Guerreiros da luz

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GUERREIROS DA LUZ

MARCOS VALNEI

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APOIO CULTURAL: MUNICÍPIO DE MARILENA - PR

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................... 11 SEGUNDA-FEIRA ............................................................................. 13 TERÇA-FEIRA ................................................................................... 28 XAMANISMO ..................................................................................... 98 QUARTA-FEIRA.............................................................................. 139 QUINTA-FEIRA ............................................................................... 175 SEXTA-FEIRA ................................................................................. 199 SÁBADO ........................................................................................... 248 DESFECHO ...................................................................................... 319

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Aos antepassados que principiaram minha existência. Aos filhos Gabriel, Gustavo e Maria Eduarda que dão continuidade ao meu viver. Ao meu pai José (in memoriam) e minha mãe Elita, tão anjo quanto aqueles de asas. Aos irmãos, que me deram a honra de dividir com eles a existência neste planeta. À Andreia, Katy e Pietra, que permitiram minha aparição em suas vidas. Aos seres de luz que deixaram pegadas para que os seguisse.

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INTRODUÇÃO

Quando a vida me proporciona o direito de dar um tempo na correria cotidiana, encho minha bagagem interior de felicidade e venço quase oitocentos quilômetros para rever a cidade onde vivi minha adolescência e juventude. Lá, reencontro familiares, amigos e os “meus” amados rios. É nesse cenário de uma beleza exuberante que essa história se passa. Trata-se de uma obra de ficção, mas, decidi incluir nela, alguns personagens reais com o intuito de homenagear estas pessoas que fazem parte da minha vida e da história daquele lugar. Os convido para conhecer Marilena e seu Porto Maringá. Espero que apreciem esta excursão

por

um

universo

místico

em

busca

da

espiritualidade. A viagem já vai começar. Entre aí, coloque o cinto, que te dou uma carona.

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SEGUNDA-FEIRA

O sol despontava no horizonte anunciando a chegada de um novo dia. A imponente caminhonete branca rodava em velocidade moderada na imensa reta da rodovia que corta o Noroeste do Paraná. Frondosas mangueiras margeavam a estrada e por detrás delas, propriedades imensas, abrigavam inúmeras cabeças de gado, enquanto outras sediam seu solo fértil para a cultura da soja, trigo, cana-de-açúcar e mandioca. A bordo, um motorista solitário ouvia no pendrive, Zé Geraldo dizer que era o “atalho das grandes estradas por onde passou”. O homem branco aparentava ter cinquenta e quatro anos. Tinha a cabeça totalmente raspada. Uma barba rala e grisalha, mas bem cuidada, contornava seu rosto de expressões viris. Óculos escuros cobriam seus olhos castanhos. Parecia absorto dividindo sua atenção entre a estrada, a paisagem e a arte de Zé Geraldo, que a esta altura já dava “milho aos pombos”. Logo alcançou o trevo que convidava a seguir ao Porto São José na divisa com o Matogrosso do Sul ou pegar a direita em direção à Nova Londrina. Decidido, ligou a seta e rumou para a cidade conhecida como a rainha do noroeste

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paranaense. Tirou os óculos, fez movimentos circulares com o pescoço e os ombros como se quisesse massagear aquela região do corpo castigada pelas quase doze horas ao volante. Cruzou a larga avenida e admirou as imensas palmeiras que dividiam as duas pistas. Mas não parou em Nova Londrina. O veículo branco seguiu por apenas mais quatro quilômetros e logo o imenso portal de onde pendiam as figuras de um pintado e de um dourado, denunciavam que ele estava chegando a pequena Marilena, última cidade do Paraná antes do Matogrosso do Sul. As esculturas dos peixes, asseveravam que ali, era um lugar onde se praticava a pesca. O homem estacionou o carro na avenida principal da cidade. Uma igreja cuja arquitetura remetia a figura de um cisne, chamou-lhe a atenção. Ficava no centro de uma praça muito bem ajardinada e cercada por muito verde. Resoluto, desembarcou e olhou o celular. O visor mostroulhe que eram nove horas e doze minutos. Com passos lentos venceu a distância que o separava da edificação. As portas do templo estavam fechadas. — Bom dia! – Ouviu uma voz masculina atrás de si.

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Voltou-se, e, viu um homem de quase sessenta anos apoiado em um rastelo e uma enxada. — Bom dia! – Respondeu com um sorriso. — Posso ajudá-lo? - Prosseguiu o homem com entonação de anfitrião. — Creio que não. Gostaria de entrar para agradecer a boa viagem que fiz, mas, percebo que a igreja está fechada. — Sim! Hoje é segunda-feira. Dia de limpeza. Sou o sacristão e o zelador da paróquia. – Continuou o homem que tinha um boné verde sobre a cabeça já totalmente branca. Vestia calça jeans, e, apesar do calor, uma camisa de manga comprida. O sol já estava alto e o trabalho braçal exigia uma proteção extra. — Sua lida não será fácil nesse calor. — Já estou acostumado. Aceita um café? – Disse o zelador apontando uma garrafa térmica depositada junto a uma mochila velha à sombra de uma árvore. — Aceito! Afinal de contas, estou acabando de chegar e ainda não fiz o desjejum.

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— É turista? – Indagou o simpático anfitrião enquanto abria a garrafa de café e servia o visitante na própria tampa. — É… – Esticou o braço para aceitar o café e prosseguiu. - Digamos que eu seja. Mas não vim para pescar. — Não tem muita coisa para se fazer aqui se não for aproveitar os rios. — Rios? — Sim. Aqui é a cidade onde os Rios Paraná e Paranapanema se encontram. Um vem de São Paulo e o outro do Matogrosso do Sul. – Explicou o zelador como se fosse um guia turístico. — Deve ser algo bonito de se ver. — Sim! Este abraço acontece num lugar chamado Bico do Pontal. Com certeza o senhor vai dar um jeito de ir até lá. — Farei questão disso. — Mas se o senhor não veio pescar, o que o trouxe a este fim de mundo? — Um sonho! – Disse entredentes o dono da caminhonete branca enquanto desviava o olhar.

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— Um sonho? – Balbuciou o zelador enquanto tirava o boné e coçava a cabeça muito calva. — Olha senhor… é algo muito esquisito… não tenho porque tomar seu tempo contando-lhe minha história. — Tenho o dia inteiro para fazer meu serviço. Disponho de tempo. Se quiser me contar, serei todo ouvidos. Afinal, o senhor parece ter vindo de muito longe. Fico a me perguntar que tipo de sonho faz alguém vir parar aqui? Justamente aqui? — Deve achar que tenho alguns parafusos soltos. – Sorriu o visitante. – Vamos fazer assim. Me diga qual direção tomar para chegar aos rios. Prometo voltar um dia destes, para lhe pagar um almoço e então poderemos conversar, caso ainda esteja disposto. — Ok. Siga reto até acabar o asfalto. Andará por onze quilômetros em estrada de terra e chegará ao Porto Maringá. Vai dar de cara com os rios. — Obrigado pela informação e pelo café. Tenha um bom dia. Apertou a mão do zelador e se retirou. Quando estava quase saindo da praça, ouviu em sua retaguarda.

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— Não me disse seu nome! — Marcos! – Respondeu voltando-se sorrindo. — Meu nome é Mílton, mas, todos me chamam de Magal! — Prazer Magal. Até uma hora dessas. — Tem certeza que nunca nos vimos? — Só se foi em outra vida. Nunca estive aqui. Retomou a caminhada, entrou na caminhonete, girou a chave na ignição e arrancou devagar rumo ao Porto Maringá. Ainda viu o bom Magal escorado no cabo da enxada lhe acenando com o surrado boné verde.

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Dirigiu por uma larga e bem cuidada estrada de terra, e de fato, após onze quilômetros, avistou à sua esquerda, alguns condomínios repletos de pequenas residências. Deduziu que era ali o local de descanso de privilegiados turistas e moradores das cidades circunvizinhas. Pegou a esquerda, seguiu por mais quatro minutos, e, finalmente

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estacionou sob a sombra de uma frondosa árvore. Havia uma mureta muito baixa separando a estrada de um bar e de um restaurante. Avistou uma mesa de sinuca e algumas mesas e cadeiras espalhadas sob uma espécie de varanda enorme no primeiro estabelecimento. Uma calçada larga convidava para um aperitivo defronte ao restaurante. As duas edificações ficavam quase coladas uma na outra. Tudo muito simples, mas, de uma rusticidade agradável. Com certeza o lugar servia como fuga do frio e metódico luxo das cidades grandes. Dali, por entre árvores, já conseguia avistar as águas prateadas do Rio Paraná descendo mansamente seu curso. Havia pouco movimento por se tratar de uma segunda-feira. No bar, algumas pessoas tomavam um aperitivo junto ao balcão conversando com o proprietário. Outros clientes ocupavam as poucas mesas. Ali, a bebida era cerveja. Num acanhado palco fora do bar, um solitário cantor tirava de um violão e da garganta, algumas canções bregas. Ninguém parecia prestar atenção nele. Se aproximou do balcão e se dirigiu ao proprietário. — Bom dia! O que me sugere para tirar a poeira da garganta?

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— Bom dia, retribuiu a saudação com um sorriso o homem atrás do balcão. – Aqui o pessoal toma uma pinga com limão ou uma cerveja bem gelada. Marcos olhou ao seu redor, estava cercado por pessoas humildes, provavelmente pescadores locais. Todos estavam degustando uma aguardente. — Vejo que os amigos aqui estão tomando uma pinguinha com limão. Então vou com eles. Por favor me sirva uma e se não for ofensa, pago uma rodada para os cavalheiros aqui. —

Houve

um

gargalhar

coletivo.

Um

dos

frequentadores do bar, comentou antes de terminar o riso. — Moço, o senhor pagar uma pinga para a gente é muita gentileza e sinal de que veio disposto a fazer amigos. — Então, um brinde aos amigos! – E bebeu de um só gole a dose de pinga com limão servida em um copo americano. Fez uma careta, pigarreou para limpar a garganta e não conseguiu evitar que os olhos lacrimejassem e os pelos do braço se arrepiassem. Os pescadores riram alto, e, beberam suas doses como se fosse água. Conversaram por mais uns dez

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minutos. Ouviu os moradores se gabarem das belezas do lugar, lhe recomendaram o que visitar, onde dormir, onde comer e por fim, decidiu se retirar. — Vou ali conhecer o restaurante. Conversamos depois. Obrigado pela companhia. Pagou a conta, deixou o troco para o proprietário e saiu decidido. No restaurante foi recepcionado com empolgação pelo proprietário. Um homem baixo, de cabelos pretos e olhar atento. Mesas distribuídas no interior e fora, esperavam os clientes enquanto uma churrasqueira assava sem pressa a carne que seria servida no almoço. Pediu uma cerveja, e foi sentar-se

em

uma

mesa

de

madeira

colocada

estrategicamente sob uma árvore. De lá conseguia ver o rio. Ficou divagando, enquanto sem pressa, degustava a cerveja. Acostumado a solidão, apreciava ter tempo para si, gostava de passar a limpo seus projetos, ter um diálogo silencioso consigo e acalmar com o remédio da resignação, as feridas que a vida lhe impôs. A paisagem do lugar era muito agradável e o ar puro fazia bem aos pulmões. De repente ouviu atrás de si: — Eu conheço você!

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Voltou-se, e, viu um homem calvo, com cabelos malcuidados apenas dos lados da cabeça. Usava óculos de grau e trajava calça e sapatos sociais. Uma camisa bege de mangas compridas completava o vestuário do recémchegado. Um traje inapropriado para o lugar. — Não creio senhor… deve estar me confundindo com alguém. — Deixe-me explicar! – Disse o homem um tanto agitado, enquanto rodeava a mesa e se sentava sem ser convidado. – E como acho que a conversa será longa, tomei a liberdade de trazer um copo para dividirmos algumas cervejas. Marcos olhou seu interlocutor nos olhos. A princípio achou que estava sendo abordado por algum louco ou bêbado, mas, viu inteligência e sobriedade no semblante daquele homem. — E de onde o senhor acha que me conhece? Nunca estive aqui. — De um sonho! O sonho que me fez vir parar neste lugar.

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Marcos franziu o cenho e sorveu mais um gole da cerveja antes de prosseguir: — Pois acho que teremos muito o que conversar, senhor... — Pedro! Meu nome é Pedro Ferreira. Sou professor de história aposentado. — Muito prazer! Me chamo Marcos Braga e sou médico. Saiba que também estou aqui por causa de um sonho recorrente. — Em seus sonhos um anjo lhe impelia a vir para cá? No meu ele me mostrou você sentado exatamente neste lugar. Por isso me aproximei. – O professor Pedro parecia menos agitado nessa altura da conversa. — Sim… todas as noites este anjo aparecia e me dizia que eu deveria conhecer este lugar. A princípio não dei importância, mas, todas as noites, a mesma figura frequentava meu sono e insistia que era importante. —

Então,

Marcos...

como

historiador,

sou

completamente cético com relação a essas coisas de religião, não concebo Deus como nos ensinam, mas, foi algo muito forte, muito nítido. Então decidi vir averiguar o que

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este lugar tem para me oferecer. Imagine a minha surpresa quando o vi sentado aqui exatamente como no sonho. — No meu caso não vi pessoas. Ele me mostrava lugares. Na chegada parei na igreja da cidade, pois ele me levava para flutuar sobre ela. E depois me fazia vir aqui. — O que será que está acontecendo? Porque deveríamos nos encontrar aqui? — Não faço a mínima ideia. Mas esta conversa me deu sede. Ergueu a garrafa vazia e pediu ao proprietário que trouxesse outra. Então prosseguiu – Devo conhecer uma ilha neste rio. — Sim! Eu também! – Disse o professor aposentado quase gritando. Marcos riu da empolgação e excitação de seu novo colega. — Muito estranho. Não estou entendo bulhufas... Pedro que estava sentado de frente para o restaurante não pode ver, mas, Marcos notou um estranho que vinha do rio e caminhava em direção a ambos.

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— Vieram para a assembleia? – Perguntou o homem sorrindo, antes mesmo de se aproximar. — Está falando conosco, senhor? Respondeu um intrigado Marcos. — Claro! Permita-me que me apresente. Sou João Santos. Um ex-padre que teve sonhos incomuns nos últimos quinze dias. O professor voltou-se rápido como uma bala ao ouvir aquelas palavras. Viu o homem que tinha aparentemente a mesma idade que eles. Vestia bermuda jeans, camiseta azul e uma sandália nos pés. — Como disse que se chama? – Perguntou com a excitação de sempre na voz. — João! - Repetiu sorrindo aquele que um dia fora padre. — Marcos, Pedro, João... não acham que tem nomes bíblicos demais aqui? Marcos sorriu alto com a observação.

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— Verdade! Por favor, sente-se João. Venha refrescar o calor com esse precioso líquido. – Disse apontando para a garrafa já pela metade. — Vou buscar outra e um copo. Então me sentarei com vocês. E assim, permaneceram por aproximadamente duas horas. João Santos contou-lhes de seus sonhos cíclicos, em que um anjo insistia que ele fosse até aquele lugar onde encontraria algumas pessoas e com as quais precisaria manter contato. — Bem, se não estamos sonhando, algo sobrenatural está acontecendo. Só não entendendo o porquê fomos os escolhidos. – Disse Marcos visivelmente intrigado. — Tudo isso foge à minha compreensão, e, confesso que me assusta. – Reiterou Pedro, o professor de história. Almoçaram, e permaneceram dialogando por mais quatro horas. Nesse ínterim, aproveitaram para se conhecerem mutuamente. Marcos, entre outras coisas, revelou ser também escritor e palestrante. Quando o sol começava a se por, perceberam que já tinham bebido demais.

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— Bom, a viagem foi longa, estou cansado e precisando de um banho. Vou me instalar na pensão que me indicaram e amanhã nos reunimos para darmos continuidade a esta conversa e tentar elucidar o que nos aguarda neste lugar ao qual fomos impelidos a vir. – Sentenciou o homem que abandonou a batina. — Acho uma boa ideia. Concordou Marcos. Levantaram-se, pagaram o que consumiram, e, se dirigiram aos seus respectivos veículos. No curto trajeto conversaram como velhos amigos, se despediram e combinaram de se reencontrar na manhã do dia seguinte. Marcos não ligou o som de seu carro. Absorto em pensamentos, tentava entender o que estava acontecendo. Se um anjo os convocou para um encontro, será que ele também viria? Sorriu por admitir a existência de anjos, algo inconcebível para ele. O certo é que fora arrastado para uma aventura no mínimo intrigante e este novelo estava apenas começando a se desenrolar. ///////////////

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TERÇA-FEIRA

O amanhecer seguinte os encontrou com dor de cabeça. João, o ex-padre, dispensou o café. — Não consigo nem pensar em colocar algo no estômago. Extrapolei minha cota de álcool ontem. — Nem me fale. – Retrucou Pedro, o professor de História. – Vou me hidratar com uma água de coco. Marcos sorriu fazendo uma careta. — Boa ideia. Vou acompanhá-lo, professor. Após o minguado desjejum, combinaram de descer a pé até o rio. Uma caminhada faria bem a circulação e, ajudaria na recuperação da ressaca. Era uma manhã agradável. O sol se exibia imponente em um céu intensamente azul e o orvalho beijava a vegetação que margeava a estrada de terra. Passarinhos ofereciam um concerto de diferentes trinares. Tudo muito diferente dos grandes centros de onde vinham. — O anjo apareceu no sonho de alguém? – Indagou Marcos com o intuito de quebrar o silêncio.

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— Que anjo? A cama rodou a noite inteira! – Respondeu João com um sorriso amargo. — Levantei uma quatrocentas vezes para urinar. – Completou Pedro com olheiras que denunciavam a noite mal dormida. — Eu tentei ler um livro, mas, acordei com ele no chão. Parece que coincidimos no fato de não sermos bons com bebidas. – Observou Marcos sempre de bom humor. A caminhada durou vinte minutos e ao cabo deste prazo, chegaram ao rio. Desceram uma larga rampa de cimento por onde os barcos eram levados e retirados da água. Lanchas enormes e uma porção de barcos presos por cordas, bailavam suave ao ritmo calmo da correnteza. Algumas lanchonetes ainda fechadas se destacavam à direita.

À

esquerda,

havia

alguns

quiosques

com

churrasqueiras e pias edificadas com tijolos. Deduziram que as mesmas, eram utilizadas pelos turistas. O rio enorme e salpicado de ilhas, se debruçava em seu leito massageando a retina de quem o contemplava. Um negro sem camisa e descalço se aproximou com um sorriso largo. — É a primeira vez aqui?

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— Sim! – Respondeu Pedro retribuindo o sorriso. Então o recém-chegado decidiu fazer a vez de um guia turístico. — Aquela mata lá adiante, não é o fim do rio. Aquela é a Ilha Óleo Cru, a segunda maior do mundo de água doce. Depois dela o rio continua até a margem onde começa o Matogrosso do sul. — Interessante... Murmurou Pedro satisfeito com a informação. — Estão vendo aquela ilha lá no meio? – Continuou o negro apontando em direção indefinida. – Na verdade não é uma ilha. É um continente e pertence ao estado de São Paulo. — Então estamos em uma tríplice fronteira? – Indagou Marcos surpreso. — Sim! Paraná, Matogrosso do Sul e São Paulo. Rio adentro existem belezas que os senhores precisam conhecer. Ali é o Bico do Pontal onde os rios se encontram. Mais adiante a esquerda, não conseguem ver daqui, está a Ilha de Guadalupe, também conhecida como Ilha dos Pneus, bastante requisitada pelos turistas.

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Um som de tambor interrompeu a aula de geografia ministrada pelo negro descalço. Os quatro voltaram-se instantaneamente e puderam ver um índio sentado em uma mureta, tirando notas compassadas e dolentes de seu instrumento. Para isso, utilizava uma grossa baqueta feita com o galho de alguma árvore e adornada com penas coloridas em uma de suas extremidades. Os três decidiram se aproximar, enquanto o negro sem camisa, preferiu dar atenção e oferecer seus serviços a um grupo de turistas que acabara de descer a rampa. - Bom dia, senhor! – Exclamou João meio que se desculpando por interromper a compenetração e a música do índio. Este ergueu a cabeça para olhar nos olhos dos recémchegados. Vestia uma camiseta branca e uma bermuda jeans. De seu pescoço pendia um colar feito com pequenos ossos e dentes de algum animal. Cabelos pretos e escorridos se destacavam em um rosto arredondado e bronzeado. Os olhos negros tinham um brilho intenso e pareciam enxergar como uma águia. Ao seu lado esquerdo, uma bolsa de couro, aparentava ser a única bagagem que trazia.

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— Bom dia! Disse com uma voz grave enquanto um sorriso mostrava seus dentes muito brancos. — Creio que o senhor não é desta região. - Observou Marcos com o objetivo de iniciar um diálogo. — Não! Venho de longe. Permitam-me que me apresente. Me chamo Taiguara e sou de uma tribo chamada Yawanawás. Estou vindo do Acre. — Caramba! Deve ter demorado dias para chegar até aqui. – Replicou João admirado com a revelação. — Não! Algumas horas. Tenho um avião particular e meu piloto me deixou em Maringá, que fica há uns cento e oitenta quilômetros daqui. Então aluguei um carro e aqui estou. Os três amigos se entreolharam desconcertados. E se não fosse o índio retomar o diálogo, o silêncio teria se perpetuado. — Fico feliz que tenham chegado bem. Eu também vim para o encontro. — Meu Deus! – Quase berrou Pedro. – Quantos foram convocados para essa estranha e inacreditável reunião?

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— Apenas mais uma pessoa. Aquela mulher que se aproxima. – Disse o indígena apontando com um movimento de cabeça, a descida da rampa. Os três se voltaram instantaneamente e puderam ver a loira que caminhava graciosamente em direção a eles. Era linda! Tinha aproximadamente trinta e cinco anos, cabelos bem alinhados, lábios grossos, usava um gracioso vestido de alça mandala. Quando se aproximou, tirou os óculos escuros e deixou à mostra um par de olhos de um azul hipnotizante. — Bom encontrá-los senhores... — Você deve ser o anjo... - Balbuciou quase que imperceptivelmente aquele que um dia lecionou história. A observação arrancou dos demais uma sonora gargalhada, inclusive da recém-chegada. — Não... – Continuou sorrindo a moça. – Sou de carne e osso e me chamo Maria Madalena. — Mais um nome bíblico! Gaguejou João. — Sou psicóloga. – Continuou a se apresentar sem dar atenção para a observação do ex-padre. – Sou kardecista,

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e, como converso com espíritos, aceitei prontamente o convite angelical para estar aqui. Estou curiosa e ansiosa para viver esta experiência que nos foi proposta. — Bem-vinda! – Disse Marcos com seu melhor sorriso. – Temos então um time formado por um índio, uma espírita, um ex-padre, um historiador ateu e eu que não tenho religião, mas, acredito em uma inteligência superior que criou tudo isto aqui. – Concluiu apontando com a mão direita a paisagem que os cercava. — Não só isso aqui. Todo o planeta e todas galáxias do universo infinito – Completou o índio Taiguara. — E como você sabe que ela é a última a se integrar ao grupo? – Indagou visivelmente intrigado o professor Pedro. — Oras bolas… não é obvio? O anjo me disse. Respondeu sem rodeios, o indígena. Então levantou-se e saiu dando por encerrada a conversa. — Onde você vai, Taiguara? – Berrou Marcos. — Tomar café! Índios também se alimentam. – Respondeu o simpático milionário levando sua surrada bolsa de couro e o afinado tambor a tiracolo.

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— Eu lhe acompanho. – Sussurrou Maria Madalena ao mesmo tempo em que corria graciosamente em sua direção. — Pois minha ressaca passou e me deu fome. – Observou o padre João. — Então vamos nessa! – Concluiu Marcos empurrando de leve o professor de história. Saíram deixando para trás, o negro descalço que naquele momento iniciava a viagem de lancha levando um grupo de doze turistas para a Ilha de Guadalupe.

/////////////////// Foram recepcionados efusivamente pelo dono do restaurante que lhes serviu café com pão, margarina, ovos fritos, presunto e queijo. Taiguara pediu que seu café fosso sem açúcar, o que gerou uma troca de olhares entre os demais. Maria Madalena dispensou os ovos, o que agradou ao professor Pedro, que se serviu em dobro. — Devem estar curiosos sobre o motivo de serem escolhidos para este encontro. – Disse o Índio, secando os lábios com um guardanapo de papel.

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A resposta foi coletiva, com os demais quase protestando, pois isso era obvio. — Pois bem, vou tentar explicar-lhes. – Prosseguiu Taiguara com um leve sorriso no rosto. – Já ouviram falar em egrégora? Marcos e Pedro assentiram com um movimento positivo de cabeça. — Egrégora é a denominação que se dá à força espiritual gerada pela soma de energias coletivas, sejam elas mentais ou emocionais. Ela acontece quando duas ou mais pessoas vibram na mesma frequência, no mesmo sentimento. — Entendi. – Observou o ex-padre. – É por isso que Jesus disse que onde dois ou mais estivessem reunidos em seu nome, lá Ele estaria. — Exato. Uma missa ou um culto formam uma egrégora, pois a coletividade naquele ambiente está emanando a mesma vibração. Ela se expande e se fortalece de acordo com o número de pessoas que a “alimentam” e a intensidade da energia que lhe é destinada.

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— Ok. E o que isso tem a ver com estarmos aqui? Indagou impaciente a bela Maria Madalena. — Calma... já vão entender. - Continuou o índio sem se alterar. – O universo que nos rodeia, é a soma de todas as vibrações dos seres existentes. E a mãe terra, a quem algumas culturas se referem como Pachamama, está doente em virtude do lixo emocional e vibracional que a humanidade tem emanado ao longo dos séculos. Taiguara fez uma pequena pausa, como se pedisse licença para continuar. Como percebeu a atenção dos demais, prosseguiu: - Os Incas, por exemplo, cultuavam à Mãe Terra, como representação da fertilidade, maternidade e criação. Povos antigos a tinham como o grande ventre sagrado que nos gerou e nos receberá quando nossa existência neste plano se findar. Ela não é a mãe apenas dos humanos e sim de tudo que aqui existe, todos os seres, sejam animal, vegetal ou mineral, em toda plenitude e peculiaridade com suas cores, saberes, texturas, cheiros e formatos, são nossos irmãos, filhos da mesma mãe. - Cid Moreira gravou “Desiderata” lá nos anos setenta e nos dizia que somos filhos do universo, irmãos das

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estrelas e árvores. – Observou o padre João, referindo-se a um texto do filósofo e advogado Max Ehrman que virou uma espécie de mantra do movimento hippie nos anos sessenta e ganhou o mundo pela profundidade e sabedoria de seu conteúdo. — Estou acompanhando seu raciocínio, mas, ainda não vejo ligação nenhuma com o fato de um anjo me pedir para estar aqui. – Observou Marcos sem esconder sua contrariedade. Taiguara prosseguiu como se não o tivesse ouvido. — É importante que a humanidade se reconecte com a Mãe Terra e a reverencie pelo alimento, nutrição e acolhimento que nos proporciona. O homem moderno se esqueceu de manter um diálogo de gratidão com a casa que o abriga nesse universo suspenso. Ao invés disso, insiste em adoecê-la com suas ações cada vez mais prejudiciais. — Devagar, companheiro. – Retrucou Pedro, o professor de história. – Isso está muito profundo para minha cabeça rasa. Todos riram da colocação do contrariado colega que parecia disposto a abandonar a mesa e voltar para casa.

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- Aguenta a mão Pedro... – Observou Marcos em tom conciliador. - Deixe o Taiguara concluir a sua dissertação. - É preciso que entendam que fazemos parte do todo. Enquanto indivíduos, somos elos de uma só corrente. Tudo que eu faço, afeta o todo e tudo que o coletivo emana, tem consequências sobre mim. - Com isso eu concordo. – Retrucou João, visivelmente interessado na narrativa. - Então é preciso que nos melhoremos enquanto pessoas para que tenhamos uma coletividade sadia. – Observou Maria Madalena muito focada no que ouvia. - O problema, - Prosseguiu o indígena. – é que tem mais gente disseminando escuridão e doenças do que pessoas comprometidas em contribuir com a saúde de Pachamama. - E é aí que entramos? – Questionou Marcos com curiosidade no olhar. - Exato! Vocês vibraram na egrégora dos homens de boa vontade, dos que querem paz na terra e, a sua maneira, dão glórias a Deus nas alturas.

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- Espera aí! – Quase gritou o bom professor de história. – Sou ateu! Não acredito nessas coisas esotéricas e sobrenaturais. Taiguara sorriu, antes de prosseguir. - Você não precisa saber dirigir e conhecer o caminho para chegar a São Paulo. Basta entrar no ônibus certo que o motorista te levará até lá. Pedro se recostou na cadeira e, pensativo, levou a mão direita ao queixo como que nocauteado por aquela observação. - Nem todos os que dizem Senhor, Senhor, alcançarão o reino dos céus. – Balbuciou João, em reminiscência ao sacerdócio. - Exato! Pedro não diz Senhor, Senhor, mas suas atitudes e possivelmente amor ao próximo, o credenciaram a estar aqui. – Corroborou o índio. - Interessante o que nos coloca. Mas, e o anjo? E porque nós? – Impacientou-se Marcos. - Creiam... nos próximos dias vão descobrir coisas que transformarão as suas vidas. Por hora, posso apenas

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afirmar que o sobrenatural existe. Está invisível aos olhos de vocês, mas, logo a venda será retirada e a luz se fará. - Eu sei que existe. Vejo e converso com espíritos. – Asseverou a única mulher do grupo. - Mas porque nós? – Voltou a indagar o ateu. O índio o olhou nos olhos antes de prosseguir. - Jesus quando escolheu os seus discípulos, não optou pelos especialistas em religião ou os doutores de sua época. Ele convocou pessoas simples, com mentes férteis onde a semente do conhecimento germinaria livre da erva daninha do saber adquirido e que por sinal estava contaminado pelos interesses dos donos da verdade daquele tempo. - Admitindo-se que Jesus existiu, foi uma atitude inteligente. – Sorriu o professor. - Você não vê o vento. Mas não pode negar que ele esteja aqui. – Completou gentilmente o índio. - Então estamos todos interligados e fomos escolhidos para aprendermos como alcançar nossa melhor versão e com isso servirmos de remédio para curar a terra. –

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Resumiu

Marcos

sem

conseguir

esconder

sua

incredulidade. - É uma boa síntese por enquanto. - Prosseguiu Taiguara sempre com o sorriso no rosto. - O escritor gaúcho Lauro Trevisan escreveu em um de seus livros que a gota do oceano não é o mar, mas tem a essência dele. Assim, nós não somos Deus, mas, trazemos conosco Sua essência. - Li o livro O poder Infinito da sua mente. – Corroborou padre João. - E Augusto Cury, outro escritor brasileiro sentenciou que “um quarto pode ficar duzentos anos em total escuridão, mas, se alguém entrar nele e acender um fósforo, provará que um segundo de luz é capaz de vencer séculos de trevas”. – Completou Taiguara demonstrando ser adepto de uma boa leitura. - E o anjo? Vamos vê-lo? Ou você é uma espécie de feiticeiro na sua tribo e conseguiu entrar em nossos sonhos? – Insistiu o professor Pedro.

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- Viu? Já está começando a admitir a existência do sobrenatural. – Disse em tom enigmático o índio, antes de prosseguir. - É preciso que a humanidade descubra o fato de que a egrégora existe e se conscientize da importância de se cuidar dela. Uma família por exemplo, forma uma egrégora. Então entendam como é importante que os pais e os filhos prestem atenção no tipo de sentimento e vibração que estão alimentando dentro de seu lar. - A egrégora age como um espírito que fica impregnando o ambiente? Indagou a psicóloga. - Mais ou menos por aí. Ela paira no ar e se expande à medida que mais vibrações a alimentam. Ela pode ser boa ou ruim. Como quase tudo, tem a ver com a lei do retorno. - O semear é livre, a colheita é obrigatória. – Observou o padre João. - Obrigado pela ilustração. – Prosseguiu o índio. – Políticos tem se aproveitado da egrégora para ganhar eleições. - Como assim? Assustou-se o professor.

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- Não vejo como isto pode ser verdade! – Concordou Marcos. - De uma forma muito simples. Acompanhem meu raciocínio. O medo sempre foi uma arma poderosa utilizada pelos inescrupulosos para dominar o seu semelhante. Isto começa no berço quando os pais entoam a cantiga de ninar. - Como assim Taiguara? Assustou-se Maria Madalena. - “Nana nenê, que a Cuca vem pegar”. – Cantarolou o indígena com o olhar fixo em seus companheiros. - Esta simples afirmação induz a criança ao medo e a obediência. Melhor dormir (obedecer) pois assim não enxergo o perigo que a tal de Cuca pode representar. Naquele momento da existência, os pais dizem para a criança que a obediência é um remédio poderoso contra o medo. E não percebem que na verdade estão formatando o cérebro do recém-nascido para aceitar o jugo e o poder que a classe dominante pretende perpetuar sobre as grandes massas. - Entendi! - Murmurou o professor Pedro. - Nana nenê que a Cuca vem pegar, é substituído na vida adulta por frases como: “Siga minha doutrina ou queime no fogo do inferno”. “Seja honesto enquanto eu trapaceio”.

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“Trabalhe para me enriquecer sem ter tempo de estudar”. “Melhor dizer sim senhor do que perder o emprego”. “Curvese a injustiça, pois caso contrário, não terá como alimentar sua família”. Neste mundo capitalista milhões de pessoas vivem aterrorizadas pelo medo de não conseguir pagar o aluguel, o mercado ou a farmácia. - É uma boa tese. – Observou Marcos. - E onde a egrégora é utilizada para ganhar uma eleição? - Como disse, o medo é uma arma poderosa. Para exemplificar, digamos que a grande mídia espalha uma egrégora de medo, mostrando a violência que se alastra pelo país. Que a mesma é imparável e está matando pessoas inocentes. Que ela está cada vez mais próxima das famílias comuns, que ceifa vidas de trabalhadores e crianças. O medo torna-se uma egrégora alimentada por milhares de pessoas que vibram naquela frequência. - Ok! Estou acompanhando seu raciocínio. – Murmurou um compenetrado Marcos. - Então, quando a egrégora está expandida o suficiente, chega um político e se apresenta como a única solução para o problema da violência. Faz um discurso inflamado, aponta falsas soluções, demonstra coragem e

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ganha a confiança daquelas pessoas aterrorizadas. Apareceu um super-herói para salvá-las daquele terror. A coragem é o antídoto contra o medo. O político “tem” o remédio. Vamos votar nele. Fez-se um breve silêncio após estas colocações. - É! Realmente a humanidade precisa descobrir a existência da egrégora e aprender como cuidar dela – Arriscou sua opinião o professor de história. Taiguara sorriu enigmático enquanto levantava-se para dirigir-se ao caixa. - Eu pago a conta! – Ah! E precisam saber que o anjo não nos visitou. - Como não? – Surpreendeu-se Maria Madalena. - Nós o visitamos. Quando dormimos, nosso espírito viaja por dimensões que enquanto conscientes não temos acesso. Os demais trocaram olhares intrigados ainda aturdidos pela enxurrada de informações. - Por hora, lembrem-se que precisamos contribuir para melhorar a energia que emanamos. E na medida do possível, devemos despertar nas pessoas que nos rodeiam

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a conscientização desta necessidade. Quanto mais pessoas tomarem conhecimento desta verdade, melhor será para a saúde do nosso lar. Dito isso, o índio se afastou. - Será que ele é louco? – Perguntou finalmente o professor. - Não acho. Estou gostando da conversa, disse o padre João levantando-se enquanto dava uma última mordida em um pedaço de pão. - Também estou interessada no que está por vir. Vamos ver onde isso nos levará. – Afirmou Maria Madalena. Marcos por sua vez, levantou-se e estendeu a mão para que Pedro fizesse o mesmo. - Vamos companheiro. Acho que somos os únicos céticos aqui. - Vamos! Estou louco para conhecer as ilhas deste lugar. - Pachamama deve ser bonita vista de uma lancha no meio do Rio Paraná. - Estamos vibrando na mesma egrégora!

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Riram alto e saíram apressados em direção aos outros que já estavam três metros à frente.

////////////// Caminhavam devagar e dialogavam. Todos queriam beber um pouco mais na fonte de saberia do índio. Este parou, retirou o tênis e aconselhou aos demais que fizessem o mesmo. - Permitam que a terra toque em seus pés. Descarrega as energias e faz com que estejam em contato direto com um segmento da natureza. Desta vez, ninguém protestou e logo estavam todos descalços com seus calçados nas mãos. - Explique melhor essa coisa de termos visitado o anjo. – Pediu Marcos dando um direcionamento mais objetivo a conversa. - Pois bem! – Principiou o índio – Existem cinco estágios de consciência. Beta, é este em que estamos, acordados e sujeitos ao turbilhão de pensamentos que nos advém. Alfa, é um estado de relaxamento profundo. Theta,

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é um estágio de meditação e sono leve. Delta nos atira a um sono profundo e sem sonhos, e, por fim, Gama onde atingimos um estado profundo de percepção. - Li o livro Limite Zero sobre Ho-oponopono. É em gama que atingimos o campo das infinitas possibilidades? – Questionou João referindo-se ao livro de Joe Vitale. -

Sim!

Quanto

mais

distantes

do

estado

de

consciência, mais nos aproximamos da nossa verdadeira essência. É onde nosso espírito e nossa mente tem acesso à

inteligência

coletiva

e

deixamos

de

ser

uma

individualidade para nos conectar ao todo, a Deus. - Que história é essa de Ho-oponopono? – Quase gritou o professor Pedro. - É uma técnica havaiana que nos permite fazer as pazes com o passado superando mágoas e feridas. – Desta vez, quem explicava era o homem que abdicou da batina. - Devo ser o professor mais ignorante da história. Nunca ouvi falar. - É que não estava sintonizando a frequência onde esta informação é difundida. – Consolou-o Taiguara, antes de prosseguir. – Tudo funciona como ondas de rádio. O

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universo capta nossa vibração e nos devolve exatamente aquilo que emanamos. É como um eco. Para sintonizar uma determinada emissora de rádio, você tem que acertar a frequência correta daquele prefixo. Você, como ateu, recebia de volta, ideias e conhecimentos sobre aquilo que oferecia. - E como funciona esse tal de ho-opono sei lá o que mais? – Indagou Marcos, ligeiramente interessado no tema. - Na língua original, “Ho’o” significa cura e “ponopono”, arrumar, endireitar. Uma tradução aceitável para nosso idioma é “corrigir um erro”. – Ensinou Taiguara. - A prática nos leva a assumir a responsabilidade por tudo que acontece em nossas vidas. Parte do princípio que trazemos conosco o nosso passado, e todas as energias negativas dele em nossas memórias. Se não as purificarmos, fatalmente limitaremos nossas possibilidades futuras. - Ou seja, temos que aliviar o fardo que carregamos, nos livrando de julgamentos, mágoas e dores que colecionamos ao longo desta e de outras vidas. – Completou o padre João.

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- Acredito plenamente nisso. – Sussurrou a bela Maria Madalena – No espiritismo chamamos de carma esse lixo emocional que trazemos de outras existências. - Caramba! Tenho dificuldade de administrar o ativo e passivo desta vida, e, agora, querem que eu lide com problemas de outras encarnações. – Praguejou o engraçado professor. - Temos que fazer as pazes com nosso passado para apascentar nosso espírito no presente. – Prosseguiu Taiguara com um brilho intenso no olhar. O índio parecia ter uma aura iluminada. - E como se pratica esse ho-oponopono? – Quis saber o médico. - Basta dizer: Eu sinto muito, por favor me perdoe, te amo, sou grato! – Ensinou o ex-padre João. - Quando alguém profere estas quatro pequenas frases, está reconhecendo seus erros ao mesmo tempo em que invoca o espírito do perdão, do amor e da gratidão. – Completou Taiguara. - Não sei como na prática, isso pode gerar resultados. – Intrometeu-se o rabugento professor.

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- Terá que experimentar. Posso apenas te explicar o sabor de uma maçã, mas, para saber efetivamente o gosto dessa fruta, você terá que prová-la. – Reiterou o indígena olhando pesaroso para o ateu. - Porque está me olhando assim? - Não tenho a pretensão de te apontar o dedo, ou de ensiná-lo algo. Longe de mim essa ideia. Mas, me entristece te ver sempre com o guarda-chuva aberto. Com medo da chuva, sem admitir outras possibilidades. Decidiu trancar-se no limitado universo de suas convicções e o simples fato de admitir a existência de outras verdades o apavora. O professor enrubesceu e silenciou magoado. Permita-se comer a maçã, meu amigo. E acredite! Não estou falando de Adão e Eva. – Sorriu o indígena, provocando a mesma reação nos demais. Inclusive no professor. - Bom, agora que quebramos o clima de mal-estar que se instalou por alguns segundos, me atrevo a dizer que outra prática sadia, é reverenciar nossos ancestrais, reconhecer a importância e a influência deles em nossa existência atual.

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- Sério isso? – Questionou Marcos surpreso com a revelação. - A conexão com o nosso passado é contundente e está acima da nossa vontade. Somos a consequência de milhares de fatos ocorridos ao longo de incontáveis anos. Os familiares que viveram antes de nós, estão incorporados em nossas células. Trazemos o sabor e os nutrientes de cada alimento que eles experimentaram. Nós somos o resultado da união de povos, dos frutos que geraram, dos que viveram e morreram antes de nós. Eles e suas histórias estão em nós, em nossos genes e nas nossas células. - Caramba! Que profundo isso... – Balbuciou João como que arrependido de não ter descoberto antes a importância de seus ancestrais. - Arrisco dizer que é importante orarmos por nossos mortos, para que suas falhas sejam transmutadas em bênçãos e luz. Agindo assim, estaremos auxiliando-os na caminhada que continua em outro plano. - Então você credita em reencarnação? – Questionou Maria Madalena.

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- Firmemente! – Asseverou o índio. – Comungo da visão de que temos uma missão a cumprir na senda da evolução. E se não conseguimos atingir nossos objetivos nesta vida, voltaremos tantas quantas vezes forem necessárias até que estejamos purificados o suficiente para ascender a um outro patamar da existência. Acredito que a vida é eterna. - Seria como o aluno que repete de ano antes de avançar a próxima série. – Observou o professor em tom conciliador. - Ótima ilustração Pedro! – Elogiou o indígena selando a definitiva paz entre ambos. - A reencarnação explica o fato de pessoas boas vivenciarem uma realidade de privações enquanto outros que praticam o mal, desfrutam de abundância. – Se fez ouvir Maria Madalena provida do conhecimento que a doutrina espírita lhe proporcionou. - Também creio nisso. Deus é amor e perfeição. Ele jamais cobriria alguns de seus filhos com infindas benesses e destinaria desgraças para outros. Para mim, esta realidade faz parte das escolhas que fazemos antes de reencarnar. – Era Marcos entrando no assunto.

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- Na escola da evolução, precisamos revisar algumas matérias. Em outras, já estamos aprovados. Então aos bons que vivem em privação lhes é dada uma nova oportunidade de aprender a lidar com as injustiças ou até mesmo corrigir as que por ventura praticaram. Viverão assim até que descubram que Deus habita neles e aprendam procurar o colo do Pai. Precisam abrir mão do livre-arbítrio e permitir que o dono da perfeição aja em suas vidas. – Completou Taiguara. - E os maus que se dão bem? – Perguntou o padre João. - Estes terão que prestar contas de seus atos. Colhemos o que plantamos. Em um dado momento a vida lhes cobrará explicações. Colherão em forma de falência, de desavenças familiares, ou de doenças. O dia da colheita fatalmente chegará. – Concluiu o sábio indígena. - É muita informação para o meu sistema processar. – Sussurrou o professor com um leve sorriso no semblante. - O Taiguara está passando um antivírus no seu sistema e deletando arquivos desnecessários. Com muitos gigabytes livres, seu sistema processará melhor. – Brincou Marcos abraçando o amigo.

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- Novamente o gargalhar foi coletivo. - Proponho que nos separemos agora. – Prosseguiu o indígena – Acho que é um bom momento para nos recolhermos a nossa individualidade e fazermos uma reverência aos nossos antepassados e pensarmos sobre o que acabamos de conversar. Em meia hora tornaremos a nos reencontrar. Nenhum deles contrapôs. Afinal, que mal haveria em fazer um momento de silêncio e enviar boas energias àqueles que os antecederam? E assim se fez. Taiguara sentou embaixo de uma árvore e ofereceu aos espíritos de sua linhagem o soar cadenciado de seu tambor. Maria Madalena se dirigiu à margem do rio e ficou a contemplar o descer ininterrupto das águas. João sentou-se à esquerda de sua colega mantendo uma distância de, pelo menos, sete metros. Pedro preferiu a mureta ao lado da rampa onde conheceram Taiguara. Já Marcos, caminhou até a barranca do rio de onde viu surgir o padre João no dia em que se conheceram. Assim, por aproximadamente trinta minutos, cada qual a seu modo, investigou seu passado e enviou vibrações de paz e gratidão para aqueles que viveram nas mais longínquas épocas e principiaram a história que hoje

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era deles. O índio tinha razão. Aquela atitude envolveu seus espíritos em uma aura de paz jamais vivenciada. Marcos pensou consigo: - Se em beta experimentei esta paz, fico imaginando quando este índio maluco me levar a gama. Estou começando a pensar que prestei muita atenção no mundo material e me esqueci de alimentar meu espírito. E enquanto voltava para se juntar aos colegas, balbuciava: - Eu sinto muito! Por favor, me perdoe! Te amo! Sou grato!

/////////////// O professor Pedro o recepcionou caminhando em sua direção. - Como foi? - Perguntou com a peculiar ansiedade que o caracterizava. - Foi bom. Fazer silêncio parece ter aguçado os meus sentidos e me senti envolvido por uma aura de paz. - Senti algo parecido. Até notei uma lágrima involuntária escorrendo do meu olho direito.

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- Isso é bastante comum. É o espírito transbordando. Disse Taiguara que ouvira a conversa à distância. O professor, ainda envolvido no ceticismo, apenas o olhou em silêncio. - E agora? Qual será o próximo passo? – Continuou Maria Madalena sem disfarçar sua vontade de ir além. - Vamos sentar embaixo daquela árvore. Disse Taiguara apontando para o outro lado da rua. - Ainda precisamos trocar nossos conhecimentos antes de irmos em busca do que nos trouxe aqui. Está sendo modesto. – Sorriu o padre João antes de concluir – O único que tem conhecimento nesta área, para nos repassar parece ser você. - Vamos, meu bom índio. Quero saber o que tem dentro dessa cabeça. – Intrometeu-se Marcos colocando sua mão esquerda no ombro direito de Taiguara. Então, em silêncio, caminharam por aproximadamente trinta metros. Acomodaram-se sob a generosa sombra de uma frondosa figueira. A bela loira sentou-se ao lado esquerdo do indígena enquanto que os demais, de frente para ele.

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- Vocês precisam partir do princípio de que tudo que existe tem vida. Tem espírito e emana energias, inclusive a terra e o que vem depois dela. O universo está pulsando o tempo inteiro e em constante expansão. – Era Taiguara partilhando o que aprendera em sua jornada até ali. - Inclusive os seres inanimados como as pedras? – Indagou João achando um absurdo tal hipótese. - Tudo! E como coloquei anteriormente, somos frutos da mesma mãe e estamos coabitando este planeta. E diante desta realidade, temos que respeitar o espaço e a existência destes seres. Maria Madalena olhava encantada para Taiguara. Como Kardecista, acreditava na imortalidade dos homens, mas, nunca havia aprendido sobre essa teoria que acabara de ouvir. - Nós, índios, agradecemos a árvore que nos proporciona a lenha para nossas fogueiras... procuramos estar em alinhamento emocional e espiritual com os rios e com o fogo. - Até o fogo? Interrompeu Marcos muito concentrado no assunto.

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- O fogo foi a companhia de nossos ancestrais nas cavernas. Ao som do seu crepitar, povos dividiram conhecimentos e os repassaram para seus descendentes. Aprendam a olhar uma pequena fogueira. Verão na chama, formas e danças que os levarão a um estado de relaxamento profundo. - Se fizermos isso, segundo sua teoria, alinharemos nossa alma com o espírito do fogo? – Fez-se ouvir o padre João. - Exatamente isso. – Concordou Taiguara para então dar sequência a sua explanação. – E isso vale para a chuva, para o vento, para os rios, e tudo o mais que habita Pachamama. - Então a sensação de paz que sentimos ao meditarmos

sobre

nossos

antepassados,

era

um

alinhamento? - Balbuciou Marcos como se pedisse desculpas por dizer algo tão obvio. - Com certeza. Vocês alcançaram um estágio de vibração que sintonizou com forças invisíveis emanadas pelo rio e pelas árvores que os rodeavam. – Ensinou Taiguara.

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- Mas como isso é possível? – Quase gritou o sempre inquieto professor. O índio sorriu, pois dimensionava o quanto o que expunha, batia de frente com as convicções que o professor de história tinha sobre a existência. - Vou lhes contar uma história real, que talvez facilite a compreensão do nosso professor. Um cientista japonês chamado Massaru Emoto fez uma experiência com a água. – Continuou o Indígena. - Ele colocou o precioso líquido em alguns recipientes e os expôs a palavras que remetiam a diferentes emoções. Em um dos vidros escreveu algo como “eu te amo” e em outro, frases pesadas como “eu te odeio”. Os frascos foram expostos também a diferentes estilos musicais. Ao fim de um determinado período, o senhor Emoto

fotografou

com

equipamentos

especiais,

as

moléculas da água. O líquido dos frascos que receberam boas vibrações, apresentava formas leves e brilhantes. E a água exposta a energias carregadas, exibia desenhos pesados e desagradáveis. Se levarmos em conta que o corpo humano é composto de água, entre 60 e 75%, teremos razões suficientes para cuidarmos do ambiente em que vivemos e das energias as quais nos expomos.

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- Caramba! Isso faz muito sentido. – Sussurrou o que abdicou da batina. - Outra curiosidade que nos levará a pensar, é que na média, a proporção de água no corpo humano é similar a divisão de terra e água na superfície do nosso planeta. – Que bacana! Somos semelhantes à nossa mãe terra! – Contrapôs Maria Madalena sem esconder o impacto que o aprendizado lhe causou. - Outro ponto importante é dispensarmos atenção adequada a Jesus Cristo. – Continuou o índio com seu dilúvio de informações. - E a humanidade não faz isso? – Quis saber Marcos, surpreso com o tom da conversa. - Não o suficiente. – Continuou Taiguara. - Jesus alardeou que somos templos de Deus. Me parece que poucas pessoas levaram isso a sério. Já algumas culturas praticam a crença do Eu Sou. - Como é isso Taiguara? – Investigou Marcos. - Trata-se da aceitação e conhecimento da divina presença. Uma forma de viver em comunhão verdadeira

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com o espírito, a centelha divina. Em síntese, é compreender que Deus habita dentro de nós e vive a espera de que nos lembremos disso e abdiquemos do livre arbítrio para que Ele possa nos ajudar de forma mais efetiva a alcançarmos a nossa melhor versão. - O Eu Sou aparece muitas vezes na bíblia. – Corroborou João, valendo-se do conhecimento que o sacerdócio lhe proporcionara. - Esteja à vontade para ilustrar. – Sorriu Taiguara satisfeito com o embasamento bíblico de sua tese. - “Eu Sou” é uma das denominações que Deus utiliza quando se refere a Si. A primeira vez que isso aconteceu está registrado em Êxodo, quando Moisés pergunta a Deus o que dizer aos israelitas quando estes quisessem saber o nome do Deus que o enviara. A resposta que Moisés ouviu foi: " Eu Sou o que Sou". - Jesus tem algo a nos dizer sobre o Eu Sou? – Continuou Taiguara mesmo sabendo a resposta. Só no Evangelho de João no Novo Testamento, Jesus utiliza o termo em sete oportunidades. – Rememorou João sem titubear.

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“Eu Sou o Pão da vida.” (João 6:35, 48, 51) “Eu Sou a Luz do mundo.” (João 8:12) “Eu sou a porta das ovelhas.” (João 10:7,9) “Eu sou o Bom Pastor.” (João 10:11, 14) “Eu Sou a Ressurreição e a Vida.” (João 11:25) “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (João 14:6) “Eu sou a videira verdadeira.” (João 15: 1,5) - Está bem de memória, hein, padre? – Exclamou Pedro desferindo um sonoro tapa nas costas de João. O ex-padre fez uma careta, mas, depois sorriu. - Então acostumem-se a dizer para si mesmos. “Eu Sou Deus em ação”. - Prosseguiu Taiguara com a mansidão de sempre na voz -. Mas não se trata do Deus, aquele senhor de imensa barba branca sentado sobre o mundo a espera de que o adorem. Estou me referindo ao Deus energia, ao Deus espírito do amor e da solidariedade. Aquele Deus bipolar, que em um momento é o Pai benevolente e no instante seguinte nos atira ao fogo eterno do inferno, é uma invenção dos homens para dominar o seu semelhante. Paguem o dízimo, sigam nossa doutrina,

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sujeitem-se as nossas regras, os últimos serão os primeiros. Tudo isso foge da essência do bem, e, portanto, não poderia estar mais distante do verdadeiro e único significado de Deus. Quando proferirem Eu sou Deus em ação, afirmarão que o amor, o perdão e uma infinidade de bons sentimentos emanam de vocês e emitirão energias benéficas para a cura do planeta. - Bem, no amor eu acredito. Então começo a admitir a existência de Deus. – Observou o ateu da turma. - Devemos seguir leves. Mesmo porque a nossa capacidade de compreensão é limitada e o finito jamais conseguirá

conter

o

infinito.

Deus

não

está,

Ele

simplesmente É. – Concluiu o índio com a certeza que fora merecedor da atenção dos demais. - Estamos aprendendo com você que devemos amar, perdoar e agradecer. Mas você nos coloca isso de forma diferente. – Observou Marcos sem esconder a admiração que sentia pelo indígena. - E abençoar. Devemos oferecer nossas bênçãos a todos.

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- Mesmo aos nossos inimigos? – Perguntou o professor. - A partir do momento que você perdoa e abençoa, o inimigo deixa de existir. - Mas não quero amizade com quem me prejudicou. – Disse uma convicta Maria Madalena. - Não precisa manter uma relação de amizade. Continue vibrando numa frequência elevada, que as guerras do seu semelhante jamais a alcançarão. Repito! Abençoe e siga em frente. É preciso que tenhamos um coração agradecido, só este fato em si, elevará a frequência da nossa vibração. - Obrigado por nos apresentar esta filosofia de vida. – Agradeceu o padre João em um murmúrio quase que inaudível. - Eu me acostumei a proferir uma frase que utilizo inúmeras vezes durante o dia. “Eu sou o poder de Deus que habita em mim, agindo livre e ininterruptamente na minha vida”. – Completou Taiguara dividindo seu mantra pessoal com os colegas.

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- Bacana! Você invoca o poder de Deus ao mesmo tempo em que abre mão do livre arbítrio. Isso está claro quando determina que Ele aja livre em seu viver. – Compreendeu Pedro de imediato, a essência e o potencial daquelas colocações. -

Existem outras frases que operam verdadeiros

milagres em nosso estado de espírito. - Desembuche, sabidão! – Brincou Marcos atento ao aprendizado que lhe era proporcionado. - Eu sou a proteção de Deus manifestada aqui! Eu sou a harmonia de Deus manifestada aqui. Eu sou o poder de Deus manifestado aqui. Cada um pode criar a colocação que melhor lhe aprouver. - Você é a sabedoria de Deus manifestada aqui. – Improvisou Maria Madalena com um sorriso. - Cara! Isso deve fazer um bem danado para a alma da gente. – Concluiu Marcos, memorizando aquelas frases para pôr em prática doravante. - E faz! Mas precisamos entender que alma e espírito não são a mesma coisa. – Prosseguiu o índio.

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- Explique isso, por favor. – Pediu Pedro, o ansioso. - Assim como Deus é formado pela trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, também nós temos a nossa trindade. - Ganhou minha atenção! – Exclamou Maria Madalena. - Nossa trindade é formada pela mente, pela alma, que é o nosso eu que reencarna e pelo espírito que é a nossa porção de Deus. - Continue... – balbuciou Marcos. - De posse dessa informação, devemos entender que precisamos alinhar nossa trindade. A mente deve usar a alma como ponte para alcançar nossa porção divina e assim proporcionar ao nosso corpo uma existência saudável e próspera. - Jesus disse que ninguém chega ao Pai se não por Ele. – Ponderou João como se pensasse em voz alta. – Você nos aponta a alma como elo. - Ninguém chega ao Pai sem seguir os ensinamentos de Jesus. Foi isso que Ele quis dizer. – Respondeu o indígena para então concluir:

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- O espírito, que é a porção divina que habita em nós, tem todas as qualidades e poderes de Deus. Podemos criar um mundo perfeito ao nosso redor, mas, como temos o livre arbítrio, nosso espírito não toma a iniciativa. Ele fica à espera de que nossa mente o convide a agir. - Caramba! Se for verdade, a humanidade precisa ter conhecimento disso. – Berrou o professor Pedro. - Se pensarmos sob este prisma, veremos que Jesus queria nos dizer exatamente isto. – Observou um encantado padre João. - O que Jesus falou a respeito? – Apressou-se em pedir o médico Marcos. - Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que crê em mim, esse também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas; porque eu vou para o Pai. - Sussurrou compenetrado, o homem que celebrara missas. - Caramba! Querem me dizer que Jesus sabia atravessar a ponte que leva a Deus? – E que Ele apenas permitia que a Divindade dentro Dele agisse? – Precipitouse Marcos.

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- Jesus não tinha porque mentir para a gente! – Sorriu o índio, satisfeito com a luz que projetara sobre aquelas mentes. - Ele apenas alinhava a sua trindade individual e nos disse que podemos fazer o mesmo. – Murmurou ainda incrédulo o professor. - Mas como fazer isso? – Disse por sua vez a bela psicóloga. - Só bons sentimentos e boas energias chegam a nossa porção Deus. A partir do momento em que o homem emanar apenas amor, a alma abrirá o canal para que a energia do espírito chegue até a nossa realidade, transformando o mundo que experimentamos nessa realidade alfa em que vivemos. - É fantástico demais e muito simples ao mesmo tempo. – Observou Marcos. - Esta é a maneira que Deus encontrou para ser onipresente. Colocou uma porção de si dentro de seus filhos. Assim, Ele consegue estar em todos os lugares. – Continuou o sábio indígena.

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- Mas porque não se manifesta para curar as doenças e evitar as guerras? – Ponderou o professor de história. - Porque se o fizesse sem ser convidado, faria do homem uma marionete. O livre arbítrio exige que principie na mente consciente a vontade de voltar ao Pai. De reencontrar sua essência divina para que consiga fazer obras parecidas com as de Jesus. – Sentenciou Taiguara. - Quando reencarnamos, temos uma missão a cumprir neste plano, que é corrigir erros de vidas passadas. – Observou Maria Madalena valendo-se dos conhecimentos que adquiriu na prática da doutrina espírita. - Exatamente. Precisamos purificar nossa alma para que ela possa evoluir até atingir um ponto em que não precise mais voltar e esteja digna de se juntar a Deus. – Corroborou Taiguara sempre com mansidão. - Mas o que é Deus então? – Quis saber o ateu. - Deus é a inteligência suprema, o amor, a origem, a fonte criadora. Deus é o todo, é o lar, e, nós, a individualidade que anseia voltar para casa. - Não consigo conceber como verdade esta teoria! – Insistiu o professor.

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- Pedro, você precisa compreender, que você real, não é esta casca pensante. Você é na verdade, o seu espírito e precisa entregar a ele, as rédeas da sua existência. Foi isso que Jesus fez. – Asseverou o índio. - Então foi agindo assim que Ele realizou obras maravilhosas. – Raciocinou em voz alta o padre João. - Em Coríntios 3:16, Jesus escancarou esta verdade. “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós”? - Porque será que a humanidade não deu a estas palavras,

a

devida

atenção?

Se

fez

ouvir

o

questionamento de Maria Madalena. - Porque é interessante para as forças dominantes apagar nas massas, a luz do conhecimento. Apressou-se a responder o sábio Taiguara. - Em um universo de escuridão, a luz é o bem mais precioso.

Sussurrou

Marcos

como

se

estivesse

hipnotizado. Diante destas conjecturas, o silêncio se fez por longos e inacabáveis segundos. Era como se o grupo tentasse digerir o conteúdo que lhes fora repassado pelo indígena. O

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professor Pedro parecia ser o mais afetado pelas revelações. Há muito, deixara de acreditar em Deus e de repente um grupo de pessoas inteligentes aceitava como verdade o fato de que a divindade habita o interior de cada um. Seria possível ser ele, uma porção do Deus que sempre negou? Uma erupção de questionamentos acontecia no íntimo do professor de história que a esta altura, suava frio. O sol brilhava intensamente no final daquela manhã. À distância, podiam contemplar o rio. O reflexo do astro-rei nas águas do Paranazão, propiciava um brilho prateado na correnteza que descia mansamente. Aquela visão incutiu neles, a sensação de que faziam parte daquele lugar. O rio era Deus em ação. Tudo o que os rodeava era Deus em ação e, como por um milagre, eles se sentiram rodeados e invadidos pela força maior que criou o universo.

/////////////// - Vou precisar da sua caminhonete! Exclamou Taiguara dirigindo-se a Marcos enquanto caminhavam de volta a pensão.

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- É sua pelo tempo que precisar. – Respondeu o médico instantaneamente. - Você dirige. – Respondeu o índio com um sorriso enigmático. - Como quiser. Mas posso saber o que está se passando por essa sua cabeça privilegiada? - Chegou a hora de adentrarmos o rio e preciso levar uma bagagem especial. - Que bom que decidiu. Não vejo a hora de conhecer as belezas que os rios têm para nos oferecer. - Se intrometeu o professor Pedro. - Acho que estamos todos de acordo. – Completou Maria Madalena. - Por mim partimos agora. – Se fez ouvir a voz do padre João. - Acho melhor almoçarmos primeiro e faremos isso na sequência. – Sugeriu Taiguara. - Como quiser. Vamos buscar sua bagagem e deixamos tudo pronto?

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- Vamos. Os demais podem ficar e reservar duas mesas no restaurante. E assim se fez. Marcos e Taiguara seguiram a pé até a hospedaria enquanto que Pedro, João e a bela psicóloga se dirigiram até o restaurante. Em menos de meia hora os três avistaram a imponente caminhonete branca estacionar nas imediações. Marcos e Taiguara desceram conversando alegremente. Era como se fossem amigos de infância. - Os dois acabaram de se conhecer e estão se dando muito bem. – Observou o ateu. - Acho que isto acontece com todos nós. – Reiterou a loira. - Concordo. Taiguara tem uma aura leve que cativa todo mundo. – Era o padre João arriscando sua opinião. - Verdade padre! Geralmente as pessoas que procuram nos convencer de sua verdade o fazem com empáfia e o máximo que conseguem, é repelir a quem se dirigem. Esse índio fala de coisas inconcebíveis para mim, e eu, em vez de achá-lo um pretensioso imbecil, gosto dele. – Confessou o professor de história.

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Ao cabo de dois minutos, Marcos e Taiguara se juntaram a eles. - Viram o cardápio? Estou com uma fome de leão. – Disse Marcos enquanto puxava a cadeira para sentar-se. Taiguara o fez em silêncio. - Temos arroz, feijão, batatas fritas, churrasco, peixefrito e saladas. – Elucidou Maria Madalena. - Eu pedi ovos fritos também. – Completou Pedro, o professor de história sem esconder que era bom de garfo. Taiguara sorriu olhando diretamente para o bom ateu antes de sugerir. - Então vamos nos servir? Assim poderemos iniciar nossa aventura rio adentro. - Demorou! Respondeu levantando-se de imediato o padre João. E foi imitado por todos. Deliciaram-se com o cardápio e o tempero do restaurante. Conversaram sobre assuntos diversos e em quarenta e cinco minutos estavam fartos. Maria Madalena pediu licença e deixou a mesa.

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- O almoço é por minha conta! Asseverou antes de caminhar graciosamente ao caixa sem se importar com os protestos de seus colegas. Cinco

minutos

depois,

Marcos

estacionou

a

caminhonete na rampa e foi recepcionado pelo negro sem camisa. - Decidiram conhecer as belezas do Porto Maringá? - Sim! Mas esse índio maluco decidiu levar uma bagagem extra e eu confesso que não entendi suas razões. –

Respondeu

Marcos

apontando

Taiguara

que

desembarcava sorrindo. - Vai entender quando chegar a hora. – Afirmou o índio. Quando terminaram de acomodar na lancha alguns sacos enormes abarrotados de coisas e mais algumas mochilas e o tambor do índio, viram Maria Madalena, João e Pedro se aproximarem. Enquanto recebia de Marcos o valor da viagem, o negro descalço se fez ouvir novamente. - Podem subir! Por favor, coloquem os coletes salva vidas.

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Assim foi feito. Enquanto o negro ligou o motor, dois auxiliares, sem muito esforço, empurraram a lancha para dentro do rio e, assim todos partiram em busca das paisagens que os rios Paraná e Paranapanema tinham a oferecer. A lancha parecia flutuar enquanto singrava devagar as águas límpidas do Paranazão. O vento no rosto e o respingo das águas causavam nos passageiros uma sensação de liberdade. O rio parecia maior, visto de uma lancha. O barulho do motor fazia com que o negro gritasse para se fazer ouvir. - Ali é o Bico do Pontal, onde os rios se encontram. Podem ver que as águas do Paranazão são mais claras que as

do

Paranapanema.

A

partir

deste

ponto,

o

Paranapanema deixa de existir e é engolido pelo Rio Paraná. - Interessante e maravilhoso este espetáculo da natureza! – Também gritava Maria Madalena. - À esquerda temos a Ilha Óleo Cru! – Continuou o piloto. - A segunda de água doce maior do mundo. – Completou o professor de história, demonstrando não ter

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esquecido a lição que o negro lhes proporcionou na primeira vez em que se encontraram. - Exato! Agora vamos entrar neste canal, e logo estaremos na Ilha de Guadalupe, o lugar preferido dos turistas que nos visitam. - Também conhecida como Ilha dos Pneus! – Foi a vez do padre João demonstrar ter boa memória. - Isso! – Continuava sorrindo o guia turístico. Logo ele diminuiu a velocidade e os passageiros puderam ver a ilha. Realmente era cercada de pneus. E diante dela, uma imensa praia de água doce se oferecia para o deleite de, pelo menos, seis dezenas de turistas. A água era muito límpida. Dava para ver o fundo. Avistaram uma porção de guarda-sóis e uma infinidade de tendas que serviam para abrigar os frequentadores da ação dos raios solares. Depois da ilha, havia um braço do rio, e após este, outra praia imensa também abarrotada de frequentadores. - Que maravilha de lugar! – Admirou-se Maria Madalena. - Como você consegue não acreditar em Deus? Indagou padre João dirigindo-se ao professor Pedro.

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Este por sua vez, limitou-se a fitar o colega com um semblante carrancudo. - Quem poderia imaginar que a natureza nos reserva um lugar assim no meio do Rio Paraná? – Era um boquiaberto Marcos pensando em voz alta. - O negro parou a lancha na lateral esquerda da ilha. Com o motor desligado, puderam conversar de forma natural. - Tem uma casa ali! Apontou o professor aposentado. - E uma casa na árvore também! – Sorriu o guia turístico. - Caramba! Que lugar incrível! – Encantou-se Maria Madalena. - Vamos descer e desfrutar esta maravilha! – Sugeriu João. - Não! Nosso destino não é aqui. – Era Taiguara surpreendendo a todos. Inclusive ao negro sem camisa. - Como assim? Este é o local ideal para nos refrescarmos. – Protestou Maria Madalena.

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O índio sorriu com a brandura de sempre antes de indagar ao piloto da lancha. - Tem outra ilha mais acima. É para lá que preciso que nos leve. - Realmente tem. Fica há pouco mais de três quilômetros daqui. É a Ilha Pingo. Mas ninguém vai lá. – Explicou o negro descalço, como se tentasse dissuadir o indígena daquele objetivo que lhe parecia descabido. - É justamente isso que procuramos. Privacidade! – Observou Taiguara com ar enigmático. - Não pode estar falando sério! – Protestou Marcos, procurando apoio no olhar dos demais integrantes do grupo. - Também gostaria de ficar, Marcos. - Era o padre João revelando sua opinião. - Mas, não viemos aqui para fazer turismo. Se o Taiguara diz que precisamos ir até essa tal Pingo, creio que é para lá que devemos ir. - E nada impede que paremos aqui quando voltarmos. – Ressaltou Maria Madalena. - Então vamos de uma vez! – Bradou o professor de história.

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Resignado, Marcos se deu por vencido. - Vamos então em busca do que nos aguarda. O negro mesmo sem entender os motivos de seus clientes, tornou a ligar o motor da lancha, manobrou a mesma e a colocou em movimento. A medida em que avançavam, o rio ficava mais largo. - Estamos adentrando o “Canalão”. Aqui em alguns pontos a profundidade chega a vinte metros! – Tornou a berrar o piloto na esperança de se fazer ouvir. Nessa altura, ninguém respondeu e, a viagem prosseguiu com os cinco passageiros mergulhados em um silêncio desconcertante. Pouco mais de três quilômetros, rio acima, avistaram a pequena ilha. No meio daquela imensidão de água, ela parecia realmente um pingo verde. A lancha se aproximou. A vegetação era farta. Parecia não haver locais de desembarque. O piloto rodeou toda a extensão da ilha e quando encontrou um ponto que julgou adequado, desligou o motor. Taiguara levantou-se e, com a agilidade de um gato, saltou para a margem. Com a mão esquerda agarrou-se a um galho de uma árvore e com a direita

segurou

a

lancha

para

que

os

demais

desembarcassem. Marcos foi o primeiro. Auxiliou Maria

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Madalena a descer e ofereceu sua ajuda a João e Pedro que pareciam ter dificuldade em manter o equilíbrio em virtude do bailar da lancha a mercê da correnteza. Quando todos estavam em terra firme, o negro perguntou. - Que horas querem que eu venha buscar vocês? Os cinco trocaram olhares e esperaram pela decisão de Taiguara. - Em cinco dias nas primeiras horas da manhã de domingo! Sentenciou o índio com convicção. - Pedro, Marcos, João e Maria Madalena olharam incrédulos para o indígena. - Sério isso? – Arriscou Marcos com aflição. - Cavalheiros e senhorita... nossa aventura vai começar agora. Quem não estiver disposto a permanecer aqui por cinco dias, que aproveite a carona de volta à civilização. – Explicou Taiguara com um sorriso e seriedade no olhar. - Cinco dias? Gaguejou Maria Madalena. – Mas eu não trouxe roupas íntimas, nem escova de dentes.

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- Com certeza vocês já assistiram aquele programa na televisão por assinatura. – Continuou Taiguara. - Largados e Pelados! Exclamou o professor. - Então! Alegrem-se. Pelo menos estaremos vestidos. Alguém me ajuda com a bagagem? – Disse o índio na tentativa de convencer os demais. Houve certa hesitação, mas, por fim, auxiliados pelo guia turístico, levaram poucos minutos para desembarcar a carga extra que o índio levara. Este cuidou pessoalmente de seu precioso tambor colocando-o a tiracolo. - Todos vão ficar? Perguntou o negro sem acreditar que aquilo estava acontecendo. - Sim! - Falou por todos Maria Madalena. - Nos vemos no domingo. Não vá nos esquecer. - Com certeza não madame. Pode contar que antes das sete horas estarei aqui. Então ligou o motor, e arrancou velozmente em direção ao Porto Maringá, onde com certeza, outros clientes o aguardavam. Da pequena Pingo, o grupo de aventureiros

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observava o desenho que se formava na água à medida que a lancha se afastava.

/////////////////////// De posse de um afiado facão que tirara de um dos sacos que serviam de bagagem, Taiguara com golpes precisos abria caminho cortando alguns galhos na vegetação. - Olhem por onde pisam! - Vai me dizer que é possível nos depararmos com alguma cobra. – Apavorou-se Maria Madalena. - Nunca se sabe. Lembrem-se que nós somos os intrusos. Comentou o índio, enquanto avançava em direção ao interior daquela que chamavam Pingo. Finalmente chegaram em um ponto aberto localizado bem no centro da ilha. Taiguara considerou ser ali, o lugar ideal para armarem o acampamento. - Bom, agora que encontramos um local para ficarmos, preciso de ajuda para trazer o restante da bagagem. – Falou

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isso enquanto depositava seu tambor embaixo de uma árvore. O cenário parecia o quintal de uma casa típica do interior. Folhas secas espalhadas por toda extensão lembravam um imenso tapete. Os raios do sol venciam as copas das árvores e proporcionavam agradáveis fachos de luz. De onde se encontravam podiam ouvir o barulho do Paranazão seguindo sua infinda viagem. O ar era puro! - Vamos nessa! Me parece que será uma delícia dormir neste lugar. O barulho da correnteza vai embalar o meu sono. – Observou Marcos enquanto tomava a iniciativa de ir até a margem buscar as coisas de Taiguara. Foi seguido pelos demais. Após cinco minutos a missão estava cumprida. - Posso saber o que vamos comer e beber durante os próximos dias? – Arriscou-se a perguntar o professor Pedro, sempre adepto de um bom cardápio. Taiguara o olhou sorrindo. - Creio que o Rio Paraná pode nos oferecer algum peixe delicioso.

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- E como vamos conseguir convencer esse peixe a sair do fundo do rio e vir parar na nossa panela? – Interrompeu sua explanação por um segundo, antes de prosseguir: - E de onde vamos tirar uma panela? – Apavorou-se o professor aposentado. Os demais se entreolharam. Pareciam solidários a observação de Pedro. Taiguara ao perceber a preocupação dos colegas, despejou o conteúdo de um dos seus sacos. - Eis aí nossos utensílios domésticos. – E apontou para uma panela, uma chaleira e uma frigideira que ficaram expostas sobre as folhas. - Ok! Temos onde cozinhar. E como tiraremos o peixe do rio? – Insistiu o sempre incrédulo professor. Taiguara tornou a sorrir antes de se abaixar na direção de outro saco confeccionado com tecido branco. De seu interior começou a retirar alguns pedaços de caniços. Acoplou-os com agilidade e em menos de quarenta segundos exibia orgulhoso um molinete com uma carretilha contendo muitos metros de linha de nylon. - Antes que me pergunte, trouxe linha reserva, muitos anzóis e iscas artificiais.

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- Caramba! Isso é o que eu chamo de estar preparado. – Vibrou Marcos, já confiando na suposta habilidade que o índio teria na arte da pesca. - Trouxe também escovas e pasta de dente. Tesoura, alicate e até uma câmara de ar do pneu de um caminhão que será muito útil para iniciar uma fogueira. - Creio que não se esqueceu de um isqueiro. – Brincou padre João esperançoso que a resposta fosse positiva. Taiguara apressou-se em tranquilizar o colega. - Na verdade, trouxe cinco. Sou um homem prevenido! - Me desculpe perguntar, mas onde faremos nossas necessidades fisiológicas? – Era a psicóloga visivelmente intrigada. - No rio! – Berrou Marcos, convicto. -

De

jeito

nenhum!

Contrapôs

o

indígena

contrariando-o de imediato. – Esqueceu os turistas que brincam na Ilha dos Pneus? Não viemos aqui para poluir este santuário. Trouxe uma pá e uma picareta. Faremos como os gatos. Enterraremos nossas fezes.

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- Você é quem manda. Que seja assim! – Era Marcos dando-se por vencido e concordando que o índio tinha razão. - Certo! E o que faremos agora? Pescamos para garantir o jantar? – Intrometeu-se o que lecionara história. - Vamos tomar um café. Providenciei bolo de milho e pão caseiro, já que estes, tem uma durabilidade maior. – Revelou o índio completando o rosário de boas surpresas. - Vou providenciar lenha para a fogueira. – Exclamou Marcos retirando-se para uma das laterais da ilha. - Um café agora cairia bem! – Vibrou a psicóloga da turma. Quando Marcos voltou com um feixe de galhos, Taiguara assumiu a missão de fazer o fogo acontecer. Utilizou dois pedaços de galhos roliços como base. Valeuse de gravetos para montar uma espécie de arapuca sobre os mesmos e ao redor desta, distribuiu galhos mais grossos. Então cortou com a tesoura a câmara de ar. Mostrou para os

colegas

um

pedaço

de

aproximadamente

seis

centímetros de comprimento por quatro de largura. Acendeu a mesma valendo-se de um isqueiro e a depositou na

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abertura que deixara na base que acabara de armar. A fogueira estava pronta em menos de dois minutos. - Agora só temos que alimentá-la e agradecer as árvores que nos proporcionaram o privilégio deste precioso fogo. Todos fizeram sinal de reverência. Então o índio concluiu: - Obrigado também as pessoas que fizeram os objetos que nos ajudaram a fazer o fogo. A vida precisa ser uma corrente de gratidão. Com

o

fogo

consolidado,

Taiguara

passou

a

demonstrar sua incontestável capacidade de viver junto a natureza. Providenciou quatro forquilhas de, pelo menos, um metro cada e as cravou no solo ao redor da fogueira, formando um retângulo. Certificou-se que estavam bem fincadas, para suportar determinado peso. Depois cortou dois galhos de aproximadamente um metro e meio e os acoplou na abertura das forquilhas. Voltou a atenção para sua bagagem extra e de um de seus sacos retirou um espeto duplo, daqueles utilizados para se fazer churrasco. O depositou sobre a armação que acabara de fazer e então pediu:

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- Algum de vocês pode encher a chaleira com a água do rio? - Padre João se antecipou aos demais e ao cabo de um minuto regressou com o utensílio doméstico entregandoo ao indígena que por sua vez, o acomodou sobre o espeto. - Pronto! Agora é esperar a água ferver e logo teremos nosso café passado na hora. – Observou o índio satisfeito. - Ficou ótima essa sua obra rústica. – Elogiou Marcos observando a armação de galhos que Taiguara improvisara em poucos minutos. O índio lhe dirigiu um sorriso agradecido e novamente acorreu a sua bagagem extra. De lá retirou uma toalha de mesa e a estendeu sob uma árvore. Depositou sobre a mesma um pão caseiro e o bolo de milho. Copos plásticos também foram distribuídos. - Pronto! O cenário do nosso piquenique está armado. - Caramba! Estou me sentindo um escoteiro. – Se fez ouvir o professor de história. - O cara pensou em tudo! – Elogiou mais uma vez o médico Marcos.

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- Assim fica fácil viver longe da civilização. Imaginem nós quatro aqui sem a companhia deste índio maravilhoso. – Observou Maria Madalena beijando a cabeça do indígena que enrubesceu. Sete minutos depois estavam os cinco aventureiros sentados confortavelmente em torno da Toalha de mesa e degustando o café feito em coador de pano que logicamente o índio havia levado. Antes de se servirem, Taiguara agradeceu em oração o alimento e as pessoas que trabalharam para que eles tivessem direito àquela refeição. Aquilo já estava se tornando natural para os demais integrantes do grupo. Após o café, o indígena recolheu as sobras e cuidadosamente guardou os copos plásticos e a borra em um saco de lixo. - Não podemos poluir os lugares que visitamos. Levaremos conosco o lixo que produzirmos. - Aprovado! Discursou Marcos admirado com o asseio do colega. Ato seguinte, Taiguara levou a louça até a margem e lavou os utensílios que utilizaram naquela refeição. Tornou a encher a chaleira e a levou ao fogo novamente.

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- Tomaremos água fervida. Qualquer impureza será vencida pela ebulição. - Você pensa em tudo... – Murmurou encantada a bela loira de olhos azuis. Os três colegas privados de elogios, se entreolharam meio que enciumados. - Agora vou ver se consigo garantir o jantar. - Opa! Pescar é meu hobby. Acho que posso ser útil nesta área. – Ofereceu-se Marcos. Ok! A tralha de pesca está ali. Boa sorte. Enquanto isso vou providenciar algo para dormirmos. Enquanto Marcos se retirou para uma das margens da ilha, o indígena colocou-se em movimento. Em menos de meia hora, havia armado uma barraca para Maria Madalena e estendeu redes nas proximidades para os homens do grupo. Quarenta

minutos

depois,

Marcos

regressou

ostentando na mão direita um pintado de, pelo menos, oito quilos.

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- Aí pessoal! Jantar garantido. – Gritou satisfeito com sua performance como pescador. Taiguara fez reverência inclinando o corpo para a frente. Tinha as mãos postas em forma de oração. - Obrigado ao rio que nos proporcionou o jantar e gratidão ao peixe que nos fornecerá sua carne. Feito isso, acariciou o pintado e cochichou muito próximo a sua cabeça. - Desculpe amiguinho... e muito obrigado por seu sacrifício. Apoderou-se do fruto da pesca, e, de posse de uma faca muito afiada, dirigiu-se ao rio. Menos de cinco minutos depois, estava de volta com o peixe limpo. - O que não serviu para nós, alimentará outros peixes. Assim, a morte deste belo exemplar não será em vão. – Comentou o indígena visivelmente consternado pelo destino do peixe. - Sério que você está com pena do peixe? Assustouse o padre João diante da reação de Taiguara.

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- Começo a pensar nos peixes que pesquei ao longo da minha vida. Nunca lhes agradeci por propiciarem a carne que me alimentou. – Balbuciou Marcos pensativo. - O peixe é uma vida criada por Deus assim como qualquer um de nós. Um dos nossos irmãos na terra que habitamos. Porém, existe uma cadeia alimentar e o homem está no topo dela. Mas, isso não impede que agradeçamos ou nos penalizemos por ele. Isto é uma forma de amor e não vejo melhor tempero para um alimento do que dirigir-lhe amor e gratidão. – Ensinou Taiguara. - Obrigado peixinho amado. Encorajou-se Maria Madalena acariciando a carcaça do belo pintado. - Obrigado! Disseram em coro, os demais. Taiguara passou então a temperar o jantar. Para isso, utilizou

sal,

limão

e

algumas

ervas,

que

muito

provavelmente, trouxera da aldeia em que vivia. Após esse processo repleto de capricho, deixou o peixe dentro de uma bacia. Ato contínuo, voltou a surpreender os amigos, ao fazer surgir de dentro de um de seus sacos, uma grelha de tamanho médio. A colocou sobre as hastes de madeira que seguiam distribuídas entre as aberturas das forquilhas.

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- Pronto. O fogo vai higienizar o aço. Gostam de peixe pizza? Trouxe milho em conserva, alho e cebola. - Nossa! Deve ficar uma delícia! – Respondeu o professor Pedro lambendo os lábios. - Cardápio aprovado? – Insistiu Taiguara. - Com certeza sim. – Completou o padre João. Marcos e Maria Madalena também assentiram com um movimento de cabeça. - Pois bem! Enquanto o peixe fica no tempero e a hora do jantar não chega, podemos dar sequência ao nosso diálogo de aprendizado mútuo. - Lá vem você de novo. Só quem tem conteúdo para nos expor é você. Melhor esquecer a modéstia e nos convidar para a próxima aula. – Interferiu Marcos se aproximando do indígena. - De acordo. Vamos nos sentar? – Indagou padre João. - Vamos. Estou curioso para saber qual o tema que este

indivíduo

escolheu

para

antagonizar

com

as

convicções que carreguei por toda vida. – Era o professor de história que abraçava carinhosamente o índio Taiguara.

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- Então vamos de uma vez. – Sugeriu Maria Madalena envolvendo a cintura de Marcos com seu braço direito. Este olhou desconcertado para a bela colega e depois sorriu satisfeito. - Com você grudada em mim, eu vou até para o inferno. Todos riram sonoramente e se dirigiram para o local onde a toalha de mesa seguia estendida a espera deles.

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XAMANISMO

- Por acaso o termo Xamã é conhecido por alguém entre vocês? – Indagou o índio dando início ao tema que escolhera para a conversa do dia. - Um amigo antropólogo, me falou a respeito há alguns anos. Mas confesso saber muito superficialmente sobre o assunto. – Respondeu prontamente o historiador. - Desconheço completamente! – Confessou Marcos desconcertado. - Já ouvi falar, mas, não sei nem por onde começar. Nunca me interessei no assunto. – Se fez ouvir o padre. - Também sou leiga nesse tópico. – Admitiu a psicóloga Maria Madalena. - Pois bem! – Prosseguiu o índio esperançoso de conquistar mais uma vez a atenção dos demais. - O tema remonta os primórdios da existência do homem que sempre buscou formas de ter domínio sobre as forças da natureza e encontrar meios de utilizá-las em seu benefício. O xamã pode ser definido como o curandeiro ou sacerdote de uma tribo. No Brasil ele é o pajé. Em algumas

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culturas, um xamã é preparado desde tenra idade para merecer o cargo de médico e guardião da cultura de seu povo. O curioso é constatar que as práticas xamânicas seguem a mesma linha entre nativos de diferentes regiões do planeta. Mesmo em uma época em que não havia a facilidade de troca de informações como hoje em dia, os xamãs da Sibéria, os aborígenes da Austrália e os índios da América do Sul ou dos Estados unidos, utilizavam técnicas semelhantes ou idênticas. - Como isso é possível? – Espantou-se o professor Pedro. - Alguns estudiosos creem que os índios destes diferentes lugares aprenderam a técnica repassada por algum espírito ou até mesmo por intermédio de algum ser de outro planeta. - Aí já é demais! – Protestou o ateu. - E como a ciência poderia explicar que povos tão distantes e de diferentes culturas tinham acesso à mesma informação? – Limitou-se a perguntar Taiguara olhando sério para o professor.

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- A ciência nem entra no mérito dessa questão. – Retrucou Pedro visivelmente contrariado. - Talvez a ciência tenha medo do que não consegue explicar. – Sussurrou o padre João saindo em defesa do índio. - Deixemos as contestações para depois. Vamos nos aprofundar no assunto. – Sugeriu Maria Madalena. - Isso!

E o que diferencia um xamã dos demais

integrantes de

sua tribo?

Intrometeu-se

Marcos,

colocando novamente a conversa no trilho original. - O xamã é considerado o sábio da comunidade. E seu conhecimento se deve a sua capacidade de entrar em transe. Este estado de consciência pode ser alcançado através de ritmos repetitivos tocados em tambores como o meu. – Explicou Taiguara apontando para seu inseparável instrumento musical. - Mas a maneira mais fácil é através da ingestão de um chá feito através da combinação de duas plantas; o cipó jagube e o arbusto chacrona. - Ok! Você está falando da ayahuasca. Também conhecida como o chá de Santo Daime. – Ilustrou Marcos com o cenho franzido.

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- Existem muitos tabus envolvendo essa prática que se alastrou pelo mundo. – Intrometeu-se o padre João. - Mas apesar de toda polêmica, o uso deste chá está liberado no Brasil. – Completou Maria Madalena. - Sim! O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) regulamentou seu uso desde 2004. Mas apenas em rituais religiosos. – Corroborou Taiguara antes de completar: - Meu objetivo aqui não é fazer apologia ao uso da ayahuasca. Quero apenas expor que os xamãs fazem uso dela para alcançar um estado de consciência que lhes permite acesso a mundos invisíveis. Mas outros, em estado mais avançado de aprendizado, conseguem fazer isso apenas ouvindo o som do tambor e entrando em estado profundo de meditação. E a internet, nos dias atuais, nos oferece uma infinidade de músicas propícias para a meditação. - Explique melhor. Este é um tema totalmente novo para mim. - Observou Marcos, interessado no que poderia aprender com o índio. - No estado xamã de consciência (EXC), o indivíduo consegue alçar-se ao que chamamos de voo mágico. É

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como se o espírito abandonasse o corpo e empreendesse uma viagem por planos invisíveis aos olhos de quem se encontra em estado de consciência comum (ECC). Os xamãs viajam por lugares inimagináveis, alcançam inclusive a dimensão dos mortos. Excursionam por mundos celestiais e subterrâneos. Vão ao passado e ao futuro, chegam a ter consciência de suas vidas em outras encarnações. Em suas viagens, o xamã sai muitas vezes em busca da cura para algum enfermo de sua tribo, vai a procura da alma-perdida de alguém e quando a encontra volta e a restitui a quem de direito, através de um sopro na altura da moleira ou do coração. - Esse trem está parecendo muito sobrenatural para mim. – Comentou o professor de história. - Lembre-se que estas são crenças primitivas. Xamãs que seguem a linha tradicional, acreditam na existência do animal da força. Este animal se afasta do ser humano a medida em que é esquecido e não mais alimentado. Em suas viagens em EXC, o xamã reencontra este animal, o traz de volta e devolve ao enfermo através de um ritual semelhante ao que citei a pouco.

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- Que tipo de animal seria esse? – Indagou o padre com o semblante carregado. - Um cavalo, um urso, um leão. São vários! Mas, eu, particularmente, prefiro trocar o animal da força pela alma do indivíduo ou até por seu anjo da guarda. E não preciso ir a mundos subterrâneos ou celestiais para restitui-lo a uma pessoa. Basta despertar no “enfermo” a certeza de que este anjo existe e estará presente em sua realidade à medida que é convidado e de acordo com a liberdade que terá para atuar. - Entendi. Como as culturas antigas não sabiam da existência dos anjos, criaram seus animais de proteção, força e inspiração. O homem é produto do meio em que vive. E para estes povos, os animais eram uma crença palpável. – Tornou a opinar o padre João. - Não é possível que vocês acreditam em anjinhos da guarda! – Retrucou Pedro visivelmente cético. - Você não acredita em anjos professor? – Questionou Marcos, olhando nos olhos de seu colega. - Claro que não! Isso é invenção dos homens.

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- Ué! E o que você está fazendo aqui? Não foi um anjo que o impeliu para esta aventura? – Replicou o médico de imediato. Pedro empalideceu e gaguejou tentando convencer a si mesmo. - É diferente! Era um sonho recorrente que instigou minha curiosidade. - Não estou aqui para convencê-lo de nada. Estou apenas contando como é a crença e a prática do xamanismo. – Voltou a reivindicar a palavra o indígena do grupo. - E eu estou curioso. Pode continuar. – Era o professor dando-se por vencido. - Os xamãs atuais também alcançam infindas dimensões, alguns fizeram uma adequação de suas crenças e existem ainda tribos espalhadas pelo mundo que seguem a maneira tradicional. O importante é que haja respeito mútuo e a certeza de que a prática do xamanismo é sempre voltada para o bem das pessoas. Eu particularmente tenho consciência de que tudo é energia e que o todo vibra. Então sigo esta linha de atuação.

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- Você é um Xamã? – Perguntou Maria Madalena encantada com a expectativa da revelação que viria a seguir. - Há muito tempo. Fui sendo aperfeiçoado nesta vocação desde que era um menino – Sorriu Taiguara sem se importar com o impacto que esta descoberta causaria nas pessoas ao seu redor. - Ao longo da história muitas pessoas foram queimadas

em

fogueiras

acusadas

de

feitiçaria

e

curandeirismo. Imagino que muitos xamãs tiveram essa triste sorte. – Observou o professor. - Muitos! Sempre foi assim. O que foge a compreensão das autoridades, torna-se uma ameaça. E como o fantástico desperta a curiosidade das pessoas, era melhor eliminar os diferentes e estancar de vez o perigo de se perder a liderança sobre as massas. Xamãs foram queimados, Jesus, crucificado e, por aí vai. Em muitas épocas, os donos do poder sempre se acharam semideuses e julgaram ter direito para decidir quem deveria morrer por ser uma ameaça.

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- Impressionante! – Deve ser gostoso ter esses poderes de um xamã. – Disse inocentemente a bela Maria Madalena. - Todos têm. Este poder é inerente ao ser humano. Ele apenas foi esquecido e se encontra soterrado sob os escombros do desconhecimento. – Ensinou o índio mais uma vez. - E como devemos agir para eclodir novamente esta capacidade em nós? – Indagou o padre João visivelmente empolgado com a possibilidade de vivenciar experiências sobrenaturais. - Terão que despertar a capacidade de enxergar com os olhos fechados. – Exclamou Taiguara já esperando a reação do professor. E ela foi imediata! - Cara! É impossível se enxergar com os olhos fechados. Taiguara sorriu mais uma vez da previsibilidade do colega ateu. - Já ouviram falar do terceiro olho?

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- Já! Mas nunca me interessei em aprimorar o conhecimento sobre ele. – Contrapôs Marcos com flagrante inquietação. Na expressão dos demais, Taiguara notou que o conhecimento sobre o tema era apenas superficial. Então continuou sua explanação. - O terceiro olho também é conhecido como Ajna. Nada mais é que um chacra. É tido como a porta que nos leva a percepção

extra-sensorial.

Localizado

entre

as

sobrancelhas. – Levou o dedo indicador ao ponto exato de sua testa para ilustrar melhor o que dizia. – É bem aqui. E quando o abrimos, alcançamos um elevado grau de consciência superior. Melhora nossa intuição e, como está ligado a glândula pineal, tem potencial para aperfeiçoar a premonição. O terceiro olho é considerado a ponte que liga o mundo visível ao espiritual. - O que é exatamente a glândula pineal? – Apressouse a questionar o padre. - Quem explica? Doutor Marcos, ou doutora Maria Madalena? -

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- É uma pequena glândula endócrina localizada no cérebro. Ela é responsável pela produção de hormônios como a melatonina, que por sua vez deriva da serotonina. A glândula pineal influencia os padrões do sono. – Resumiu de imediato o médico Marcos sem pretender se alongar na explicação. - Então! Mesmo parecendo fantástico, a prática se baseia em padrões aceitos pela medicina. Não foi comprovada cientificamente, mas asseguro-lhes que gera resultados. - Ok! – Então para enxergar com os olhos fechados, preciso abrir meu terceiro olho. E como faço isso? Era o professor se fazendo ouvir com a ansiedade de sempre. - Já disse! Pela meditação, o que pode levar algum tempo de aperfeiçoamento ou pela ingestão da ayahuasca. São caminhos diferentes, mas que levam ao mesmo lugar. Este último é um atalho. - Esse negócio de meditação funciona mesmo? – Indagou um incrédulo Pedro.

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- Ao meditar, o indivíduo se embrenha em uma jornada interior. Através desta prática, é possível alcançar o tão propalado autoconhecimento. - Sócrates já dizia: “Conhece-te a ti mesmo. - Reiterou a psicóloga. - É um momento íntimo de reflexão, que proporciona aos ouvidos da alma, a graça de escutar o silêncio. – Continuou Taiguara. - Trata-se de um retiro a um território distante da agitação e cobranças da vida cotidiana. É a busca pelo ponto central de nosso ser, o equilíbrio entre corpo, mente, alma e espírito. O mundo globalizado nos impôs um ritmo de vida desenfreado e poucas pessoas se dão conta da importância de estar em contato com nossa paz interior. A arte de respirar corretamente, de prestar atenção em nossos membros e órgãos, funciona como diálogo entre nosso corpo e nosso espírito. - Acho muito difícil meditar. – Confessou Marcos, considerando impossível se desligar completamente do turbilhão de pensamentos que se apossam da mente humana. Sem se importar com a observação do colega, Taiguara prosseguiu.

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- Os compromissos quotidianos, as cobranças do sistema capitalista, as metas a serem atingidas e impostas pelos segmentos profissionais, nos arrastam para uma correnteza de estresse. Então, a meditação funciona como uma boia atirada para quem está se afogando. Ela nos mantém na superfície do equilíbrio e evita enfermidades geradas ou agravadas pela estafa mental. O que ajuda e muito, é focar em acontecimentos agradáveis. Domar nossa mente consciente para que se acostume a pensamentos bons e positivos. - Contar nosso jardim pelas flores e não pelas folhas caídas, – ilustrou Maria Madalena em referência a um poema de domínio público. - Creiam, meus amigos! Meditar é um exercício de sintonia. E fatalmente, cedo ou tarde, você acertará a frequência de sua paz e ficará frente a frente com as bênçãos que lhe estão reservadas. - Certo. Me convenceu sobre os benefícios da meditação. Mas fiquei curioso sobre esse chá! O que pode nos dizer mais sobre ele? – Pediu o padre João. - Não tem muito mais a ser acrescentado. O certo é que esse chá é considerado o chicote da alma. Tem até um

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curta-metragem com este título. Acredita-se que o chá purifica o espírito e o corpo. Por isso, em algumas pessoas ele causa vômito e diarreia. – Observou Taiguara sem temer a reação de sua plateia. - Então nem sempre a experiência é agradável? – Questionou Marcos, intrigado. - A experiência nunca é a mesma. Uma pessoa pode fazer a medicina duzentas vezes e o que experimentará será sempre algo inédito. Tem a ver com o estado de espírito e a vibração do momento. - Ouvi dizer que pode ser tenso! – Sussurrou Maria Madalena apreensiva. - Pode! É como um sonho acordado. E, portanto, pode ser agradável ou um pesadelo. – Sentenciou o indígena. - É uma espécie de droga? – Investigou o padre sem esconder sua curiosidade. - Não! – Respondeu de forma veemente o índio. - Em nenhum momento você perde sua lucidez. Se abrir os olhos, estará ali e a viagem será interrompida de imediato. Mas, para que o chá faça efeito, necessariamente quem o ingere deverá estar com os olhos fechados.

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- Bebida alcoólica e canábis também provocam estado alterado de consciência. – Retrucou o professor. - Acredite meu amigo! O efeito é totalmente diferente. Repito! É como se o espírito abandonasse este invólucro que é o nosso corpo e empreendesse uma viagem sem fronteiras por universos inimagináveis. Tanto o álcool como a maconha são apenas uma coceira em um universo de sarna se comparados ao efeito do chá. Não tem como traçar um parâmetro. - Se fosse assim, todos alcoólatras e drogados, buscariam esta alternativa que nos apresenta. – Ironizou o professor. - Creia! – Prosseguiu Taiguara. – Conheço muitas pessoas que deixaram as drogas após experimentarem a ayahuasca. -Sério? – Era a reação do padre. - Sério. Mas, a medicina não deve ser encarada sob este prisma. O objetivo desta prática é buscar o autoconhecimento e a cura do corpo e da alma. É conseguir na dimensão invisível sabedoria para utilizar no universo consciente.

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- O que pode nos contar sobre suas experiências? Era Marcos sem se preocupar em disfarçar sua empolgação. - Irmão! – Hesitou o índio. – Já estive em tantos lugares e vivenciei tantas coisas, que precisaria de um livro para expor minhas experiências. Mas te asseguro que o fato do homem ter pisado na lua, é algo grandioso para a humanidade, mas corriqueiro para aquele que entra em estado de consciência xamã. - Deve ser exagero... – Sussurrou o professor. - Não tenho a mínima pretensão de convencê-lo de nada professor. Mas seria elegante de sua parte não desdenhar das minhas experiências. - Desculpe Taiguara. Não tive intensão de ofendê-lo. - Tenho certeza disso professor. Mas esta discussão nos convida a uma reflexão sobre o quão limitado é o nosso conhecimento e o quanto é pretensiosa a nossa capacidade de discordar e apontar defeitos em culturas diferentes. Primeiro, nos convencemos que nossos costumes são verdades absolutas, sem nos darmos conta que estamos vendo o universo sob a abertura limitada do fundo do nosso poço. Se nos atrevêssemos a escalar este poço até a borda,

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poderíamos enxergar o quão amplo é o campo das possibilidades. Porém, sentados comodamente no piso frio da pequenez de nosso conhecimento, mesmo com noção superficial ou zerada sobre a realidade cultural de outros povos, nos julgamos com sabedoria suficiente para apontar defeitos e reprovar nossos semelhantes. - Aí! Conseguiu tirar o índio do sério. – Brincou Marcos desferindo um leve tapa no ombro esquerdo do professor. - Não estou me referindo ao Pedro. – Prosseguiu Taiguara com seriedade na voz – Apenas alerto que devemos flutuar sobre o que nos dizem as religiões, filosofias e costumes sociais. Só assim conseguiremos compreender que não devemos acreditar que o mundo é tão somente como nos condicionaram a ver. É preciso que deixemos de ser homens de um livro só, e que procuremos garimpar conhecimento sem que nos condicionemos a ínfima visão que o fundo do nosso poço nos permite. - É, ele está magoado comigo. – Disse entredentes o professor aposentado. Taiguara sorriu divertido.

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- Não meu amigo. Só estou querendo dizer que estou aprendendo mais com suas dúvidas do que com todas as certezas que tinha quando aqui cheguei. Fez-se alguns segundos de silêncio, até que a voz de Marcos se fez ouvir. - Então o discurso sobre o fundo do poço era sobre a sua bunda e não a do professor? - A bunda de todos nós – Sorriu Taiguara. - Que alívio. Já estava achando que você tinha se transformado em um presunçoso. – Completou o médico devolvendo o sorriso. - Padre Zezinho afirma em uma de suas músicas que “as vezes quem duvida e faz perguntas é muito mais honesto do que eu”. – Reiterou pensativo o homem que celebrara missas. - Falo aqui das minhas certezas, mas, jamais tive a pretensão de passar por cima das crenças de vocês. E nunca quis impor as minhas verdades como absolutas. – Explicou o indígena.

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- Fico feliz com seu esclarecimento. Estava me sentindo um peixe fora da água. – Completou Pedro de imediato. - Então acho que chega por hoje. Vamos providenciar o jantar e alimentar a fogueira. Daqui a pouco vai escurecer. – Pronunciou o índio dando a conversa por encerrada. - Não senhor! – Protestou Maria Madalena. Até concordo com uma pausa, mas, após o jantar quero continuar nosso aprendizado. - Concordo em número, gênero e grau com a nossa psicóloga. – Corroborou o padre João. - Também costumo dormir tarde. Portanto, uma boa conversa ajudaria a passar o tempo. – Era Marcos opinando. - E eu não vejo a hora de ter novamente motivos para discordar do Taiguara! - Completou Pedro, sarcástico. Todos riram alto e acompanharam o índio que se levantou para providenciar o jantar. - Não pretendo conversar com vocês durante a noite. – Asseverou o índio com uma seriedade que provocou um mal-estar nos demais.

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- Ficou chateado com alguma coisa? – Indagou preocupado o professor. - Em absoluto! Após o jantar vou entrar em estado de consciência xamã. Os demais se entreolharam desconcertados. - Vai tomar o chá? – Interpelou Maria Madalena sem pretensão de ocultar sua curiosidade. - Vai me dizer que trouxe? – Se fez ouvir o padre antes que Taiguara respondesse. - Trouxe e, farei uma sessão solitária após o jantar. – Olhou para seus colegas de aventura e então concluiu. - A não ser que alguém queira me acompanhar. - Eu quero! - Foi a resposta uníssona que ouviu. O índio sorriu satisfeito. O sol já sedia espaço para a noite, - Pois bem! Se preparem, porque o gosto é horrível. Então colocou o peixe sobre os espetos e ficou ouvindo o crepitar da fogueira que iluminava a outrora solitária Ilha Pingo.

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////////////////////// Todos se fartaram com o jantar. O peixe temperado com sal e limão e recheado com milho, alho e cebola, conquistou a aprovação unânime do grupo. Havia também algumas ervas trazidas por Taiguara e estas acrescentaram um sabor diferenciado à ceia. Mataram a sede com a água fervida que a esta altura já tinha esfriado. Taiguara embalou as sobras em papel-alumínio e depositou o que era descartável, no saco que trouxera para utilizar como lixeira. - Enquanto fazemos a digestão podemos conversar um pouco. – Sugeriu o padre. Foi então que ouviram vozes oriundas de um dos extremos da ilha. Na escuridão, não conseguiam ver nada. Isto incomodou o índio, já que iluminados pela fogueira, estariam expostos ao raio de visão de suas inesperadas visitas. - Quem poderia ser? – Sussurrou Maria Madalena visivelmente amedrontada.

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-

Talvez

pescadores

Respondeu

também

cochichando o médico Marcos na tentativa de acalmar sua colega. De repente, viram surgir do nada um grupo de pessoas. Pareciam caminhar em fila indiana e em ritmo cadenciado. - Boa noite! Gritou o professor! - Espere! Vocês também conseguem ver estas pessoas? – Perguntou Maria Madalena. - Claro! Não somos cegos! Foi a resposta do padre falando por todos. - Mas eles são espíritos desencarnados! Revelou a médium do grupo. - Vocês conseguem nos ver? Estranhou um dos recém-chegados. Era um senhor de baixa estatura. Falava alto! - Saibam que fui um dos maiores pescadores desta vasta região. Sempre observei as fases da lua antes de colocar um barco na água. E esta técnica sempre me rendeu fartura.

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- Conversa! – Intrometeu-se o segundo integrante do grupo. Era loiro e de estatura mediana. - Eu fui tão bom pescador quanto você e levo vantagem de ter sido talvez o melhor jogador de sinuca na história de Marilena. - Opa! Se é para contar vantagem... - Se fez ouvir um grandalhão de voz muito grave – Duvido que tenha existido alguém que jogou bola melhor que eu na nossa cidade. - Eu sou de uma geração mais antiga. Mas, joguei bola como vocês e todos ainda comentam a potência do meu chute. E está para nascer alguém que seja tão bom churrasqueiro quanto eu. Este também não era tão alto, mas tinha um bigode amarelado. O grupo de aventureiros deduziu que devia ser por causa do cigarro de palha que ele trazia entre os dedos indicador e polegar da mão direita. O último integrante do grupo era calvo. E tinha o semblante sério. - Vocês são muito gabolas! Ficam contando vantagem. Mas se esquecem de explicar para essas pessoas, que eu

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também joguei bola e sinuca e ainda por cima fui o melhor político dessas redondezas. - E nós é que contamos vantagem! Concluiu o grandalhão do grupo. Os recém-chegados riram alto! Inclusive o político. - Vamos deixar essas pessoas se ocupar do que vieram fazer aqui. Sigamos nossa caminhada! – Sugeriu o calvo. - Vamos! – Concordou o do bigode amarelo. - Se puderem, digam aos nossos amigos e familiares que a gente continua existindo. Apenas estamos em um lugar invisível para os olhos da maioria. Completou o pescador que seguia as fases da lua. E assim, como surgiram da margem esquerda, desapareceram no outro extremo da ilha. - O que aconteceu aqui? Indagou nervoso o professor de história. - Fomos visitados por um grupo de amigos do plano invisível. Respondeu Maria Madalena. - Vimos espíritos? – Insistiu o incrédulo Pedro.

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Desta vez foi Taiguara quem se pronunciou. - Todos nós temos uma missão divina para cumprir na terra. Se desencarnamos antes de concluirmos nosso compromisso com Deus, tornamos a nascer para dar continuidade a nossa evolução espiritual. Estes simpáticos senhores devem estar na fila aguardando a vez de regressarem. - E devem ser pessoas muito especiais, pois conseguiram licença para aguardar o dia de voltar, desfrutando do lugar que tanto amaram. – Completou a kardecista. - Que coisa fantástica. Sempre achei que ficaria com medo se vivesse uma experiência desta. E ao contrário, estou maravilhado. – Murmurou Marcos sem esconder sua empolgação. - Acabamos de ter uma prova de que a vida prossegue depois do último suspiro. – Era o padre João coberto de enlevo. - Já que todos assimilaram muito bem este episódio, que tal darmos início a nossa sessão com o chá? – Sugeriu Taiguara decidido.

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- Estou pronta! – Revelou a psicóloga. - Creio que todos estamos! Completou Marcos, resoluto! Os demais assentiram com um movimento positivo de cabeça. Taiguara então dirigiu-se ao local onde depositara sua bagagem e de uma de suas sacolas retirou uma garrafa plástica contendo um líquido de cor marrom escuro. - Eu mesmo preparei antes de vir para cá. – Fez uma pausa e olhou nos olhos de seus companheiros de aventura. - Ainda há tempo de mudarem de ideia! - Já estamos decididos! – Exclamou o padre em nome de todos. - Pois bem! – Prosseguiu o índio. – Como estamos prestes a fazer uma excursão pelo desconhecido, já que vamos ascender a planos superiores ou descer aos níveis inferiores da existência, acho melhor invocarmos a proteção de São Miguel Arcanjo. Para que ele nos proteja e seja nosso guia nessa viagem que estamos prestes a empreender.

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O professor dirigiu um olhar nervoso para os colegas. Taiguara não se importou com a reação de Pedro. - Pedimos a São Miguel Arcanjo que vá a nossa frente abrindo caminho. Que o guerreiro mais poderoso do céu, nos proteja com sua espada de luz, de quaisquer forças e energias que não sejam de Deus. - Amém! – Fez-se ouvir a vós do padre, de Maria Madalena e a de Marcos. O professor se manteve em silêncio. Taiguara prosseguiu: - São Miguel na frente, São Miguel atrás, São Miguel à direita, São Miguel à esquerda. São Miguel acima, São Miguel abaixo. São Miguel! São Miguel! São Miguel. O índio fez um breve silêncio, como quem completa uma oração em pensamento. - Pronto! – Anunciou finalmente o fim de sua prece. De posse de copos plásticos, o indígena começou a servir pequenas doses de aproximadamente 70 ml para cada um dos integrantes do grupo. - Quem será o primeiro? Tomem de um gole só. O gosto não é nenhum pouco agradável.

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Maria Madalena se antecipou. Marcos a seguiu e em seguida João e Pedro. - Agora acomodem-se sentados e escorados ao tronco de alguma árvore. Fechem os olhos e aguardem que a medicação comece a fazer efeito. Isso deve levar de dez a quinze minutos. Logo alcançarão o estado xamã de consciência. Após tomar sua dose, o índio sentou-se embaixo de uma goiabeira nativa. Colocou seu bumbo entre as pernas e ofereceu aos demais, uma melodia compassada. De olhos fechados, os cinco aventureiros pareciam se deixar hipnotizar pelas notas oriundas do instrumento musical de Taiguara. - Lembrem-se! Vocês não estarão drogados! Se algo desagradável acontecer, basta abrir os olhos que vocês estarão plenos de suas consciências. Após essa última instrução, o indígena se calou e concentrou sua atenção apenas no bumbar ritmado de seu inseparável instrumento. Aproximadamente doze minutos mais tarde, Maria Madalena começou a sentir o efeito do chá! De olhos

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fechados, a bela loira passou a ver luzes. Era como se milhões de estrelas estivessem diante de seus olhos. Elas cintilavam alternando cores azuis, amarelas e douradas. Era um mosaico em movimento. Um espetáculo indescritível. A psicóloga se deixou envolver por aquela dança multicor. Era como estar no colo de uma infinidade de luzes. Ela sentia a energia que literalmente a engolia. Estava leve como uma pluma! Avistava túneis brilhantes que se abriam e se fechavam como a lhe convidar para um passeio. A única mulher do grupo lembrou-se da oração de Taiguara e pediu em pensamento que São Miguel a acompanhasse. E sem medo, se deixou levar naquele turbilhão. Emergiu em um espaço mais aberto! As luzes vinham de todas as direções! Era lindo! De repente, ela se viu em um campo muito florido. Reconheceu girassóis e margaridas. Muitas borboletas sobrevoavam sobre ela e se viu caminhando em direção a um regato de águas cristalinas. Pássaros azuis lhe ofereciam um concerto divino. Atravessou o córrego com água na altura dos joelhos e alcançou a margem seguinte. Sentia paz e uma vontade imensa de permanecer ali para sempre. A energia em forma de luzes continuava vindo sobre ela e novamente a paisagem mudou. Era uma praia deserta com algumas pedras à direita. O riozinho que

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recém-atravessara, despejava suas águas no mar. Foi então que percebeu que não estava só. Viu um pescador. Ele estava sem camisa e vestia uma calça de brim com as barras dobradas até a altura das canelas. Tinha uma barba espessa e estava descalço. Maria Madalena deduziu que ele preparava uma jangada para se aventurar mar adentro em busca de peixes. Então não teve dúvidas de que estava diante de uma de suas inúmeras encarnações. O homem voltou-se para ela, sorriu como se a reconhecesse e decidido, colocou a jangada no mar. Após tomar seu lugar na embarcação, acenou para a psicóloga sempre com um sorriso. Maria Madalena sentiu uma sensação de conforto infinito. Então ouviu uma música. Não era mais o tambor de Taiguara. A música de flauta e violino a envolveu completamente. Quis entender o que se passava e abriu os olhos. Estava de volta a Ilha Pingo e pode ver Taiguara que tinha a seu lado uma minúscula caixa de som. Era de lá que vinha a música que ouvira. Sorriu por entender que o amigo pensou em tudo e deveria ter providenciado uma seleção musical que embalaria aquela experiência conjunta. Fechou os olhos e voltou para a agradabilíssima dimensão dos sonhos.

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O professor achou que o chá não faria efeito. Pelos seus cálculos já havia se passado pelo menos vinte minutos e o gosto ruim da bebida lhe incomodava o paladar. Cético, pensou em desistir e ir em busca de água para se livrar daquele

sabor

desconfortável.

Porém,

insistiu

em

permanecer com os olhos fechados. Dois minutos depois, bocejou três vezes seguidas e parece ter enxergado um grande olho que o observava. Realmente era um olho que dançava a sua frente. A paisagem não parecia mais ser a da ilha em que se encontrava. A princípio sentiu medo, mas, se controlou. Ele não acreditava em Deus, porque ia crer que um olho gigante estava diante dele? Era a âncora da consciência querendo resistir ao chamado da ayahuasca. Enfim, vieram as luzes! Um mosaico multicor que parecia lhe abraçar. E o abraço foi confortável. O olho se transformou em uma espécie de janela que dava acesso a um mundo iluminado. Decidiu adentrar naquele espaço que se oferecia. Se viu pisando num tapete de ouro e cravejado por rubis. Na verdade, não estava pisando, ele flutuava. Na sequência o campo ficou verde. Avistou um tronco de uma árvore. Era oco! Sentiu uma vontade incontrolável de entrar nele. O fez! A passagem estreita foi ficando larga. Ou será que ele havia diminuído? Aceitou como verdade a segunda

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opção. Quando atravessou o tronco, saiu em um lugar onde tudo era gigante. Um milharal imenso. Olhava para cima e avistava espigas enormes, tão grandes que pareciam ter, pelo menos, um metro de comprimento. Foi então que se deu conta de sua pequenez. Foi tomado pelo pavor de encontrar algum inseto gigante e ser devorado por ele. De repente a energia que parecia uma onda, o envolveu transportando-o

para

fora

do

milharal.

Aterrissou

suavemente sobre um campo de algodão. Tudo continuava enorme e ele pequenino. Então uma voz grave, cochichou em seu ouvido direito. - Eu criei este universo infinito e você se julgou grande o suficiente para duvidar de mim. Mas eu te perdoo! Você sempre foi um filho querido. Pedro caiu de joelhos sobre o algodão! Chorava copiosamente. Seria possível Deus ter falado com ele? Esteve errado a vida inteira? Quando conseguiu controlar suas emoções, avistou diante de si uma onça gigante. Era maior que um cavalo. Foi tomado novamente por um pavor incontrolável. Tinha certeza que seria devorado. O animal se aproximou ameaçadoramente e o professor de história se preparou para o pior. Fechou os olhos para não ver o

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semblante da morte. Mas o que aconteceu na sequência foi que sentiu uma lambida carinhosa em sua mão direita. Abriu os olhos e avistou diante de si, o querido cachorro de sua infância. - Bob? Mas como isso é possível! Abraçou seu animal de estimação beijando-o e acariciando seu pescoço. Chorava feito um menino. Se deu conta de que nunca mais havia se permitido chorar. Notou que havia voltado ao seu tamanho normal. Saiu correndo pelo campo de algodão e Bob latia e saltitava a seu lado. O ateu voltara a ser criança e não queria mais regressar para a dura realidade de adulto. Quando ouviu a música diferente, abriu os olhos e estava novamente na ilha. Infelizmente, Bob não existia naquela dimensão. Padre João não demorou muito a bocejar. Entregue a possibilidade de vivenciar sensações inéditas, abriu espontaneamente os canais de sua resistência. Era como se dissesse para a força do chá: - Estou pronto! Pode me levar. E a força da ayahuasca não tardou a envolvê-lo. O bailar cadenciado das luzes chegou onze minutos após ele

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ingerir o chá. Se viu envolto por uma energia esmeralda. Parecia sentir um beijo em suas faces. A sensação de paz e plenitude lhe envolveu. Avistou um sol enorme! Deduziu ser a plenitude de Deus brilhando sobre ele. De repente percebeu que não estava diante do sol e sim de uma hóstia gigante. Seria o corpo e o sangue de Cristo? Seria o próprio Jesus de Nazaré fazendo contato? Temeu por ser cobrado pelo fato de ter abandonado a batina. Ato seguinte se sentiu sugado pela energia daquela hóstia e foi transportado para uma cidade de luz. As edificações eram de diamantes. Uma fonte jorrava água benta. Ele não tinha como saber disso, mas, parecia que alguma voz inaudível lhe soprou esta certeza. Matou sua sede com aquela água e teve a impressão de que suas células se renovaram. Avistou a igreja daquele lugar. Era linda! Enorme! E também construída com esmeraldas de um brilho que chegava a ofuscar sua visão. Se sentiu impelido a entrar. O sino badalou. Viu que, pelo menos, setenta fiéis esperavam o início da missa. Uma senhora sorriu para ele antes de dizer: - Estávamos lhe esperando padre. É hora da missa. - Não! Eu não sou mais padre.

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- O senhor abandonou a batina, mas, ainda tem muito a ensinar para o seu rebanho. Era um homem de sorriso largo entrando na conversa. - Não! Eu não sou digno! - Gritou o padre apavorado. Então os fiéis completaram em uma só voz! - De que entreis em minha morada. Mas dizei uma palavra e serei salvo. - Podemos entoar o canto de entrada? – Perguntou um jovem com um violão no colo. Foi então que em vez de uma música sacra, o padre João ouviu a melodia de flauta e violino. Abriu os olhos e percebeu que continuava na ilha com Marcos, Maria Madalena, Pedro e Taiguara. Marcos sentiu os primeiros efeitos quinze minutos após o início da sessão. De olhos fechados, percebeu luzes que vinham de toda direção. Teve a sensação de sentir o espírito abandonar seu corpo. Mas ele continuava vivo e consciente. Sorriu e brincou dizendo em pensamento. - Onde você vai carinha? Ainda estou acordado.

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Seu espírito não lhe deu atenção e Marcos pensou consigo: - Vai lá então. Hoje vou descobrir por onde você anda enquanto estou dormindo. Ato seguinte se sentiu arrebatado por um facho de luz. Era intenso e muito real. Se sentiu leve. Era como se estivesse voando. E estava! Passou as copas das árvores e ganhou a altura das estrelas. Elas eram lindas avistadas de perto. Percebeu que tudo era muito claro. Onde a noite foi parar? – Perguntou intrigado. – E estou vendo estrelas de dia? Vinham luzes de todos as direções. De cima, de baixo, dos lados. E essas luzes o carregavam cada vez mais para o alto. Alcançou a Via Láctea. A gravidade havia desaparecido. Tudo era muito leve e agradável. Subiu mais e mais! Avistou a terra distante e sentiu um carinho enorme pelo planeta que habitava. - Pachamama! Você é linda vista daqui de cima. De repente uma sensação de pavor se apoderou dele. - E se eu não conseguir mais voltar?

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Como se tivessem captado seu medo, as luzes dançantes o levaram de volta. Chegou muito próximo da superfície terrestre. Era como se ele estivesse pairando sobre um globo gigantesco. Então, cheio de amor ele abriu os braços como se quisesse abraçar o planeta e beijou o que julgou ser a face de Pachamama. - Obrigado mãezinha. Prometo que vou ajudar a cuidar melhor de você. Então as luzes o conduziram para muito além! Saiu do sistema solar e pode contemplar a imensidão do cosmos. E havia muito mais depois do além. Teve a certeza de que Deus existe. Avistou naves espaciais, viu astronautas de outros planetas flutuando a seu lado. - Realmente existe vida em outras galáxias. Estou vivendo a prova disto. – Pensava o médico enlevado pela experiência surreal. Avistou uma praia suspensa. Desejou ir até lá. As luzes o levaram. Havia um palco onde uma banda se preparava para um show. Os músicos pareciam transparentes. Suas vestes eram de prata, mas dava para enxergar através delas. Quando ouviu os primeiros acordes da banda, a música se transformou em flauta acompanhada por violino.

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Então ele abriu os olhos e percebeu que continuava recostado a uma das árvores da Ilha Pingo. - Que loucura! – Deixou escapar uma exclamação. - Bem-vindo de volta doutor. – Era Taiguara lhe recepcionando. - Pelo jeito voltamos quase ao mesmo tempo. – Sorriu Maria Madalena. - Quase! – Fizeram uma boa viagem? - Cara! Foi fantástico! – Quase gritou o professor. - Tive uma conversa profunda com minha consciência. – Sorriu o padre. - A sessão durou quase duas horas. – Explicou o índio. - Nossa! Não me pareceu ter ficado em órbita tanto tempo. – Sorriu Marcos. - O efeito demora a passar. – Prosseguiu o índio. - Ele continuará agindo em vossos organismos pelos próximos dias. - Vamos continuar viajando? – Assustou-se João.

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Não! O máximo que poderão ter é diarreia. Mas nada prejudicial. Como ninguém vomitou, significa que estavam bem de espírito. O chá purifica a alma e o corpo. Impurezas serão eliminadas. - Gente! Eu ouvi a voz de Deus! – Revelou o professor Pedro. - Sério? – Assustou-se Marcos. – Agora acredita na existência de Deus? - Você não tem ideia do que vivenciei. Nunca mais vou esquecer essa experiência. Acreditem! Deus é real. -

Vocês

alcançaram

dimensões

invisíveis

da

existência. – Era Taiguara se fazendo ouvir novamente. - Como disse desde o princípio, uma centelha divina habita em cada um de nós. O professor atravessou a ponte que leva até a sua porção Deus. - Estou achando que o nosso bom professor se convenceu rápido demais. A convicção de uma vida, vencida por uma experiência de pouco mais de uma hora. – Avaliou a psicóloga. – Nem Freud explica!

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- Era eu! Estava consciente o tempo inteiro. Não foi uma alucinação. Realmente viajei para uma dimensão invisível e neste lugar, pude vivenciar coisas que me mostraram o quanto estava errado. – Ponderou o sempre aflito Pedro. - Olha meu irmão... também estive em lugares absurdos e tenho certeza que experimentei de verdade aquelas experiências. – Ajuizou Marcos como se quisesse confortar o amigo. - E você Taiguara? Algo para nos contar? Por onde esteve? – Interpelou o padre João, sem esconder sua curiosidade. - Eu cuidei da trilha sonora para que vocês fizessem uma viagem intensa e proveitosa. - Mas o chá não fez efeito em você? Vai me dizer que tem controle sobre ele? – Era Marcos, intrigado com a possibilidade de o índio ter desenvolvido imunidade consciente sobre o efeito da ayahuasca. - Apenas permaneci de olhos abertos. Cuidando de vocês. Estava preocupado com o que poderia acontecer. Principalmente com o professor Pedro.

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- Danadinho! Nos deixou viajar sozinhos! – Gracejou Maria Madalena. - Vocês não estavam sozinhos! Lembrem-se que invoquei a proteção de São Miguel. Com certeza ele os conduziu para que vivenciassem experiências aprazíveis! - Novamente o anjo! – Rumorou Pedro ainda não convencido da existência deles. - Arcanjo! O maior entre todos. O guerreiro do céu! – Sentenciou João confortado com a ideia de merecer a companhia de tão ilustre personagem. Taiguara observou cada um de seus colegas. Estes, entenderam que o indígena iria lhes revelar algo. - Por alguns momentos fechei os olhos. Também me entreguei a força do chá. E em estado de consciência xamã, tive acesso a uma revelação. - Conte de uma vez, homem! – Berrou Pedro impaciente. - Tudo o que posso lhes dizer é que nossos próximos dias nessa ilha serão especiais.

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- Vou morrer de curiosidade! - Balbuciou em desalento o que abandonara o sacerdócio. - Ânimo padre! – Logo será amanhã. E pelo que Taiguara nos conta teremos um dia maravilhoso. – Era Marcos confortando o colega. - Então acho melhor nos recolhermos. Não vejo a hora de ver o sol nascer neste lugar. – Observou Maria Madalena antes de bocejar. Todos acataram a sugestão da psicóloga. Os homens ocuparam as redes armadas por Taiguara e a dama se dirigiu a barraca. O Rio Paraná os ignorava completamente. Imponente, seguia seu curso sem saber que oferecia aos seus visitantes a mais deliciosa canção de ninar. O silêncio era tão profundo e a paz tão intensa que até a pequena Pingo parecia ter adormecido.

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QUARTA-FEIRA

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O trinar dos pássaros denunciava que o dia amanhecia. Marcos se espreguiçou demoradamente e saltou de sua rede. - Doutora! - Gritou em seguida. – Não queria ver o raiar do sol? Quase que instantaneamente a psicóloga surgiu de dentro da barraca. Ajeitou os cabelos com as mãos e sorriu para o médico. - Bom dia, Marcos! Este, por sua vez, não conseguiu esconder seu encantamento. - Me permita uma observação. Nunca vi uma mulher tão linda ao acabar de acordar. - Bondade sua. - Foi a resposta encabulada da loira. - Vamos? – Prosseguiu o médico, lhe oferecendo o braço direito. Ela aceitou sua oferta e saíram juntos em busca do alvorecer. Ao chegarem à margem da ilha, a única mulher do grupo, não conseguiu conter uma exclamação:

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- Nossa! Que lindo! Sussurrou hipnotizada pelo amanhecer daquele dia. O sol despontava por entre a vegetação, dourando o céu e as águas. Lembrava um ovo frito gigante, mas com cores invertidas. A gema era a borda e a clara ficava ao centro. - Nunca vi um espetáculo como esse! - Prosseguiu a loira. Marcos dividia sua atenção entre o show do astro-rei e os encantos de sua companhia. Os olhos de Maria Madalena luziam num sorriso de enlevo. O brilho era tão intenso que o médico teve a impressão de que o próprio sol se mudara para a retina daquela mulher. - Realmente este lugar é privilegiado. Sente a energia? – Murmurou o médico tentando voltar a realidade. A resposta de Maria Madalena foi recostar a cabeça em seu ombro e continuar sorrindo enquanto contemplava a imponente paisagem que se oferecia. Ficaram assim por longos e intermináveis segundos. Então ouviram passos e perceberam que os demais colegas se aproximavam.

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- Espero não estarmos atrapalhando. – Se fez ouvir o padre como se pedisse desculpa pela aproximação. -

Claro

que

não!

-

Respondeu

a

loira

se

desvencilhando do braço de Marcos. – Venha ver que raiar de dia maravilhoso! - Caramba! – Admirou-se Taiguara. – O dia terá céu de brigadeiro. - Sabem o porquê desta expressão? – Indagou o professor de história. - Não! – Disse Marcos, desapontado com a intromissão de seus colegas. O professor de história então explicou. - Como todos devem saber, brigadeiro é a patente mais elevada da Aeronáutica. Reza a lenda que esse oficial só coloca um avião no ar quando o céu está assim, limpinho. – Pedro fazia gestos com as duas mãos enquanto explicava. - Em dias nublados, as manobras ficam por conta de seus subordinados. - Espertos os brigadeiros! – Sorriu deliciosamente Maria Madalena.

142


Ficaram ali observando a paisagem por mais meia hora. Discorreram sobre muitos temas. Então Taiguara mudou drasticamente o rumo da conversa. - Eu não sei vocês, mas, eu vou tomar um banho. - Acho que é preciso né? Fazíamos isso na civilização. – Brincou o padre João. O índio se livrou da camiseta e mergulhou nas águas profundas do Paranazão. - Todos sabem nadar? – Perguntou, enquanto se mantinha

na

superfície

valendo-se

de

coordenados

movimentos braçais. A resposta de Maria Madalena foi despir-se sob o olhar constrangido e enlevado dos homens. Ficou apenas de calcinha e sutiã e mergulhou graciosamente em direção ao índio. Os demais, sem nenhum encanto, fizeram o mesmo. O professor Pedro deu uma “barrigada” e resmungou repetidas vezes acusando o ardume no peito que se sucedeu. - Prefiro meu chuveiro quentinho! – Disse ele ligeiramente constrangido pela flagrante falta de habilidade.

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Os demais riram da desdita de Pedro. O grupo permaneceu ali por, pelo menos, sete minutos. Todos brincavam

feito

crianças

e

nem

lembravam

dos

compromissos que a rotina adulta lhes impunha no dia a dia. Enfim, Taiguara novamente fez valer sua liderança. - Acho que um café da manhã vai bem agora. O que acham? - Demorou! – Respondeu Marcos nadando em direção à margem. Os demais o imitaram e logo estavam caminhando em direção ao acampamento. O café foi preparado pelo índio e servido com pão caseiro e bolo de milho. O que se sucedeu enquanto degustavam a primeira refeição do dia, foi algo extraordinário. Na verdade, algo inacreditável. Um facho enorme de luz dourada surgiu das copas das árvores. Era como se um grande holofote estivesse sendo projetado do céu. Todos olharam assustados para aquela luz ofuscante. De repente, centenas de pequenas luzes azuis e prateadas começaram a piscar no interior daquele facho. Uma figura masculina começou a se formar diante dos olhos dos cinco assustados sobrenatural

e

incrédulos e

aventureiros.

inesperado

144

enfim

se

O

contorno

materializou


completamente. Tinha cabelos longos e dourados. Os olhos eram de um azul intenso. As vestimentas prateadas pareciam cravejadas de ouro. - O anjo! - Bisbilhou o professor Pedro! – O anjo dos meus sonhos! - Caramba! O anjo dos nossos sonhos. – Plagiou um boquiaberto Marcos, sem acreditar no que via. Taiguara se ajoelhou e curvou o tronco em sinal de reverência. - Bem-vindo, São Miguel Arcanjo. Estava lhe esperando. - O que? Você sabia que ele viria? – Assustou-se João. - Não disse que tive uma revelação? – - São Miguel Arcanjo? Como é possível? – Foi o que conseguiu expressar a psicóloga. - Bom dia pessoal! – Saudou Miguel se aproximando. – Posso me sentar ao seu lado, professor? - Você me conhece? – Estranhou desconfortavelmente o professor de história.

145


- Claro que o conheço. Conheço cada um de vocês e os escolhi para este encontro. Levante Taiguara! Não é necessário que fique nessa posição. O índio obedeceu de imediato. - Posso tocar em você? É para ter certeza que não estou sonhando. – Pediu o professor. A resposta do anjo foi beliscar levemente o braço direito daquele que até recentemente era ateu. - Ai! - Viu? Não está sonhando. – Sorriu o guardião do céu. - Caramba! O Arcanjo Miguel me beliscou e eu não vou poder contar isso para ninguém. Me chamariam de louco. Miguel sorriu divertido. - Olá Maria Madalena! Marcos! João! Taiguara! – Cumprimentou um por um sempre com um sorriso de luz em seu semblante. – Que prazer estar aqui com vocês. Obrigado por terem vindo. Devem estar cheios de questionamentos. Estejam à vontade. A voz do arcanjo era grave e suave. Parecia massagear os tímpanos daqueles que o ouviam.

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- Porque nós? Porque aqui? – Apressou-se Marcos sabendo que representava os demais. - Vou responder sem rodeios, já que nosso tempo é curto. Preciso de vocês! - Mas o que um grupo de pessoas comuns como nós, pode acrescentar ao arcanjo mais poderoso do céu? – Apressou-se a perguntar o padre João. - Acreditem! Vocês não são pessoas comuns. Cada um à sua maneira, desenvolveu virtudes que serão muito úteis para os planos que Deus está colocando em marcha nesta Era de Aquários. Era de Aquários? Ainda que eu falasse a língua dos anjos. – Começou a cantarolar o professor Pedro numa referência à música Monte Castelo, imortalizada por Renato Russo do Legião Urbana e deixando claro que desconhecia completamente o tema iniciado por Miguel. O anjo sorriu da capacidade de improviso do professor e então prosseguiu. - Na forma de contar os anos que vocês adotaram, a Era de Aquários iniciou em 2001 e tem sido uma época de mudanças. O advento da internet e a facilidade de comunicação que ela vos propiciou já são sinais do quanto

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a humanidade poderá evoluir em termos de tecnologia. Mas é preciso que haja avanços também na espiritualidade antes que os habitantes deste pequenino planeta se transformem em máquinas e abdiquem completamente da sensibilidade. - Está usando uma linguagem figurativa e exagerada quando se refere a nos tornarmos máquinas, né? – Indagou Marcos, com uma ruga de preocupação no rosto. – É obvio. Parece que sua presença subtraiu minha capacidade de raciocínio. – Reconheceu o médico, constrangido. Miguel parecia querer fulminá-lo com a intensidade de seu olhar azul. Mas a voz continuava suave como o afago de mãe. - Há muito tempo a humanidade esqueceu o caminho de casa. Crenças erradas e ambição desenfreada fizeram com que o homem se afastasse do real objetivo de sua existência. E antes que me perguntem qual seria este objetivo, revelo que Deus os criou para que tivessem vida em abundância. - Foi o que Jesus disse! – Interrompeu o padre João. - Bem lembrado, amigo. – Prosseguiu Miguel – Ouçam bem o que vou lhes dizer. O éden, o paraíso, a casa de Adão

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e Eva, nunca foi um lugar. O Éden é um estado de consciência. Parecido com o que vocês experimentaram na noite passada e muitos o atingem através da meditação. O Arcanjo fez uma pequena pausa para ter certeza de que estava se fazendo entender. Então prosseguiu seu ensinamento. - Se o Éden fosse um lugar, os homens já o teriam encontrado. Alguém o teria escriturado e atrairia muitas excursões. Já pensaram quanto custaria uma lua de mel no paraíso? Quando Deus criou o homem, este vivia no estado de consciência dos espíritos, o verdadeiro eu de cada um de vocês. E nesta dimensão, a vida é perfeita. Todos os seres existem em harmonia plena, pois Deus é a perfeição absoluta. Os cachorros da infância não morrem e os animais selvagens são de estimação. Entende o que digo professor? - Você estava lá comigo? – Espantou-se Pedro lembrando de sua experiência em estado de consciência Xamã. - Lógico! Não lembra que Taiguara me invocou antes do início da sessão?

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- E você responde aos nossos chamados! – Sorriu o indígena. Miguel devolveu o sorriso. - Ok! Tudo era perfeito no paraíso até que a cobra apareceu. – Brincou Marcos recolocando a conversa no trilho original. Miguel tornou a sorrir. O que aconteceu na verdade, e vocês já devem ter conhecimento

disso,

é

que

Adão

e

Eva,

que

experimentavam a plenitude da existência, descobriram que poderiam ter mais. Assim, se permitiram provar o prazer da carne e ao fazerem isso, desceram pela primeira vez à dimensão da existência carnal. Ou seja, conheceram o estado de consciência em que vocês se encontram. À medida que alimentavam o prazer do corpo, se afastavam da plenitude de sua existência em Deus. Tiveram curiosidade e decidiram explorar mais esta dimensão da existência. E a partir do momento em que se aperfeiçoavam em ser homem e mulher nesta dimensão, se perdiam do caminho que os conduziria de volta à sua antiga morada. Vieram os filhos, a inveja, o assassinato de Abel, a dor. E expostos as forças destrutivas deste estado de consciência

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em que vocês vivem, se distanciaram cada vez mais e definitivamente do Jardim do Éden. - O sexo foi o culpado de tudo? – Perguntou Marcos assustado com a revelação de Miguel. - E é por isso que a igreja católica instituiu o celibato? – Completou João esperando uma resposta positiva. - De forma alguma! O sexo revelou o prazer carnal. De posse da informação de que havia muito mais a ser explorado deste lado da existência, Adão e Eva se perderam no labirinto da curiosidade. Cansados e feridos pela sequência dos fatos que se sucederam, não conseguiram mais regressar ao estado de consciência original. - Então Deus não os expulsou do paraíso? – Indagou Taiguara. - De maneira alguma. Deus não é vingativo. O ódio não consegue nem se aproximar do puro amor. Foi na canoa do livre arbítrio que Adão e Eva fizeram a viagem para este estado de consciência e não conseguiram mais atingir o patamar habitado pelo verdadeiro eu, o espírito de cada um. - Ok! Uma explicação que nunca nenhuma religião conseguiria nos repassar. – Observou Pedro. – Mas o que

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estamos fazendo aqui? E porque nós? – Insistiu aquele que lecionara história. - Depois de Adão e Eva, muita coisa aconteceu neste vale de lágrimas. E Deus, penalizado pela colheita de seus filhos, sempre tentou intervir. Sempre respeitando o livre arbítrio, para não transformar o homem em sua marionete, o Arquiteto do Universo valeu-se de alguns personagens, na tentativa de relembrar aos seus filhos o caminho de volta para casa. Abraão, Jacó, José do Egito, Davi, Salomão, Moisés, Josué, João Batista e Jesus, entre outros, foram instrumentos de Deus para reaproximar a humanidade de sua real identidade. Mais recentemente, Francisco de Assis, Irmã Dulce, Madre Tereza, Chico Xavier e tantos outros, serviram como ferramentas de Deus. - Eles fracassaram? Perguntou Maria Madalena. - Em absoluto! Quem fracassou novamente foi o homem. Todos os seres escolhidos por Deus, tiveram êxito em suas missões. O homem que se julga inteligente é que passou a achar ridículo acreditar nessas “bobagens” que lhe eram ensinadas e reveladas. Não é mesmo professor? – Desdenhou

o

arcanjo

referindo-se

152

a

superada


incredulidade de Pedro. Este corou e permaneceu em silêncio. Então Miguel continuou sua fantástica dissertação. - Ao longo da história, a humanidade se viu soterrada por falsas crenças, foi escravizada pela ambição do poder e do ter, alimentou o corpo e esqueceu-se do espírito. O capitalismo os ensinou que para comer era preciso se matar de trabalhar e competir com seu semelhante. Lembram do que Jesus disse a respeito? Olhem os lírios do campo, que não trabalham nem tecem! E, contudo, nem Salomão em toda a sua glória se vestiu tão bem como eles. Os pássaros e os lírios, não se sujeitam a sentimentos menores pelos quais o homem se deixou contaminar. É como se continuassem a existir no estado de consciência original. Nunca se perderam do Éden. Então, tudo que necessitam lhes é propiciado pela benevolência e cuidados de Deus. - E porque nós e porque este lugar? – Insistiu Marcos sem se dar conta de sua indiscrição. - Calma, Marcos! Chegarei lá. – Prosseguiu Miguel sem se alterar. - Nos dias atuais, a humanidade se especializou em semear péssimas sementes e tem colhido frutos piores ainda. Nunca esteve tão afastada de sua essência.

153


Depressão,

suicídios,

doenças,

violência,

corrupção,

ambição desmedida e tantos outros fatores negativos, geraram uma escuridão avassaladora sobre a terra. Então, Deus, mais uma vez pesaroso pelo destino de sua criação, decidiu que chegou a hora de intervir novamente. Porém, como disse, o Pai não pode passar por cima do livre arbítrio de ninguém. Ele precisa de voluntários que o auxiliem nessa missão. - Vai me dizer que fomos escolhidos? Inquiriu o padre João em um misto de orgulho e pavor pela responsabilidade que se prenunciava. - É preciso que se projete luz sobre a humanidade. E isto precisa acontecer antes que vocês consigam destruir a si mesmos e por extensão, ao planeta em que habitam. Como tudo está interligado, o que acontece na terra, repercute no restante do cosmos. - Começo a entender. – cochichou o padre João. Miguel continuou sua dissertação. - Taiguara explicou sobre vossa trindade pessoal. É preciso alinhar a mente, a alma e o espírito. Lembram? - Sim! – A resposta foi uníssona.

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- Como todos sabem, existe a Santíssima Trindade. Pai, Filho e Espírito Santo. E este lugar foi escolhido por ser uma tríplice fronteira. Paraná, São Paulo e Matogrosso do Sul. Exatamente nesta ilha, há um portal que liga esta dimensão a outras invisíveis. Foi por este portal que eu apareci. Vocês precisam saber que no mundo existem muitos outros portais que na verdade são canais estratégicos que Deus criou para permitir a comunicação entre seus diversos mundos. Reuniões como esta, estão acontecendo em outras partes do Brasil e em todos os continentes. Outros escolhidos também atenderam nosso chamado. Logo, uma infinidade de guerreiros da luz, atuarão em uma nobre batalha de amor pela humanidade e espalhando luz pelo planeta. - E o que espera que a gente faça? – Indagou Marcos. - Estou convocando vocês para meu exército. Precisamos que vocês nos ajudem a espalhar luz e compreensão por onde passarem. Que vocês espalhem o que estão aprendendo e vivenciando. - O povo que eu convivo não está preparado para certas revelações. Seremos chamados de loucos. – Protestou Pedro.

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- Meu querido professor. – Prosseguiu o Arcanjo. – Além de toda inteligência que lhes foi conferida, de posse do aprendizado que terão aqui e, inspirados por nós, conseguirão abrir muitos olhos e convencer muitos corações. E aqueles a quem iluminarem, farão o mesmo com outros tantos, e assim, a luz se fará novamente. Taiguara que permanecera em silêncio, decidiu também argumentar. - Ok. Estou entendendo o que nos revela com clareza. Mas o que quer dizer quando utiliza o termo “inspirados por nós”? - Meu amado Taiguara! Temos conhecimento do quanto você tem se esforçado para adquirir um grau avançado de espiritualização. Tenho certeza que sabe a quem me refiro. - Aos Mestres Ascensionados? – Sorriu o índio olhando nos olhos azuis de Miguel. - Exatamente! - Quem são estes Mestres Ascensionados? – Perguntaram

quase

concomitantemente

integrantes do grupo.

156

os

demais


- Taiguara vai lhes falar sobre eles. Agora me deem licença, pois preciso me encontrar com outros escolhidos. Como disse, muitas reuniões como esta estão acontecendo mundo afora. - Já vai? Fique mais um pouco. – Implorou Maria Madalena com voz dengosa. - Minha missão aqui está cumprida. – Sorriu o anjo de cabelos longos e dourados. - Outros aparecerão para lhes repassar conhecimento. Será uma honra contar com cada um de vocês como membros do meu exército. Mas respeitarei o livre arbítrio de cada um. Entenderei se decidirem ficar de fora desta nobre e divina missão de espalhar luz sobre a escuridão que paira sobre a humanidade. Dito isso, Miguel sorriu e se afastou do grupo. Os cinco amigos ainda enlevados com o que acabaram de presenciar, viram o arcanjo ser envolvido novamente pelo facho de luz. Testemunharam ele ser alçado para a altura das árvores como se fosse leve como uma pluma. Miguel lhes ofereceu um aceno de adeus. O facho se encolheu e como se tivesse explodido, desapareceu instantaneamente levando consigo o ilustre e inacreditável visitante.

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- Caramba! O que foi isso? – Exclamou Marcos colocando-se de pé com um salto acrobático e quebrando o silêncio que se instaurou entre eles por alguns segundos. A perplexidade era nítida em seu semblante. - Cara! Nós vimos o anjo que visitou nossos sonhos. E não estou sonhando. Ele mesmo me beliscou. – Observou o professor. - Vocês se deram conta do que nos está sendo proposto? A dimensão do que estamos vivenciando? – Era João tão abismado tanto quanto os demais. - E que gato é esse Miguel. – Brincou Maria Madalena na tentativa de trazer de volta seus colegas ao estado de consciência comum. - Gente! A explicação sobre Adão e Eva foi surpreendente e ao mesmo tempo muito plausível. Era o padre digerindo o aprendizado. -

Então!

Como

experimentamos

o

estado

de

consciência xamã, ficou fácil compreender e aceitar o que Miguel nos disse. – Ressalvou Marcos deslumbrado com a visita do arcanjo.

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- Gente! Essa história de ter um portal exatamente nesse lugar é uma revelação fantástica. – Mudou de assunto repentinamente o padre João. – Sempre fui atraído por assuntos ligados a ufologia. - Jamais poderia supor algo parecido. – Observou Marcos, estranhando o interesse do colega pelo tema. João levantou-se e caminhou ao ponto exato onde o facho de luz apareceu trazendo e levando o Arcanjo Miguel. Olhou para o alto a procura de algo que revelasse a existência de alguma fenda no espaço. Não avistou nada nesse sentido. - Claro que vocês sabem que portais são canais dimensionais que possibilitam uma conexão com seres de outros planetas e energias de diferentes dimensões. - Sim, padre! Creio que todos tivemos acesso a essa informação. – Brincou Maria Madalena. - E como alguém pode não se encantar com algo tão fantástico. – Prosseguiu aquele que celebrara missas. – Vimos isso em filmes de ficção, em artigos especializados em ufologia. Mas, agora nossas cabeças estão sob um desses vórtex. Eles são reais.

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- Você acabou de conversar com o Arcanjo Miguel e está impressionado com o portal? – Questionou um incrédulo professor Pedro. - Gente... – Insistiu João indignado com o fato do tema não despertar interesse em seus colegas. – Isso pode ser a prova de que extraterrestres nos visitam. - E você tinha alguma dúvida sobre isso? Se intrometeu Taiguara finalmente. - Você acredita mesmo que seres de outro planeta frequentam a terra? – Estranhou Maria Madalena. -

Firmemente.

Respondeu

Taiguara

com

naturalidade. – Lembram quando vos falei sobre os xamãs? Povos distantes, de diferentes culturas tiveram acesso à mesma informação. Creio que a receita da ayahuasca por exemplo, foi difundida por alguma inteligência de outro planeta. Seria impossível em uma época em que a comunicação não existia, pessoas tão distantes terem descoberto que a combinação de folhas e raízes, geraria um chá que facilitaria o acesso a dimensões invisíveis. - Então realmente eles estão entre nós. – Brincou o professor Pedro.

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- Desde os primórdios. Nunca leram o livro ou assistiram ao filme “Eram os deuses astronautas”? – Indagou o índio, referindo-se à obra de Von Däniken. - Para falar a verdade, sempre zombei das pessoas que afirmam ter mantido contato com estes seres. – Confessou Marcos aparentando arrependimento. – Esse negócio de abdução sempre me pareceu fruto de alucinação. Mas depois que mantive contato com um anjo, não duvido de mais nada. - Realmente é um tema complexo e merece a empolgação

do

nosso

padre.

Concordou

Pedro

finalmente. Maria Madalena considerou o assunto esgotado, tanto que olhou firme para Taiguara e o intimou: - Você precisa nos contar sobre os Mestres Ascensionados. Taiguara sorriu. - Depois! Agora vou pescar para garantir o nosso almoço.

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E saiu deixando os quatro colegas frustrados com o adiamento de novas revelações. Se bem que ninguém naquela ilha, poderia estar frustrado. Não depois de manter um diálogo com o comandante do exército de Deus. //////////////////////// O almoço teve como cardápio, peixe em molho. Isso foi possível graças ao barbado que Taiguara com maestria retirou das águas. O acompanhamento foi arroz temperado com muito alho. Os dotes culinários do índio, novamente mereceram rasgados elogios dos demais. O assunto continuava a ser a breve, mas, inesquecível visita de Miguel. - Gente! Existem dimensões invisíveis e seres de luz! Triste

constatar

que

parte

da

humanidade

crê

superficialmente nisso e a maioria ignora completamente. – Observou Maria Madalena muito pensativa. Taiguara mudou o tom da conversa drasticamente. - Proponho que durmamos a sesta. Acreditem! Um breve período de sono após o almoço, contribui e muito para a melhora de nossa saúde.

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- Sério que vai conseguir conciliar o sono depois de toda excitação que a visita de Miguel provocou na gente? – Inquiriu Marcos surpreso com a proposta do amigo. - Quando estive no oriente participando de uma conferência esotérica, ouvi de um japonês que o Brasil é um dos países com maior incidência de mortes provocadas por enfarto. Este sábio colega observou que isso se deve ao ritmo frenético em que vivemos. Muitos se alimentam mal e o fazem apressadamente para regressar o quanto antes aos seus compromissos cotidianos. Comem lanches ou pastéis, geralmente em pé no balcão de algum estabelecimento e retomam suas atividades antes de o organismo fazer a digestão. Esse amigo japonês completou seu ensinamento dizendo que devemos observar os animais. Gatos e cachorros, por exemplo, dormem após se alimentarem. Então, meus amigos, vou me entregar aos braços de Morfeu por, pelo menos, meia hora. Me deem licença! Retirou-se. Acomodou-se em sua rede e menos de um minuto depois tinha adormecido. - Esse cara é mesmo especial. Parece que dedicou sua vida ao aprendizado. – Comentou Marcos sem esconder

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sua admiração pela bagagem de conhecimentos que o índio trazia. Sem ter muito com o que se ocupar na pequena ilha, os quatro colegas decidiram que o melhor a fazer seria seguir o conselho do japonês citado por Taiguara. Por, pelo menos, duas horas, o grupo se recolheu a um sono profundo. ////////////////// Maria Madalena abriu os belos olhos azuis. Se deu conta de que se encontrava na barraca armada por Taiguara. Então não sonhara. Realmente se encontrava em uma ilha no meio do Rio Paraná com quatro desconhecidos. A visita do Arcanjo Miguel foi real. Esta certeza arrancou um sorriso dos lábios carnudos da loira. Espreguiçou-se devagar e graciosamente. Então decidiu que já estava na hora de se juntar a seus colegas. Afinal, ainda precisava ouvir do sábio indígena quem são e o que fazem os Mestres Ascensionados. A primeira pessoa que viu, foi justamente Taiguara. De cócoras à beira da fogueira, o índio se ocupava da missão de alimentar o fogo. Marcos, João e Pedro ainda estavam em suas respectivas redes.

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- Boa tarde! Dormiu bem? – Perguntou Taiguara sorrindo. - Como uma pedra. – Respondeu a psicóloga beijando a cabeça do índio. Ao ouvirem o diálogo recém-iniciado, os ocupantes das redes que já estavam acordados, resolveram se juntar aos dois. - E aí pessoal? Descansaram o suficiente? – Era Maria Madalena saudando os colegas com a simpatia que lhe era peculiar. - Depósito de energia reabastecido. Pronto para correr uma maratona. – Brincou Marcos. - Tenho dormido tão bem que pretendo comprar uma rede quando voltar para casa. – Observou Pedro com o semblante próprio de quem acabara de acordar. - Está meio amassado professor! – Observou o padre João ao notar quão assanhados estavam os poucos cabelos que restavam na cabeça do colega. - Vou ao rio lavar o rosto. – Decidiu o que lecionara história.

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- Te acompanho. Disse o padre. - Então também vou! – Completou Marcos. - Esperem! – Gritou Maria Madalena! – Um banho de rio me cairia bem. Vou com vocês. E correu em direção aos amigos. Taiguara por sua vez, levantou-se com a agilidade de um felino e correu velozmente ultrapassando o grupo. - Quem chegar por último é mulher do padre. João apressou-se em segurar Maria Madalena pelo braço. - Fique para trás, por favor. Não quero correr o risco de ter um destes marmanjos como minha mulher. A brincadeira do homem que abandonara a batina, arrancou do grupo uma sonora gargalhada. Maria Madalena se

desvencilhou

facilmente

de

João

e

graciosamente em direção ao rio. - Desculpe João! Mas, não gosto de perder. O padre se viu obrigado a fazer o mesmo.

166

disparou


Pedro, com o pior condicionamento físico do grupo, foi o último a chegar ao rio. - Covardia. Quando voltar a civilização, prometo que vou frequentar uma academia. – Disse esbaforido curvando o corpo para a frente como se tentasse facilitar a respiração. - Uma rotina de caminhada já fará uma grande diferença. – Sentenciou Taiguara boiando com facilidade. Pedro decidiu não mergulhar. Achou melhor manter-se à margem. Apenas lavou o rosto e molhou os cabelos que lhe restavam. Por doze minutos, o grupo de amigos se deliciou com as águas quase mornas do Paranazão. Sentiam-se leves, em paz! Era como se as crianças que foram um dia, estivessem de volta. E a amizade entre eles, parecia ser de outras vidas. - Vamos sair? – Propôs Maria Madalena. – Afinal, Taiguara

precisa

nos

contar

sobre

os

Mestres

Ascensionados. - Verdade! – Relembrou Marcos olhando para o indígena.

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- Então vamos! – Concordou Taiguara, nadando com agilidade em direção à ilha. Os demais o sucederam e em menos de três minutos estavam posicionados no local que escolheram para fazer as refeições. - Meu conhecimento sobre o tema é apenas superficial. – Principiou o indígena. – É um assunto vasto e complexo e demanda de tempo e muito estudo para ser dominado. Sugiro que ao regressarem as suas rotinas, pesquisem na internet. Encontrão farto material a respeito. O que posso lhes oferecer é uma introdução ao tema, baseado no que li, vi e ouvi a respeito. - Tenho certeza que será mais que suficiente o que poderá nos repassar. – Observou o padre João. - Tudo começou em 1877, quando uma esotérica russa, chamada Helena Blavatsky escreveu várias obras sobre o tema. Segundo seus ensinamentos espalhados e aceitos por diversos povos em torno do mundo, Os Mestres Ascensionados pertencem a uma hierarquia superior chamada de A Grande Fraternidade Branca. E esta nomenclatura não tem nada a ver com racismo. Refere-se a cor da luz que irradia. Os Mestres Ascensos são pessoas

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que ao longo de suas inúmeras encarnações atingiram um elevado grau de purificação e com merecimento, voltaram à luz. Para facilitar o entendimento, usarei uma linguagem figurativa. Eles podem ser comparados a um seleto grupo de agentes especiais no exército de Deus. Sua missão é manter viva no coração da humanidade a chama do amor, da sabedoria e do poder do Criador. - E quem são eles? – Perguntou Maria Madalena, transbordando de curiosidade. - Já chego lá. Primeiro quero que tratem a Grande Fraternidade Branca como se fosse uma empresa. Cada mestre trabalha em um setor. Estudiosos sobre o tema, chamam estes setores de raios. São sete ao todo. - Ok! Sete mestres, exercendo funções em sete setores. – Era Marcos repassando o aprendizado como se fizesse anotações. - El Morya serve no primeiro raio, Lanto responde pelo segundo, Mestra Rowena trabalha no terceiro e assim seguem Serapis Bey no quarto, Hilarion, no quinto. Hilarion em uma de suas encarnações foi Paulo o apóstolo.

169


- Sério? Que legal! – Vibrou Maria Madalena, encantada com a revelação. - O sexto raio está sob a responsabilidade de uma mestra chamada Nada. Por fim no sétimo raio atua Saint Germain, escolhido como o comandante da era de Aquárius. Para vocês terem uma ideia da importância desta função, basta dizer que Jesus foi o governante do mundo na era de peixes. E agora Saint Germain o sucedeu. - E o que eles fazem? – Quis saber o professor. - Espalham ensinamentos por toda a terra ditando suas lições através de pessoas especiais que alcançaram um alto grau de evolução espiritual. - Essas pessoas incorporam os mestres? – Indagou Maria Madalena. - De maneira alguma. – Apressou-se em esclarecer o índio. – Diferentemente do espiritismo onde o médium perde sua consciência e um espírito assume o controle, neste procedimento, o escolhido continua dono da situação. Ele apenas ouve e transmite o que recebe. - Entendi. É como uma dublagem ao vivo. – Observou Marcos.

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Taiguara riu. - Mais ou menos. Vamos dizer que sim. - E porque os Mestres Ascensionados não falam diretamente para uma plateia maior? – Quis saber João. - Porque como já disse, para se ouvir um mestre, é preciso que a pessoa esteja em um grau avançado de evolução. – Foi a resposta direta do indígena. - Entendi. – Resignou-se o que celebrara missas. - Essa é uma síntese muito superficial sobre a existência e a missão dos Mestres Ascensionados.

Eu

particularmente, não creio que as coisas funcionem assim. Na minha opinião, não são apenas sete os Ascensionados. Deve haver centenas de milhares de outros. E a questão dos raios, entendo como uma linguagem ilustrativa. Mas essa é minha opinião, e, não tenho a mínima intenção de ofender a quem crê diferente. Repito! Estudem sobre o tema quando estiverem de volta a civilização. O trabalho deles é grandioso. Eles são pontes entre os homens e o Criador. A escritora paranaense Maria Lúcia de Andrade Vieira tem uma obra chamada “Razão de Viver”. Recomendo que leiam esse livro.

171


- Mas porque preciso deles? Não posso me dirigir diretamente a Deus? – Questionou Marcos, mais uma vez. - Nesse livro que citei, a autora trata sobre seu questionamento. – Respondeu Taiguara se dirigindo a Marcos. - Ela afirma que a luz de Deus é tão intensa que nos dizimaria.

Valendo-se

de

uma

linguagem

figurativa,

comparou com o funcionamento de uma usina elétrica, que precisa das distribuidoras, dos postes e da fiação para fazer com que a energia chegue na medida certa em nossas tomadas e interruptores. Deus é a usina enquanto os mestres ascensionados, os anjos e santos, representam as distribuidoras que te entregam a quantidade correta de Luz do Criador. - Entendi. Faz sentido. – Limitou-se a murmurar o médico. Taiguara prosseguiu. - Os Mestres trabalham de acordo com a vocação dos homens. Eles os inspiram, abrem canais de conhecimento e sabedoria. Mas, como sempre temos repetido, precisam ser convidados a agir em nossas vidas.

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- Novamente o tal do livre arbítrio! – Sentenciou o professor. - Exatamente. A humanidade precisa saber da existência deles. E depois autorizar que eles atuem. – Completou Taiguara dando por encerrada sua explanação. - Fiquei curiosa. Com certeza vou me aprofundar no assunto. - Faremos isso Maria Madalena! – Completou o padre João. Os cinco novos amigos prosseguiram conversando sobre as experiências vivenciadas nos últimos dias. Repassaram o aprendizado. Taiguara lhes falou sobre os benefícios da meditação. Os ensinou exercícios de respiração e como acalmar a mente antes de dormir. Lhes mostrou como buscar contato com o Deus individual e autorizar o Eu Sou a ter influência em suas vidas. E assim se fez. Após o jantar, decidiram se recolher cedo e oferecer perdão e bênçãos ao universo. Invocaram o poder de cura que existe adormecido em cada um e pediram sabedoria e coragem para trabalhar no exército que Miguel está formando. E envolvidos pelo espírito da boa vontade, os

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cinco amigos adormeceram leves e tomados por um sentimento de paz.

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QUINTA-FEIRA

Taiguara foi o primeiro a acordar. O dia já estava claro. O índio foi até a margem direita do rio, lavou o rosto, apanhou uma porção de galhos secos e mais uma vez se incumbiu da tarefa de alimentar o precioso fogo. Em pensamento agradeceu as árvores pela lenha e, a Deus, pelo novo dia que principiava. Ficou admirando o bailar suave da chama por alguns minutos, então voltou ao rio, encheu a chaleira e ato contínuo a depositou sobre os espetos. - Pelo jeito teremos um delicioso café da manhã! – Ouviu uma voz grave e suave atrás de si. Voltou-se com a agilidade de um felino para observar quem era o inesperado visitante. Então avistou um gigante de, pelo menos, dois metros e vinte de altura. O olhar era de um azul perturbador. E o sorriso branco como a neve, assegurava que o grandalhão de pele morena e barba espessa, vinha em paz! Suas vestes eram de um azul fulgurante. Taiguara franziu o cenho e caiu de joelhos. - El Morya! – Sussurrou o índio, curvando o corpo até o solo em sinal de reverência.

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O gigante se aproximou e lhe estendeu a mão. - Levante-se! Fico constrangido com sua reverência. Somos amigos. Taiguara aceitou a ajuda para se pôr de pé. - Pessoal! Acordem! Temos uma visita ilustre! – Gritou o índio para seus amigos. - Posso lhe dar um abraço? Estou honrado com o privilégio de encontrar com o senhor. – Prosseguiu o sábio indígena como se fosse um fã deslumbrado pela presença de um ídolo. - Claro que pode! E de repente Taiguara se viu retirado do solo e envolvido

pelo

potente

abraço

do

gigante

Mestre

Ascensionado. Maria Madalena, Marcos, João e Pedro, chegaram juntos. Tinham curiosidade no olhar e sorrisos nos lábios. - Tem certeza que não precisa de uma ambulância? – Brincou Marcos ao ver o amigo ser literalmente depositado no chão pelo gigante de olhos azuis.

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- Estou bem! – Sorriu o índio se dirigindo a seus colegas de aventura, antes de anunciar com uma flagrante empolgação na voz. - Amigos! Tenho a honra de apresentá-los o Mestre Ascensionado El Morya. O chohan do primeiro raio. - Chohan? – Perguntaram os recém-chegados. - O mestre, o chefe do primeiro setor que lhes falei ontem. Taiguara estava ansioso e impressionado. A presença do ilustre visitante parecia ter-lhe subtraído o equilíbrio que sempre demonstrara. El Morya continuava sorrindo. - Isso é uma mera formalidade. Lá onde trabalho, dividimos as tarefas por igual e ajudamo-nos mutuamente. – Observou o gigante valendo-se de sua voz de trovão. - Bem diferente de algumas escolas onde lecionei. – Brincou Pedro num sussurro quase inaudível. - Gente! Vocês estão diante de El Morya que em outras encarnações foi Abraão, o progenitor das doze tribos de Israel, considerado o pai de muitos. Ele foi Melchior, um dos três reis magos. Vocês estão diante do Rei Arthur e do

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grande Akbar, o maior dos imperadores mongóis da Índia. – Bradava Taiguara tentando incutir nos demais a importância daquele que os visitava. - Abraão! Conseguiu murmurar o padre João. - Caramba! Rei Arthur! – Era Marcos boquiaberto com a revelação. -

É

um

prazer

conhecê-los

pessoalmente!

Sentenciou o gigante. – Podemos deixar de lado essa suposta importância de minhas diversas vidas e nos concentrarmos naquilo que me trouxe até aqui? - Claro! Claro! – Gaguejou Taiguara notando que a água já estava fervendo. – Vou passar o café e conversaremos fazendo o desjejum. Pode ser? - Pensei que não fosse me convidar. – Brincou o Mestre Ascensionado antes de sugerir: - Podemos nos sentar enquanto o nosso bom índio prepara o café? - Claro! Nos acompanhe. – Era Maria Madalena fazendo as honras da casa.

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Ao cabo de quinze minutos, o grupo já havia feito a primeira refeição do dia. El Morya demonstrou ter bom apetite. Professor Pedro, o comilão do grupo, perdeu feio para ele. - Que prazer estar diante de vocês! – Iniciou o diálogo aquele que um dia se chamara Abraão. - Imagina o que significa para nós estarmos diante do senhor. – Contrapôs Taiguara visivelmente encantado. - Olha mestre! – Começou Marcos. – Nosso Taiguara está tão empolgado que se tivesse trazido o celular, ia pedir para tirar uma self e postar nas redes sociais. Todos riram do constrangimento do até então inabalável índio. Este por fim também sorriu. - Não seja por isso! Eu registrarei este momento e levarei comigo uma recordação de vocês. El Morya fez um movimento com o braço, como se tivesse um celular ou uma câmera fotográfica invisível na mão direita. - Aproximem-se!

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Todos obedeceram e viram um flash ser disparado da palma da mão do grandalhão. - Pronto! Querem ver como ficou? - Claro! – Responderam em coro os deslumbrados aventureiros. Após um estalar de dedos do gigante, a foto em forma de um holograma, apareceu instantaneamente diante o olhar incrédulo dos demais. Era como se estivessem diante de uma tela de, aproximadamente setenta polegadas. E as cores eram tão vivas que pareciam não pertencer a terra. - Dá para tirar outra? O professor Pedro não ficou bem. – Brincou o padre João. - Novamente o grupo gargalhou. Menos o objeto da brincadeira que fulminou o amigo com um olhar de reprovação. - Nem uma câmera da esfera da luz conseguirá melhorar a aparência do professor Pedro. – Completou a brincadeira o médico Marcos. Desta vez, até Pedro sorriu.

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Com um movimento quase imperceptível, El Morya recolheu o holograma fazendo-o desaparecer na palma de sua mão. - Literalmente este encontro está registrado para a eternidade. – Brincou o ilustre visitante, antes de prosseguir. - Então meus queridos! Gostaria de conversar com vocês sobre o motivo deste nosso encontro. - Já sabemos. Deus precisa de nós para disseminar entre a humanidade que tudo aquilo que se aprendeu sobre Ele, não condiz com a realidade. – Se atreveu Marcos a interagir. El Morya sorriu antes de prosseguir. - Não diria tudo, uma boa parte foi de grande valia. - Estamos ansiosos para ouvi-lo. – Incentivou o padre João. - Sim, será uma honra beber na fonte do seu conhecimento. – Completou Maria Madalena. - Então vamos lá. Vocês têm aprendido nos últimos dias que o homem se encontra soterrado pelos escombros da ganância e dos compromissos. Foi ensinado a esquecer

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sua verdadeira identidade. Outorgou as rédeas de sua existência à mente consciente sem se dar conta que o seu verdadeiro e eterno existir é o espírito, a centelha divina que tudo pode e tudo sabe. Creio que isso agora parece ser obvio para vocês já que conseguiram direcionar sua atenção nesse sentido. - Jesus nos alertou muitas vezes sobre essa realidade e a gente não lhe dispensou a devida atenção. – Corroborou João repassando as lições que aprendera com o índio. - O ego venceu essa batalha. A humanidade se equivocou quando resolveu colecionar vitórias, prazeres e conquistas materiais. A espiritualidade não foi alimentada, e hoje, se encontra minguada e até descartada no lixo da ambição. – Era El Morya completando seu raciocínio. - Mas podemos ajudar a mudar essa realidade. É para isso que estamos sendo convocados. – Observou Pedro com o semblante carregado de seriedade. - Compreendo que assim, de imediato, parece ser uma tarefa difícil de ser levada a cabo, mas, asseguro-lhes que não estarão sozinhos nesta missão. Porém, peço-lhes que perseverem,

pois,

serão

ridicularizados

pela

mídia,

perseguidos e ofendidos por líderes religiosos. Lembrem-se!

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Vocês baterão de frente com as convicções de muitos, terão que fazer ruir certezas absolutas alimentadas por séculos. E muita gente, muitos poderes e instituições não vão gostar disso. - A guerra será deles! – Observou Taiguara antes de completar: - Nossa missão será de paz. Não vamos impor nada a ninguém, apenas revelar como o fardo pode ser mais leve se seguirem o caminho que apontarmos. - Quem tiver ouvidos para ouvir que ouça! – Completou o padre João em mais uma referência a Jesus Cristo. El Morya tinha satisfação no olhar e admiração na voz. - Constato que fizemos uma boa escolha. Lembrem-se que além de vocês, outras pessoas ao redor do mundo, estão sendo preparadas para espalhar luz na escuridão do desconhecimento. - Sim! O Arcanjo Miguel nos contou sobre isso. – Corroborou Pedro. - É chegada a hora do homem despertar e descobrir de forma efetiva que Paulo tinha razão quando afirmou que tudo pode naquele que o fortalece. - O mestre Ascensionado

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fazia referência ao versículo treze do capítulo quatro de Filipenses. - Então... muitas pessoas utilizam essa frase. – Era João questionando o porquê de não surtir o efeito que deveria. Adivinhando seus pensamentos, El Morya ajuizou: - É porque eles a pronunciam da boca para fora e não do coração para dentro. A coisa é mecânica e superficial. Eles não focam na grandiosidade desta verdade. A humanidade foi impregnada por dúvidas e presunção. Aqueles que ainda tiram um tempo para orar, geralmente rezam a um Deus distante. Muitos temem a Deus mais do que o amam. Ah! Se eles soubessem o quanto o Pai os quer de volta à Sua casa. - E eu que nunca rezei, terei que ensinar as pessoas a orar. – Era o professor Pedro reconhecendo o desconforto de sua situação. - Pedro! O ensinar está no seu DNA. E o fato de estar aqui, é porque mesmo não crendo na existência de Deus, emparelhou suas ações com a vontade Dele. Acredite que fazer o bem a um semelhante, espalhar o amor ao seu redor

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e jamais prejudicar um outro, é a oração mais agradável aos ouvidos do Criador. - Viu Pedrão? Você é do bem. – Berrou Marcos incentivando o colega com um tapa no ombro. - Sem se dar conta, você cumpriu um dos mandamentos. Honrou pai e mãe mesmo se achando órfão. Aquelas palavras calaram fundo na consciência do professor. Em silêncio pediu perdão a Deus pelos longos anos de distanciamento e agradeceu pelo privilégio de estar ali. - Obrigado El Morya. Eu era um dos soterrados pela soberba e pelo materialismo. - Na verdade, meu querido filho, permita-me chamá-lo assim. Você não acreditava no Deus que lhe diziam existir. Mas agora que lhe apresentaram um Deus plausível, que habita em você, que não é propriedade de nenhuma religião, a luz se fez dentro do campo de seu entendimento. Não seria possível seu coração continuar batendo enquanto dorme, se não fosse a perfeição divina e as leis que Ele criou para manter o equilíbrio desse universo suspenso.

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- Porque só agora surgiu a intensão de revelar o plano divino para a humanidade? - Questionou Marcos se achando demasiadamente atrevido. El Morya o olhou nos olhos antes de prosseguir. - Vocês estão sabendo disso agora, mas, este trabalho é ininterrupto. Desde sempre, Deus procura ser um ímã para atrair a atenção e a ação de sua criação. Creio que estão curiosos para saber como funcionam as coisas no plano de luz onde hoje habitamos, mas, essa informação é demasiada superior a limitada capacidade de entendimento de vossa mente consciente. Porém através dos sonhos e da meditação, quando conseguem atingir o estado de consciência original, vocês atravessarão a ponte que liga este mundo ao nosso universo. - O que vocês fazem lá? Quero dizer se durante o dia inteiro se dedicam a fazer orações e a cuidar da humanidade, para que esta, através de suas ações não desintegre o planeta. – Era Maria Madalena entrando na conversa mais uma vez. - Viu? Vocês imaginam a existência invisível com a capacidade de compreensão de sua mente consciente. E isso é totalmente compreensivo porque se acostumaram e

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só conhecem esta realidade. Para começar, lá não existe o dia inteiro ao qual você se refere. Não medimos o tempo pelo calendário de vocês. Nós somos o tempo. - Como assim? – Assustou-se a psicóloga. - Nós, quando ascensionamos, voltamos a fazer parte do todo que é Deus. Nos acoplamos a inteligência divina, à fonte. Não temos necessidades das coisas que vocês tanto almejam para serem felizes. Nós somos a própria felicidade. Somos a juventude eterna, a saúde e todas as qualidades inerentes à perfeição e a plenitude de Deus. - Que fera! - Balbuciou Marcos. - E é justamente isso que vocês precisam difundir. Que o homem, enquanto filho de Deus, tem direito à sua herança. Basta que a reivindique. Mas existe um caminho para se chegar a esse manancial de bênçãos e caberá a vocês pavimentar essa estrada para que outros possam percorrêla. - Que é ensiná-los a alcançar o estado de consciência original, abrir mão do livre arbítrio e permitir que a nossa porção Deus, possa assumir as rédeas da nossa existência. – Resumiu Taiguara já com a serenidade readquirida.

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- Exatamente isso. E nossa função será orientá-los. Ditar lições através de vocês, inspirá-los para que possam se fazer entender. Protegê-los das forças do mal que, com certeza, vão tentar prejudicar vossa missão. - O mal existe de verdade então? – Quis saber Marcos. – Sempre achei que seria um equívoco de Deus ter criado o mal, ter permitido deliberadamente a existência de um antagonista tão poderoso. - Interessante sua colocação. – Elogiou o gigante de olhos azuis. – Deus não criou o mal. Lúcifer era o anjo mais luminoso do céu. E foi valendo-se dos poderes que lhe foram outorgados que ele criou dentro de si, a inveja e a soberba. O mal se manifestou a partir do momento que foi alimentado por Lúcifer. Ele promoveu uma rebelião, aliciou alguns seguidores e em um ato tirano provocou uma guerra. Miguel e sua legião de anjos venceram a batalha e Deus atirou os rebeldes a um universo de escuridão. É por isso que seres de luz como vocês, ofuscam a visão daqueles que se encontram nas trevas. E por conta disso, tentarão apagar em vocês essa luz.

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- Que show! Nosso amigo Miguel, que nos visitou ontem, derrotou o diabo! – Deixou escapar essa observação um empolgado professor Pedro. Taiguara lhe dirigiu um olhar de reprovação. - Não pensem que Deus ficou feliz em banir um de seus filhos mais queridos. Porém, aquele que é a perfeição absoluta, entendeu que não tinha outra escolha. O mal e o bem não conseguem habitar a mesma casa. E ao provocar esta cisão, Deus restabeleceu a perfeição original de seu habitat. - E logicamente que Lúcifer não ficou satisfeito e conformado com seu exílio eterno. – Ponderou Taiguara. - Absolutamente! Sabendo do amor de Deus pelos homens, iniciou um plano de vingança. Assim como nós estamos convocando vocês, ele angariou pela terra, pessoas que pudessem disseminar o ódio e toda espécie de defeitos para distanciar a humanidade de seu Criador. Passou a disseminar trevas. É por isso que precisamos de guerreiros de luz. Só assim o bem conseguirá triunfar novamente.

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- E porque Miguel não intervém novamente e escorraça ele outra vez? – Quis saber Maria Madalena. - Porque essa é uma batalha dos homens. Valendo-se de seu livre arbítrio, a humanidade se deixou influenciar e tem que partir dela, o desejo de voltar-se para a luz. Vocês estão no ringue. A nós cabe ficar na arquibancada e torcer para que vençam essa batalha. O que podemos fazer, é treiná-los para que tenham condições de triunfar. - Entendi. Nunca me dei conta da importância desse tal de livre arbítrio. A todo momento estamos falando dele. – Ponderou o professor. - Nos invoquem! Nos permitam agir através de vocês. Nenhuma pessoa que nos chamar no idioma do amor, ficará sem resposta. – Prosseguiu El Morya. – Nossa existência eterna se justifica no servir. Portanto, saibam que nunca estiveram sozinhos. Sempre estivemos de prontidão a espera de um mínimo sinal de perfeição. Monitoramos tudo. Somos os olhos de Deus sobre vocês. - É meio desconfortante saber que estão nos assistindo. – Observou Pedro mais uma vez.

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A

colocação

do

professor

arrancou

sonoras

gargalhadas do grupo. - Fique tranquilo Pedro. A intimidade de vocês não nos interessa. Monitoramos a vossa existência, no intuito de saber se estão precisando de nossa ajuda e nos convidando a intervir. - Mas a humanidade em sua maioria, nem sabe da existência de vocês. Como vão invocá-los? – Questionou o padre João. - Eles apelam aos anjos, aos santos, à Maria, a Jesus e a Deus, que são os mais conhecidos. Então um ser de luz atende o chamado. Não necessariamente aquele que foi invocado. Somos um time e não me refiro apenas aos Mestres Ascensionados. Todos os habitantes da esfera de luz, estão autorizados e tem poder de intervir em prol da humanidade. Pode ser que quando você pede pelo socorro de Jesus, seja Miguel que se aproxima. Já que Jesus pode estar a serviço de um chamado anterior. E assim sucessivamente. Quantas vezes eu mesmo substituí algum santo. Santo Antônio por exemplo, sempre esteve muito atarefado. Não consegue atender todos os chamados. – Brincou El Morya referindo-se ao santo casamenteiro.

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Todos riram entendendo a piada inserida no meio da seriedade do ensinamento. - Além de nos assistirem, e esperar por nosso chamado, o que vocês fazem lá onde moram? – Insistiu em saber o padre João. - Como eu disse, essa informação não cabe na capacidade de compreensão de vocês, mas tentarei ilustrar superficialmente para que tenham uma ideia. Saibam que existem cidades e templos invisíveis suspensos sobre lugares estratégicos da terra. Palácios e edificações de ouro. É ali que habitamos. E além de “bisbilhotar” a vida de vocês, eu me permito viajar por minhas existências anteriores. Revejo meus pais, filhos, esposas e irmãos de muitas encarnações e fico emanando amor e bênçãos para eles. Agradeço a cada um por termos coincidido em um determinado período da existência. - Que delícia deve ser viver uma experiência dessas. Murmurou Maria Madalena. - Você volta a ser Abraão por exemplo? Quis saber o padre João.

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- Não exatamente. Eu volto lá onde Abraão viveu e fico apreciando minha existência naquele personagem. Beijo os que amo enquanto dormem e peço perdão pelos erros que cometi. - E por falar em Abraão, você quase sacrificou seu filho Isaac. Pode nos falar sobre isso? – Pediu o homem que abandonou a batina. - Claro! Vocês precisam entender que eram outros tempos e eu era produto do meio em que vivia. Deus surgiu para mim e pediu que imolasse meu filho para provar meu amor por Ele. No fundo eu sabia que Deus não permitiria que levasse a cabo seu pedido, mas, decidi atendê-lo, pois devia haver algum motivo maior por trás daquela exigência. Porém, um anjo me impediu de concluir o sacrifício, pois Deus havia se convencido do meu amor por Ele. E é claro que passei a amá-lo muito mais depois daquele episódio. - Que loucura! – Deus pegou pesado com você. – Solidarizou-se Marcos dimensionando a tortura emocional vivida por Abraão. Adivinhando o sentimento do médico, El Morya observou:

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- Quantos filhos continuam sendo sacrificados hoje em dia por lares desestruturados, pela violência doméstica, pelo trabalho infantil, pela falta de oportunidades, pela ausência de esperança, privados do amor. Assim como o anjo que impediu o sacrifício de Isaac, vocês podem também atuar nesta seara. O silêncio se abateu sobre o grupo. Os cinco dimensionaram a responsabilidade social da missão que lhes propunham. El Morya se fez ouvir novamente. - Preciso ir. - Sabemos. Outros discípulos o esperam em outros encontros como este. Miguel já nos contou. – Revelou Pedro. - Exatamente. Recebam minha luz e minha bênção. E tenham certeza que estarei pessoalmente com cada um de vocês a partir de agora. Dito isto, o gigante começou a caminhar em direção à margem direita do rio. - Não vai utilizar o portal para ir embora? – Interpelou Marcos.

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El Morya se voltou sorrindo. Miguel não precisa de um portal para aparecer. Nenhum de nós precisa. Ele só o utilizou, para revelar a vocês a existência deste canal de comunicação entre os diversos mundos de Deus. Creiam! Vocês têm dentro de si, um portal individual. Acostumem-se a utilizá-lo para chegar à dimensão em que vivemos. Será um prazer recebê-los. E obrigado pelo café! Dito isso, o Mestre Ascensionado retomou a marcha e desapareceu do raio de visão dos cinco convocados. Uma leve e cadenciada ventania se fez sentir instantaneamente e ato contínuo, uma infinidade de borboletas surgiram onde até alguns segundos se podia ver o mestre Ascensionado. Os pássaros se fizeram ouvir em um concerto de múltiplos trinares e até os peixes pulavam feito golfinhos aparecendo e retornando para as profundezas do Rio Paraná. Era como se a natureza em sua totalidade bailasse a valsa do regozijo em agradecimento pela ilustre visita. Este espetáculo durou pelo menos três minutos. - Isso é incrível. Ainda acho que estamos vivendo um sonho coletivo. – Se fez ouvir o padre João.

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- Cara! Ele foi o rei Arthur. Foi um dos três reis magos. Vocês conseguem dimensionar o que isso significa? – Era Marcos impressionado com os diversos personagens resumidos a um só. - Eu achando que era alguma coisa e me chega um cidadão que foi todos estes. – Brincou Pedro com decepção na voz e no semblante. - Vai saber quem você foi em outra vida? – Consolouo Maria Madalena pouco convincente. -

Então!

Fiquei

curioso

sobre

minhas

outras

encarnações. Se bem que antes de chegar aqui eu nem admitia a possibilidade da existência de vidas anteriores. – Observou Pedro absorto em suas divagações. - É a isso que me refiro. Aceitamos algo como verdade e passamos a negar a verdade de nosso semelhante. – Ilustrou Taiguara com a sabedoria de sempre. – Precisamos nos abrir para o campo das infinitas possibilidades. Vocês não

sabiam

da

existência

de

El

Morya,

mas,

independentemente do saber de cada um, muitas coisas acontecem e muitos seres existem por aí.

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- A lição que fica é que o mundo não se resume ao conjunto do nosso precário conhecimento. – Sintetizou Marcos. - Se a humanidade despertar para essa realidade, ficará mais fácil a coexistência nesse planeta. O homem viverá e deixará viver. E saberá que existem verdades diferentes da sua e que o aprendizado precisa ser perene. – Completou o índio. O dia transcorreu sem maiores novidades. Taiguara se encarregou do almoço. E por mais que o cardápio tenha sido mais uma vez, a base de peixe, todos se fartaram. O assunto continuava sendo a visita de El Morya e os momentos inesquecíveis que estavam compartilhando na pequena

ilha.

Dormiram

a

sesta

mais

uma

vez,

aproveitaram-se das águas do Rio Paraná para refrescar o calor da tarde e logo a noite chegou. Os cinco aventureiros, ao redor da fogueira prosseguiram passando a limpo o aprendizado e as experiências que vivenciaram no transcorrer daquele dia. O espírito do amor e da amizade os envolvia cada vez mais. Abriam suas almas e expunham sem pudores seus posicionamentos sobre a vida. Taiguara esquentou as sobras do almoço e após a última refeição da

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quinta-feira,

decidiram

se

recolher

para

meditar

individualmente. Esta prática passou a ser lei para cada um deles. O objetivo era acalmar a mente, apaziguar a alma e atrair bons fluidos para que o sono fosse um repositório de energias. Afinal, o dia seguinte seria o penúltimo naquele aprazível lugar. ///////////////

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SEXTA-FEIRA

Professor Pedro abriu os olhos. Seu relógio biológico denunciava que já era de manhã. Saltou da rede pois necessitava urinar. Porém, diferente dos amanheceres anteriores, o dia principiava com a ilha tomada por uma densa neblina. Não dava para enxergar um palmo diante do nariz. Caminhou lentamente com o braço à frente para evitar chocar-se com alguma árvore. Quando julgou estar afastado o suficiente, esvaziou sua bexiga. Com extrema dificuldade, conseguiu chegar à margem do rio, onde lavou as mãos e o rosto. Então se pôs em marcha de volta ao acampamento, guiando-se pela intuição para adivinhar onde ficava o caminho que percorrera nos dias anteriores. Em razão da neblina, era como andar de olhos vendados. - Pessoal! Gritou para despertar os demais. – Acho que algo sobrenatural está acontecendo aqui. - O que foi? Atendeu Marcos esfregando os olhos contrariado pelo despertar precoce. - Vocês já viram neblina de cor violeta? – Questionou o professor claramente assustado.

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- Violeta? – Berrou Taiguara dando um salto. – Meu Deus do céu! Acho que sei o que isso significa. - O que está acontecendo? Perguntou Maria Madalena com voz sonolenta. - Levantem-se! – Vamos receber mais uma visita. – Reiterou o indígena com flagrante empolgação. - De quem você está falando? – Apareceu o padre João transbordando curiosidade. Antes que o índio pudesse responder, os cinco amigos já ladeados, viram surgir da neblina, um ser de luz. Vestia uma túnica em tons violetas. Caminhava sorrindo na direção dos perplexos anfitriões. Mais uma vez Taiguara se pôs de joelhos e dobrou o corpo em sinal de reverência. Desta vez, após titubearem por alguns segundos, os demais o imitaram. - Coloquem-se de pé! – Exclamou o recém-chegado antes de se aproximar completamente. Todos obedeceram. Marcos cochichou ao ouvido de Taiguara. - E esse é o famoso quem?

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- Por favor, Taiguara. Me apresente aos seus amigos. – Sugeriu o recém-chegado. - Pessoal! - principiou o índio com voz trêmula. – Estamos diante de Saint Germain, o maravilhoso homem da Europa. O chohan do Sétimo Raio. O diretor mor da Era de Aquários. Ele foi o profeta Samuel por volta de mil e cinquenta antes de Cristo. - Caramba! – Interrompeu o padre. – Samuel incentivou os israelitas a se voltarem para Deus a fim de se libertarem do domínio dos filisteus. Foi ele quem ungiu Davi como rei de Israel. - Davi! Aquele que venceu Golias. – Balbuciou Marcos, boquiaberto. - Estamos diante de Platão! – Prosseguiu Taiguara. – O filósofo grego, discípulo de Sócrates e um dos principais pensadores de sua época. - Gente! Platão dispensa apresentações. – Observou Maria Madalena. - Está a nossa frente, nada a mais e nada a menos que José, o pai adotivo de Jesus, o esposo da Virgem Maria.

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- Aí é saber reencarnar, hein? – Observou Pedro, como se não quisesse ser ouvido. Depois de dirigir um olhar de reprovação para o professor, Taiguara prosseguiu. - Este também foi Santo Albano. - Mártir da igreja católica. – Corroborou João. - Pasmem! Está diante de nós, o grande alquimista Merlin, o mago. - Caramba! – Admirou-se Marcos mais uma vez. - E entre outras encarnações, vos apresento Cristóvão Colombo. - Que máximo! – Posso lhe dar um abraço? – Pediu entre encantada e encabulada a bela Maria Madalena. - Ficaria muito triste se não pedisse. – Brincou Saint Germain. E envolveu a psicóloga no abraço mágico da chama violeta que envolvia todo seu corpo como se fosse uma aura visível.

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- Faltou dizer que Saint Germain foi Francis Bacon e dizem que utilizava o pseudônimo de Shakespeare. – Concluiu o índio empolgado com as diversas e ilustres personalidades que compunham o histórico do Mestre Ascensionado. - Vamos! Temos muito o que conversar. – Disse o recém-chegado com a mão esquerda sobre o ombro direito de Taiguara. Este, sentiu uma energia quente percorrendo todo seu corpo. Saint Germain sorriu e explicou: - É a minha benção carregada pelo poder da chama violeta. Em trinta segundos os seis ocupantes da pequena ilha estavam sentados, formando um círculo. Taiguara foi o último a ocupar seu lugar, já que colocara a chaleira no fogo para fazer o café. - Como está sendo para vocês a descoberta de que há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode supor vossa vã filosofia? – Saint Germain sorria quando fez este questionamento citando uma frase da conhecida obra Hamlet. Taiguara também sorriu.

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- Está lendo meus pensamentos? - Sei que está ansioso para elucidar as teorias que questionam a existência ou não de William Shakespeare. - Como assim? - Quis saber o padre João. - Na época em que vivi na terra como Francis Bacon, um grupo de intelectuais decidiu escrever peças, crônicas, sonetos e artigos. Cada um destes autores assinava como Shakespeare. Por isso a profundidade e variedade dos temas e estilos. - E o senhor também colaborou com esse acervo? – Se intrometeu Marcos, espantado com a revelação. - Sim. Então pode se dizer que eu também fui Shakespeare.

Respondeu

mansamente

o

mestre

Ascensionado. – Apesar de um crítico brasileiro afirmar que o texto de Francis Bacon era muito pobre e por esse motivo eu não poderia ser o famoso escritor. - Sério? Os críticos. Sempre os críticos! – Gracejou o professor Pedro. - Mas vamos falar sobre vocês e sobre a missão que lhes está sendo proposta.

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- Claro! Estamos cientes de que os seres da esfera da luz, precisam de nosso auxílio para despertar na humanidade a importância da espiritualização. – Resumiu Maria Madalena sem soberba. - Exatamente meus amados! Os que me precederam já os informaram de nossa preocupação com o destino da raça humana. – Continuou Saint Germain fazendo referência a Miguel e a El Morya. – É vontade de Deus que seus filhos regressem à sua morada, percebam que vivem como trens descarrilhados e voltem aos trilhos de sua missão divina. - Missão divina? – Já tocamos neste assunto, mas, confesso ainda não ter assimilado do que realmente se trata. -

Era

Marcos

torcendo

o

nariz

e

reconhecendo

desconhecimento de causa. - Cada ser vivente nesta pequena estrela que é a terra, carrega dormindo em si, a missão de voltar a fonte original. Mas, para que isso aconteça, é preciso exercitar a evolução espiritual. O planeta se transformou em uma grande academia onde os homens malham o corpo, exercitam a ganância, alimentam a ambição, o egoísmo e procuram conquistar e colecionar bens materiais.

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- O cantor e compositor Belchior nos falou algo parecido na música Paralelas. “E no escritório em que trabalho, quanto mais eu multiplico e fico rico, diminui o meu amor”. – Observou novamente Marcos, cantarolando a última parte em flagrante desafinação. - Ainda bem que você decidiu ser médico e não cantor. – Brincou o professor Pedro, desferindo um tapa de leve na nuca de seu amigo. Novamente todos riram do comediante da turma. - Sabiam que qualquer um de vocês pode se tornar um excelente cantor? – Surpreendeu o Mestre Ascensionado aproveitando a deixa de Pedro. - Como assim? Assustou-se João. - Meus filhos... ainda não entenderam que Deus é a fonte

de

tudo?

Todas

as

qualidades,

vocações,

conhecimentos do que existiu e ainda está por ser descoberto transbordam em Deus. E como a centelha divina habita em vocês, tudo o que pertence ao pai é também propriedade de vocês. - Mas isso seria fantástico! – Sussurrou Maria Madalena.

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- É fantástico. - Continuou Saint Germain. - Os homens das cavernas viviam na escuridão da noite até que descobriram o fogo. O fogo não foi inventado, ele sempre existiu e se tornou palpável quando alguém teve acesso a essa informação e o revelou. A internet por exemplo, sempre existiu, mas coube a essa geração usufruir de suas benesses. Creiam! Há muito mais para ser descoberto no estoque infinito que é Deus, ou melhor, que são vocês. A porção divina individual, tudo sabe e tudo pode. Coloquem-na de pé e em marcha para transformar o mundo material que os rodeia. - Assim como Jesus o fez e nos ensinou. - Observou o padre mais uma vez. - Encoberta sob os escombros da mentalidade materialista está a espiritualidade. Quando o homem aprender a atravessar a ponte que leva ao seu eu verdadeiro, poderá fartar-se do que a ilimitada fonte tem para lhe oferecer. Marcos, por exemplo, pode tomar posse da vocação de cantar, como quem abre a geladeira e alcança uma cerveja. - Simples assim? – Assustou-se o professor Pedro.

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- Isso é a realidade. A miragem é esse estado de limitação que vocês aceitaram como real. Entendam definitivamente o poder do Eu sou. Sei que Taiguara já falou sobre isso com vocês. Eu sou é a afirmação e a aceitação de que sois Deus. E verdadeiramente o são. Assim como carregam o DNA de seus pais biológicos, levam consigo o poder e a perfeição do Criador. - Se fosse assim, bastaria estalar os dedos e sair fazendo mágica por aí. – Duvidou o professor. O ilustre visitante o olhou nos olhos. O professor sentiu um arrepio e se arrependeu por ter se intrometido. O chohan do sétimo raio sorriu ternamente. - Está tendo uma recaída professor? Bob, seu cão de infância não apareceu instantaneamente substituindo a onça gigante? Desconcertado,

Pedro,

cabisbaixo, ainda

ousou

observar. - Mas aquilo foi quando me encontrava no estado de consciência xamã. - Pois é justamente isso que tenho falado. O homem precisa abdicar de sua mente consciente, alcançar o estado

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original de consciência, e lá, onde Deus habita em você, dizer para seu espírito que abre mão do livre arbítrio e o autoriza a agir em seu benefício. - Mas então temos que tomar o chá todos os dias? – Insistiu o professor. Saint Germain riu da dificuldade de compreensão demonstrada por Pedro. - Não meu amigo. Basta praticar a meditação e repetir afirmações como esta. “Eu sou o poder de Deus que habita em mim, manifestado em minha vida”. Tudo o que colocarem depois do “Eu sou” fatalmente se manifestará, desde que pronunciem com fé, amor e convicção. - Fé, amor, e, convicção. - Se fez ouvir Taiguara muito compenetrado. - Esta é a trindade que funciona como o estalar dos dedos. A fé é o principal combustível, é a força que faz o avião decolar. Quando Jesus curava alguém Ele dizia: “Val! A tua fé te curou”. O amor é o que mantêm o avião no ar e somente com o trem de pouso da convicção em posição correta, conseguirá aterrissar no destino almejado. Mas acreditem, não é fácil alcançar esse estágio. É preciso muito

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treinamento e eliminar de vez a dúvida. Perseverem e conseguirão fazer coisas tão ou mais maravilhosas do que Jesus. Carreguem sempre a certeza de que Deus habita em vocês. O mestre Jesus nos ensinou o caminho quando reiterou. “Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras”. Ele queria nos mostrar que o que chega a Deus, é o sentimento e a vibração que se emana durante uma oração, não as palavras. Deus só entende o idioma do sentimento e da energia que os homens enviam até Ele. Se suas palavras falam de prosperidade, mas, sua vibração está carregada de medo e incertezas, sua prece não chegará a Deus. Isso porque você oferecerá imperfeição e esta, será dizimada antes que consiga entrar em contato com a divindade. Um balão vazio não consegue se elevar. Aprendam a inflar suas preces com amor e fé. - O senhor nos diz que a palavra não tem poder, mas, foi através dela que Deus criou tudo o que existe. – Atreveuse o padre. - Absolutamente! A palavra tem poder, desde que esteja carregada de sentimento e vibração. – Retrucou o

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ilustre visitante. - Muitos políticos, por exemplo, adotam um discurso que não condiz com suas ações. O que vale verdadeiramente para o eleitor? Um discurso bonito ou uma conduta honesta? - A segunda opção. – Reconheceu João. - Quero que entendam definitivamente e pratiquem isso. Deus se colocou na receita que utilizou para fazer o homem. Assim como o fermento faz crescer o pão, o criador é o ingrediente que os eleva a plenitude de vossa existência. Ele é o fermento esperando o convite para se manifestar. É difícil aceitar que dentro de nós existe Deus. – Confessou Marcos. - É porque a humanidade foi programada ao longo dos séculos para esquecer sua origem. Deus habita em vocês e isso é tão certo como dizer que vossa boca tem dentes. Alguns zelam por eles e outros até os extraem. E essa realidade não é culpa de Deus. É do homem que não dispensou à sua dentição os cuidados necessários. - E mesmo assim, poderão recompor seu sorriso se apelarem para os profissionais da área. - Observou Taiguara.

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- Isso representa a eterna disponibilidade de Deus. O homem pode ter vivido uma existência de erros, porém, bastará um mero arrependimento para que o Pai o aceite de volta. - Um assassino é perdoado por Deus, mesmo tendo infringido dor a uma família? – Indagou Pedro achando um disparate tal possibilidade. Saint Germain o olhou com ternura. - Deus criou leis que regem o universo. E a principal delas é a do retorno. Todas as suas ações atrairão um fruto idêntico. Se você plantou tomate, jamais colherá batatas. A dor que um assassino provocou, voltará a ele de alguma forma. Esta pessoa pode perder um ente querido, pode contrair uma doença! Mas isso não é castigo de Deus, é a lei do retorno agindo sobre e na realidade daquela pessoa. - O que uma criança inocente fez para ser merecedora de uma realidade brutal? – Questionou Marcos pensando nas injustiças que proliferam o planeta. - Meu querido Marcos. Vou ver se consigo fazer com que você entenda. Deus criou o universo e mais particularmente esse planeta e vos deu de presente. Aqui

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vocês podem habitar, multiplicar-se, plantar, colher, enfim, desfrutar deste incrível espaço que lhes foi confiado. Mas existem leis universais que regem a existência. A lei da gravidade é uma delas. Por exemplo, vamos falar da energia elétrica. Se um assassino tocar em um fio descascado, será fulminado pela sobrecarga a que se expôs. O mesmo acontecerá a uma criança inocente. Mas isso não tem nada a ver com punição ou injustiça divina. A chuva molha a todos, independentemente de raça, credo, cor ou posição social. Alguns se abrigam dela e outros preferem se deixar banhar. Ainda existe quem a amaldiçoe e outros que a abençoam pois sabem de sua importância para a lavoura. É uma questão de escolha. Deus é a chuva precipitada sobre todos. O problema é que o homem abriu o guarda-chuva da descrença e não se permite manter contato com a sagrada precipitação divina. - E ainda sobre injustiça, pode ser que a criança eletrocutada tenha escolhido passar por isso. – Arriscou opinar Maria Madalena. - Como assim? – Assustou-se o professor. - O objetivo de voltarmos a vida terrena é subir degraus na escada da evolução espiritual. E nos é permitido saber

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que dívidas precisam ser pagas. Então somos colocados em um cenário que facilite a correção de nossos erros. – Explicou a loira com medo de proferir alguma heresia. Afinal, estava diante de quem poderia explicar melhor que ela. Saint Germain limitou-se a observar. - E as vezes alguém volta apenas para auxiliar um terceiro a alcançar a pretensa evolução. - Como assim? – Indagou o padre. - Talvez os pais da criança eletrocutada, tenham escolhido passar por esta dor antes de nascerem. -

Mas

quem

em

consciência

escolheria

experimentar esta dor? – Discordou Marcos imediatamente. Novamente o Mestre transbordou mansidão para responder. - Alguém que em outra existência tenha tirado a vida de uma criança e provocado esta mesma dor em outros pais. Marcos calou-se de imediato. Foi como se tivesse recebido um soco no estômago. Saint Germain fez uma pausa para que todos digerissem as últimas informações. A

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neblina violeta havia se dissipado e os raios do sol que venciam as copas das árvores lhes ofereciam um calor agradável. - Outra coisa que pretendo lhes revelar é que a partir do momento em que o homem alcança a purificação e encerra o seu ciclo de reencarnações, junta-se a fonte que é Deus. Então ele passa a ter conhecimento de todas suas vidas e tem acesso a todas as virtudes que colecionou. - Que legal. – Vibrou Taiguara imaginando como seria viver essa experiência. – E sua última passagem pela terra como o Conde de Saint Germain? – Indagou o índio. - Eu já havia Ascensionado e recebi uma licença especial para voltar e viver aquela experiência. É por isso que eu falava muitas línguas e tinha conhecimento sobre tantas coisas. - Mas o senhor perturbou muitos que se julgavam donos da verdade. – Sorriu o indígena. - Sim! Era o objetivo. Assumi uma personalidade diferente. Agia na contramão da sociedade daquela época. Eu escandalizava para que prestassem atenção em mim. Havia

muita

presunção

e

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preconceito.

Como

um


personagem misterioso e falastrão, consegui me fazer ouvir e espalhei algumas ideias que eram necessárias. De vez em quando desaparecia e tornava a surgir muitos anos depois. Não envelhecia, mantinha sempre a mesma aparência. E isso os intrigava e os aproximava de mim. - Deve ter sido uma experiência muito agradável. – Observou Pedro acompanhando a narrativa com muita atenção. - Com certeza! Como o conde misterioso, mereci a atenção inclusive de Voltaire e Rousseau. Sabe de quem estou falando, né, professor? - Claro! Os mestres do iluminismo que servem de base até hoje para os cursos de pedagogia. - Li a respeito. – Ilustrou Taiguara. – Voltaire disse que o conde de Saint Germain é um homem que nunca morre e conhece todas as coisas. - E ele tinha razão. – Observou sorrindo o padre. - Se estudou esta passagem da minha existência, sabe que ninguém me via comendo em público. - Sim. Qual o motivo? Interpelou o índio.

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- A sociedade se banqueteava de carne e eu não aprecio este cardápio. - Vai me dizer que os Mestres Ascensionados são vegetarianos? – Surpreendeu-se Maria Madalena. - A carne de um animal abatido carrega o medo e a dor de sua morte. Não vejo como isso pode fazer bem a quem a degusta. Esta foi a resposta direta de Saint Germain dando mostras de que não iria se alongar na discussão. E de fato, o Chohan do sétimo raio mudou de assunto drasticamente. - Temos que dispensar imenso carinho à geração tecnológica. Os meninos e adolescentes que não brincam como vocês o fizeram. O mundo virtual tem anunciado uma safra de seres humanos distanciada de valores que são necessários que se perpetuem. O amor, o abraço, o diálogo, a troca de conhecimentos e a solidariedade, por exemplo, são dádivas de Deus que estão sendo deixadas de lado. Se os homens abrirem mão de certos sentimentos, destes nobres valores, estarão se afastando de sua essência e se transformando efetivamente em máquinas que respiram.

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- Visto sob este prisma e admitindo que a evolução tecnológica

tem

avançado

a

passos

largos

e

ininterruptamente, é bem possível que o ser humano perca o interesse por sua espécie e mergulhe em busca das “maravilhas” que o universo virtual coloca ao seu alcance. – Observou Marcos, muito pensativo. - É como diz aquele antigo ditado popular. “Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”. O melado é bom, mas o lambuzar-se é o exagero, e este, sempre será prejudicial ao equilíbrio que precisa prevalecer. Uma dose certa de remédio, cura dores, uma overdose, mata! – Explanava o ilustre visitante utilizando termos que facilitavam a compreensão. - É um carro sem freio na direção de um abismo. – Observou o padre João. - Vocês se lembram quando lá pelos anos setenta os filmes de ficção os assustava alardeando que seres de outro planeta ou o próprio governo instalaria um chip na humanidade com o intuito de controlá-la? - Sim. Mas o que tem isso a ver com a conversa em curso? – Quis entender o professor Pedro.

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- Isso aconteceu e vocês nem se deram conta. Aliás, pagam caro pelo chip e ainda fazem check-in para informar onde estão. E como se não fosse o suficiente, abrem as portas de seus mundos nas diversas redes sociais. - Os celulares! – Admirou-se a psicóloga. - Exato! – Continuou Saint Germain. – Não quero sugerir que sejam alienados e vivam fora do universo moderno que Deus propiciou a vocês. Mas é preciso dizer que o uso indiscriminado e abusivo destes meios tem provocado desiquilíbrio. Uma motocicleta, se utilizada com cuidado, é um excelente meio de transporte, mas tem gente por aí que abusa da velocidade e de ultrapassagens perigosas. Há ainda aqueles que a empinam. Um pai que vê um filho empinando uma moto, com certeza não aprovará essa conduta e se arrependerá de o ter presenteado com uma. Essa nova geração tem feito manobras perigosas com a internet e Deus está preocupado com essa realidade. - Vamos nos policiar e falar sobre isso com os quais tivermos contato. – Sentenciou Taiguara. - Mas será uma missão ingrata. - Reconheço isso. Porém, é preciso entender que uma criança ao celular ou na frente de um computador, cresce

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privada das ações benéficas dos raios solares. É uma mente ocupada com futilidades e distante da mensagem que vocês pretendem difundir. - Podemos utilizar a internet como nossa aliada. – Sugeriu Marcos. - É uma boa ideia, mas, a grande rede está repleta de sites que se propõem a difundir a existência de Deus, mas, são pouco acessados. – Observou o Chohan do Sétimo Raio. - Talvez porque a linguagem utilizada não seja agradável aos olhos e aos ouvidos. Precisamos achar uma fórmula de atrair e não espantar o nosso público. – Sugeriu o médico mais uma vez. - Vamos pensar em algo neste sentido. Mas é evidente que teremos que nos aliar às redes sociais. Afinal, a maioria da população está lá. – Apoiou o índio. - Ok. Com certeza estaremos prontos a auxiliá-los nesta empreitada. – Informou Saint Germain. - Vai me dizer que tem internet lá onde vocês moram? – Surpreendeu-se o professor.

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- Meu caro Pedro, na luz tem tudo o que já existiu, tudo o que existe e tudo o que ainda não chegou ao conhecimento de vocês. - Caramba! – Limitou-se a murmurar o que lecionara história. Saint Germain sorriu e concluiu enigmático. - Meu amigo... eu tenho a senha do Wi-Fi de Deus. E lhe dirigiu uma piscadela enigmática.

//////////////////// Ao contrário de Miguel e El Morya, Saint Germain parecia não ter pressa. O horário do almoço se aproximava e Taiguara começou a se preocupar, já que não tinha um cardápio vegetariano para oferecer ao ilustre visitante. Como se lesse seus pensamentos, o Mestre Ascensionado lhe tranquilizou. - Sossegue homem. Não há problema para mim que degustem um bom peixe em minha presença. Aliás, abrirei uma exceção e os acompanharei nesta refeição.

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- Se é assim, vou ver se tenho sorte hoje. – Disse o índio se apoderando do molinete e de suas iscas artificiais. - Esteja à vontade. Vou aproveitar para desfrutar da companhia dos demais e apreciar esta natureza que Deus desenhou com tanto esmero. – Respondeu Saint Germain sempre com mansidão e com o sorriso permanente no rosto. Enquanto Taiguara se retirava, Marcos se aproximou. - Dá licença? - Olá doutor. Gostaria de agradecer sua disponibilidade de vir até aqui. - Miguel foi muito insistente. Não tinha como ignorar suas aparições recorrentes. – Sorriu Marcos referindo-se aos sonhos que o conduziram a experiência de estar ali. Neste momento Maria Madalena, João e Pedro também se acercaram. Marcos arriscou iniciar uma conversa. - Eu queria conversar com José, o pai de Jesus. Isso é possível? - Claro! Mas vamos esperar o regresso de Taiguara. Creio que ele também gostaria de interagir conosco sobre

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este tópico. Nos fale sobre você Marcos. O que tem feito para aproveitar essa sua passagem por este planeta. - Ah! Sou um cara comum. Me tornei médico, atuo também como palestrante. Consegui comprar um sítio e decidi morar junto a natureza. - Sei que você costuma dizer que faz suas orações admirando a obra de Deus. É uma boa maneira de reverenciar o Criador. – Aprovou Saint Germain. - Mas como o senhor pode saber disso? – Assustouse Marcos um tanto incomodado com a ideia de ser observado pelos seres de luz. - Tudo o que vocês vivenciam é registrado, digamos assim, no arquivo pessoal de cada um. - Sério isso? Indagou Pedro incomodado. - Seríssimo! – Continuou o mestre Ascensionado. – Quando uma pessoa desencarna, sua alma é conduzida a um plano específico, e ali, sua história é repassada diante de seus olhos. Uma comissão faz uma avaliação sobre o grau de elevação espiritual adquirida e então é decidido se ainda é necessário que essa pessoa volte a terra ou se já é merecedora de se juntar definitivamente à luz.

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- Caramba! Deve ser muito constrangedor ter sua vida passada a limpo diante de uma comissão avaliadora. – Se fez ouvir o padre João. - Sim! É algo muito perturbador. Uma avalanche de arrependimentos soterra o recém-desencarnado. - Mas por que está nos contando isso? Não seria melhor esperar que o Taiguara retorne? - O nosso bom índio já sabe disso. Ele leu a respeito. – Prosseguiu aquele que um dia foi conhecido como Merlim. – É por isso que vocês devem aprender e repassar à humanidade a informação de que a chama violeta pode transmutar seus erros. - Por favor, nos ensine. – Pediu a psicóloga. - Aquilo que vocês chamam de pecado, nós consideramos erros. E a chama violeta tem o poder de transformar em luz todo equívoco praticado. Em outras palavras, seus pecados são perdoados. E quando fizerem a passagem, chegarão mais leves ao plano superior e o filme que será projetado será menos traumatizante. - E como fazemos para ter acesso a chama violeta? – Interveio de imediato o ex-padre.

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- Invocando-a! Sentindo-se envolto por ela. Precisam praticar todos os dias. Um bom momento é quando acordam. Do sétimo raio onde atuo, chamejarei essa bênção sobre vocês. Mas é preciso que me convidem a fazer isso. - Claro! Não pode se intrometer sem nossa permissão. O sempre presente livre arbítrio. – Lembrou Marcos. - Ele é um abismo entre vocês e os seres da luz. Ensinem isso à humanidade. Os homens precisam construir uma ponte que permita nossa aproximação. - Faremos isso! – Fez-se ouvir o professor de história. – Nem acredito que cheguei aqui ateu e agora estou aceitando a existência dessa tal chama violeta. Saint Germain sorriu docemente. - É que eu estou aqui te contando. Só faltava me chamar de mentiroso. - Não! Por favor, longe de mim essa ideia. – Retrucou Pedro em total desconforto com a possibilidade de ter deixado transparecer algo semelhante.

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- Fique tranquilo professor. Sei muito bem os sentimentos que habitam seu coração. É por isso que você está aqui. - Então o nosso rabugento historiador é de fato um cara do bem. – Brincou Marcos passando a mão esquerda na cabeça de Pedro e assanhando seus poucos cabelos. Neste momento, Taiguara surgiu com um belo dourado em sua mão direita. - Aí pessoal! Teremos dourado frito no almoço. - Que lindo! – Correu em sua direção uma empolgada Maria Madalena. - Desculpe peixinho amado! E obrigado por se sacrificar para que nós tenhamos direito a mais uma sagrada refeição. – Dizia dengosamente como quem conversa com um bebê. Parabéns, Taiguara! E obrigado por seu esforço. – Gritou o padre de onde se encontravam. O indígena se ocupou de limpar o dourado. O temperou com capricho, lavou as mãos e então se aproximou.

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- Perdi algo importante na minha ausência? - Não! Respondeu prontamente o visitante da esfera superior. – Os falei sobre o que acontece quando desencarnam e os revelei a existência da chama violeta. - Bons temas. Limitou-se a observar o índio. - Bom, enquanto esperamos que o dourado absorva o tempero, poderia nos falar de sua experiência como José? – Sugeriu Marcos mais uma vez. Taiguara se acomodou junto aos demais. - Foi um privilégio poder viver aquela encarnação. – Principiou a narrativa o Mestre Ascenso. – Quero que saibam que Maria é a mulher mais linda e mais doce que já vi. E eu dispenso um amor eterno a ela. - O senhor fala no presente. – Observou Maria Madalena envolta em ternura. - Continuamos família, naquele lugar que vocês conhecem como céu. Além de desempenhar minhas funções como Saint Germain, convivo regularmente com Maria e Jesus. Aliás, vocês precisam saber que ela derrama amor perene sobre a humanidade.

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- Que legal! Então vocês se conhecem? Quero dizer, lembram que conviveram na terra. – Se fez ouvir um empolgado padre João. - Claro! Um Ascensionado tem ciência de todas suas encarnações. – Continuou o diretor da Era de Aquários. Mas voltando a José, eu era um jovem carpinteiro, trabalhador e apaixonado. - Imagino como ficou sua cabeça quando sua virgem noiva lhe contou da gravidez. – Antecipou-se um indiscreto Marcos. Taiguara e João o repreenderam com o olhar. Saint Germain sorriu. - Eu ia chegar nesse ponto. Realmente entrei em parafuso. Perdi o chão. E foi preciso que Gabriel aparecesse para corroborar a história que ela havia me contado. - O anjo Gabriel. Então ele existiu de verdade. – Era Pedro apresentando sintomas de recaída. - Ele existe e continua sua missão de homem forte de Deus. É este o significado de seu nome. O mensageiro. Dialogamos de vez em quando na eternidade.

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- Que maneiro! – Sussurrou Maria Madalena. - Então, após superar o baque inicial da revelação de Maria, assumi a gloriosa missão de ao seu lado, educar Jesus. Tivemos a honra de ensiná-lo a andar e falar e a oportunidade de lhe transmitir nossas virtudes. - A bíblia quase não cita a infância Dele. – Contrapôs o padre João. - A narrativa seria muito longa. A bíblia se concentrou em falar de sua vida adulta quando Ele operou as maravilhas que vocês têm conhecimento. Ensinei ao meu filho ser um carpinteiro como eu. Ele me ajudava em alguns serviços. Naquele tempo não era proibido uma criança auxiliar seu pai. Tinha uma crítica subtendida nesta frase. - Jesus teve uma infância livre. Brincava muito e praticava o que vocês hoje chamam de meditação. Hoje sei que esse recolhimento era uma preparação, um treinamento para permitir que Deus agisse através dele. - Pelo jeito Ele alcançou a maestria. Sentenciou Taiguara.

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- Sim e mais tarde disse que todos poderiam fazer aquilo que lhe parecia tão fácil. – Prosseguiu Saint Germain. – Tive a honra de ser seu protetor, escondendo-o da perseguição de Herodes. Na verdade, tive um papel de coadjuvante, mas, me orgulho por ter feito parte da história mais fantástica da humanidade. - Que coisa maravilhosa poder ouvir isso de alguém que esteve lá. – Era Marcos encantado com a experiência inacreditável que vivenciava. Padre João olhou fixamente nos olhos de Saint Germain: - A bíblia não fala de você enquanto Jesus cumpria sua missão. Maria estava lá no dia da crucificação. Por que você não apareceu? - Por um motivo obvio. Eu estava morto. – Disse secamente o visitante ilustre. - Sinto muito! – Murmurou o padre. - E porque a bíblia não registrou sua passagem? – Quis saber Maria Madalena.

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- Como disse, eu era um coadjuvante. As sagradas escrituras falam do protagonista. – Disse um resignado São José. – A bíblia foi escrita muitos anos depois pelos discípulos dos apóstolos. Nem tudo foi contado. Ela sintetiza aquilo que seus autores acharam importante. - Verdade! – Murmurou o padre João. - Se ainda estivesse encarnado acham que não teria recebido o convite para as bodas de Caná? Maria estava lá, quando Jesus transformou a água em vinho. E que tipo de pai e marido seria eu para não estar com minha mulher no momento da morte do nosso filho? Todos o olharam entre constrangidos e pesarosos. Saint Germain lhes dirigiu um sorriso repleto de amor. - Agradeço a solidariedade, mas, não é preciso que se condoam. Tudo já foi superado, já regressei a terra outras vezes e hoje me encontro definitivamente na luz. - É! Só morto, você abriria mão de estar lá. – Sentenciou o professor Pedro.

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- Agora que saciaram vossa curiosidade sobre José, podemos nos concentrar na missão que lhes está sendo proposta? – Prosseguiu o comandante da Era de Aquários. - Claro! Ouviremos com atenção. – Concordou Marcos de imediato. - Queremos que vocês pratiquem exaustivamente o “Eu sou”. Quando algum resquício de incerteza aparecer, lutem contra a ambiguidade. A dúvida é o antônimo da fé. Ela quebra a corrente que os liga ao Deus que habita em vós. Não é fácil se manter em sintonia permanente com a realidade de que Deus colocou uma porção de Si na receita que gerou o homem. É preciso que não tenham nenhuma dúvida de que vocês são Deus e tem acesso à perfeição e plenitude que Ele é. - Me soa como soberba me achar Deus. – Contrapôs Marcos com sinceridade. - Neste caso, o termo se achar já é uma fagulha da dúvida. O correto e natural é você se saber Deus. Soberba seria deixar sua mente consciente no controle e relegar sua porção divina ao esquecimento. Esta é a revelação mais incrível que está sendo concedida à humanidade. O homem tem adormecida em si, toda potencialidade do Criador.

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Caberá a vocês comprovar o que digo e espalhar essa boa nova. E o primeiro passo é gravar em sua alma a convicção de que assim, como Jesus, todos somos um com o Pai. - Vamos ter que domar nossa mente consciente! – Observou Maria Madalena conjecturando sobre como obter êxito nessa tarefa. Saint Germain antecipou a resposta. - Jesus afirmou que a boca fala do que está cheio o coração. O caminho é fazer com que a fé transborde em vocês. Encham seus corações desta verdade e a comunicação fluirá naturalmente. E nunca esqueçam que estaremos prontos a intervir se acharem necessário. Taiguara voltou a interagir. - Seremos um automóvel guiado pela fé e vocês o combustível para que a viagem não se interrompa. - Ótima linguagem figurativa! – Aprovou o Mestre Ascensionado. - Eu acho que existe tanta gente mais preparada do que eu para espalhar os planos de Deus por aí. – Era Marcos sem falsa modéstia se fazendo ouvir novamente.

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- Precisamos difundir o Deus que habita e faz parte do homem. Esta verdade tem que sobrepor a ideia do Deus distante. E aqueles que você julga mais preparados, sabem muito deste Deus bipolar que as vezes salva e as vezes pune. Deus está com saudade de seus filhos e os quer de volta ao seu convívio. Sem medo, e, cônscios de sua verdadeira essência. Saint Germain fez uma pequena pausa antes de concluir: - Vocês são os novos discípulos. Os escolhidos para difundir o evangelho neste novo tempo. - Caramba! Chega a assustar. Eu também penso como o Marcos. Não me sinto preparado para uma missão tão gigantesca. – Observou o professor de história focando em suas limitações e atrofiando suas qualidades. -

Meus

amados!

Acham

mesmo

que

nos

equivocaríamos? Se vocês estão aqui, é porque passaram pelo crivo de muitas assembleias na esfera da luz. - Que legal! Fomos tema de encontros entre anjos e santos? – Brincou Marcos – Fico imaginando quem foi meu

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padrinho nesta indicação e quem serviu como meu advogado. Saint Germain sorriu da observação do médico. - Foi uma decisão conjunta. Não funciona como aqui. Na esfera em que nos encontramos, precisamos apenas de uma fração de segundo para conhecer a totalidade de suas ações nessa vida, vossa capacidade intelectual, o carisma e a facilidade de expressão de cada um. Tudo isso chega ao nosso conhecimento de forma quase que instantânea. De posse dessas informações, fica fácil decidir quem está preparado para nos auxiliar. - É fantástico! – Murmurou João, impressionado com a revelação. - Estamos conectados à fonte que é Deus. Todo conhecimento e capacidade está ao nosso alcance. E creiam que dentro de vocês existe adormecida esta capacidade. Precisam apenas despertá-la. – Completou o Mestre Ascensionado. - A minha capacidade deve ser um urso hibernando. – Brincou Pedro mais uma vez.

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- Estas verdades parecem absurdas porque vocês foram lapidados ao longo dos séculos para esquecerem sua verdadeira origem. Mas à medida que forem praticando esta aceitação, a luz da compreensão fluirá ininterruptamente e inundará vossos corações. Ela se arraigará a cada célula e átomos de vossos corpos. - Quanto tempo a humanidade tem perdido vivendo alijada desta realidade que nos revela. – Intrometeu-se Maria Madalena. - Vou praticar com afinco essa crença! – Era Taiguara demonstrando ansiedade por iniciar seu treinamento individual. - Façam-no! E por falar em fazer, não está na hora do mestre cuca preparar o almoço? - Verdade! Berrou o indígena dando um salto e dirigindo-se à cozinha por ele improvisada. Em menos de meia hora o seleto grupo estava a degustar os deliciosos nacos de peixe frito. Saint Germain elogiou.

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- Nossa! Há quanto tempo não me permitia uma refeição assim. Creiam! O tempero é uma das maiores dádivas que Deus outorgou a humanidade. - Lá onde você mora não existe tempero? – Quis saber o professor Pedro. - Não! – Respondeu sorrindo o chohan do sétimo raio. Na verdade, não nos alimentamos. O espírito alcança a saciedade eterna. - Sem graça esse lugar! Tanto que eu aprecio uma boa refeição. – Completou Pedro, o bom de garfo. Todos riram mais uma vez e Saint Germain explicou: - Essa necessidade de se alimentar pertence ao corpo físico. Quando nos transmutamos em luz, deixamos para trás as carências inerentes ao homem. Saint Germain fez uma pausa para que o grupo de escolhidos pudesse assimilar as últimas revelações. O Mestre sabia que a mente consciente tentava processar o que lhes era dado conhecer. Então prosseguiu. - Não tentem entender neste estado de consciência o que pertence ao nível original. Se focarem nisso, passarão

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a vida inteira tentando descobrir como as coisas funcionam nos níveis superiores e se encherão de dúvidas. Crer é seguir a voz interior que lhes sussurra que estão no caminho certo. A ciência não consegue explicar tudo, e, por isso, atira o que não consegue comprovar a um patamar de desprezo. É que o todo é infinito e por essa razão, não cabe no recipiente limitado de vossa muitas vezes, presunçosa ciência. - E a dúvida é o que faz ruir a fé. – Completou Taiguara de imediato. - Exatamente! – Prosseguiu aquele que um dia se chamou José. – Concentrem-se em vossa missão. Transbordem por aí as qualidades que nos fizeram escolhêlos. Expliquem por onde passarem, a existência do Deus individual. Convençam as pessoas que o espírito é a fagulha do criador habitando no indivíduo. - Acho que todos sabem, mesmo que superficialmente, que o corpo físico é o invólucro, ou a casa onde o espírito habita. – Intrometeu-se Maria Madalena. – Porém as pessoas não se aprofundam nestas verdades. Conhecemna apenas superficialmente.

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- E quase ninguém tem conhecimento que o espírito é nossa porção divina. – Era o padre João saindo em auxílio da psicóloga. - Viram? Vocês compreenderam direitinho. – Aprovou o chohan do sétimo raio. - O difícil é convencer a humanidade que a sua porção divina contém todas as qualidades e o poder do próprio Deus. – Observou Pedro dando mostras de que o ateísmo fora vencido definitivamente. - Primeiro temos que nos convencer disso. – Voltou a intervir Marcos com seriedade na fala. – Não é que eu esteja querendo ver para crer, mas se vou vender um produto, preciso mostrar para o cliente que o mesmo funciona. - Então, todas as noites, antes de dormir, entregue as rédeas de sua vida para o teu Eu superior. – Respondeu prontamente o Mestre Ascensionado. -Deixe Ele agir. Busque na fonte que tudo sabe e tudo pode, as respostas para

suas

dúvidas.

É

exatamente

como

lhe

falei

anteriormente. Quer aprender a cantar? Essa capacidade está ao seu alcance, porque Deus é a própria música e você é incontestavelmente uma partícula Dele.

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Marcos silenciou. Nesse momento, como que por encanto, um concerto de pássaros se fez ouvir. Eram muitos e de múltiplas espécies. Parecia que todas as aves do mundo tinham se mudado para a pequena ilha. O espetáculo era de arrepiar. Arrebatados por aquele show, todos os presentes se sentiram envolvidos por uma energia indescritível. Quando enfim o silêncio se fez, Maria Madalena, com os olhos lacrimejados pela emoção, conseguiu perguntar com a voz embargada. - Recebemos a visita de Deus? Saint Germain sorriu docemente antes de responder: - Uma das infinitas possibilidades de manifestação do Criador. - Isso foi maravilhoso! Exultou o padre João. Saint Germain prosseguiu com a ternura de sempre: - Meus queridos... Deus lhes proporciona este espetáculo todos os dias e vocês não prestam atenção. Os pássaros cantam todas as manhãs, individualmente ou em pequenos grupos. Não é preciso que eles se reúnam em uma pequena ilha, para que vocês enxerguem Deus neste espetáculo.

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- Mas isso foi diferente! Tem que admitir isso. – Retrucou Marcos. - O que quero dizer, é que vocês vivem sob o jugo da sociedade. E esquecem que a individualidade é que tem real valor. Afinal, a sociedade existe, graças a reunião de muitos indivíduos. - O Deus que habita cada um de nós acaba sufocado pela egrégora que a sociedade forma. – Era Taiguara compreendendo de imediato o que o ilustre visitante dizia. - Exatamente isso! – Concordou Saint Germain. – Quando o homem entregar as rédeas de sua existência ao Deus que habita nele, a sociedade terá se transformado em um conjunto de qualidades inerentes ao criador. Se a realidade continuar como está hoje, vocês continuarão expostos as imperfeições que impregnam a coletividade moderna. - Injustiças, corrupção, preconceitos, soberba e desmandos... – Conjecturava o padre João. – Se o homem é imperfeito, uma reunião de homens se transforma em um conjunto de defeitos. Faz todo sentido.

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- Vejo que entenderam. A tarefa de mudar o homem, ou seja, despertá-lo para a realidade de que ele é um com Deus, vem antes da missão de transformar a dita sociedade. - Já pensaram que fantástico seria uma coletividade repleta das qualidades de Deus? Livre das imperfeições do homem? Sem mentiras, sem aproveitadores, sem traições. – Era Marcos sonhando acordado com essa possibilidade. - Acha mesmo que conseguiremos alcançar este estágio? – Indagou o professor Pedro. - Meu caro professor, não tenha a pretensão de mudar a humanidade. Comece esta transformação em si. Logo contagiará aqueles que o rodeiam. Você é uma de nossas principais armas. Afinal, chegou ateu e voltará como um guerreiro da luz. Imagine o impacto que causará aos que o rodeiam. - Ah! Isso é verdade. Eles vão estranhar muito. – Sorriu o professor. - Mas, o mais importante é que não queiram impor nada. Vivam e espalhem vossa verdade sem serdes soberbos. Respeitem a capacidade de compreensão e o interesse daqueles a quem se dirigirem. O maior equívoco

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que alguém pode cometer é se achar dono da verdade, menosprezando a fé que guiou seu interlocutor desde sempre. - Tem razão! Nada mais chato do que alguém se achar dono de Deus e ter a pretensão de nos convencer disso. – Observou Maria Madalena. - Falem com mansidão, apontem o caminho, mas, jamais tenham o dedo em riste. - Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça! – Era Taiguara citando uma frase de Jesus. - Exato! Vocês estarão envoltos por uma aura de paz e felicidade. E as pessoas naturalmente vão se aproximar para saber qual é o segredo, como conseguem viver assim em um mundo cheio de conflitos. - Essa será a deixa para lhes falar sobre o que estamos aprendendo. – Disparou Marcos de imediato. - Que bom que entendeu, doutor. – Completou sorrindo, o Chohan do Sétimo Raio.

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- Então não teremos metas a cumprir? Cada indivíduo despertado será uma vitória? – Quis saber Pedro preocupado com a produtividade. - Ser feliz é a meta que Deus estipulou para cada um de vocês. – Respondeu aquele que um dia fora o pai de Jesus. - Façam da maturidade uma infância eterna. Assim como os meninos se aproximavam para jogar bola lá no campinho do passado, os adultos se acercarão mesmo sem ser convidados. O homem tem sede de gente feliz. - Não vejo a hora de vivenciar esta experiência. – Sussurrou Taiguara com um brilho no olhar. O tempo passou rápido. O sol já estava se pondo anunciando o ocaso de mais um dia. O Rio Paraná “vestiu” um pijama dourado, enchendo de esplendor a natureza que os cercava. Os passarinhos se aconchegavam nas copas das árvores anunciando que já iam dormir. A neblina violeta regressou repentinamente e Saint Germain levantou-se de imediato. - Hora de ir. Foi uma honra estar em tão boa companhia.

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- Ah! Não tem como ficar mais com a gente? Seria uma delícia ouvir suas histórias e ensinamentos noite adentro. – Era Maria Madalena esperançosa de convencer o Mestre Ascensionado a ficar um pouco mais. - Infelizmente nosso tempo se esgotou. – Respondeu o visitante da luz. – Mas lembrem-se que estarei com vocês no exato momento em que me invocarem. Sinceramente, espero que façam isso muitas vezes. - Pode ter certeza que o faremos. – Sentenciou o padre João em nome dos demais. - Então se cuidem! Recebam minha benção e meu amor. Dito isso, Saint Germain abraçou ternamente cada um de seus anfitriões e se retirou em direção ao centro da densa neblina que cobria a ilha. Marcos, Taiguara, João, Pedro e Maria Madalena ficaram de pé, observando o diretor da Era de Aquários se afastar. Observaram quando ele foi envolvido pela bruma violeta. Então já não o viram mais. Ato seguinte, com uma velocidade indescritível, a névoa se elevou por sobre as árvores e desapareceu em um piscar de olhos.

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- Gente! Será que não estamos tendo um sonho coletivo? – Indagou Pedro encantado com mais essa experiência surreal. - Impossível. Eu estou bem acordado. – Respondeu Marcos abraçando o professor. E agora? – Perguntou Maria Madalena. – Não vou conseguir conciliar o sono tão cedo. - Então vamos alimentar o fogo e conversar até tarde como faziam os nossos antepassados nas cavernas. – Sugeriu o padre João. - Pensei que iam me deixar acordado sozinho. – Sorriu Taiguara já com alguns pedaços de madeira nos braços. E assim fizeram. Ao crepitar do fogo, conversaram demoradamente. Repassaram os ensinamentos de Saint Germain e deliberaram sobre a missão que teriam ao voltarem a civilização. Perto da meia-noite, Maria Madalena bocejou, anunciando que estava sendo vencida pelo sono. De imediato, todos concordaram que estava na hora de se recolherem.

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- Boa noite pessoal. Amanhã é nosso último dia nessa ilha. Que seja tão agradável quanto os anteriores. – Disse Taiguara levantando-se com a agilidade de sempre. Padre João o imitou, não sem antes soltar alguns gemidos em outra flagrante prova de que se encontrava fora de sua forma física ideal. Professor Pedro não perdeu a oportunidade de cutucar o amigo. - A primeira coisa que deve pedir ao Deus que habita em você é que afrouxe suas juntas. Todos riram divertidamente. Inclusive o padre. - Pode ter certeza que o farei. – Sorriu João aceitando com naturalidade a brincadeira. Em

menos

de

cinco

minutos,

todos

estavam

profundamente adormecidos. O som da correnteza, mais uma vez embalou o sono do privilegiado grupo de amigos. A lua cheia, curiosa, os observava lá das alturas.

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SÁBADO

O sábado amanheceu com o trinar dos pássaros e os primeiros raios do sol, ofereciam à pequena ilha, um calor agradável. Padre João foi o primeiro a despertar. Demonstrando uma disposição incomum, saltou da rede e se dirigiu até a margem do Rio Paraná. Lavou o rosto, e, enquanto apreciava a paisagem, fez uma oração de agradecimento pelo dia que começava. Pediu proteção e inspiração aos seres que habitam a dimensão superior. Sentiu-se envolvido por uma aura de paz. Sabia que era o último dia naquele lugar e intuiu que sentiria falta dos amigos que fizera, quando enfim, retornasse a rotina quotidiana. Os dias de aprendizado, as revelações inimagináveis, jogaram por terra, algumas convicções que tinha sobre Deus e se sentia um privilegiado por ser um dos escolhidos para estar ali. - Dormiu bem, padre? – Ouviu a voz de Taiguara em sua retaguarda. Voltou-se de imediato e sorriu para o sábio indígena. - Posso lhe dar um abraço?

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- Claro! – Respondeu o índio envolvendo o colega com os dois braços. - Estava aqui pensando que está chegando a hora de nos apartarmos. Sentirei sua falta. Quero te agradecer pelo que nos repassou. – Observou João com certa tristeza no olhar. - Também sentirei a ausência de vocês. Mas deixemos a melancolia para mais tarde quando nos despedirmos. Ainda temos um dia inteiro pela frente e sabe lá o que Deus nos reserva para hoje. Marcos, Maria Madalena e Pedro também se juntaram a eles. - Como ousam abrir o coração na nossa ausência? – Perguntou Maria Madalena com o sorriso encantador de sempre. - Acordei de madrugada e fiquei pensando que logo essa experiência vai se encerrar e fiquei imaginando como será a vida longe de vocês. – Comentou Marcos, como se tivesse ouvido o diálogo de João e Taiguara.

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- Nem me fale! – Principiou o professor. – Estes dias amoleceram meu coração. Já estou sofrendo com antecedência. Maria Madalena recostou a cabeça no ombro do exateu e falou dengosa: - Ah! O nosso professor está querendo dizer que nos ama. Taiguara, com a palma de sua mão direita, assanhou ainda mais os poucos cabelos do professor. - Também amamos você, seu velho ranzinza. - E deu um beijo na careca do comediante da turma. - Podia ter deixado esse beijo para a senhorita psicóloga. – Brincou Pedro meio encabulado com a demonstração de carinho de Taiguara. Todos riram e se abraçaram em uma troca de energias revigorantes. Observaram o sol se exibir em todo seu vigor, dourando as águas do colossal rio. Era impossível não acreditar na

inteligência

superior que

criou

aquele

espetáculo. Enfim, decidiram fazer o desjejum. Taiguara preparou o café e o serviu mais uma vez com bolo de milho no tradicional piquenique matinal. Diferentemente dos dias

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anteriores, o sábado seguia sem novidades. Os cinco amigos aproveitaram a ociosidade para meditar e dialogar. Por

volta

de

dez

horas,

os

cinco

amigos

foram

surpreendidos pela aparição de um homem. Ele vinha da margem esquerda da ilha e caminhava resoluto na direção deles. Tinha boa aparência. Olhos azuis e cabelos loiros escorridos até a altura dos ombros. Vestia um traje de gala. O que causou imediata estranheza ao grupo de amigos. Taiguara sussurrou para seus colegas: - Não digam nada. Deixem que eu falo por vocês. Havia tensão no semblante do índio. - Me dão licença? – Pediu o recém-chegado. – Permitem minha aproximação? Taiguara o fitou desconfiado. Então respondeu de maneira inesperada pelos demais. - Está pedindo para abrirmos mão do livre arbítrio, ou é uma solicitação comum de um homem real que pretende se aproximar? O estranho interrompeu de imediato sua caminhada. Parou de chofre, como se alguma força invisível o impedisse de

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continuar. Então sorriu desdenhosamente e sua aparência agradável, se transformou em uma máscara disforme. Os olhos azuis, ganharam tonalidade de sangue. E a voz era chiada, como se um enxame de marimbondos tivesse invadido sua garganta. - Como desconfiou de minha verdadeira identidade? – Quis saber o recém-chegado. - Simples! Não ouvimos nenhum barco se aproximar. Como você surgiu do nada, deduzi que não era deste mundo. E suas vestes são totalmente inapropriadas para esta ocasião. – Respondeu Taiguara sem se abalar. Os demais estavam perplexos. O estranho sorria com sarcasmo, o que tornava sua aparência, ainda mais assustadora. Ele se esforçava para caminhar, mas parecia pregado ao chão. - O que está acontecendo? Quem é esse cara? – Conseguiu perguntar, uma assustada Maria Madalena. - Creio estarmos diante de Lúcifer, ou um de seus asseclas. – Respondeu um inabalável Taiguara.

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- Por que ele não consegue se aproximar? – Quis saber Marcos sem pretensão de disfarçar o medo que se apossava dele. - Porque se Deus não pode passar por cima do nosso livre arbítrio, o mesmo vale para o demônio. Ele é dissimulado, pediu licença, e se permitíssemos sua aproximação, teríamos dado a ele, a chave da porta de nossas vidas. Aconselho vocês se juntarem firmemente a mim nessa proibição. - Vocês são uns tolos por estarem aqui! – Berrava aquele ser disforme. – Serão ridicularizados se aceitarem essa missão. Eu tenho uma oferta melhor para vocês! - Enfie sua oferta no rabo! – Gritou o professor Pedro. – Ops! O demônio costuma ter rabo. Mesmo naquele momento de pavor e tensão, os amigos riram da resposta e observação do professor. - Não acreditem no que se espalhou por aí! Eu não sou o vilão. Posso ajudar a humanidade. – Prosseguiu seu discurso, o anjo caído. - Sem chance! Te damos permissão para sair daqui. Não temos a mínima pretensão de ouvi-lo. – Se fez ouvir o padre

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João. Este também tinha o pavor estampado em seu semblante. - Vou impedi-los de iniciarem essa missão. Tenho um exército poderoso. O que vocês edificarem, vou fazer ruir. – Grasnava feito um corvo o inimigo número um de Deus. - Sua tentativa de nos iludir, falhou! Creio que não tem mais nada a fazer aqui. Volte para a escuridão da sua existência. – Proferiu em tom de ordem, o índio que parecia ser o único a não estar afetado pelo medo. - Não vou! Ficarei aqui atormentando vocês! – Tem gente quase urinando de medo. Taiguara não recuou. Ao contrário, iniciou uma caminhada em direção ao diabo. Marcos segurou-lhe o braço. - Tem certeza disso, amigão? - Fique tranquilo. Sei como agir com este ser. Vou ofuscá-lo com minha luz. - Está muito confiante, indiozinho. - Berrou novamente o estranho personagem. – Esqueceu com quem está lidando?

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Taiguara não deu ouvidos àquela ameaça. Apanhou junto a árvore o seu tambor e seguiu decidido em direção ao seu oponente. Parou a apenas meio metro de Lúcifer. Os demais ameaçaram se aproximar também, mas foram dissuadidos pelo colega que fez um gesto para que permanecessem onde estavam. - Fiquem aí! Eu me viro. Pedro ao ver o amigo na eminência de enfrentar o capeta munido apenas de um instrumento musical, cochichou no ouvido de Marcos. - Ele vai dar uma bumbada na cabeça do demônio? O médico riu daquela colocação descabida. - Você é muito presunçoso! Acha que consegue exorcizar o rei do inferno? – Berrava cuspindo, a enraivecida criatura. Taiguara não lhe deu ouvidos. Limitou-se a fechar os olhos, e tirar do seu tambor, notas compassadas. Agora foi a vez de Marcos cochichar para os demais. - Nosso amigo está se transformando no xamã.

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O capeta se contorcia, cada vez mais enraivecido. Então, após se concentrar por apenas dois minutos, Taiguara começou a proferir em voz alta: - Eu estabeleço aqui, um canal Crístico onde apenas seres, energias e vibrações que são de Deus e trabalham para Deus, podem se fazer presentes. Apelo ao Espírito Santo que faça parte deste espaço, trazendo luz para dizimar as trevas. Apelo aos seres da esfera da luz, conhecidos por mim, e, aqueles que desconheço, para que venham em nosso socorro. Peço a São Miguel Arcanjo que sele este canal, para que nenhuma presença que não seja de Deus, possa se manifestar ou se fazer presente. São Miguel na frente, São Miguel atrás, São Miguel à direita, São Miguel à esquerda, São Miguel acima, São Miguel abaixo! São Miguel, São Miguel, São Miguel! - Não! Miguel não! Lúcifer berrava como se estivesse sendo degolado. Estrebuchou, babou, faiscou e de repente explodiu como se alguma força invisível, o tivesse detonado. Um cheiro forte de enxofre pairou por alguns segundos na atmosfera. Mas logo, um perfume de rosas suplantou aquele aroma desagradável. Taiguara interrompeu seu ritual. Depositou o

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tambor no chão e abriu os olhos. À sua retaguarda, os colegas estavam boquiabertos com o que acabaram de presenciar. O índio parecia excessivamente cansado. Pedro foi o primeiro a se aproximar. - Você está bem? - Sim! Estou ótimo. – Foi a resposta de Taiguara. - Cara! Você venceu o demônio. Você é meu ídolo. – Dizia um empolgado professor abraçando o indígena. João, Maria Madalena e Marcos se acercaram e envolveram Taiguara em um abraço silencioso e demorado. - Rapaz! Você nos salvou. Obrigado! – Disse Marcos ainda tentando assimilar os últimos acontecimentos. - Não fiz nada sozinho! Miguel e uma legião de anjos e seres de luz, interviram por nós. – Observou o índio, sem falsa modéstia. - Caramba! – Bradou o padre. – Você entrou em estado de consciência xamã em menos de dois minutos. Fez isso cercado de tensão e perigo. Que autocontrole! Parabéns e obrigado, meu amigo. Taiguara sorriu mesmo com o semblante cansado.

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- Pratico desde menino. - Venha aqui, - disse a psicóloga abraçando o indígena. – Descanse um pouquinho. Gastou muita energia nesse confronto. E o conduziu até a rede onde ele dormia. - Tem razão! Preciso cochilar um pouco. Qualquer coisa me chame. - O que? Lúcifer pode voltar? – Berrou um assustado professor Pedro. - Não! O ambiente está selado com a proteção de São Miguel. Agora só o que é de Deus tem permissão para se fazer presente. - Então aquela oração que você fez funciona mesmo. – Quis saber o professor, para dissipar qualquer tipo de dúvida. - Claro que funciona! – Não viu o capeta desaparecer como se o tivessem explodido? - Era o padre repreendendo o exateu, ao mesmo tempo em que procurava se convencer de que o perigo havia passado. Taiguara já não os ouvia mais. Valendo-se de sua capacidade de controlar a mente consciente, adormeceu no

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minuto seguinte em que se acomodou na rede. Os quatro amigos regressaram para o local onde faziam as refeições. - Confesso que fiquei com medo de dormir sozinha essa noite. – Contou Maria Madalena. - O que presenciamos foi muito forte. - Com certeza nós quatro nos sentiríamos honrados em lhe fazer companhia. - Observou Marcos sem malícia. – Acha que depois desta visita, será fácil dormir na rede? - Deus me livre, acordar e ver aquele demônio velando meu sono. – Arrepiou-se o professor. - Acho melhor nos acomodarmos em volta da fogueira e nos protegermos mutuamente. – Sugeriu o padre. - Eu aprovo. – Sentenciou Maria Madalena, compreendendo o desconforto dos colegas. – O único que parece não ter medo é o Taiguara. Vejam como dorme tranquilo. - Ainda é dia! – Observou Pedro. – Vamos ver se terá essa tranquilidade na escuridão da noite. - Jó nos ensina a não ter medo. – Principiou o padre. - “O que eu temia me sobreveio”, disse ele certa vez. Seguindo seu exemplo, acho melhor controlarmos nosso pavor.

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- Falar é fácil. – Disparou Marcos. – Jó não esteve em uma ilha deserta, frente a frente com o capeta. - E eu que nem acreditava em Deus, vi o demônio. Senhor! Como minha vida mudou. Marcos olhou para Pedro sem conseguir conter o riso. - Aquela de você perguntar se o Taiguara ia dar uma bumbada na cabeça de Lúcifer foi a melhor. - O que? Ele perguntou isso? Não escutei. – Revelou o padre. - Cochichou baixinho para mim. - Não acredito! – Gargalhou Maria Madalena a seguir. Todos a acompanharam. E foi aquele ataque de riso difícil de controlar. A algazarra dos quatro acabou interrompendo o curto descanso de Taiguara. - Pelo jeito a conversa de vocês está mais divertida que o meu cochilo. – Disse o índio já sentado na rede. - Desculpe irmão! – Respondeu Marcos sem parar de rir. – Mas é que o professor aprontou uma pesada enquanto você se digladiava com Lúcifer.

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- Contem! Quero saber para me juntar a essa felicidade desenfreada de vocês. - Eu perguntei ao doutor se você pretendia dar uma bumbada na cabeça do demônio. – Confessou Pedro retomando o gargalhar na sequência. O indígena riu de forma controlada. Na concepção dele, não era motivo para tanto riso. - Aí! Talvez sorrir seja um antídoto contra o medo. Pelo menos descarreguei a tensão. – Contou Marcos. - Sabe que você tem razão? - Concordou João se afastando do grupo e resmungando sem parar de rir: - Oras, dar uma bumbada na cabeça do demo! Enfim, o ataque de riso cessou. Maria Madalena resolveu contar a Taiguara que estava com medo de dormir sozinha e que eles tiveram a ideia de todos se acomodarem em volta da fogueira. - Não vejo problema algum em fazermos isso. Mas asseguro que não precisam temer nada. Este lugar está envolvido por uma aura de proteção. Nada que não seja de Deus, conseguirá se aproximar.

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- Que bom ouvir isso. – Observou a loira. - Mas deixemos para decidir quando escurecer? Aí saberei ao certo se superei o temor. - Claro, doutora! – Concordou com gentileza o valoroso xamã. -

E é normal que estejam assustados com a

experiência que vivenciaram agora a pouco. - Então, para tirarmos aquele ser horroroso do pensamento, poderia nos repassar um pouco mais do seu conhecimento. – Sugeriu Marcos, dirigindo-se a Taiguara e sabendo que tinha a aprovação dos demais. Taiguara concordou de imediato, e, decidiu dividir com os colegas mais uma experiência

que

sua

vivência

como

indígena

lhe

proporcionou. - Vocês já experimentaram abraçar uma árvore? Os demais o olharam desconcertados. - Está falando sério? – Perguntou Marcos franzindo o cenho. - Claro! Todos admitem que a árvore é um ser vivo, certo? - Isso sim! – Concordou Maria Madalena. - Asseguro-lhes que uma árvore carrega em si, uma energia própria que pode ser muito benéfica para o ser humano. O

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ato de abraçá-la nos revigora com vibrações inerentes a este ser criado por Deus. - Já pensou alguém nos ver abraçados a uma árvore? Vão achar que estamos loucos. – Ponderou Pedro em sinal de protesto. - E por que você se importa tanto com a opinião dos outros? Não lhe basta a certeza de que continua cônscio de suas faculdades mentais? – Rebateu o indígena de imediato. Diante deste argumento, Pedro silenciou. - Fale mais a respeito. Estou quase convencido. – Contrapôs Marcos retomando o diálogo. - Povos antigos encaravam as árvores como guardiãs da vida. Atribuíam a elas, espíritos e a respeitavam como filhas do mesmo Pai. As consideravam elos de ligação entre a terra e o céu. Dialogavam com elas agradecendo a sombra que propicia alívio em dias de calor intenso. É por isso que algumas pessoas conversam com suas plantas e acreditam firmemente que elas se desenvolvem melhor quando se sentem amadas.

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- É o olho do jardineiro que faz abrir o botão da flor! – Já dizia um sábio sobre o assunto. - Corroborou Maria Madalena. - Houve uma época em que alguns povos faziam oferendas aos espíritos das árvores. Infelizmente, essa convivência sadia foi suplantada pela ganância do homem que a partir do século XX descobriu que poderia ganhar dinheiro à custa do desmatamento desenfreado. - Caramba! Oferendas ao espírito de uma árvore. – Murmurou Pedro achando um disparate essa atitude. - Na índia, essa crença é bastante difundida. Em alguns povos, cada indivíduo tem sua árvore sagrada. – Ensinou Taiguara com a mansidão de sempre na voz. - Pois então, eu vou abraçar uma árvore! – Decidiu repentinamente o padre João. - Então vamos nessa! – Concordou Marcos. E assim o fizeram! Cada qual escolheu a árvore que julgou adequada, e, por, pelo menos, três minutos, se mantiveram abraçados ao tronco. Ao fim da inusitada experiência, voltaram a se reunir.

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- Gente! Eu senti uma vibração agradabilíssima. – Empolgou-se Maria Madalena. - É confirmado cientificamente que árvores possuem correntes elétricas. – Asseverou o índio. - Sério? – Assustou-se João. Cientistas fizeram medições bastante abrangentes que comprovaram este fato. Os chamados campos bioelétricos deste ser, se alteram de acordo com a intensidade de exposição ao sol ou a lua. Se estão em ambientes escuros ou iluminados, faz muita diferença para determinadas espécies. Essas alterações estão também intrinsecamente ligadas as estações do ano e as fases da lua. Enfim, o que acontece na natureza, afeta o interior das árvores. É por isso que considero o desmatamento de nossas florestas, um crime inaceitável. - Tudo em nome do vil metal! – Observou o professor. - Creio que está na hora de garantir nosso almoço. – Disse o indígena dando por encerrado, o tema em debate. - Precisa de ajuda? – Perguntou o padre João.

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- Um pouco mais de lenha seria de grande valia. – Limitouse a responder o índio. - Vamos rapazes! – Disse o padre convidando Marcos e Pedro para o auxiliarem nessa missão. Maria Madalena decidiu oferecer sua parcela de ajuda e os seguiu. Taiguara por sua vez, valendo-se de uma tarrafa, não demorou a subtrair do rio uma farta porção de lambaris. Quando regressou com o produto da pesca, os quatro colegas já estavam de volta. Uma quantia generosa de lenha se encontrava depositada ao lado da fogueira. - Alguém se opõe em almoçar lambaris hoje? – Perguntou Taiguara mostrando o fruto de seu esforço. - Nossa! Não posso imaginar cardápio melhor. – Concordou de imediato, a única mulher do grupo. - Sentirei falta de uma cerveja bem gelada para acompanhar. – Comentou Marcos com água na boca. E assim se fez! O índio preparou a refeição com o esmero de sempre. Pela posição do sol no firmamento, Taiguara deduziu que já passava do meio dia. Todos se fartaram.

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— Confesso que estou meio frustrado. Estava acostumado com as visitas extraordinárias dos dias anteriores. Não contava com a experiência desagradável que tivemos. Esperava por alguém da luz. – Se fez ouvir o padre procurando apoio no olhar dos demais. — Não está sozinho nessa, irmão. – Concordou Marcos, antes de concluir. – Acho que nossas lições terminaram e o último dia ficou reservado para passarmos a limpo o que vivenciamos até agora. E para não cairmos em tentação diante da proposta daquele ser disforme. — É possível! – Se intrometeu Pedro. – Mas não podemos reclamar. Tudo foi maravilhoso. — E o pior, é que ninguém acreditará quando contarmos sobre nossas experiências neste lugar. – Se fez ouvir Maria Madalena, resignada. — Nem todos ouvidos estão preparados para certas histórias. – Concluiu Marcos. — Nem todo mundo ouviu o que Jesus dizia. Não devemos alimentar essa pretensão. – Sentenciou Taiguara ciente de quem nem tudo seria flores nessa jornada.

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— Então, seremos entre outras coisas, preparadores de ouvidos. – Completou Pedro ao mesmo tempo em que deduzia quão árdua seria a tarefa que teriam pela frente. — E como vamos fazer? Trabalharemos individualmente ou continuaremos em grupo? – Indagou João, demonstrando apreensão. — Sugiro que das duas formas. – Principiou Taiguara. – Agiremos individualmente em nossos círculos de amizade e convivência. Proponho nos reunirmos frequentemente para repassar o aprendizado e o progresso que eventualmente atingirmos. — Acho perfeito! – Concordou de imediato Maria Madalena. A ideia de se encontrarem frequentemente, teve aprovação unânime. — Devemos ter cuidado para não sermos chatos. Nada de querer impor nossa verdade. – Sugeriu Marcos convicto. – Não existe coisa mais irritante do que alguém querer te enfiar uma opinião goela abaixo. — Claro! Teremos que ser ímã. Através da nossa paz e conhecimento, atrairemos naturalmente a atenção do nosso público. – Assegurou o padre João.

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— Mas nem todo objeto é atraído pelo ímã, portanto, não tenhamos a ilusão de convencer a todos. – Observou o professor Pedro. — Claro que não. – Vamos de leve. Espalharemos o que aprendemos, mas sem chamar de mentira a verdade que os outros alimentaram ao longo da vida. – Ponderou Taiguara com a lucidez de sempre. — E lembremos que os seres da esfera de luz, estarão nos auxiliando. – Afirmou Maria Madalena com a intenção de consolar a si, e, aos demais. — Tive uma ideia! – Quase berrou Marcos de repente. — Diga homem! – Sussurrou Pedro curioso com a empolgação do amigo. — Que tal... – prosseguiu vacilante o médico temendo a reprovação dos colegas. – Pensei em comprarmos um espaço em uma emissora de rádio. Produziríamos um programa com a participação de cada um de nós. Taiguara faria uma explanação sobre seus conhecimentos. Imaginem esse índio com essa voz mansa acompanhada de um fundo musical. O professor falaria sobre história e como um ateu se convenceu da existência de Deus. João sobre a fé além

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da religião. Maria Madalena apresentaria um quadro que poderíamos batizar de “A psicologia e Deus”. E eu poderia falar sobre a força da fé em comunhão com a medicina. O que acham? — Acho perfeito! Concordou de imediato Maria Madalena. Conseguiríamos patrocinadores. – Completou a psicóloga. — Dinheiro não será problema. Eu patrocino. – Disse Taiguara com seriedade na voz. — É verdade! Havia esquecido que o nosso índio é um milionário. – Brincou Pedro mais uma vez. — E poderemos usar as redes sociais para retransmitir nosso programa. – Sugeriu João. — Combinado então. Cuidarei disso assim que voltarmos à civilização. – Concluiu Marcos, satisfeito com a aprovação do grupo. Envolvidos em planejar meios de atuação, os cinco amigos nem perceberam que as horas passaram rapidamente. Quando Taiguara voltou a olhar a posição do sol, deduziu que já passava das dezesseis horas.

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— Se me dão licença, vou me retirar até a margem do rio. Preciso fazer minha medição vespertina. — Vá lá! – Concordou Maria Madalena em nome dos demais. – Se me permitir, prepararei um suco para quando você voltar. — Conto com isso! Taiguara caminhou lentamente. Também carregava em si uma certa frustração. Esperava fechar com chave de ouro aquela experiência na ilha. Mas tudo indicava que as visitas extraordinárias tinham cessado. Se aproximou do rio e acomodou-se em posição de lótus, a mais conhecida postura da ioga hindu. Permaneceu sentado com as pernas cruzadas e os pés voltados em direção às coxas. As mãos apoiadas nos joelhos e espalmadas para cima. Os dedos levemente curvados. Fechou os olhos e ficou naquela posição por, pelo menos, quarenta minutos. O silêncio era absoluto. Parecia estar só naquela ilha. Não ouvia a conversa divertida dos colegas que permaneceram a poucos metros de distância. Finalmente abriu os olhos e o que viu lhe intrigou profundamente. Do outro lado do rio, em direção ao estado de São Paulo, vislumbrou algo se movimentando nas águas. Deduziu ser alguém sobre uma

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boia. Estaria se afogando? Estaria precisando de socorro? Apurou a vista e finalmente pode identificar a silhueta. Era um homem. Mas inacreditavelmente, a pessoa caminhava sobre as águas. — Eu não acredito! Berrou de imediato. – Pessoal! Corram aqui. Em menos de trinta segundos, os quatro se aproximaram preocupados. Padre João estava esbaforido, mas, foi ele quem perguntou. — O que foi amigo? Aconteceu algo? — Sim! Aconteceu algo fantástico. Olhem! – E apontou em direção ao homem que se aproximava cada vez mais. — Meus Deus! É quem estou pensando? – Gaguejou Marcos impressionado. O grupo se abraçou formando um círculo. Como se fosse crianças na hora do recreio, os cinco improvisaram uma ciranda. Riam e pulavam no impulso da felicidade plena. Finalmente o visitante venceu a distância que os separava. — Me dão licença para me aproximar? Perguntou com um largo sorriso no rosto.

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Os cinco amigos ficaram sem fala. Limitaram-se a observar o inesperado personagem. Tinha cabelos negros e longos até a altura dos ombros. Rosto fino, nariz comprido e olhos castanhos. A barba era rala, mas bem cuidada. — É você? – Conseguiu Pedro finalmente romper o silêncio. Mas como você é diferente das imagens que vemos por aí. — Sou palestino. Essa é a fisionomia de quem nasce lá. – Sorriu divertido o recém-chegado. Os olhos azuis e aquela beleza hollywoodiana são generosidades, ou quem sabe, preconceito dos homens. – Sorriu divertido aquele que chegou caminhando sobre as águas. — Mas você é lindo do mesmo jeito. – Elogiou Maria Madalena com um brilho intenso no olhar. — Não responderam. Posso me juntar a vocês? — Claro! – Disse Taiguara com um sorriso que parecia perpetuado no semblante. – Podemos te dar um abraço de boas-vindas? — Vinde a mim as criancinhas! – Brincou Jesus, enquanto abria os braços para envolver os anfitriões.

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Ouviu-se um som de trombetas. Todos olharam para cima e puderam ver uma orquestra de anjos oferecendo o enlevo de um concerto celestial, como que avisando ao próprio Deus que seu filho chegara bem ao destino. Jesus sorriu para eles e os dispensou. — Vão lá pessoal. Logo estaremos juntos novamente. Os anjos devolveram o sorriso e desapareceram no firmamento. — Coisa de pai. Ele pensa que preciso de guarda-costas. – Observou o recém-chegado, demonstrando um bom humor inimaginável. — Cara! É você mesmo? – Indagou Marcos achando que estava sonhando. — Sim doutor. Sou eu. – Respondeu Jesus com naturalidade. – E você João? Está bem? Claro que está. Eu sei. — Ah! Assim não vale. Você sabe tudo. Vai me deixar constrangido. – Limitou-se a murmurar o ex-padre. — Pedro! – Você demorou. Estava te esperando há um bom tempo.

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— Sério? Me avisasse pessoalmente que a espera seria curta. – Brincou o professor de história. Todos riram divertidos e iniciaram a caminhada de volta ao interior da ilha.

////////////////// — Eu creio que não tenho nada mais a acrescentar ao aprendizado de vocês. – Principiou Jesus. – Entendo que aqueles

que

me

precederam

lhes

repassaram

conhecimento suficiente. — Está brincando né? – Rebateu Pedro de imediato. – Estamos ansiosos para ouvi-lo! — Então perguntem que abrirei meu coração. — Tem uma dúvida que pode parecer heresia, mas, sempre carreguei comigo. – Encorajou-se Marcos. - No momento da crucificação você sentiu toda dor, ou fez alguma mágica para neutralizá-la? Afinal, você ressuscitava mortos, e creio que seria fácil entrar num estado de consciência onde a dor não o alcançaria. Jesus o olhou com ternura antes de responder.

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— Não vejo como heresia. Sinto em seu coração que na verdade sempre torceu para que eu tivesse procedido dessa forma. Desde menino você tentava se convencer de que eu não senti o sofrimento da crucificação. Isto é solidariedade. Mas, lamento frustrá-lo. Senti toda dor e pânico como um homem qualquer sentiria. Tanto que em um determinado momento pedi para que o Pai afastasse de mim aquele cálice. — E era realmente necessário passar por aquilo? Você não convenceria a humanidade se tivesse dizimado seus inimigos e mostrado o poder de Deus em ação? – Continuou Marcos inconformado com a dor imposta àquele que os visitava. — As escrituras precisavam ser cumpridas. E se eu aceitasse a guerra que me era proposta, agiria como um tirano o faz para conquistar um reino e seguidores. Vencer a morte perpetuou meu nome na história. Se tivesse vencido apenas uma batalha, meu feito seria encoberto pela poeira do tempo. Maria Madalena decidiu participar da conversa. — A bíblia retrata exatamente sua trajetória sobre a terra?

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- O Novo Testamento foi escrito pelos discípulos dos meus discípulos, muitos anos após minha ascensão. É normal que nela conste as impressões e o entendimento daqueles que ouviram falar de mim. Os homens que decidiram quais livros integrariam a bíblia, também se valeram de suas convicções naquela época. Não tenho dúvidas de que muita coisa ficou de fora. Mas se você me pergunta se aprovo a bíblia como um livro santo, a resposta é sim. Ela serve como parâmetro para que a humanidade tenha conhecimento dos fatos que se sucederam naquela época. — O senhor fala dos evangelhos apócrifos? – Quis saber Taiguara com o olhar e os ouvidos atentos. —Também. Mas, a exemplo dos textos oficiais, estes não foram escritos diretamente por aqueles que conviveram comigo. Para facilitar a compreensão, vamos nos basear nos dias atuais. A imprensa por exemplo, daria destaque a Lázaro, o amigo que ressuscitei. Investigariam os motivos que o tornaram merecedor do meu amor. Procurariam saber o que ele fez após o milagre. E na verdade, Lázaro caiu no esquecimento. — Sua mãe também não emplacou um livro na bíblia. – Observou Pedro.

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- É o que estou dizendo. Mas temos que levar em conta a época em que os fatos se passaram. Se fosse hoje, Maria teria que explicar como me concebeu e contar sobre nossa convivência. Com certeza ela teria muito a dizer sobre mim. Mas, repito, vocês estão analisando a situação com um olhar moderno, onde a comunicação e o registro dos fatos acontecem quase que simultaneamente. Lá atrás, as coisas eram diferentes. Não tenhamos a pretensão de encarar a bíblia sob um prisma crítico. Devemos ter gratidão aos homens que a escreveram e propiciaram a humanidade, ter conhecimento sobre a história. — O que você acha das religiões? – Se fez ouvir o padre João. — Meu caro João... as religiões são fundamentais. Cada uma tem seu valor aos olhos de Deus. O problema é que alguns líderes se aproveitam da fé e da inocência de seus fiéis. Estas pessoas estão semeando algo terrível e a colheita, com certeza, não será agradável. Não que Deus ou eu, iremos castiga-las. É apenas a lei do retorno em ação. Quem semeia ventos, colhe tempestades. Já disse isso há muito tempo e repetirei por toda a eternidade.

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— Se os homens levassem isso a sério, a sociedade seria mais justa. – Murmurou o professor Pedro. — Mas porque vocês não abrem os olhos destes fiéis? Não é incorreto deixá-los a mercê destes inescrupulosos? – Rebateu Marcos, inconformado. Jesus sorriu antes de prosseguir. — Doutor, lembra do livre arbítrio? Todos os filhos de Deus têm acesso as mesmas informações. Foram munidos da capacidade de discernimento. Eles ponderam que o caminho que escolheram, é o que realmente leva a salvação. Foram induzidos a pensar assim. E o que acontece com eles? Discriminam as outras religiões, se acham donos do céu. Se vestem de uma empáfia que só leva a frustrações. Entendam que tudo o que vocês oferecem ao seu semelhante, retorna na mesma proporção. Quem discrimina, recebe a mesma quantia deste veneno. E assim acontece com o mal que desejam, com o ódio que sentem. E a nossa maneira de agir para tentar mudar isso, é treinar pessoas como vocês ao redor do mundo. Caberá aos escolhidos tentar tirar a venda que cobre os olhos destas pessoas e livrá-las do jugo que os inescrupulosos lhes impõem.

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— Você nos ensinou o Pai Nosso. – Intrometeu-se Maria Madalena. – Deus gosta de orações decoradas, ou prefere que conversemos com Ele espontaneamente? — Quando ensinei aos discípulos orar, tive a pretensão de mostrar-lhes

um

Deus

acessível.

Incutir

neles

a

necessidade do perdão e do agradecimento. Vamos juntos agora atualizar essa oração de acordo com o aprendizado que tiveram até aqui. Automaticamente, os presentes se deram as mãos e formaram um pequeno círculo. Jesus retomou sua dissertação. - Pai Nosso que estais nos Céus, santificado seja o vosso Nome. Esta frase se refere ao Eu Sou, a sua porção Deus que está envolto pela perfeição divina, portanto no céu. Venha a nós o vosso Reino. Se invocardes esta perfeição ela fatalmente se manifestará. Será o reino de Deus chegando a todos vocês. Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu. A vontade de Deus é que seus filhos vivam em prosperidade aqui na terra, a mesma prosperidade que ele experimenta na dimensão invisível em que se encontra. O pão nosso de cada dia dai-nos hoje. É um o reconhecimento de que o sustento de suas famílias

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só é possível pela benevolência do criador. Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Deus sempre perdoa, mas, a senha que dá acesso a essa misericórdia, é também perdoar. Não conseguirá conexão com Deus o coração inflado de mágoa. Afinal, um dos dez mandamentos os orienta a amarem-se mutuamente. E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Mal. Os anjos caídos espalham armadilhas disfarçadas de benesses para forçar a queda daqueles a quem Deus dispensa amor. Este trecho da oração pede proteção contra essa possível queda e ao mesmo tempo implora livramento dos seres que espalham o mal. — Amém! Responderam os cinco de forma uníssona. — Caramba! Nós rezamos o Pai Nosso de Mãos dadas com o próprio Jesus. Isso não é o máximo? – Vangloriou-se o professor de história. Jesus sorriu divertido, antes de prosseguir: — Respondendo sua pergunta Maria Madalena, afirmo que o Pai Nosso é um modelo de oração. Mas com certeza a conversa

espontânea

com

Deus,

baseada

nestas

afirmações e nesse estado de espírito que os ensinei, chegará aos ouvidos e ao coração do Pai. E digo mais. Da

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Santíssima Trindade, o Espírito Santo é o menos procurado por vocês. A humanidade apela a Deus e a mim, e não experimenta o bálsamo que é estar próximo ao Espírito Santo. Aconselho-os a corrigir isso. Vocês são espíritos como Ele e, portanto, a comunicação acontecerá no idioma da energia espiritual. Assim como o diálogo entre os homens é algo natural, o mesmo vale para vossos espíritos em relação a terceira pessoa da Santíssima Trindade. — Que fantástico ouvir isso. – Murmurou Maria Madalena, achando óbvio o que sempre lhe passou despercebido. — Você nos ensinou a perdoar e repetiu isso na oração que acabamos de fazer. Você perdoou Judas? – Indagou receoso o médico Marcos. — É obvio! – Quase gritou o padre João se antecipando a Jesus. Mais uma vez o Messias dirigiu um olhar cheio de amor ao seu interlocutor. — Como disse João, claro que o perdoei. E vou além! A humanidade deve perdoá-lo também. Não me agrada ver bonecos queimados e apedrejados em alusão a ele. – Prosseguiu Jesus referindo-se a um ritual comum em

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algumas religiões no sábado de aleluia. – Se pensarem bem, Judas, assim como eu, veio ao mundo para ajudar no cumprimento das escrituras. Se não fosse ele, a história ficaria manca. Não haveria a crucificação e tampouco a ressurreição. — Nunca tinha encarado os fatos por esse ângulo. – Balbuciou Taiguara sem tirar os olhos do ilustre visitante. — E quão hipócrita seria eu, se os ensinasse a perdoar e não praticasse o perdão. — Tem razão. Desculpe o questionamento desnecessário. – Deu-se por convencido um arrependido Marcos. — Nada a ser desculpado, doutor. – Rebateu de imediato Jesus Cristo. – Eu sei que para o coração humano, certas dores são difíceis de se perdoar. Mais uma vez, você estava se colocando em meu lugar. Mas creia, Judas não pode ser resumido àquele gesto. Ele foi uma criança amada por uma mãe, foi bom amigo em outros tantos momentos. Aquele episódio não sintetiza todas suas existências e não apaga o bem que ele praticou. — Judas reencarnou? – Disparou Maria Madalena incrédula.

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Muitas vezes. Hoje por exemplo, ele está encarnado aqui no Brasil. — Sério? – Assustou-se o professor Pedro. – Deve ser algum político famoso. Jesus riu alto sem esconder seu apreço pelas tiradas cômicas do ex-ateu. — Não! Ele é o Taiguara. Todos voltaram-se de imediato para o índio, que se afastou alguns centímetros, como quem pede desculpas pela inesperada revelação. — Sério? Perguntou Marcos, fazendo careta. — Estou brincando. Disse isso só para vocês entenderem que ao longo das encarnações as pessoas evoluem. Se Taiguara tivesse sido Judas em outra existência, ele perderia o valor para vocês? — Não! A gente ama esse índio. O que importa é quem ele é hoje. – Respondeu Maria Madalena beijando a cabeça do sábio colega. Taiguara ficou desconcertado com a demonstração de carinho. Então Jesus prosseguiu:

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— Judas voltou muitas vezes e pagou suas dívidas. Os méritos colecionados em muitas vidas não podem pesar menos que o erro de uma única. A balança de Deus é muito bem aferida e revestida de justiça. — Ok! Perdão Judas, pelas vezes que o queimei e apedrejei ao lado de meus seguidores. – Se fez ouvir o padre João. — Mudando de assunto… – Arriscou-se o professor de história a dar outro rumo a conversa. – Minha existência de ateu interrompida nesta ilha, me fez perder pontos com você? — Em absoluto! – Respondeu Jesus de imediato. – Você não acreditava na minha existência, mas, seus princípios e ações condiziam com meus ensinamentos. Para utilizar um exemplo bem simples, faço referência a uma melancia. Todos dispensam a casca, mas apreciam o fruto que está por dentro. É assim que Deus dirige o olhar para seus filhos. — Sempre achei que era assim. – Observou Taiguara antes de completar. – Podemos mesmo fazer obras tão maravilhosas como você fez? — Claro! Eu não cometeria o disparate de fazer uma afirmação dessas se não fosse verdade. Vocês são filhos de

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Deus assim como eu. A diferença entre nós, é que consegui estabelecer um canal de comunicação direta com o Pai. Para isso, utilizei minha energia e meu Eu sou. Consegui alcançar um estado de consciência que permitiu ao poder de Deus fluir em mim como o sangue em vossas veias. - E como explicar a ressurreição se você estava morto e não tinha consciência para agir? – Indagou Marcos mais uma vez. — Assim como eu disse a Lázaro para levantar e andar, Deus fez o mesmo comigo. E aqui estou. – Sintetizou sem rodeios, o Cristo. — Acho impossível alcançar o estágio de conseguir ressuscitar alguém. – Sentenciou instantaneamente o professor. — É justamente por isso. – Continuou Jesus. – Você acredita que não pode. Eu tinha certeza que Deus agia através de mim. Quantas vezes eu disse: “Vai! A tua fé te curou”. Tudo gira em torno da fé. Ela é a ponte que liga a humanidade a Deus e ao Seu poder absoluto.

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Pedro silenciou cabisbaixo, tentando digerir a afirmação que acabara de ouvir. No seu íntimo, compreendeu que precisaria aperfeiçoar sua capacidade de crer. Jesus, então prosseguiu. — Se vocês prestarem atenção, a história está repleta de pessoas em estado terminal, desenganadas por médicos, que conseguiram vencer a morte. A medicina já tinha desistido, mas, o amor de uma mãe, de um pai, ou de um filho, conseguiu trazer aquele ente querido de volta. O amor aliado a fé, opera milagres. — Isso é verdade. – Corroborou Marcos, valendo-se de sua experiência como médico. Você nunca mais reencarnou? – Quis saber Maria Madalena. — Não! Ascendi à esfera superior e de lá sigo trabalhando em prol da humanidade. Aquela história de que estou sentado à direita de Deus Pai, não condiz com a realidade. Ficar sentado pela eternidade, atrofiaria meus músculos. – Brincou Jesus mais uma vez. – O trabalho lá é contínuo. Ainda bem que temos uma equipe bastante eficiente e dedicada.

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— Você vai voltar para julgar os vivos e os mortos? Interrogou o padre João. — Eu não julgo. Cada um colhe o que plantou. E me entristeço quando a safra de alguém é ruim. Todos arcam com as consequências de seus atos. Por isso é tão importante que a humanidade desperte. Desencarnar vivenciando equívocos, acarreta ao espírito, dívidas que deverão ser quitadas no plano superior e corrigidas em outras encarnações. Mateus, no capítulo 24 de seu evangelho cita algo que falei a respeito. “Contudo, entendei isto: se o proprietário de uma casa soubesse a que hora viria o ladrão, se colocaria em sentinela e não permitiria que a sua residência fosse violada”. – Esta linguagem figurativa se refere à morte. — Mas é tão ruim assim reencarnar? Eu gosto de viver neste planeta azul. – Observou Pedro. — É que o objetivo de cada centelha divina, é regressar ao pai. E quando isso acontece, a felicidade plena se manifesta. Viver aqui, é como degustar migalhas de um grande banquete. O sol da plenitude os aguarda quando finalmente se juntarem a nós na dimensão de luz. – Ensinou Jesus com mansidão na voz e no olhar.

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— Você falou muito sobre o amor. – Observou Taiguara. – No momento da crucificação, você conseguiu amar os seus algozes? — Com todo amor do meu ser. Tanto que pedi ao Pai que os perdoasse, pois eles não sabiam o que estavam fazendo. Naquele momento, induzidos pelas circunstâncias, por seus superiores e a crença da época, os homens que me crucificaram tinham absoluta convicção que faziam a coisa certa. Na concepção deles, eu era um herege. — Um herege? Explique essa afirmação. – Pediu o padre João, achando difícil entender a colocação que ouvira. - O meu discurso batia de frente com os poderes constituídos da época. Tanto os políticos como os sacerdotes me viam como uma ameaça. Com exceção daqueles que me seguiam, a sociedade foi convencida de que eu era um herege. A minha execução foi planejada e executada entre uma quarta e uma sexta-feira. Eu era um foco de incêndio que poderia se alastrar e precisava ser contido. — Então foi uma questão de interesses espúrios. Nada muito diferente do que vivenciamos hoje em dia. – Intrometeu-se Marcos quase horrorizado.

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— Foi! – Sorriu Jesus, demonstrando não guardar rancor algum. – Porém, ao me executarem, o tiro saiu pela culatra. O Cristianismo se espalhou pelo mundo e permanece cada vez mais difundido. — Eles usaram gasolina para apagar o fogo. – Brincou novamente o professor Pedro. — Para vocês verem que os homens do poder tomam decisões baseadas em uma inteligência superficial. Não ponderam sobre as consequências de seus atos. Decidem agir baseados em seu entendimento limitado e levam em conta o cenário de seus interesses. – Observou o Salvador da humanidade. — E agindo assim, se expõem ao infalível julgamento da lei do retorno. – Ponderou Taiguara de imediato. — Por isso a história está repleta de ditadores e reis que veem ruir seus impérios e terminam seus dias sobre a terra de forma trágica. – Completou em um sussurro o professor Pedro. — Seguindo no tema amor, - retomou a palavra o padre João – o que mais pode nos falar a respeito?

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- O homem deve amar sua existência e tudo aquilo que o rodeia. Sentir-se parte da obra de Deus. Lembrar que todas as pessoas, animais, vegetais, minerais, foram criadas pela mesma inteligência. Então, sim! Você é filho do universo, irmão das estrelas e árvores. Amar, significa caminhar leve, jogar fora as mágoas e todo e qualquer tipo de sentimentos ruins. Perdoar e abençoar tudo e a todos, antes de dar o passo seguinte. Agindo assim, o homem marchará envolto por uma atmosfera de paz e estará exposto à chuva de bênçãos que se precipita todos os dias sobre a humanidade. Porém esta chuva atinge apenas uma pequena parcela de indivíduos. A maioria usa uma capa de rancor e ambição desmedida e por isso, não experimenta as benesses desta verdadeira tempestade oriunda de Deus. — Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. - Recitou João, decifrando finalmente o verdadeiro significado desta frase. — A frase “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” faz todo sentido agora. – Observou Maria Madalena. — É mais uma pista que deixei para vocês. Se consegui fazer coisas que se perpetuaram nos anais da história, foi porque amei incondicionalmente. A magia do amor, atraiu

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para minha aura as vibrações corretas. Porém, mais uma vez, a humanidade se julgou inteligente demais para acreditar nessas palavras. E mesmo que uma pessoa participe de celebrações todos os domingos, sem se impregnar de amor, não conseguirá avançar na escala espiritual. É como ter um veículo sem combustível. Para sair da garagem das limitações, é preciso se abastecer de amor. — É uma tarefa árdua. – Reconheceu Marcos. — É simples. - Retomou a explicação, o Filho de Deus. Coloquem-se no lugar do outro. Quando seu vizinho está saindo para o trabalho, além de dizer um bom dia socialmente correto, imagine o que ele vivencia para conseguir o sustento de sua família. As renúncias que precisa fazer, o tempo de vida que investe no cumprimento de suas obrigações profissionais. As preocupações que o atormentam no dia a dia. Seu vizinho é verdadeiramente seu irmão. É fruto da mesma fonte que o gerou. Quando agir assim, se tornar algo tão natural como respirar, vocês trocarão o bom dia da boca para fora, por emanações de bênçãos e amor que com toda certeza alcançarão aquele que mora ao seu lado.

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- E o melhor de tudo isso, é que ao emanarmos amor e bênçãos, o universo nos devolverá o semelhante na mesma proporção, pois a lei do retorno funciona também para o bem que praticamos. – Corroborou Taiguara com a sabedoria que lhe era peculiar. — Exatamente isso! – Exclamou Jesus, observando a reação de compreensão estampada no olhar dos demais. — Você é contra a lei dos homens? – Investigou o médico Marcos. – Pergunto isso porque me lembrei da passagem em que um grupo de pessoas queria apedrejar uma mulher, e você disse para atirar a primeira pedra, aquele que não tivesse pecado. — Absolutamente. Vocês vivem em sociedade e essa convivência precisa ser regida por leis. Eu disse também à César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Na passagem do apedrejamento, o que estava para acontecer era um linchamento. Pessoas preconceituosas, se achando puras o suficiente não só para julgar, como também para sentenciar. A vida em sociedade seria um caos se não fosse regida por leis. Porém, em verdade vos digo, que a justiça de Deus difere e muito da justiça dos homens, já que esta segunda, está sujeita a interpretações equivocadas. Ela

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segue muitas vezes a capacidade limitada de compreensão ou, em outros casos, os interesses de quem a aplica. — Deus não é injusto com os pais, quando perdoa o assassino de seu filho? – Era o professor apimentando de vez o diálogo. Jesus sorriu docemente antes de se dirigir ao que lecionara história. — Meu caro Pedro. – Fez uma pausa como se procurasse as palavras certas. -Você me lembra a intempestividade do seu xará. Pedro era bem assim. Tanto que cortou a orelha do soldado romano quando foram me prender. Você agora usou sua língua como lâmina. Mas fique tranquilo, não cortou seu vínculo com Deus. A pergunta é muito pertinente e a responderei de forma a facilitar vossa compreensão. Já disse que a justiça dos homens é falha e a de Deus é perfeita. Para justificar o que digo, relembro o que lhes falei sobre Judas. A história de uma pessoa não pode ser resumida em um único ato. Acompanhem meu raciocínio. Um homem de quarenta e cinco anos, passou toda sua existência praticando o bem. Trabalhou incansavelmente para ganhar honestamente o sustento da família. Foi castigado pelas intempéries da vida, mas, perseverou no

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caminho do bem. Sempre foi bom pai, marido, filho, irmão. Aí, um certo dia, ele chega em casa e encontra sua mulher na cama com um desconhecido. Cego pela dor, ferido pela traição, este homem tira a vida daquele que quebrou o lacre de seu sagrado lar. No outro dia, os jornais o rebatizam de assassino, meliante e outros adjetivos. Tudo o que ele foi antes da citada tragédia, é esquecido. Jesus interrompeu sua explanação, observou o olhar de cada um de seus anfitriões. Queria ter certeza que estavam acompanhando seu raciocínio. Então continuou. - No instante seguinte, ao observar suas mãos sujas de sangue, o agora assassino se arrepende. Essa atitude, não é levada em conta e nem deveria pela justiça dos homens, mas, para Deus, o arrependimento significa muito. É como se ele estivesse na sombra e saísse para o sol a pino. — Mas e o homem assassinado? Não terá tempo de se arrepender. E a dor dos pais e familiares que o perderam? – Insistiu o professor. - O homem assassinado usou o livre arbítrio para cavar o seu fim. Não desejar a mulher do próximo é um dos dez mandamentos. Ele sabia o perigo que corria ao violar o lar de alguém. A imprensa não se cansa de divulgar crimes

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passionais. Infelizmente ele teve a colheita condizente a semeadura. E ainda contribuiu para transformar um cidadão de bem em um assassino. Entendam de uma vez. Não é Deus quem castiga. O homem atrai para si, o resultado da soma de suas ações. — Seguindo seu raciocínio, o morto também poderia ser um homem de bem até que cometeu esse, digamos, pecado. – Insistiu Marcos solidário ao questionamento do amigo professor. Jesus não se abalou com a insistência de seus anfitriões em questionar a justiça de Deus. —

Entenda

doutor,

que

o

Pai

ama

seus

filhos

incondicionalmente. Episódios como esse, entristecem o Criador. Sabe o que ele faz quando presencia algo assim? — Não! O que? – Disparou impacientemente o médico. — Ele desliga a televisão e vai dormir. Ver que os planos que traçou para seus filhos foram interrompidos brusca e definitivamente o desagradam sobremaneira. — E nesse caso, a mulher adúltera merecia ser apedrejada? – Era o padre João retornando a conversa.

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— Ela será! Carregará para sempre a culpa pelo ocorrido. Será castigada pela vergonha perante os filhos e familiares. E creiam, isso dói mais que qualquer apedrejamento. — E o que acontece com o homem que desencarnou em pecado? – Quis saber Maria Madalena. — Terá o filme de seus atos, reproduzido na esfera superior, e ganhará a oportunidade de reencarnar para corrigir os seus erros, até que esteja purificado o suficiente para voltar ao pai. — Então Deus perdoa os dois? – Quis saber Taiguara. — Não é uma questão de perdoar. Ele se alegra imensamente ao saber que ambos fariam tudo diferente se tivessem uma segunda chance. Para vocês é difícil entender a justiça de Deus, pois vivem aqui nesse mundo de compreensão limitada. Mas a divindade flutua sobre costumes e conceitos e consegue enxergar o todo e não apenas uma pequena porção do que vocês entendem por justiça. Os homens punem os homens e Deus sabe a real dimensão do espírito. Os homens sintetizam várias existências em um único ato, Deus tem conhecimento do ativo e passivo de várias vidas. Encarem dessa forma. Assim como o oceano não cabe em uma bacia, é impossível

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a mente consciente do homem compreender a dimensão de Deus e seus desígnios. — E a nós caberá espalhar as verdades que estão nos ensinando, para evitar que tragédias como essas sejam corriqueiras. – Se fez ouvir novamente a bela psicóloga. — Entendam que neste roteiro imaginário, não estou defendendo o assassino e muito menos condenando aquele que perdeu avida. Estou apenas alertando que a vida é feita de escolhas, e essas, geram consequências no percurso da existência. A mulher, valendo-se de seu livre arbítrio, optou por concordar com a traição. O homem que morreu, tinha a opção de não estar na cama do outro e aquele que era cidadão de bem, escolheu lavar a honra com sangue. Todos poderiam ter evitado a tragédia, mas não o fizeram. Se a humanidade entender de forma efetiva que faz parte do todo, com certeza o respeito mútuo irá imperar. E a atmosfera estará impregnada de amor e paz. Ensinem a humanidade a ponderar muito, antes de fazer suas escolhas. O amor é o antídoto contra todos os males. – Ensinou Jesus mais uma vez, antes de perguntar: — Ficou alguma dúvida sobre o tema? O professor falou em nome dos demais.

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— É um tópico complexo. Entendi que minha maneira de ver as coisas condiz com minha capacidade limitada de compreensão e está contaminada pelos dogmas que imperam na sociedade em que vivo. E Deus, que é o conhecimento pleno, tem toda razão se discordar de mim. O negócio é me recolher a minha insignificância e confiar que Ele sabe muito mais que este velho professor de história. — Mas ainda não concorda com Ele, né? – Perguntou Marcos sorrindo. — Digamos que preciso subir mais alguns degraus na escada da evolução espiritual. Mas já é um avanço para um teimoso como eu, aceitar que Ele tem razão e eu estou errado. Todos riram alto com a observação de Pedro. Jesus então, concluiu: — Precisam entender de uma vez por todas, que Deus não perdoa e nem condena. Ele apenas espera que os homens façam as escolhas certas e sejam merecedores de uma safra agradável. Assim como aqueles que gostam de futebol, optam por um time preferido, Deus torce por vocês.

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— Por falar em futebol... - principiou Marcos – …em meus devaneios de infância, ficava imaginando você jogando futebol. Sempre achei que você seria um lateral direito sem muita habilidade com a bola nos pés. — Eu? – Surpreendeu-se Jesus com a observação. — Nada! Ele transformaria os passes errados em gols. – Brincou mais uma vez o professor. A gargalhada foi uníssona. Então Pedro emendou: — Imaginem Jesus como árbitro. Um zagueiro bruto dá uma entrada maldosa em um atacante franzino. Ele não marca falta e ainda diz para o jogador que se contorce em dor: “Levanta-te e corre”! Mais uma explosão de gargalhadas se fez ouvir. Jesus foi o que mais se divertiu com a imaginação fértil do professor. — Posso lhe fazer mais uma pergunta? – Era o padre João recolocando a convivência com Jesus nos trilhos da seriedade. — Esteja à vontade! – Limitou-se a observar aquele que vencera a morte.

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— Algumas religiões não compactuam com a igreja católica sobre a importância de Maria. O que tem a nos dizer sobre ela? Jesus sorriu com a mansidão de sempre antes de responder. — Essa, como quase tudo ligado a religiosidade, é uma questão de interpretação repassada de geração para geração como verdade. Maria é minha mãe, e assim como vocês, amo minha mãe. Ela foi escolhida por Deus e se alguém não a escolhe, está discordando do Pai e ao mesmo tempo, desagradando a mim como filho. Alguns acreditam que ela está dormindo esperando minha volta. Que história é essa de que os mortos estão dormindo? Eu não disse ao “bom” ladrão que ainda hoje estaria comigo no paraíso? Ao compactuarem dessa tese, as pessoas se privam da ação de Maria em suas vidas. Ela está, como disse Saint Germain, na esfera de luz, trabalhando pelo bem da humanidade com outros seres de Deus. Invoquem a proteção da mulher que simboliza o amor de todas as mães e ela jamais negará o seu colo. - E o que ela pensa a respeito? – Perguntou Taiguara.

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— Ela não liga para essas discussões a seu respeito. Prefere estar a postos e pronta para auxiliar aqueles que a invocam. — E as suas imagens e de outros santos? O que tem a dizer sobre isso? – Continuou João. — Meus amigos. Isso é uma questão que afeta aos homens. Sei que algumas religiões condenam o que chamam de adoração a imagens. Porém, lá na dimensão superior, nós não nos atemos a isso. Se uma pessoa ora a Deus, não importa se foi em inglês ou japonês. Nós fazemos a leitura da energia com que esta oração está sendo feita. O idioma não nos importa. Se uma senhora devota, reza com uma imagem de gesso nas mãos, porque aprendeu que isso é certo, tudo bem. O que chega até nós é a sua fé e o conteúdo de sua prece, não o que ela está segurando. Repito! Essas discussões pertencem a esfera dos homens. Cada qual quer estar certo sobre o caminho que leva a Deus. Eu vos reafirmo que amar ao próximo e desejar o bem a quem quer que seja, é o atalho mais efetivo. Deus não é exclusividade desta ou daquela religião. É por isso que um ateu foi escolhido para estar aqui. O professor nunca

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professou sua fé, mas, orou mesmo sem saber, através de suas ações e sentimentos. — A luz se fez! – Murmurou Taiguara satisfeito com a explanação. — Preciso que considerem sempre que as pessoas estão, digamos assim, contagiadas por certezas que alimentaram ao longo da vida e por crenças que herdaram de seus pais e avós. Por isso, antes de construírem um novo telhado de fé, respeitem a estrutura, a base da velha edificação. Convençam mais pelo exemplo do que por palavras. E saibam a hora de se retirar, para que não os considerem inconvenientes. Dito isso, Jesus anunciou a má nova. — Infelizmente chegou a hora de dizer adeus! — Ahhhhhh!!!! - Foi a resposta em coro dos anfitriões. Sem se importar com a lamentação unânime, o Messias se levantou. — O homem precisa reaprender o caminho que leva à felicidade. Correr incansavelmente em busca do ter, o deixa sem tempo para ser melhor pai, melhor filho e melhor

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esposo. O júbilo do espírito está no simples. Aproveitem para desfrutar a companhia de seus familiares. As pessoas com as quais vocês dividem essa experiência na terra, estão aqui para ajudá-los nessa jornada. A reciprocidade tem que existir. Não foi por acaso que se tornaram família. São almas que talvez nunca mais se encontrem na escala da evolução. Então, aproveitem para desfrutar essa oportunidade em toda sua intensidade. Digam aos seus pais e irmãos o quanto sentem amor por eles. Façam o mesmo com a esposa e filhos. Não percam muito tempo colecionando apenas bens materiais. Esse último conselho calou fundo nos novos discípulos. Jesus olhou o semblante de cada um de seus interlocutores e então concluiu: — Foi uma honra estar com vocês. Espero que minha presença tenha servido para acrescentar algo nessa jornada de aprendizado. — Claro, Senhor! - Exclamou o padre João em nome de todos. — Então, espero que tenham muita luz na missão que estão abraçando. E contem conosco.

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— Foi uma honra recebê-lo. - Acrescentou Taiguara com a mão estendida e os olhos lacrimejados pela emoção. Jesus aceitou o cumprimento, repetiu o gesto com os demais e sorriu docemente. — Lembrem-se que amo vocês e estou muito feliz por terem atendido nosso convite. Não hesitem em invocar nossa ajuda. — Pode ter certeza que não hesitaremos. - Replicou uma encantada Maria Madalena. —

Em

vossa

caminhada,

perdoem,

agradeçam

e

abençoem! Desta forma se manterão sempre próximos a mim. Ato seguinte, o Filho de Deus começou a levitar. Um vento forte soprou sobre a pequena Pingo. Enquanto se elevava, Jesus com um gesto abençoou o pequeno grupo e proferiu: — Descansem um pouco. Vai lhes fazer bem. Imediatamente, os cinco amigos sentiram uma vontade incontrolável de dormir. Se aconchegaram um ao lado do outro e se renderam a um sono profundo. Nem conseguiram

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acenar um último adeus para o ilustre visitante que se transformou em luz e desapareceu instantaneamente. A ilha ficou envolta por um intenso silêncio. O vento cessou e os pássaros pareciam ter se mudado dali. Aquele cenário perdurou por, pelo menos, quinze minutos. De repente um trovão rompeu a quietude e como se atendessem o estalar do dedo de um hipnólogo, os cinco escolhidos despertaram simultaneamente do sono, que mais parecia um transe. Taiguara foi o primeiro a se sentar. Sentia uma sensação de enjoo. Era como se sua pressão arterial estivesse excessivamente baixa. Os outros quatro imitaram seu movimento. Pela palidez em suas faces, o índio deduziu que o mal-estar que sentia, também acometia os quatro colegas. — O que aconteceu? Sinto náuseas. - Observou Marcos. — O médico aqui é você. - Respondeu Pedro com uma careta. - Estou precisando me consultar. A contragosto o grupo viu o costumeiro sorriso ser vencido pelo mal-estar.

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— Respirem fundo. Oxigenar o cérebro ajuda. - Sugeriu Taiguara. Enquanto o grupo fazia exercícios de respiração na busca por uma tão almejada vitória sobre o enjoo, ouviu-se uma voz oriunda de uma das margens da pequena ilha. — Oh de casa! Vocês estão aí? Os cinco amigos reconheceram de imediato a voz do piloto da lancha. — Sim! Estamos! Respondeu o padre João. Em menos de trinta segundos, o piloto apareceu diante dos seus clientes. — O que aconteceu? Você não ficou de vir nos buscar só amanhã? - Perguntou Marcos, intrigado com a visita inesperada. — Amanhã? Não. Fiquei de vir buscá-los no domingo. Mas que dia é hoje homem? - Quase berrou o professor Pedro. — Quarta! - Eu os deixei aqui ontem. - Retrucou o negro sem camisa.

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A revelação caiu como uma bomba sobre os cinco amigos que se entreolharam intrigados. Maria Madalena observou. — Na nossa contagem hoje é sábado. — Estão enganados. – Limitou-se a responder o negro, aparentando impaciência. - Preciso tirá-los daqui. O serviço de meteorologia alerta para uma grande tempestade que se aproxima. A usina que fica a poucos quilômetros acima, abrirá as comportas e há uma grande chance de esta ilha ser inundada. Por favor, preparem suas coisas. E se apressem! Outro trovão se fez ouvir, e, em um curto espaço de tempo, outros se sucederam. O tempo fechou anunciando a tempestade que se avizinhava. Os cinco amigos nem se deram conta de que o mal-estar havia passado. Enquanto preparavam a bagagem e juntavam o lixo, Marcos, intrigado, se dirigiu a Taiguara. — Por acaso, do alto de sua sapiência, pode nos explicar o que está se passando aqui? Taiguara hesitou. Então o padre o antecipou. — Ficamos sob efeito da ação da ayahuasca?

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— E de mais algumas ervas que trouxe da floresta e usei para temperar o peixe que nos alimentou. - Confessou o indígena, sem conseguir disfarçar o constrangimento. — Então o que vivenciamos aqui, foi uma mentira? - Quase berrou o padre João. - Em absoluto! O que fiz, foi garantir nossa presença em um estado de consciência que nos possibilitou recebermos os personagens que nos visitaram. — Caramba! É como se você tivesse nos hipnotizado. Nos levou a um transe coletivo. - Protestou o professor abdicando do bom humor que o caracterizava. — Nossa! Acho que você foi longe demais Taiguara! Desaprovou a sempre dócil psicóloga. Sentindo a reprovação e a mágoa de seus colegas, Taiguara limitou-se a colocar seu tambor a tiracolo, se apoderou de alguns sacos com a bagagem e iniciou uma caminhada até a lancha a fim de abreviar a estadia na ilha. Parou de repente, voltou-se para os quatro colegas de aventura e disse com uma calma perturbadora.

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— Vejo que aprenderam tudo que nos ensinaram. Principalmente a parte que ensina a caminhar sem mágoas e achar que a verdade de vocês é absoluta. Retomou a marcha em direção a lancha e deixou os colegas trocando olhares quase que arrependidos. Com a ajuda do piloto, em pouco mais de três minutos o grupo conseguiu acomodar a bagagem. Ao fim deste prazo, a lancha iniciou a viagem de volta ao Porto Maringá. Com exceção do barulho do motor e do casco da embarcação açoitado pelas águas do Rio Paraná, não se ouvia nenhum som a bordo. O silêncio era perturbador. Taiguara ocupou a proa do barco, em um dos bancos da primeira fileira, ficando estrategicamente de costas para os demais que sentaram nas poltronas da popa. A correnteza era forte e algumas marolas atrevidas balançavam a pesada lancha num bailado que remetia ao perigo. Muitos barcos menores e outras embarcações cruzavam o rio com o intuito de buscar turistas e levá-los em segurança ao porto, antes da precipitação da chuva. Mas nenhum dos amigos percebia isso. Estavam absortos em seus pensamentos. Menos de meia hora depois, se aproximaram da rampa de embarque e desembarque.

Mas

não

310

conseguiram

atracar.

A


concorrência era grande naquela manhã. Os primeiros pingos caíram sobre eles, e, na sequência, a precipitação parecia um dilúvio. O negro então tomou uma decisão. — Vou tirá-los do rio! - Disse berrando para se fazer ouvir. — Não vai furar a fila desse pessoal que está tão ansioso quanto a gente para desembarcar, né? - Respondeu também gritando a bela psicóloga com os cabelos molhados pela chuva. — Não! Tenho um plano B. - Respondeu o piloto movimentando a lancha para a direita. Percorreram apenas cerca de duzentos metros e se aproximaram de uma propriedade particular provida de uma pequena rampa. A mesma comportava tranquilamente o desembarque dos passageiros. Uma casa verde se mostrava parcialmente atrás da vegetação. — Ambrósio! - Gritou o negro. Imediatamente, já alertado pelo barulho da lancha que se aproximava, um homem alto de rosto comprido, apareceu em um amplo pátio. Protegido da chuva por um telhado de cerâmica, aquele que se chamava Ambrósio demonstrou ser um excelente anfitrião.

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— Pulem para cá! Venham se proteger da chuva. Em menos de dois minutos, tanto tripulantes como a bagagem, estavam protegidos da chuva. — Desculpe te incomodar, é que a rampa está muito concorrida nesse horário. - Principiou um diálogo o negro sem camisa. — Que é isso, amigo. Você é de casa. Vamos tomar um café. Estava terminando de passar. — Estes são meus clientes. Estavam na Pingo. Mas a tempestade abreviou o retiro deles. — Muito prazer! - Disse Marcos apertando a mão do anfitrião. — Obrigado por permitir nosso desembarque. A saudação foi repetida por Taiguara, João, Maria Madalena e Pedro. Sempre muito simpático, Ambrósio lhes ofereceu toalhas para se secarem e serviu café passado em um surrado coador de pano. Como acompanhamento tinha pão com ovos mexidos. Todos se acomodaram em uma enorme mesa de madeira. Taiguara engatou um diálogo agradável com o anfitrião. Os demais apenas acompanhavam e

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interagiam em momentos oportunos. De repente a atenção de Marcos foi atraída para uma moldura caprichosamente exposta na parede à sua frente. O médico pediu licença e venceu a distância que o separava do quadro. Nele, podia se ver uma foto de quatro amigos ostentando um enorme peixe como troféu de alguma pescaria. Um dos personagens da foto chamou sua atenção. — Desculpe! Pode me dizer quem é este senhor aqui? Disse apontando para um homem calvo. Todos se levantaram para examinar de perto a fotografia. — Ah! Esse é um amigão da gente. Infelizmente nos deixou recentemente. – Foi a resposta de Ambrósio. — Político? - Perguntou Marcos com seriedade na voz. — Sim! Foi vice-prefeito e vereador. Quando nos deixou, era presidente da câmara. Mas como sabe? Você o conheceu? — Isso vai parecer estranho. Mas nós o vimos lá na ilha. Esclareceu de uma vez, Maria Madalena. O anfitrião fez uma careta e o piloto que ouvira a conversa, arregalou os olhos como se eles quisessem fugir da órbita.

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Antes que um dos dois arriscasse algum comentário, o professor Pedro completou: — E ele não estava só. Havia outras pessoas. Em pouco tempo, os cinco amigos explicaram as características de cada personagem e como se deu o encontro na pequena ilha. Ao término do relato, Ambrósio coçou a cabeça. — Conheço muito bem as pessoas que vocês descreveram. Todos já não estão entre nós. Como isso é possível? — Se lhe contássemos as experiências que vivemos naquela ilha, provavelmente nos chamaria de loucos. Observou o padre João. — Eles pediram para que disséssemos aos seus amigos e familiares, que estão bem e que a vida continua em outro plano. - Concluiu Marcos. — Se o encontro com aquelas pessoas realmente aconteceu, creio que o mesmo vale para as demais visitas. - Observou o professor olhando para Taiguara quase pedindo desculpas.

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Marcos se aproximou do índio e depositou a mão esquerda sobre seu ombro direito. — É! Creio que todos nós lhe devemos um pedido de perdão. Taiguara o olhou nos olhos e limitou-se a comentar. — Fique tranquilo. Vocês tinham razão em ficar chateados. Sem mágoas. Sigo amando cada um de vocês. Pedro, João e Maria Madalena também se aproximaram para selar a paz entre eles. A psicóloga voltou a beijar a cabeça de Taiguara. Este sorriu encabulado. — Não sei como farei para viver sem os seus beijos. Brincou o índio para despistar o desconforto. Aquele que se chamava Ambrósio reivindicou a palavra. — Como essa chuva não vai passar tão cedo, gostaria de convidá-los para o almoço. Estou preparando um peixe que ficará uma delícia. — Peixe de novo? Protestou o professor. - Estamos comendo peixe durante toda a semana. - De repente se deu conta de que não ficaram tanto tempo na ilha. - Ah! Deixa para lá. Estou meio perdido.

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— Não seja por isso! Tenho uma carne de gado descansando no tempero. Terei prazer em servi-los. Insistiu o anfitrião. E creio que a conversa será muito agradável. — Bom, eu não tenho para onde ir agora. Então aceito seu convite, - Sentenciou Marcos. Os demais também concordaram. O piloto desceu pela rampa até a lancha e fez uma chamada pelo rádio. — Ainda precisam de mim? — Não! Todos já foram resgatados. – Foi a resposta que ouviu. Então desligou o rádio e voltou para junto dos demais. — Não tenho mais nada para fazer. Se não for incômodo para ninguém, pretendo desfrutar da companhia de vocês. — Será um prazer. – Alegrou-se Ambrósio. Tomaram cerveja, aproveitaram para ouvir histórias agradabilíssimas e engraçadas daquele lugar paradisíaco. Contaram como foram parar ali e qual a missão que

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receberam. A receptividade foi tamanha, que pareciam velhos amigos. Quando a chuva cessou, já passava das dezoito horas. Então Marcos decidiu se retirar. — Agradeço o almoço e a companhia. Gostaria de patrocinar a cerveja pelo menos. Pretendo viajar de madrugada e preciso descansar antes de pegar a estrada. — Me sentirei ofendido se insistir em pagar alguma coisa. Retrucou Ambrósio. — Então vou fazer o seguinte. Buscarei a caminhonete, carregaremos a bagagem do Taiguara e então tomarei a saideira com vocês. — Combinado. - Concordou Taiguara. - Aí aproveito a carona até a pensão se não for incômodo para você. — Está me estranhando? Porque seria incômodo? - Foi a resposta do médico. E assim foi feito. A única diferença é que em vez de uma última, o grupo tomou ainda oito cervejas. Foi então que todos se deram conta de que já bastava. Agradeceram a atenção e profissionalismo do piloto, pediram licença ao

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anfitrião, a quem elogiaram repetidas vezes pela acolhida e se

prepararam

para

deixar

as

dependências

da

aconchegante casa verde. — Vai viajar para onde doutor? - Foi o questionamento de Ambrósio. — Vou para o Rio Grande do Sul. É lá que moro. — Ah! Então vai passar na Fazenda Matão. - Principiou o dono da casa com certo mistério no semblante. - Não aconselho passar por lá de madrugada. Contam que uma loira fantasma aparece para motoristas solitários naquele trecho. Dizem que a experiência não é nada agradável. Marcos riu sem dar importância para a tentativa de assustálo. — Vou lembrar do seu conselho. Então o grupo se retirou definitivamente. Em pé, na varanda, o negro descalço e Ambrósio viram a caminhonete deixar a simpática e aprazível propriedade. — Eles são loucos ou estão drogados? – Arriscou a perguntar o piloto. – Perderam a noção do tempo.

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— Não sei! – Respondeu sorrindo o bom anfitrião. – O certo é que nunca conheci loucos ou drogados tão agradáveis quanto eles. Espero que voltem algum dia.

//////////////////////////////

DESFECHO

De volta à pensão, o grupo de amigos se deu conta de que chegara o momento da despedida. Marcos, que sairia de madrugada, tomou a difícil iniciativa. — Padre! Sabe que sentirei sua falta né? Espero que nos encontremos em breve. — Vamos nos encontrar doutor. Seremos para sempre um na vida do outro. – Retrucou João, tentando minimizar a dor daquele momento. — Doutora! Você é encantadora em todos os sentidos. Foi uma honra dividir com você essa experiência. Maria Madalena o envolveu num abraço tão doce, que Marcos sentiu vontade de ficar ali para sempre.

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— Vamos nos ver em breve Marcos. Farei questão disso. – E deu um selinho nos lábios do colega que enrubesceu. Com os braços abertos, Marcos se dirigiu a Taiguara, oferecendo ao índio um abraço fraterno. O gesto foi correspondido de imediato. — Nunca aprendi tanto em tão pouco tempo. Sou seu fã e seu discípulo. — Aprendemos mutuamente e sua presença enriqueceu nossa experiência na ilha. Obrigado por tudo doutor. – Foi a resposta do índio. Marcos então se voltou para o professor Pedro que se esforçava para conter a emoção. — Você sabe que eu te amo, né, seu velho rabugento. Creio que você deveria montar um stand up e espalhar seu bom humor por aí. — Sentirei sua falta, doutor. Não fique muito tempo longe. — Se você não fosse tão feio e careca, casaria com você. – Brincou o médico envolvendo o amigo em um abraço longo e apertado.

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— Estou decepcionado com você. – Retrucou o professor. – Achei que essa história de casamento você diria para a nossa psicóloga. Mais uma vez, todos riram divertidos. Quando Marcos interrompeu o abraço, viu Pedro enxugar uma lágrima com o braço direito. — Vá logo dormir. E faça uma boa viagem amanhã. Completou

o

que

lecionara

história

visivelmente

emocionado. Todos trocaram um abraço coletivo. Certificaram-se que tinham anotado os celulares corretamente e decidiram se recolher. ///////////////////////// Por volta de quatro horas da manhã, Marcos alcançou a placa que informava que chegara a Fazenda Matão. Instantaneamente lembrou da loira fantasma citada por Ambrósio na casa verde. Deu de ombros e acelerou a caminhonete na reta que se oferecia. No pendrive, Zé Geraldo dizia que saíra de casa muito cedo e levava os trapos em sua sacola. O médico, desafinado, havia decorado a letra e cantava junto com seu cantor preferido.

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De repente, dois faróis denunciaram que uma carreta vinha descontrolada em sua direção. Numa fração de segundo, Marcos Braga apertou a buzina e puxou o volante para a esquerda, entrando na contramão. Sua sorte é que não vinha nenhum outro veículo atrás da carreta. Esta, por sua vez, chocou-se na lateral traseira direita da caminhonete. A colisão foi suficiente para fazer com que Marcos perdesse o domínio sobre o veículo que rodopiou descontrolado no asfalto e só interrompeu seu assustador bailado, ao chocarse de frente com uma árvore já no acostamento. Com o barulho da buzina e da colisão, o motorista que havia dormido ao volante, acordou a tempo de evitar o pior. Há muito custo, controlou a carreta e seguiu viagem sem se importar em prestar socorro à vítima do acidente por ele provocado. Marcos foi salvo pelo air-bag. Além de uma forte dor no tórax, o médico apresentou um sangramento leve no nariz. Saiu do veículo, e constatou que o motor fora danificado pelo impacto. A força da colisão quebrou a árvore fazendo com que parte dela se debruçasse sobre o teto do veículo provocando danos de elevada monta na lataria. O médico agradeceu ao céu por não ter ninguém como carona, pois certamente essa pessoa morreria esmagada. Acalmou os nervos e ligou para o seguro. Felizmente ali havia torre

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de sua operadora. Quando a atendente da seguradora estava oferecendo um carro reserva para sua locomoção, um veículo estacionou no acostamento oposto ao que ele se encontrava. Era uma caminhonete muito mais imponente que a dele. A lua cheia iluminou parcialmente o veículo. De repente ele viu desembarcar uma loira. O médico sorriu ao lembrar da famosa personagem da Fazenda Matão. - Você está bem, doutor? O médico reconheceu imediatamente a voz de sua colega psicóloga. Pediu um momento para a pessoa com quem conversava ao celular. — Maria Madalena! Nunca pensei que ficaria feliz em encontrar uma loira neste lugar. Ela sorriu divertida. — Roubou a veia cômica do professor Pedro? Está tudo certo com você? — Tirando o susto, estou bem. Mas o veículo está fora de combate. — Quer uma carona? – Perguntou a loira com um brilho especial no olhar e um sorriso matreiro nos lábios.

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— Para onde você está indo? – Quis saber o médico. — Estou de férias e vou terminar meus dias de descanso em Gramado no Rio Grande do Sul. - Está brincando? Eu moro lá. Há dois anos adquiri um sítio paradisíaco e vivo entre a natureza. – Disparou o médico sem tentar esconder sua empolgação. - Então estamos indo para o mesmo lugar. Minha oferta de carona, ainda está de pé. — Faço questão de tê-la como hóspede. Espere só um pouco. Ainda estou com a moça do seguro aqui. – Apontou o celular antes de prosseguir. — Viu! Vou dispensar o carro reserva. Quero apenas que mandem um guincho e levem esse paciente para Gramado no Rio Grande do Sul. Pode ser? Marcos aguardou a resposta da atendente da seguradora e então concluiu a conversa. — Ok! Vou deixar a chave sobre a roda dianteira do lado do motorista. Já lhe enviei a localização. Agradeço pela atenção. - Ele não conseguia disfarçar sua afobação.

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— Então, podemos partir? Perguntou docemente a bela Maria Madalena. — Só se eu dirigir. - Combinado. Aproveitarei para dormir um pouco e quando você se cansar, assumirei o volante. Iniciaram a caminhada em direção ao carro de Maria Madalena. De repente Marcos parou bruscamente, e, sem justificar, correu em direção a caminhonete acidentada. — O que foi? - Perguntou ela curiosa. — Ele se abaixou e retirou de lá um pequeno objeto. — Não viajo sem meu pendrive. Espero que não se importe de eu ouvir Zé Geraldo. — De forma alguma. Adoro Zé Geraldo, Zé Ramalho e Oswaldo Montenegro. — Então fechou! Embarcaram, Marcos ajustou a distância correta do banco do motorista e colocou o veículo em marcha. Maria Madalena não tirava os olhos do amigo. Ela sorria enigmática.

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— O que foi? Porque tenho a impressão de que você sabia que eu moro em Gramado? — Não sabia! Juro. É por isso que estou rindo. Você deve ser o cara mais sortudo do mundo. — Acabei de me acidentar, meu carro está inutilizado e você vem me dizer que eu tenho sorte? — Poderia ser o padre João no meu lugar. É, ou não, um sujeito de sorte? — É! Visto sob este prisma, você tem razão. Agora a engraçada foi você. — Não vai colocar música? — É verdade! Havia me esquecido. O veículo seguia em velocidade moderada. Naquele momento, Zé Geraldo começou a cantar: “Minha meiga senhorita, o que eu tenho é quase nada. Mas tenho o sol como amigo. Traz o que é seu e vem morar comigo. Uma palhoça num canto da serra será nosso abrigo. Traz o que é seu e vem correndo, vem morar comigo”

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Maria Madalena o fitou com um brilho apaixonado no olhar. Recostou a cabeça sobre o ombro direito dele, suspirou fundo e murmurou dengosa. — Estou muito feliz de estar aqui com você. E com voz afinadíssima, fez coro com Zé Geraldo: — “Aqui é pequeno, mas, dá pra nós dois. E se for pequeno a gente aumenta depois. Tem um violão que é pra noites de lua, tem uma varanda que é minha e que é sua. Vem morar comigo, meiga senhorita! Vem morar comigo”. Marcos estava encantando. Depois de uma curva, entraram em uma longa reta. A lua cheia parecia beijar o asfalto logo mais à frente. A impressão que se tinha era a de que eles estavam indo em direção ao interior daquela imensa e prateada esfera. Marcos ouviu um suspiro mais profundo e então notou que a psicóloga tinha adormecido. Ela dormia docemente usando seu ombro como travesseiro enquanto ele se sentia o homem mais feliz do mundo. E a aventura que se iniciou com um anjo no sonho, terminou com um anjo dormindo.

FIM

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