Nesta edição... Por um jornalismo libertino “A melhor lei de imprensa é aquela que não existe”, disse o mucho loco Presidente do Uruguai, José Mujica, em entrevista à revista Veja. As palavras do estadista mais transado do MERCOSUL, um ex-guerrilheiro que dirige um Fusca e doa 90% do seu salário, pode servir de síntese do espírito que conduziu a criação da Zero Revista que aqui apresentamos. Afinal, como seria o jornalismo livre, presente e fiscalizador, no gozo total da sua função de garantia da universalidade da informação? Dá pra imaginar? Dá. Não faltam exemplos de como a modernidade e a democracia brasileira transformaram e amadureceram o jeito de fazer jornalismo no país: a democratização do acesso à internet, a Lei de Acesso à Informação, a coberturas ostensivas dos escândalos políticos são só alguns. No mundo, as consequências desse fenômeno são ainda mais icônicas: Wikileaks, Primaveras Árabes, a queda dos Murdoch’s Papers e por aí vai. Agora, o que seria da imprensa que, além disso tudo, conseguisse libertar o espírito? Uma imprensa sem o azedume dos leads enlatados, das declarações protocolares, das pautas caretas, a tirania dos deadlines e dos lobbies pelegos? Parece que depois de uma pequena coqueluche na década de 1960, com o new journalism, Realidade e companhia, e tirando algumas iniciativas aqui e ali, a coisa enveredou de vez para a chatice. Jornalismo virou algo funcionalista e positivista, e o Ser Humano, encantado com o esplendor de suas conquistas e com a sua consciência subjetiva, se esqueceu de ser o que é. Pensando nisso, os alunos da Disciplina de Redação 5 do Curso de Jornalismo da UFSC decidiram abrir o leque. A regra é não seguir regra. Sob a orientação do professor Mauro César Silveira, os 30 alunos se valeram da liberdade da academia e escreveram sobre o que deu na telha, do jeito que quiseram. E o resultado dessa miscelânea foi este: uma compilação dos olhares e ideias de jovens estudantes sobre as coisas que veem, sentem e percebem. As regras jornalísticas, assim como as leis, atentam à liberdade, estrangulam a inspiração e sufocam a criatividade. A imprensa livre já temos. Agora queremos a imprensa libertina. Boa leitura!
Editoral por João Paulo Fernandes 2
Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Comunicação e Expressão Departamento de Jornalismo Revista Laboratório do Curso de Jornalismo da UFSC Produzida na disciplina de Redação V Ano II - N° 4 - Agosto de 2013 Distribuição gratuita REDAÇÃO Ana Paula Mendes, Brenda Thomé, Camila Hammes, Dayane Ros, Francisca Nery, Iuri Barcellos, João Paulo Fernandes, Julia Ayres, Julia Lindner, Kadu Reis, Lucas Miranda, Marcela Borges, Mariana Moreira, Nayara Batschke, Pâmela Carbonari, Patrícia Siqueira, Paula Salvador, Rafael Gomes, Thayse Stein EDIÇÃO Carolina Lisboa, Fernanda Ferretti, Mirene Fernandes Sá DIAGRAMAÇÃO Camila Peixer, Fernanda Pessoa, Giuliane Gava, José Hüntemann REVISÃO Camila Peixer, Carolina Lisboa, Fernanda Ferretti ARTE Amarildo Lima, Daniela Bragaglia, Dayane Ros, Leandro Trautmann, Lucas Bicalho, Marcos Sussumu, Mateus Falk, Pedro Coli, Tiago Kawata ORIENTAÇÃO Mauro César Silveira IMPRESSÃO Primagraf Indústria Gráfica e Editora Ltda (41) 3076-9600 CIRCULAÇÃO Nacional TIRAGEM 5.000 exemplares CAPA Giovanna Chinellato, Pedro Coli
Sumário 3
Compartilhai
3
No escuro, o batismo é a solidão
4
É preciso conhecer
4
O animado retorno de Tim Burton
5
Meu armário me condena
5
Menos pode ser mais
6
Vai passar
6
Razões para incendiar
7
Agora me sinto em casa
7
Nossos medos
8
Uma mente brilhante
10
Amuletos de papel
10
Cama, mesa e bar
11
A professora Pardal
12
Índio quer apito
13
Coisa séria
13
Pé de pato, mangalô três vezes
14
Entrevista com os signos do zodíaco
15
O verão astral das mulheres
Compartilhai
3
Crônica por Lucas Miranda
E
o camarada que deixou barba e cabelo crescerem era o centro das atenções na festa. Fazia o jeitão descolado - o descolado hippie, não o que frequenta a academia tanto quanto comparece a micaretas. Mesmo sendo assim, podia ter um Iphone. Hoje todo mundo tem um Iphone. Só que ele era exceção. Tinha um Nokia, e sequer puxou o celular pra tirar uma foto de si mesmo e dos amigos durante a festa. Muito menos twittou: “Tá irado, as mina pira!!”, até porque não tinha mina alguma na festa. Tampouco postou no Facebook fotos do pão que ele mesmo tinha feito (e era a única coisa que constituía o cardápio) comentando o quanto estava uma delícia. Os amigos presentes, no entanto... Todos estavam muito compenetrados em seus smartphones, comparando aplicativos e numa acalorada discussão. Estava mesmo valendo a pena comprar um Iphone 5? Porque o preço tinha caído bastante, mas por aqui ainda não tem internet 4G.. Vasculhavam o Facebook de Madalena e suas fotos quando o dono da festa limpou a garganta em alto e bom tom, para que os amigos prestassem atenção nele, afinal, havia algo importante a dizer. E não podia ser via chat, por isso ele organizou a festa. - Queria saber, primeiro, se todos que estão me seguindo.. Pedro já tinha tomado um pouco de vinho. - Ô, mestre, claro que estamos! Mas a sua conta tá meio caída, cê quase não posta nada. - Por isso que só tem doze seguidores! - completou Filipe. Risos abafados. - Meus irmãos! - o dono da festa alterou um pouco a voz, mas baixou logo em seguida. Não era do seu feitio - Meus irmãos.. não falo do.. Como se chama mesmo, Mateus? - Twitter. - Isso. Não falo disso que vocês tanto idolatram e chamam de rede social. Eu dizia.. que gostaria de saber se todos que estão me seguindo no sentido literal da palavra estão.. como vocês costumam dizer na gíria? Curtindo esse humilde banquete que.. E um burburinho começou de imediato. Tiago tomou a palavra: - Mas mestre.. o senhor não criou uma página do evento para que confirmássemos presença. Muito menos postou algo para que curtíssemos.. - IRMÃOS, QUE COISA! Aqueles que estão presentes de corpo e alma, larguem, pelo amor de Deus, esses malditos dispositivos. Imediatamente os presentes guardaram os aparelhos de celular. O dono da festa, então, tomou o pão e disse: - Compartilhai.. Ouvindo tal palavra, um deles não resistiu. Era obsessivo por gadgets. Pegou o celular, e compartilhou uma fotografia da festa no Instagram, com a seguinte legenda: “A festa aqui tá meio caída. Daqui a pouco, toco pra dos Romanos, dizem que tá bombando”. Nenhum dos presentes curtiu.
No escuro, o batismo é a solidão
Marcos Sussumu
L
ivros nos braços, cadarços quase desamarrados, mochila nas costas e um papel no bolso da calça inapropriada para aquela sexta-feira quente de dezembro. Na cidade há três dias, não conhecia nada nem ninguém, também não tinha decorado os intermináveis números do meu endereço gravado em um bilhete azul claro. Como se soubesse o que estava fazendo, fui me perdendo nas estreitas vielas sem nomes nem placas, absorvendo o forte cheiro de café misturado com cigarro e fuligem, e ritmando o acelerar dos ônibus com os meus passos rápidos em direção a qualquer lugar que não aquele asfalto translúcido de calor. Confusa ao perceber que meu discernimento se esvaía com a mesma velocidade que as gotas de suor caíam sobre minha testa, parei no primeiro saguão climatizado que encontrei. Lá, cartazes minimalistas e silêncio quase absoluto, não fosse o barulho das pipocas dentro de uma caixa de vidro de bordas vermelhas. Atraída pela hipótese de reestabelecer meus sentidos naquele oásis refrigerado, me aproximei da bilheteria, pedi um ingresso e uma água. O filme havia começado há menos de 15 minutos. Não o conhecia, não fazia ideia sobre o que se tratava e nunca tinha ido ao cinema sem companhia. Apenas entrei. Com a garrafa de água em uma mão e os livros escolares que banalmente denunciavam minha idade em outra, procurei meu lugar. Mesmo com a sala quase vazia, sentei no 11L que me foi entregue na bilheteria, ao lado de uma senhora que tinha, pelo menos, o triplo da minha idade e a metade da minha altura. Estava imersa naquela sala escura, só, estática, vidrada ao drama. Encoberta pela penumbra, eu era apenas um semblante abrindo e fechando as pestanas. Até o momento em que senti algo, o filme estava ali - molhando meu ombro. Não fiz nada, fiquei imóvel, não sabia como o drama seria do lado de cá da tela. Aquela senhora com o cabelo totalmente alvo apoiou seu rosto em meu ombro e chorou durante incontáveis minutos com as lágrimas mais silenciosas que já ousaram fugir de seus olhos. De repente, as luzes foram acesas, a claridade golpeou minha retina, a senhora pediu desculpas e se foi. Junto com ela, outras pessoas deixaram seus lugares, como se a placa branca iluminada por uma luz vermelha com cinco letras as hiptonizasse dentro daquela caixa preta. Todos haviam saído, mas o filme estava ainda em minha pele. Vencida pelo esforço inconsciente dos outros bilhetes de convencer-me a deixar a sala, levantei, joguei a garrafa na lixeira, saí e encontrei o endereço do papel azul. Meu ombro secou. Depois dessa tarde, voltei muitas vezes sozinha. No entanto, nunca me senti só diante da tela, nem acredito que seja algum tipo de solidão coletiva. Ir ao cinema sem companhia é como ser e estar cercada por pessoas como a velhinha de cabelos brancos, compartilhando sentimentos sem dizer uma palavra nem esperar nada em troca.
Crônica por Pâmela Carbonari
É preciso conhecer Crítica por Nayara Batschke
M
artín é um pianista solitário que criou suas próprias regras para encontrar o verdadeiro amor. Em meio a tentativas frustradas e desilusões perdidas, ele conhece Ana, uma mulher problemática e que esconde segredos sombrios. Uma trama repleta de suspense, perseguição, mistério, ação, humor, sexo e romance. Acrescentando uma trilha sonora em perfeita sincronia com a atuação impecável dos atores, nos deparamos com a receita infalível do que a indústria hollywoodiana que domina o cinema mundial tem de melhor para oferecer. Jogo Subterrâneo, lançado em 2005 e dirigido por Roberto Gervitz (diretor do aclamado Feliz Ano Velho), é um filme brasileiro que poderia facilmente concorrer com qualquer grande produção norte-americana que se preze. Infelizmente, ele faz parte do imenso leque de bons filmes nacionais que tiveram uma discreta divulgação, que passaram batidos pelo público. Nossa indústria cinematográfica tem muita coisa boa, mas são poucas as que chegam ao conhecimento das pessoas. Criou-se o estereótipo de que filme nacional é tudo a mesma coisa: favela, mulher pelada ou adaptações vazias estreladas por atores globais. Talvez, justamente pelo fato de que são esses os filmes que recebem os principais incentivos das mais influentes cabeças do cinema nacional. A grande questão é que, nas últimas décadas, a indústria cinematográfica tem sido marcada pelo lado mais negativo de Hollywood: produções de roteiros pobres que buscam apenas o sucesso nas bilheterias por meio de efeitos especiais. Esta influência dos Estados Unidos também nos acostumou mal. Mal no sentido ruim da palavra mesmo. Estamos imersos em uma cultura que nos fez acreditar que filme bom é aquele que tem tiros, explosões, sangue, perseguições de carro, terror psicológico e o herói sempre salvando a mocinha, claro. Qualquer coisa que não se encaixe nestes moldes é considerada ruim ou alternativa. Histórias que
exigem reflexão são cansativas. Aquelas que pedem uma visão mais atenta e delicada, piegas. É preciso ampliar nosso olhar para além do óbvio. Que terror pode ser maior do que um garoto de dez anos que parte ao encontro da morte no lugar do irmão, dono de uma dívida de sangue e cansado da disputa besta por um pedaço de terra? Abril Despedaçado, de Walter Salles, traz o drama e a dor de duas famílias que aos poucos vão perdendo seus entes por causa de uma tradição baseada em um código de vingança, em uma terra sem lei. Ao mesmo tempo em que precisa honrar seus ancestrais, Tonho (interpretado por Rodrigo Santoro) encontra uma linda artista que o faz questionar os pilares sob os quais foi criado. Como já dizia Kant, a arte tem por objetivo despertar o sentimento de sublime. O cinema, sendo arte, pretende arrancar seu admirador da inércia, causar uma reação, impactar, chocar, provocar. Conseguir uma resposta, e até mesmo uma identificação, envolve muito mais do que apenas um roteiro. A seleção de elementos como música, luzes, cenário e contexto vai dar o tom da obra e conduzir o espectador em sua absorção. Alguns filmes exigem um olhar dócil, concentrado. Não apenas sentar na frente da tela com distrações quaisquer, mas sim processar o que se está vendo. Estômago, de Marcos Jorge, é a história de Nonato, um cozinheiro aparentemente ingênuo e tranquilo, mas que se revela sádico e perspicaz. Um filme que mexe com os sentidos mais básicos do homem: olfato, visão, audição. Capaz de despertar as emoções mais primitivas e que insistimos em reprimir: desejo, prazer, fúria. Antes de julgar, é preciso conhecer. É preciso abrir a mente, expandir a visão, aguçar a percepção. Fugir da mesmice das corridas de carros ou helicópteros queimando. É preciso não apenas assistir, mas sentir. Compreender o dilema existencial d’O Palhaço que é triste e, enquanto faz todos rirem, chora por dentro. Talvez, o que nos falte seja, simplesmente, um pouco mais de sensibilidade. 4
O animado retorno de Tim Burton
M
uitos acreditam que o diretor americano Tim Burton perdeu a mão dos sucessos. Depois de filmes como Alice no País das Maravilhas e o recente Sombras da Noite, o descontentamento com os remakes de histórias famosas só aumentou. Em meio a tantos lançamentos duvidosos, o diretor voltou a um projeto de 30 minutos escrito por ele em 1984 e deu uma segunda chance à maravilhosa animação Frankenweenie. A história é a mesma escrita para a Disney quase 20 anos antes: um menino do interior dos Estados Unidos, Victor Frankenstein, passa as tardes fazendo filmes caseiros de terror com a ajuda do seu melhor amigo, o cachorro Sparky. Com receio da falta de amigos do filho, o pai convence Victor a participar de um treino de beisebol e, para a surpresa de todos, o menino acerta um home run logo no primeiro dia. A alegria dura pouco pois o sempre presente Sparky corre para a rua para alcançar a bola e é morto ao ser atingido por um carro. Victor fica inconsolável, mas como o nome do filme sugere, ele rapidamente encontra uma solução para a perda do seu melhor amigo. Após uma aula em que são explicados os efeitos da eletricidade em animais, Victor faz experimentos e consegue trazer o cachorrinho de volta. Mesmo sendo escondido, Sparky foge e é visto por um colega de Victor, Edgar, que convence o menino a trazer seu peixinho de volta à vida para que ele vença a feira de ciências da escola. O enredo sem grandes surpresas é compensado pela direção de arte. A concepção artística dos
personagens não deixa a desejar das outras animações do diretor como o Estranho Mundo de Jack e Noiva Cadáver. Mas um personagem merece destaque: Edgar, o colega de Victor que vê Sparky e convence o menino a replicar o experimento, é maravilhosamente grotesco. Com uma corcunda acentuada, olhos saltados, falta de dentes e a dublagem impecável de Atticus Shaffer, o personagem é tão peculiar que se torna quase irresistível. O gato que prevê mudanças significativas no futuro das pessoas através de seu cocô também é uma obra prima de Tim Burton. Outro artifício é a utilização do preto-e-branco para homenagear os filmes de terror dos anos 1930 e 1940, notoriamente os favoritos de Burton. Na verdade, essa não é nem de longe a única referência ao gênero presente no filme. Desde o poster de Marte Ataca! no quarto de Victor, ao nome do personagem e um dos filmes caseiros gravados ser um remake de Godzilla, o diretor coloca sempre que possível uma menção a algum filme da chamada Época de Ouro do Terror. Para trazer o filme à atualidade, Frankenweenie foi produzido em 3D, mas sem perder o charme da técnica stop motion, característica de todas as animações de Tim Burton. Frankenweenie é em síntese um retorno às origens do premiado diretor, que reutiliza um roteiro que o demitiu da Disney por não ser condizente com as histórias produzidas pelo estúdio e prova que é possível, sim, fazer um filme aparentemente despretensioso, mas que encanta até os públicos mais cínicos.
Crítica por Julia Ayres
vou conseguir fazer você voltar, Sparky
Daniela Bragaglia
Meu armário me condena Crônica por Paula Salvador
P
egue uma foto antiga e deixe de lado o seu aspecto envelhecido, os cantos amassados e a cor desgastada. Não importa se ela foi tirada na década de 1950, 1980 ou 1990, você vai achar ali, em meio a cabelos armados, topetes, calças de cintura alta – mas muito alta – e combinações inusitadas, algo que já usou, usa ou ainda vai usar. Assim como jogos, celulares ou redes sociais fazem vítimas que não conseguem se desligar, a moda faz o mesmo. E não adianta negar. Por mais que você não vá até ela, ela vai até você. Tamanco com salto anabela, sapatinho da Melissa transparente com meias coloridas, top de crochê, gargantilha imitando tatuagem, um brinco maior e outro menor e até a famosa “pulseira da Jade”, impulsionada pela novela “O Clone”. Se você aderiu a alguma delas, não tem como não se sentir no mínimo constrangido. É nessas horas que surge a sorte de fotografias comprometedoras estarem, na sua maior parte, escondidas em álbuns – e não em formatos digitais, prontas para serem divulgadas. As inspirações para essas peças surgirem e conquistarem adeptos vêm de todas as partes. Das passarelas, da televisão, dos livros e de pessoas – sejam celebridades ou não. Os clogs, tamancos com salto de madeira, por exemplo, eram usados por camponeses e foi só a Chanel apostar nele, em 2010, para que ganhasse as ruas. As alpargatas, modelo de sapatilha com solado geralmente de corda, eram usadas por pescadores, viraram febre com Brigitte Bardot nos anos 1960, voltaram em 1980 e agora, em 2012, estão aí de novo, como sinônimo de estilo. Quer algo com mais cara de roupa de avó do que um conjunto com o mesmo tecido ou estampa? Pois é, ele voltou e tem muita gente por aí usando. O problema – ou solução – é que a moda anda em um ritmo frenético, cada vez mais rápido. No verão se fala de inverno, e no inverno se fala de verão. E é por isso que nós temos a tendência de sentir isso em um intervalo de tempo cada vez menor. Com tantas mudanças, fica ainda mais difícil entender o que nos faz gostar de algo que antes considerava de gosto duvidoso. Quando se imaginaria ver tantas saias mullet, curtas na frente e compridas atrás? Ou um tênis com salto embutido? Ou uma calça colorida sendo usada por alguém que não é fã de Restart? Ou spikes, aquelas tachas pontiagudas, fazendo parte de looks de quem não ouve heavy metal? E usar uma blusa na altura da cintura, mostrando a barriga – crime impensável? Há quem ache que é questão de costume e até falta de personalidade. Não vejo nada de errado em se acostumar com outros hábitos, opiniões e, claro, peças de roupa. É bom saber se adaptar e inovar de vez em quando. E cada item – por mais estranho que seja –, transporta para uma época. Minha infância foi recheada de tênis com mil amortecedores e pulseiras de miçangas que davam várias voltas. Não importa se é para dar risada ou para sentir uma pontinha de saudade de uma fase que já passou. A verdade é que, dependendo de quando você está lendo isso, é provável que muito do que eu falei aqui já lhe pareça muito estranho.
Menos pode ser mais Crítica por Ana Paula Mendes
L
ançado em 2008, Apenas o fim surgiu devagar, como quem não quer nada e, aos poucos, chamou atenção da crítica e conquistou prêmios nos festivais pelos quais passou – Melhor Filme do Júri Popular e Menção Honrosa do Júri Oficial do Festival do Rio 2008 e Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na 32ª Mostra de São Paulo -, além de participações em eventos internacionais. Na época, o diretor e escritor Matheus Souza tinha apenas 19 anos, ainda cursava Cinema na PUC-Rio e tinha o orçamento de 8 mil reais para rodar o longa-metragem. Para isso, os equipamentos foram emprestados pela universidade e as filmagens precisariam ser inteiramente feitas no campus. O que também ajudou a diminuir os custos foi que todos os atores do filme eram amigos de Matheus e participaram voluntariamente do projeto. Essas limitações, que poderiam servir como desculpa para um filme fraco e superficial, foram justamente a principal razão de Apenas o fim ter ganhado tanto destaque e reconhecimento do público e de profissionais da área. Com pouca ou nenhuma ação, o que mantém o interesse do espectador durante os 80 minutos de filme são os diálogos inteligentes, com uma porção de referências um tanto quanto nerd, que torna tão fácil se identificar com os personagens. É quase impossível a qualquer um que cresceu nos anos 90 e já sofreu um fim de relacionamento não se ver em alguma fala, seja quando eles
discutem qual boy band fez mais sucesso ou quando escolhem qual power ranger gostariam de ser. A história se baseia em uma grande discussão de relação, quando Adriana, interpretada por Erika Mader, chega à faculdade e diz ao seu namorado, Antônio, personagem de Gregório Duvivier, que está indo embora para sempre e que eles têm uma hora para ficarem juntos. A partir desse momento, os dois percorrem o campus da universidade conversando sobre o que já viveram juntos e perspectivas de suas vidas sem o outro. A narrativa é intercalada com flashbacks dos dois em situações triviais, em meio a discussões cheias de referências à cultura pop, como Pokémon, cavaleiros do zodíaco, tartarugas ninjas, entre outras. O filme é simples e é justamente essa simplicidade que encanta. Ao mesmo tempo em que são feitas essas referências bem humoradas, o casal de atores consegue passar uma verdade nos diálogos que é capaz de emocionar sem cair no clichê das comédias românticas que se vê por aí nos cinemas. Apenas o fim junta influências que vão de Woody Allen até Antes do amanhecer sem perder sua essência e, dessa forma, constrói um longa-metragem bastante particular. Ainda em seu primeiro trabalho como cineasta, Matheus Souza mostra um futuro promissor e prova que é possível fazer cinema de qualidade com ideias simples e boa vontade. 5
Vai passar Crônica por Marcela Borges 6
a fará se apaixonar loucamente como da última. Lápis, rímel, sombra, blush, batom. Até tinha se esquecido de como ficava bonita de maquiagem. Antes de sair de casa, vira uma dose de uísque do pai, para criar coragem de encarar todo mundo no mesmo lugar depois de tanto tempo reclusa. Quando chega à festa, vai direto ao bar, compra uma garrafa de José Cuervo com as amigas, e bebe a metade sozinha. Dança, ri, sobe em cima do sofá, se diverte como não fazia há anos. Um ou outro cara vem querer puxar assunto, mas naquela noite ela quer que todos os homens do mundo se explodam. Não está nem aí para nenhum deles. Só quer saber de curtir. Fica na balada até a hora de acenderem as luzes e mandarem o pessoal ir embora. Entra em casa cambaleando, tira os sapatos para não fazer barulho e põe a cabeça no travesseiro. O teto do quarto girando, ainda por efeito da tequila. A sensação não é das mais agradáveis, mas com certeza é melhor do que o inferno em que viveu nos últimos meses. E por um minuto ela se desliga completamente dele. Esquece de tudo. Desespero, raiva, choro, ansiedade. Todos os sentimentos ruins vão ficando para trás. Naquele momento, ela descobre que o mundo não para só para que as pessoas decepcionadas possam juntar os pedaços de um coração partido. Que talvez aquele relacionamento nem a tivesse feito tão feliz assim. Que tinham sido anos tentando enganar a si mesma que era o romance dos sonhos, um conto de fadas. Mas não era. E no fundo, ela sempre soube disso, só não queria acreditar.
Razões para incendiar
O
Mateus Falk
Todos os sentimentos ruins vão ficando para trás
Mateus Falk
S
emana passada uma amiga veio querer conversar, chorando, sem saber o que fazer, achando que o universo inteiro conspira contra ela. Que situação complicada. Parece que palavra nenhuma do mundo é capaz de aliviar a tristeza nesses momentos. O que nos resta é o de sempre, exercer o companheirismo que toda boa amizade requer - enxugar as lágrimas, acalmar e tentar dar os conselhos mais adequados. Facílimo na teoria, na prática a história muda de rumo. Falar para alguém fazer isso ou aquilo é simples demais. Nessa hora, nos sentimos todos um pouco donos da verdade. Mas quando acontece na própria pele, o coração sempre fala mais alto. Não tem jeito. É nosso instinto de ser humano. Só que quando a cabeça não pensa, o corpo paga - e caro. É quando começa o sofrimento. Ao nos depararmos com amigos decepcionados, acabamos recorrendo àquela lista de frases confortantes, que caem bem em qualquer momento. Vai passar, fica tranquila. Sempre passa. Só o tempo cura a dor. O processo é lento e parece não ter fim, mas uma hora ou outra a gente acaba esquecendo. Pode confiar. Ele é um idiota. E a dor vai indo embora. Daqui a pouco encontra outra pessoa. Ele nunca te mereceu. Abstrai. Chuta o balde mesmo. Não acredito como ele foi capaz de fazer isso. Conta comigo, sempre. Se essa infinidade de conselhos funciona? Sinceramente, não sei. Só sei que depois de dois meses sem querer sair do quarto, com cinco quilos a menos, sem forças nem lágrimas para derramar, porque já tinha chorado o que podia e o que não podia, ela decide que a vida tem que continuar. Cansou daquilo tudo. Que o amor é uma droga. Que nunca mais vai entregar o coração para ninguém. Só para não ter que sofrer de novo. Pega o celular e combina de sair com algumas amigas naquela mesma noite. Escolhe um vestido preto, justo, com as costas de fora. Meio ousado para a primeira aparição sozinha, depois de dias intermináveis de luto amoroso. Só quer que o mundo saiba que ela está de volta, livre, desimpedida. Qual o problema nisso? E que, dessa vez, homem nenhum
s usuários do transporte coletivo da grande Florianópolis sabem que hoje não é necessário participar de alguma facção criminosa ou ter envolvimento com o tráfico de drogas para sentir vontade de colocar fogo em ônibus. Se você ainda tinha alguma dúvida disso, aqui vai uma lista baseada em experiências vivenciadas rotineiramente dentro do nosso ruim e velho latão. Primeiro vamos começar falando sobre a conservação e o estado dos ônibus: quem nunca esteve naquela situação dramática do ônibus quebrado, que atire a primeira pedra. Tem coisa pior do que sair do seu cobiçado banco alto e ter que ficar esperando no sol, na chuva, no relento, por outro coletivo que provavelmente virá lotado? Sem falar nas vistorias, que estão anunciadas naquele vidro logo atrás do banco do motorista... Elas só podem ser brincadeira. Os ônibus são cheios de insetos da mais rica variedade, uma fauna vasta com muitos espécimes curiosos. Recomendo ainda uma viagem em dia de chuva em um dos muitos ônibus com goteira, é uma experiência única. Em segundo lugar, vamos falar sobre os nossos queridos motoristas (que dirigem como se não houvesse amanhã ou ultrapassam o sinal vermelho) e os cobradores (que são ríspidos ao darem informações, resmungam ao dar troco e passam trabalho para liberar o cartão do estudante), eles vivem de bate papo e adoram se atrasar, fazem aquele charme para sair com as linhas dos terminais... Quem não adora perder um ônibus por três minutos, esperar meia hora por outro que sai três minutos atrasado? Delícia. O terceiro motivo pode seguir nesta linha de raciocínio: faltam horários, os itinerários são bizarros... Eles mudam de trajeto, fazem voltas gigantes, passam o horário de 17h32 para 17h37, mudam as linhas de local dentro dos terminais, tudo sem consultar ninguém. Desconfio que esse grande sistema de mudanças constantes faça parte de um grande bolão que rola entre os funcionários que ficam parados nos terminais sem fazer nada. Em quarto lugar, podemos refletir sobre a estrutura dos terminais e sobre como estamos amando a mãe de quem os projetou: quem resolve sair do sul da ilha para ir para o norte, tem que pegar nada menos que quatro ônibus para percorrer cerca de 35km... esperando em filas e assistindo a completa desintegração. Os terminais são pequenos e os motoristas não tem onde estacionar os ônibus que estão parados. Em horários de pico é difícil conseguir desembarcar e as filas de pessoas misturam-se na muvuca do pouco espaço. A cidade também dá preferência para quem está no seu carro: temos poucas ciclovias e nenhuma faixa branca que efetivamente funcione... A passagem é cara e os segundos são intermináveis dentro de um ônibus lotado. Terminaremos nossa lista com o principal motivo pelo qual as pessoas escolhem o automóvel: as próprias pessoas. Pegar ônibus significa aguentar choro de bebê, brigas de casais, pessoa espaçosa sentada ao seu lado, bêbados, cantores, funkeiros, pedintes, tarados, adolescentes frenéticos, puxadores de papo, religiosos fervorosos... É, pensando bem, a vontade mesmo é de queimar todo o sistema perfeitamente integrado de transporte.
Crônica por Thayse Stein
Nossos medos
Crônica por Julia Lindner
O
queria que ele tivesse a mesma vida que eu. Foi então que conheci o Marcelo, mais conhecido como “cachorro”. Ele virou meu amigo e disse que me ajudaria a melhorar de vida. Em poucos dias, já estava fazendo entregas na zona mais rica da cidade e ganhando muito dinheiro. Ninguém nunca me dizia o que havia dentro do pacote, mas eu sabia exatamente do que se tratava. Com o tempo, fui ganhando a confiança das pessoas, fazendo meus próprios contatos. Tudo ia bem. Até o dia em que eu me meti numa briga e o Marcelo me ajudou, deu jeito no cara, acertou minha dívida. A partir desse dia, eu devia a ele, literalmente. Tudo o que ele pedia, eu fazia. Sem hesitar. Sem questionar. Até o dia que, da prisão, o irmão dele fez um pedido. Queria que o ajudássemos. E era por isso que eu estava ali, queimando um ônibus, sem nem saber por quê. Meus devaneios foram interrompidos pelo barulho das sirenes, que vinham de longe, mas se aproximavam com rapidez. Virei-me e saí correndo. Foi então que esbarrei num menino. Dava de ver que ele morava nas ruas, estava sujo, com as roupas rasgadas. Mas, o que mais me chamou a atenção foi a forma como ele me olhou, com os olhos arregalados, respiração acelerada, de um jeito que eu conhecia muito bem: com medo.
ônibus estava pegando fogo. E eu continuei ali. Parado. Estático. Talvez porque sempre tive medo de escuro e, de alguma forma, o brilho das chamas me trazia certo conforto. Comecei a lembrar das incontáveis vezes que meu pai, por conta da bebida, esquecia-se de pagar a conta de luz e tudo o que ouvíamos eram gritos, num misto de dor e frustração. Depois, vieram as lembranças da minha longa visita ao abrigo de menores infratores, onde, a convite de um grupo de policiais nada gentis, enfrentei noites que pareciam não ter fim, perdido numa escuridão sombria. Por fim, um receio que ainda não tinha nome, mas que muitos apelidam de solitária. É lá que estão concentrados meus piores receios e pesadelos. Só de imaginar sinto calafrios. Ainda assim, continuei ali. Era quase meia noite. Dentro de alguns minutos eu atingiria a maioridade. Seria um homem, finalmente. Alguns anos antes, minha mãe até tentou me ajudar a conseguir um emprego. Ou a salvar minha alma, como ela preferia dizer. Em quatro meses, fui marceneiro, assistente de pedreiro e caixa de supermercado. Ganhei pouco e trabalhei muito. Para piorar, veio a notícia: Bárbara, minha namorada, estava grávida. Aos 16 anos. Meu salário mal dava para comprar as fraldas do bebê. Não 7
Agora me sinto em casa
Tiago Kawata
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oucos acontecimentos em Florianópolis chegam com tão pouca regularidade como a onda de violência que causou medo na população nos últimos tempos. Desde os primeiros ônibus incendiados na Capital, locomover-se em transporte público – ou andar de busão, latão, caixotão, como queira –, ficou diferente. O medo tomou conta dos pontos e terminais. O cotidiano mudou. O medo mudou. O medo chegou. A cidade mudou. Coisas que antes passavam quase despercebidas agora causavam pânico. A velha senhora que corria desesperadamente como se sua vida estivesse correndo risco caso não conseguisse subir no ônibus, agora, causava espanto geral ao pular para dentro do latão suada e descabelada. Ufa! Era só uma passageira atrasada... O rapaz que antes ouvia seu funk sem fones de ouvido, e que agora estava comportado e sem o seu tradicional celular-com-alto-falante, causava desconfiança. Afinal, cadê a música? Não tinha música. Não tinha som. O silêncio quase absoluto passou a tomar conta das viagens. As crianças e adolescentes que voltavam das escolas no início ou fim da tarde já não batucavam nas cadeiras e gritavam como antes. As senhoras fofoqueiras... bom, essas continuavam fofocando. O teor da fofoca que mudou. O novo namorado da vizinha deu lugar ao desabafo sobre a situação da insegurança. Certo dia, em um trajeto Centro-Universidade, flagrei o seguinte diálogo. “Quirida, tu viste que tão dizendo que esses ataques são coisas dos torrorista das favelas do Rio de Janeiro?”, afirmou a senhora que tentava se equilibrar em pé com uma bolsa, um guarda-chuva e uma sacola cheia de roupas recém compradas. “Que nada, nêga, isso aí é coisa de moleque que não levou uma boa chinelada da mãe”, retrucou a colega, também em pé, fazendo malabarismo com seus pertences enquanto tentava segurar-se na barra de segurança. Outro dia, uma gritaria tomou conta do fundo do ônibus. Eu, na parte da frente, vi o pânico e o alvoroço chegar onde eu estava como uma ola em um estádio de futebol. Qualquer policial em serviço ou mesmo à paisana iria intervir ao ver a cena. Não precisaria. Uma barata ou algum outro inseto qualquer causara o pânico coletivo. Não era um incendiário. Naquele dia não. Nasci e fui criado em Vitória-ES, que assim como Florianópolis é um pedacinho de terra perdido no mar. No entanto, minha ilha é cercada de água e cidades ultraviolentas por todos os lados. Aqui, nesta ilha sulina, me sentia em casa ao ver o mar, os pescadores, as pontes. Nunca pela violência. Já não posso mais falar isso. Agora, estou em casa. Por completo.
Crônica por Rafael Gomes
Tiago Kawata
Uma mente brilhante Perfil por Camila Hammes
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homem franzino, com os cabelos brancos desarrumados e a barba por fazer, entra na sala usando uma roupa pesada demais para o dia quente de verão. “Boa tarde, Claico. Posso ajudá-lo?” Em resposta, o sujeito tira alguns papéis da sua pasta e entrega a um dos funcionários do Centro Tecnológico da UFSC que - aparentemente já acostumado com a tarefa - faz algumas cópias, carimba e devolve ao inquieto senhor que agradece com um caloroso aperto de mão e sai com ares de quem ainda tem muito o que fazer. Claico é uma figura conhecida nos corredores da universidade. Fã das máquinas de café e frequentador assíduo dos bureaus de fotocópias, o Senador - como também costumam chamá-lo - desperta curiosidade quanto a sua ocupação. Sempre acompanhado da pasta, peregrina pelos departamentos e setores institucionais em busca de carimbos para legitimar seus documentos, que vão de concessões de empresas de radiodifusão a nomeações para cargos públicos. Funcionários mais antigos dizem que essa rotina já se repete há, no mínimo, 15 anos. Não se sabe muito sobre a origem do Senador. Há quem diga que é um político aposentado vivendo de pensão do governo; há quem diga que é ex-interno de uma colônia prisional agrícola – versão que ele mesmo confirma em alguns documentos; há quem diga que ele tem amigos influentes, como um dos antigos reitores da universidade; e há quem diga que a única coisa sobre a qual podemos ter certeza é seu nome: Claico Xavier Fernandes. Usado em todas as suas cartas, também pode ser visto em uma cópia batida da sua carteira de identidade, que ele sempre carrega para ser xerocada junto aos ofícios. Apesar de se intitular Senador vitalício da República, Claico exerce uma série de outras funções como Vice-Presidente interino, Ministro das Comunicações, Ministro da Educação, Chefe de Segurança da UFSC, Presidente da Assembleia de Deus, duque de Avís e, além de tudo, Lorde dos Lordes. Nas poucas vezes que fala sobre seu passado e sua vida privada, conta que nasceu em Imbituba, que o pai é gaúcho, a mãe é de Florianópolis e que vive aqui com a família desde a infância. Também gosta de lembrar que desde pequeno tem talento para cantor e artista de entretenimento. “Sempre fui cantor, mas você já me ouviu na rádio algum dia? Claro que não! Eles só querem dar fama às pessoas de interesse deles... mas agora eu tenho as concessões da Globo e isso vai mudar”. A posse das concessões da Rede Globo é uma conquista recente de Claico, que, não satisfeito em exercer somente suas funções políticas, tem participação ativa no mundo dos negócios à frente de empresas como a Claico Xavier Fernandes Participações, a Sociedade Desportiva Claico Xavier Fernandes e a Claico Xavier Fernandes Produções Artísticas. Essas corporações geralmente estão associadas a gigantes das telecomunicações, e grande parte das cartas de Claico fazem referência a esses acordos. Em uma delas, ele registra que recebeu de Boni, da Rede Globo a oportunidade de trabalhar na emissora e oferecer sugestões de mudanças na programação, que em breve terá em sua grade programas como o Musical Claico Xavier Fernandes;o Programa Claico é um show (infantil e adolescente); O colono do Claico (para substituir o Globo Rural); O Claico nos Esportes; O Claico no submundo do crime (para substituir o Globo Repórter); e o seriado Eu sou o Claico.
Claico ainda está aguardando a implantação da nova programação, e compreende que a demora se dá por conta da burocracia instaurada nessas grandes empresas. “Quando recebi a proposta do Boni vi a papelada da Globo e percebi que está tudo em nome de terceiros, o que é antiético e ilegal. Falei que só participaria se a situação fosse regularizada, então agora eles estão trabalhando nisso. Vai demorar um pouco, mas logo deve estar tudo funcionando direitinho e você vai ver como a qualidade dos programas vai aumentar”, disse ele, em tom de confidência. A fama das cartas de Claico transcendeu o território da UFSC e conquistou repartições públicas em toda a cidade. Entre os documentos “autenticados”, é possível encontrar páginas com carimbos do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, da Superintendência do Patrimônio da União, do Diretório Estadual do PMDB e da OAB-SC. É provável que esses luga-
Há quem diga que a única coisa sobre a qual podemos ter certeza é seu nome: Claico Xavier Fernandes
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res já façam parte do roteiro de suas visitas rotineiras. Já quem não conhece muito bem a reputação do Senador, pode fazer interpretações equivocadas de seus papéis. Em 2003, um desembargador do Tribunal de Justiça foi surpreendido por um pedido de mandado de segurança contra o Governador de Santa Catarina que partia do “Santo Profeta, Cientista Social e Inventor Claico Xavier Fernandes”. Aparentemente a petição foi levada a sério e avaliada pelo juiz, mas, como era de se esperar, acabou sendo negada. Claico tem bastante afinidade com o linguajar de documentos oficiais, e não o poupa ao redigir suas cartas. Muitas delas são escritas à mão, outras, ele pede para alguma “boa alma” digitar. Perambula pelos setores da universidade até encontrar alguém com tempo – e paciência – para transcrever o documento do dia. Se bem atendido, passa a voltar sempre, tratando os novos amigos com cordialidade e até oferece cargos de confiança no governo. Caso contrário, no dia seguinte a universidade recebe um pedido oficial de exoneração. Grande admirador da tecnologia, Claico costuma lembrar-se de quando criou aparatos como a enceradeira elétrica, a arma a laser e os celulares com tela. Como pesquisador e inventor, acredita que o Brasil tem muito potencial nessa área, mas está defasado por falta de investimentos. Esse é um dos Quando a última traça, em seu desjejum, pontos que pretende mudar em seu governo. Recém eleito como governador de São Paulo e do Rio de Janeiro e vice-presidente do Tiver se alimentado no pó da matéria, Brasil, Claico vai aproveitar o recesso de suas atividades na UFSC Ninguém mais saberá que tamanha miséria para visitar os principais estados do país na companhia de alguns estudantes da universidade e da doutora Bia Prado, que atualRecai sobre os jornais — e restará algum? mente trabalha na Agência de Comunicação de UFSC mas será nomeada secretária da Casa Civil de São Paulo. Além de lutar por investimentos em tecnologia e inovação, Claico pretende adotar uma nova forma de governo: o governo do Claico. “Em cada lugar que eu for visitar vou conversar com as pessoas e perguntar pra elas o que elas acham que deve melhorar no Brasil, então, ao contrário desses governos que a gente vê hoje em dia, vou fazer o que as pessoas querem que seja feito. Esse vai ser o governo do Claico”. Talvez agora o apelido de Senador já não faça mais tanto sentido, considerando as mudanças recentes na vida política de Claico. Para ter sucesso em sua nova empreitada ele conta com o apoio dos amigos que fez aqui na universidade, como a recém nomeada assessora do gabinete da Presidência da República, uma estudante de jornalismo que ultimamente tem demonstrado grande interesse em suas cartas.
Se bem atendido, trata os novos amigos com cordialidade e até oferece cargos de confiança no governo
Factalidade
Marcos Sussumu
Marcos Sussumu
Amuletos de papel
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Crônica por Mariana Moreira
Cama, mesa e bar
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á na metade do almoço, reconheci a música que, muito baixa, saía do fone de ouvido da moça sentada ao meu lado. “Essa música é a minha infância”, pensei alto demais. “Desculpa, o som está atrapalhando?”, perguntou de forma muito educada para alguém que estava incomodando seu almoço com trilha sonora. Mesmo me sentindo boba por ter falado sozinha, repeti o comentário. Com um sorriso simpático, quis saber o porquê da minha lembrança. “Era uma das favoritas da minha mãe quando íamos todos viajar, tem cheiro de carro, estrada e mar”. O almoço já estava quase no fim e teria que ir embora logo.”Tem uma foto da sua mãe aí?”, me pediu com a mesma naturalidade de quem pede um guardanapo. Fui pega de surpresa, mas por mais estranho que possa parecer, me senti confortável. Revirei a bolsa e finalmente encontrei a carteira. Abri e peguei uma foto - com as pontinhas amassadas e com um pequeno rasgo na parte de cima - de um casal: pai e mãe abraçados há 12 anos, quando ainda viviam juntos. A expressão espontânea que se montou no rosto dela me deixou encabulada. Ela conhecia algum deles? Eles estavam em alguma posição engraçada? Eu estava com alface nos dentes? A explicação foi simples. “Você ainda carrega fotos, e dentro da carteira, acho que é uma das únicas que ainda faz isso”. Meu almoço havia acabado e meu tempo também. A conversa poderia demorar mais um tempo, mas o compromisso da vida ali fora me esperava - e minha chefe também. Me despedi e saí com aquele último comentário pendurado na cabeça. Além da fotografia dos meus pais, carrego sempre comigo a foto de oito amigas, fotos minhas de quando era pequena, uma da minha irmã e uma do meu primeiro namorado. São pequenas, mas cada uma tem o seu significado. Poderia ter aberto o notebook ou então pego o celular. Mas não, não daria na mesma. Me senti antiquada. Tenho mais de 80 fotos nas paredes e no mural do quarto e álbuns empilhados no alto dos armários. Pode ser que as fotos pequenas e amassadas na carteira sejam simplesmente pedaços de papéis, mas são como amuletos. A herança que carrego para onde eu vou. É fácil apertar o botão de delete ou arrastar a imagem até a lixeira. Mas, da fotografia não é fácil desapegar. A foto dos pais ainda juntos é uma lembrança do que ficou a mais de mil quilômetros de distância. Me ver com cinco aninhos fazendo careta é mais uma esperança de um dia voltar a ser tão espontânea e divertida. A foto do ex-namorado, mesmo que esteja dobrada ao meio e escondida atrás de alguns cartões, deixa a pequena esperança de que ele ainda é um pouquinho meu, mesmo talvez já sendo de outra. As amigas foram para outros países, outras cidades, mas são as marcas das companheiras para rir e chorar. Pode ser que um furto tire de mim ou uma chuva molhe todos esses rostos, destruindo cada um dos retângulos carimbados de sorriso. As lembranças guarJá se ouvem lamentos, a ironia apela: dadas com carinho vão sempre “Sem papel, que será dos peixes sobre as bancas? estar ali para me colocar um sorriso no rosto ou uma lágrima Embrulhar-se-ão em suas próprias escamas?” no canto do olho. Quem sabe seja só apego e fosse melhor Tão caro é o desapego da nostalgia cega! me libertar desse passado. Mas, no fundo, não chegou a hora de amassar esses retratos e jogar no lixo. Não, ainda não estou precisando uma carteira nova.
uísa tinha vergonha. Cláudia tinha tudo, conjuntos, músicas, mas não tinha coragem. Júlia e Marcela tinham vontade, mas não tinham namorados. Juliana fazia quase tudo, isso não. A Carla sim, a Carla era a sem vergonha, com namorado, com coragem, conjuntos, músicas, mas também nunca tinha feito. Numa mesa de bar, as seis amigas se encontraram depois de quase um ano sem se ver. A conversa começou com saudade, passou por chuva, faculdade, aniversário... E quando o único homem da mesa foi embora, caiu em striptease. Eles acham que elas só falam de beleza e fazem fofoca; elas acham que eles só falam de sacanagem e futebol. Não é bem assim. Do chope voaram sutiãs, abriram-se camisas de botão e subiu-se no salto alto. Carla, que tinha acabado de voltar de uma aula de sedução, compartilhou os truques com as amigas. Na empolgação, ninguém se lembrou que estava num bar cheio e a conversa íntima, bom, deixou de ser íntima. Na mesa ao lado, três casais. As mesmas rodadas de chope, as mesmas conversas de saudade, chuva, faculdade, aniversário... E nada de striptease. João e Letícia, que estavam mais na ponta, quase na mesa das mulheres, foram os que mais se incomodaram. Primeiro começaram baixinho “pra que falar disso aqui?”, depois passaram para “ai, nem é tão difícil assim fazer, vai” e terminaram com o João falando “amor, você nunca fez, né?”, enquanto Letícia olhava feio para a mesa das mulheres e acabava com a conversa maliciosa. Também acabou a música, começou a chuva e todos pagaram a conta. Luísa foi para casa querendo perder a vergonha, Cláudia buscando coragem, Júlia e Marcela procurando pretendentes, Juliana planejando a surpresa e Carla, claro, pronta para o primeiro. Os casais foram cada um para um canto, falando sobre qual filme assistir no cinema no final de semana – sem sacanagem. Nos celulares, os homens falavam “velho, o que era aquela mesa? sorte dos namorados delas”. No Facebook, as mulheres criavam um evento secreto: noite das amigas (com vinho e truques de striptease).
Crônica por Francisca Nery
A professora Pardal Perfil por Patricia Siqueira
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qui é da Revista Claudia e nós gostaríamos de informá-la que você foi escolhida como finalista do Prêmio Claudia 2012 na Categoria Ciências. A única coisa que pedimos é que você reserve os dias sete e oito de outubro para a premiação.” Após a surpresa e a felicidade pela indicação, o combinado foi que Marcia receberia mais informações por e-mail, entre elas, sobre as equipes que seriam enviadas para a realização das fotos, vídeos e entrevistas. Passou-se uma semana, duas semanas, três semanas, e o tal e-mail não foi encaminhado. Marcia comentou então com o marido: “Eu caí no conto do Prêmio Claudia, que idiota que eu sou...” Engano seu. Marcia Mantelli foi finalista e vencedora do maior Prêmio da América Latina dedicado às mulheres. O Prêmio Claudia busca descobrir e homenagear pessoas competentes que realizam trabalhos importantes para a sociedade. São premiadas cinco mulheres nas categorias Ciências, Políticas Públicas, Cultura, Negócios e Trabalho Social. Em 2010, a vencedora da categoria ciências foi a atual presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster. A seleção das finalistas começa no mês de março, quando a equipe responsável pela premiação convida cientistas, acadêmicos, empreendedores sociais, empresários, políticos, escritores e cineastas para indicar suas candidatas. Participantes de anos anteriores e leitoras também contribuem. Desta troca de informações, são selecionadas 250 mulheres e depois de uma rigorosa pesquisa sobre as realizações dos nomes sugeridos, são definidas três finalistas por categoria. A peculiaridade da forma de escolha das candidatas engrandece a indicação, tanto que, para Marcia, a conquista do Prêmio foi um detalhe, importante, é claro, mas um detalhe, diante do fato de ter sido escolhida entre tantas mulheres pesquisadoras e que também merecem o título de competentes, talentosas, inovadoras e empenhadas em construir um Brasil melhor. Marcia Mantelli fez graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, mestrado em Engenharia e Tecnologia Espaciais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, e doutorado em Engenharia Mecânica pela University of Waterloo. Atualmente é professora adjunta do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. A Professora veio para a UFSC por achar que o ambiente do INPE era um pouco restrito nas atividades que desejava realizar. “Eu queria fazer pesquisa com um pouco mais de liberdade sem ter muita direção de onde tem que chegar, então, a Universidade sempre se adequou mais a isso”. Tendo em vista o contato que teve com a UFSC em outras ocasiões de pesquisa, negociou um “empréstimo” seu do INPE, quando terminou o doutorado, veio para Florianópolis como pesquisadora e efetivou-se como professora através de concurso. Na UFSC, ajudou a montar o Laboratório de Tubos de Calor (Labtucal), do qual é coordenadora. Os primeiros equipamentos foram comprados com recursos da Agência Espacial Brasileira, para atender a linha de pesquisa de controle térmico de satélites e desenvolver a parte de tubos de calor. Segundo Marcia, por uma questão política, o grupo nunca conseguiu colocar nenhum tubo de calor nos satélites desenvolvidos no Brasil, porque estes equipamentos são sempre adquiridos no exterior. A tecnologia desenvolvida
passou, então, a ser dirigida à resolução de problemas da indústria. A professora acredita na vocação das pessoas, e na sua própria. Gosta de dar aulas, de motivar jovens. “Cada um tem que achar a sua função na sociedade. É ser feliz naquilo que faz e eu sou feliz naquilo que eu faço. A combinação de ensino e pesquisa, eu acho bem bacana, porque não é só pesquisa, é formação de gente também”. Quando era pequena, já tinha vontade de ser professora, “mas não de gente grande né, imaginava dando aula de criança”. A brincadeira que ela mais gostava era a de corrigir provas. Não imaginava que quando se tornasse professora de gente grande, esta se tornaria a tarefa que mais detesta cumprir. Como professora, é muito valorizada pelos alunos. Certa vez, ao ser anunciado que ela deixaria de ministrar uma disciplina, os graduandos organizaram um abaixo-assinado para que ela permanecesse. Este caso foi relatado por um colega docente, que com orgulho, conta que ela continuou com as aulas. Para explicar a veia científica, Marcia cogita os fatos de sempre ter tido facilidade em matemática e física, ou então ter vindo de uma família de engenheiros... Mas na verdade, ela sempre gostou muito de ler, e lia também gibis. Entre os personagens da Disney, o seu preferido era o Professor Pardal (amigo do Pato Donald, o mais famoso inventor de Patópolis). “Quando ele punha aquele chapéu pensador que acendia aquela luzinha e inventava coisas do nada, eu ficava me imaginando em um laboratório, misturando as coisas, explodindo de vez em quando alguma coisa”. Sua primeira escolha para curso de graduação, aos dezessete anos, foi a Engenharia Civil, mas como o curso não era oferecido em Campinas, e mudar de cidade estava fora de cogitação para seu pai, a decisão foi cursar Engenharia Mecânica. A escolha foi acertada, porque desde o início, quando descobriu a área de ciências térmicas, ficou encantada e nunca lhe ocorreu mudar o campo de estudo. O desenvolvimento de seu trabalho faz Marcia acreditar que o próximo passo a ser dado é descobrir “como é que se converte essa tecnologia que está em um estágio experimental, mas que está dando certo dentro da indústria, em algo que faça os nossos alunos progredir. Fazer com que eles consigam sair da Universidade e formar empresas sólidas que atendam às necessidades do país num nicho que vem se desenvolvendo há muitos anos e que está tendo aceitação no mercado. Aí sim a gente vai estar convertendo esse bem em uma coisa sólida para o Brasil”. A Professora afirma que teme a possibilidade deste mercado estar sendo desenvolvido “para ser entregue de graça a uma multinacional. O meu sonho é que a gente consiga estabelecer uma indústria nacional forte, para atender não só à indústria brasileira mas também os outros países”. Marcia Mantelli é professora universitária no nível de graduação e pós-graduação, desenvolvedora e coordenadora de projetos de extensão e pesquisa, e o Prêmio Claudia 2012 é a 13° premiação que reconhece o seu trabalho. Marcia acredita, porém, que sua trajetória é “mais ou menos bem comum, é aquela coisa que a gente vem fazendo no dia-a-dia, né”.
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Lucas Bicalho
“Meu sonho é que consigamos estabelecer uma indústria nacional forte, para atender não só à indústria brasileira mas também os outros países”
Índio quer apito
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ob o gélido silêncio da grande imprensa brasileira, o país acompanhou, como pode, a súplica desesperada dos índios guarani caiová. Segundo maior grupo indígena do Brasil, os caiová vivem (ou sobrevivem) sob condições lastimáveis, em reservas localizadas nas redondezas do município de Dourados, no Mato Grosso do Sul. A taxa de homicídios é de 145 para cada 100 mil habitantes, os índices de suicídio alarmantes, o alcoolismo e a dependência química são epidêmicos, e as ocorrências de trabalho semiescravo nas fazendas da região, corriqueiras. Submetidos a esse quadro aterrador, um grupo de 170 índios, que teve a posse de sua terra negada pela Justiça, se valeu, através de uma carta, da forma mais aterrorizante de protesto: a ameaça de suicídio coletivo. Ainda que jamais possamos conceber o sofrimento que o manifesto dos Guarani-Caiová tenta explicitar, o texto é especialmente trágico porque nos afeta a todos, de forma individual. Poucos de nós terão o privilégio de não encontrar, em algum esconderijo da memória, algum momento em que tenhamos nos referido ao índio de forma depreciativa. O fato é que eles nunca, em nenhum momento, foram encarados como algo mais nobre que um (mais um) grande problema do Brasil. Distante da imagem do bom selvagem de Rousseau e Chateubriand, sustentada na literatura e na academia, o índio continua sendo lembrado como a personificação do atraso. Isso se associa ao fato de que, por definição, a causa indígena não se encaixa nos atributos da “marca Brasil” do século XXI – um país ambicioso, de ideologia progressista e sem as amarras culturais presentes em sociedades mais antigas. Ao índio resta ser associado às tragédias do passado colonialista e ao atraso. O país que se gaba de sua multiculturalidade e hospitalidade com os inúmeros povos que desembarcaram em terras brasileiras, jamais logrou viver em harmonia com as populações ditas primitivas que, por teoria, seriam o primeiro elemento no mosaico étnico brasileiro. Além de se recusarem a serem escravizados pelos colonizadores e a cederem espaço para o desenvolvimento econômico no campo, não tiveram a decência de construir pirâmides, calendários e cidades como as dos vizinhos andinos, ou algo equivalentemente grandioso, do qual possamos nos orgulhar. Na pesquisa sobre realidade indígena realizada pelo Datafolha a pedido da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, divulgada em novembro de 2012, pode-se concluir que os índios querem, sim, se libertar do passado. Os dados coletados com cerca de 1200 índios de mais de 20 etnias revelam que 67% gostariam de ter cursado uma faculdade e 86% preferem habitações de alvenaria. No entanto, 16% acham que não são reconhecidos como cidadãos brasileiros, o que demonstra o realidade de integração continua apenas no plano imaginário. Quando se contentam em viverem, ao seu gosto, em reservas indígenas, são vítimas do lobby expansionista dos latifundiários e da ação dos grileiros. Isso quando não sofrem a perseguição de pistoleiros e a ferocidade dos ataques jurídicos questionando suas terras. Com o seu habitat dilacerado, só lhes resta se entregar à mendicância ou venderem sua força de trabalho aos fazendeiros, em troca de quase
nada. Sob o terror da autonegação gerada pela dominação da cultura do homem-branco, entregam-se ao alcoolismo, à depressão ou ao suicídio. Mas há, em tal desgraça, oportunidade: Aos que tem o inforSuporte virtual, nova realidade túnio de se aventurar nas caóticas cidades brasileiOnde a história é muito mais que factícia. ras, resta-lhes viver sob o estigma de cidadãos de segunda classe. Vindos de uma cultura pautada no compartilhamento de conhecimentos, crenças e tradições, são atirad o s numa sociedade bipartida, com distinções bem definidas entre erudito e vulgar, nobre e vil, braços e cabeças. Sua colocação neste cenário está, praticamente, pré-definida – acabam renegados às malcheirosas sarjetas urbanas. A racionalização para esse fenômeno aparece na forma mais anti-humanista possível: se são índios, por que não voltam à aldeia? Ora, pensando desta forma, estamos desqualificando todo e qualquer tipo de deslocamentos humanos existentes, estes que são a gênese da nação brasileira. Assim como o homem branco buscou as terras além-mar para satisfazer à sua insaciável ganância, o que impede o índio gozar de sua liberdade individual e cometer a mesma façanha? De acordo com a pesquisa do Datafolha, 89% dos entrevistados não estão dispostos a deixarem a aldeia para viverem em outro lugar. No entanto, a tendência é, segundo especialistas, de uma inversão deste índice. As novas gerações valorizam mais a importância de ter um emprego e explorar as possibilidades da vida fora das aldeias, como explica o sociólogo Bernardo Sorj, da UFRJ, em entrevista à revista Veja: “Ao conviverem com o resto da sociedade, os índios absorvem os valores e expectativas da cultura nacional e aspiram os mesmos direitos”. Como se vê, a sociedade brasileira não dispõe de maturidade necessária para integrar-se efetivamente com esses cidadãos. Importantes medidas nesta direção aparecem, timidamente, como o Programa de Ações Afirmativas, que garante acesso facilitado ao ensino superior. Enquanto isso, apesar do triste cenário, a desqualificação da cultura indígena continua sendo prática comum da cultura civilizada. Ela é praticada diariamente, nos mais variados ambientes, sem o menor pudor - o que dá razão àquela antiga explicação da gênese do povo brasileiro, a mistura entre o índio, o negro e o europeu. O índio luta, já o negro trabalha, e o europeu parte para a ignorância.
Aos que têm o infortúnio de se aventurar nas caóticas cidades brasileiras, resta-lhes viver sob o estigma de cidadãos de segunda classe
Dayane Ros
Ensaio por João Paulo Fernandes
Marcos Sussumu
Coisa séria
Crônica por Kadu Reis
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zul, preto, branco. As pessoas desse lugarejo – um longínquo território pretensiosamente isolado e banhado pelo Atlântico – poderiam gostar dessas três cores. Poderiam, mas não é assim que a banda toca por lá. Ainda que o branco da paz seja uma unanimidade entre o povo, a divisão entre os leais azuis e os poderosos negros é intensa. Aliás, não os chame de azuis ou de negros, você pode se dar mal ou até ser motivo de chacota, pois, acima de tudo, esse povo é espirituoso. Os chame de alvicelestes e alvinegros. Duas imensas tropas que são parecidas em quase tudo, mas jamais admitirão. Mesmo sotaque, mesma cultura, mesmos hábitos. Ainda assim julgam serem completamente diferentes uma da outra. Se você questionar sobre uma batalha vencida por um azul ante a um preto, o segundo provavelmente retrucará invocando algum tempo passado. Uma ocasião em que seu exército foi superior. Histórias de destacados guerreiros que com a ponta de suas lanças rasgaram a honra adversária. Mudam-se os anos, trocam-se as cores e os argumentos serão os mesmos. Um aviso: não se assuste, pois entre esses nobres guerreiros, dificilmente correrá uma gota de sangue. A batalha é disputada de forma limpa, sem deixar de ser dura como uma dessas guerras que não deveriam acontecer. Nas guerras entre alvicelestes e alvinegros se percebem muitos sentimentos. Alegria, tristeza, euforia, angústia e êxtase sempre estarão presentes. Mas indiscutivelmente o amor é o que prevalece. Os dois lados dessa interminável guerra são dotados de um amor especial. Os pergunte sobre o que amam exatamente e muitos se atrapalham com a resposta. “É inexplicável”, “é essa cor que contagia”, “são estas fardas que precisam ser honradas”, “é nossa casa que precisa ter sempre os seus tomando conta”, nada disso responde o que é que eles amam. Nos dias de hoje, onde a maré não está para peixe nem para o lado alviceleste e nem para o lado alvinegro, este amor poderia ser menor. Não é! O amor transborda ainda que frias palavras e
números os julguem exércitos de primeiro ou segundo escalão, de importância A ou B. Nem o amor e nem a alegria diminuem. Uns caçoam dos outros, que estão na mesma situação dos primeiros. Riem da desgraça alheia, que é idêntica a sua. Loucura? Não. É a paixão cega. É a vontade desses dois exércitos de se enfrentarem para sempre. Todos serão felizes, cada um à sua vez. Glórias e tristezas passarão, mas eles ficarão. O amor é passado de geração em geração, não se acaba! Alvinegros e alvicelestes estarão frente a frente no mínimo quatro vezes no ano que está para chegar. As românticas tropas se enfrentarão novamente. Que a alegria e a paz estejam em mesma medida nos dois lados. De antemão, parabéns. Você pode ter lido tudo isto sem conseguir compreender a relação entre guerra e amor, entre guerreiros e apaixonados. Se isso aconteceu, tente visitar o lugarejo e conviver com os dois lados, assim como eu fiz. Se ainda assim você não entender, desista, pois isto não é algo explicável e nem alcançável para todos. Não é simples. É Avaí e Figueira. É coisa séria.
Pé de pato, mangalô três vezes o colesterol? É saudável? Causa câncer? Ah, o câncer... tem tanta coisa que pode causá-lo que não sei como é que não morremos todos ainda. Deve ser por acreditar tanto nessas descobertas que caímos nos contos alarmistas que se dizem científicos. Muita gente andou desesperada por aí pensando que o fim do mundo ia coincidir com o fim da contagem dos dias no calendário dos maias, ou que o Grande Colisor de Hádrons (aquele túnel gigante subterrâneo lá na Europa) vai provocar um buraco negro e engolir tudo que existe. Ora, essas teorias são tão comprovadas quanto às do apocalipse da Bíblia e a do fim do mundo previsto pelo sem-teto meio fora da casinha ali da esquina. Aliás, adoramos misturar ciência com superstição. Andamos por aí usando a pulseira Power Balance, que garante ajudar a manter o equilíbrio, fazemos pedidos para a fitinha do Senhor do Bonfim, usamos a proteção da figa no bolso. Tem mãe que jura que não curou a asma do filho com outra coisa que não homeopatia. A colega de trabalho garante que se curou do câncer com Pedro Coli
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odo mundo adora ler uma bela de uma matéria com o título “Estudos comprovam alguma coisa”. Simplesmente adoramos quando alguém diz que cerveja pode prevenir doenças cardíacas, que o chá verde emagrece, que a mordida da formiga selvagem africana mata em três horas. E gostamos ainda mais se houver um pesquisador estrangeiro no meio, porque parece que o cara que trabalha lá na University of Oxford deve saber mais do que o da Universidade de Viçosa. Coitadinho do ovo. Sim, o ovo já foi tantas vezes manchete de “estudos comprovam” que ninguém mais sabe o que pensar dele. Emagrece? Engorda? Aumenta
medicina oriental. Os nervosinhos tomam Lexotan e meditam. Sempre tem alguém para sustentar a teoria. E quem duvida? É bem possível que o Seu Maneco, pescador da vila, saiba dizer que tipos de tempestade se aproxima tão bem quanto o satélite mais moderno. Não foi cientista quem disse, mas funciona. Vai saber se daqui a mil anos não vai ser tudo diferente? A Terra, que sempre esteve por aí enquanto a humanidade existiu, já mudou de formato pelo menos umas três vezes: já foi disco, bola e hoje é geóide (achatada nos pólos, lembra?). A penicilina foi descoberta por acidente e evitou mortes. Quem sabe um dia alguém demonstra porque as receitas caseiras e a homeopatia funcionam ou descobre que a cura do câncer está mesmo na medicina oriental. Talvez seja tudo uma questão de fé. O que os estudos comprovam hoje vale até que... bem, até que se prove o contrário.
Adoramos misturar ciência com superstição
Crônica por Brenda Thomé
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Entrevista com os signos do zodíaco
Touro Z.R.: Nos próximos anos, o Brasil vai sediar a Copa e as Olimpíadas. O senhor está entusiasmado com os jogos? Touro: Entusiasmado? O governo está gastando dinheiro público em “pão e circo” sem se preocupar com o povo! Por quê não investem na nossa cultura, como o boi de mamão, por exemplo? Gêmeos Z.R.: Nos últimos anos tivemos um aumento de divórcios no Brasil. Vocês acham que o “até que a morte os separe” saiu de moda? Gêmeo 1: Pelo contrário. Penso dia e noite em casamento, estou muito ansioso para conhecer alguém para dividir as experiências! Gêmeo 2: Eu já acho que a fila anda. Não consigo ficar muito tempo com uma pessoa. O negócio é diversificar.
Leandro Trautmann
Áries Zero Revista: O que você acha do transporte coletivo no Brasil? Áries: Qualidade zero, tinha que queimar tudo que nem fizeram em Florianópolis e São Paulo ano passado! Z.R.: Um pouco radical, você não acha? Áries: O que? Está me chamando de radical? Quem você acha que é? (...) Pensando bem, temos só que despedir algumas autoridades.
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Virgem Z.R.: Com essa moda de leiloar a virgindade, quanto você acha que ganha na sua? Virgem: Por quê eu venderia uma das minhas virtudes? Você acha que foi fácil conseguir esse emprego na Casa 6 do Zodíaco? E uma pergunta, isso está dentro das leis comerciais? Libra Z.R.: Meritíssima, apesar de pessoas do mesmo sexo estarem se casando, ainda não temos uma legislação sobre esses direitos. De que lado a senhora está? Libra: Por isonomia, rejeito a impugnação. Os magistrados deviam deferir a permissão para o registro da união civil, decorrente de relação homoafetiva.
Câncer Z.R.: Com as evoluções da medicina e a aparição da menina Angela Zhang, é possível que você e os seus não matem Touro, sobre os gastos da Copa mais tantas Escorpião pessoas... Z.R.: Nos últimos anos, percebemos um auCâncer: Eu não quero matar ninguém! Só estou mento de atentados com armas químicas, tentando manter minha Casa. “Crescei-vos e multiplicai-vos”. Nem todo mundo é maligno como o Anthrax e o Sarin, na recente Guerra e eu não sou um Shakespeare pra gostar tanto Civil da Síria. Professor, qual o impacto que essas armas causam? assim de tragédias... Escorpião: Elas são altamente tóxicas e podem levar à morte. Esses venenos não deveriam ser Leão Z.R.: Você é um grande artista sendo o Rei da utilizados assim e, quem utilizá-los, merece floresta, Signo do Zodíaco e atuando no jogo do sofrer as consequências! bicho. Mas e a ilegalidade? Leão: O jogo foi criado há 120 anos para que o Sagitário Zoo do RJ não fechasse as portas. Agora, que Z.R.: A Google iniciou um projeto para dispovirou jogo de azar, fui processado várias vezes, nibilizar rede Wi-Fi no Sul e Sudeste do país. O que você acha desta iniciativa? mas confesso que adoro aparecer na mídia. Sagitário: Oi? Desculpa, estava checando minhas redes sociais. Sabe como é, a gente tem que estar sempre conectado com o mundo!
“Por que não investem na nossa cultura, como o boi de mamão?”
Capricórnio Z.R.: As empresas de energia do país anunciaram ano passado uma restituição aos consumidores. O que o Sr. pensa sobre esse “desconto” na fatura mensal? Capricórnio: Aos poucos vamos recuperando o dinheiro cobrado indevidamente. Mas a vida segue, com muito trabalho e sem se preocupar com esses “bodes expiatórios” que o governo arranja pra acalmar o povo. Aquário Z.R.: Atualmente, muitos comediantes foram processados por se expressarem com seu humor mais ácido. Em dezembro de 2012, a ONU veio ao Brasil para falar sobre liberdade de expressão. Você acha que... Aquário: É uma vergonha que o Brasil seja tão atrasado! A liberdade é para todos! Z.R.: Sr. Aquário, acalme-se por favor... Aquário: Revolução!!! Peixes Z.R.: Acabamos de passar por mais um falso fim do mundo. Você arrisca alguma previsão? Peixes: A próxima data eu não sei, mas se continuar com essa poluição, nós estamos fritos. Texto com base nos dados da personalidade dos signos do site Terra
Horoscópo Jornalístico por Dayane Ros
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no da Lua, de Vênus, da mulher, dois ‘planetas’ ligados ao feminino tornaram 2012 o ano das mulheres. Voltados para o lado emocional, intuitivo e maternal os planetas favoreceriam as mulheres a se destacarem e estarem envolvidas em grandes acontecimentos. No Brasil elas já são maioria, o Censo 2010 já afirmava que existiam 4 milhões de mulheres a mais, e no mundo com mais de 7 bilhões de pessoas são elas que têm maior expectativa de vida. Dentre as bilhões de mulheres do mundo, vale ressaltar duas. Dilma Rousseff, primeira presidente mulher do Brasil, começou o mandato em janeiro de 2011. Pouco se sabe sobre o seu mapa astral. Em sua certidão de nascimento não consta o horário exato em que ela veio ao mundo (o horário e o local informam o cenário astrológico do momento), apenas que seu nascimento aconteceu no dia 14 de dezembro de 1947. Invariavelmente do horário em que a presidente tenha nascido alguns elementos são fortes nela. Elementos de fogo e terra que, conforme astrólogos é comumente encontrado em pessoas administradoras, líderes, mas que de certa forma pode ser um problema, pois elas não costumam ter jogo de cintura para driblar grandes problemas, ou cederem a propostas que não lhes convém. Dilma possui o Sol (planeta que indica a essência, personalidade da pessoa) em Sagitário, signo regrado e muito observador. Outra líder que merece ser lembrada é a chanceler da Alemanha Angela Merkel. Canceriana do dia 17 de julho de 1954 e com ascendente em sagitário, ela possui o planeta Saturno ressaltado em seu mapa astral, o que possivelmente explica o fato dela transparecer ser dedicada e severa em suas ações, Saturno também implica no âmbito de superações de medos e problemas. Com o sol na casa 2 (casa relativa à vida financeira), ela se mostra alguém preocupada com o dinheiro e consciente com o uso. Essa característica é acentuada quando na casa 8 (ligado a perdas e heranças) possui um signo do ar, o que ocorre com Angela, que na casa 8 possui o signo de aquário. Além de trazer as mulheres para o foco, aumenta a possibilidade de grandes acontecimentos com nações ocorrerem. A crise na Europa e o julgamento do mensalão são dois exemplos que confirmam o mapa astral de 2012.
Mapa Astrológico por Iuri Barcellos
Caricaturas: Amarildo Lima
O verão astral das mulheres
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Se o comércio em papel se estende por um fio, Que surjam mais ideias para o desafio: Que nasçam outras formas de dar a notícia.
Poesia por Bruno Batiston