Zineria: Vocês poderiam falar um pouco sobre o surgimento de Nós, as poetas! como coletivo de mulheres poetas de rua? Nós, as poetas: No ano de 2016, quando comecei (Maria Mitsuko) a vender zines no centro do Rio de Janeiro, Shaina Marina já vendia poesias há alguns anos, e outras mulheres também já trabalhavam nas ruas com a venda de zines. Thaís Vieira estava no momento em que começamos a perceber juntas como o meio era machista. Éramos diminuídas por sermos mulheres e resumiam nosso interesse no meio a “nos aproximar dos poetas homens com fins amorosos”, o que é, no mínimo, absurdo. Com esse tipo de ataque, percebemos que quando nos uníamos para vender as zines juntas nos sentíamos mais seguras e podíamos trabalhar com maior tranquilidade. Marcamos de sair para vender poesia juntas, em julho de 2016. Nesse dia pensamos que seria muito bom se construíssemos um material periódico produzido por mulheres. No dia, lembramos do jornal Nós Mulheres, publicado pela Associação de Mulheres, no período de 1976 a 1978, que tinha um papel relevante para a expressão de mulheres sobre o pensamento feminista e a política por uma via independente e usava a criatividade para lidar com a 5
censura do período. Foi aí que pensamos em articular nossas vozes e fazer um “jornalzine” coletivo feito com poesias de várias mulheres. Assim, chegamos à ideia de fazer uma chamada para convidar mulheres interessadas em fazer parte dessa produção. No dia seguinte, publicamos uma chamada nas redes sociais, convidando a todas as interessadas a comparecerem, naquela mesma semana, ao que seria a segunda reunião de formulação do nosso coletivo. Nessa reunião foi decidido que o nome seria “Nós, as poetas”, depois de discutirmos a escolha da palavra “poetas” em detrimento de poetisas. Nessa reunião, mais mulheres estavam presentes, como Ara Nogueira, Carole Bê, Gabriela Luna, Isis Natureza, Jeane Bordignon, Thamires Selvática e outras. A partir de então, continuamos nossas chamadas, convidando mulheres para as reuniões semanais, e depois para o envio de poesias e artes gráficas que dialogassem com a temática “Mulher”. Para nossa surpresa, foram 23 envios que renderam nossa primeira zine. Desde então, nosso coletivo se mantém ativo, cada dia com mais pessoas e com maior estrutura para lidarmos com nossas lutas e expressões. 6
Zineria: Em 2020, Nós, as poetas! completa quatro anos de história — em um contexto em que uma avassaladora crise sanitária, política e econômica tem tomado as ruas do nosso país. Diante disso, gostaria de perguntar, por um lado, quais foram as principais surpresas, desafios e transformações que vocês atravessaram durante esses anos, entre os cinco fanzines editados, encontros, participações em saraus, eventos culturais, programas de rádio e outras atividades? E, por outro lado, como estão as mulheres poetas de rua, neste 2020 de “ruas vazias”? Nós, as poetas: Esses quatro anos foram de muita resiliência, dedicação e transformação por parte das integrantes do coletivo. No início das chamadas, são muitas mulheres que enviam materiais. Porém, nos momentos de finalização, muitas vezes as poetas precisam lidar com questões da vida prática e acabam priorizando outras demandas. Manter a constância de atuação nesses quatro anos dependeu também de algumas integrantes priorizarem as atividades do coletivo, continuando a se reunir mesmo nos momentos de baixa nas presenças, fizemos reuniões com duas ou três integrantes, valorizando inclusive a presença de quem pode escolher estar nos nossos espaços de troca e desenvolvimen7
to. Apesar desse desafio, nos mantivemos com reuniões periódicas, fazendo intervenções em saraus, vendendo zines nas ruas e em eventos, participando de entrevistas em rádio, nos inscrevendo em editais e chamadas diversas. Atualmente estamos bastante atarefadas e com uma quantidade bem maior de participantes ativas no coletivo, nos reunindo virtualmente, por conta da pandemia, buscando soluções para organização coletiva com afeto, diálogo e acolhimento. No final das contas, a condição remota possibilitou a aproximação de várias integrantes que estão morando em outros estados. Todas as edições fomentaram muitas discussões tanto sobre as temáticas, quanto sobre as questões que atravessavam cada integrante, então é difícil focar em só uma temática. Um dos desafios é a manutenção de nosso trabalho de maneira que ele seja valorizado e que as artistas ainda vivas sejam reconhecidas, fazendo com que nossas palavras cheguem às pessoas que se identificam com a causa para enfrentamento da realidade que nos oprime.
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Zineria: Como vocês denunciam em seus zines impressos, nas redes sociais e no site do coletivo, a cena artística e literária do Brasil atual reflete e reforça os padrões discriminatórios da nossa sociedade, de modo que “empunhar as canetas”, para muitas de nós, artistas e escritoras mulheres, configura uma verdadeira luta pela criação de espaços e por visibilidade (ou, nas palavras de vocês, por “respeito” e “reconhecimento”). Em vista disso, vocês poderiam comentar sobre a importância do feminismo (e suas interseções com as lutas antirracistas, anticapitalistas, e pela liberdade de gênero e sexualidade), para um coletivo que articula tantas vozes — de mulheres que possuem origens, corpos, sexualidades e contextos diversos? Nós, as poetas: Garota, falamos e escrevemos exatamente quais são nossas lutas em absolutamente todos os lugares por onde passamos.
É uma luta básica para que possamos construir o direito de sonhar com outras realidades, garantindo o reconhecimento das outras possibilidades de existência material que queremos e estamos construindo, nos apoiando concreta9
mente e valorizando nossos trabalhos com gestos que transformam nossas perspectivas no dia a dia, na prática. Dentro de um contexto de grupo independente em um sistema capitalista, com a participação de mulheres de origens, sexualidades, corpos e realidades sociais tão diversas, é importante que a gente consiga se ouvir e construir juntas meios para que nossas demandas sejam escutadas, acolhidas e sanadas. Se não abordamos o feminismo em combate a todas as formas de opressão que nos afetam, inclusive com espaços de formação internos para discutir conceitos como a interseccionalidade, como vamos romper com uma lógica alienante e que tem em sua origem o patriarcado, o racismo, o capitalismo e toda a cultura de ódio e morte que nos é imposta?
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Zineria: E qual é a importância da representatividade de mulheres lésbicas e bissexuais, para o coletivo Nós, as poetas? De maneira prática, de que formas essa representatividade está incluída naquela “luta” da qual vocês falam nos manifestos impressos nos fanzines de vocês — “para que a nossa escrita seja respeitada, seja nas ruas, academias, artigos científicos, editoras ou em qualquer forma de divulgação de nossas obras”? Nós, as poetas: É essencial. As integrantes do grupo se identificam em diferentes cores do arco-íris e possibilidades do espectro do que é ser mulher. Acolhemos nossa diversidade e estamos em luta pelo direito de sermos quem somos. Debatemos internamente caminhos para respeitar a identidade de gênero, levando em consideração o pronome com o qual cada integrante se identifica. Apesar disso, ainda estamos aprendendo a lidar com a língua portuguesa para fins de não reproduzir binarismos que não dão conta de transpor em palavras quem somos.
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Os textos das nossas chamadas para as edições temáticas, assim como nossas estratégias de divulgação, são constantemente revisados. Em busca de garantir nossa comunicação com relação a quem somos Nós, as poetas, e que estejamos em ambientes seguros para todas, com nossa escrita criativa, acadêmica, em participações, coproduções, publicações independentes, na venda de poesias na rua ou na internet, além de potencializarmos o lugar que construímos como um meio de divulgação de referências artísticas, grupos de convivência, apoio e amor entre pessoas lgbttqia+ e quantas identidades de gênero mais as pessoas possam vir a ter.
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Zineria: Em relação ao manifesto do coletivo: nos três zines de poesia a que tive acesso — Mulher (2016), Erótica (2018) e Em combate à violência de gênero (2020) —, percebi que o texto do manifesto foi pouco modificado ao longo dos anos. Porém, uma alteração em particular me chamou atenção: na última frase, quando é colocada a necessidade de se “desconstruir a lógica hegemônica patriarcal e machista” da sociedade, na vida diária, “contando com a ajuda de nossos companheiros também poetas e artistas independentes na divulgação e reflexão acerca dos papéis que desempenhamos enquanto seres sociais intimamente interessados em uma lógica de vida menos estigmatizadora, não mais pautada em dominação por gênero, raça e classe”— a palavra “raça” consta no manifesto que está impresso no fanzine de 2020, mas não aparece nos anteriores. Vocês poderiam comentar sobre os fatores que levaram o coletivo à alteração do texto do manifesto, nesse ponto específico?
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Nós, as poetas: Sejamos todos antirracistas! Quando fizemos a nossa primeira zine, estávamos em um estado de euforia muito grande. E, apesar de estarmos muito conscientes da força política desse material, foi só com o passar do tempo e a maturação dos nossos debates internos que começamos a perceber o quanto do que nós somos ainda estava subentendido e onde precisávamos mudar. O lance da revisão de nós mesmas foi e é uma constante entre as práticas do grupo e a luta antirracista deve ser uma prioridade para todas as pessoas. Fui eu mesma (Gabriela Luna) quem sugeri essa alteração. Com o passar dos anos, o debate de raça se tornou mais intenso, e só então percebemos o que hoje lemos como mais uma característica do racismo no Brasil, o apagamento. Muitas de nós nem sabiam que eram mulheres negras, mas gritaram “Negras! Negra! Negra! Negra!”, e nos perguntamos “Soy acaso negra?” — nos disseram “SÍ!”, como nos versos da maravilhosa poeta peruana Victoria Santa Cruz. Nos chamaram de negras por estarmos atravessadas nas nossas vivências pelas experiências do racismo, por sermos negras, indígenas, descendentes de diversos povos formando uma consciência mestiza, pensamento que Alzandúa nos fez o favor de organizar. 16
Se você perceber, nossa postura e palavras mudaram como um todo. Nós amadurecemos como pudemos, e nos olhamos de frente no espelho através dessas publicações que contam do processo de nossa organização. Zineria: Também me chamou atenção quando vocês destacam que o apoio dos “nossos companheiros também poetas e artistas independentes” seria um apoio bem-vindo; pois, pessoalmente, acredito que o diálogo e as possíveis alianças com pessoas de realidades diferentes tenha uma capacidade transformadora muito grande. Vocês poderiam comentar sobre a visão do coletivo sobre esse diálogo, essas alianças com os poetas e artistas independentes homens, que o manifesto de Nós, as poetas expressa? Nós, as poetas: Isso é uma questão, menina, vez por outra voltamos a debater esse assunto. Nos referimos à nossa rede de parceiros profissionais e também aos nossos pais, irmãos, amigos e companheiros de vida. Homens trans e homens cis nos ajudam em diversos momentos da caminhada. Também acreditamos no diálogo e que as possíveis alianças com pessoas de realidades diferentes tenham uma capacidade transformadora, sempre levando o debate sobre a importância da 17
desconstrução das opressões que denunciamos, em todos os espaços de construção possíveis. Saudar os homens que estão conosco nas trincheiras fortalece nossos laços, saúda e agradece a quem esteve do nosso lado em gerações passadas e reafirma o fato de estarmos nos misturando para construir uma sociedade mais justa para as próximas gerações.
Zineria: Vocês poderiam comentar sobre a importância do zine impresso para o coletivo Nós, as poetas! (em particular), e para as mulheres artistas independentes (de modo geral)? Nós, as poetas: As zines nos conectam! Nos reconhecemos como pares através dos encontros nas ruas quando estávamos vendendo ou expondo zines. As zines impressas são o nosso fundamento, além de ser uma forma de sustento para diversas integrantes. Além disso, e talvez até mais importante, o material impresso possibilita a intervenção no dia a dia com pessoas que não necessariamente parariam para ler poesia ou outro material artístico independente se fosse online, mas andando na rua, dentro de transportes coletivos, em filas, bares, enfim, lugares onde a consciência vagueia, temos a oportunidade de fazer a pergunta que, se não todas, a 18
maioria das pessoas que passam pelo centro do Rio de Janeiro já ouviu: “Você gosta de poesia?” A zine impressa se embrenha no meio da vida corrida, a digital nos expande as possibilidades, mas cada forma de publicação tem sua importância e lugar na nossa atuação. A cultura zine é importante porque nos dá autonomia para publicarmos o que quisermos, sem censuras e sem a dependência de grandes editoras e espaços mais elitizados. E nos permite ser, expressar, conectar e nos manter. A inclusão digital e a disseminação das possibilidades contemporâneas de publicação independente são tão importantes quanto pegar o papel na mão e folhear uma zine. Maneiro mesmo seria conseguirmos juntar mimeógrafo e laser! No final das contas, tudo é sobre disseminar as possibilidades de se expressar de maneira independente vozes historicamente silenciadas, e sermos quem somos. Pelos caminhos que trilhamos e com as máquinas que tivermos, mesmo que as máquinas sejam nossos corpos em movimento no mundo, com nossas zines impressas, em tablets ou seja onde for.
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Zineria: De certa maneira, a veiculação de narrativas historicamente invisibilizadas, como as de poetas e artistas mulheres, pode ter se tornado um pouco mais “fácil” com as redes sociais (embora haja controvérsias a esse respeito). Na opinião de vocês, por que continuamos imprimindo fanzines na “era digital”? Nós, as poetas: O material impresso é uma forma de chegar no trabalhador que caminha pelas calçadas, pega transporte público, na mulher que trabalha no centro e mora na Baixada, é uma forma de acessar as pessoas a partir dos movimentos na cidade. Zine é um movimento cultural, vai para além da materialidade do impresso, técnicas de impressão ou das mãos através das quais circula, até mesmo por ser composto de tudo isso. Nós somos poetas de rua, entendemos as zines como fonte de renda. A concretude de nossas existências, em nossos primeiros anos, fez com que nossas atividades fossem todas vividas no contexto da rua e em relações criadas nos encontros e esbarrões. Nosso coletivo talvez tenha focado pouco nas mídias sociais nos primeiros anos por isso. Além de nem 20
todo mundo ter acesso à internet, nossas intervenções, com as quais hoje estamos buscando o nosso ritmo no algoritmo, transbordam experiências sensoriais que conseguimos acessar hoje somente através desses pacotes de dados de grandes corporações, os quais não podemos naturalizar.
Nossas ações são nas ruas e agora estamos vendo o que tem de nós e como melhor podemos viver no contexto da cultura digital, próprio do nosso tempo, mas sem deixar de dialogar com o mundo que acontece fora das redes digitais, através da tecnologia do encontro, dos olhos nos olhos. Além disso, valorizamos comprar as coisas de quem faz, e ter consigo zines de pessoas queridas, naquela zineteca em caixa de sapato, traz o aconchego e a sensação de estarmos inseridas e protegidas por essa rede de publicações independentes que vemos crescer a cada dia, em diferentes formatos.
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Zineria: Ao enviar para a Zineria o primeiro fanzine do coletivo Nós, as poetas, “Mulher” (2016), a Gabriela Luna fez uma descrição detalhada do processo da criação de fanzines do coletivo. Pelo que percebi, trata-se de uma construção realmente coletiva, em todos os aspectos: da escolha do tema à elaboração do material, da divulgação à circulação dos impressos, e por aí vai. Quanto ao valor arrecadado com as vendas dos fanzines no site de vocês, ele é destinado à manutenção das atividades do coletivo — compra de materiais para a feitura dos zines, custos das impressões, etc, “priorizando e valorizando a mão de obra das mulheres”, e os “eventuais excedentes são divididos em partes iguais entre as integrantes contribuintes do coletivo” (como consta no site: www.nosaspoetas.com/terms-conditions). Então, a pergunta: para vocês, qual é a importância de todo esse trabalho que o coletivo tem feito, para realizar uma construção realmente coletiva? É algo que vale o esforço? 22
Nós, as poetas: Ver nossos materiais prontos sempre foi algo que nos impulsionou. Lembro que fizemos a primeira edição porque já queríamos a segunda. Essa sensação de estar construindo algo que vai além de nós contribui para nos sentirmos menos sozinhas, criando uma relação de pertencimento, muito através dos nossos exercícios de escuta ativa, alinhavamos nossos afetos com muita cola e papel picado. Estar em contato construindo algo junto nos permite acessar, ressignificar e enfrentar traumas e dores cotidianas em um ambiente seguro. Ter essa rede de apoio para desabafar tristezas e realizar sonhos também cria a argamassa do afeto que nos conecta. Coletivamente, aumentamos nosso alcance para dentro e para fora, impulsionando umas às outras. Já vale o esforço por estarmos discutindo isso! Em outros tempos, mulheres também se organizaram como puderam, e nos inspiram a agir hoje para contribuir com a luta pelo nosso direito de existir, de nos expressar e de sermos ouvidas. Se esperamos relações que não sejam pautadas por opressão para as próximas gerações, precisamos nos articular agora. E o caminho é pensar coletivo, viver coletivo, nos entendemos como a consciência coletiva de mulheres alinhadas para lutar.
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Zineria: Muita gente que circula pelos meios zineiros usa nomes diferentes para se referir aos “fanzines”; no caso de vocês, as palavras “zine” e também “jornalzine” costumam ser utilizadas. Há algum motivo em especial para usarem este último termo, “jornalzine”? Nós, as poetas: Nós chamamos de “jornalzine” por entendermos o que produzimos como um material poético e informativo. Essa é a nossa ideia desde o princípio e a conotação com a qual nos identificamos é a de algo feito por amor ao desenvolvimento do trabalho, amor por nós mesmas, para colocarmos nossa energia num projeto coletivo, pelo desenvolvimento de cada integrante e pelo trabalho pronto em si, pronto para distribuir. Ao longo das edições, estamos construindo formas de materializar essa ideia. Com relação às formas como são chamadas as publicações independentes, aqui no Brasil chamamos de várias maneiras, adoro isso! Mas em outros lugares do mundo é comum as pessoas entenderem como “zine” apenas publicações autorais, e fanzine como um material que trata dos assuntos específicos de interesse de um grupo. 24
Entendemos que zines têm “a liberdade para abordar diversos assuntos, inclusive divulgar trabalhos inéditos e autorais” (Márcio Sno, 2015), e fanzines como aquelas publicações criadas por fãs de ficção científica, música e integrantes do movimento punk “aficionados falando sobre assuntos de sua predileção” (outra do Márcio, também em O universo paralelo dos zines, lançado em 2015). Zineria: Além das três edições do “jornalzine literário” Nós, as poetas!, vocês também imprimiram materiais temáticos sobre saúde pública. Ao mesmo tempo, o zine literário “Em combate à violência de gênero”, lançado pelo coletivo em 2020, traz muitas informações sobre questões sociais, de segurança e saúde das mulheres no Brasil, entrelaçadas às expressões artísticas e poéticas das diversas autoras. Em nada menos do que 60 páginas, este último zine veicula discursos e saberes que, geralmente, ficam de fora das mídias e das ciências hegemônicas, de uma forma transbordada de arte, literatura, poesia… Em vista disso, gostaria de perguntar o seguinte: do ponto de vista de um coletivo feminista de poetas de rua, como vocês veem essa junção entre arte, conhecimento, saúde e sociedade, perceptível nos zines de seu coletivo? 25
Nós, as poetas: Arte e ciência tem tudo a ver! Nós nos entendemos como agentes do conhecimento lutando em prol do reconhecimento da intelectualidade feminina e dos saberes das rezadeiras, parteiras e demais especialistas da cultura ancestral associada ao feminino. Entendendo a expressão de si, o direito de escrever e compartilhar nossas visões de mundo, como uma questão de saúde pública, lutamos em defesa desse direito através de nossas atividades. Em colaboração com o Sistema Único de Saúde e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na FIOCRUZ, publicamos materiais poéticos que transmutam a poesia como saúde pública, entendendo também que a arte é uma forma de expressão dos determinantes sociais que afetam os indivíduos. Por exemplo, nas poesias de Carolina Maria de Jesus podemos ver nuances do ódio de raça e classe que precisam ser ressaltadas para que as coisas não continuem como estão. Assim como a expressão de cada artista no coletivo também vai trazer elementos sobre sua realidade interseccionada pelos sistemas de opressão e que precisam ser vistas não apenas por um viés de 26
cuidado e acolhimento, mas também de denúncia e protesto frente a essa realidade que se expõe em estatísticas. As estatísticas e dados que apresentamos não são apenas números, são mulheres que sentem e isso precisa ficar explícito para quem nos lê. Gerar esse incômodo também é importante para que mudanças sejam propostas. Zineria: Para terminarmos, além de agradecer muito pelas respostas de vocês, gostaria de perguntar como o coletivo Nós, as poetas! tem pensado e planejado o futuro. Neste momento de tanta incerteza e de “ruas vazias”, quais são os planos de atuação de vocês? Nós, as poetas: Nós, as poetas que agradecemos! Foi muito bom responder a essas perguntas, nos trouxe reflexões importantes sobre a nossa própria trajetória. Nosso plano é não morrer antes de morrer! Já falamos aqui da tecnologia do afeto e agora reforçamos o lugar da internet das coisas e das pessoas. Temos construído o futuro agindo no presente, nossos planos são de ocuparmos o maior número de espaços seguros possíveis. Estamos planejando o envio da nossa terceira edição para a casa 27
das pessoas, de maneira mais segura possível para todas as pessoas envolvidas nas trocas. Ampliamos nossa preocupação com gestão de redes sociais para que possamos dialogar com as pessoas, linkando o debate travado internamente nesses tempos de pandemia e desde a criação do coletivo com o mundo que está ao nosso redor. Além do envio de nossos materiais pelos correios e trabalho de comunicação digital, articulando ações com outros grupos e instituições que se mostram alinhadas com nossos propósitos e linguagens. A Zineria é um exemplo de iniciativa que conhecemos nesse tempo de pandemia e já está se mostrando prolífera e fundamental na nossa luta coletiva! Já estamos com a próxima edição temática em processo de debate interno, mas pra agora, queremos fazer com que a nossa terceira edição temática chegue até as pessoas em segurança e ajude mulheres que sofrem com a violência de gênero, estamos mobilizadas por isso! ***
Entrevista respondida em outubro de 2020 por integrantes do coletivo Nós, as poetas! à Zineria — projeto que visa reunir e movimentar vozes de zineiras, artistas e ativistas lésbicas ou bissexuais brasileiras (mulheres cis ou pessoas transgêneres), em uma zineteca digital. Links: zineriafeminista.wordpress.com
www.nosaspoetas.com 28