cultura e variedades JORNAL VALE DO AÇO l Domingo, 26 de setembro de 2010
vitrine POR VINÍCIUS FERREIRA
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o Brasil, cerca de 135,8 milhões de eleitores irão às urnas no próximo domingo, dia 3 de outubro, e muitos só votarão por ser esta ser uma obrigação democrática. Pela primeira vez nos últimos 12 anos, o número de eleitores que votarão, mesmo lhes sendo facultativo o direito de voto (jovens entre 16 e 18 anos e idosos com idade superior a 60), sofrerá redução. E enquanto Projetos de Emenda à Constituição (PEC's) tramitam em Brasília tentando derrubar a obrigatoriedade do voto, Dona Edite, mesmo com seus cabelos brancos e 94 anos de histórias para contar, não cogita a hipótese de deixar passar a oportunidade de votar. Ela será um dos milhares de brasileiros que votarão no próximo domingo. Para ela, um evento especial, repetido há 65 anos, desde a primeira eleição brasileira em que mulheres puderam ajudar a escolher o presidente, os senadores e os deputados federais. De lá pra cá, em todas as oportunidades na qual os políticos foram eleitos por voto direto, ela fez questão de ir, seja marcando em uma cédula o seu candidato preferido, ou digitando na urna eletrônica. Edite Carmen Nogueira nasceu em 1916, em Pedro Leopoldo, cidade conhecida por ter o registro mais antigo de ocupação humana em toda a América. Dona Edite, hoje com 94 anos, não soube precisar muito bem datas e contextos, tendo que recorrer sempre à ajuda de sua filha, Rose Mary Nogueira Lopes, e de sua neta Izabella Nogueira, além de arquivos familiares. "SOLTEIRONA" Edite cresceu em um lar comum, com seus pais, ainda em um estilo de vida totalmente rural. Era uma jovem que aprendeu a trabalhar, e ainda solteira, se mudou para o que viria a ser Ribeirão das Neves, antes mesmo da região se tornar uma cidade. Antes de casar, trabalhou como educadora. Foi considerada por muitos como "solteirona", por não ter, como a grande maioria das garotas daquele tempo, casado
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Exercendo a democracia Dona Edite votou na primeira eleição em que as mulheres tiveram o direito do voto, no ano de 1945, e já escolheu seus candidatos para 2010 Vinícius Ferreira
antes dos 16. Aliás, ela casouse muito depois disto. Antes, saiu de casa para trabalhar. "Eu era considerada uma solteirona, uma perdida para o casamento já. Fui me casar somente com 31 anos, e antes disto tinha saído de casa para ser professora", explica. MULHERES CONQUISTAM O DIREITO, mas não há eleições diretas Quando Edite tinha 16 anos, foi criado o primeiro código eleitoral Brasileiro. Há 78 anos, este código estendeu o direito de voto às mulheres, mas era um código provisório, e o direito de voto não era pleno. O código permitia apenas que mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar. Na eleição seguinte, dona Edite não poderia votar, de acordo com os pré-requisitos. Na verdade, ninguém pode votar em 1934, e nem nos anos seguintes. A eleição de 1934 aconteceu de forma indireta, com deputados escolhendo Vargas para continuar como presidente. Em 1934 as eleições também foram indiretas, mas foram feitas modificações no código eleitoral, retirando os pré-requisitos para mulheres poderem votar, mantendo somente a idade mínima de 21 anos. Porém, diferente do voto dos homens, o voto feminino era ainda facultativo. Sobre este aspecto, a modificação só veio ocorrer em 1946. De acordo com a Constituição, novas eleições estavam marcadas para 1938. Porém, no ano anterior, Getúlio Vargas implantou o "Estado Novo", fase autoritária de governo que só terminou em outubro de 1945, com a
"Ele era uma figura política na cidade, tinha um cartório, era escrivão, tinha certo poder naquela época. As pessoas vinham à porta de nossa casa nas vésperas das eleições para saber em quem deveriam votar, e votavam em quem o Doca mandava, até eu seguia o voto dele", afirma Dona Edite. Com o tempo e as eleições, Edite foi se envolvendo mais com a política, se tornando uma ativista e partidária do PSD. "Na nossa casa todo mundo votava junto, também ficávamos observando se os outros iam votar no candidato certo. Cheguei até a trocar a cédula algumas vezes, marcava a minha e passava para a pessoa votar. Participei muito de comícios, subia no palanque para falar ao povo em quem votar e ficava gritando 'já ganhou, já ganho' junto com o resto do pessoal", relembra Edite. Nesta época, era comum o voto indicado, conhecido historicamente como "voto de cabresto", característica do coronelismo.
MESMO COM 94 ANOS e sem a obrigatoriedade do voto, Dona Edite não abre mão deste direito. "Eu voto por que gosto de votar, voto por prazer" deposição do presidente. PRIMEIRA ELEIÇÃO O dia 2 de dezembro de 1945 ficou marcado na vida de Dona Edite como o primeiro dia no qual ela pode realmente votar. No final de outubro, com Vargas deposto, foi marcada
uma eleição direta para presidente. O voto feminino ainda era facultativo, mas Dona Edite queria votar. Ela conta que, para isto, tinha que ir a outra cidade. "Lembro que, na noite anterior à eleição, estava em um baile. Do baile fui direto para o outro distrito votar.
Fomos em uma caravana votar em Vera Cruz de Minas. Lembro até do candidato no qual eu votei, o Dutra, do PSD", recorda. Depois de votar, já com quase 30 anos, Edite foi trabalhar onde, a partir de 1953, seria a cidade de Ribeirão das
Neves. Como professora, ela conheceu Pedro de Alcântara Nogueira, que viria a ser seu marido, com o qual esteve casada até o ano de 1981, quando ele faleceu. Pedro era conhecido como Doca, e era quem indicava os candidatos que deveriam ser votados.
NOVO PERÍODO DE ELEIÇÕES INDIRETAS As escolhas dos candidatos ocorreram de forma direta até o ano de 1960. Na eleição seguinte, em 1965, o Brasil passaria por um longo período sem votação popular, que se estendeu até o movimento "Diretas já", em 1983. Enquanto morou em Ribeirão das Neves, Edite trabalhou como zeladora de um colégio, fazendo a função de professora substituta quando necessário. Chegou a dar aulas para Wilson Piazza, jogador do Cruzeiro que foi tricampeão mundial em 70, no México, e também disputou a Copa de 74, na Alemanha Ocidental, quando o Brasil
ficou em quarto lugar. Depois que seu marido faleceu, ainda viveu um tempo em Neves, onde assistiu ao movimento de luta pelas eleições diretas. Depois, em 87, mudouse para Ipatinga com sua filha, com a qual mora até hoje. Após esta mudança, Dona Edite já não era tão ativista política como antes, um pouco por causa da idade, que já avançava. Porém, ela nunca deixou de votar. Após o movimento por eleições diretas ela, com toda a
nação, retornou às urnas nas eleições de 1989. "Eu votei no Collor, antes disto tínhamos ficado um bom tempo sem poder votar", lembra Edite. "NUNCA DEIXEI DE VOTAR" Desde que se mudou para o Vale do Aço, Dona Edite vota em um colégio no bairro Horto. Nunca deixou de comparecer a uma eleição, seja majoritária, como a deste ano, ou para eleger prefeito e vereadores de sua cidade. Ela afirma que
não abre mão do voto enquanto ela tiver forças para fazê-lo. "Eu não sou mais obrigada a votar com a maioria da população, mas faço isto por que eu realmente gosto. Nunca deixei de votar nenhuma vez, e domingo irei novamente escolher meu candidato. Já tenho os meus candidatos escolhidos, e vou usar o meu direito", declara dona Edite, que mesmo andando com dificuldades, não deixará de ir à urna no próximo domingo.
Mulheres que são parte da história democrática nacional
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direito ao voto feminino começou pelo Rio Grande do Norte. Em 1927, o Estado se tornou o primeiro do país a permitir que as mulheres votassem nas eleições. Naquele mesmo ano, a professora Celina Guimarães - de Mossoró (RN) - se tornou a primeira brasileira a fazer o alistamento eleitoral. A conquista regional desse direito beneficiou a luta feminina da expansão do "voto de saias" para todo o país. A primeira mulher escolhida para ocupar um cargo eletivo é do Rio Grande do Norte. Foi Alzira Soriano, eleita prefeita de Lajes, em 1928, pelo Partido Republicano. Mas ela não terminou o seu mandato. A Comissão de Poderes do Senado anulou os votos de todas as mulheres. Em 3 de maio de 1933, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz foi a primeira mulher a votar e ser eleita deputada federal. Ela participou dos trabalhos na Assembléia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935. A primeira mulher a ocupar um lugar no Senado foi Eunice Michiles (PDS-AM), em
1979. Suplente, ela assumiu o posto com a morte do titular do cargo, o senador João Bosco de Lima. As primeiras mulheres eleitas senadoras, em 1990, foram Júnia Marise (PRN-MG) e Marluce Pinto (PTB-RR). Suplente de Fernando Henrique Cardoso, Eva Blay (PSDB-SP) assumiu o mandato dele quando o tucano se tornou ministro do ex-presidente Itamar Franco. Em 1994, Roseana Sarney (pelo então PFL) foi a primeira mulher a ser eleita governadora, no Maranhão. Em 1996, o Congresso Nacional instituiu o sistema de cotas na Legislação Eleitoral --que obrigava os partidos a inscreverem, no mínimo, 20% de mulheres nas chapas proporcionais. No ano seguinte, o sistema foi revisado e o mínimo passou a ser de 30%. A primeira mulher ministra de Estado foi Maria Esther Figueiredo Ferraz (Educação), em 1982. Hoje, as mulheres não só estão à frente de vários ministérios como há uma Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - chefiada por Nilcéa Freire, que tem status de ministra.