NÚMERO 16 - APERIÓDICO - 2013
REBOCO CAÍDO
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Editorial Neste número estou dando maior espaço para as entrevistas que fiz com os guerreiros do submundo nestes últimos tempos. São entrevistas com opiniões diversas, sobre vários assuntos, mas que tem em comum a luta pela criação e pela livre expressão. Temos também mais um texto do grande Panda Reis, que anteriormente havia falado sobre o racismo no Brasil e agora o observa na Europa. Panda fala sobre a situação em Amiens, onde muitos imigrantes africanos tem seus direitos negados, citando inclusive revoltas e casos passados na região. Abrimos também espaço para a Poesia Palestina de Combate, tipo de poesia que vem sendo utilizada pela população massacrada. A capa é de Ana Clara, a Hera. E vai mudando de página aí que têm mais coisas.
Contatos com o Reboco: fsb1975@yahoo.com.br www.slideshare.net/ARITANA www.twitter.com/RebocoCaido www.facebook.com/RebocoCaido
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Escritos Malditos de uma Realidade Insana busca registrar de forma direta, sem deixar de viajar por caminhos poéticos e até delirantes, o cotidiano de uma sociedade injusta, desigual e opressiva, onde a realidade muitas vezes se dilui no inusitado de uma neurose social compulsiva. Nestas páginas, os marginalizados passam em desfiles solitários e fantasmagóricos, transbordando por todo lado, mostrando que são, na verdade, partes de um todo, partes da grande maioria. A margem toma seu lugar no centro e a escuridão se torna a luz necessária para apreciarmos pontos evitados por muitos. Para garantir o seu e conher essa obra é só entrar em contato com www. lamparinaluminosa.com
Virar um personagem de quadrinhos, com roteiros baseados em sua vida e tudo isso feito por um grande amigo, que faz um trampo do caralho.... Puta que o pariu... É muito legal. Para acompanhar essas hqs que o Eduardo Marinho está escreveno e desenhando, é só entrar em contato com pelo e-mail arteutil.em@gmail.com e pedir o novo exemplar do zine Pençá. Além das minhas aventuras, ainda tem muito mais. (FSB)
#16 Casa triste Por MonoTeLha
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Apenas uma casa triste não podem entrar os vizinhos aos filhos não é permitido brincar O silêncio de funeral é forte somente quebrado nas brigas apenas uma casa triste Os móveis são como pedras de gelo todos os quadros feitos de ar frio não há sorrisos na casa triste A casa é uma casca de machucado uma ferida não cicatrizada mal cuidada um espaço para se esconder da alegria Apenas uma casa triste localizada na rua da depressão bairro da desunião número zero Ar-te? Por Renata Guadagnin Personagens arteiros dessa construção continua, noturna e linda de constelações onde vejo olhos e interpretações dando vida a pedaços de madeira de barro ou papel corpo expressão de uma emoção conjugada com uma razão demonstrada em alguma forma do ser esperança e ação nas mãos calejadas de tanto construir sonhos sem desistir
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Seu Manel - uma homenagem ao próprio Por Alexandre Mendes Já bem de noitinha subiu a ladeira passou pela vala ponte de madeira paredes de tábua e arame farpado cachorros latindo olhar cabisbaixo moleques de toca lhe avistam do beco pra alguns alegria pr’outros desespero abaixam a mira prossegue tranquilo lhe chamam coroa mais velho antigo lá é o terror ou então paraíso a pólvora manda obedece o juízo lá falta concreto esgoto e dente emboço lajota prossegue contente Tiana lhe espera caixote o portão na boca estalinho kisuco e macarrão se deitam alegres pois já é domingo de folga escala três horas o Bingo Na internet: - ww.fanzinotecamutacao.blogspot.com.br - www.fanzinoteca.net - www.fanzinoteca.it - www.fanzinada.com.br - zineestridente.blogspot.com.br - www.feiramodernazine.com - www.fotolog.com.br/aviso_final
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Faça você mesmo Por Fabio da Silva Barbosa “Faça você mesmo” é a essência de movimentos e de iniciativas autônomas que visam criar e produzir sem ficar esperando alguma forma de ajuda ou apoio externo. É a força de se fazer com o que se tem. Coisa para quem tem atitude e não quer naufragar em conformismos e comodismos alienantes. Jeison Placinsch, completamente imbuído deste espírito, vai contar um pouco sobre suas atividades. Organização de eventos, produção de zines... Enfim... Você sempre está envolvido em alguma iniciativa que vise propagar a cultura independente. Como é se dedicar a algo que na maioria das vezes não inclui retorno financeiro ou apoio público e privado? Já tem tanto tempo que estou envolvido com esse tipo de coisa que acho que nem sei viver de outro jeito. Quando eu descobri o punk, com uns 13 anos, e depois montei minha primeira banda, com 15, vi que podia fazer algo por mim mesmo. Comecei a organizar shows, montar cartazes, escrever, tocar e não parei mais. Em várias épocas desisti de algumas coisas por falta de grana, de apoio ou de saco mesmo, mas continuava fazendo outras. E a cena? Pelo menos vem algum apoio da cena independente? O pessoal comparece, colabora? Como andam as coisas no mundo underground? Às vezes sim, às vezes não. Quem é envolvido na organização do esquema sabe muito bem que as pessoas falam muito mais do que realmente fazem. Tem muita gente com quem contar quando se quer fazer um show, lançar um zine... mas, ao mesmo tempo, nesse nosso anti-mundo, têm muitos que usam o termo underground/alternativo, mas são iguaizinhos (ou piores) do que quem eles dizem lutar contra. Desde sempre os eventos são muito variáveis. Tem shows que enchem de amigos e de desconhecidos e outros em que estão só as bandas. De 2012 pra cá têm acontecido bastante coisa aqui em Porto Alegre. Bares fecharam, outros espaços abriram e tem uma galera fazendo coisas de novo. Não sei até quando dura, mas tudo que tem sido feito até então tá muito bom. Agora falando sobre a “Coisa Edições”. Como funciona e como o pessoal faz para participar? Existem critérios para a publicação de material? Acho que foi em 2003 que comecei um selo pra lançar as demos das bandas dos amigos, o “Muito Além”. Antes eu tinha outros projetos, mas usava só na minha antiga banda. Essa época foi bem produtiva. Ainda morava em Sapucaia e fiz muito show por lá. Durou um tempo, mas, aos poucos, “a cena” foi morrendo. Em 2011 comecei com o zine “Café Sem Açúcar”, que hoje já está na 21ª edição. Comecei a escrever outras coisas além dele e surgiu a ideia de fazer um pequeno selo/editora-independente/seiládoquechamar. Primeiro, pra lançar essas minhas coisas e depois pensei em ampliar. Conheço gente que tem muita coisa legal escrita, mas que não usa isso para nada. A partir disso, fomos conversando, vendo como editar, como lançar. Hoje já estamos em nosso 5º lançamento e com outros três projetos sendo editados. Algumas pessoas nós procuramos, outras vêm nos procurar. Tem dado certo. Tem muito mais gente com vontade de participar disso do que nós imaginamos. Seja lendo, escrevendo ou querendo saber como funciona.
#16 Qual a maior importância de inciativas como essas? O melhor disso é que, com esse empurrão, as pessoas veem que podem fazer alguma coisa sem depender de ninguém. Todo mundo pode fazer o que bem entender se quiser. Não adianta ficar reclamando que só trabalha, que não tem dinheiro, que blábláblá. É bom demais poder ter algo pra chamar de teu. Saber que desde o começo tu que produziu. Dá muito trabalho, mas vale a pena. Ao menos para mim. Sempre fui de querer fazer do meu jeito. Se não for com amigos, ou com umas poucas pessoas que têm ideias parecidas, não adianta. E é por isso que prefiro não participar de grupos, de coletivos e menos ainda me considerar “da cena”. Quando tem muito discurso envolvido, não me serve.
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Dischaos Por Fabio da Silva Barbosa Para a galera que curte um som crust punk, essa é a banda. Bati um papo com Gustavo Merdinha e Duka para saber mais sobre o som. A estrada: A Dischaos iniciou suas atividades em novembro de 2006. De princípio era Duka vocal/Guitarra, Lixüü - baixo e passaram diversos bateristas dentro desse período. Enfrentamos muitas dificuldades financeiras, os nossos instrumentos eram ruins e não havia baterista fixo. Estes problemas fizeram com que a banda ficasse estagnada durante meses. As coisas começaram a melhorar um ano depois, com a entrada do Äle assumindo os vocais e posteriormente, no inicio de 2008, com a entrada do Thomäs (Nuclear Fröst) assumindo a bateria. Nesse mesmo ano aumentamos nosso repertório, começamos a ensaiar com mais frequência e começamos a nos apresentar em gigs no estado de SP e em outros estados do Brasil. No final de 2008 gravamos nosso primeiro material, foi lançado em 2009 como um split (Dischaos/Plevok), na Ucrânia - Iremos lançar esse material aqui no Brasil, em k7, dentro de alguns meses. Em 2011 lançamos o “D-beat holocaust Cd”. De 2009 ao inicio de 2011 a banda se manteve parada, pois o Thomäs teve que deixar a banda no final de 2008. Nos encontramos na antiga dificuldade de encontrar um baterista. Posteriormente o Äle deixa a banda também. Em junho de 2011 entrou o Huëvo na batera e o Gustavo (Merdinha) nos vocais. Nesse mesmo ano nos apresentamos em diversos lugares. Essa formação segue até hoje e o primeiro trabalho realizado com ela foi o vídeo Escravos do Consumo, lançado em dezembro de 2012, demonstrando uma sonoridade mais agressiva
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e pesada do que na formação anterior. Com as mudanças na formação, o que mais mudou e o que permaneceu? Na troca de formação notamos que nossa sonoridade está mais agressiva, o som está mais grave em relação a formação anterior. O que permanece é nossa garra e força de vontade de vencer todos os obstáculos que encontramos desde o primeiro ensaio até problemas que ocorrem na nossa situação atual. Sempre procuramos refletir em coletivo quais as atitudes a tomar em relação a muitas coisas que venham ocorrer e através do consenso chegamos as conclusões. Mantemos também o nosso amor pela cultura punk. Muitos integrantes participaram de coletivos punx/anarquistas e mantemos contato/atividades com diversos núcleos. Para uma banda que fala sobre o caos social vigente, não deve ser difícil encontrar assunto. Como se dá esse processo de passar a insatisfação para o som? Realmente não falta assunto quando se trata de caos social. Hehehe... Vivemos em um país que as taxas de impostos são umas das mais exorbitantes do planeta, o índice de corrupção é alarmante, a educação pública é defasada e o desemprego vem crescendo de uma forma assustadora. Relatamos todos os problemas que estão ao nosso redor de uma forma bastante abrangente. Problemas como consumo, conflitos religiosos, o ser humano em meio ao “mundo avançado” e o seu vazio interior, seus problemas psicológicos por viver no mundo contemporâneo. Mas não nos limitamos em expor apenas nossa realidade local. Relatamos problemas presentes no mundo... Mudam governos, saem os chamados de direita e entram os que se dizem de esquer-
REBOCO CAÍDO #16 da, oposição vira situação e situação vira oposição, mas quem tem dinheiro continua desfrutando de privilégios enquanto a maioria é massacrada. O por quê? Tem solução? Merdinha: Eu não vejo grandes soluções. Acredito que podemos nos auto organizar e praticar a liberdade em nossas vivências cotidianas. Em minha opinião, enquanto houver autoridade, existirá abuso de autoridade. Duka: Independente do governo que assumir, seja ele de direita ou de “esquerda”, a situação irá se manter a mesma, pois qualquer forma de governo é uma forma de manutenção do capital, de defender as leis opressoras e defender a propriedade privada. A única forma de gerar mudanças seria uma organização de trabalhadores, todos organizados em seus locais de trabalho, centros sociais para educar a classe operária, para desenvolver um conteúdo político e educar uma nova sociedade. Uma sociedade em que todos trabalhem o necessário para suprir suas necessidades locais, sem leis e sem governos, consolidada pelo livre acordo e por apoio mútuo entre as associações de trabalhadores seria uma boa opção.
O ser humano ainda demonstra sua face mais cruel durante as guerras. O porque de tanta maldade, ganância e egoísmo? O poder tem capacidade de alienar totalmente um indivíduo ao ponto de corromper seu caráter. O sentimento patriótico e as fronteiras estimulam o ódio de uma nação por outra. Somando com fatores econômicos e por interesses de dominação de uma nação sobre outra, os soldados são treinados para destruir a nação inimiga o quanto for necessário. Não importa se terá que matar idosos e crianças, o que importa é manter sua ‘honra’, seu lucro e defender sua nação. A trajetória do ser humano no decorrer do tempo é manchada de sangue, sempre em busca de poder.
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#16 Pag 6 Passe os contatos, grite, berre, fale o que quiser. Esse espaço é seu: Agradecemos imensamente o espaço cedido neste zine e desejamos tudo de melhor ao seu trabalho! Estamos gravando um material novo e os selos que se interessarem em fazer parte do lançamento ou ajudar de alguma forma, entrem em contato! Para quem deseja ter uma banda, realmente não é fácil iniciar algo do zero. Exige seriedade, comprometimento e força de vontade para superar obstáculos e batalhar pelo seu trabalho! O mais importante é não se manter parado! Seja tocando em uma banda, editando um fanzine, organizando eventos, fazendo parte de algum coletivo, vendendo comida vegana (assim difundindo a proposta de libertação animal)... mantenha-se punk, ativo e “livre” ; ) www.myspace.com/dischaos/gupunk00@hotmail.com/www.facebook.com/dischaoscrust
A Europa racista continua racista Por Panda Reis – panda.drums@yahoo.com.br que enfrentaram a polícia com pedras nas O distrito de Amiens Norte, que fica na perifemãos , incendiando automóveis e ferindo ria da cidade Francesa com o mesmo nome 16 agentes, na tendenciosa pretensão de (Amiens), sempre recebeu uma grande quantransformar uma reação a anos de segregatidade de imigrantes, principalmente das ção racial, em um pseudo “radicalismo juvesuas antigas colônias de exploração, africanil” ou simples “atos de vandalismo”. Mas nas, que foram se amontoando ao longo dos o que a imprensa burguesa e pro Europa anos nesse bairro. Hoje a cidade registra uma imperialista (Não, o termo não está ultrapastaxa de desemprego de 45%, da qual dois sado. O antigo imperialismo de corpos agoterços é de jovens, em uma cidade de cerca ra é de mentes, ideologicamente mais cruel. de 16 mil habitantes, todos filhos de imigranAgora ele prende o jovem ao xenofobismo) tes africanos. Graças a brutal política de exnão cita é uma violência ainda maior imposclusão usada pelos governos europeus, tenta pelo racismo e agora potencializada e ledo em vista que em todos os países do bloco vada a extremos com a Troika, que exige podemos ver a dificuldade que imigrantes e ainda mais cortes sociais e os cruéis e injusfilhos de imigrantes vem sofrendo com a tos planos de austeridade. É a violência e Xenofobia disfarçada de leis de imigração, a repressão do Estado sendo levadas a eisso vem se tornando ainda mais cruel, em normes dimensões, oprimindo ainda mais um contexto onde a crise econômica mundial as classes pobres. E nesse caso Francês, colabora para medidas de austeridade, encapartindo para uma análise mais cuidadosa, beçada pelo “novo dono” da Europa, a seguiu-se o capitalismo ás custas da feroz Troika. Claro que, assim como já aconteceu exploração dos trabalhadores dos países com outros povos, as minorias acabam lepobres, exploração das periferias do vando a culpa. Mas, nesse caso, temos um sistema, seguem com a exploração dos agravante: O caso de Amiens é mais que xetrabalhadores imigrantes no próprio nofobia, pois se acrescenta o racismo. continente. Percebemos o crescimento Alguns meios de comunicação colocaram o econômico dos “Lideres Capitalistas”, os caso como um simples fato de violência urbaEuropeus que partiram o mundo. na, não atentando, ou agindo de má fé, para “Globalizaram o Imperialismo”. A o que realmente está por trás do ocorrido na xenofobia, a discriminação e o racismo são madrugada de 13 pra 14 de agosto. A imprenideologias usadas há anos pela burguesia sa “branca” falou de atos violentos de jovens e pelo imperialismo, aumentando, ou
#16 tentando aumentar, assim suas taxas de lucro. Para não perderem os Bancos e seus Euros, exploram o povo para proteger a burguesia, verdadeira dona do Capitalismo. É notório que o maior ataque é sobre imigrantes árabes e africanos. Então o que aconteceu em Amiens não foi apenas reação a repressão policial no funeral de Mohamed, de 18 anos , filho de malienses. As desavenças são muito mais sérias. A Europa continua racista e, eu diria ainda mais, ela se torna cada vez mais racista e xenofóbica. REBOCO CAÍDO
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Poesia Palestina de Combate Desafio Por Mahmud Darwich Atem-me proibam-me os livros os cigarros obstruam minha boca com areia a poesia é sangue a água dos olhos se imprime com as unhas as órbitas as adagas Clamarei seu nome no cárcere no banho na pedreira sob o látego a violência das correntes Um milhão de pássaros sobre os ramos de meu coração inventam o hino combatente Bilhete de identidade Por Mahmud Darwich
Toma nota! Sou árabe O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil Número de filhos: oito E o nono… chegará depois do verão! Será que ficas irritado? Toma nota! Sou árabe Trabalho numa pedreira com os meus com-
panheiros de fadiga E tenho oito filhos O seu pedaço de pão As suas roupas, os seus cadernos Arranco-os dos rochedos… E não venho mendigar à tua porta Nem me encolho no átrio do teu palácio. Será que ficas irritado? Toma nota! Sou árabe Sou o meu nome próprio – sem apelido Infinitamente paciente num país onde todos Vivem sobre as brasas da raiva. As minhas raízes… Foram lançadas antes do nascimento do tempo Antes da efusão do que é duradouro Antes do cipreste e da oliveira Antes da eclosão da erva O meu pai… é de uma família de lavradores Nada tem a ver com as pessoas notáveis O meu avô era camponês – um ser Sem valor – nem ascendência. A minha casa, uma cabana de guarda Feita de troncos e ramos Eis o que eu sou – Agrada-te? Sou o meu nome próprio – sem apelido! Toma nota! Sou árabe Os meus cabelos… da cor do carvão Os meus olhos… da cor do café Sinais particulares:
REBOCO CAÍDO #16 Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado E a palma da minha mão é dura como uma pedra … esfola quem a aperta A minha morada: Sou de uma aldeia isolada… Onde as ruas já não têm nomes E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira. Será que ficas irritado?
Toma nota! Sou árabe Tu saqueaste as vinhas dos meus pais E a terra que eu cultivava Eu e os meus filhos Levaste-nos tudo excepto Estas rochas Para a sobrevivência dos meus netos Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas … ao que dizem! … Então Toma nota! Ao alto da primeira página Eu não odeio os homens E não ataco ninguém mas Se tiver fome Comerei a carne de quem violou os meus direitos Cuidado! Cuidado Com a minha fome e com a minha raiva!
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Jéssica e o Estridente
Por Fabio da Silva Barbosa Jéssica B. Valeriano é a responsável pelo Estridente - zine feminista e underground. Os temas são abordados com muita criatividade e uma estética focada no recorte e colagem. Altamente recomendável. O email de contato é valeriano_barcelos@ yahoo.com.br O nascimento do Estridente: O Estridente começou como uma brincadeira de colagens engraçadas, mas com um contexto político de tirar sarro do opressor com uma linguagem simples e direta. Ele nasceu no mês de agosto de 2012, quando achei umas revistas velhas em casa. Eram da minha mãe e falavam sobre dietas e “ficar bonita” num padrão de beleza ridiculamente imposto pela sociedade. Foi então que resolvi fazer uns recortes, fiz várias folhas, e comecei a pensar em reaproveitá-los para publicar em algum lugar. Como não havia nenhum lugar para publicar de forma física, comecei a produzir um zine para mostrar estas colagens para as pessoas, além de colocar alguns textos bem pequenos sobre coisas que acontecem no mundo, coisas que me incomodam, ou que poderiam informar sobre o que acredito, dicas de bandas femininas e dividir também algumas dicas de filmes e livros. Outros zines e projetos:
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Tenho outro projeto chamado “Vá, Gina!”. Ele é bem menor que o Estridente e ilustrado com desenhos feitos a mão. Tem alguns pequenos textos e costumo fazer com papel colorido. Feminismo (O contrário de machismo ou uma luta real e autêntica por um mundo melhor?): Sempre fui simpatizante do feminismo, mas foi só de três anos para cá que o feminismo fez diferença na minha vida, quando realmente percebi que ainda carregava muitos preconceitos. Uma coisa comum, pois vivemos numa sociedade completamente machista. Muitas pessoas acreditam que feminismo é o contrario do machismo. A grande diferença é que o machismo (pelo menos no Brasil) está presente em nosso cotidiano e nossa cultura, nas raízes da formação de nossa sociedade. Os homens brancos sempre puderam ocupar cargos de liderança e poder, sempre puderam votar, trabalhar, estudar, ter liberdade sexual, direito de ir e vir e fazer tudo isso sem ser abusado com assédio sexual. Não existiu opressão neste sentido. A opressão que existia (e ainda existe) entre os homens era pela classe social e/ou pela cor, mas não por seu sexo. Mesmo alguns homens que eram oprimidos, abusavam de suas mulheres dentro de casa. Homens brancos, heterossexuais e cis de uma camada socioeconômica alta ou média, na história da nossa sociedade, nunca precisaram lutar por direitos básicos. O machismo matou e continua matando 10 mulheres por dia no Brasil e em 80% dos casos são os parceiros destas mulheres que matam. Uma em cada cinco mulheres já sofreu violência por parte de um homem. A cada 5 minutos uma mulher é espancada no Brasil. Tudo
REBOCO CAÍDO #16 isso acontece pela cultura que ainda é machista. Quando foi que uma mulher que se declara feminista matou um homem motivada por feminismo? A gente fica sabendo de mulheres que matam homens, mas estas não foram motivadas por feminismo. Aliás, ser mulher não impede ninguém de cometer erros e atrocidades, mas assassinato motivado por feminismo eu nunca vi! Muito pelo contrário, o movimento feminista também beneficia indiretamente os homens com algumas causas que defendemos, como o aumento da licença paternidade, o fim do serviço militar obrigatório para os homens e para que os homens aprendam a cuidar melhor de sua saúde, pois homens morrem todos os dias por descuido com a saúde, pela falsa ideia de homem viril, forte, que não pode ser em nenhum momento fraco, e cá entre nós, isso é bem machista e autodestrutivo para os próprios homens (um exemplo: exames de próstata). Lutar pela dignidade humana de uma mulher nunca foi nem será opressão contra os homens e é por isso que feminismo não é o contrário de machismo. Algumas pessoas acreditam que hoje o movimento é sexista e contraditório devido a alguns movimentos que vem se declarando neofeministas (coisa inventada, não existe isso) e pelo tal sextremismo (até hoje não entendi o que significa). As duas palavras foram inventadas por um movimento que não é bem visto no Brasil (e nem por mim) Femen BraZil (sim, com Z).
Ação direta: Falando da ação direta no feminismo: Estou tentando formar um coletivo feminista em Uberaba com algum@s amig@s que se identificam com a causa. Sempre que vejo alguém que também pense como eu, convido para participar de um grupinho de pessoas que faz intervenções com cartazes colados pela cidade, com mensagens contra a violência
#16 com a mulher, contra a cultura de estupro, contra este cruel padrão de beleza e que visa principalmente fazer as pessoas pensarem sobre como estão agindo em suas vidas. Já participei de algumas conferências de políticas públicas paras as mulheres (nível municipal e estadual), votando e dando sugestões para melhorar as políticas publicas que me atingem e que atingem todas as mulheres. Tentei fundar junto com outras pessoas a UBM – União Brasileira de Mulheres em Uberaba, mas fracassamos. Eu era a mais jovem no grupo, a maioria d@s membros tinham mais de 40 anos e trabalhavam diretamente na área da educação. Falando da ação direta no zine: No zine falo muito, muito mesmo, sobre feminismo. Não falo de forma agressiva, mas de forma engraçada e tranquila, para que os homens também possam entender alguns contextos na nossa vida em que eles, sem perceber, acabam nos oprimindo. Mas o zine não trata só do feminismo, fala da questão indígena, da desigualdade racial em nosso país, de um racismo velado por muita hipocrisia. Já fiz alguns varais com o zine Estridente REBOCO CAÍDO
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em pequenos festivais de hardcore e punk na minha cidade (Uberaba-MG) pra galera conhecer os meus projetos. Para o mundo: Espero que meu zine, minhas ações, meu ativismo, mesmo que AINDA pequeno, possa contribuir de alguma forma para trazer uma nova visão sobre o mundo e as relações sociais existentes. Hoje sou professora de sociologia e procuro trazer para meus/minhas alun@s a desnaturalização dos preconceitos enraizados em nosso cotidiano. Estimulo eles a desmistificar suas certezas sobre outros grupos sociais para que o preconceito diminua e as relações melhorem. Mostro os problemas reais do nosso mundo para que possam ao menos entender e tentar mudar. Infelizmente sinto muito comodismo d@s alun@s, com algumas exceções. Mas procuro fazer o que está ao meu alcance, estimular o debate (onde um aprende com o outro e conhece outras opiniões). Uso a quebra de tabus e a análise empírica dos fatos com uma atitude científica que duvida do que nos é imposto no senso comum e nas grandes mídias e redes sociais. Isso é uma coisa que faço não só como professora, mas como feminista, como criadora dos meus zines, nas conversas com amigos, etc. É algo que faz parte de mim!
Charges de Jo達o da Silva Para ver outros trabalhos: www.cancropolis.blogspot.com.br