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Capítulo 9 O prazer do suficiente

Ofilósofo chinês LaoZi, autor do Tao te ching, escreveu: “É rico aquele que sabe que tem o suficiente”. Suficiente — conceito escorregadio esse. O que é suficiente para um é pouco para outro e demais para um terceiro. A maioria de nós concorda que tem comida, água, roupas e refúgio suficientes para atender às necessidades básicas. E todos que estão lendo este livro provavelmente acham que têm coisas suficientes. E por que sentimos a necessidade de comprar e possuir mais? Vamos investigar a palavra “suficiente” com um pouco mais de atenção. O dicionário a define como “adequado para a vontade ou a necessidade; o bastante para o propósito ou para satisfazer o desejo”. Ah, aí está o problema: ainda que tenhamos satisfeito nossas necessidades, resta a questão dos desejos e vontades. Para sentirmos o prazer do “suficiente”, é nele que precisamos focar. No fundo, é bem simples: felicidade é querer aquilo que se tem. Quando seus desejos são satisfeitos pelas coisas que você tem, não há necessidade de adquirir mais. Mas as vontades podem ser incômodas e, para controlá-las, precisamos entender o que as move. Vamos imaginar que vivemos no meio do nada, sem acesso à televisão ou à internet e sem assinaturas de revistas ou jornais. Podemos levar uma vida simples, mas estamos perfeitamente satisfeitos com aquilo que temos. Estamos aquecidos, bem alimentados e protegidos dos fenômenos da natureza. Em poucas palavras, temos o suficiente. Então, um belo dia, uma família constrói uma casa ao lado da nossa; ela é maior e cheia de outras coisas. Nosso suficiente não parece mais tão suficiente. Nisso, outras famílias se mudam para lá, com todo tipo diferente de casas, carros e coisas; caramba, nunca soubemos quantas coisas nós não tínhamos! Uma conexão por satélite nos traz a TV e a internet, e passamos a espiar a vida luxuosa dos ricos e famosos. Continuamos tendo as mesmas posses de antes — com

as quais, até então, nos sentíamos perfeitamente satisfeitos —, mas, agora, não conseguimos deixar de nos sentir necessitados. O que aconteceu? Tornamo-nos vítimas do clássico dilema da “grama do vizinho”. De repente, não estamos medindo nosso “suficiente” em termos objetivos (nossa casa é suficiente para a nossa família?), mas sim em termos relativos (nossa casa é tão bonita, grande ou nova quanto a do vizinho?). Pior ainda é que o problema se complica porque o padrão sempre muda: quando chegamos ao padrão do vizinho, nos focamos no vizinho seguinte. Temos de admitir: sempre vai haver alguém que tem mais do que nós. Portanto, a não ser que acreditemos na possibilidade de nos tornarmos as pessoas mais ricas do mundo, é muito fútil definir nossa “riqueza” com base na de outras pessoas. O engraçado é que nem mesmo os bilionários são imunes ao fenômeno; todos sabem que eles tentam superar uns aos outros no tamanho de seus iates. Se o contentamento com as coisas é inalcançável mesmo nas classes mais altas, então de que ele adianta? A verdade é que depois que atendemos as nossas necessidades básicas, a felicidade tem pouco a ver com a quantidade de coisas que possuímos. A partir desse ponto, a pouca utilidade (ou satisfação) que resulta do consumo de outros bens diminui rapidamente e, atingindo o que os economistas chamam de “ponto de saciedade”, pode se tornar negativa. (Talvez esse seja o motivo pelo qual você está lendo este livro!) É por isso que “mais” nem sempre nos satisfaz — e, em alguns casos, nos torna ainda menos felizes. Portanto, a prática consumista de tentar ser melhor do que o outro é um jogo ingrato; os únicos vencedores são as empresas que vendem os produtos. Seríamos pessoas mais felizes, relaxadas e satisfeitas de verdade se nos dissociássemos completamente dessa incessante busca por “mais”. Cultivar uma postura de gratidão leva a um estilo de vida muito mais minimalista. Se reconhecermos a abundância em nossa vida e valorizarmos aquilo que temos, não vamos desejar mais. Nós precisamos apenas focar no que temos, e não naquilo que não temos. Para fazer comparações, precisamos olhar globalmente, e não apenas localmente; precisamos olhar não só para o alto da pirâmide, mas também para a base. Por mais que nos sintamos desfavorecidos em relação aos mais ricos de nosso país, vivemos como reis em comparação a muitos outros ao redor do mundo.

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Eu costumava me sentir insatisfeita porque minha casa tinha apenas um banheiro. Que inconveniente quando a natureza chama e outra pessoa está tomando banho! Que constrangedor ter de dividi-lo com os hóspedes! Até que, um belo dia, caiu em minhas mãos um livro maravilhoso: Material World: a Global Family Portrait [Mundo material: Um retrato familiar global], de Peter Menzel. Ele apresentava famílias “comuns” de todo o mundo, fotografadas diante de suas casas e com todas as suas posses em volta delas. Se você já se sentiu minimamente desfavorecido, folheie esse livro — ele abre os olhos para o quão pouco algumas pessoas possuem. Isso mudou a minha perspectiva a respeito da relativa “riqueza” que possuo e me fez ver a sorte que tenho por ter um só banheiro que seja! Agora que compreendemos melhor a nossa posição no mundo (e não apenas em comparação às celebridades ou aos vizinhos), vamos concluir a discussão sobre o “suficiente” com um pequeno exercício. É muito simples; você só vai precisar de papel e caneta (ou de um computador, se preferir). Está pronto? Ande pela casa e faça uma lista de tudo o que possui. Sei que você está olhando incrédulo para esta página, mas não, não estou brincando. Faça uma lista de todos os livros, pratos, garfos, camisetas, sapatos, lençóis, canetas, quinquilharias — em resumo, de todos os objetos — que habitam sua casa. Muito difícil? Tente reduzir para apenas um quarto, então. Ainda assim você não consegue? Que tal só uma gaveta? É impressionante, não? E você continua achando que não tem o suficiente?

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