORENSES
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
INTELLIGENCE
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Luís Neiva José Leal
Processo Penal
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Justiça e Segurança Interna | O princípio da oportunidade em Processo Penal | Luís Neiva
por Luís Neiva Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Sul
As notícias veiculadas no início da presente legislatura de que era intenção do atual Governo lançar uma medida que iria permitir a realização de julgamentos em apenas 48 horas, por qualquer tipo de crime, mesmo em casos de homicídio, desde que se verificasse uma detenção em flagrante delito, levou-me a escrever as linhas que seguem, à laia de reflexão. Este tipo de iniciativa não pode deixar de nos fazer pensar nas repercussões que ela teria no nosso sistema judicial, nas “escapatórias” legais que poderia criar e na mensagem que envia à sociedade. Afinal, se é tão simples, porque é que se demora tanto tempo? Basta fazer uma lei que diz que os casos se resolvem em 48 horas e pronto. O criminoso foi apanhado, matou, é julgado, condena-se e já está. É uma espécie de sumo instantâneo, temos um crime em pó, desidratado, juntamos um pouco de água e eis o néctar fresquinho e pronto a beber. Para quem “trabalha nisto”, as contradições e perigos de tal medida são evidentes. A criminalidade, como tantos outros fenómenos, não se resolve por decreto. A celeridade do Processo Penal tem sido objeto de inúmeros debates e críticas por parte de diversos setores da sociedade portuguesa, chegando mesmo a atribuir-se a esta suposta lentidão da justiça portuguesa a debilidade da economia nacional, por tais atrasos desencorajarem os mais endinheirados investidores internacionais. Tais investidores ficariam certamente mais descansados se soubessem que, segundo os boletins estatísticos do Ministério da Justiça, os tempos de duração dos Processos têm vindo a descer consistentemente desde 2007 e que a larga maioria destes processos são resolvidos nos Tribunais de 1ª Instância em 6 meses ou menos. O mesmo aconteceu na Justiça Penal, atualmente com uma duração média dos Processos de 9 meses, o que certamente nos coloca em linha com qualquer sistema judicial dos países desenvolvidos. O também “recente” caso do ansiosamente aguardado julgamento do alegado homicida português “Renato Seabra”, nos Estados Unidos da América, permitiu-nos perceber que a lentidão da justiça não é afinal uma coisa só nossa, como o Fado ou o Eusébio, e que lá, como cá, as coisas demoram, neste caso, até mais por lá do que demorariam por cá. As críticas, que não necessitam de um concreto suporte estatístico comparativo com outras ordens jurídicas, misturam inevitavelmente justiça cível com justiça penal, considerando uma e outra como coisa única, aglutinada numa expressão a que se alude como “os tribunais” ou “os juízes”. Ou seja, “os tribunais” ou “os juízes” são na realidade os credores, devedores, advogados, polícias, arguidos, testemunhas, oficiais de justiça, magistrados e, finalmente, as leis que regem todos estes intervenientes e necessárias diligências a realizar. Perante estas críticas, o que se tem observado é que os vários intervenientes vão se desculpando uns com os outros, ouvindo-se juízes que se queixam da morosidade do Inquérito a cargo do Ministério Público e dos
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Justiça e Segurança Interna | O princípio da oportunidade em Processo Penal | Luís Neiva
magistrados do Mº Pº que ora se queixam das Polícias, ora se queixam das Perícias, desculpas que terão mais ou É fácil imaginar que tal medida apenas menos razão, mas não poderia resultar na precipitação e criaresolvem o problema. ção de injustiças pela má decisão, a Entre as desculpas utilimais ou a menos, além ou aquém da dezadas, têm vindo a ser cisão que um mesmo caso mereceria também veiculadas as após uma competente e aprofundada preocupações com a investigação. existência, só agora descoberta, de que existe uma justiça para ricos e outra para pobres, sendo mesmo possível, para os ricos, acrescentar uma instância de recurso suspensivo às já existentes, que eram três, levando a que a palavra “supremo” (de Supremo Tribunal) se transforme num erro ortográfico. Seja como for, as críticas parecem ter sido suficientes para anunciar a iniciativa que deu origem a esta reflexão e colherá, sem sombra de dúvida, o mais alargado apoio popular. Como investigador crimiPerante qualquer cenário, parece evinal sei que é muito difídente que o processo penal tem e terá cil, senão impossível, sempre, como o fenómeno social que estar à altura das justas lhe está subjacente, uma complexidade expetativas das vítimas que merece reflexão e cuidado, porque e interessados num depossui variáveis e imponderáveis que terminado caso em innão se compadecem com um “princípio vestigação. das 48 horas”. Sei também, como saberão todos os meus colegas, que a justiça não se faz, na generalidade dos casos, em apenas 48 horas. O princípio da oportunidade do Processo Penal, não do grau de prioridade dos casos ou crimes investigados, mas do tempo razoável e adequado para a sua realização, deve necessariamente garantir um equilíbrio entre prazo e eficácia. De que serviria julgar um crime em apenas 48 horas se daí não resultassem quaisquer consequências ou se estas não fossem minimamente adequadas ao caso em concreto?
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Justiça e Segurança Interna | O princípio da oportunidade em Processo Penal | Luís Neiva
De que elementos dispõe quem julga, após apenas 48 horas da prática de um crime, como o homicídio, que lhe permitam decidir em consciência? É fácil imaginar que tal medida apenas poderia resultar na precipitação e criação de injustiças pela má decisão, a mais ou a menos, além ou aquém da decisão que um mesmo caso mereceria após uma competente e aprofundada investigação. O tipo de medida antevê uma conceção materialista da justiça, como se o seu exercício fosse o resultado de uma mera fórmula matemática ou o resultado de um raciocínio silogístico, afinal, “se a mesa tem pernas então anda”. Mas a mesa não anda, não sozinha, e o exercício da justiça penal não passa pelo mero respeito formal pelas garantias do arguido e pela solução mais fácil, caso a este seja conveniente. Mesmo entendendo que tal medida seja aplicável a determinado número e tipo de casos, não parece que ela traga algo de novo, pois aos casos em que hipoteticamente seria aplicável, aplicam-se já as formas especiais de Processo Penal, Sumaríssimo e Sumário, que visam resolver aquilo que, a prosseguir, não resultaria em mais do que à partida pode ser decidido face ao facto apresentado. Como o exemplo foi o do crime de homicídio, utilizado certamente para ilustrar que a medida visaria o alargamento do “julgamento imediato” a qualquer tipo de crime desde que se verifiquem determinadas condições, que não sei quais são, torna-se útil hipotisar sobre se um decisor estaria em condições de decidir sobre um caso de tal gravidade. Em primeiro lugar, teríamos de presumir que logo após o crime e detenção, porque em flagrante delito, do seu autor, existiria a capacidade física de efetuar a competente inspeção ao local onde ocorreu o facto e ali recolher os respetivos elementos probatórios. Teríamos de presumir também que todos os indícios poderiam ser analisados em algumas horas, porventura as 48 horas até à apresentação em juízo, e que até ali se pudesse realizar o exame médico-legal ao cadáver. Simultaneamente, teriam sido recolhidos depoimentos e, presumimos nós, apurado o móbil do crime. Presumindo tudo isto, o juiz poderia então julgar o arguido e aplicar-lhe a respetiva pena face aos elementos apresentados. Podemos também hipotisar ou até prever que esta medida, como as do género, esteja reservada à prévia confissão plena e sem reservas por parte do arguido quanto aos factos que praticou, o que obviaria a que na altura do julgamento se revelasse necessária a materialização dos exames e respetivos relatórios bem como quaisquer outros elementos decorrentes das diligências realizadas. Imaginemos agora que, assim que se dá o trânsito em julgado da sentença, que até teria beneficiado de um conjunto de atenuantes decorrentes dos elementos precipitadamente apresentados, são apresentados novos elementos que traziam uma nova visão, perfeitamente diferente dos factos, que transformaria, digamos, um homicídio por negligência ou um homicídio privilegiado num homicídio qualificado. Que fazer? Julga-se outra vez o arguido? Pelos mesmos factos mas agora com um tipo de crime diferente? Muda-se a pena na secretaria do Tribunal? Não seria uma violação do princípio “non bis in idem”? Em qualquer crime, este tipo de medida não iria de imediato comprometer a recolha de vestígios perecíveis, já que aparentemente não serviriam para nada? Pode parecer forçado hipotisar sobre algo que dificilmente aconteceria, mas nada de bom poderia vir da urgência e ansiedade de julgar, de “resolver” os crimes, como se aqui residisse a solução para a justiça. Perante qualquer cenário, parece evidente que o processo penal tem e terá sempre, como o fenómeno social que lhe está subjacente, uma complexidade que merece reflexão e cuidado, porque possui variáveis e imponderáveis que não se compadecem com um “princípio das 48 horas”. É justo porém exigir que a justiça seja mais célere e certamente que todos somos culpados pela sua alegada lentidão, nem que seja por um dia, uma semana ou um mês. Julgar porém que medidas como a proposta poderão resolver os problemas da justiça, pode antever uma incapacidade de lidar com ela no seu todo, não respeitar quem a faz e faz por construir justiça todos os dias, consciente da importância que ela tem para todos nós. Assumindo que esta reflexão pode não ser considerada construtiva, gostaria de concluir com uma terceira dimensão do princípio da oportunidade, a oportunidade de fazer boa justiça, que só surge uma vez.
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Justiça e Segurança Interna | Transfigurações da realidade | José Leal
por José Leal Associado da ASFIC/PJ Inspetor Chefe na UNCTE
Transfigurações A justiça constitui um dos pilares fundamentais e estruturantes de qualquer sociedade. O modo como as instituições e os processos de funcionamento dessas se encontram estruturados e organizados é revelador do nível de eficácia e de eficiência do sistema que visa em última instância repor o equilíbrio possível em situações de ruptura com a normatividade e com a paz social. O funcionamento da justiça nos tempos modernos, no plano cível e no plano penal, tem sido quase que invariavelmente classificado como moroso, e de uma forma crescente e geral, incompreendido pelos cidadãos. Incompreensão, racional e emocionalmente compreensível, na medida em que o funcionamento da justiça tem revelado bloqueios estruturais e incongruências manifestas no modo como algumas decisões vão sendo contraditas pelas diversas instâncias judiciárias. Tanto o direito, como a técnica jurídica que lhe está associada, complexificaram-se de tal forma que tanto a linguagem, como a razoabilidade de algumas das decisões, tendencialmente cada vez menos, encontram no cidadão médio reconhecimento de que a justiça se faz de maneira a repor o equilíbrio sempre instável da vida em sociedade. Vigoram no sistema jurídico, e em particular no penal, em nome de supostos direitos inalienáveis da condição humana, processos intrincados de controlo e supervisão dos meios de obtenção da prova que geram a sua ineficácia, e quantas vezes a nulidade da validade da mesma, comprometendo-a, assim como à demonstração da realidade factual, e consequentemente a desresponsabilização dos agentes suspeitos da prática de determinado ilícito penal. Não se trata de recuperar métodos que ponham em causa a dignidade humana, mas sim a agilização de processos compatíveis com a prática da investigação criminal e da efectiva concretização da
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Justiça e Segurança Interna | Transfigurações da realidade | José Leal
da realidade justiça, assim como a assunção de responsabilidades disciplinares e penais daqueles que não os cumpram. Desse modo, em nome de uma suposta justiça isenta e garantistica, erigiu-se um edifício jurídico complexo, apinhado de mecanismos pouco exequíveis tanto no plano da realidade fáctica, como no plano da produção processual. Vigora assim na sociedade portuguesa um direito de elevada tecnicidade, burocrata, gerador de bloqueios e de descredibilização, que serve demasiadas vezes, quer no plano intelectual, quer no plano económico e do estatuto profissional, actores que fazem parte do sistema de justiça. A tecnicidade do direito não se tem revelado compatível com a realidade que deveria regular de forma eficaz, e que se materializa no controlo, regulação social e na realização da justiça. Efectivamente, os conteúdos legislativos tendem paulatinamente a gerar uma situação paradoxal tanto no domínio do direito como no da realização da justiça. Algumas das disposições decorrentes do direito, sua linguagem e técnica que o operacionaliza, tendem a reproduzir uma tautologia eventualmente apenas compreensível pelos profissionais do sector da justiça. O direito, enquanto mecanismo regulador da actividade humana, corre o risco de se transfigurar na própria realidade, substituindo-a, tomando-lhe o lugar e o sentido, repercutindo-se todavia na vida dos indivíduos e na organização da sociedade com consequências bem reais. A mutação do direito, através do quadro legislativo e da técnica jurídica, numa aparente realidade desfasada dos acontecimentos que ocorrem no plano do real, não os reproduzindo, poderá a longo prazo gerar uma crise civilizacional, com consequências imprevisíveis ao nível da carga simbólica do direito e da justiça, da coesão social, e da própria estrutura e estabilidade do Estado de Direito. Impõe-se pois que reflictamos sobre a razoabilidade dos instrumentos jurídicos, assim como sobre a sua adequabilidade, de modo a que num futuro próximo se possa paulatinamente compatibilizar o plano processual com o plano do real onde a vida acontece.
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Nuno Almeida
Formação na PJ
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Justiça e Segurança Interna | Especialidades da Casa | Nuno Almeida
por Nuno Almeida Associado da ASFIC/PJ Inspetor Chefe na Diretoria do Norte
Especialidades da Casa “O que há de ruim no especialismo é o ser cada um o especialista de um domínio ainda vasto demais.” (Agostinho da Silva)
As ações formativas dos investigadores criminais da Polícia Judiciária traduzem alguma desigualdade de oportunidades entre setores e entre departamentos. Registam-se, além disso, ciclos de formação inexistente, alternando com fases de excesso caótico, somando formações que se revelam adequadas com um bom número que apresenta duvidosos acréscimos de valor. Avaliar sistematicamente a utilidade das formações deve, por isso, pressupor apreciações materiais e não meramente formais, colocando a tónica em aspetos estruturantes de cada perfil e contrariando ultrapassadas Promovem-se, raramente com resessões de esclarecimento curso ao exterior, frequentes forcom caráter aligeirado e assimações que não reestruturam e milação passageira. pouco refrescam, regra geral, a Na filosofia formativa falta criforma de trabalhar. tério de médio prazo e falta assumir, de raiz, uma de duas linhas, entre a especialidade direcionada (num plano, a definir, de “especialidadestipo”) e o sucessivo circunstancialismo, que traduz dispersão e aleatoriedade. É pouco problematizada a falta de especialização dos Investigadores Criminais. Não só porque o edifício “PJ” assenta na flexibilidade, às vezes aparente, mas também porque a sensibilidade investigatória se apura na sedimentação de experiências em diversas áreas (veja-se o intercâmbio que o piquete permite).
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Justiça e Segurança Interna | Especialidades da Casa | Nuno Almeida
Contudo, os desafios do futuro melhor se ganhariam evoluindo no sentido da especialização, permitindo ganhar profundidade e alargar bases científicas. Consequentemente, o resultado do trabalho investigatório sairia fortalecido em ordem a um inatacável rigor, olhando às crescentes exigências da produção probatória em Tribunal e também aos maiores “confrontos” com os restantes atores do sistema, que se têm posicionado como concorrência e sabido conquistar terreno. Coloca-se, portanto, a questão da especialidade ao nível da sobrevivência. Neste registo, urge refletir sobre a viabilidade de os Inspetores da “PJ” serem certificadamente especializados, tomando as carreiras médicas como referência e as necessárias adaptações como indispensáveis.
O desiderato do modelo esboçado consiste em excluir o empirismo como suporte principal da aquisição de competências, sem desvalorizar a experiência no desenvolvimento das aptidões úteis para a essência da função policial: para a imprevisibilidade da “rua”, para a errância na hipótese e para o domínio das ferramentas.
Assim, os Inspetores vindouros teriam acesso a um grupo de especialidades catalogadas e poderiam escolher, em função de vagas disponíveis, duas especialidades, e não apenas uma, para amplificar a gestão das carreiras e agilizar a organização do trabalho: tal permitiria alternância cíclica (cinco anos, por exemplo, que aliariam maturação e evitação de cansaço) entre duas áreas distintas; e atenuar-se-iam rotinas perversas, sem o desconforto de iniciar áreas inéditas por cada nova colocação funcional. Isso pressuporia formação de fundo, com coordenação centralizada e não inferior a um confortável período de tempo inicial (um semestre, mais estágio?) para cada especialidade, além de formação contínua (uma semana anual?) incidente na inovação, mais do que na reciclagem. Consagrar-se-ia a “dupla especialidade” (porque menos limitativa) e a “especialidade-vínculo” (por ser estável), além de poderem acrescentar-se desafios de permeio, sendo equacionável certificar uma terceira, opcional, durante a carreira. O desiderato do modelo esboçado consiste em excluir o empirismo como suporte principal da aquisição de competências, sem desvalorizar a experiência no desenvolvimento das aptidões úteis para a essência da função policial: para a imprevisibilidade da “rua”, para a errância na hipótese e para o domínio das ferramentas.
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Justiça e Segurança Interna | Especialidades da Casa | Nuno Almeida
É notória a ausência de uma filosofia, pelo que, em nome do debate que está por fechar (abrir?), se propõem alguns princípios enformadores da formação contínua, a título de discussão. NÍVEL SUPERIOR: as formações deveriam ter nível universitário, no plano teórico, e credenciado, no plano prático-operacional, mas em qualquer caso com caráter duradouro. UNIVERSALIDADE E OBRIGATORIEDADE: todos os investigadores deveriam frequentar, salvo circunstâncias excecionais e fundamentadas, pelo menos uma formação anual, podendo frequentar, no máximo, três, em nome da suficiência e do equilíbrio. SEMESTRALIDADE: uma formação por semestre deveria ser regra e referência, o que perfaria duas anuais como média a ter em conta no horizonte individual. INICIATIVA DUPLA: do interessado e da hierarquia. Partindo da periodicidade semestral, a hierarquia proporia uma anual e o visado outra circunscrevendo o contexto e fundamentando o interesse funcional. UTILIDADE FORMATIVA: as formações deveriam ser escolhidas em função do interesse do destinatário (indivíduo e organização) e não da entidade formadora (interna ou externa), designadamente em termos de oportunidade e duração, moldes e métodos, financiamento, recursos e espaço físico. RACIONALIZAÇÃO DA DURABILIDADE E HORÁRIOS: as formações realizam-se em horário laboral, o que exige cuidados acrescidos na elaboração das escalas de serviço extraordinário. Num encadeamento de duas anuais, poder-se-ia partir de balizas não inferiores a dois nem superiores a cinco dias cada, previstas numa antecedência, pelo menos, mensal. DESCENTRALIZAÇÃO “VERSUS” CENTRALIZAÇÃO: em sede de formações internas, a “EPJ” (regressando à categoria de “Instituto Superior”) deveria supervisioná-las, promovendo algumas nas suas instalações (em nome do encontro), mas devendo continuar a descentralizar outras (em nome do respeito e da vocação nacional). Deveria ainda renovar regularmente o seu quadro docente, consultando os alunos depois de avaliados. HETEROGENEIDADE DA DOCÊNCIA: boa parte das formações deveria ter cariz externo, dado que só se apreende a realidade, que é o nosso objeto de trabalho, conhecendo-a sob ângulos diversos do nosso próprio; além do mais, a qualidade externa pode ser superior, desde que escolhida com critério e coragem (e verba, claro está, ou protocolando parcerias). PRÉ-DEFINIÇÃO DA ESPECIALIZAÇÃO: as formações deveriam preceder necessariamente a colocação sectorial e ter em conta a especialidade como conceito de futuro, não esquecendo, no atual cenário, anterior ao das especialidades, que os piquetes e as colaborações avulsas aconselham formações complementares de pendor generalista. Deveriam, todavia, salvaguardar-se áreas formativas suplementares que integrariam a formação obrigatória de todos os Investigadores (a definir, v.g.: análise de informação e vigilâncias de nível básico). VISÃO ESTRATÉGICA: a reconquista da plena soberania da “PJ” no “teatro de operações criminal” não se consegue com mera propaganda posicional ou pela via de um isolado namoro ao Ministério Público, seja este politicamente correto ou de matriz provocatória, mas sim com firmeza nas “fronteiras” e pela manutenção quotidiana de superioridade técnico-tática num campo bem definido de competências legais, exclusivas e respeitadas. Na linha das considerações iniciais deste texto, a casa da investigação criminal terá que projetar-se como marca única, resultando esta da heterogeneidade interna sustentada em diversificados programas formativos que ambicionem mais do que alimentar um sistema mecânico: recuperar o reconhecimento unânime da qualidade superior do serviço público nela prestado. As diversas competências que caracterizam os investigadores precisam, pois, de rumo definido a prazo, assim debelando tendências para a expectativa permanente e estéril. E tal rumo tem de alicerçar-se, entre outras valências, na qualificação, no ganho contínuo de novas capacidades e no seu exercício permanente. Numa organização de investigação criminal como a “PJ” do Séc. XXI distrair da importância da formação dos seus quadros conduzirá à queda da reflexão essencial e à falta de correções só possíveis pelo distanciamento crítico. Estas faltas levam à morte por adormecimento, à confusão com outras matrizes, à banalização das ilusões formativas e à perda de terreno para o adversário natural. A formação inicial (que deveria sempre decorrer num único “semestre-base”) tem-se focado na colocação do “intérprete” no novo papel de “investigador, autoridade e aplicador de lei” perante um conjunto de aprendizagens que a experiência profissional irá apurar ao longo da carreira.
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Justiça e Segurança Interna | Especialidades da Casa | Nuno Almeida
O que é válido e tem marcado, profundamente e com sucesso, todo o sujeito que fez o percurso. Seguidamente, porém, esperam-no sucessivas ações de formação (ou a sua ausência), cuja frequência não obedece a uma filosofia geral ou a uma estratégia individualizada; e não é estimulada a sua co-definição por parte dos interessados, a não ser pela adesão às propostas (semi)publicitadas. Promovem-se, raramente com recurso ao exterior, frequentes formações que não reestruturam e pouco refrescam, regra geral, a forma de trabalhar. Mas a “especialização credenciada”, com o que transporta por inerência, faria substancialmente melhor, ajudando a “descolar” esta de outras Polícias, a partir da base. A formação não deve Avaliar sistematicamente a utilidade das formações deve, por isso, constituir lazer ou despressupor apreciações materiais e não meramente formais, colocando compressão, mas um a tónica em aspetos estruturantes de cada perfil e contrariando ulfator de diferenciação intrapassadas sessões de esclarecimento com caráter aligeirado e asdividual, que potencie a similação passageira. inovação e a melhoria das prestações em equipa. Deste modo, o formando deve terminar cada formação diferente do que iniciou, sentindo-se seguramente qualificado e não apenas sujeito passivo de uma breve lavagam cognoscitiva, que se desvanece em pouco tempo. Pelo que, na vertente formativa, a escolha necessária situa-nos finalmente entre dois mundos: o do passado, das formações centradas em si mesmas (à semelhança das que a União Europeia semeou), e o do futuro, das formações literalmente qualificadoras do funcionário, num dinamismo que, garantindo a primazia do tempo laboral, lhe suscite vivo interesse em aplicar-se, com visão não dogmática, na sua “incomodista transformação”. O carisma pessoal construiu a “casa” noutros alicerces, é certo, mas pode ainda conviver com a especialização certificada, certamente melhor do que com a instabilidade das constantes mudanças. Será esse um paradoxo no domínio laboral, há que reconhecer, mas é na síntese dos paradoxos que se arquiteta a condição humana. “É talvez mais grave a escravatura a uma especialização exigida, por critérios de utilidade social, de homens (…) criados para a infinita liberdade da totalidade das tarefas.” (Agostinho da Silva)
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FBI OLAF
Rui Miranda Yannis Xenakis Maria-Myrto Kanellopoulou
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Justiça e Segurança Interna | The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências | Rui Miranda
por Rui Miranda Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Sul
The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências1 Em 1908, o “Procurador-Geral” do Estados Unidos da América (EUA), Charles J. Bonaparte, ordena que seja criada uma força permanente de investigadores criminais, denominada na altura de “Special Agents Force”, na dependência do Departamento de Justiça do Governo Federal norte-americano, a qual, ainda menos de um ano transacto à sua criação, nomeadamente, em 1909, altera a sua denominação para “Bureau of Investigation”. Com o aumento da criminalidade violenta na década de 30 do século passado, o Congresso norte-americano, reforça em 1932, a autoridade e as competências do “Bureau of Investigation”, redenominando-o de “US Bureau of Investigation”. Entretanto, e já com famoso J. Edgar Hoover a chefiar desde 19242, só em 1935, surge o “Federal Bureau of Investigation” (FBI), com a designação que atualmente se conhece. Assim, e tal como hoje é conhecido, e na dependência direta do Departamento de Justiça dos EUA, o “Federal Bureau of Investigation” (FBI), é retratado na literatura da especialidade, como “…the nation’s primary federal investigative service”, onde a sua missão – e passo a citar - “…is to uphold and enforce federal criminal laws, aid international, state, and local police and investigative services when appropriate, and to protect the United States against terrorism and threats to national interests.” (Lerner, K. & Willmoth, B., 2004, II Vol., pp. 5)3.
Organização Sob a direção do FBI, dependem as seguintes estruturas, as quais se passam a referir: • “NATIONAL SECURITY BRANCH” (composto pelo, “Counterterrorism Division”, o “Counterintelligence Division”, e o “Directorate of Intelligence”); • “CRIMINAL, CYBER, RESPONSE, AND SERVICES BRANCH” (composto pelo “Criminal Investigative Division”, o “Cyber Division”, o “Critical Incidente Response Group” e o “Office of Law Enforcement Coordination”); • “HUMAN RESOURCES DIVISION” (estruturado no “Training Division” e no “Human Resource Division”); • “SCIENCE AND TECHNOLOGY BRANCH” (o qual comporta o “Criminal Justice Informations Services Division”, o “Laboratory Division” e a “Operational Technology Division”);
1
Aconselha-se a leitura da publicação que se segue, onde se sumariza a estrutura e atuais competências desta Agência: “Federal Bureau of Investigation (2011); Today’s FBI: Facts & Figures 2010-2011. Washington DC. FBI Office of Public Affairs” Este artigo é o excerto de um outro artigo do mesmo autor, elaborado para publicação na Revista de Investigação Criminal, intitulado: “The Critical Incident Response Group of the Federal Bureau of Investigation: Proposta de projeto para uma Unidade de Resposta e Gestão de Crises (URGC) na Polícia Judiciária”. 2 John Edgar Hoover, dirigiu o FBI entre os anos de 1924 e 1972, tendo sido o diretor que mais tempo assumiu o cargo. 3 Lerner, K. Lee & Willmoth, Brenda (2004), Espionage, Intelligence, and Security, Farmington Hills, Gale Thomson (Vol. II);
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Justiça e Segurança Interna | The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências | Rui Miranda
• “INFORMATIONS TECHNOLOGY BRANCH” (onde se e encontram o “Office of the Deputy Chief Informations Officer”, a “Information Technology Operations Division”, o “Office of the Chief Knowledge Officer”, o “Office of IT Systems Development and CTO”, o “Office of IT Program Management” e o “Office of IT Policy & Planning”). Muitas outras divisões e gabinetes territoriais reportam diretamente à direção do FBI4. O FBI dispõe de 56 Escritórios (também chamado de divisões) localizados nas principais áreas metropolitanas dos EUA e Porto Rico. Cada um dos referidos Escritórios é dirigido por um Agente Especial (“Special Agent”), exceto nos Escritórios em Los Angeles, New York e Washington DC, os quais, são chefiados por um Diretor-Assistente (tendo em conta a sua dimensão). Dependentes das Divisões, encontram-se 380 Agências, as quais estão localizadas em pequenas cidades e vilas, sendo geridas por Agentes Especiais, com responsabilidades de supervisão.5
Competências Para a persecução da sua missão, estão destinadas ao FBI, as competências de investigação criminal e gestão, operacional e estratégica, de informações de crimes federais ou de cariz interestadual, tais como: • ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS E TERRORISMO (doméstico e internacional, praticados com recurso armas nucleares, químicas, radiológicas e biológicas (NBQR), ou seja, armas de destruição massiva, tamA sede do FBI em Washington DC na Pennsylvania Avenue, perto da Casa bém conhecidas pela sigla “WMD”); Branca. • CONTRA-INFORMAÇÕES (espionagem e espionagem económica, ou seja, contra a segurança e integridade dos EUA); • CORRUPÇÃO; • CRIMINALIDADE ORGANIZADA (associações criminosas, tais como as máfias); • CRIMINALIDADE VIOLENTA (a título de exemplo, os roubos de obras de arte e em instituições de crédito; crimes contra menores; • CRIMES DE CAPTURA OU ATENTADO À SEGURANÇA DE TRANSPORTES; • TRÁFICO E VICIAÇÃO DE VIATURAS; • CRIMINALIDADE INFORMÁTICA (onde se inserem os crimes de intrusão por meio informático; pedofilia com recurso a meios informáticos; “pirataria” informática; usurpação da propriedade intelectual; fraude informática e usurAgentes do FBI e outras agências da lei pação de identidade); trabalham num centro de operações que funciona 24 horas horas sobre 24 horas, • CRIMINALIDADE CONTRA OS DIREITOS CIVIS (tais como, crimes de ódio; trácriado para coordenar a investigação de fico de seres humanos) e criminalidade económico-financeira (a título de atentados bombistas com viaturas (seexemplo, os crimes de “colarinho-branco”)6. gunda-feira, 3 de maio, 2010, em Chelsea).
Recursos humanos Importa destacar, segundo dados do FBI – datados de 24.02.2012 – que o rácio de pessoal adstrito à área operacional e de apoio do FBI (p.e., analistas de informações, especialistas em línguas, cientistas, especialistas em tecnologias da informação, entre outros - cujos valores se registam nos 13.778 e 21.886 (num total de 35.6647)7 4
https://www.fbijobs.gov/3111.asp http://www.fbi.gov/contact-us/field 6 http://www.fbi.gov/about-us/investigate/what_we_investigate (informação datada de 07.04.2012); 7 http://www.fbi.gov/about-us/quick-facts 5
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A Academia do FBI está localizada em cerca de 240 hectares numa base dos Fuzileiros Navais em Quântico, Virgínia, a cerca de 40 quilómetros a sul de Washington.
Centro de Intelligence Regional do FBI em Norwalk, Califórnia.
centra-se (tendo em conta uma população, que actualmente ronda os 313.000.000 habitantes, cf. informação do “United States Census”)8, na razão de 01 (um) profissional do FBI para 8776 cidadãos norte-americanos, dados esses que realçam a efetiva proficiência (…) desta agência e especialmente, da sua doutrina, focada não só na investigação criminal de excelência, mas também, de forma profícua, na gestão das informações criminais e de segurança, quer num plano preventivo e de deteção das ameaças, assim como, no espectro dos atos preparatórios centrados na intenção criminógena.
Recrutamento e formação
Detenção em 1995 de Vyacheslav Ivankov líder de uma organização mafiosa russa, em Nova YorK.
Ao nível dos seus recursos humanos, o FBI, recruta e seleciona candidatos com os seguintes critérios de base: • Idade entre os 23 e 36 anos; • Licenciatura reconhecida; • Pelo menos 03 (três) anos de experiência profissional e posse de habilitação legal para a condução de veículos ligeiros.
Estes Agentes Especiais são inicialmente direcionados para um programa centrado em 05 (cinco) áreas nucleares, tais como: • Contabilidade; • Ciências computacionais; • Tecnologia das informações; • Línguas; • Direito Após qualificação final numa das referidas áreas, os agentes são então selecionados para áreas mais restritas, tendo em conta as suas aptidões e experiência em FBI's Hostage Rescue Team (HRT) – Equipa de resgate de reféns. áreas como, finanças, engenharia, línguas estrangeiras (tais como árabe), informações (“intelligence”), direito, investigação criminal, forças armadas, ciências físico-químicas, assim como, outras experiências profissionais e pessoais que possam vir a deter.9 Os candidatos terão ainda de passar por exigentes provas de aptidão física, tendentes a avaliar a sua proficiência e capacidade para o desempenho da sua futura atividade profissional, na qual são requeridas competências operacionais e táticas, adstritas à investigação dos crimes e missões que estão delegados legalmente no FBI.10 8
http://www.census.gov/main/www/popclock.html https://www.fbijobs.gov/111.asp 10 https://www.fbijobs.gov/11131.asp 9
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Justiça e Segurança Interna | The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências | Rui Miranda
Para finalizar, o FBI, com as competências, recursos humanos, tecnológicos e científicos de que dispõe, assume-se, como uma das primeiras linhas de “defesa” contra ameaças externas e internas nos EUA, sendo reconhecido mundialmente, não só como entidade de excelência, vocacionada de raiz para a investigação criminal, assim como, para a gestão de informações – operacionais e estratégicas - cujo fito se destina na sua essência, à segurança interna (“homeland security”).
Categorias e cargos no FBI: • PROBATIONARY AGENT (Agente Estagiário-On Probation) • SPECIAL AGENT (Agente Especial) • SENIOR SPECIAL AGENT (Agente Especial Senior) • SUPERVISORY SPECIAL AGENT (Agente Supervisor Especial) • ASSISTANT SPECIAL AGENT-IN-CHARGE (Agente Especial Sub-Encarregado - ASAC) • SPECIAL AGENT-IN-CHARGE (Agente Especial Encarregado - SAC) • ASSISTANT DIRECTOR (Subdirector) • ASSOCIATE EXECUTIVE ASSISTANT DIRECTOR (Subdirector Executivo Associado) • ASSISTANT EXECUTIVE DIRECTOR (Subdirector Executivo) • DEPUTY CHIEF OF STAFF (Chefe-Adjunto de Pessoal) • CHIEF OF STAFF & SENIOR COUNSEL TO THE DIRECTOR (Chefe de Pessoal e Conselheiro Senior do Director) • ASSOCIATE DEPUTY DIRECTOR (Director-Adjunto Associado) • DEPUTY DIRECTOR (Director-Adjunto) • DIRECTOR (Director)
Formação, salários e suplementos no FBI
Todos os agentes especiais do FBI iniciam as respectivas carreiras na Academia em Quantico, Virginia, frequentando um curso intensivo com a duração aproximada de 21 semanas - cerca de cinco meses – numa das melhores instalações de formação law enforcement do mundo. Durante o seu tempo de formação na Academia do FBI, os formandos vivem num campus e participam numa vasta gama de actividades formativas tanto teórica como práticas. O programa de treino da Academia do FBI também contempla treino físico intensivo, técnicas e tácticas de defesa pessoal - com exercícios de aplicação prática – e a utilização de armas de fogo. Vários testes são administrados em todos esses domínios no sentido de monitorizar a progressão dos alunos. Os agentes especiais em regime de formação são submetidos a um teste de aptidão física durante a primeira, sétima e décima quarta semana do respectivo programa de preparação e treino. Os candidatos que não atingirem os objectivos fixados na primeira semana serão colocados num programa de recuperação, sujeitos a determinadas restrições de carácter ou natureza administrativa. Essas restrições abrangem as saídas nocturnas das instalações – que não são permitidas – até que o formando seja considerado aprovado no teste de aptidão física. Aqueles que não obtiverem aproveitamento no teste de aptidão física na primeira e sétima semana serão excluídos do curso de formação de novos agentes por revelarem incapacidade física perante circunstâncias extremas e potencialmente extenuantes.
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Justiça e Segurança Interna | The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências | Rui Miranda
Remuneração e suplementos durante a formação Os agentes especiais em fase de formação inicial percebem uma remuneração de nível GS-10, escalão 1 (da tabela de salários aplicável a agentes de aplicação da lei) acrescida do ajustamento de instalação local em Quantico (de 17.50%) durante o período em que permanecerem na Academia. Esse montante equivale a $51,043 US dólares11 numa base de retribuição anual [ou $1,963 dólares americanos durante cada período de duas semanas de retribuição - espécie de vencimento quinzenal]. Todos os agentes especiais em formação inicial devem atingir os objectivos e requisitos estabelecidos no respectivo programa para assim obterem a graduação pela Academia do FBI. Após essa graduação, são ajuramentados na qualidade de agentes especiais do FBI.
A primeira colocação Os agentes especiais recém-empossados na função são colocados num dos 56 gabinetes locais (Field Offices) do FBI, dependendo das necessidades de recrutamento e provisão de recursos humanos dessas estruturas orgânicas, designadamente em áreas eminentemente técnico-periciais. Têm a prerrogativa ou oportunidade de escolher os departamentos segundo as suas próprias preferências, mas a primeira colocação será sempre subordinada às necessidades de staffing do FBI. Note-se que todos os agentes especiais estão sujeitos a transferência a todo e qualquer momento se tal se mostrar indispensável para corresponder às necessidades organizacionais e programáticas do FBI. Nesses termos, eles aceitam a eventualidade de transferência inopinada enquanto condição para acederem aos quadros da instituição. Genericamente, um agente especial recentemente recrutado pode manter a expectativa de se manter no seu posto de primeira colocação durante aproximadamente três anos. Durante o primeiro período probatório de dois anos, os novos agentes especiais estão sob orientação de um agente especial veterano que desempenha papel equivalente a um mentor e lhes prestará o apoio necessário à aplicação dos conhecimentos adquiridos na Academia do FBI. Os agentes inicialmente colocados em gabinetes locais de pequena ou média dimensão são geralmente transferidos para estruturas de maior concentração de recursos e meios, no final do seu terceiro ano em funções. Os agentes especiais recém-admitidos são remunerados no já referido nível GS-10, escalão 1 ($51,043 dólares americanos)12 acrescidos de subsídio de instalação e de um suplemento de disponibilidade. O subsídio de instalação (que varia entre 12.5% e 28.7% do salário-base, dependendo da natureza do gabinete de colocação) representa uma forma de compensação adicional para repor eventuais diferenças de valores remuneratórios no mercado laboral entre áreas geográficas diversas. Quanto à retribuição acrescida para efeitos de disponibilidade corresponde a cerca de 25% de ajustamento salarial (salário-base + subsídio de instalação) para todos os agentes especiais em virtude do cumprimento de requisitos mandatórios a que estão sujeitos e que grosso modo se traduzem na necessidade de prestarem serviço extra que equivale a uma média de 50 horas de trabalho semanal em cada ano.13 Assim e mediante o pagamento de subsídios de disponibilidade e instalação, os agentes especiais recém-recrutados e na primeira colocação percebem remunerações que variam entre $61,100 e $69,900 dólares americanos anuais,14 dependendo da região dos EUA em que estão colocados. Aos novos agentes especiais colocados em zonas com custo de vida mais elevado (e.g. Nova Iorque, São Francisco, Los Angeles, São Diego, Washington D.C., Boston e Newark) pode ser atribuído um bónus calculado em 11
39.304,13 Euros + 6.878,20 Euros de suplemento de instalação em Quântico equivalente a 17,50% do salário (valores anuais) 39.304,13 Euros acrescido de suplemento de instalação que varia entre 12,50% e 28,70% do salário – base. Vimos atrás que em Quântico esse suplemento é de 17,50%. 13 Para o mesmo GS -10 Escalão 1 isso equivaleria se tivesse um suplemento de instalação semelhante ao de Quântico a um acréscimo de 11.545,00 Euros (ou seja: 39.304,13 Euros/salário+6.878,20 Euros/instalação= 46.682,00 Euros + 25% de disponibilidade (11.545,00 Euros) = Total de 57.727,00 Euros 14 Entre 47.048,00 e 53.824,50 Euros 12
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Justiça e Segurança Interna | The Federal Bureau of Investigation: breve descrição e competências | Rui Miranda
cerca de $22,000 dólares15 a título de ajuda extraordinária para suportar, para além do agravado custo de vida, despesas de habitação ou alojamento. Para se habilitarem a esse suplemento remuneratório, os novos agentes especiais devem estar colocados num dos gabinetes locais mencionados supra, no momento em que transitam de outras áreas em que o custo de vida é inferior. Exemplo: Um agente especial «estagiário» colocado em Washington, D.C. teria um salário-base de $43,441 dólares16 (GS-10, escalão 1 da tabela salarial de funcionários de aplicação da lei) + subsídio de instalação de $7,60217 (com base no ajustamento de 17,50% atribuído a Washington D.C) + pagamento de disponibilidade de $12,76118 (25% de salário-base + instalação) perfazendo assim um salário global de $63,804 dólares americanos19 no seu primeiro ano em exercício de funções. Se esse agente especial requerer o bónus de recolocação (e.g., sendo transferido de Atlanta para Washington, D.C.) receberá um abono de $22,000 dólares20. Enquanto funcionários do FBI, os agentes especiais têm direito à percepção de uma variedade de benefícios sociais, incluindo programas de seguros de grupo, de saúde e vida, férias e retribuição na doença e um plano de aposentação em pleno. Oportunidades de Progressão na Carreira e Tabela Governamental de retribuições Ao longo da sua carreira no FBI os agentes especiais podem candidatar-se a formação complementar nomeadamente para efeitos de promoção e na perspectiva de acederem a oportunidades na área da gestão e de cargos de direcção executiva. Conforme já foi sublinhado, iniciam a carreira no nível de retribuição GS 10 da tabela salarial aplicável aos funcionários de aplicação da lei e podem atingir o nível GS 13 em funções executivas no terreno, sem responsabilidades de supervisão. Mas as promoções às categorias de supervisor, de gestão e direcção executiva estão em aberto e disponíveis, respectivamente, nos graus GS 14 e GS 15, bem como no plano do chamado FBI Senior Executive Service.
Os benefícios económico-sociais no FBI No FBI os recursos humanos ou colaboradores, constituem inestimável mais–valia. Os planos de benefícios sócio-económicos dedicados aos profissionais são concebidos para lhes garantir assistência na saúde e para que se sintam felizes e motivados, prontos a contribuir para a realização dos objectivos organizacionais do FBI. Está estabelecido a esse propósito e para alcançar semelhante desiderato, um pacote global de benefícios, mormente: seguros da saúde; regalias na aposentação; retribuição no trabalho suplementar; programas de preparação e formação complementar; programas ocupacionais e Benefícios adicionais. 15
16.940,80 Euros 33.617,10 Euros 17 5.882,85 Euros 18 9.875,18 Euros 19 49.375,10 Euros 20 17.024,80 Euros 16
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Justiça e Segurança Interna | A OLAF e a Polícia Judiciária – Proteger o Euro: uma perspectiva do Gabinete Europeu Anti-Fraude | Yannis Xenakis e Maria-Myrto Kanellopoulou
por Yannis Xenakis (1) e Maria-Myrto Kanellopoulou (2) 1) Chefe da Unidade de Protecção do Euro - Programas Hercules e Péricles junto do OLAF - Comissão Europeia 2) Responsável pela Política e Programação junto do OLAF - Comissão Europeia
Artigo traduzido por Philíngua Traduções e Serviços Unip. Lda
A OLAF e a Polícia Judiciária
Proteger o Euro: uma perspectiva do Gabinete Europeu Anti-Fraude Com a zona euro a dar as boas vindas ao seu décimo sétimo membro a 1 de Janeiro de 2011 e com mais de 330 milhões de europeus a partilhar agora uma moeda única, o Euro já percorreu um longo caminho desde o seu lançamento em 1999. Conseguiu marcar o seu papel como principal moeda internacional, bem como um símbolo tangível da integração europeia. Manter a confiança do público no Euro é de vital importância, especialmente considerando os actuais desafios financeiros que a União tem pela frente. Já há mais de uma década que o OLAF – O Gabinete Europeu Anti-Fraude – está activamente envolvido na luta contra a contrafacção do Euro, para assegurar que a moeda única continue a ser considerada uma das histórias mais bem sucedidas da UE.
Combater a contrafacção a nível da UE A nível europeu, a responsabilidade pela protecção do Euro contra a contrafacção é dividida pelo OLAF, o Banco Central Europeu, a Europol e o Eurojust. Os seus papéis complementam-se mas são distintos e a coordenação contínua é assegurada através de reuniões interinstitucionais regulares, quer a nível funcional, quer a nível de gestão. Sendo parte da Comissão Europeia, o OLAF prepara e propõe legislação para a protecção das notas e moedas do Euro. Também dá importante formação e assistência técnica nos Estados-Membros e países fora da UE, principalmente através do Programa 'Pericles'. O Centro Técnico e Científico Europeu (ETSC), instaurado no seio do OLAF, coordena as acções técnicas dos Estados-Membros quanto à protecção das moedas do Euro, incluindo a análise e classificação técnica de novos tipos de moedas contrafeitas. Na execução destas responsabilidades, o OLAF recebe assistência de diversos órgãos consultivos, a destacar o Grupo de Peritos em Contrafacção do Euro (ECEG), um grupo interdisciplinar de peritos em contrafacção de todos os Estados-Membros da UE, o BCE, a Europol e Interpol, focando-se na implementação do Programa 'Pericles' e em questões legais sobre a protecção das notas e moedas do Euro. O Grupo de Peritos em Análise de Moeda Contrafeita (CCEG) tem a cargo a coordenação técnica especificamente contra a contrafacção de moedas do Euro. Ao mesmo tempo, faz-se um esforço no sentido de, cada vez mais, envolver o sector privado nos debates sobre a protecção do Euro, a construção de uma rede de contactos com os bancos comerciais, a indústria do manuseamento e transporte do dinheiro. Em paralelo com o trabalho do ETSC sobre moedas, o BCE supervisiona a análise e classificação de notas contrafeitas através do seu Centro de Análise de Contrafacções e recolhe informações técnicas e estatísticas sobre
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Justiça e Segurança Interna | A OLAF e a Polícia Judiciária – Proteger o Euro: uma perspectiva do Gabinete Europeu Anti-Fraude | Yannis Xenakis e Maria-Myrto Kanellopoulou
contrafacções. Além disto, o BCE, juntamente com os Bancos Centrais Nacionais da zona Euro, tem efectuado grandes campanhas de informação ao público, aumentando a sensibilização junto dos cidadãos europeus quanto às características de segurança nas notas e moedas do Euro. A Europol, o Serviço Europeu de Polícia, é o gabinete central da UE no combate à contrafacção do Euro, e dá assistência aos serviços da administração da lei dos Estados-Membros no combate a esta forma de crime organizado grave. Promove a troca de informação, facilita as investigações a fornece apoio operacional e estratégico. A sua instauração em 2009 como entidade da União financiada através do orçamento geral da UE tem aumentado a capacidade operacional e responsabilização da Europol, também na área da protecção do Euro. Finalmente, o Eurojust, enquanto organismo europeu encarregue da assistência legal e melhoria da coordenação judicial entre os Estados-Membros da UE no combate ao crime organizado grave, tem um importante papel a desempenhar em relação às acusações e pedidos de extradição relacionados com casos de contrafacção transfronteiriços.
Moldar um quadro regulamentar mais forte A estrutura institucional descrita acima constitui a resposta de linha da frente da UE quanto à contrafacção do Euro. Contudo, uma estratégia abrangente para a protecção do Euro requer, acima de tudo, um quadro legal sólido que estabeleça as medidas necessárias para a manutenção de níveis de protecção igualmente elevados em relação à moeda única em toda a União. O pilar da protecção legal do Euro contra a contrafacção é o Regulamento 1338/2001. Elaborado tendo em conta a entrada em circulação das primeiras notas e moedas do Euro em 2002, este Regulamento assentou as medidas de partida para a recolha e análise de dados técnicos e estatísticos, bem como a cooperação entre Estados-Membros e Instituições Europeias. Também introduziu duas importantes obrigações: tendo por base o artigo 6 do Regulamento, as instituições de crédito eram obrigadas a retirar de circulação todas as notas e moedas do Euro suspeitas de serem contrafeitas e entregá-las às autoridades nacionais competentes. Ao mesmo tempo, num esforço para alcançar um equilíbrio justo entre a retenção de contrafacções como prova em processos judiciais e a disponibilização de amostras para testes de despistagem com máquinas de processamento de moeda, as autoridades nacionais eram obrigadas a entregar notas e moedas contrafeitas para análise e classificação. O OLAF tem monitorizado de perto a aplicação prática deste Regulamento desde a sua entrada em vigor e após uma cuidadosa análise do feedback dos actores, sugeriu uma proposta para a modificação do Regulamento em 2008, o que reforçou ainda mais as salvaguardas para a protecção do Euro. Por um lado, as adendas têm aumentado a extensão das instituições abrangidas pelo Artigo 6, fazendo referência pela primeira vez às transportadoras de dinheiro e Multibancos. Por outro lado, introduziu-se uma obrigação adicional para estas instituições verificarem a autenticidade de todas as notas e moedas do Euro que recebem e que queiram colocar de novo em circulação. Esta adenda importante, adoptada em Janeiro de 2009, aplica-se a partir do início de 2012 e espera-se que origine uma maior certeza de que as contrafacções em circulação são de facto detectadas numa fase inicial. Devido à entrada em vigor do Regulamento modificado e para assegurar que a autenticação é feita de forma harmoniosa em toda a zona Euro, a UE adoptou recentemente dois documentos juridicamente vinculativos contendo disposições específicas sobre os procedimentos a adoptar. Para as notas do Euro, as mesmas estão dispostas na Decisão do BCE, recentemente publicada, sobre a verificação de autenticidade e conformidade e recirculação de notas do Euro. Quanto às moedas do Euro, a Comissão Europeia/OLAF propôs e negociou um novo Regulamento em relação à autenticação de moedas do Euro e processamento de moedas que não estão aptas para circulação. O Regulamento foi adoptado em Novembro de 2010 e tem publicação prevista no Jornal Oficial da UE até ao final do mesmo ano. A Decisão do BCE e o Regulamento de autenticação da moeda Euro representam os últimos passos numa luta contínua rumo à moldura de um melhor quadro regulamentar para a protecção do Euro. A Decisão-Quadro do Conselho de Maio de 2000 sobre o aumento da protecção através de sanções penais e outras sanções contra
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Justiça e Segurança Interna | A OLAF e a Polícia Judiciária – Proteger o Euro: uma perspectiva do Gabinete Europeu Anti-Fraude | Yannis Xenakis e Maria-Myrto Kanellopoulou
a contrafacção, bem como o Regulamento 2182/2004 em relação a medalhas e outras emissões semelhantes às moedas Euro, são exemplos adicionais das medidas regulamentares da UE em vigor para a protecção da moeda única. Da teoria à prática, a UE confia em grande parte nos seus Estados-Membros para implementar estas regras. Uma cooperação estreita com as autoridades nacionais competentes sempre foi o cerne das actividades do OLAF para a protecção do Euro.
O OLAF e a Polícia Judiciária: uma parceria cada vez mais estreita Neste contexto, Portugal tem-se revelado um parceiro valioso e de confiança para o OLAF, tendo executado uma estrutura organizacional eficiente para a centralização de informação e análise de contrafacções a nível nacional, envolvendo a Polícia Judiciária e o Banco de Portugal. Ambas as instituições são membros plenos e contribuidores activos no Grupo de Peritos em Contrafacção do Euro e outros grupos técnicos. Embora a contrafacção do Euro em Portugal, por si só, não constitua razão de preocupação, nem em termos de actividade criminal, nem em relação ao número de contrafacções detectadas em circulação, o país tem um importante papel enquanto parte igual da cadeia que protege o Euro. Adicionalmente, Portugal tem surgido gradualmente como actor de vital importância estratégica, devido às suas relações estreitas de longa data com o Brasil. Juntamente com outros países da América Latina, tais como a Colômbia e a Argentina, o Brasil representa uma ameaça potencial significativa, sendo um país de produção e trânsito de Euros contrafeitos. Foi, por isso, identificado como uma das principais prioridades para o Programa 'Pericles', a principal ferramenta do OLAF para promover acções de protecção do Euro na UE e fora dela. A Polícia Judiciária tem beneficiado frequentemente do Programa 'Pericles' no passado, tendo organizado com sucesso seminários de formação técnica e troca de pessoal com diversos países europeus. Em anos mais recentes, a atenção sobre o Brasil abriu mais possibilidades para uma cooperação intensificada. Começando pela participação de peritos em contrafacção Brasileiros, até acções de formação de pequena escala, a Polícia Judiciária, juntamente com o Banco de Portugal, organizou em Março de 2010, o importante seminário " Cooperação na Protecção do Euro Contra a Contrafacção". Estiveram presentes mais de 70 participantes do Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal, Espanha, França e Itália neste seminário de quatro dias, que teve lugar em Brasília e foi financiado através do Programa 'Pericles'. A acção foi um sucesso estrondoso, resultando na assinatura de um protocolo de cooperação entre as autoridades Portuguesas e Brasileiras. Na continuação deste feito, a Polícia Judiciária planeia uma troca de pessoal direccionada em 2011 com as forças policiais Brasileiras, com o objectivo de estreitar as ligações entre as duas organizações e possibilitar a troca de informações e melhores práticas. O OLAF considera a iniciativa um passo fulcral no reforço adicional da protecção do Euro na região Latino-Americana de alto risco e está totalmente empenhada na continuação desta parceria bastante prometedora.
Conclusão O Quadro actualizado para a protecção do Euro dá à moeda única da Europa a salvaguarda mais forte possível contra a fraude e contrafacção. Na manutenção destas salvaguardas, a cooperação entre as Instituições da UE, os Estados-Membros e todos os actores envolvidos, é e será de primordial importância.
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III Congresso de Investigação Criminal
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Justiça e Segurança Interna | III Congresso de Investigação Criminal
por Dr.a Paula Teixeira da Cruz Ministra da Justiça
(Excerto do discurso) Temos, estou certa disso, uma Polícia Judiciária de grande qualidade.
Temos, estou certa disso, um corpo de investigadores com grandes competências e que ao longo dos anos tem contribuído para que a Polícia Judiciária seja reconhecida como uma entidade única. E temos todas as condições para que a credibilidade da Polícia Judiciária se continue a afirmar, não só no plano interno como também no da cooperação internacional.
A Polícia Judiciária nasceu independente e independente continuará O código genético da Polícia Judiciária, enquanto órgão de polícia do judiciário é único e concetualmente incindível, ou seja, a Polícia Judiciária nasceu independente e independente continuará. Dizendo de outra forma, com clareza, e porque de tempos a tempos, dúvidas inexplicáveis são colocadas a circular, reafirmo aquilo que sempre pensei e em que acredito: a Polícia Judiciária é independente dos restantes órgãos de polícia criminal e não será fundida num corpo único de polícia. Dizendo ainda de forma mais clara, recuso, por completo, a possibilidade de uma polícia única em Portugal, criada a partir ou com a Polícia Judiciária e em breve, a muito breve trecho, veremos todos que a Polícia judiciária será reforçada. Desde sempre e ao longo dos seus 66 anos de existência que a polícia judiciária tem desempenhado um papel de especial relevância na administração da justiça, quer no aspeto preventivo quer no aspeto repressivo. A confiança de que goza perante os cidadãos e o seu prestígio internacional, é todos os dias reconhecido. O prestígio da instituição é o prestígio de todos aqueles que, com diversos níveis de responsabilidade e muitas vezes com sacrifícios pessoais tem contribuído com o seu trabalho e competência para fazer da Polícia Judiciária um referencial internacional em matéria de investigação criminal. Não há pois razão para mudar ainda que haja sempre e seguramente boas razões para melhorar.
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Recuso, por completo, a possibilidade de uma POLÍCIA ÚNICA em Portugal, criada a partir ou com a Polícia Judiciária A associação sindical a que V. Ex.ª preside, Sr. Presidente, é um interlocutor necessário e um parceiro natural do MJ, que queremos potenciar e ouvir no âmbito das reformas em curso. Sei bem dos anseios e dos problemas que afetam a classe profissional que a ASFIC representa. Sei bem das dificuldades por que passam. Conheçoas. Sei bem do anseio antigo e da luta da ASFIC pelo pagamento de trabalho extraordinário, como conheço a decisão proferida no âmbito da queixa apresentada pelo Conselho Europeu dos Sindicatos de Polícia. Quero em suma sinalizar que tenho perfeita consciência dos diversos problemas laborais e funcionais e das necessidades de correções que temos de introduzir. Mas quero reafirmar, Sr. Presidente, a disponibilidade do MJ que foi manifestada durante a reunião havida no passado dia 19 de Março com a direção da ASFIC para se iniciar o processo de revisão do estatuto profissional a partir da segunda quinzena de Abril. Durante essas negociações não fugiremos a nenhum dos temas que estão na nossa e na vossa lista de preocupações, nem deixaremos de encarar as dificuldades.
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por Carlos Garcia Presidente Nacional da ASFIC/PJ
((Excerto do discurso de abertura…) Nos últimos anos têm-se verificado na Instituição um aumento da conflitualidade, quer interna quer externa.
A não resolução de problemas que se arrastam há mais de uma década, como a falta de reconhecimento de direitos básicos, que a maioria das outras profissões possui, ou a crónica escassez de recursos humanos, tem sido potenciadores de mau estar e desânimo. Não podemos deixar de aqui recordar que a PJ tem sido condenada nos últimos anos a exercitar uma política de manta curta, cada vez mais curta, e que a superação das dificuldades que daí decorrem se deve, e só se deve, ao esforço, dedicação e resistência dos homens e mulheres da Policia Judiciária que, imbuídos do espirito de missão que abraçaram, deram, dão e darão o melhor de si em prol da causa que defendem, da sociedade e de Portugal.
Mas, também esse esforço, dedicação e resistência tem os seus limites Mas, também esse esforço, dedicação e resistência tem os seus limites. É por isso imperioso que, num cenário de grave insuficiência do quadro de investigadores criminais, se encontre rapidamente o meio adequado para reforçar a sua disponibilidade e potenciar, rentabilizar e organizar o seu trabalho. Orgulhosamente, rejeitamos e rejeitaremos qualquer tipo de competição com a visão de uma investigação criminal securitária, transformada em espetáculo, condicionada pela oportunidade mediática, nem aceitaremos, como alguns pretendem, uma PJ reduzida a uma realidade de eficácia medida a “metro”, ignorando que subjacente à mera aritmética dos seus resultados operacionais, está um modo próprio de ser, estar e actuar, com intransigente respeito pela legalidade e, fundamentalmente, igual com fortes e fracos. Os investigadores criminais todos os dias sentem a sua confiança abalada e o seu espaço de atuação reduzido O que esperamos de quem está à frente dos destinos da instituição é que tenha uma visão de futuro; que nos saiba motivar para essa visão; que trace a estratégia necessária para fazer da PJ uma polícia do Séc. XXI e um verdadeiro Corpo Superior de Policia; que defenda a instituição que dirige quando é alvo de insidiosos ataques externos e que desenvolva uma adequada e transparente gestão de recursos humanos e materiais. [Exmo. Senhor Director Nacional] Disse no seu discurso de tomada de posse que, e passo a citar, “na luta contra o crime a PJ nunca recua. Mas, se tiver de o fazer, será apenas para tomar balanço”. Estamos todos de acordo e gostaríamos que assim fosse também em defesa da Instituição e dos seus profissionais, perante os muitos obstáculos que vão surgindo. Porém, o que hoje sentimos é que fomos tão longe ganhar balanço que ao chegar ao obstáculo a PJ está demasiado cansada para o ultrapassar. Com toda a honestidade, precisamos de mais…
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É que os investigadores criminais todos os dias sentem a sua confiança abalada e o seu espaço de atuação reduzido, seja pela constante tentativa de invasão das competências da PJ, seja ainda pelo despudor com que, publicamente, se tenta fragilizar a imagem de eficácia da instituição que servimos. São estes momentos que exigem grande capacidade de perceber que meios são necessários, e de os exigir à tutela se for esse o caso, para restaurar os índices de confiança, tanto externos como internos, para nos unirmos TODOS e cada um em torno de objetivos comuns, para, por fim, superadas as dificuldades de todos os dias, podermos sentir e afirmar, com o brilhozinho nos olhos que tanto nos caracteriza (va): Esta é a PJ! Esta é a nossa casa!
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III Congresso de Investigação Criminal 29 e 30 de Março de 2012 CONCLUSÕES 1º PAINEL "Política Lei e Investigação Criminal" Moderador: Ricardo Costa Jornalista
1º PAINEL 1ª COMUNICAÇÃO: "Política Lei e Investigação Criminal" Dr. Guilherme d'Oliveira Martins Juiz Presidente do Tribunal de Contas 1. Não há Estado de direito sem mecanismos de responsabilização autónomos e específicos, em que as instâncias próprias e diferenciadas de efectivação da responsabilidade, distinguindo os seus diversos títulos responsabilidade política, criminal, financeira, civil, disciplinar -, obedeçam a três requisitos: (i) primado da lei, (ii) legitimidade de origem, com renovação periódica, das instâncias de responsabilização, (iii) legitimidade de exercício. 2. Uma eficaz limitação do poder pelo Poder exige: a. Política legislativa que proteja direitos, liberdade e garantias, e produza leis simples e claras; b. Clara e inequívoca atribuição de poderes de investigação criminal aos órgãos de polícia criminal; c. Prevenção, a começar em cada um, passando pela acção sobre os paraísos fiscais, e acabando na cooperação internacional.
1º PAINEL 2ª COMUNICAÇÃO: "Política Lei e Investigação Criminal" Prof. Doutor Paulo Morais Professor da Universidade Lusófona do Porto 1. O combate à corrupção, consagrado no Programa do MFA, tem-se revelado um combate perdido, como evidenciam os barómetros de medição nacionais e internacionais. Este estado de coisas radica na promiscuidade entre interesses/instâncias públicas e privadas, e num quadro legislativo que, tendo a respectiva produção e execução asseguradas por aquelas instâncias, é ideal para a corrupção. 2. Condições para o sucesso do combate à corrupção: a. Transparência de agentes e interesses - quem é quem e o quê; b. Simplificação legislativa; c. "Recuperação" dos produtos da corrupção seja, conforme os casos, ora pelo confisco, ora pela destruição.
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1º PAINEL 3ª COMUNICAÇÃO: "Política Lei e Investigação Criminal" INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - NOVAS PERSPECTIVAS E DESAFIOS. O PAPEL DA POLICIA JUDICIÁRIA Dr. José Braz Ex-dirigente da PJ. Professor convidado da Universidade Lusíada de Lisboa Afastar uma abordagem securitária que tem confundido Justiça e Segurança 1. Necessidade, no âmbito e para efeitos de investigação criminal em Estado de direito, de se reafirmar princípios e valores, a saber, separação/tripartição dos poderes do Estado, com ênfase na independência do poder judicial e na autonomia do Ministério Público, afastando uma abordagem securitária, de que é exemplo a Lei de Segurança Interna, que tem confundido Justiça e Segurança, com subordinação da primeira à segunda, quando uma e outra se distinguem, quer no plano juridico-constitucional, penal, processual penal e axiológico, quer no plano histórico e político, e prosseguem fins distintos, em tempos distintos. 2. A definição de uma estratégia de investigação criminal, das correspondentes políticas e prioridades, e do modelo orgânico funcional capaz de lhe dar resposta, as quais devem continuar a ser responsabilidades do Estado, prosseguidas por autoridades públicas, exige um estudo criminológico continuado, deixando de se subordinar à expressão mediática da criminalidade e às meras conveniências políticas conjunturais, fundadas numa estratégia do lucro, a flutuar entre Portugal, um dos países mais seguros do mundo, e a apologia da "guerra" ao crime. Aquela estratégia deve incidir em quatro áreas: (i) criminalidade económico-financeira, (ii) criminalidade informática, (iii) tráficos, (iv) criminalidade violenta peri-urbana. A PJ, por excelência polícia de investigação criminal 3. A PJ, por excelência polícia de investigação criminal, exige liderança de pessoas presentes, abertas ao diálogo e capazes de definir uma estratégia, rumos e prioridades e daí tirar todas as consequências, dispondo, no domínio organizacional, de uma maior flexibilidade e capacidade de ajustamento e adaptação a novas realidades e desafios emergentes.
2º PAINEL "As potencialidades e os limites da ciência no combate ao crime” Moderador: Dr. Carlos Farinha Coordenador Superior de Investigação Criminal Director do Laboratório de Polícia Científica da PJ
2º PAINEL 1ª COMUNICAÇÃO: "As potencialidades e os limites da ciência no combate ao crime” BASES DE DADOS E PERFIS DE ADN Prof. Doutor. Francisco Corte-Real INML Coimbra Começou por realçar a boa colaboração entre o INML e o LPC. Considerou pacífica e unânime a necessidade de dispor (não só para efeitos de identificação criminal mas também de identificação civil), de uma base de dados de perfis de ADN, considerando que não existe um modelo ideal, nem tampouco um modelo uniforme ou padronizado .
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Referenciou e caracterizou em termos comparados e no que respeita aos critérios de inclusão de informação, algumas bases de dados existentes noutros países. Tomando como fonte o ENFSI, mencionou taxas de sucesso em vários países das Europa, designadamente o nº de resultados positivos. Referiu ainda o facto de a maioria destas bases de dados ter como denominador comum a impossibilidade de recuperar, a partir delas, informação clínica. Historiou a situação portuguesa a partir do Despacho 2584/2006 que criou uma Comissão para estudar o problema e apresentar uma proposta de lei. Realçou as caracteristicas fundamentais da base de dados de ADN que acabaria por ser aprovada pela Lei 15/2008, designadamente os critérios de interconexão de dados e de remoção de perfis. Salientou que esta base utiliza como software o Programa Codis, importado do FBI alertando contudo para o facto dela ainda não estar interconexionada com outras bases congéneres. Concluiu afirmando que a base de dados tem potencialidades excepcionais que não estão ainda rentabilizadas pois presentemente dispõe apenas de 481 registos e sem uma quantidade significativa de dados a eficácia é reduzida. Neste domínio, considerou a Lei 15/2008 muito restritiva, havendo propostas no sentido de reduzir alguma segurança e algumas garantias que lhe tiram funcionalidade.
2º PAINEL 2ª COMUNICAÇÃO: "As potencialidades e os limites da ciência no combate ao crime” AS POTENCIALIDADES DA ANTROPOLOGIA FORENSE Prof. Doutora Eugénia Cunha Professora e Investigadora da Universidade de Coimbra Caracterizou a importância da antropologia forense no contexto da medicina legal, designadamente na identificação humana, em mortos e vivos, no cálculo da idade, na determinação da causa da morte, no estudo da ancestralidade, das lesões e sua génese e outras circunstâncias relativas ao cadáver. Realçou a natureza transversal e multidisciplinar desta área do saber forense e a sua crescente vocação holística, salientando a necessidade de garantir niveis de íntima cooperação e colaboração com as estruturas de investigação criminal
2º PAINEL 3ª COMUNICAÇÃO: "As potencialidades e os limites da ciência no combate ao crime” O LABORATÓRIO E A POLÍCIA PhD David Christian Hassel Director do Laboratório do FBI Realçou a importância e o papel do Laboratório de Policia Cientifica e Ciências forenses inserido na estrutura orgânica do FBI para o cumprimento da missão daquela polícia criminal. Apresentou o Laboratório e as várias áreas científicas que nele funcionam e algumas das actividades por ele desenvolvidas designadamente no domínio das ameaças NBQ. Considerou essencial uma cultura de partilha assente em 3 vértices: Ciência forense, investigação, informação (intelligence), concluindo com a importância da cooperação internacional no domínio forense. (Apresentamos nesta revista, devidamente traduzidos, os diapositivos powerpoint que o Diretor do Laboratório do FBI apresentou neste congresso e que serviram de base à sua intervenção).
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2º PAINEL 4ª COMUNICAÇÃO: "As potencialidades e os limites da ciência no combate ao crime” A PSICOLOGIA FORENSE Prof. Doutor Carlos Fernandes Professor e investigador da Universidade de Aveiro Valorizou o conceito de psicologia clínica e o contributo que a mesma pode dar no plano forense para a investigação criminal. Apresentou de forma crítica algumas metodologias e técnicas de análise, alertando para os limites dessas técnicas e para aquilo que denominou de mitos da psicologia forense. Propôs uma psicologia de cariz funcionalista mais apostada na explicação ou compreensão do que na interpretação.
3º PAINEL "Direito Penal Clássico vs Direito Penal do Inimigo” Moderador: Dr. Euclides Dâmaso Simões Procurador Geral Distrital de Coimbra
3º PAINEL 1ª COMUNICAÇÃO: "Direito Penal Clássico vs Direito Penal do Inimigo” Prof. Doutor Manuel Câncio Meliá Professor da Universidade Autónoma de Madrid 1. O direito penal do inimigo caracteriza-se por uma antecipação da tutela penal, que prescinde da lesão de qualquer bem jurídico, mas sem redução da medida da pena, e com restrição alargada ou nos direitos processuais ou na sua medida. Funda-se na categorização/demonização de pessoas - as "não pessoas" ou "inimigos" da sociedade que, com a sua atitude, rompem o contrato social - e não de factos; e, por isso, no direito penal do inimigo, o Estado fala com os cidadãos e ameaça os "inimigos". 2. Tem-se verificado três tipos de atitude perante o direito penal do inimigo: a. Nem usar, nem sequer mencionar; b. Utilização para efeitos de detecção das contaminações do direito penal do cidadão pelo direito penal do inimigo; c. Marcar o estado de evolução em que está, a contaminação que tem feito, e permitir a distinção entre o que é direito penal do cidadão e direito penal do inimigo.
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3º PAINEL 2ª COMUNICAÇÃO: "Direito Penal Clássico vs Direito Penal do Inimigo” Prof.a Doutora Maria João Antunes Professora da Universidade de Coimbra 1. O direito penal do inimigo caracteriza-se, no domínio processual, por uma diminuição ou mesmo eliminação das garantias, em que o arguido apenas formalmente é tratado como pessoa, com quebra da presunção de inocência, incluindo o privilégio da não auto incriminação, alargamento da prisão preventiva e da incomunicabilidade, e menor restrição à obtenção de meios de prova relativos às características físicas e psíquicas sem consentimento. 2. O nosso ordenamento processual penal tem vindo a ser contaminado pelo direito penal do inimigo: regime das acções encobertas, de agente infiltrado, de buscas domiciliárias nocturnas, de par com uma indeterminação/largueza dos conceitos de criminalidade violenta, altamente violenta, complexa e organizada, a fundar a restrição de garantias processuais.
3º PAINEL 3ª COMUNICAÇÃO: "Direito Penal Clássico vs Direito Penal do Inimigo” Prof. Doutor Pedro Caeiro Professor da Universidade de Coimbra 1. O interesse que o direito penal do inimigo tem suscitado emerge de três situações: (i) natureza provocatória e anacrónica da construção jurídica; (ii) ser seu autor um respeitado penalista; (iii) vocação intrínseca de arena para as várias abordagens do direito penal. 2. O paradoxo do direito penal do inimigo é que, com excepção do terrorismo, o "inimigo" não quer hostilizar e destruir o sistema legal, mas parasitá-lo; donde, a sua existência, como na relação parasita/hospedeiro, élhe essencial. Mais: sendo a pessoa quem cria o direito, não pode, simultaneamente, agora sob a veste de "inimigo", ser sua criatura. 3. A contaminação do direito substantivo pelo direito penal do inimigo tem ocorrido tanto no terrorismo, como na mais precoce antecipação da tutela nos crimes de perigo abstracto.
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4º PAINEL “A SOCIEDADE E A POLÍCIA JUDICIÁRIA: EXPETATIVAS” Moderador: Dr. Castanheira Neves Advogado Membro do CSMP
4º PAINEL 1ª COMUNICAÇÃO: “A SOCIEDADE E A POLICIA JUDICIÁRIA: EXPETATIVAS” Mário Crespo Jornalista. Professor de jornalismo Considerou-se extremamente crítico relativamente à forma como a sociedade mediática tem evoluído, apresentando alguns exemplos concretos, remotos e recentes, de leitura subjectivas, assentes em narrativas e imagens enganadoras. Falou dos níveis de precariedade e de fragilidade da classe jornalistica e das tentações de manipulação a que está sujeita. Apresentou alguns exemplos sobre a importância da comunicação social e sobre os conceitos de imparcialidade, opinião e descrição de factos e a falsa importância de acontecimentos, apenas resultante da sua intensiva e reiterada divulgação. Neste contexto falou ainda da relação entre o poder e os media e a capacidade deste alterar e manipular os factos divulgados. Em termos de proposta objectiva realçou as vantagens da credenciação de jornalistas por parte de instituições como a PJ.
4º PAINEL 2ª COMUNICAÇÃO: “A SOCIEDADE E A POLICIA JUDICIÁRIA: EXPETATIVAS” Dr. Álvaro Laborinho Lúcio Juiz-Conselheiro do STJ Ex-ministro da Justiça A Policia Judiciária é uma polícia da Justiça e não da Segurança Iniciou a sua intervenção considerando que a representações sociais são sempre complexas, referindo-se concretamente às expectativas sociais o desempenho e a imagem da PJ em torno da percepção real ou construída do seu papel. Teceu vivas e expressivas considerações acerca de um paradigma de racionalidade assente numa visão positivista do mundo e da vida e de um sistema de valores e de normas em que o crime era uma excepção, sendo esta excepção o objecto de intervenção do sistemade justiça. Considerou a que este paradigma evoluiu significativamente e que hoje não existe uma consciência colectiva multiforme e aos tribunais pede-se que intervenham na regra e não na excepção, decorrendo deste facto uma imagem de ineficácia.
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Seguidamente desenvolveu considerações sobre a percepção quer os cidadãos têm sobre as policias e a imagem sempre mais positiva que têm sobre ela do que relativamente à Justiça, antecipando-se a percepção do resultado final da Justiça (julgamento) para a noticia ou facto inicial da invcestigação criminal. Falou de vitimização e segurança e da criação de estereótipos populares entre a delinquência e os sistemas de Justiça. Realçou o papel dos media (particularmente a TV) na reconfiguração da relação entre 3 vectores: Policia Judiciária/expectativas/ sociedade. Considerou que as foças de aplicação da lei estão ao serviço da sociedade antes de estarem ao serviço do governo ou dos sistemas de justiça, e que a Policia enquanto instituição está entre dois valores essenciais: o pensamento ideológico e académico da formulação dos direitos e valores e o sentimento social da resolução dos conflitos. Conclui que é fundamental mostrar à sociedade uma polícia respeitadora do Estado de Direito tendo por referência 3 elementos: eficácia/transparência e legalidade. Considerou a terminar que temos de considerar 3 tempos: o dos media/ o da PJ e o da Justiça, sendo a Policia Judiciária uma policia da Justiça e não da Segurança e que este importante facto deve ser tido em consideração quer na definição de expectativas, quer nas própria modelação dos sistemas.
4º PAINEL 3ª COMUNICAÇÃO: “A SOCIEDADE E A POLICIA JUDICIÁRIA: EXPETATIVAS” Dr. Rui Almeida Procurador da República Director da Directoria do Centro da PJ A PJ tem respondido … com eficácia e o seu “património imaterial” continuará a ser cobiçado por outros Iniciou a sua comunicação realçando as vantagens recíprocas da existência de um quadro de abertura e cooperação entre a ASFIC e a Universidade de Coimbra. Salientou também o profissionalismo dos funcionários da PJ o rigor da actividade desenvolvida pela PJ e a sua relação de proximidade com o MºP. Invocando a sua experiência profissional, considerou que a estreita relação entre a PJ e as autoridades judiciárias, constitui o caminho do futuro. Numa breve resenha histórica da PJ realçou a actualidade dos principios e valores fundacionais de 1945. Considerou necessário manter a matriz organizacional da instituição, mas adaptando-a a novas realidades no dominio da especialização e do apetrechamento técnico. Considerou, a terminar a sua intervenção que a PJ tem respondido às novas realidades criminológicas com eficácia e que o seu “património imaterial” continuará a ser cobiçado por outros.
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Justiça e Segurança Interna | III Congresso de Investigação Criminal
III Congresso de Investigação Criminal O III CIC foi seguramente, nos últimos anos, um dos momentos mais altos de afirmação não só da ASFIC/PJ, mas também, principalmente, da Polícia Judiciária. O êxito deste III CIC deveu-se em grande medida ao contributo inestimável de três entidades:
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A UNIVERSIDADE DE COIMBRA, representada pelo Magnifico Reitor, Professor Doutor João Gabriel Silva, pela excelente seleção dos oradores e dos temas e pela articulação perfeita entre as duas dimensões, a do saber prático e a do saber académico.
A CÂMARA MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ, representada pelo Senhor Presidente da Câmara, Dr. João Ataíde das Neves, pela prestimosa colaboração institucional que tornou materialmente exequível este congresso.
A DIREÇÃO NACIONAL DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, representada pelo Senhor Diretor Nacional, Dr. Almeida Rodrigues, pelo apoio institucional e facilitação de todo o labor organizativo dos funcionários da Polícia Judiciária destacados para esta missão.
Em cima: a Comissão Organizadora do III Congresso de Investigação Criminal: Jorge Paiva; Daniel Vinhas; Lima Vieira; António Veiga; Sérgio Ribeiro; Armando Santos; Rui Santos; Rui Craveiro; Paula Brito; Ana Góis; João Paulo; Alcides Rainho, Catarina Iria (na foto, entre os elementos da CO III CIC, não podíamos deixar de assinalar, também, o apoio sempre eficiente do nosso «staff» nacional: Catarina Simões, Sónia Henriques e Ana João). Esta foi a equipa da Direção Regional Centro da ASFIC/PJ responsável pelo extraordinário sucesso do III Congresso de Investigação Criminal, como foi realçado por todos os participantes nacionais e estrangeiros. 173
Saúde no Trabalho | A Psicoterapia como um Espaço de Verdade | Ana João Pereira
SAÚDE NO TRABALHO
Ana João Pereira
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Saúde no Trabalho | A Psicoterapia como um Espaço de Verdade | Ana João Pereira
por Ana João Pereira Psicóloga no Serviço de Psicologia da ASFIC/PJ (SPA)
A Psicoterapia como um Espaço de Verdade “A confiança de que existe algo de verdadeiro é fundamental para a sobrevivência dos seres humanos.” (Eco, p. 45) A importância da verdade reside na sua procura, no questionamento das nossas maiores certezas e na abertura a novas ideias (conhecidas ou imaginárias), num diálogo profundo entre nós próprios e o mundo. A sociedade carrega consigo a “tocha da verdade” (Eco, p. 51), como uma luz orientadora do seu caminho. A verdade a que me refiro, “não é o mesmo que verificação ou confirmação e também não é uma adequação entre o pensamento e a realidade, se por adequação tivermos em mente uma cópia” (Murcho, p. 94). Quando olhamos um espelho, chegamos a pensar que a imagem que temos à nossa frente é exacta, mas basta movermo-nos um milímetro para a imagem se alterar. Aquilo que estamos a ver são apenas reflexos. É do outro lado do espelho que a verdade nos encara. A verdade vislumbrada e nunca possuída, a verdade enquanto “estado de potência”, “movimento em direção a” (Neville, p. 19) e, nesse sentido, a psicoterapia é um espaço privilegiado de verdade, onde se constrói uma relação de confiança e de intimidade e, através da palavra, paciente e terapeuta cultivam sementes de verdade. Procuramos a verdade no silêncio, no encontro com nós mesmos. Procuramos missões, referências, certezas, seguranças. Retalhos de realidade. Procuramos corpo, terra, raízes. O impacto estético, quando nos sentimos invadidos por um quadro ou por uma música é uma experiência de verdade, tal como a experiência que o artista sente na criação da sua obra, onde projecta as suas mais profundas verdades. Um parto, um nascimento, o choro e o riso, a vida e a morte, são experiências de verdade. A pertença a um grupo, a um ideal, é muitas vezes, um dos grandes alicerces da busca de uma verdade. Tendemos a encarar a verdade como aquilo que se pode tocar, saborear, cheirar, sentir, ver ou ouvir. Mas é redutor. A verdade não existe apenas na esfera material. Uma crença, um pensamento, um desejo, uma relação de amor ou de ódio, embora não seja tangível é real. A verdade não existe
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Saúde no Trabalho | A Psicoterapia como um Espaço de Verdade | Ana João Pereira
como ideia eterna, como pensava Platão, mas existe “no entre” (entre duas pessoas que a procuram), por exemplo entre paciente e terapeuta. A psicanálise e a psicoterapia, tal como a entendo, constitui-se como um método de investigação da verdade. Não possui a verdade mas tenta reparar a capacidade de a alcançar. Mas a verdade confronta-nos com o que há de mais forte e de mais frágil em nós. A verdade fascina mas também assusta. Vivemos na fuga e na busca de verdades, em nós mesmos, nos outros, na vida. Encarar a verdade face a uma experiência emocional perturbadora é uma das tarefas humanas mais difíceis. O esforço do trabalho psicológico que conduz à mudança é intrinsecamente assustador e doloroso. É esse o grande desafio a que se propõem paciente e terapeuta. Há uma forte tensão entre a necessidade de segurança e a necessidade de conhecer a verdade. Cabe ao terapeuta sustentar (conter) essa tensão e respeitar o tempo do paciente. “As verdades emocionais humanas são tanto universais quanto primorosamente idiossincráticas a cada indivíduo, e são tanto atemporais quanto específicas a um determinado momento da vida” (Ogden, p.86). Vergílio Ferreira explicou de uma forma muito simples esta ideia, quando disse: “A verdade de que falei há vinte anos é-me exactamente a de hoje; e todavia há um desfasamento no modo como corri para ela e me entusiasmei com ela e me comovi com ela. Tudo agora me acontece ainda mas num registo diferente. Não é em si que as verdades envelhecem: é com as rugas que temos no corpo e na alma”. Ao longo da vida vamos elaborando as nossas verdades, com as ferramentas que temos ao dispor e com as angústias de cada idade. Segundo Bion (1970), a experiência emocional encerra uma realidade, uma verdade, independentemente das interpretações que sobre ela se possam tecer. Mas ao pensarmos sobre as coisas, alteramos de alguma forma a coisa pensada. “Alteramos o que descobrimos e, nesse sentido, criamos algo novo” (Ogden, p. 91). Tanto nas ciências naturais como na psicoterapia, a verdade de uma ideia repousa nas evidências aplicadas a essa mesma ideia. Ao interpretar, o terapeuta
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Saúde no Trabalho | A Psicoterapia como um Espaço de Verdade | Ana João Pereira
simboliza verbalmente o que intui ser verdadeiro para a experiência emocional do paciente e possibilita uma transformação. Podemos, então, pensar a psicoterapia como um espaço de encontro intersubjectivo, onde se cria o potencial para uma nova experiência do que é verdadeiro. É esse o âmago do processo psicoterapêutico, é essa a direção. Sem essa luz orientadora deixamos de “encarar a música” (Ogden, p. 41) e rendemo-nos ao desconexo e ao simulacro. Os momentos mais marcantes da nossa vida são os momentos de verdade, são os momentos que mais nos tocam, como se mergulhássemos no mais profundo do ser. Um parto, uma morte, uma agressão física, uma dor, uma gargalhada, uma conquista, uma descoberta, uma criação artística, um momento de cumplicidade, uma separação, um reencontro, o sentimento de fazer justiça confrontam-nos com a verdade. Procurar a verdade é percorrer a distância entre a repetição e a diferença. Iluminar as sombras, retirar o excesso. Um caminho desconhecido, longo e complexo mas profundamente libertador. Independentemente dos sistemas de valor, das formas de autoconsciência, das crenças e das religiões, não existem limites políticos ou culturais que separem os seres humanos na experiência emocional de perder um filho, na vulnerabilidade física, ou no desamparo. A cultura pode oferecer formas de defesa, de evasão, de catarse, pode propor cerimónias, tradições e rituais, mas existem determinados ciclos e experiências humanas que são universais. Na psicoterapia, o que é universalmente verdadeiro também é intensamente singular e pessoal a cada paciente e a cada terapeuta. A experiência vivida no setting terapêutico não ambiciona verdades absolutas, procura apenas “alguns esclarecimentos”.
Bibliografia Consultada Eco, U. (2011). Construir o inimigo e outros escritos ocasionais. (pp. 11-63). Lisboa: Gradiva. Ferreira, V. (1981). Contra-corrente II - Nova série. Lisboa: Bertrand Editora Murcho, D. (2011). Filosofia em directo. (pp. 89-96). Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise- sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Porto Alegre: ARTMED. Ogden, T. In The international journal of psychoanalysis 07/2003; 84(Pt 3):593-606. What’s true and whose idea was it? Pinter, H. (2005). Discurso de aceitação do prémio nobel. Symington, N. (1999). A experiência analítica. (pp. 17-23). Lisboa: Climepsi.
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MEMÓRIAS E DIVAGAÇÕES
Carlos Castro Luís Dias Filipe Pereira Arnaldo Silva Carlos Pinto de Abreu 178
Memórias & Divagações | 9 anos de PSP e 9 anos de PJ | Carlos Castro
por Carlos Castro Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
9 anos de PSP e 9 anos de PJ Decorridos cerca de nove anos desde que fui admitido na Polícia Judiciária, tempo sensivelmente idêntico ao que estive em funções da Policia de Segurança Pública, aproveito para passar ao papel alguns pensamentos e reflexões decorrentes deste meu percurso. Para uma melhor percepção das diferentes realidades que se vivem nestas duas Policias, abordarei alguns aspectos ligados ao ingresso nas suas carreiras, o serviço operacional, a formação continua e por fim a filosofia de trabalho, muitas outras haveria para falar não menos importantes.
As instalações são similares a quartéis militares Ingressei na PSP fazendo parte de um curso de formação de 680 agentes, formação inicial realizada em Torres Novas, em que as instalações eram em tudo similares a um quartel militar, não faltava sequer a pista de obstáculos e uma “porta de armas”. As condições de alojamento, à data, ditaram que eu ficasse alojado numa camarata com 120 camas, cada uma delas com um cacifo associado, escusado será dizer que logo de manhã a confusão reinava, desde alcançar um duche livre até ao espelho onde me pudesse barbear, sei que hoje as condições são bem melhores.
Na PSP a disciplina e hierarquia são quase militares A disciplina dos formandos era rigorosa, ainda que não tão rígida como a militar mas respeitava o mesmo princípio, existia uma hierarquia bem demarcada, as saudações e comportamento para com os superiores hierárquicos e colegas seguiam o mesmo padrão.
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Memórias & Divagações | 9 anos de PSP e 9 anos de PJ | Carlos Castro
Na PSP a formação e a avaliação são mais orientadas para o indivíduo As áreas de ensino eram várias e versavam as muitas competências de actuação das forças de segurança, a ordem e segurança pública, segurança pessoal, trânsito, posturas municipais, fiscalização de estabelecimentos, código penal e processo penal, são apenas algumas. As avaliações aos formandos reflectiam os desempenhos individuais ao nível físico, teórico e prático não visando preferencialmente os trabalhos de grupo que eram escassos, a legislação a saber era vasta e colocava à prova a capacidade de memória. As aulas ministradas sobre Investigação Criminal faziam parte de um módulo de ensino, dado que, à época, a PSP apenas se limitava a preservar os locais de crime e acautelar os elementos de prova, comunicando os factos, em seguida, à Policia Judiciária. Esta realidade mudou nos dias de hoje, para alguns casos, em consequência das competências de investigação conferidas pela LOIC.
A ordem unida faz parte do ritual Por se tratar de uma força civil mas de cariz militar, não deixavam de ser ministradas aulas de ordem unida, com e sem arma, treino que iria ser necessário para a cerimónia de tomada de posse como agente daquela força. Este momento consistia na realização de um desfile em formação, acompanhado de algumas exibições operacionais, terminando com o compromisso de honra, seguindo o modelo de qualquer formalidade militar do género.
Na PSP somos “lançados aos lobos” Posteriormente à conclusão da formação, fui colocado numa Esquadra de Polícia, na companhia de apenas um colega de curso, em que o tempo de adaptação foi reduzido. Quase que imperceptivelmente estávamos inseridos e a desempenhar funções como todos os outros que se encontravam no activo, valia-nos a experiência dos colegas mais velhos que não tinham essa missão específica, como «tutores» de estágio, fomos literalmente “lançados aos lobos”.
As brigadas à civil Na minha passagem pela PSP, ainda não haviam sido criadas as Divisões e Esquadras de Investigação Criminal, existia sim, em cada departamento, uma brigada à civil de que fiz parte integrante de uma delas, composta por cerca de cinco elementos e um chefe. O objecto de trabalho deste tipo de brigadas era nomeadamente as detenções em flagrante delito pela prática de crimes, especialmente o de pequeno tráfico de droga, furto e roubo, bem como a fiscalização de estabelecimentos e cumprimento de Mandados de Detenção, entre outros.
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Memórias & Divagações | 9 anos de PSP e 9 anos de PJ | Carlos Castro
O tempo de serviço era passado numa área de esquadra onde qualquer indivíduo que iniciava a sua carreira como delinquente, era desde logo sinalizado e “acompanhado”. Esta monitorização era possível através das muitas horas passadas em bairros sociais onde eram recolhidos elementos das inúmeras conversas mantidas com a população aí residente, sabíamos e conhecíamos os indivíduos pelas alcunhas e ao que se dedicavam. Era então recolhida muita informação, o que não acontece actualmente, pois os agentes que trabalham os inquéritos estão atolados em tarefas com eles relacionadas, enquanto os delinquentes vão crescendo e evoluindo no submundo do crime, até ao momento em que começam a praticar crimes mais violentos, passando a partir desse ponto para a alçada da Polícia Judiciária, numa altura em que já ganharam defesas, mercê do amadurecimento e aperfeiçoamento dos seus comportamentos criminais. A competência territorial é dividida com a GNR. Esta força de segurança está mais presente nas áreas rurais com menor número de habitantes, o que faz com que o conhecimento do fenómeno criminal por parte de cada uma destas polícias - GNR e PSP - seja parcial e não global, pois ficava e fica confinado à parte do território nacional onde desenvolvem a sua actividade operacional.
A PJ é uma realidade completamente diferente De forma a aqui esboçar uma pequena analogia entre as duas Polícias onde ingressei, recordo que a minha admissão e formação na Policia Judiciária foi o constatar de uma realidade completamente diferente, éramos apenas 100 candidatos admitidos a um curso de formação de Inspectores Estagiários e ficámos acomodados na Quinta do Bom Sucesso em Loures, em tudo semelhante a um “condomínio fechado”, a formação foi tendencialmente personalizada, com maior participação e envolvimento dos discentes.
Na PJ sentimos que regressamos à sociedade civil No primeiro dia, na apresentação do curso, quando entrámos para o anfiteatro da Quinta, logo percebi a diferença relativamente à PSP, mesmo entre candidatos, pois as aparências, as experiências profissionais e a posturas ali apresentadas eram das mais variadas. Até o cumprimentar entre colegas de curso do sexo oposto não se limitava ao simples aperto de mão, o que me fez sentir totalmente de volta à sociedade civil. Encontrávamo-nos naquele espaço a trocar as primeiras impressões, criando um burburinho de fundo, quando entrou o Director… Ninguém alterou substancialmente o seu comportamento! Notei logo aqui uma reacção completamente diferente relativamente à PSP, onde, à entrada de um oficial de grau hierárquico semelhante reinaria imediatamente o silêncio, bem como as posturas corporais passariam a estado de maior rígidez. O programa curricular e a metodologia de ensino estavam completamente focadas em matérias de investigação criminal e áreas das chamadas ciências auxiliares forenses e jurídicas com ela directa ou indirectamente relacionadas.
Na PJ valoriza-se mais a equipa As avaliações eram inúmeras e constantes, incidindo no desempenho individual ou quando inserido em grupo de trabalho. Neste caso a prestação do conjunto tinha directa e importante relação com os resultados obtidos pelo próprio.
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Memórias & Divagações | 9 anos de PSP e 9 anos de PJ | Carlos Castro
Aliado a este facto, os formadores passavam a ideia que muitos não chegariam ao fim daquele curso de formação, o que aumentava substancialmente a pressão exercida sobre os alunos. O ano de estágio seguido à formação inicial foi um período em que experienciámos a função destino devidamente acompanhados, ao contrário da PSP. Os grupos de estágio eram compostos por um número reduzido de elementos, supervisionados e avaliados por um orientador, onde podíamos contar ainda com a experiência dos colegas das áreas de investigação por onde íamos passando.
Na PJ a integração gradual é supervisionada A integração na Polícia Judiciária foi assim gradual e supervisionada, a passagem de Inspector Estagiário a Inspector realizou-se com naturalidade e ocorreu numa altura em que estávamos perfeitamente enquadrados e capazes de desempenhar as funções que nos esperavam… estávamos ávidos por “dar o salto” e ganhar autonomia.
Na PJ a hierarquia é mais informal Nas chefias sempre encontrei uma postura em que me foi conferida a máxima liberdade em termos de estratégia de investigação, com igual grau de responsabilização, características que permitem um desenvolvimento individual e profissional mais profícuo. A tomada de posse e compromisso de honra pautou-se por uma cerimónia solene, ao espelho da uma Polícia de Investigação de raiz, de cariz civil, como é o caso da Polícia Judiciária.
Na PJ priviligia-se a autonomia do investigador O processo de formação adoptado e percurso subsequente proporciona uma grande autonomia na gestão, estratégia e metodologia a seguir nos inquéritos, sendo certo que o sucesso das investigações está directamente relacionado com o grupo de trabalho onde estamos inseridos, pois nada se consegue sozinho. Dotada de um efectivo especializado e de reduzido número, comparativamente às forças de segurança que atrás referi, a formação contínua torna-se possível e é constante, o que contribui para a uma adequada actualização e evolução dos investigadores e chefias, nas diferentes vertentes onde estão inseridos. Estes diferentes percursos formativos e de estágio conduzem necessariamente a Polícias de características distintas e como tal com diferentes desempenhos.
Na PJ ganha-se mais agilidade e rapidez na execução Relativamente à estrutura, a meu ver, o facto da cadeia hierárquica na PJ não ser extensa faz com que o fosso entre quem investiga, quem chefia e quem dirige o serviço onde estamos colocados não seja tão demarcado, agilizando a tomada de decisões e posições, ganhando-se aqui rapidez de execução. A estrutura e a cultura organizacional da PJ permitem uma resposta rápida e versátil na sequência de qualquer notícia de um crime da sua competência ou de uma denúncia no piquete, pois de imediato se iniciam actos tendentes à responsabilização criminal dos autores, sem quaisquer constrangimentos territoriais. O facto da Policia Judiciária estar presente em todo o território nacional, abrangendo áreas territoriais da PSP e da GNR, com forte capacidade de mobilidade, torna as Investigações mais céleres e abrangentes, permitindo uma visão global do fenómeno criminal, conseguindo-se obter uma visão do global da criminalidade e não apenas parcial.
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Memórias & Divagações | 9 anos de PSP e 9 anos de PJ | Carlos Castro
Com a unificação da PSP e PJ a sociedade fica a perder Existem correntes de pensamento tendentes à unificação das Policias, nas quais não me revejo, mesmo tendo começado a minha carreira numa força de segurança como é a PSP, onde passei bons tempos e de onde mantenho boas lembranças de momentos bem passados. Caso algum dia venha a ser criado um corpo único de Policia, em pouco tempo se viverá um ambiente similar ao que hoje se vive entre os elementos uniformizados e os afectos à investigação criminal na PSP. Mesmo com as devidas adaptações, a sociedade sairá a perder. Nas forças de segurança, os elementos que em determinada altura se encontram na Investigação criminal poderão passar a exercer diferentes funções, por opção operacional de um comandante ou mesmo pela sua própria vontade em ficar mais próximo da residência. Mesmo ao nível do Comando de uma Divisão ou Esquadra de Investigação Criminal, quem dirige ou chefia hoje uma Unidade deste tipo poderá vir a desempenhar funções numa outra completamente diferente, sem sequer estar ligada à Investigação Criminal. A exclusividade e experiência da Policia Judiciária na investigação criminal dotam-na de características próprias e substancialmente mais desenvolvidas nesta matéria, a qual, penso eu, deveria ter cada vez mais um papel centralizador e coordenador de toda a informação Criminal, ficando a seu cargo as investigações de maior complexidade. Nas forças de segurança seriam conduzidas as investigações locais onde a informação de proximidade é preciosa para a boa resolução da criminalidade que muito preocupa e amedronta as populações existentes nas respectivas áreas territoriais. Existem cada vez mais casos em que criminosos de uma área do território nacional, praticam crimes fora das suas áreas de residência, debaixo da alçada de uma diferente força de segurança, explorando a falta de partilha de informação entre estas, conseguindo assim passar impunes e aumentar gradualmente a sua capacidade em cometer delitos, tendencialmente mais ousados e violentos.
A PJ uma das raras instituições em que a população ainda acredita A motivação que me acompanhou no ingresso na PJ, encontrando-me já há diversos anos na PSP, foi o desejar pertencer a uma Policia especializada e com uma vasta aprendizagem no campo da Investigação Criminal, sendo uma das raras Instituições em que a população ainda acredita. Estou certo que a Polícia Judiciária necessita de um salto evolutivo, que acompanhe os elevados requisitos que foram criados para o acesso à carreira de investigação criminal, de forma a cada vez melhor fazer face ao fenómeno criminal dos dias de hoje, que é mais elaborado, sofisticado e complexo.
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Memórias & Divagações | A kalashnikov da Central | Luís Dias
por Luís Dias Coordenador de Investigação Criminal aposentado
A kalashnikov da central Em finais de 1978, a zona de Lisboa foi assolada por uma série de roubos, “esticões”, também o que hoje apelidamos de “car jackings” e de “home jackings” e diversas violações. O grupo de malfeitores envolvidos actuava com extrema violência e com recurso a diversas armas de fogo. Um dos indivíduos assaltados, quando estava a estacionar o carro ao pé de casa, era um médico de radiologia muito considerado nos nossos serviços sociais e que eu conhecia pessoalmente. O médico foi obrigado a levar três elementos do grupo até casa (onde dormiam os filhos e a esposa), a fim de eles roubarem tudo o que entenderam de valor. O médico teve bastante calma e aproveitou para ver bem os rostos dos meliantes que felizmente estavam a actuar de cara destapada. Na então Directoria de Lisboa (DL), a vítima conseguiu reconhecer dois dos assaltantes intervenientes que eram, nem mais, nem menos, que dois dos evadidos da famosa fuga de Alcoentre (o “Pilas” e o Leocádio, também conhecido pelo “Hilário”), que ainda não tinham sido recapturados (o “Hilário” foi um dos cérebros dessa fuga, juntamente com o “Muleta Negra”, que fora recapturado por mim e por outros dois colegas numa pensão do Bairro Alto, onde estava acoitado com o amante – um travesti que estivera detido por crimes de roubo). O grupo actuava, normalmente, com 3 ou 4 elementos, mas existiam outros indivíduos que participavam nos crimes, digamos que, à vez, ao que me recordo, seriam 9 elementos no total (oriundos do Bairro da Falagueira, da Amadora, da Brandoa, do Bairro da Musgueira, Bairro das Galinheiras, Bairro da Liberdade e de Odivelas). A DL pediu a colaboração da Central, até porque os dois identificados eram evadidos e procurados por nós e por
Ao fundo, de frente e de gravata está o Chefe Duarte Augusto. Do lado direito da foto estão, em primeiro plano o Lopes de Oliveira e a seguir o José Pinheiro e do lado esquerdo em primeiro plano o Chefe Amaro logo seguido do autor.
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Memórias & Divagações | A kalashnikov da Central | Luís Dias
termos maior capacidade de resposta em colocar mais elementos na rua, quer em prevenção a estes assaltos, quer à localização dos autores. A minha brigada, ao tempo, chefiada pelo chefe Duarte Augusto (Inspector-Chefe, aposentado) era composta pelos então agentes: Luís Dias (Coordenador Investigação Criminal, aposentado); Manuel Catarino (InspectorChefe, aposentado); José Pinheiro (Inspector, aposentado), Jorge d´Almeida (Director de Serviços da Alfândega, aposentado), Lopes d´Oliveira (Inspector-Chefe, aposentado) e António Freire (Inspector, aposentado), partiu para as investigações, incindindo essencialmente sobre os dois evadidos referenciados, tendentes à localização e recaptura dos mesmos. Depois de algum trabalho de sapa na recolha de informações, conseguimos apurar o local onde, eventualmente, pernoitavam os dois suspeitos (uma barraca situada no Bairro da Musgueira). Primeiramente a Secção efectuou diversas vigilâncias e acções nocturnas para tentar apanhar em flagrante os envolvidos nos assaltos, o que não foi conseguido, então tomou-se a decisão de avançar para a barraca identificada e já localizada, no dia a seguir à noite de terça-feira de Carnaval, em Fevereiro de 1979. A nossa brigada, reforçada com outros elementos da Central, cercou a barraca e pela madrugada tentou a rendição de quem estivesse no seu interior. Houve alguma tensão dado que sabíamos que estes elementos estavam armados e que tinham na sua posse espingardas (armas longas pela descrição das vítimas) em seu poder. Depois de alertarmos da nossa qualidade e de dizermos que não tinham qualquer saída senão entregarem-se (até porque a barraca estava isolada das outras, tornando o cerco fácil), foi altura de iniciar alguma acção e, como combinado, preparava-me para alvejar o telhado da barraca (sabemos do efeito psicológico que uns tiros/ rajada fazem sobre telhas) com uma pistola-metralhadora, quando os indivíduos se renderam, abrindo a porta da barraca e saindo de braços no ar. Ali estavam os dois célebres evadidos. No chão da barraca apanhámos um revólver calibre 38 e uma pistola Walther P38, de 9 mm, com o cão armado. Nas conversas mantidas com eles já na Central, soubemos que a sua rendição se deveu a terem-se apercebido que estavam efectivamente cercados porque, inicialmente, pensavam forçar a saída a tiro (chegaram a apontar a P38, através das frinchas, a um colega – o César Silva (Inspector, já falecido). No prosseguimento das investigações acabámos por identificar os restantes elementos e à medida que iam sendo detidos apanhámos uma diversidade de armas (pistolas, revólveres e uma caçadeira). Quanto à Kalashnikov
Foto tirada no pátio da Gomes Freire a elementos da Central: da esquerda para a direita, o Filipe Luís (O Búfalo, Inspector, aposentado), que não era da nossa brigada mas da do chefe Albertino, o Manuel Catarino, o José Pinheiro, o autor e o Amândio Duarte (o "Caça Brava",hoje IC, que na altura dos factos não era da nossa brigada).
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Memórias & Divagações | A kalashnikov da Central | Luís Dias
foi o “Pilas” (o mais fácil de “abrir”) que nos falou dela, quando eu lhe perguntei quem a tinha e onde estava a espingarda G3 (pensávamos nós que a arma grande que havia sido referida pelas vítimas pudesse ser essa), ele disse-me que achava que a arma era velha, porque tinha coronha em madeira e um carregador curvo. Claro que logo aí se fez luz, a arma deveria ser uma Kalash. Obtida a informação, arrancámos para uma casa no Bairro das Galinheiras, pertencente a um cunhado dele e, no local, vimos que era uma casa de família (gente de trabalho), que nos levaram a um sítio perto da casa onde haviam enterrado a arma devidamente enrolada em plásticos, a pedido do “Pilas”. Tratava-se de uma Kalashnikov, no modelo AKM (mais moderna que a normal AK-47) e em estado impecável (nova). O grupo foi desmantelado, com a detenção de todos os envolvidos, com uma excepção - a do perigoso “Malucão” - que fugiu para Espanha, onde matou uma pessoa, foi preso e cumpriu pena pesada. A arma foi fruto de uma disputa entre a Secção da DL (o titular do processo era o então agente Manuel Pedreiro, recentemente falecido) e a Central (entre a Drª IBM e a Drª Ana Mafalda da SCPC), mas depois do exame laboratorial e com o apoio do Desembargador, Dr. Eduardo Baptista (então Director do DCPI) a arma acabou por ser declarada perdida a favor do Estado e ficar na PJ e a cargo da Central. A kalashnikov ficou em meu nome até sair para Director do DAS, em Janeiro de 2001, em virtude da experiência que tinha adquirido na Guiné com este tipo de armas (cheguei a ter uma). Já anteriormente, mais propriamente em 1976, a Central havia apreendido uma AKM, mas essa reverteu para os militares (???), era outro o sentido da lei e vigoravam outros tempos.
Algumas curiosidades destas acções: uma das violações ocorrida na zona da mata do Monsanto teve como alvos mãe e filha, tendo a viatura onde seguiam sido abandonada muito perto da minha casa e na rua onde morava um colega que chefiava as telecomunicações. Como sabem, nós não temos “grande amor” a violadores e à medida que os íamos prendendo, tínhamos sempre um discurso de esclarecimento, de forma a entenderem melhor os valores porque se rege a sociedade, para que percebessem que aquilo não era um tipo de crime benquisto entre a sociedade em geral e entre polícias em particular. Um deles, de alcunha o “Cocó”, percebeu o sentido dos esclarecimentos sobre violações e a sociedade, mas disse, reiteradamente, que não estava envolvido na violação de que era acusado, sobre uma jovem na zona das Galinheiras e que até lhe tinha dado dinheiro para apanhar um táxi e desaparecer do local, insistindo para que lhe perguntassem se ele tinha participado na violação de que ela fora vítima. Tivemos de falar com a jovem que nos confirmou que aquele “pinta” tinha tido um rasgo de humanidade e não obstante os outros o terem obrigado a fechar-se também com ela no quarto, ele não se aproveitou do facto, pediu-lhe desculpa e lhe deu o dinheiro para apanhar um táxi – é que há gatunos e há violadores. A kalash terá sido adquirida por 50 contos (na moeda antiga) a uns “ciga-
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Memórias & Divagações | A kalashnikov da Central | Luís Dias
nos”, pelo “Malucão”, “Pilas”, “Hilário” e por um elemento que morava na Falagueira, cujo nome já não recordo, mas julgo ser de apelido Duarte (foi o último a ser detido, porque soube da prisão dos outros e andou fugido) e destinava-se a ser usada em assaltos a estações de correio. A kalash passou a ser usada em momentos importantes da nossa Secção, quer em acções preventivas, quer em operações contra grupos ou indivíduos violentos. Em determinados momentos bastou a sua exibição para que não houvesse qualquer reacção contra as operações que estávamos a desencadear (o que era o mais importante), noutros foi os seus disparos que obtiveram o êxito na detenção dos criminosos (recordo a 2ª detenção do “Zé Fugas”, quando nos tentou atropelar com o seu Alfa Romeo e eu disparei dois tiros com a Kalash, um sobre o pneu direito da frente e outro sobre o pneu direito traseiro e o meu colega Catarino um tiro de pistola sobre o pneu da frente do lado esquerdo, o que fez o indivíduo ir embater com a viatura contra um muro da Rua do Arco de Carvalhão e ser recapturado, ainda a troca de tiros com o célebre L. Caamano, o “Espanhol” na zona do Barreiro, etc.).
A Kalashnikov no modelo AKM A Kalashnikov no modelo AKM é o segundo melhoramento soviético, feito a partir de 1959, da original AK-47 (o primeiro foi em 1952). É 0,700 Kg mais leve, tem o aparelho de pontaria aperfeiçoado, um tapa chamas diferente que a equilibra melhor, bem como uma baioneta mais moderna, mas mantém as características da original: simplicidade de operações, robustez, capacidade de trabalhar em condições de pouca limpeza. Manteve alguns problemas já estabelecidos e reconhecidos no modelo original, nomeadamente, não ser, dentro do seu tipo, uma arma muito precisa. Com a alteração que será introduzida nos modelos a partir de 1974 (AK-74), esta situação irá melhorar imenso com o novo adaptador de estampido e de chama (que dizem ser do melhor que há no mercado de armas). É uma das armas mais conhecidas e difundidas mundialmente. Características: Funciona por acção indirecta de gases, com tomada dos mesmos num ponto do cano. • Calibre: 7.62x39mm M43 (soviético) • Peso: 3.6kg • Comprimento: 880mm • Velocidade do Projéctil: 715m/s • Capacidade de tiro: 660 tpm • Alcance Prático: 400 m • Depósito: Carregador metálico, curvo, para 30 munições
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Memórias & Divagações | A austeridade e o Burro | Filipe Pereira
por Filipe Pereira Associado da ASFIC/PJ Inspetor da PJ na Diretoria do Norte
A austeridade e o Burro Certo dia, dois compadres mantinham uma conversa sobre os seus animais. Entretanto, a eles juntou-se um terceiro que vinha montado num burro. Começaram, então, numa “Troika” afiada a falar de como lidar com as dificuldades financeiras que cada um atravessava. A certa altura, o dono do burro queixava-se que se não fosse o fato daquele asnático comer muito, teria o melhor animal da região. Então, rapidamente um dos “troikianos” lhe sugeriu que implementasse medidas de austeridade e fosse retirando a ração ao animal. Parece que o pacto de entendimento ficou logo ali firmado. Dois meses depois, numa feira das redondezas, os “troikianos” encontraram-se por acaso. Para espanto dos dois compadres, o outro compadre, dono do burro, caminhava tristemente na direção deles. A pergunta era inevitável: “ então compadre? Onde está o seu belo animal?!” A resposta foi imediata: “Morreu!” Retorquiram os outros dois em uníssono: “como assim?!” “Então, compadres, não dá para acreditar… logo agora que o animal não me dava despesa, não é que me foi morrer!” Esta pequena piada acaba por me fazer lembrar o que se passa um pouco pelo mundo fora e, mais concretamente, em Portugal. Aos poucos, os portugueses em geral vão sendo “emagrecidos” com dietas quase loucas e pouco recomendáveis, que nos podem conduzir a uma morte lenta e dolorosa. Os cortes de vencimentos, de subsídios, com os custos reais de vida a aumentarem dia para dia, podem ser o presságio de uma morte anunciada. Portugal está à beira do abismo, se calhar o próprio projeto de construção Europeia está severamente comprometido, as vozes fazem-se ouvir bem alto e os alertas parecem apenas chegar como ruídos de fundo a quem não consegue ver que, para lá da austeridade, existem pessoas, famílias e o direito a viverem felizes e com dignidade. O investigador e sociólogo António Barreto disse recentemente que “Portugal pode deixar de existir enquanto nação”. "A verdade é que se escondeu informação e se enganou a opinião pública. A acreditar nos dirigentes nacionais, vivíamos, há quatro ou cinco anos, um confortável desafogo". Depois de uma situação que permitia "fazer planos de grande dimensão e enorme ambição", passou-se, "em pouco tempo, num punhado de anos", a uma "situação de iminente falência e de quase bancarrota imediata". (sic) Ao contrário desta pequena estória, as pessoas, que não são burras, começam a desacreditar naqueles que, durante anos, os empurraram até ao precipício. Estas pessoas, que somos nós e não os outros, não vão deixar de acreditar no valor que cada um representa para a sociedade e suas famílias e, assim, deixar de lutar por um futuro melhor.
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Memória, Ficções e Divagações | A austeridade e o Burro | Filipe Pereira
Mas pior, que tudo isso, é querer fazer mais a uns de que a outros e, quando são cometidas injustiças, ai o povo, esmagado contra um muro de betão, revolta-se! Lembro-me da figura do sapateiro no filme a canção de Lisboa, realizado em 1933, que falava com o ator António Silva (o alfaiate) e dizia, “ou há moralidade ou comem todos!”. Ao fim de tantos anos, parece que as pessoas esqueceram a moralidade e, dentro das medidas de “austeridade”, vão sendo criados regimes de exceção para alguns. Parece que a austeridade não se satisfaz a ela mesma, devora as pessoas por dentro e agora quer devorá-las por fora. As barreiras sociais vão sendo intensificadas e agudizam-se as injustiças. Aquilo que assistimos hoje é a uma Europa dominada centralmente pela Alemanha que, quanto a mim, perigosamente, faz-me lembrar outros tempos e outras figuras do poder Alemão que procuravam dominar a Europa com fundamentos racialistas e que enveredaram numa cruzada que a história não pode esquecer. Se antes se dizimavam vidas com ideologias hediondas, hoje tentam expurgar, das vidas deles, aqueles que, até por conjunturas ou tradições, parecem não ser iguais a eles. Todos os povos têm modos de vida muito próprios e aqui não se trata apenas de pagar o justo pelo pecador.
Porque me pergunto, várias vezes, o que seria da Alemanha sem o consumo daqueles que agora acusam de viver para além das suas possibilidades. Porque, por mero exemplo, não bateram o pé a Portugal ou à Grécia quando estes assinaram contratos megalómanos para a compra de submarinos?! Exigem-nos agora sacrifícios para pagar as dívidas que “os outros” contraíram em nosso nome. Mais uma vez a moralidade devia ser imperativa!
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Memória, Ficções e Divagações | A austeridade | Arnaldo Silva
por Arnaldo Silva Associado da ASFIC/PJ Inspetor Chefe na Diretoria do Norte
A austeridade O país vive momentos de grande austeridade, onde se vê, por parte dos nossos ilustres governantes, uma preocupação, preocupante, sobre matérias que dizem respeito ao modus vivendi, que nos foi oferecido pelos governantes anteriores. Os funcionários públicos em geral, e os polícias em particular, viram de forma abrupta e sem qualquer nota de aviso prévio, alterados um conjunto de direitos, que deixaram de ser adquiridos. Os seus vencimentos, por lei deveriam ser inalienáveis, passaram a ser alienáveis. Os princípios legais para o acesso às reformas ou à disponibilidade foram alterados sem discussão prévia. Os impostos foram aumentando lentamente, mas dolorosamente. As carreiras foram constantemente violadas e congeladas. Os concursos de progressão nas carreiras foram ora abruptamente interrompidos, ora congelados. As condições de trabalho foram-se deteriorando, em consequência dos apertos orçamentais. Mas, as pressões estatísticas, a qualidade do trabalho e as exigências, essas sim foram aumentando. É evidente que a austeridade passa por todos, perdão, por uma grande maioria, sim porque há muito boa gente que isso de austeridade é conversa fiada e barata. E em consequência, ou não, aqui deveremos esperar pelas opiniões duns quantos ilustres intelectuais para se poder concluir que o aumento da criminalidade está interligado com a austeridade. Contudo, irei arriscar, e afirmo que a austeridade, além de outras consequências nefastas para a nossa sociedade, também tem consequências diretas sobre o aumento da criminalidade. Já estou a ouvir risos, olhares incriminadores duns quantos especialistas em macro economia, sim esses que nos levaram quase à Banca Rota, e duns quantos especialistas em criminalidade, com cursos tirados no Bairro do Aleixo, já agora agradeço publicamente ao Rui Rio por o deitar abaixo, e outros Bairros ou Guetos existentes por esse nosso belo país à Beira Mar plantado. Ao falar em Guetos, sim eles existem no nosso país, levou-me, a um belo momento de reflexão, e então refleti sobre o aumento da idade da reforma para os polícias em geral e em particular para os investigadores da Polícia Judiciária. Depois de muitas análises, correlações e algumas sínteses, cheguei à conclusão que daqui a uns 20 anos vai ser divertido ver uma atuação da Polícia Judiciária, num desse Guetos espalhados pelo nosso país.
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Memórias & Divagações | A austeridade | Arnaldo Silva
Vamos então pedir a qualquer Estação de Televisão para filmar essas operações e teremos, com certeza, um belo filme que ombreará com qualquer filme dramático ou cómico realizado por Frederico Fellini e ombreará com a dinâmica de qualquer filme do nosso centenário realizador Manuel de Oliveira, que aproveito este momento para o saudar e desejar-lhe uma longa vida. (Estou bastante bairrista, ele é o Rui Rio ele é o Manuel de Oliveira, quando tal estou a falar nas vitórias do F.C.P.) É esta a dinâmica que nos espera daqui a 20 anos. Os carros da Polícia Judiciária a irromperem por dentro desses Guetos em grande velocidade, na penumbra do nascer do dia, veremos as portas a serem abertas muito lentamente e com alguma dificuldade os elementos da P.J. sairão das viaturas, enquanto os delinquentes, esses sim em grande velocidade, sairão sem qualquer oposição. Perante estes novos factos, os treinos operacionais dos futuros Inspetores da P.J. terão de ser totalmente adequados, porque terão que ser eles os mais novos que irão ter a incumbência, em primeiro lugar, de ajudar a retirar os mais velhos de dentro das viaturas policiais e só depois, avançarem sem medos para os locais de ação, sim sem medos, até porque quem eles foram procurar, já tiveram todo o tempo do mundo para se irem embora. Não vos ocupo mais tempo, até porque o tempo é dinheiro, e isso é o que mais nos falta, mas uma coisa é certa e algo está errado, porque eu com 53 anos incompletos já sou um dos mais antigos desta nossa Polícia Judiciária, merece, talvez, uma reflexão, e eu, uma vez mais arriscando direi, não será que todos que aqui trabalham há mais de 30 anos, querem trocar o certo pelo cada vez mais incerto, embora esta troca implica, saudade e tristeza. Até porque os mais novos só sairão quando tiverem 60 ou talvez 65 anos. E assim, termino, prometendo que não falo mais do Norte, porque o problema não é regional, mas sim nacional. Já agora, viva a austeridade!!!
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Memórias & Divagações | Jack the Ripper e Jack the Stripper | Carlos Pinto de Abreu
por Carlos Pinto de Abreu Advogado
Jack the Ripper e Jack the Stripper Jack the Ripper. O caso mais mediático de um serial killer, de um homicida em série1, nunca identificado2 será muito provavelmente o do indivíduo ao qual foi atribuído o pseudónimo Jack the Ripper3 ― em português, Jack o Estripador ― na sequência de uma carta assinada com esse nome e na qual se presume ter sido feita referência a um dos crimes que viria a cometer. A ele são imputados pelo menos os homicídios de várias prostitutas na zona de Whitechapel em Londres no ano de 1888. Tal como no caso do Assassino do Machado de Austin (publicado na MO4), associa-se a um único autor a prática de vários crimes com características semelhantes. De facto, para além de um padrão quanto à identidade e localização geográfica das vítimas, verifica-se a existência de traços comuns quanto ao modus operandi: os corpos apresentavam mutilações, sendo que as gargantas da maior parte das vítimas haviam sido esfaqueadas e, em três casos, os órgãos internos haviam sido removidos. Os ficheiros da Polícia Metropolitana revelam, na verdade, que caberiam no âmbito da mesma investigação onze assassínios separados, praticados em Whitechapel entre 1888 e 1891. Se assim é, apenas cinco dos homicídios são, porém, considerados quase universalmente como a obra de um único assassino, Foto retirada da Wikipedia: the sites of the first seven Whitechapel murders –Osborn sendo designados colectivamente Street (centre right), George Yard (centre left),Hanbury Street (top), Buck's Row (far right), como os ‘assassínios canónicos’. Berner Street (bottom right), Mitre Square (bottom left), and Dorset Street (middle left) Quanto a estes cinco crimes, verificam-se vários aspectos comuns. A primeira vítima, Mary Ann Nichols, alcunhada de "Polly", apresentaria dois cortes na garganta, assim como várias incisões do lado direito do corpo realizadas violentamente com um faca, uma das quais revelando amplamente o abdómen. A segunda, Annie Chapman, também revelaria cortes ao nível da garganta e do abdómen, tendo-se descoberto posteriormente que o seu útero havia sido retirado. Seguidamente e no mesmo dia apareceriam mortas mais duas mulheres, no que se viria a denominar o “duplo evento”. Uma, Elizabeth Stride, mostraria igualmente uma incisão no pescoço, tendo-se atribuído a causa da sua 1
Cfr. http://crime.about.com/od/serial/Serial_Killers_and_Mass_Murderers.htm Ver a lista em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_serial_killers_by_country#Unidentified_serial_killers 3 Cfr. http://www.trutv.com/library/crime/serial_killers/ e http://www.trutv.com/library/crime/serial_killers/notorious/ripper/index_1.html 2
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Foto retirada da Wikipedia: "With the Vigilance Committee in the East End: A Suspicious Character" from The Illustrated London News, 13 October 1888
morte à perda de sangue resultante do corte da artéria do lado esquerdo. Neste caso, porém, não havia mutilação do abdómen, o que levaria a alguma incerteza inicial quanto à atribuição ao mesmo indivíduo deste homicídio. A outra, Catherine Eddowes, a quarta vítima, revelava porém exactamente os mesmos sinais que as anteriores vítimas, sendo que o rim esquerdo e a maior parte do útero haviam sido retirados. Mary Jane Kelly seria a última vítima desta série, tendo-se descoberto o seu corpo largamente mutilado e do qual haviam sido retirados vários órgãos, incluindo o coração. Havia outros aspectos coincidentes nestes cinco crimes. Eram geralmente perpetrados durante a noite e no fim-de-semana ou perto dele, em local esconso, mas de acesso público, no final do mês, ou na semana seguinte.
No entanto, também havia diferenças em todos os casos. Eddowes, por exemplo, seria a única a ser morta dentro da City. Nichols, por outro lado, seria a única a ser encontrada em plena rua, embora se tratasse de uma viela escura e abandonada. Parece, aliás, que a demarcação destes cinco crimes relativamente a outros não será necessariamente resultante apenas da sua relativa semelhança no quadro de vários crimes praticados na mesma época, mas do facto de se ter seguido a autoridade, por um lado, do director do departamento de investigação criminal de Londres, em cujas notas apareceria a ideia de que "o assassino de Whitechapel fez cinco vítimas — e apenas cinco”, e, por outro, a de um cirurgião afecto aos casos, que viria a ligá-los entre si. Na verdade, verificar-se-ia um grande número de ataques a mulheres4 nesta altura, sendo difícil estabelecer-se com algum grau de certeza uma ligação entre os mesmos e a sua imputação a um mesmo autor. Seis outros assassínios praticados em Whitechapel seriam associados, em todo o caso, e pela polícia, aos cinco “canónicos”, sendo que alguns elementos da investigação, assim como outras figuras, viriam a atribuir alguns deles a Jack o Estripador. Dois desses casos eram anteriores: Emma Elizabeth Smith, sobrevivente inicial a um ataque durante o qual lhe fora colocado um objecto cortante na vagina, dissera à polícia ter sido atacada por dois ou três homens, tendo morrido pouco depois. Martha Tabram, por sua vez, morrera em consequência de 39 facadas. O padrão de cortes no pescoço verificado nos outros crimes não se verificava nestes, mas mesmo assim a proximidade geográfica e no tempo da prática dos crimes permitia que fossem agrupados com os outros. Os outros quatro revelariam também significativas diferenças de procedimento. Um dos mais próximos seria o de Alice McKenzie, que morreria em virtude de lhe ter sido cortada a carótida esquerda e revelaria vários outros cortes menores ao longo do corpo. Neste caso, verificar-se-iam mesmo assim diferenças de entendimento quanto à imputação a Jack o Estripador do crime, sendo que viria a especular-se da possibilidade de um outro assassino 4
Vale a pena consultar o Inquérito Nacional sobre Violência de Género, um estudo coordenado pelo Professor Manuel Lisboa, em http://www.unl.pt/investigacao/em-foco/violencia-de-genero-1 5 Cfr. http://www.uplink.com.au/lawlibrary/Documents/Docs/Doc5.html 6 Ler a entrevista e consultar os links em http://www.casebook.org/authors/interviews/int-dr.html 7 Ver a foto e a história do primeiro profiler http://photos.casebook.org/displayimage.php?album=62&pos=2 8 Conhecer outros profilers em http://en.wikipedia.org/wiki/Offender_profiling
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se querer aproveitar da publicidade em torno dos casos anteriores e de ter tentado imitar o padrão5 conhecido para passar responsabilidades para esse homicida anónimo. Em condição semelhante seria encontrada Frances Coles. Alguns cortes observados ao longo da sua nuca e costas eram sugestivos de que teria sido violentamente atirada para o chão e arrastada antes de lhe ter sido cortado o pescoço. Não sofrera, no entanto, quaisquer mutilações no corpo. Diferentemente destes dois casos de incisão no pescoço, Rose Mylett seria estrangulada "com uma corda atada à volta do pescoço". Seriam entretanto descobertos também dois troncos de mulheres na rua, os quais gerariam renovada especulação quanto à acção de Jack o Estripador. Uma vez que o modus operandi nestes casos era diferente, o escritor Don Rumbelow6 tem posto de lado qualquer ligação com Jack o Estripador. Os processos policiais relativos aos assassínios de Whitechapel permitem uma análise detalhada do procedimento de investigação no tempo vitoriano. Uma grande equipa de polícias realizou inquéritos casa a casa, elaborou listas de suspeitos e entrevistou uma grande quantidade deles, tendo-se ainda recolhido material forense. Por outro lado, devido em parte à insatisfação verificada quanto aos esforços policiais, um grupo de cidadãos que se auto denominou Comité de Vigilância de Whitechapel veio a patrulhar as ruas de Londres em busca de pessoas com carácter suspeito, enviou uma petição ao governo para que oferecesse uma recompensa relativa a qualquer informação que pudesse ajudar à identificação do assassino, e contratou mesmo detectives privados para que realizassem inquéritos a testemunhas independentemente dos realizados perante a polícia. Depois dos homicídios de Elizabeth Stride e Catherine Eddowes, a polícia realizou buscas na área do crime num esforço para localizar um suspeito, testemunhas ou provas. Foi encontrado um escrito em giz branco numa parede, descrito em termos diferentes, e que numa das versões relatadas diria que "Não é por nada que os judeus são os homens que serão culpabilizados." No entanto, no ambiente de forte sentimento anti-semita da época, a polícia, temendo uma reacção, viria a apagar a mensagem. É relevante registar, em matéria de processo de investigação, que a importância crescente das ciências médicas nesta época levava a um cada vez maior envolvimento de patologistas no mesmo. O trabalho que a maior parte deles desenvolviam era sobretudo um: a consideração dos autores dos crimes como desprovidos de sanidade mental. Não surpreenderá portanto o facto de durante a década de 1880 vários agentes de saúde terem vindo a considerar apropriado emitir a sua opinião quanto às características dos autores dos crimes em casos concretos. O mesmo se passaria precisamente quanto aos casos de Whitechapel, possuindo-se por exemplo a seguinte opinião do cirurgião da polícia, Thomas Bond7, que ligaria especificamente os cinco casos “canónicos” e que é tido por alguns especialistas como o primeiro profiler ou “perfilador” criminal8:
Foto retirada da Wikipedia: official police photograph of Mary Kelly'smurder scene in 13 Miller's Court
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"Os cinco homicídios foram certamente todos cometidos pela mesma mão. Nos primeiros quatro, as gargantas parecem ter sido cortadas da esquerda para a direita. No último, devido à extensa mutilação, é impossível dizer em que direcção foi perpetrado o corte fatal, mas foi encontrado o sangue na parede perto do local onde terá estado a cabeça da mulher. Todas as circunstâncias dos vários crimes levam-me a formar a opinião de que as mulheres terão estado deitadas quando foram assassinadas e que em todos os casos a garganta foi cortada primeiro." Thomas Bond opunha-se fortemente à ideia de que o assassino possuísse qualquer tipo de conhecimento científico ou anatómico, ou mesmo "o conhecimento técnico de um talhante ou de um matador de cavalos". Na sua opinião, seria um homem de hábitos solitários, sujeito a "pulsões periódicas de manias homicidas e eróticas". Se era esta a sua ideia, tem-se no entanto afirmado categoricamente, em sentido contrário, que ele tinha conhecimentos médicos e que era canhoto, tendo em consideração a sua prática de remoção de órgãos e a direcção tomada nos golpes desferidos às suas vítimas. Num sentido como no outro, porém, era sentida a noção da possibilidade de identificação de padrões de acção criminosa, tal como já se concluíra no caso do Assassino do Machado de Austin. Mudando de agulha e passando da história para a ficção, não perca a leitura do excelente e divertido romance de Jô Soares, O Xangô de Baker Street.9 Jack the Stripper. A designação Jack the Ripper esteve na origem da de Jack the Stripper (ou Jack o Despidor) atribuída ao autor de uma série de crimes ocorridos em Londres (na zona de Hammersmith) entre 1964 e 1965 e com características semelhantes às dos cometidos por Jack o Estripador. Mais uma vez as vítimas eram prostitutas, sendo que neste caso os corpos eram encontrados nus, com excepção das meias. Ao todo, segundo as contagens, seriam seis, ou teriam chegado a oito, as suas vítimas ― dependendo da atribuição ou não ao mesmo indivíduo de dois homicídios com um modus operandi distinto do dos outros. As vítimas cuja morte é geralmente imputada ao mesmo assassino sem grandes hesitações, Hannah Tailford, Irene Lockwood, Helene Barthelemy, Mary Flemming, Margaret McGowan, e Bridget "Bridie" O'Hara, seriam todas encontradas em condições semelhantes. Haviam sido assassinadas por asfixia, estrangulamento ou afogamento. A todas faltavam um ou mais dentes. Alguns dos corpos haviam sido guardados em locais de calor intenso, sendo que quatro dos mesmos mostravam marcas de tinta aplicada sob a forma de spray. Os dois casos incertos, relativos às prostitutas Elizabeth Figg e Gwyneth Rees, caracterizam-se pelo facto de terem envolvido estrangulamento manual e de os corpos das vítimas terem sido encontrados no Tamisa. O Superintendente-Chefe John Du Rose10 da Polícia Metropolitana, que conhecemos melhor como Scotland Yard11, o detective responsável pelo caso, entrevistaria quase 7.000 suspeitos e enviaria centenas de detectives a visitar garagens e fábricas seguindo a pista da tinta em spray. Viria finalmente a anunciar publicamente que havia reduzido o número de suspeitos a 20 homens, seguidamente a 10 e finalmente a 3, dando a entender a rápida resolução do caso. Não se verificaram mais mortes depois da primeira conferência de imprensa convocada. Na sequência da investigação, viria a estabelecer-se elementos de contacto entre as próprias vítimas. Duas delas — Hannah Tailford e Francis Brown — estavam perifericamente relacionadas como o Caso Profumo12 de 1963, um escândalo político no Reino Unido relacionado com o Secretário de Estado da Guerra, John Profumo, que tivera uma relação com uma showgirl, supostamente amante de um espião russo conhecido. Todos os indivíduos relacionados com o escândalo seriam questionados, tendo-se porém eliminado qualquer relação com o mesmo. Por outro lado, algumas das vítimas participavam no meio da filmografia pornográfica, pelo que se tem apontado a possibilidade de as vítimas se conhecerem e de o homicida ter algum contacto com o meio também. Tal como nos casos do Assassino do Machado de Austin (publicado na MO4) e de Jack o Estripador, os homicídios ocorreram durante um período limitado de tempo, não tendo sido descobertos indícios suficientes para identificação do autor dos crimes. Mesmo assim, seria descoberto o local onde haviam sido guardados os corpos de Helene Barthelemy e Bridget "Bridie" O'Hara, e que era próximo de uma loja de tintas e nas traseiras de
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Pode encontrar o livro numa tradução portuguesa e o texto em http://www.scribd.com/doc/8003016/JSoares-O-Xangde-Backer-Street Ver foto em http://www.trutv.com/library/crime/serial_killers/unsolved/jack_the_stripper/10.html 11 Cfr. http://www.met.police.uk/ 12 Ler mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Profumo_Affair 10
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uma fábrica em Acton. Du Rose, passado já algum tempo sobre o último crime, quando parecia não vir a repetir-se mais nenhuma situação criminosa, procederia então a uma investigação de todas as situações de suicídio, morte acidental ou prisão ocorridas em Londres, na busca de alguma pista que permitisse uma relação dos indivíduos envolvidos com os casos ocorridos. Seria dado como suspeito principal um homem de 45 anos ao qual viria a ser dado um pseudónimo, Mungo Ireland, para protecção dos sentimentos dos familiares. Esse homem trabalhara de facto como guarda em Acton, estando incluída nas suas rondas a loja de tintas próxima do local onde haviam sido escondidos os corpos depois dos crimes. Não seriam encontrados indícios fortes que permitissem atriFoto retirada da Wikipedia: speculation as to the identity of Jack the Ripper: cover of the 21 Sepbuir-lhe os homicítember 1889, issue of Puck magazine, by cartoonist Tom Merry dios, mas a verdade é que ele se suicidara logo após a descoberta do corpo de Bridie, tendo deixado uma nota na qual deixava a ideia, incompreensível para os seus mais próximos, de que “estava incapaz de continuar a aguentar a pressão.” Até hoje, mesmo tendo em conta o tempo decorrido, não surgiu qualquer pista válida que permitisse o relançamento das investigações ou o esclarecimento do caso. Infelizmente, também Portugal13 tem o seu serial killer nunca, até hoje, descoberto. 13
Ler em http://en.wikipedia.org/wiki/Lisbon_Ripper
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Foto retirada da Wikipedia: Newspaper broadsheet referring to the killer as "Leather Apron", September 1888
PUB Pedro Badoni
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Co fundador
DEATHCLEAN Um serviço especializado de limpeza pioneiro em Portugal. “São uma equipa de investigadores de cena do crime…?” - Esta é a primeira pergunta que nos colocam quando os nossos elementos entram em acção. Uma questão completamente legítima e natural tendo em conta que possuímos equipamento de protecção individual idêntico ao usado pelos investigadores que anteriormente estiveram presentes no local. Nós somos, sim, uma equipa altamente treinada e especializada para efectuar a limpeza do cenário de crime ou de trauma, restaurando o local como ele se encontrava anteriormente, sem contaminação e vestígios do que sucedeu, logo após a saída dos investigadores. A Deathclean nasceu em 2008 devido à carência, no mercado nacional, de uma empresa especializada nesta área. Intervimos não só na limpeza e desinfecção de locais de crime bem como em locais de trauma onde ocorreram suicídios e mortes acidentais. Rumámos aos Estados Unidos onde recebemos treino e formação certificada de nível federal em Crime & Trauma Scene Decontamination Specialist Course, inovando o mercado nacional ao criar a primeira equipa certificada para a limpeza de locais contaminados com sangue e fluidos corporais onde a presença de vírus e bactérias é constante. Desde então a Deathclean tem vindo a ajudar imensas famílias portuguesas num dos piores momentos das suas vidas, evitando que as mesmas se exponham fisicamente e psicologicamente aos riscos presentes e ao trauma posterior que irá originar devido à sua intervenção na limpeza do local da morte do seu familiar. Bem gostaríamos de ajudar mais famílias, mas para tal, será necessário que os nossos governantes dêem a devida importância a este tipo de limpeza especializada, ajudando as famílias mais carenciadas que não podem contratar um serviço deste nível, pois todos os locais “post mortem” deviam de ser alvo de uma limpeza efectuada por empresas com formação e certificação técnica e não apenas pelos seus familiares e/ou empresas de limpeza domésticas sem formação na área. Sentimos que, apesar de algumas forças policiais e de investigação já reconhecerem a diferença no nosso trabalho, poderíamos trabalhar em linha paralela com as mesmas, intervindo logo após a respectiva investigação. Cremos que a mudança está para breve, pois quem presta serviços profissionais a este nível tende a ser reconhecido e necessário à sociedade. Nos Estados Unidos este tipo de empresas existem sensivelmente desde 1995. Para quando Portugal irá reconhecer a necessidade da presença de empresas como a Deathclean, regulamentando esta nova indústria, evitando assim a propagação de doenças e epidemias, bem como os traumas psicológicos de quem, sem preparação, lida com estes dramáticos cenários? Acreditamos que, com a nossa existência e com o reconhecimento do nosso “diferente” trabalho, será em breve. Até lá….aqui estaremos, sempre a inovar e a apresentar um trabalho de excelência.
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