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Capítulo 8 Aproveite sem possuir

Ese lhe oferecessem a Mona Lisa — mas com a condição de que você nunca pudesse vendê-la? Claro, você teria a oportunidade de admirar um quadro deslumbrante 24 horas por dia, mas, de uma hora para a outra, a responsabilidade por um dos maiores tesouros da humanidade recairia sobre seus ombros. Não seria uma tarefa simples mantê-lo seguro contra roubo, livre de pó e de sujeira, protegido da luz do sol e armazenado na temperatura e na umidade ideais. Sem dúvida, você também teria de lidar com um fluxo constante de amantes da arte querendo ver o quadro. O mais provável é que todo o prazer que você obtivesse pela posse fosse usurpado pelo peso do cuidado e da manutenção. É provável que não demorasse muito para que o sorriso misterioso deixasse de ser encantador. Pensando bem, obrigado, mas não, obrigado — vamos deixá-lo no Louvre mesmo! Na sociedade moderna, somos incrivelmente sortudos por ter acesso a muitas obras-primas da humanidade — e, claro, sem que tenhamos de adquiri-las ou de cuidar delas. As cidades são fontes tão impressionantes de arte, cultura e entretenimento que não precisamos criar imitações artificiais delas entre quatro paredes. Aprendi essa lição anos atrás, quando tinha acabado de sair da faculdade. Eu havia estudado história da arte e trabalhado em meio período numa galeria de arte contemporânea. Visitei dezenas de exposições, li dúzias de monografias e me via como uma grande especialista. Assim, quando tive a oportunidade de adquirir uma gravura de um artista famoso, fiz a transação o mais rápido possível. Foi um grande passo na minha juventude — eu estava a caminho de me tornar uma colecionadora de arte. O prazer da aquisição diminuiu um pouco quando me deparei com a responsabilidade (e o custo) de enquadrar a gravura de forma adequada. Depois, precisei resolver o problema de onde exibi-la. Naturalmente, eu não tinha parado

para pensar se uma obra de arte moderna combinaria com o meu apartamento antiguinho. Nem tinha considerado questões como iluminação, brilho e campo de visão. No fim, me decidi por um lugar de honra em cima da lareira. Embora conflitasse um pouco com o ladrilho vintage, eu queria que a gravura fosse a peça central da decoração (afinal, ela tinha sido bem cara!). Depois que resolvi essas questões, finalmente pude parar para admirar meu tesouro. Imagine qual não foi a minha surpresa quando, um belo dia, avistei um enorme inseto preto, bem no meio da minha preciosa gravura! Não consegui entender como ele tinha entrado embaixo do vidro da moldura profissional, mas não havia nada que eu pudesse fazer senão deixá-lo lá. Mesmo assim, eu a exibia com orgulho — e embrulhei-a e carreguei-a comigo com cuidado quando me mudei. O contrato do meu novo apartamento proibia quadros na parede, então a gravura conquistou um novo posto menos glamoroso no chão. Depois de muitas mudanças de lugar, fui perdendo o entusiasmo para arrastá-la de um lado para o outro e para encontrar onde colocá-la. Ela passou cinco anos coberta por plástico-bolha e enfiada num armário até que finalmente a vendi. A partir de então, decidi deixar a arte aos cuidados dos museus e desfrutar dela em meu tempo livre. Na verdade, encontrar formas de “aproveitar sem possuir” é um dos segredos de uma casa minimalista. Por exemplo: aquelas máquinas de cappuccino que juntam pó no armário da cozinha. Em tese, parece conveniente (e um tanto quanto decadente) poder fazer uma xícara fumegante de café cremoso no conforto do lar. No entanto, é trabalhoso retirar, montar e limpar a geringonça quando terminamos, e, além disso, a bebida nunca parece ter um gosto muito bom. Sabe-se lá por quê, ela é menos especial quando podemos tê-la a qualquer momento. Depois de brincar de barista algumas vezes, nos damos conta de que é mais prazeroso ir ao café do bairro e desfrutar de seu ambiente aconchegante enquanto tomamos nossa bebida. Ao buscar um estilo de vida minimalista, precisamos resistir à tentação de recriar o mundo exterior dentro de casa. Em vez de comprar equipamentos para montar um home theater, uma academia caseira ou um quintal com cara de resort, por que não ter uma noite divertida no cinema, fazer uma caminhada ou então ir ao parque do seu bairro? Assim, você poderá aproveitar

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essas atividades quando sentir vontade — sem precisar armazenar e cuidar de todas aquelas coisas. Se você acha que tem a tendência de comprar coisas “bonitinhas”, repita seu novo mantra “Aproveite sem possuir” quando for às compras. Admire a delicadeza de bibelôs de vidro, o metal trabalhado de um bracelete antigo ou as cores vibrantes de um vaso artesanal — mas, em vez de levá-los para casa, deixe-os na vitrine. Pense nisso como um passeio ao museu: uma oportunidade de admirar a beleza e o design de objetos bem-feitos, sem a possibilidade (ou a pressão) da posse. Eu faço o mesmo quando vejo coisas bonitas na internet e, para ser sincera, fico tão satisfeita em apenas olhar para as imagens quanto ficaria em possuir as peças. Na luta para nos tornarmos minimalistas, precisamos reduzir a quantidade de coisas em casa que exigem cuidado e atenção. Felizmente, temos muitas oportunidades para fazer isso — é simples: basta transferir alguns de nossos prazeres e atividades para a esfera pública. E essa ação gera um efeito colateral maravilhoso. Quando vamos a parques, museus, cinemas e cafés em vez de tentar recriar experiências parecidas dentro de casa, nos tornamos cidadãos melhores, muito mais ativos socialmente. Ao derrubar os muros de objetos ao nosso redor, podemos sair para o mundo e desfrutar de experiências mais revigorantes, mais diretas e mais recompensadoras.

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