A Última Olaria de Faiança de Coimbra

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Autores SEBASTIAN, Luís; FORMIGO, Filipa Título A última olaria de faiança de Coimbra Fotografia Luís Sebastian Filipa Formigo Ilustração Luís Sebastian Hugo Pereira Ana Sampaio e Castro Editor Direção Regional de Cultura do Norte / Vale do Varosa Local Lamego Ano 2016 Conceção e composição gráfica Paulo Rodrigues (colaboração)

ISBN 978-989-99516-1-7 4


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

PRÓLOGO ............................................................................................................................................. 8 1. A ÚLTIMA OLARIA DE COIMBRA – BREVE NOTA HISTÓRICA .............................................. 13 1.1. Localização e enquadramento..................................................................................................................... 14 1.2. Proprietários.................................................................................................................................................. 18 2. TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO DE FAIANÇA NA OLARIA E MATERIAIS DE APOIO ......... 27 2.1. Matéria-prima .............................................................................................................................................. 28 2.1.1. Extração e preparação do barro .............................................................................................................. 28 2.1.2. Obtenção e preparação do esmalte ......................................................................................................... 34 2.1.3. Obtenção e preparação das tintas............................................................................................................ 39 2.2. Técnicas de produção................................................................................................................................... 40 2.2.1. Conformação e secagem........................................................................................................................... 40 2.2.2. Cozedura de enchacotagem ..................................................................................................................... 48 2.2.3. Decoração e cozedura de vidragem......................................................................................................... 60 2.3. Produtos ........................................................................................................................................................ 77 3. OPERÁRIOS E A SUA ORGANIZAÇÃO NA OLARIA .................................................................... 93 3.1. Mestres, oficiais e aprendizes ...................................................................................................................... 96 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DESTA INDÚSTRIA EXTINTA ........................ 103 FONTES ............................................................................................................................................... 117 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 118 ANEXOS ............................................................................................................................................... 127 5



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AGRADECIMENTOS Adosinda Vinhas Ana Sampaio e Castro António Pacheco Edgar de Almeida Hugo Pereira José Luís Madeira Lídia Catarino Liga dos Amigos do Museu de Lamego Maria da Conceição Garrett Maria Ondina Coimbra Paulo Rodrigues

Na «Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» Eduardo Correia (proprietário) Vitorino Miguel Ferreira (oleiro) Armando Oliveira (decorador) Alice Coelho Dias (decorador) José Duarte Lucas (oleiro) Júlia Santos (decorador) 7


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PRÓLOGO A escavação arqueológica do Mosteiro de São João de Tarouca, decorrida entre 1998 e 2007, contrariou as expetativas iniciais ao permitir exumar um vasto e rico espólio. De entre este, o maior destaque foi, indubitavelmente, para a surpreendente quantidade de faiança, impondo-a, desde o primeiro ano, como a maior e mais ambiciosa frente de investigação, de entre as múltiplas então abertas. Por motivos práticos, o estudo da faiança exumada foi dividido entre portuguesa e importada. Cabendo-me a mim o estudo da primeira, o estudo da segunda foi assumido pela codiretora da intervenção arqueológica, Ana Sampaio e Castro, concluído em 2009 na sua Dissertação de Mestrado em História e Arqueologia “Cerâmica europeia de importação no Mosteiro de S. João de Tarouca (séculos XV-XIX)”, apresentada à Universidade Nova de Lisboa. No entanto, para poder levar a cabo o estudo da faiança portuguesa, senti a necessidade de recuar, e desenvolver previamente um estudo aprofundado sobre os seus centros, matérias e técnicas de fabrico, procurando reunir critérios científicos para a distinção entre centros produtores e cronologias, que fossem para além da tradicional análise estilística, vaga e inconclusiva. O resultado deste trabalho viria a ser defendido como Dissertação de Doutoramento em História com Especialização em Arqueologia na Universidade Nova de Lisboa em 2011, sob o título “A produção oleira de faiança em Portugal (séculos XVIXVIII)”. Percorrido esse caminho, pude finalmente completar o estudo iniciado em 1998, publicado em 2015 sob o título “A Faiança Portuguesa de Olaria na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca”. Contudo, em 2007, estando à altura concentrado no estudo das técnicas de fabrico, e lembrando-me da velha olaria do Terreiro da Erva de que tinha conhecimento desde os tempos de estudante em Coimbra, tomei a decisão de aí passar um dia para registar fornos e utensilagem. Fui no entanto surpreendido pelo facto de a olaria estar em processo de eminente encerramento. Como consequência, acabei por permanecer 3 dias na olaria (11, 12 e 13 de julho 2007), em que, com a preciosa ajuda da codiretora e do desenhador da equipa de intervenção arqueológica do Mosteiro de São 8


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João de Tarouca, Ana Sampaio e Castro e Hugo Pereira, tentamos numa corrida contra o tempo registar por fotografia, desenho e entrevista oral o máximo de informação possível, conscientes de estarmos perante a derradeira oportunidade de registo da última olaria tradicional de faiança em funcionamento em Portugal. O registo então realizado viria a tornar-se uma das fontes mais preciosas para o estudo “A produção oleira de faiança em Portugal (séculos XVI-XVIII)”, sendo aí referido até à exaustão. Todavia, ficou desde então o peso da responsabilidade da total partilha dos dados, que apenas por casualidade, quis o destino que reuníssemos em 2007, ao qual se juntou um sentimento de dívida para com os artificies com quem tanto aprendemos naqueles 3 dias, e nos muitos telefonemas que se seguiram durante os meses seguintes. Por diversas vicissitudes profissionais, nunca me tendo sido possível dar forma de publicação aos dados reunidos, foi mais uma vez por casualidade que em 2014 conheci a investigadora Filipa Formigo, ao arguir a sua Dissertação de Mestrado em Conservação e Restauro na Escola Superior de Tecnologia de Tomar, intitulada “Estudo Decorativo, morfológico e tecnológico da faiança de Coimbra”. Em conversa subsequente, surgiu a ideia de “desenterrar” o registo feito em 2007 e, a duas mãos, publicá-lo, completando-o com toda a investigação complementar em falta, tarefa que Filipa Formigo assumiu na íntegra. Numa história já então cheia de coincidências, estando este trabalho já adiantado, em 2015 o edifício da olaria «Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» entra em obras de reformulação, com o objetivo da sua exploração na vertente turística. Também em meados de 2015 publica-se a obra “Louça tradicional de Coimbra: 1869-1965”, pela mão do investigador António Pacheco, colega de sempre no estudo da faiança portuguesa, e onde a história e produção da olaria do Terreiro da Erva é pela primeira vez alvo de atenção alargada. Foi-nos por isso ainda possível tentar evitar sobreposições entre as duas publicações, buscando antes uma amigável complementaridade, que esperamos ter conseguido. Finalmente cabe aqui uma curta explicação sobre as razões pelas quais coube ao projeto Vale do Varosa a edição desta obra. Em primeiro lugar, se a coleção de faiança portuguesa da intervenção arqueológica do Mosteiro de São João de Tarouca se impõe hoje como uma das maiores coleções de cerâmica Moderna estudadas em Portugal e, como tal, elemento de destaque na divulgação

desse imóvel histórico, e por extensão, do projeto de que é parte integrante desde 2009, essa não seria a realidade sem o registo realizado em 2007. Em segundo lugar, a par dos estudos “Cerâmica europeia de importação no Mosteiro de S. João de Tarouca (séculos XV-XIX)”, “A produção oleira de faiança em Portugal (séculos XVI-XVIII)” e “A Faiança Portuguesa de Olaria na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca”, fecha-se com esta publicação um ciclo indissociável, em que nenhuma das partes existiria sem as outras. Em terceiro e último, por razões de facto, o vasto quadro tipológico de faiança portuguesa disponibilizado na publicação “A Faiança Portuguesa de Olaria na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca” corresponde na sua maioria a faiança das olarias de Coimbra. Esta é aliás uma realidade que a investigação mais recente tem vindo a revelar como sendo extensível a todo o Norte Interior de Portugal, pelo menos para os séculos XVII-XVIII. Assim, se queremos conhecer a louça mais usada nas mesas desta região, temos que conhecer o centro produtor onde a sua maioria foi produzida. E é novamente nesta perspetiva que a história da última olaria de Coimbra é de tão grande interesse para a região duriense, num país que é tão pequeno, e num mundo que, afinal, é só um. Lamego, 11 de fevereiro de 2016 Luís Sebastian

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PRÓLOGO Em 2011 comecei a trabalhar na inventariação e estudo da faiança portuguesa de contexto arqueológico. Estava então no 3º ano do curso de Conservação e Restauro do Instituto Politécnico de Tomar e o interesse que a temática me despertara conduziu à especialização em materiais cerâmicos. Mais do que o fascínio imediato pela decoração e pelas morfologias, atraiume aquela que é uma característica inequívoca destes materiais que é o de terem servido uma realidade sociocultural onde cabem hábitos e costumes próprios sem os quais seriam desproporcionados. Mais interessante ainda é compreender a realidade por detrás do fabrico das mesmas. Como tal, foi em boa hora que surgiu o convite desafiante do Doutor Luís Sebastian e foi com muito agrado e lisonja que o aceitei. Com esta oportunidade tive o privilégio de conjugar o gosto pela temática com o gosto pela investigação histórica necessária ao aprofundamento do conhecimento sobre a origem daquela olaria que se previa mais antiga do que até então se tinha conseguido provar. Para tal mergulhou-se numa pesquisa documental que se pretendia complementar aos estudos existentes sobre a história da olaria. O estudo histórico foi, assim, o início de um projeto de investigação que se foi desenvolvendo em torno das questões diretamente ligadas à olaria. Como tal, naturalmente foram surgindo reflexões e informações sobre o resultado dessa produção e o contexto social e humano da atividade. Para aprofundar esse conhecimento foi fundamental contar com a colaboração e generosidade de particulares, que abriram as portas das suas casas permitindo o registo e estudo das suas coleções, e com antigos trabalhadores da olaria. O facto de ainda existirem testemunhos vivos de pessoas que experienciaram a vida na olaria tornou inevitável que ao longo do desenvolvimento do trabalho surgisse o contato com as mesmas, nalguns casos de forma puramente casual, noutros de forma propositada, pois desde o início do registo desta realidade em 2007 foi valorizada a importância destas fontes orais para a construção de conhecimento, mas também houve a preocupação com a preservação desse património imaterial. Para além desses testemunhos procurou-se, dentro das várias temáticas do universo da olaria sobre as quais nos debruçamos, um estudo comparativo com fontes manuscritas, impressas, arqueológicas e cartográficas com o propósito de se conseguir a maior aproximação possível à realidade.

Esperamos, assim, contribuir para o conhecimento da faiança de Coimbra por meio da análise da última olaria da cidade que, inserida num contexto produtivo mais abrangente, torna-se o exemplo mais persistente e duradouro dessa realidade. Coimbra, 22 de Fevereiro de 2016 Filipa Formigo

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A ÚLTIMA OLARIA DE COIMBRA BREVE NOTA HISTÓRICA


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Desde meados do século XVI que a produção de faiança em Coimbra

Moeda mantém-se ainda hoje com a mesma designação e traça original; já a

mostrou uma evolução positiva até meados do século XVIII. A partir deste

Rua da Madalena foi integrada na atual Avenida Fernão de Magalhães; apesar

período inicia-se uma tendência decrescente que se prolonga até meados de

de referida na documentação da época, não sabemos hoje onde se situaria

século XX, entrando desde então num período final de lenta agonia, culminando

a Rua Lopo Dias; o Terreiro das Olarias hoje é o Largo das Olarias, cujos

em 2007 com o encerramento da última olaria tradicional de faiança coimbrã,

contornos se alteraram apenas em meados do século XX ficando conhecido

então designada de «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda».

popularmente por “Bota-abaixo”, resultado da demolição sistemática levada

No primeiro quartel do século XIX estavam ainda em laboração 10

a cabo na década de quarenta do século XX das olarias e casario adjacente aí

fábricas de faiança que mantêm características de pequena indústria1 e apesar

situadas, por motivos de salubridade pública, indicativo do então avançado

de se verificar, em relação ao final do século anterior, uma certa estabilidade no

estado de decadência deste que foi o coração do bairro oleiro coimbrão; a Rua

número de fábricas a laborar, é já fortemente sentida a concorrência da louça

de Estêvão Nogueira será a atual Rua da Fornalhinha; o Terreiro da Freiria

fabril inglesa, cuja importação iniciada nas últimas décadas de setecentos viria

manteve-se até recentemente como Largo da Freiria e a Rua de Almoxarife

progressivamente a aumentar até dominar os mercados portugueses – coloniais

mantém ainda a sua designação. Além das ruas identificadas documentalmente

inclusive - na centúria seguinte, processo ao qual não foi indiferente a paralisação

é provável que na Rua Simão de Évora, na Rua João Cabreira, na Rua de Santo

parcial da indústria cerâmica nacional por via das Guerras Peninsulares .

António, na Rua da Louça e na Rua dos Oleiros estivessem localizadas outras

olarias.

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O advento de uma nova fábrica de louça neste período revela contudo a

persistência de uma indústria que teimava em resistir, mantendo a sua tradição

secular de forte carácter artesanal.

leva a considerar como aceitável a extrapolação a períodos mais recuados

Esta dinâmica de conjunto irá manter-se no seu essencial4, o que

da localização geral das olarias constantes na Planta do Bairro das Olarias 1.1. Localização e enquadramento

de Coimbra, datável de 1810- 1820 e preservada no Gabinete de História da Cidade - Biblioteca Municipal de Coimbra.

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As olarias de faiança de Coimbra estiveram integradas continuamente

A olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» encontra-

numa rede organizativa que surge e desenvolve-se ainda no século XVI. Embora

se situada ao fundo da Rua Direita, no Largo do Prior, números 2 e 4, na

nesse período fosse consentido ao artesão instalar-se dentro de muralhas,

Freguesia de Santa Cruz. Desta forma, foi construída num perímetro

nos inícios de seiscentos as olarias irão encontrar-se alinhadas junto ao rio

contíguo ao arruamento mais comum às olarias. A sua entrada principal

Mondego, num perímetro fora de muralhas3.

estaria originalmente virada para a Rua Direita e ter-se-á apenas na sua fase

As principais ruas que integraram essa mancha de dispersão foram a

final deslocado para o Quintal do Prior, nome dado à ligação da Rua Direita

Rua da Moeda, a Rua da Madalena, a Rua Lopo Martins, o Terreiro das Olarias,

com o largo originalmente correspondente ao adro da desaparecida Igreja de

a Rua de Estêvão Nogueira, o Terreiro da Freiria e a Rua do Almoxarife: a Rua da

Santa Justa, hoje popularmente apelidado de Terreiro da Erva5.


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Figura 1 | Planta do Bairro das Olarias de Coimbra, de 1810-1820. Gabinete de História da Cidade – Biblioteca Municipal de Coimbra.

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Figura 2 | Adaptação da Planta do Bairro das Olarias de Coimbra, de 1810-1820, a partir de cópia de 1889, conservada no Museu Nacional de Machado de Castro (n.o inventário 12235), aferida com o original.

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Figura 3 | Localização da olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra», Lda. na Planta da cidade de Coimbra (folha 9); Autor: José Baptista Lopes (c/ Jaime Loureiro e Frederico Taveira); Data: 1934; Escala: 1:1000; Câmara Municipal de Coimbra – Arquivo Municipal.

A Rua Direita nos séculos XIII-XIV teria a designação de Rua dos

da cidade por via terrestre, tendo sido uma das principais ligações setentrionais

Caldeireiros e de Rua Figueira a Velha – dando-se nomes diferentes a dois troços

da cidade7, e ainda que não existam indícios de que a Rua Direita tenha integrado

da rua. Nos séculos XIV-XV chamava-se Rua das Caldeirarias e no século XVI

a mancha de dispersão onde por regra estariam situadas as olarias, a «Sociedade

surge por vezes referida como Rua de Sansão, em consequência de se iniciar no

Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» é representativa de uma tradição que

terreiro do Mosteiro de Santa Cruz, nesta época apelidado de Largo de Sansão.

detinha aí o seu foco e que ao ter resistido tornou-se na última olaria tradicional

A partir do último quartel de século XVI a nomeação de Rua Direita impõe-se

de faiança em Portugal.

definitivamente6.

Esta Rua fazia parte de um conjunto de eixos principais de comunicação 17


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1.2. Proprietários

Fabrica de Louça(...)». Estes ficaram autorizados a fazer comunicar «(...) a Caza onde vão construir a fabrica com o Quintal abrindo para essa porta o qual findo

O nome de «fábrica do lagar» por que ficou conhecida a última

este arrendamento taparão pondo a no estado em que antes de aberta se achava»,

olaria de Coimbra num primeiro período, terá derivado do facto de, segundo

ficando ainda estipulado que «(...) no fim deste arrendamento tornarão a reduzir

diferentes registos9, ter sido erguida num edifício onde teria funcionado um

ao estado em que oje se acha, e tudo isto como quaisquer obras que fassão à

lagar. Este imóvel pertencia, no primeiro quartel do século XIX, a Joaquim

própria custa e despeza dellas arrendatarios sem obrigação delle senhorio por

Freire de Macedo e era administrado pelo seu irmão António Freire de

cazo algum lhe levar nada dessas despezas em conta (...)».

Macedo. É nessa qualidade que a 24 de Junho de 1824 realiza o contrato de

arrendamento com um pintor de louça chamado Joaquim da Silva de «(...)

Santa Cruz, filho de Alexandre da Cunha e de Teresa de Jesus, e casado desde

huma caza que foi um Lagár ao fundo da Rua Direita desta dita Cidade, a

1814 com Mariana de Jesus12. Começou por exercer o ofício de pintor de louça,

qual pello prezente Instrumento na qualidade de administrador dos bens do

tal como o seu pai, e numa determinada data, que a documentação consultada

dito irmão dá do arrendamento ao dito Joaquim da Silva para elle na mesma

não permitiu apurar, torna-se «mestre de fábrica de olaria branca». É nesta

construir huma fabrica de loussa, por tempo de dés anos (...)»10. Segundo a

qualidade que surge mencionado numa escritura de 17 de Maio de 1826 em

mesma escritura Joaquim da Silva teria de pagar a renda anual de vinte mil

que José Fernandes Moura lhe arrenda por quatro anos a sua fábrica situada

reis e após o período do arrendamento ele teria de abandonar o edifício tendo

na Rua da Moeda13. Passados oito anos, no dia 5 de Julho, Joaquim da Silva

a permissão para ao fim desse período «(...) levár todos os arranjos (...) para o

compra a João Verissimo da Costa, um cirurgião, «(...) huma Fabrica de Olaria

estabellecimento da Fabrica, ou querendo elle senhorio do Predio ficar com elles

branca, com cazas de habitação no sitio das Olarias desta Cidade, ao fundo da

será obrigado a pagar-lhos pelo que legalmente for avaliado(...)». O registo deste

Rua da Moeda (...) pela quantia de duzentos mil reis metal (...)»14. E logo a 14

contrato é, com efeito, a mais antiga prova encontrada referente à construção

de Fevereiro de 1835 compra a Maria do Carmo «(...) huma Fabrica de Olaria

desta fábrica, embora a data da sua conclusão não possa apurar- se com rigor.

branca com suas pertenças ao fundo da Rua Tingerodilhas [correspondente à

actual Rua da Louça] desta Cidade, que parte com Sebastiana Marcia da mesma,

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Nove dias mais tarde, no dia 3 de Julho de 1824, realiza-se outro

Joaquim da Silva era natural e morador na Freguesia de São João de

contrato de arrendamento11 no qual participa o Prior de Santa Justa José

e com rua publica por hum conto de reis (...)»15.

Ferreira Cardoso na qualidade de senhorio do quintal da sua residência. Este é

arrendado a Joaquim Ignacio, Joaquim da Silva, Joanna de Mesquita e Angelina

Coimbra, efetuado por determinação de Portaria Circular do Ministério do

Ludovina pelo preço de quarenta e oito mil reis e pelo período de dez anos.

Reino, Joaquim da Silva detinha entre 1 de Janeiro de 1837 e 11 de Janeiro de

Estes arrendatários tinham por finalidade «(...) nelle construirem Barreiros,

1840 duas fábricas de louça branca: uma situada na freguesia de Santa Cruz,

com comunicassão para a caza que outro tempo foi Lagar e pertence a Joaquim

que era administrada pelo próprio proprietário e empregava doze homens e

Freire de Macedo desta Cidade, onde os ditos arrendatarios vão construir huma

quatro rapazes; outra situada na freguesia de Santa Justa onde trabalhavam

Segundo o mapa da «Relacção das Fabricas e Officinas» do distrito de


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Figura 4 | Adaptação da contraposição da cópia de 1889 da Planta do Bairro das Olarias com a “Planta topographica da Cidade de Coimbra” (folhas 6 e 11) de Francisque e César Goullard de 1873-74, aferida com a planta original de 1810-1820 (PAIS, et. al., 2007: 159). Legenda: 1-António d’Oliveira Raimão; 2-Manoel Caetano de Moura; 3 e 11-Manuel José d’Abreu; 4,7 e 15-José das Neves; 5 e 9-Manoel Francisco Barbas; 6-Ritta Damas; 8-B.el José Fortunato d’Almeida; 10- José da Conceição; 12-João de Figueiredo; 13-Manoel de Jesus; 14 e 16-Manoel Joaquim Pessoa.

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seis operários, cinco homens e um rapaz e mais tarde três homens e três rapazes, sob administração de Diogo Francisco16. Contudo, as informações fornecidas por este mapa, particularmente as de cariz espacial, são imprecisas e ambíguas porque foram estabelecidas de forma variável ao critério da pessoa que as registou. A indicação da freguesia do imóvel sem identificação da rua impede uma compreensão mais exata da sua localização, bem como a articulação dessas informações com a cartografia.

Segundo as escrituras de compra, as fábricas compradas por Joaquim da Silva

em 1834 e 1835, onde surge referido como «mestre de Tenda», situavam-se nas Ruas Tingerodilhas e da Moeda da freguesia de São João de Santa Cruz. Contudo, segundo o mapa da «Relacção das Fabricas e Officinas» de 1837 a 1840 Joaquim da Silva é proprietário de apenas uma fábrica nesta freguesia, sendo proprietário de outra fábrica na freguesia de Santa Justa.

A freguesia de São João de Santa Cruz, onde se encontrariam a maioria das

olarias, separar-se-ia da freguesia de Santa Justa pelo ribeiro da Água de Runa (a vala de despejos), entre as Ruas da Moeda e de João Cabreira17.

Considerando esta conjetura, a Rua Direita pertencia à freguesia de Santa

Justa sendo, para os séculos XIII e XIV, a rua principal desta freguesia18. Mais tarde, por decreto de 20 de novembro de 1854, será anexa à paróquia de Santa Cruz.

Desta forma, será admissível considerar que esta última fábrica a que se faz

referência corresponderá à «fábrica do lagar». Uma dedução que é reforçada por prova documental indicadora de que Joaquim da Silva, para além de edificador, terá sido proprietário dessa fábrica, sendo o primeiro que se conhece. Em 3 de Janeiro de1840 Joaquim da Silva e a sua mulher Mariana de Jesus fazem um dote ao seu filho Leonardo Ferreira da Cunha por ocasião do seu casamento com Narcisa Cortesão. Nesse contrato fica estipulado que «(...) por ser este hum cazamento muito da sua approvação, e para os Noivos suportarem melhor os encargos do matrimonio, dotavão o Noivo seu filho, com a Fabrica de fazer Louça, de que são senhores e possuidores sita ao fundo da Rua Direita desta Cidade, com toda a caza, oficina e mais utensilios 20

Figura 5 | Assinaturas de Joaquim da Silva e de Leonardo Ferreira da Cunha


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pertencentes á mesma Fabrica (...)»19. Para além da Fábrica ficou ainda declarado

«Inspector dos Pesos e Medidas do Distrito de Coimbra», a fábrica tinha como

que «(...) o Barreiro que esta em frente da indicada Fabrica, e as competentes

administrador Joaquim Maria Nunes que tinha de pagar a Leonardo Ferreira

Cazas pegadas ao Barreiro, ficão pertencendo ao dito seu filho, da mesma forma

da Cunha a quantia de setenta e dois mil reis anuais25. Mais tarde, em 1867, este

que lhe fica pertencendo a Fabrica (...)»20. Uma vez que esta se encontrava

último arrenda a fábrica pelo valor de cento e vinte mil reis e por período de

arrendada ficou ainda determinado que findo o contrato de arrendamento em

quatro anos a Francisco António Maria de Sousa e Francisco Ferreira Duarte26.

vigor e caso Leonardo Ferreira da Cunha pretendesse administra-la, os seus

pais entregavam-lhe a Fábrica «(...) prompta com todos os arranjos, utensilios

«fabricante de louça» numa escritura de compra, venda e quitação27. Sem

necessarios ao trabalho della (...)»21.

que tenhamos outras informações deste proprietário e da fábrica para os

No período em que Leonardo Ferreira da Cunha foi proprietário da

anos seguintes, no dia 30 de Agosto de 1873 é realizada uma escritura de

fábrica, este irá hipotecá-la numa série de empréstimos, sempre com o propósito

administração e sociedade por parte dos filhos de José Joaquim Pessoa e de

de fazer obras para aumento da sua casa situada na Rua de Tingerodilhas: a

Rosa Emília do Espirito Santo, o que indica que este último também terá

4 de junho de 1855 pelo empréstimo de duzentos mil reis22; a 6 de Novembro

sido proprietário da mesma. Nessa escritura é constituída uma sociedade por

de 1857 pelo empréstimo de duzentos e vinte cinco mil reis23; a 19 de Agosto

Adelino Augusto Pessoa, Adriano Augusto Pessoa, Ermelinda do Ceo Pessoa

de 1859 pelo empréstimo de duzentos mil reis24. Neste último contrato de

e Alberto Pessoa designada «Adelino Augusto Pessoa & Irmãos». Adelino

empréstimo encontra-se anexo um mapa dos «Bens que obriga o devedor

Augusto Pessoa, que era o irmão mais velho, torna-se o sócio gerente da

Leonardo Ferreira da Cunha e sua mulher». Nesta descrição constam «Huma

sociedade ficando responsável pela administração da fábrica28.

Fabrica de Louça branca, ao fundo da Rua Direita, desta cidade com todos os

seus utensílios, que parte de Nascente com Casal do Parocho da Freguesia, do

bens uma «(...) fabrica completa para fabricação de 1ouça de barro composta de

Poente com a mesma Rua Direita, do Norte com rua que vai para o Adro de

rodas, andaimes, fornos e barreiros, estando estes independentes da mencionada

Sancta Justa a Velha e do Sul com Antonio Guedes Coelho, desta cidade. Um

fabrica.»29, que passa a ser de Afonso Augusto Pessoa, filho mais velho de

Quintal pertencente á mesma Fabrica de louça com seus tanques para deposito

Adelino Augusto Pessoa e Maria Rosa de Jesus30.

de Barros, na mesma Rua Direita, que parte do Nascente om filhos de Jose Pedro,

do Poente com caminho que veri passar o Adro, digo para o Arnado, do Norte

Pimentel» com a qual Afonso Augusto Pessoa e o seu cunhado Manuel

com Rua do Carmo e do Sul com rua que vai para o Adro de Sancta Justa a

António Pimentel tinham o propósito de «(...) dar maior desenvolvimento ao

Velha, tudo no valor de seiscentos mil reis.»

seu comercio e industria»31. Esta ficou constituída para um período de cinco

anos, ficando a administração a cabo de Afonso Augusto Pessoa32.

Os poucos dados que a documentação já tratada nos faculta impedem

Leonardo Ferreira da Cunha, em 1871, surge ainda referido como

Falecido a 28 de Setembro de 1896 com 54 anos, deixa entre os seus

Em 1897 é constituída a sociedade comercial «Afonso Pessoa &

de aferir se Leonardo Ferreira da Cunha, além de proprietário, chegou a ser

Importa referir que estes factos se enquadram num contexto geral de

também administrador da Fábrica. Sabe-se apenas que em 1861, segundo o

aumento da constituição de sociedades em Coimbra. Em 1899, das 11 fábricas 21


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de cerâmica situadas em Coimbra, 4 eram exploradas por sociedades33. Um

Sem se conhecer, ao certo, quando finda o domínio e administração

fenómeno promovido pela desburocratização do processo de constituição das

de António Cardoso de Carvalho, sabe-se que em 1925 a fábrica tinha já sido

mesmas que adveio da promulgação da Lei 22 de Junho de 1867, e que segundo

adquirida por Alfredo de Oliveira43, o que na opinião de José Amado Mendes

José Amado Mendes “(...) mais do que sintoma de modernização, foi um meio

poderá ter ocorrido em 192144. Apenas em 15 de Abril de 1931 ser-lhe-á passado

de autodefesa, perante as dificuldades trazidas pela concorrência e pela baixa

o alvará que lhe concede a licença de exploração da fábrica45.

produtividade.”34.

Por altura da morte de Alfredo de Oliveira, a sua esposa Maria do

Apesar deste contexto, a sociedade Afonso Pessoa & Pimentel durou

Nascimento Almeida Martinho assumiu o comando da atividade como

menos de dois anos, já que em 19 de Fevereiro de 1897 é realizada uma escritura

fabricante de louça, o que ter- se-á verificado em data anterior ao requerimento

de dissolução desta sociedade35 seguida de uma escritura de venda, em que

feito a 19 de Janeiro de 1942 para o averbamento do alvará para o nome de

Manuel António Pimentel e sua esposa Maria Pessoa Pimentel vendem a sua

«Viúva de Alfredo de Oliveira». Este será passado a 4 de Setembro de 194246

parte na fábrica ao coproprietário Afonso Augusto Pessoa36. Este último será

fazendo-se, a partir daí, a exploração da fábrica sob este nome47. Aquando da

proprietário da fábrica até pelo menos 190537. Seguir-se-á, provavelmente, um

realização do registo da olaria, efetuado em 2007, ainda se encontrava entre o

período de interregno – o que se verificava em 190738 –, até surgirem novos

seu recheio um letreiro em faiança onde se lia “Fábrica de Louça / Viuva Alfredo

registos documentais da fábrica em 1914 e 1915.

D’Oliveira / Rua Direita 138 / Coimbra”.

Um requerimento de 19 de Novembro de 1914 realizado por António

Cardoso de Carvalho revela que este pretende adquirir uma licença para explorar a fábrica de louça da Rua Direita, no 13039. Poucos dias depois, de acordo com o preceito legal, num edital na «Gazeta de Coimbra» de 25 de Novembro de 1914, são descritos alguns dos inconvenientes que advinham do funcionamento deste estabe1ecimento industrial. Neste são nomeados os problemas da criação de muito fumo e do perigo da provocação de incêndios, requerendo-se às pessoas interessadas a apresentação de reclamações por escrito em resposta oponente à concessão da licença para um prazo de 30 dias, o que não se verificou40.

Poucos meses mais tarde, a 19 de Abril de 1915, o delegado de saúde

Vicente Augusto Ferreira Rocha atestou as boas condições sanitárias da fábrica emitindo nesse seu parecer uma nota favorável relativa à sua salubridade pública41. Consequentemente, a 23 de Setembro de 1915, foi passado a António Cardoso de Carvalho o alvará que o autorizou a explorar a fábrica42. 22

Figura 6 | Assinaturas de Alfredo de Oliveira e de Maria do Nascimento Almeida Martinho.


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 7 | Letreiro “Fábrica de louça de viúva Alfredo de Oliveira” (L. Sebastian, 2007).

Posteriormente será Isabel Oliveira Nobre, casada com Manuel

mesma preocupação que conduziu à constituição, a 13 de Março de 1965, da

dos Santos Nobre e filha de Alfredo de Oliveira e de Maria do Nascimento

«Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», formada por quatro casais: Dr.

Martinho, a legitima proprietária da fábrica, sendo dela o nome por que fica

Eduardo Henriques da Silva Correia, Professor Catedrático da Faculdade de

popularmente conhecida a fábrica e a louça produzida no início do século XX

Direito da Universidade de Coimbra, e esposa D. Maria Teresa da Conceição

– “A loiça da Isabelinha”.

Correia Alexandre Bebiano Diniz Correia, cada um com uma cota de quarenta

Em 8 de Janeiro de 1965 uma notícia do Diário de Coimbra informa

mil escudos; Eng.o António José Hall Temido, engenheiro civil em Coimbra,

do encerramento da fábrica, referindo que alguns dos operários terão tido

e esposa D. Maria Alzira Barata Rodrigues Pires Miranda Hall Themido, cada

a intenção de manter a indústria em laboração. Esta tentativa terá sido

um com uma cota de quarenta mil escudos; Dr. Jaime Barbosa da Cruz Vaz

infrutuosa assim como outra que se susteve no suposto contacto com a

Portugal, médico em Coimbra, e esposa D. Maria Augusta Guimarães Torres

Fundação Calouste Gulbenkian. Nesse mesmo artigo é ainda lançado o

Garcia Portugal, cada um com uma cota de trinta mil escudos; Dr. José Manuel

apelo: «Haverá quem dedique ao problema um pouco de atenção, procurando

Salles Caldeira da Silva, médico em Lisboa, e esposa D. Maria Tereza Guimarães

soluciona-lo, numa atitude bairrista que teria o aplauso geral?». Terá sido esta

Torres Garcia Caldeira da Silva, cada um com uma cota de dez mil escudos. É

48

23


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

a soma destas cotas que permitem à Sociedade alcançar, nesta fase inicial, um capital social de duzentos e quarenta mil escudos49.

Após serem desencadeadas negociações e com o propósito de assumir

a exploração da fábrica para o fabrico e o comércio de artigos de cerâmica50, o gerente e sócio Dr. Jaime Barbosa da Cruz Vaz Portugal contratualiza o arrendamento do estabelecimento com o proprietário Manuel dos Santos Nobre, a 26 de Março de 1965. Ficou estabelecida uma renda mensal de mil e quinhentos escudos nos dois primeiros anos, mantendo-se no terceiro ano a renda anual nos dezoito mil escudos, enquanto para os seguintes ficou estabelecida a renda anual de seis mil escudos. Nesta data é ainda efetuada a venda dos bens móveis e incorpóreos que constituíam a fábrica à «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» por cem mil escudos 51.

No dia 7 de Junho de 1974 os sócios da «Sociedade Cerâmica Antiga

de Coimbra, Lda.» cederam as suas cotas ao Dr. Eduardo Henriques da Silva Correia fazendo dele e da sua esposa, D. Maria Teresa Correia, os únicos sócios52. Desta forma permaneceu até à atualidade, e no seio desta família, a última olaria de faiança de Coimbra que mostrou ser, desde a sua fundação, um caso de exceção. Criada num período decrescente da produção cerâmica em Coimbra e apartada da malha urbana do bairro das olarias, esta é fundada por pessoas alheias ao rol de relações de uma produção que, no caso coimbrão, se manteve maioritariamente na posse de algumas famílias53. Apesar disso, esta refletiu na sua produção o carácter artesanal tradicional que aí resistiu às sucessivas mudanças de proprietários e às inevitáveis adaptações. Figura 8 | Assinaturas e impressões digitais da escritura da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.».

24



A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

26


2

TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO DE FAIANÇA NA OLARIA E MATERIAIS DE APOIO


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Não obstante pontuais substituições de materiais e técnicas tradicionais

marga do Quarto (Estação Velha); 13 volumes de argilla da Povoa; 3 volumes de

por soluções contemporâneas, impostas pela necessidade de sobrevivência, a

argila da Sioga»56. Outros barreiros terão sido, mais tarde, explorados na olaria,

última olaria de Coimbra permite testemunhar o essencial daqueles que foram

enquanto «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», como os da zona da

os métodos de produção de faiança coimbrã. As estruturas, instrumentos,

Cruz de Morouços, mais exatamente a Sudeste das povoações de Tremoçais e

técnicas e tradições seculares mantiveram-se aí quase intactas. A sua análise é

Mesura57.

ainda mais pertinente ao considerar-se que as olarias coimbrãs demonstram

uma grande permanência a esse nível, desde o século XVI, sendo aliás essa

diretamente o barro na olaria, passando-se a comprar as pastas já preparadas

imutabilidade o cerne da grande discussão que se desenvolveu em Coimbra

a fornecedores industriais das Caldas da Rainha. Todavia, conservam-se ainda

nos finais de oitocentos em torno da premente necessidade de renovação

os tanques de tratamento do barro, que terão sido construídos em 1824 e

desta indústria, e que levou, progressivamente, ao seu ocaso, por inadaptação

que atualmente se encontram em avançado estado de degradação, nos atuais

às novas dinâmicas de mercado e correspondentes inovações técnicas .

números 18 e 54 do Adro de Santa Justa. Da observação da folha 9 da Planta da

54

Na década de oitenta do século XX ter-se-á deixado de explorar e tratar

Cidade de Coimbra levantada em 1934 por José Baptista Lopes, percebe-se que,

2.1. Matéria-prima

à data, o terreno contaria com dois tanques contíguos mais pequenos, situados

2.1.1. Extração e preparação do barro

no seu extremo Noroeste. Ainda que tratando-se de um levantamento à escala 1:1.000, podemos apontar para estes dimensões de cerca de 3,3 m por 3,3 m e

A fase inicial do processo de fabrico de uma faiança passa pela recolha

4,9 m por 4,6 m, aos quais se juntaria ainda um terceiro tanque mais pequeno,

da matéria-prima em barreiro. Na documentação do século XVII é comum a

isolado, com cerca de 2,5 m por 3 m. Estas são dimensões bastante aproximadas

referência aos barreiros de Trouxemil e da Póvoa do Bordalo para a produção

em relação às descritas por Charles Lepierre em 1899 para Coimbra: «(...) um

da pasta da faiança de Coimbra. Esta extração do barro ter-se-á alargado,

tanque, cavado na terra de cerca de 1 metro de profundidade, variando a largura

posteriormente, para Fala, Loreto, Cucos, Nazaré da Ribeira, Ingote, Anobra e

e o comprimento entre 3 a 4 metros», sendo as paredes feitas de tijolo58. Esta

Quarto, no Alto da Estação Velha. Contudo, terão sido os primeiros os locais

informação é ainda repetida em 1905 por Fortunato Augusto Freire Themudo59.

de exploração mais permanentes. Trouxemil (Cioga do monte) e Póvoa de

Bordalo parecem manter-se desde o século XVI até ao fim da exploração

de refinamento que permitiam a limpeza da argila, a homogeneização da pasta

direta do barro em meados de século XX55.

e a melhoria das propriedades das misturas. Ao barro introduzido no tanque

Segundo o estudo publicado por Charles Lepierre em 1899, o barro da

seria então acrescentada água, onde permaneceria a demolhar – “descanso”

olaria em estudo provinha, à época de Afonso Augusto Pessoa, dos seguintes

– durante alguns dias, aproximadamente oito60. Seguidamente a mistura seria

locais: Quarto, no alto da Estação Velha; Póvoa e Cioga, em Trouxemil. O

mexida com uma enxada de cabo comprido, de forma a permitir que o operário

mesmo autor dá conta de que as porções aí utilizadas seriam: «20 volumes de

responsável pudesse proceder a esta operação a partir do exterior do tanque.

28

Nestes tanques era armazenada a argila a céu aberto para os tratamentos


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 9 | Localização do barreiro na «Planta de Fábrica de António Cardoso de Carvalho»; 1915; escala original: 1:100 (AUC Governo Civil _ Licenças para estabelecimentos industriais 1915, Processo no 99) e vista geral do portão de acesso à área dos tanques de tratamento do barro, visto de Sudoeste para Nordeste (L. Sebastian, 2007).

No Verão as temperaturas altas permitiam a sua realização a partir do interior

inferior.

do tanque, usando uma enxada de cabo mais curto, o que facilitaria a tarefa.

Durante esta fase o barro era mexido duas vezes ao dia, ao fim do

do primeiro. Charles Lepierre, por sua vez, não esclarece diferenças de área,

qual, sendo a mistura líquida do barro – “calda” – dada como homogénea,

mas confirma como habitual para as olarias coimbrãs a maior profundidade

era baldeada por meio de um cabaço de latão através de um peneiro de tela

dos segundos tanques, com 2 metros em média.

metálica para um outro tanque anexo, colocado à mesma altura61. O peneiro

recebia a designação de “gamela”, sendo de latão com fundo de rede metálica,

com depósito do barro por sedimentação e evaporação da água. Por sua vez,

correndo a calda do barro para uma calha de telha que a conduzia ao tanque

após o descanso do barro no segundo tanque, este seria novamente remexido,

As dimensões deste segundo tanque da olaria parecem ser as mesmas

Uma vez no segundo tanque, a calda do barro era deixada a secar,

29


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

voltando-se a crivar para um terceiro tanque.

Este processo levaria entre três a quatro meses, período indicado por Adelino

António das Neves e Mello62 em 1886, que o considerava demasiado curto «para lhe fazer depositar as impurezas». Além dos elementos mais grossos tenderem a se concentrar junto ao crivo, o facto da sedimentação geral se fazer naturalmente de acordo com a sua granulometria, ou seja, depositando-se primeiro os elementos mais grossos e pesados e os mais finos e leves por último, possibilitava a recuperação do barro segundo maiores ou menores estados de purificação, e logo de qualidade63. Tudo indica que existia um aproveitamento do barro mais refinado, mas também do menos refinado64, um aspeto que sugere possíveis produções de qualidade diferenciada dentro de uma mesma olaria.

No procedimento seguinte para o tratamento do barro Charles Lepierre65

refere que as pastas assim tratadas e ainda húmidas eram submetidas a uma pisadura. Já Fortunato Augusto Freire Themudo66 refere que estas seriam transportadas «para depósitos dentro de casa, junto às oficinas». Na olaria da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» o local para a pisadura, amassadura67 ou argamassar68, era a “capela”, designação atribuída à área superior dos fornos, onde se formava uma relativamente ampla plataforma, correspondente em superfície à soma dos três fornos. Aí o calor emanado das fornadas contribuía para uma mais rápida secagem do barro, no entanto, o facto de se tratar de uma área plana, obrigava a que a contenção de líquidos fosse feita improvisando paredes de retenção com o próprio barro. Todavia, não terá sido esse o único local utilizado para a amassadura do barro pois, segundo a planta da fábrica de 1915, existiria próximo do poço de água um tanque que é aí designado de “piza do barro”, o que indica que esse processo terá sido anteriormente realizado nesse local. Figura 10 | Tanques de tratamento do barro vistos de Norte para Sul e de Sul para Norte (L. Sebastian, 2007).

30

A amassadura do barro era realizada com os pés, e teria a duração de cerca de

três dias, variando de acordo com os índices de humidade das diversas estações do ano. Ao fim de algum tempo havia uma enorme “bolacha” no chão. Cortava-se então,


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 11 | Vista geral da área superior dos fornos designada por “capela” (L. Sebastian, 2007).

no sentido dos seus raios, aquela enorme circunferência. Volta-se a acumular

operação por “atacar” o barro, o que servia para acelerar a sua secagem.

o barro num bloco central e repetia-se a mesma operação até se perceber, pelo

próprio calcar, que a pasta estava uniformemente amassada, aveludada e sem

sendo cortado em largas tiras e levado a “sovar” numa mesa de pedra, já junto

ar. Esta prática de auxiliar a amassadura do barro através do seu corte era

ao local de modelação. Era aí cortado em pedaços, com o mesmo “garrote”

designada comummente por “traçar o barro” .

usado para separar as peças do prato do torno após a modelação, sendo batido

contra a mesa71.

69

Seguia-se a adição de aparas de barro, resultantes do trabalho de

Após a fase de amassadura o barro encontrar-se-ia seco, mas moldável,

acabamento das peças já moldadas e suficientemente secas para permitir ações

Finda esta última fase de tratamento, eram retiradas porções de barro

como o “fretar” – ação de vazar o fundo externo de pratos ou tigelas de forma

correspondentes às diferentes peças a modelar, dispostas junto ao torno em

a criar um pé anelar, ou debrum –, em que não tendo ainda o barro chegado ao

forma de bolas, que se designavam por “pélas”72. Este procedimento propiciava

fim da “secagem”, ou “enxugo”, se encontra já bastante seco, ou “duro”. A estas

uma melhor homogeneização da porção de pasta a trabalhar, que se adaptava

aparas, em 1905, chama Fortunato Augusto Freire Themudo70 de “atachas”,

de forma imediata ao trabalho de modelação que se seguia.

enquanto na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» se designava esta 31


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 12 | Localização do tanque de “Piza do Barro” na «Planta de Fábrica de António Cardoso de Carvalho»; 1915; escala original: 1:100 (AUC Governo Civil _ Licenças para estabelecimentos industriais 1915, Processo no 99)

32


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 13 | Localização da mesa de “sovar” o barro na «Planta de Fábrica de António Cardoso de Carvalho»; 1915; escala original: 1:100 (AUC Governo Civil _ Licenças para estabelecimentos industriais 1915, Processo no 99) e vista geral da mesa (L. Sebastian, 2007).

33


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

2.1.2. Obtenção e preparação do esmalte

sistema métrico a partir do decreto de 13 de Dezembro de 185275, as dosagens registadas por Fortunato Augusto Freire Themudo em 1905 correspondem

Na fase inicial do processo de fabrico de uma faiança era ainda

ainda à arroba, que com 14,688 kg se aproxima dos «15 kilogramas» referidos,

necessário reunir um conjunto de matérias-primas essenciais à formação do

e provavelmente a quatro ou seis arráteis, que com 0,459 kg se aproximam dos

esmalte estanífero. Embora não nos tenha sido possível determinar a origem

2 e 3 «kilogramas» referidos.

dessas matérias-primas e a dosagem dos diversos componentes do esmalte

empregue na olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» – antes

e Mello asseverava que «havia outrora uma galena, com que se vidrava a louça

da sua substituição pela aquisição de esmaltes industriais pré-preparados

denominada alcofôr, e era composta de sulfureto de chumbo». A isto acrescentava

–, poder-se-á extrapolar a realidade envolvente da generalidade das olarias

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho em 192177 que “o alcanfor é uma galena

coimbrãs.

de chumbo, que ainda hoje tem este nome, e foi usado para vidrar louça pelos

34

Charles Lepierre em 1899 informa-nos que nas olarias de Coimbra, 73

Relativamente ao uso do chumbo, em 1886 Adelino António das Neves 76

espanhóis, que lhe deram o nome de álcool de alfarero”.

à altura, estaria em uso «uma mistura de 100 kilogramas de Chumbo e 18 a

20 kilogramas de Estanho», correspondente a 83,3-84,7% de chumbo para

Coimbra78, disponibilizada pelo mesmo autor (Documento VII), temos a

16,6-15,2% de estanho, ou em partes, cerca de «cinco de chumbo por uma

obtenção do necessário óxido de chumbo a partir diretamente da calcinação do

de estanho». Contudo, esclarece que «no princípio do século empregava-se

minério de chumbo, no caso a galena, segundo a prática na região espanhola

em Coimbra, segundo fórmulas antigas que vi, as seguintes proporções: 100

valenciana desde a Alta Idade Média79 e confirmada para a Coimbra de 1472

kilogramas de Calcina de chumbo e 25 kilogramas de Calcina de estanho», ou

pela requisição do oleiro Brás Eanes80, mas verificando-se já, e por isso pelo

«o chumbo e o estanho na proporção de quatro partes de chumbo por uma de

menos desde o último quartel de século XV, a oxidação do minério a par da

estanho», correspondente a 80% de chumbo para 20% de estanho.

obtenção do óxido de chumbo a partir da calcinação do metal propriamente

dito.

Fortunato Augusto Freire Themudo em 190574 refere, novamente

Considerando-se a vereação de 11 de Agosto de 1576 da Câmara de

para Coimbra, que «o vidrado é formado por 1 kilograma de estanho por 15 de

chumbo misturado com areia do mar para a louça grossa», correspondente a

Março de 1862, aponta-se para as olarias de Coimbra a compra de «Chumbo

93,7% de chumbo para 6,3% de estanho, «e 2 de estanho por 15 de chumbo (...)

8:800 kg. a 110 rs. da mina do Braçal», situada em Sever do Vouga, ao qual

para a louça fina», correspondente a 88,2% de chumbo para 11,8% de estanho.

junta ainda a compra diretamente em Coimbra do já preparado «Zarcão 45 kg.

Sem precisar cronologicamente a fase de transição a que se refere, acrescenta

a 160rs»81.

ainda que «antes porém do encarecimento do estanho o vidrado da louça fina

levava 3 kilogramas de estanho por 15 de chumbo», correspondente a 83,3%

estanho, na sua forma oxidada, à semelhança do observado para o chumbo82.

de chumbo para 16,7% de estanho. É de notar que, apesar da imposição do

O abastecimento do estanho praticado nas olarias de Coimbra poderia

Num artigo publicado no n.o 849 do jornal O Conimbricense, de 15 de

A opacificação dos vidrados cerâmicos era concretizada pela adição de


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

realizar-se pelo interior com estanho de Viseu ou da Guarda, embora fossem

de calcinação», podendo no entanto entender-se que admita igualmente o

igualmente passíveis de serem fornecidas com estanho de além-mar através

termo «fornalha», enquanto António Veloso Xavier em 180588 designa-o já

do chamado porto de Coimbra, na Figueira da Foz, subindo posteriormente o

como «forninho», o mesmo termo que vamos encontrar em 1899 em Coimbra

rio Mondego.

segundo Charles Lepierre89. Contudo, na descrição das olarias coimbrãs feita

por Fortunato Augusto Freire Themudo em 190590, este diz chamar-se-lhe

O uso do cloreto de sódio, empregue como fundente para esmaltes

estaníferos, terá sido quase exclusivamente obtido a partir da adição de sal

«fornilho».

marinho . É da combinação deste cloreto de sódio presente no sal com a sílica

presente na areia que resulta o silicato sódico, que constitui nesse ponto, e sem

memória da calcinação do chumbo e do estanho no local, este não terá deixado

adição de qualquer opacificante, a base do vidrado plumbífero translúcido84.

de acontecer antes da década de sessenta do século XX, uma vez que o mais

É pois apenas a adição do óxido de estanho, já associado ao óxido de chumbo,

antigo funcionário da casa91 não retinha, já em 2007, qualquer recordação do

que como opacificante garantirá a passagem do vidrado plumbífero translúcido

seu funcionamento. Este distanciamento terá levado mesmo a que a memória

para um esmalte estanífero de cor branca85.

da sua função se perdesse completamente. A determinado momento após a

Poderia pensar-se que em Coimbra, de forma natural, a areia empregue

sua descativação a câmara de combustão foi separada da câmara de fusão por

no fabrico de faianças tivesse sobretudo a sua origem nos extensos areais do

uma parede de tijolo, transformando-o assim em duas pequenas fornalhas,

Mondego. No entanto, no já referido artigo do jornal O Conimbricense de

reaproveitadas pelos funcionários para assar alimentos e aquecer as “buchas”

15 de Março de 1862, encontramos «Areia do mar 2 carros, a 2$400 rs. da

diárias.

Figueira». Por sua vez, Fortunato Augusto Freire Themudo, em 190586, refere-

nos que na «louça grossa» seria empregue «areia do mar» e na «louça fina» a

Charles Lepierre na sua Figura 8, fique a ideia de se tratar de uma estrutura

«de Soure», levantando a hipótese de a determinado ponto se ter estabelecido

independente, à semelhança da representação que o italiano Cipriano

um comércio de areias a partir da foz da Figueira subindo o rio Mondego. A

Piccolpasso faz na sua obra Litre libri dell’arte del vasaio, de 1557-1559, na

mesma origem deveria ter o sal utilizado na preparação dos vidrados.

olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» o forninho encontra-se

inserido paredes-meias entre o “forno grande de vidragem” e o “forno pequeno

83

A preparação e transformação das matérias-primas enunciadas

Na olaria encontramos ainda intacto o forninho e, apesar de já não haver

Se bem que do registo gráfico do forninho coimbrão, publicado por

passava, numa fase inicial, pela operação de oxidação do chumbo e do

de vidragem”.

estanho. A esta operação encontramos atribuídas às designações “calcinar” ou

“queimar”, e consequentemente “calcina” – ou “calcinado” – ou “queima” ao

adossada a uma das paredes do volume de um dos fornos cerâmicos,

produto resultante.

procurando igualmente com a sua localização reaproveitar a chaminé lateral

Esta operação era efetuada num pequeno forno, destinado apenas a essa

que capta e evacua os gases das cozeduras, o que provavelmente já aconteceria

função. José Ferreira da Silva, em 180487, refere-se-lhe apenas como «forno

com o forninho representado por Charles Lepierre, ainda que o seu registo

Fica-nos pois a ideia de que o forninho seria sobretudo uma estrutura

35


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 14 | Aspeto do forno de revérbero - “forninho” - para calcinação do chumbo e do estanho empregues no esmalte, embutido entre o “forno grande” e o “forno pequeno” de vidragem (L. Sebastian, 2007) e sua representação esquemática (L. Sebastian)

36

não o esclareça. Na olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» o

qual se junta o estanho. De forma a induzir uma maior e mais rápida oxidação

forninho de calcinação partilha a chaminé lateral do forno de enchacotagem.

dos metais estes são continuamente mexidos com um rodo de cabo comprido,

um utensilio que com a sua ponta dobrada e larga permite arrastar o produto

A calcinação do chumbo seria realizada em primeiro lugar, após a


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

calcinado. Consoante a formação do óxido na superfície dos metais fundidos,

25 kilogramas de Calcina de estanho, a que se juntavam 37,5 kilogramas de Sal

este era empurrado ou puxado para o lado, de forma a melhor expor a

marinho e 125 kilogramas de Areia branca, podendo-se juntar 7,5 kilogramas de

superfície líquida à continuação da oxidação. Procurava-se a total oxidação do

cristal», ainda que à data de registo já só se use «100 kilogramas de Chumbo e 18

metal introduzido no forninho, ainda que parte residual devesse permanecer

a 20 kilogramas de Estanho», ou «cinco de chumbo por uma de estanho apenas»,

invariavelmente no fundo do lar da câmara de oxidação ou do recipiente usado

sendo que «ao volume ocupado por esta calcina adiciona-se 1,5 volume de areia

para expor o metal ao fogo92.

e 32 litros de sal».

Depois de devidamente doseados no seu estado oxidado, ao chumbo

Como preparação para a fase de moagem, o bolo da frita era triturado

e ao estanho seriam acrescentados sem prévia transformação as respetivas

– ou pisado95. No espólio da olaria «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

doses de sal marinho – cloreto de sódio – e areia – sílica –, mistura essa que

Lda.» consta uma pia de calcário que se situava defronte aos fornos e que serviu

colocada na fornalha do forno cerâmico, em recipiente próprio ou em buraco

de almofariz, juntamente com a utilização de um pilão de ferro. Segundo a

aberto no chão da fornalha e revestido por areia para não pegar, iria então a

planta da olaria de 1915 este seria designado de “pizão” e estaria localizado

fritar uma última vez antes da sua moagem93.

junto a uma das janelas direcionadas para o Quintal do Prior, o que indica que

este deverá ter sido mudado por alteração do espaço interior da olaria.

Na referência de Charles Lepierre à Coimbra de 189894 temos que no

princípio de oitocentos empregava-se «100 kilogramas de Calcina de chumbo e

Na fase de moagem propriamente dita importa analisar o moinho

Figura 15 | Almofariz em pedra com pilão de ferro (L. Sebastian, 2007). Localização do tanque de “Pizão” na «Planta de Fábrica de António Cardoso de Carvalho»; 1915; escala original: 1:100 (AUC Governo Civil _ Licenças para estabelecimentos industriais 1915, Processo no 99)

37


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

empregue nessa tarefa e o seu modo de funcionamento. Na segunda escritura de arrendamento que foi feita por Leonardo Ferreira da Cunha, a Francisco António Maria de Sousa e a Francisco Ferreira Duarte a 13 de Abril de 1867, são descritos dois «moinhos de boi» com ferragem e pedras96. Na descrição dos bens móveis da olaria de 1946 vem referido um «(...)moinho de galgas, para moer o vidro, que era accionado por um animal»97. Posteriormente, todo este equipamento terá dado lugar a um cilindro acionado por um motor elétrico de 5 c.v., o que já acontecia em Janeiro de 194298. O tipo de moinho e o seu modo de funcionamento será semelhante ao descrito por João da Bernarda, com relação à olaria de Alcobaça fundada em 1875. Segundo o autor “O primeiro moinho utilizado para moer vidro era um cilindro feito em madeira (aduelas) como um barril, forrado de pedra que tinha uma mó com uma manivela funcionando ao alto, um pouco como a mó árabe. Passou-se a adaptar neste conjunto uma correia que acoplada a um moinho eléctrico, dava um rudimentar moinho de bolas (seixos) como hoje são conhecidos”99.

Num documento datado de Junho de 1946 vem referido que a moagem do vidrado

se encontrava instalada na Rua do Adro de Santa Justa, e portanto, na parte referente ao barreiro. Aí constava «1 Moinho cilíndrico para vidro (electrico); 1 Moinho de galgas para vidro (fora de uso); 3 Tornos de oleiro; 1 Motor de 5 c.v.; 2 Barreiros»100. Mais tarde, o motor de 5 c.v. e o moinho cilíndrico para moer vidro, terão sido transferidos para o edifício principal da olaria101.

Apesar de não termos encontrado vestígios do moinho de galgas, estas fontes

documentais indicam que todas as fases de preparação do vidrado, incluindo a moagem, eram processadas na olaria. Informações que contrariam o testemunho de Charles Lepierre que afirma, em 1898102, que «nenhuma fábrica tem motor seu; as cores e vidrados são moídos numa fábrica independente, de moagem comum, movida a vapor». Uma informação repetida em 1905 por Fortunato Augusto Freire Themudo103, afirmando que «o vidrado e as cores para as diferentes fábricas são moídos numa oficina independente, movida a vapor, e que se encarrega deste serviço para os fabricantes mediante uma certa remuneração». 38

Figura 16 | Moinho cilíndrico elétrico (L. Sebastian, 2007).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

2.1.3. Obtenção e preparação das tintas

O óxido de antimónio, utilizado na obtenção dos amarelos, tem como

principal mineral a estibina ou sulfureto de antimónio (Sb2S3). Não sendo Apesar de não existir memória da preparação local do esmalte, esta

segura a sua origem, este sulfureto de antimónio deverá na maioria, senão na

existe em relação às tintas, que passaram a ser adquiridas ao exterior apenas

totalidade, ser provindo também de Inglaterra. Charles Lepierre108 dá força a

na década de setenta de século XX, sendo que um moinho de moer tintas vem

esta ideia, ao escrever sobre as olarias de Coimbra que «este sulfureto vem de

também referido na descrição dos móveis na segunda escritura de 1867104.

Inglaterra, quando em Portugal se exploram importantes minas d’este mineral

(stibina) que dá um excellente producto: dá este facto mais uma prova do atraso

Uma vez finalizada a moagem do esmalte, este encontrava-se

em condições de ser aplicado sobre a superfície das peças previamente

dos fabricantes».

enchacotadas para serem, posteriormente, pintadas.

Relativamente às diversas cores empregues na pintura importa

(Fe) é utilizado para a obtenção de tonalidades violeta, vermelha, laranja,

considerar de onde são extraídas. O cobalto (Co) é para todos os efeitos um

amarela, preta e verde. A ocorrência do minério de ferro é bastante comum

metal que se encontra comummente associado com o níquel nos minerais

tendo como principais minérios a hematite (Fe2O3), magnetite (Fe2+Fe3+2O4),

esmaltite (CoAs2) – cobalto branco piritoso – e cobaltite (CoAsS) – galena de

limonite (FeO(OH)·nH2O), pirite (FeS2) e siderite (Fe(CO3)). Na olaria eram

cobalto. Este foi grandemente importado de Inglaterra para Portugal após o

calcinados, na “caldeira” do forno de vidragem, aros de ferro reaproveitados de

desenvolvimento da indústria cerâmica inglesa a partir de meados de século

velhas pipas para que fossem aproveitados na obtenção do óxido de ferro.

XVIII. Neste sentido vem igualmente a afirmação de Charles Lepierre, em

1899105, em relação às tintas empregues nas olarias de Coimbra, de que «um

oxidada. O cobre pode ocorrer frequentemente no seu estado nativo, mas

número grande d’estas cores são importadas de Inglaterra principalmente». O

mais frequentemente ocorre na forma dos seus principais minerais: calcopirite

mesmo autor refere ainda que nas receitas de «Azul para faiança ratinha»

(CuFeS2), cuprite (Cu2O), cacosite, também designável por galena de cobre

e de «Azul para faiança Vandelli» é empregue morado ao qual faz seguir a

(Cu2S), malaquite (Cu2(CO3)(OH)2) e azurite (Cu3(CO3)2(OH)2). Apesar de

nota «óxido de manganez do Bussaco» ou «MnO2 impuro do Bussaco». A isto

o minério de cobre contar para o território português com diversos pontos

podemos ainda juntar a informação de João da Bernarda106 de que “certas

históricos de exploração nas regiões do Vale do Vouga, Algarve e sobretudo

pedras do Mondego de côr castanho- escuro davam depois de calcinadas um

Alentejo, com destaque para Mértola, Grândola e Aljustrel109, a obtenção

morado bastante usado em Coimbra e na região de Alcobaça”. O manganês

do verde cobre aparenta ter tido principalmente por base o azinhavre,

(Mn), ou manganésio como mais correntemente designado nas áreas química

correspondente ao carbonato extraído da oxidação da superfície do próprio

e mineralógica, tem como principal mineral a pirolusite (MnO2), ao qual

metal, e o óxido obtido pela calcinação de restos de cobre.

se juntam a manganite (Mn O(OH)), a blenda de manganésio (MnS) e o

psilomelânio (Mn(MnO3))107.

cores, como a areia e o óxido de chumbo110, todos os corantes empregues são

3+

Utilizado quer no seu estado de oxidação quer no de redução, o ferro

As tintas de cor verde teriam por base o cobre (Cu) na sua forma

Associados a um fundente, vitrificável, incolor e inerte perante as 39


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

passíveis de apresentar diversas tonalidades segundo a sua maior ou menor concentração, que de forma controlada e intencional permite um importante enriquecimento decorativo através de diferentes gradações da mesma cor. 2.2. Técnicas de produção 2.2.1. Conformação e secagem

A conformação do barro, nas suas formas pretendidas para a produção

de faiança, é obtida por rodagem ou moldagem. A rodagem consiste na formação da peça na roda de oleiro, ou torno de oleiro, que animado por um movimento de rotação contínua permite a formação do barro, manual e com auxílio de instrumentos, em objetos de configuração circular, simétricos segundo um eixo central de revolução111. O termo moldagem define a ação de produzir peças cerâmicas através da conformação do barro em moldes112.

No espólio da olaria conserva-se um torno de oleiro original que se

presume manifestar um particularismo regional. De acordo com a solução corrente, este era totalmente concebido em madeira, com exceção do eixo e das ferragens de ferro que o fixavam à restante estrutura do torno, sendo no seu todo uma estrutura móvel.

A particularidade deste exemplar registado é não possuir banco,

ficando o oleiro sentado de través num barrote central, o qual é atravessado pelo eixo, numa solução mais simples, se não mesmo mais grosseira, em comparação com o torno comummente representado113. Esta posição, apesar de pouco confortável para o oleiro, permitiria contudo uma maior impulsão à roda. A sua datação deverá recuar à viragem dos séculos XIX-XX e segundo a planta de 1915 existiriam, à data, cinco rodas de oleiro na fábrica de António Cardozo de Carvalho. Estas, pela óbvia necessidade de luz para a boa execução 40

Figura 17 | Modo de funcionamento e dimensões da roda ou torno de oleiro (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

41


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

do trabalho de rodar o barro, estariam posicionadas junto às janelas ou em

qualquer vão, orientadas de forma a garantir o maior período possível de luz

cérceas, nas quais se encontrariam inscritos os perfis exteriores ou interiores das

por dia.

peças a rodar, permitindo a reprodução de peças iguais de forma mais segura

A acão de rodar propriamente dita, designada por Pedro Prostes114

e rápida, contribuindo assim de forma decisiva para o aumento da capacidade

como “roderio”, passa primeiramente por uma última amassadura da bola

produtiva. Estas seriam sobretudo aplicadas diretamente seguras por uma

de barro que foi separada após o seu tratamento e feita proporcionalmente

das mãos do oleiro, podendo no entanto ocorrer soluções que passassem pela

à obra a ser produzida, aqui designada por “péla” . De seguida, a “péla” é

sua fixação em um qualquer eixo ou haste. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de

colocada sobre o prato do torno, “tangendo” a roda até atingir a velocidade

Coimbra, Lda.» fomos encontrar a versão já industrializada deste sistema de

ideal e constante, e molhadas as mãos na água contida no recipiente tido para

conformação do barro, a que era dado o nome de “jaula”. Esta utiliza uma roda

esse efeito sobre a bancada, o oleiro começa por centrar o barro, passando

e uma série de cérceas diferentes consoante o perfil que se quer imprimir à

a fazê-lo subir – puxar o barro – em forma de cilindro ligeiramente cónico,

peça.

115

Já nos instrumentos auxiliares de calibração se inclui o recurso de

iniciando então com os dedos a abertura do recipiente de cima para baixo e do centro para a periferia116. Ainda que a rodagem do barro fosse sobretudo realizada diretamente com as mãos, a sua execução envolveria quase obrigatoriamente o emprego de instrumentos auxiliares, que poderemos dividir entre auxiliares de modelação e auxiliares de calibração.

Dentro dos instrumentos auxiliares de modelação, e segundo José

Ferreira da Silva117, seria utilizado o “cutelo” ou “faca”, enquanto António Veloso Xavier118 refere a “agulheta”, «especie de ponta de ferro» aguçada. Consensual é a referência ao uso do garrote no corte de separação da peça concluída do prato do torno, sendo igualmente utilizado no corte do barro na sua fase de preparação. Cipriano Piccolpasso, na sua obra de 1557-1559, diz ser um fio de cobre ou latão119. Já José Ferreira da Silva120 chama-lhe «fio de latão» ou «serra», definindo-o como «ponta de fio de arame guarnecida de um punho em cada extremidade».

Outra necessidade óbvia é a presença de um recipiente com água junto

ao torno de oleiro, para servir os constantes humedecimentos das mãos121. 42

Figura 18 | Equipamento do sistema de “jaula” (L. Sebastian, 2007).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

À passagem do barro pela cércea esta retira o excesso e imprime ao barro o

dava-nos em rotação, a cada altura, o diâmetro da circunferência pretendida”.

perfil da cércea. Este trata-se de um sistema misto de conformação uma vez

que, para além de utilizar uma roda e um instrumento de calibração, utiliza

na determinação de diâmetros e alturas, não só das dimensões máximas da

ainda um molde metálico. Na roda era aplicado o negativo da forma que se

peça, mas também das diversas inflexões que determinam o seu perfil.

queria imprimir para formar a outra face da peça, para que entre o negativo e

a cércea se formasse de uma só vez ambos os perfis da peça.

da roda de oleiro com a passagem do “garrote”, devendo o transporte do barro

ainda fresco ser feito com extremo cuidado, dada a fácil deformação das

O pontalete terá sido igualmente um dos meios mais comummente

No processo manual de “rodagem”, o pontalete tem um papel importante

Após a conclusão da formação do barro, este seria separado do prato

empregues na orientação do trabalho de modelação do oleiro, sendo que para

paredes através da pressão exercida pelas mãos no ato de apreensão.

a olaria alcobacense de tradição coimbrã, João da Bernarda122 descreve que

“Para cada medida desejada da série o oleiro tinha uma guia constituída por

em negativo a forma da peça a obter, sendo por norma compostos de diversas

um bocado de ripa vertical. Esta guia era fixada por um pouco de barro à banca

secções, designados por “tacelos”123, permitindo assim o seu desmanche e

do torno, tendo, a alturas desejadas, lascas de cana que serviam de regulador

a recuperação da peça uma vez seco o barro, e sua posterior reutilização124.

da forma, definindo o seu perfil com os pontos mais salientes. Este conjunto

Em regra os moldes são concebidos em gesso, beneficiando da sua elevada

A moldagem por sua vez faz-se com recurso a moldes que reproduzem

Figura 19 | Moldes de gesso (L. Sebastian, 2007).

43


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

capacidade de absorção da humidade, acelerando o processo de secagem e

de barro, designável por “lastra” ou “folha”, é pressionada com uma esponja

recuperação das peças, que uma vez desidratadas contraem, separando-se

molhada, ou com uma boneca125, e com os dedos, ao que se atribui a designação

naturalmente do molde.

de “rebocar”126, seguindo-se a secagem e recuperação da peça. Para facilitar o

destacamento do barro em relação às paredes do molde, estas eram por regra

Especialmente vocacionado para a formação de peças de morfologia

complexa e, sobretudo, não circular, o enchimento do molde pode ser por

previamente molhadas127.

prensagem manual ou por “lambugem”, ou “barbotina”.

A primeira refere-se à prática de aplicar o barro em forma de lâmina

Coimbra, Lda.», o barro era estendido, com auxílio de um rolo de madeira,

ao interior do molde, forçando-o a adaptar-se às suas paredes internas

entre duas réguas de madeira, controlando-se a espessura desejada através da

reproduzindo em positivo a sua morfologia. Para esta correta adesão a lâmina

escolha da espessura das réguas usadas.

Figura 20 | Rolo e réguas para obtenção da lastra de barro para aplicação nos moldes (L. Sebastian, 2007).

44

Para a preparação da “lastra”, na «Sociedade Cerâmica Antiga de


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

O segundo processo, também ele utilizado na olaria, refere-se à utilização

A segunda aplicava-se a peças que necessitassem da adição de elementos

do barro em estado líquido, nesse ponto designado por “lambugem” ou

suplementares, produzidos separadamente e posteriormente adicionados,

“barbotina”, molhando-se as paredes do molde de forma sucessiva, com períodos

de entre os quais se destacam as asas, bicos e pés das peças produzidas.

de secagem entre cada nova camada, até o barro atingir a espessura pretendida

para as paredes da peça a produzir128.

consistindo basicamente num tubo ao fundo do qual podiam ser ajustados

Independentemente do processo empregue na conformação do barro,

diversos discos metálicos com diferentes secções recortadas. Uma vez cheio

seguia-se para algumas peças a soldagem das suas diferentes partes ou adição

o tubo com barro, este era empurrado baixando a alavanca, obrigando

de elementos suplementares. A primeira ocorria em peças cuja complexidade

assim a que o barro passasse pela secção recortada no fundo do tubo,

implicasse a formação separada de algumas das suas partes na roda de oleiro.

reproduzindo-o.

No espólio da olaria permanece uma fieira manual de alavanca,

Figura 21 | Fieira de alavanca empregue na produção de asas (L. Sebastian, 2007)

45


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

À parte o comum emprego de fieiras na produção de asas verticais de morfologia

alongada e secção contínua, não podemos nunca pôr de parte a sua simples formação manual, sobretudo tratando-se de secções circulares simples, facilmente obtidas a partir de rolos de barro.

Quer a colagem de peças constituídas por diferentes partes, quer a adição de

qualquer um destes elementos ao recipiente já rodado ou moldado, é feita após um curto período de secagem da peça, regra geral numa mesa de trabalho à parte da roda de oleiro e apenas utilizada para o efeito.

As zonas de contacto entre as duas partes seriam então raspadas e esfregadas

com barro semilíquido, na condição de “barbotina”, que funcionaria como solda, pressionando-se até se obter uma conveniente adesão para suportar a secagem final.

Figura 22 | Registo gráfico de espátulas de madeira. Pormenor da marca do utilizador - coleção particular (L. Sebastian & F. Formigo, 2015).

Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» eram ainda utilizadas esponjas e um conjunto de espátulas de madeira com diferentes pontas – com a marca do utilizador – para conferir os acabamentos129.

Independentemente da soldagem dessas diferentes partes ou posterior

acrescento, ou não, de elementos adicionais, após a rodagem ou moldagem das peças estas seriam sujeitas a uma primeira secagem natural – meia-seca130 – conferindo-lhes apenas a dureza necessária ao seu acabamento. Este acabamento recebia a designação de “tornear”, pelo facto de ser realizado no “tornilho”, um prato rotativo sem roda inferior para impulsão com os pés, sendo a superfície da peça alisada por todo com recurso a lixa ou a esponja húmida.

Seguidamente procedia-se ao enxugo total das peças, tratando-se sempre

de um processo gradual e lento de secagem, decorrido no interior da olaria para evitar a exposição direta à luz solar, desta feita bastante mais prolongada que a meiaseca necessária ao torneamento das peças. Pelo facto de, para este efeito, as peças serem colocadas em tábuas sobrepostas, já José Ferreira da Silva em 1804131 designa a estrutura por «armação de ripas». A evolução da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» levou a que na década de oitenta do século XX ocorresse a substituição 46

Figura 23 | Fase de torneamento das peças, realizado sobre tornilho (L. Sebastian, 2007).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 24 | “Armação de ripas” empregue na fase de enxugo das peças (L. Sebastian, 2007).

Figura 25 | Peças na fase de enxugo sobre mesa (L. Sebastian, 2007).

do forno de enchacotagem original por um pequeno forno elétrico, o que terá

humedecimento superficial de modo a abrandar o enxugo em caso de elevadas

conduzido a uma redução substancial do número de peças por “fornada”,

temperaturas ambientais.

levando a que o enxugo das peças por enchacotar se fizesse praticamente todo

sobre uma só mesa.

– a que se soma uma segunda e maior na fase da cozedura de enchacotagem

Este processo de secagem ou enxugo tem por fim a eliminação da água

– diminuindo aqui o seu volume geral pela perca de grande parte da água

adicionada, sendo o seu processamento obrigatoriamente gradual de forma a

adicionada. Estes momentos de contração terão já que ser tidos em conta na

evitar que as peças se deformem ou fendam, implicando mesmo por vezes um

fase de modelação, fazendo-se pela experiência do oleiro, e de acordo com

Uma vez secas, as peças sofrem invariavelmente uma primeira contração

47


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Analisando os fornos da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»

possíveis variações nas argilas empregues, uma compensação na volumetria

das peças, ligeiramente maiores que o pretendido no final132.

e comparando o utilizado na cozedura de enchacotagem com o da segunda

A duração do enxugo variaria de acordo com o tamanho da peça, as

cozedura, ou seja, de vidragem, verifica-se que estes são dimensionalmente

flutuações de temperatura e humidade do ambiente envolvente, bem como

opostos, sendo o de vidragem largamente maior. A razão desta distinção

a circulação de ar, podendo a soma de todos estes fatores determinar um

dimensional entre fornos de enchacotagem e de vidragem poderá ter sido

período de secagem de dias ou semanas.

essencialmente a da redução de custos de produção, isto se considerarmos que o enfornamento da louça na cozedura de enchacotagem dispensava por

2.2.2. Cozedura de enchacotagem

princípio o emprego de separadores ou sistemas de encaixotamento, que essenciais na cozedura de vidragem, aumentavam para o dobro o volume

Após a modelação e secagem, as peças de faiança seriam sujeitas

a enfornar. Assim, o emprego de um forno de menores dimensões para as

a uma primeira cozedura, denominada de “enchacotagem”, designando-

cozeduras de enchacotagem evitaria desperdícios no consumo da lenha,

se as peças assim cozidas por “chacota”, podendo-se nomear igualmente a

segundo o princípio incontestado de que apenas se procede a uma fornada

cozedura por “biscoitagem” e o seu produto por “biscoito”133.

com a câmara de cozedura completamente cheia. Por outro lado, a utilização

Esta primeira cozedura de enchacotagem terá sido em geral

permanente do mesmo forno para ambas as cozeduras poderia levar a uma

incontornável na produção de cerâmica com cobertura estanífera em

completa descompensação entre o fluxo de peças enchacotadas e as fases de

território nacional, ainda que se possam encontrar excecionalmente fabricos

esmaltagem, pintura e cozedura de vidragem.

em que apenas fosse aplicada uma cozedura, como poderá ter sido o caso

das produções coimbrãs oitocentistas de faiança ratinha134.

na presença de um forno de cozedura oxidante de planta retangular, de

Analisando a necessidade de uma primeira cozedura, encontramos

duas câmaras, também designado “de grelha”, “de tiro vertical”, ou “tiragem

a sua razão de ser no facto de o barro cru, apenas seco, resistir mais à

direta”136. A câmara de combustão – “fornalha” ou “caldeira” – mede 90 por

absorção do esmalte e tintas dissolvidos em água. Pelo contrário, cozido

146 cm com 100 cm de altura. A separação desta em relação à câmara de

em chacota, o barro ganha uma elevada porosidade, acelerando imenso o

cozedura é feita por uma grelha – ou “lar” – perfurada por “ulhais” – “olhais”,

processo de absorção da água contida no esmalte e tintas em suspensão e

“crivos” ou “agulheiros” – quadrangulares com cerca de 10 cm e suportada por

fixando de imediato as suas partículas à pasta135. Igualmente prático é o facto

dois arcos abatidos. Sobre esta, a câmara de cozedura, com igual largura da

de a cozedura de enchacotagem conferir ao barro a resistência mecânica

câmara de combustão, apresenta 174 cm de altura. Ao contrário dos restantes

necessária ao seu livre manuseamento e imersão na calda do esmalte, sem

dois fornos de vidragem, de maiores dimensões, as bocas de carga e descarga

perca ou deformação da modelação anteriormente conseguida na roda ou

da câmara de combustão e a porta de carga da câmara de cozedura são

em molde.

transversais, ou seja, situam-se no alçado com maior extensão. A cobertura

48

Começando por analisar o forno de enchacotagem, verificamos estar


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 26 | Registo gráfico da planta inferior dos fornos de enchacotagem e vidragem (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 27 | Registo gráfico da planta superior dos fornos de enchacotagem e vidragem (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).

50


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

da câmara de cozedura é plana, sendo toda a construção conseguida com

arco de volta perfeita através do qual seria introduzida a lenha, cortada em

tijolos maciços e pedra rudemente afeiçoada. Esta pedra foi no entanto

pequenos cavacos ou tocos.

apenas esporadicamente empregue na construção das faces exteriores das

paredes, que possuem cerca de 60 cm de espessura em ambas as câmaras.

consiste numa abertura retangular de apenas 39 cm de altura por 14 cm de

Como acesso ao interior da câmara de cozedura, para enfornamento

largura, sendo que a disposição destes dois vãos tem uma correspondência

e desenfornamento das peças, conta com um vão com a altura máxima de

exata com o registo gráfico da figura 7 apresentada por Charles Lepierre na sua

170 cm por 50 cm de largura. Superiormente, nos seus últimos 30 cm, a

obra de 1899.

sua largura atinge os 70 cm, terminando em arco de volta perfeita. Esta

configuração prende-se com o facto de, após se enfornarem as peças no

diminuindo a altura deste para uns reduzidos 24 cm no interior da câmara de

interior da câmara de cozedura, este vão ser emparedado com recurso a tijolos

combustão propriamente dita, adaptando-se esta configuração à sua função

e barro, permanecendo aberto apenas este alargamento superior, única saída

de permitir a remoção das cinzas. Contudo, João da Bernarda137 refere-nos

dos gases durante a cozedura. Feita deste modo a evacuação dos gases do

que a esta função juntava-se ainda a de fornecer mais ou menos oxigénio ao

interior da câmara de cozedura, a sua eliminação do interior da olaria fazia-se

interior da câmara de combustão, cuidando sobretudo de evitar a criação

através de uma chaminé exterior ao próprio forno, dita “chaminé lateral”, que

de uma atmosfera redutora no interior da câmara de cozedura, provocada

no caso concreto observado era partilhada pelo “forno de enchacotagem” e

pela excessiva acumulação de fumo. Isto poder-se-ia fazer desimpedindo

pelo “forno pequeno de vidragem”.

completamente esta abertura. Caso se desejasse desacelerar o fogo e o consumo

de combustível, dever-se-ia então proceder à sua parcial obstrução.

Apenas o terceiro forno, dito “forno grande de vidragem”, possuía uma

Inferiormente localizado em relação ao vão anterior, o segundo vão

A base do segundo vão faz-se em rampa descendente para o exterior,

Na análise aos três fornos da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

destas chaminés em exclusivo, pelo que fica a ideia de que no geral, nas olarias

de Coimbra, perante a solução de dois fornos a tendência prática teria sido a

Lda.», observa-se um gradual desnível do piso em cerca de 50 cm das bocas

da sua construção próxima, de forma a partilharem a mesma chaminé lateral.

de carga das câmaras de combustão até à área de modelação do barro. Charles

A localização superior do acesso à câmara de cozedura, colocando-o

Lepierre138 informa que a câmara de combustão seria «sempre abaixo do solo,

ao nível do segundo piso do edifício da olaria, obrigava a que, a partir deste

por isso é que o crivo destes fornos está em geral ao nível do piso ou quando

segundo piso, fossem colocadas pranchas de madeira que permitissem o acesso

muito 1 metro acima».

para enfornamento e desenfornamento das peças, devendo estas pranchas

serem retiradas durante a cozedura.

o Terreiro da Erva sofreu, obrigando mesmo à elevação da porta de entrada

A par deste vão de acesso ao interior da câmara de cozedura, a câmara

para a olaria, obriga a algumas reservas, não se podendo afirmar que à data

de combustão conta ainda com dois vãos. O primeiro, superior, consiste num

de construção dos fornos as câmaras de combustão não se encontrassem

meio círculo de 28 cm de altura por 53 cm de largura, basicamente um pequeno

acima do nível de circulação exterior. Fica, no entanto, a ideia de estarmos

Em relação à cota de circulação exterior da olaria, o notório aterro que

51


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

perante câmaras de combustão já originalmente semienterradas, mas nunca

barro com esse fim já então amplamente reconhecida e aplicada, não só na

completamente abaixo dos níveis de circulação contíguos, uma vez que ainda

produção de louça doméstica de ir ao fogo, mas igualmente em cadinhos e

hoje não se encontram nessa situação.

estruturas contentoras de fogo, estas terão certamente sido adicionadas aos

Este enterramento, ou semienterramento, é uma redundância técnica

barros empregues, se possível já selecionados de acordo com a sua maior

na construção de fornos cerâmicos139. Já Vannoccio Biringuccio, na sua

ou menor presença no seu estado natural de recolha. Além de aumentar

obra de 1540 De la pirotechnia li diece libri della pirotechnia140, e Cipriano

a refratividade do barro, a areia iria ainda contribuir para aumentar a sua

Piccolpasso , na sua obra de 1557-1559, o referem, ainda que nas suas

estabilidade, evitando maiores variações ao nível das retrações e distensões

ilustrações não o reproduzam.

sofridas durante as cozeduras a altas temperaturas143.

141

52

Analisando as técnicas construtivas destes fornos, independentemente

Para além das areias, admite-se ainda que se tenha recorrido à

da pontual aplicação de elementos pétreos, sobretudo ao nível das fundações

introdução de materiais que elevassem a porosidade do barro, sobretudo no

e, se acaso na elevação das suas paredes, apenas nas suas faces exteriores, o

que aos tijolos diz respeito. Esta porosidade iria aumentar o carácter isolante

seu principal elemento constituinte é o barro, quer estruturalmente na forma

do tijolo, diminuindo a dissipação térmica para o exterior, contribuindo assim

de tijolo maciço, muitas vezes designado de tijolo burro, quer na formação de

para a elevação da temperatura interior. Contudo, esta porosidade não poderia

rebocos, sobretudo interiores.

nunca ultrapassar os 60-70%, sob risco de diminuir a resistência mecânica do

tijolo em demasia144.

A este nível impõe-se a importância dos materiais empregues

apresentarem a necessária resistência a altas temperaturas, sobretudo

Voltando à questão do isolamento térmico, deste depende em muito a

os em contacto mais direto com o fogo. Fazendo-se a construção destes

eficácia de qualquer forno cerâmico, na determinação da temperatura máxima

fornos eminentemente com recurso a barros vermelhos, os hidróxidos de

atingível bem como no consumo de combustível. A dissipação térmica para

ferro aí presentes agem igualmente só por si como fundentes, reduzindo

o exterior, ao reduzir a temperatura interior da câmara de cozedura, obriga

prejudicialmente a temperatura a que os tijolos ou rebocos daí obtidos entram

por outro lado a uma maior adição de combustível, de forma a compensar

em fase de vitrificação e, consequentemente, de deformação, comprometendo

elevando, ou apenas mantendo, a temperatura necessária. Para isto se aumenta a

a integridade estrutural do forno142.

espessura das paredes do forno, devendo o seu aumento ser tanto maior quanto

Admite-se que para a elevação da refratariedade e isolamento dos

as temperaturas a atingir, e não tanto quanto a sua capacidade. A um aumento

materiais empregues na construção dos fornos, além de algum cuidado na

de volume da câmara de cozedura deverá então corresponder igual aumento

escolha dos barros, se tenha recorrido à introdução nestes de diferentes

da câmara de combustão, no entanto, mantendo-se as temperaturas praticadas,

matérias.

é desnecessário o espessamento das suas paredes. De notar que este princípio

Conhecendo-se as propriedades refratárias das areias siliciosas, por

apenas se aplica em cozeduras prolongadas, como é o caso aqui considerado,

isso também designáveis por areias refratárias, e sendo a sua introdução no

uma vez que a maiores espessuras de parede também correspondem maiores


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

índices de absorção de calor, sobretudo inicial, implicando logo à partida uma

relação entre o consumo de combustível e a quantidade de cerâmica cozida por

considerável injeção de calor145.

fornada, ainda que uma relação de iguais dimensões contribuísse para uma

A aplicação de um reboco interior nas câmaras de combustão e

melhor uniformização na transferência do calor. Daqui se verificarem amiúde

cozedura contribui igualmente para um maior isolamento, podendo ser feito

consideráveis diferenças entre o aspeto final de peças produzidas numa mesma

com o mesmo barro empregue nos tijolos ou, de forma vantajosa, selecionando

fornada, para além das resultantes de diferentes fornadas, dado o forte carácter

o mais refratário dos barros disponíveis.

ainda assim aleatório de muitos dos aspetos envolvidos no manejo destes

fornos.

Este reboco serviria igualmente como capa protetora para os tijolos

usados na construção das paredes. A constante dilatação e contração do

Fica-nos pois apenas por analisar a relação da entrada e saída de ar

reboco levaria, mesmo que a longo prazo, à sua fratura e destacamento das

do forno, na determinação da tiragem destes fornos. A entrada de ar para a

paredes. Contudo, este reboco era passível de ser constantemente reforçado

câmara de combustão fazia-se pela boca de carga da lenha. Sob esta localizava-

ou substituído. Este sacrifício do barro do reboco teria a destacada vantagem

se ainda a pequena abertura por onde a cinza era posteriormente extraída.

de poupar os tijolos à sua máxima exposição, retardando assim a sua tão

Contudo, parece-nos que esta, durante a cozedura, rapidamente deveria ficar

indesejada desintegração.

obstruída, não contribuindo assim para um aumento significativo de entrada

Abordadas as questões da refratividade e isolamento na construção do

de ar. Superiormente, no vão de acesso ao interior da câmara de cozedura, a

forno, importa considerar a importância da configuração do forno na elevação

interrupção do seu emparedamento junto ao arco em que terminava constituía

e manutenção da temperatura. Repartindo-se o processo de aquecimento da

o único escape dos gases. A relação ideal apontada para fornos de lenha, em

câmara de cozedura igualmente pela condutividade e radiação dos materiais, o

que a entrada de ar deve ser duas vezes superior à de saída, não é aí de todo

fator mais importante não deixa de ser a circulação do calor por transferência

aplicada, havendo antes uma relação de igualdade, o que resultaria numa geral

térmica, ou condução, sobretudo ditada pela sua morfologia, levando ao que se

diminuição de tiragem. Estando contudo garantidas as temperaturas máximas

designa por uma boa tiragem. Nos fornos retangulares ou quadrangulares, as

necessárias, inequivocamente provadas pelo seu contínuo uso, e novamente

suas esquinas retas representariam um foco de resistência à rápida circulação

tratando-se de cozeduras prolongadas, esta diminuição de tiragem resultaria

do calor, diminuindo a velocidade e, logo, a tiragem, o que ainda assim é

ainda assim numa consequente economia de combustível, dada a direta relação

minorado por se tratarem aqui, regra geral, de fornos de grande volumetria,

entre maiores tiragens e maiores consumos146.

uma vez este contra efeito se fazer sentir ainda mais em pequenos fornos.

Em termos da relação entre a largura e a altura da câmara de

de cozedura se fizesse sobretudo pela circulação do calor por transferência

cozedura, o facto de se tratar de fornos de tiragem ascendente, logo de mais

térmica, a condutividade e a radiação dos materiais são sempre de considerar.

fácil tiragem, permite elevar com eficácia a sua altura interior para valores

Ao nível da última é importante salientar o papel que o completo carregamento

acima dos 50% relativamente à sua largura, com natural melhoramento da

da câmara de cozedura desempenha, funcionando as peças ou contentores de

Ainda que, como já referido, o processo de aquecimento da câmara

53


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

enfornamento como refletores147.

de lenha que «deve regular por 3:500 a 3:600 kilogramas, cujo preço anda

Tendo-se abordado a importância do isolamento e da morfologia dos

por 12$000 réis a 13$000 réis», enquanto que para um forno de cerâmica de

fornos para a obtenção de mais altas temperaturas, impõe-se agora observar

construção, «mais pequeno mas em tudo igual aos das olarias de louça», refere

a questão do combustível empregue. Na olaria era utilizado o pinho como

o consumo por fornada de cinco carradas de lenha, custando cada carrada

combustível, cortado em curtos tocos rachados a meio, na vertical, tal como

2$000 réis, logo num total de 10$000153. É curioso ainda apontar que, numa

já referido em 1804 por José Ferreira da Silva148. No uso desta lenha de

vereação da Câmara de Coimbra datada de 17 de Maio de 1608154, impõe-se

origem arbórea existia o cuidado de a utilizar no seu estado verde, e não seca,

que os «fornos pequenos» sejam substituídos por fornos que levem mais do que

melhorando a sua rápida queima. Funcionando a resina como acelerador

«simquoeta feixes de lenha»239, sendo no entanto difícil determinar a quanto

de queima, consumia-se por isso mais rapidamente, mas atingindo mais

corresponderia tal quantidade de lenha.

facilmente as temperaturas máximas desejadas, apontadas entre os 2000 e

os 4000 kcal/kg . A lenha seria adquirida a lenhadores dos arrabaldes da

da câmara de cozedura, feita através da criteriosa colocação da lenha na câmara

cidade, que fariam o transporte até à olaria, dispensando um espaço próprio

de combustão, deveria contribuir igualmente para um maior consumo de

e vasto para grandes armazenamentos de lenha. Sabe-se que em 1915 ainda

lenha. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» os cavacos de pinho,

existia na olaria um espaço destinado ao armazenamento da lenha, com um

rachados a meio e cortados em dois tamanhos diferentes, seriam colocados

corredor de acesso ao exterior através do qual se alimentaria esse “depósito de

na vertical, propiciando ainda mais a sua rápida queima com menos fumo.

lenha”150. Posteriormente, sem se saber precisar quando, essa área dará lugar

De forma a evitar quebras de temperatura, estes cavacos seriam retirados

a uma sala destinada ao escritório da firma, levando a que a lenha passasse a

ainda antes da sua total queima e substituídos por novos, o que resultaria

ser empilhada junto ao forno por cada vez que uma fornada fosse realizada.

invariavelmente num ainda maior consumo.

149

O cálculo de consumos de combustível e a frequência de cozeduras é,

Concentrando-nos sobre os utensílios empregues na manipulação destes

naturalmente, quase impossível de se conseguir, dada a escassez de dados e o

fornos, temos já na obra de 1557-1559 de Cipriano Piccolpasso a referência

grande número de variantes. Contudo, testemunhos de meados do século XX

àquilo a que veremos referido na olaria como “forcados”, consistindo aí em

indicam que a média das fornadas variava entre uma semana e um mês.

longos ferros com terminações de diversas formas consoante o seu propósito,

Usando sobretudo a cozedura de vidragem como referência, para

fixos a curtos cabos de madeira, permitindo nesse extremo a apreensão direta

Coimbra, Charles Lepierre151 dá-nos ainda em 1899 para uma cozedura de

com a mão, enquanto para a outra mão seria necessária a apreensão indireta

vidragem, que pode durar «cerca de vinte e duas horas», o consumo de «3500

com recurso a um pano ou couro.

a 3600 kilogramas de madeira de pinho bravo, cujo preço importa na quantia

de 12$000 a 13$000 réis». Fortunato Augusto Freire Themudo

repete em

para retirar temporariamente do interior da câmara, através da abertura no

1905 esta informação, com «pode durar de 20 a 22 horas», para um consumo

emparedamento deixada para a saída dos gases, algumas peças para observação,

152

54

Como já acima referido, o controlo da distribuição do calor no interior

Um desses forcados é empregue durante a cozedura de enchacotagem


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

verificando-se assim a correta cozedura de todo o conjunto por amostragem. Para este fim, o “forcado das amostras” assumia a forma de um estreito garfo de dois dentes, para apreensão das peças de amostra através do seu bordo. Se na cozedura de vidragem eram colocadas amostras especialmente preparadas para o efeito, na cozedura de enchacotagem este forcado serviria apenas para remover temporariamente para observação algumas das próprias peças que se encontravam a enchacotar. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» encontramos ainda mais três exemplares de forcados distintos: um primeiro, em forma de forquilha de dois largos dentes, aplicada no manuseamento da lenha; um segundo, com maior número de exemplares, que apresenta na sua extremidade um par de grampos, distando entre si cerca de 40 cm, destinados a apreender os cavacos de pinho para serem introduzidos na câmara de combustão, distribuídos de forma organizada e colocados na vertical para maximização da sua queima; e um terceiro, que consiste apenas numa extremidade em forma de L, de forma a auxiliar a colocação da lenha. O enfornamento da louça a enchacotar na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» variaria sobretudo de acordo com duas práticas. A primeira passaria pelo empilhamento das peças em colunas, no que já Fortunato Augusto Freire Themudo em 1905155 designava por “carrulhos”. Este empilhamento deverá certamente ter sido bastante corrente, pela sua simplicidade e economia de espaço, permitindo o maior volume possível de Figura 28 | Registo gráfico dos quatro tipos de forcados empregues na manipulação dos fornos (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).

peças por fornada. 55


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 29 | Representação gráfica esquemática do modo de enfornamento em caixas da louça para cozedura de enchacotagem (L. Sebastian, 2007).

56


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

A segunda prática passaria pela cozedura de enchacotagem utilizando

estreitas que as dos fornos de vidragem, limitando por isso aí o enfornamento

as mesmas caixas da cozedura de vidragem, mas sem as “trempes” empregues

das caixas ao interior da câmara de cozedura.

na separação individual das peças. A colocação das peças dentro de um

contentor de proteção pouco beneficiaria a qualidade da enchacotagem ou

de acordo com a dimensão do forno empregue e o tipo de enfornamento.

se traduziria numa melhoria da qualidade do produto final. No entanto,

Charles Lepierre158 refere que nas olarias de Coimbra as cozeduras de vidragem

colocadas as peças em caixas, sem separação e empilhadas, tinha o benefício

incluiriam entre 1.000 a 1.200 dúzias de peças, resultando num duvidável

de permitir maiores alturas e sempre com equilíbrio garantido, ao qual se

volume de 12.000 a 14.400 peças. Presumindo-se a enchacotagem em caixas

junta a vantagem de contribuir para um mais gradual arrefecimento das peças

sem separação, a estes números deveriam então corresponder cifras superiores

e consequente diminuição de quebras por choque térmico durante o período

por cozedura de enchacotagem, no entanto, sendo os fornos para a primeira

de arrefecimento.

cozedura por regra de menor dimensão, é impossível estabelecer esta relação.

Independentemente da solução empregue na colocação da louça para

A quantidade de peças enchacotadas por fornada variaria, logicamente,

Tentando virtualmente encaixar o maior número possível de peças

enchacotar no interior da câmara de cozedura, o seu posicionamento teria

sem separadores dentro das caixas registadas na «Sociedade Cerâmica Antiga

sempre que ser feito de modo a evitar bloquear os “agulheiros” da grelha,

de Coimbra, Lda.», obtemos uma média de cerca de 100 peças por caixa.

permitindo assim que o calor subisse livremente da câmara de combustão e

Colocando essas caixas na câmara de cozedura do forno de enchacotagem

circulasse abertamente entre as peças na câmara de cozedura. Novamente,

desenhado, apenas conseguimos 12 caixas por fornada, evitando obstruir os

na lógica já abordada do processo de aquecimento da câmara de cozedura

“agulheiros” da grelha. Deste exercício obtemos um total de apenas cerca de

se fazer pela circulação do calor – transferência térmica –, condutividade e

1.200 peças por fornada, bem longe das cifras indicadas por Charles Lepierre.

radiação dos materiais, o completo carregamento do forno é essencial, para lá

da rentabilização do combustível.

de Coimbra, Lda.» referem que sendo usadas caixas de enfornamento, estas

Charles Lepierre156 refere mesmo que nos fornos de Coimbra, tendo

apenas seriam cheias com as peças já no interior da câmara de cozedura, uma

por norma as ombreiras da porta da câmara de cozedura 100 cm de espessura

vez que o transporte das caixas já carregadas seria quase impossível pelo seu

e o seu emparedamento apenas 10 cm, a louça enfornada em caixas chegava

elevado peso, aumentando ainda o risco de perda devido a possíveis quedas.

a ocupar este espaço de 90 cm. Fortunato Augusto Freire Themudo

157

reitera

Os testemunhos orais recolhidos na «Sociedade Cerâmica Antiga

Outro aspeto registado na memória da olaria, e já apontado por Cipriano

esta informação, acrescentando no entanto que nem sempre isso acontecia,

Piccolpasso159, é a cobertura de todas as colunas de caixas com fragmentos

fazendo-se antes o emparedamento da porta da câmara de cozedura pelo seu

de peças em chacota. Estes fragmentos de chacota seriam reaproveitados para

limite interior. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» registamos

este fim a partir das muitas quebras ocorridas durante as cozeduras. Dada a

que no forno de enchacotagem este emparedamento era no entanto de cerca

imprevisibilidade dos fornos empregues e correntes defeitos na preparação do

de 20 cm, ocupando quase toda a ombreira dado as paredes serem mais

barro, a quantidade de louça que quebrava durante a cozedura de enchacotagem 57


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

deveria ser sempre considerável, à qual se somavam as peças que tinham

superiormente colocadas, as primeiras a esfriar.

sofrido deformação por excesso de calor ou quebrado devido a esfriamento

demasiado brusco já após a cozedura.

das caixas por chacota “abentada” com a pontual necessidade, anteriormente

Para a realidade coimbrã foi possível observar, na intervenção

indicada, de, com o “forcado das amostras”, se retirar ciclicamente para

arqueológica de emergência realizada em 2003 no edifício Garagem Avenida,

observação algumas peças, avaliando-se a correta cozedura de todo o conjunto.

na Avenida Fernão Magalhães, os lixos de produção com uma quantidade

A colocação de peças a enchacotar distribuídas sobre todo o conjunto, facilmente

de chacota abandonada marcante. Sendo os desperdícios de chacota

acessíveis e que servissem de amostras, poderia ter sido uma solução, ainda que

abundantes nas olarias160, constituindo inclusive o seu despejo uma constante

não conservada na memória local.

fonte de conflito com o poder camarário e meio urbano envolvente, não é

surpresa voltarmos a encontrar na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

poderia na cozedura de enchacotagem cobrir a louça entrando mesmo em

Lda.» a mesma prática centenária de cobrir as caixas com fragmentos de

contacto direto, podendo por isso não só reaproveitar os detritos de chacota

chacota, designando-se aí a chacota fragmentada por chacota “abentada”.

de menor volumetria, mas igualmente dispensar alguns dos cuidados extremos

Previsivelmente, já João da Bernarda161 refere igualmente o seu uso, designando

tidos ao nível do contacto durante a cozedura de vidragem.

a chacota assim empregue como “cacos abafadores”, acrescentando que eram

Especificamente em relação à operação de cozedura de enchacotagem, a informação documental e bibliográfica disponível é no geral lacónica, debruçando-se sobretudo sobre a cozedura de vidragem. No entanto, é possível retirar algumas ilações a partir das descrições de 1540 de Vannoccio Biringuccio162, de 1557-1559 de Cipriano Piccolpasso163, de 1804 de José Ferreira da Silva164, e ainda que referente a cerâmica comum, de 1805 de António Veloso Xavier165. Tanto Vannoccio Biringuccio como Cipriano Piccolpasso referem-se à necessidade de a cozedura começar por um primeiro moderado e gradual aquecimento, indicando-se aí quatro horas para a sua duração. José Ferreira da Silva reitera esta indicação, no que designa por «temperar» a louça, antes do «grande fogo», acrescentando que o combustível deve nesta fase ser apenas colocado na entrada da câmara de cozedura, tal como António Veloso Xavier, no que este parece denominar de «fogaõ do forno», correspondente nos fornos aí descritos à cova em frente à boca de carga da câmara de combustão.

colocados inclusive entre as pilhas de caixas, o que no entanto não verificamos na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», onde apenas se cobriam diretamente as caixas, para além de ir contra o princípio da necessidade de livre circulação do fogo entre a câmara de combustão e a câmara de cozedura.

A razão desta camada final de fragmentos de chacota é já indicada

pela expressão que João Bernarda emprega – “cacos abafadores” –, servindo para abafar o calor da cozedura, o que tendo algum impacto no retardar da passagem do calor durante, desempenha um importante papel após, na fase de arrefecimento, retendo o calor e contribuindo para uma mais lenta e gradual baixa de temperatura, essencial para evitar a fragmentação das peças. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» foi ainda possível registar que durante o arrefecimento do forno era comum a “louça abentada” quebrar, provando mais uma vez a eficácia desta solução, uma vez que sem ela as quebras registadas teriam, muito provavelmente, acontecido entre as peças 58

Fica apenas por perceber como se articularia na olaria esta cobertura

Por outro lado, e ao contrário da cozedura de vidragem, esta chacota


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 30 | Registo gráfico do forno de enchacotagem – em corte – e do forno de vidragem – em alçado (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).

59


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

60

Referindo-se este último a esta fase por «enfumaçaõ-se as louças», alarga no entanto a sua duração para seis a dez horas, «conforme a qualidade do barro», durante as quais o combustível é gradualmente introduzido no interior da câmara de cozedura até atingir o fundo, onde durante as últimas duas, três horas se mantém. Sem mais explicação acrescenta que «depois se tapa a entrada de todo inteiramente», o que leva a querer que esta primeira fase é realizada com a câmara de cozedura aberta. Tratando-se de uma descrição particularmente relativa a um forno de duas câmaras de cozedura, com a enchacotagem a decorrer na superior, poderemos talvez entender esta indicação como apenas referente a esta última, de modo a melhor permitir a evacuação dos vapores resultantes da evaporação da água contida nas peças modeladas e apenas secas.

de enchacotagem seria igual à de vidragem, correspondente a quatro dias. No entanto, na primeira, logo após os primeiros dois dias de arrefecimento, o emparedamento da câmara de cozedura era desmontado até metade, acelerando assim o processo, ainda que apenas no quarto dia se recuperasse a louça. A recuperação da louça enchacotada de dentro da câmara de cozedura, mesmo após os quatro dias de arrefecimento, implicava o recurso a panos como pegas, dada a ainda considerável temperatura interior, o que levava mesmo ao uso de panos molhados sobre a cabeça de forma a suportar-se melhor o calor. O tempo total da cozedura de enchacotagem seria também o mesmo da vidragem, normalmente iniciando-se às 9 horas de um dia e terminando às 6 horas do dia seguinte, num total de 21 horas. De facto, é um período inserido

Estas seriam as operações iniciais antes de serem atingidas as temperaturas desejáveis à enchacotagem que, como registado na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», seriam superiores à de vidragem, tendo sido indicada a temperatura média de 1.100 °C para a cozedura de enchacotagem e 1.070 °C para a de vidragem. Sendo a prática mais comum a cozedura de vidragem ser feita a temperaturas superiores à da cozedura de enchacotagem, a razão apontada localmente para este desvio foi a de que deste modo garantir-se-ia que o barro não sofria alterações inesperadas, uma vez que tinha já antes sido exposto às mesmas temperaturas que as sofridas durante a cozedura de vidragem. Contudo, além do agravamento do consumo do combustível, esta prática tornaria a chacota menos porosa, dificultando a rápida absorção dos esmaltes e tintas, ainda que não o inviabilizasse de todo. Documentalmente, ainda que com referência a cerâmica de vidrado de chumbo, podemos apenas apontar como paralelo para esta opção a indicação de José Ferreira da Silva em 1804166 de que a temperatura de enchacotagem deveria igualmente ser superior à de vidragem. A duração do período de arrefecimento do forno após a cozedura

Augusto Freire Themudo168.

no intervalo entre 20 e 22 horas indicado por Charles Lepierre167 e Fortunato

2.2.3. Decoração e cozedura de vidragem

Após a cozedura de enchacotagem as peças em chacota passavam a

receber o esmalte.

Moído o esmalte no moinho, misturado com água, a calda resultante

passava por uma fase de coagem. Coado o esmalte, de forma a garantir a sua homogeneidade e fineza, este seria então transvazada para o “tinão” – recipiente de madeira construído em tanoaria –, sendo que o exemplar registado na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» apresentava inclusive a data de 1908 inscrita num dos lados. Apesar de maior dimensão, vemos a mesma exata morfologia deste tinão na figura 112 da obra de 1905 de Pedro Prostes169, igualmente com provável referência à realidade coimbrã.

Antes de se proceder ao mergulho das peças enchacotadas na calda do

esmalte – processo a que se dá o nome de “banho” –, estas seriam por regra


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

espanadas, de modo a eliminar pós e sujidades derivadas da cozedura de enchacotagem ou posteriormente depositados na fase de armazenamento entre a enchacotagem e a esmaltagem, altamente nocivos ao esmalte durante a sua vitrificação170. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» esta operação era realizada com uma esponja, contudo, esta prática recente poderá ter surgido em substituição de utensílios como cauda de raposa, boi ou cavalo, já descritos por Cipriano Piccolpasso em 1557-1559171.

Na preparação do “banho”, a calda do esmalte é mexida após cada

paragem e antes de qualquer aplicação. Havendo na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» apenas memória da aquisição ao exterior do esmalte já preparado, a sua mistura com a água ficava a cargo do funcionário responsável pelo “banho” das peças enchacotadas, uma tarefa de elevada responsabilidade, podendo-se nesta fase deitar a perder toda uma fornada.

A principal preocupação era acertar com a espessura certa do esmalte,

evitando o seu excesso, o que contribuiria para o “reboar” do esmalte e da decoração durante a cozedura de vidragem, mas igualmente a sua insuficiência, cuja consequência extrema seria a falha na total cobertura das superfícies a esmaltar. O evitar esmaltes demasiado espessos prende-se igualmente com a sempre presente preocupação de redução de custos, aplicando-se o esmalte apenas necessário. Assim, o controlo desta espessura do esmalte, como já António Veloso Xavier refere, seria sobretudo feito riscando com a unha o esmalte aplicado sobre a primeira peça.

Após cada paragem na operação de banho, sobretudo se longa e durante

o tempo quente, este acerto da espessura do esmalte teria que ser sempre verificado antes de novo banho. A evaporação de parte da água, tornando o esmalte demasiado espesso, seria facilmente solucionada com a adição de mais água. O estado demasiado líquido do esmalte implicaria por sua vez deixar evaporar a água de um dia para o outro, ou de forma a acelerar este processo,

Figura 31 | Remeximento do banho de esmalte antes da imersão das peças e limpeza da superfície das peças enchacotadas antes do banho de esmalte (L. Sebastian, 2007).

61


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 32 | Aplicação do banho de esmalte a uma peça enchacotada (L. Sebastian, 2007).

62

deixando o esmalte assentar no fundo do “tinão” para posteriormente se retirar

apreendendo-se a peça com a ponta dos dedos das duas mãos. Nas formas

o excesso de água com um qualquer recipiente. Este processo, se bem que mais

fechadas, esta apreensão podia ser feita apenas com a ponta dos dedos de uma

rápido, implicava sempre a perca de algum esmalte ainda em suspensão.

mão, tal como apontado por Cipriano Piccolpasso173. Quase invariavelmente,

A espessura do esmalte prender-se-ia ainda com o tipo de peça a esmaltar.

os pontos de apreensão da peça resultariam em falhas na cobertura do esmalte,

As peças de paredes mais grossas absorveriam sempre mais água, aguando-se

pelo que muito comummente ter-se-ia posteriormente que cobrir estas com

por isso mais o banho, procedendo-se de modo inverso para as peças de paredes

esmalte aplicado a pincel.

mais finas.

excesso de esmalte da peça. Cipriano Piccolpasso174 diz-nos que após o “banho”

O “banho” de esmaltagem das peças em chacota era feito por imersão172,

O “banho” acabava invariavelmente na ação de deixar escorrer bem o


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

as peças seriam deixadas a secar. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

experiência prévia permite a correta escolha das cores e tons a aplicar. A isto

Lda.», esse tempo de secagem era de um dia, ainda que a porosidade das

há ainda que somar a variação da cor consoante a temperatura atingida, o

peças e a sua consequente elevada absorção da água atribuísse um aspeto

tempo de exposição às diferentes temperaturas pelas quais passa a cozedura de

perfeitamente seco às peças apenas segundos após o seu banho. De facto, este

vidragem e o seu grau de oxigenação178.

elevado tempo de secagem poderia não ser estritamente respeitado, e muito

provavelmente não o seria em momentos de laboração mais intensa.

“torninho de pintor” como apontado por Fortunato Augusto Freire Themudo179

Questão sempre colocada na fase de esmaltagem, com sérias implicações

para as olarias de Coimbra em geral. Trata-se de uma roda à semelhança da de

na fase da cozedura de vidragem, é a esmaltagem, ou não, do fundo das peças,

oleiro, empregue na modelação do barro, contudo, não se destinando a uma

mais correntemente do frete ou pé anelar. Pedro Prostes em 1907175 refere já

rotação constante, é movida manualmente, facilitando o manuseamento da

que «a operária (…) tem por missão tirar com pincéis o vernis do fundo do

peça sem lhe tocar diretamente com as mãos, evitando assim ferir a cobertura

objecto afim deste não aderir ao suporte sobre que assenta quando vai ao forno»,

de esmalte, particularmente sensível no seu estado cru. Assim, em relação à

secundado por Maria Helena Pires César Canotilho176 que defende que “como

roda de oleiro, possui uma estrutura mais simples, desprovida da roda inferior

as peças têm de ser colocadas sobre as placas ou suportes, necessitam de ser

para impulsão com os pés, do banco e da mesa de apoio, consistindo apenas na

limpas antes de colocadas no forno. Com a ajuda de uma esponja molhada

cabeça, no eixo e na base. Uma vez que o pintor se posiciona sentado à frente

limpa-se a base da peça do excesso de vidro”. Na «Sociedade Cerâmica Antiga

do tornilho, este é relativamente baixo, com apenas cerca de 1 m de altura.

de Coimbra, Lda.» repetia-se a mesma prática, quer para evitar acidentes de

Apesar da estrutura do tornilho não incluir uma mesa de apoio, na «Sociedade

colagem do esmalte durante a cozedura de vidragem, quer por se acreditar que

Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» os diversos pintores trabalhavam em torno

tal contribui para melhorar a aderência das peças à mesa, no momento da sua

de uma ampla mesa corrida, de altura próxima à dos tornilhos, contando ainda

utilização.

cada pintor com uma pequena mesa lateral.

A pintura, em termos da sua aplicação, é realizada sobre o esmalte em

A pintura das peças era realizada colocando a peça sobre o tornilho, ou

Apesar de terem sido utilizados na «Sociedade Cerâmica Antiga de

cru, tendo a peça passado pela sua modelação, cozedura de enchacotagem

Coimbra, Lda.», numa fase mais recente da laboração, tornilhos completamente

e “banho” no esmalte, integrando-se apenas no esmalte durante a fase de

metálicos, registamos no local, já inativo, um tornilho de madeira, apenas

cozedura de vidragem. A fixação das cores passa pela sua ligação tanto ao

com eixo em ferro, com 1,2 m de altura. No caso deste exemplar em concreto,

vidrado como à pasta, evitando o seu destacamento, devendo para isso os

apresenta o interessante facto de a sua cabeça de madeira apresentar gravados

corantes empregues terem o mesmo ponto de fusão do vidrado de suporte,

quatro círculos concêntricos e oito eixos radiais. Os círculos concêntricos são

penetrando-o durante a cozedura de vidragem e combinando-se177.

também presença obrigatória nos tornilhos metálicos, orientando a colocação

Por regra verifica-se uma grande disparidade entre a cor das tintas

centrada das peças, particularmente importante na “filetagem”, ou seja, na

no momento da sua aplicação e a sua cor após vitrificação, pelo que só a

aplicação à peça de filetes coloridos, normalmente ao longo das linhas principais 63


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

do perfil, como o bordo, inflexão da caldeira no caso dos pratos, ou contornando o fundo. Este filetar seria por regra feito com o pincel fixo e a peça em suave rotação manual sobre o tornilho. Este facto leva mesmo Pedro Prostes180 a designar o tornilho por “tornilho de filetar”, sendo na figura que apresenta um tornilho já completamente metálico, fixo a uma mesa de trabalho e extensível, o que não deixamos de encontrar na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», mas aplicado aos trabalhos de moldação e torneamento do barro. Quanto aos oito eixos radiais, dispostos em cada 45º, serviriam como linhas orientadoras na igual distribuição dos elementos decorativos, sobretudo útil aquando da aplicação de pintura totalmente livre.

Antes de se proceder à pintura havia que sacudir possíveis pós depositados

sobre o esmalte durante a sua secagem e, muito frequentemente, partículas soltas do mesmo esmalte, garantindo uma superfície limpa e uniforme para aplicação da pintura181. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» esta operação era realizada com um rabo de coelho, garantindo assim uma pincelagem extremamente macia do esmalte, evitando feri-lo, soprando-se seguidamente com cuidado toda a peça.

A pintura dos diversos motivos decorativos era realizada com apoio de linhas

orientadoras a carvão, e não de forma completamente livre. Para isso recorrer-seia ao sistema de transferência através de papel picotado. Este consiste no desenho do motivo pretendido numa folha de papel fino. Seguidamente todo o desenho é picado, tendo-se o cuidado de furar o papel completamente. Colocando o papel perfurado sobre a área da peça sobre a qual se pretende pintar o motivo decorativo em causa, recorrendo a uma boneca de panos impregnada de carvão em pó, bate-se cuidadosamente todas as linhas picotadas do desenho. Uma vez retirado o papel, as linhas do desenho encontrar-se-ão transferidas para a superfície branca do esmalte estanífero em pequenos pontos pretos. Uma vez passado o pincel com a cor escolhida sobre os contornos do desenho, estes pontos de carvão diluir-se-ão na tinta, desaparecendo. 64

Figura 33 | Tornilho em madeira para a pintura das peças (L. Sebastian, 2007).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 34 | Limpeza da peça antes da pintura, com recurso ao rabo de coelho (L. Sebastian, 2007).

Assim, para a realização desta operação, deveriam ser presença

funcionário que os devia usar. Registamos cinco tipos diferentes de pincéis, o

constante na área de pintura o “picador” e a “boneca”. O “picador” consistia

“de contorno”, “de filar”, “de encher”, “de esbater” e “de bicos”.

num cabo de madeira fino, no caso em concreto um cabo de pincel

reaproveitado no extremo do qual foi fixo uma agulha, e a “boneca”, consistia

“de filar” sobretudo aos filetes, o “de encher” ao preenchimento dos motivos

numa pequena bola de tecido de algodão extremamente macio e absorvente,

com cor, e o “de esbater” sobretudo para “puxar” a tinta de preenchimento. O

sendo o carvão originalmente recolhido na fornalha dos fornos e finamente

“puxar” consiste basicamente em aplicar uma forte pincelada ao longo de um

moído.

dos limites da área a encher, após o qual, empregando-se o “pincel de esbater”

Os pincéis seriam por regra produzidos na própria olaria, pelo

O “de contorno” presta-se ao delinear dos motivos decorativos, o

embebido em água, se “puxa” a pincelada inicial de tinta de modo a preencher 65


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

toda a área pretendida. Esta técnica permite criar expressivas manchas de diferentes tonalidades – “esbatidos” –, ao invés de manchas coloridas uniformes e inexpressivas. Por fim, o “pincel de bicos” relaciona-se diretamente com a especificidade da técnica de pintura da decoração da faiança dita ratinha, que caracterizou o fabrico de tradição coimbrã no século XIX, pelo que deve não só datar-se o seu aparecimento como tardio em relação à tradição oleira portuguesa, mas igualmente levantar a forte hipótese de corresponder a uma especificidade das olarias de Coimbra e suas posteriores ramificações.

Os quatro primeiros são de pelo de marta, enquanto

este último é de pelo de cabrito, sendo o pincel mais grosso, juntamente com o “de esbater”. Estes dois são aliás os únicos que não são escalonados, com a metade extrema da ponta do pincel reduzida a um pequeno conjunto de pelos centrais, servindo a metade inicial, junto ao cabo, como depósito de tinta.

Os pincéis que eram produzidos na «Sociedade

Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» deviam possuir quase invariavelmente cabos de canas. Dos pincéis registados apenas o “de bicos” apresenta esta morfologia completamente original. Todavia, e apesar da particularização de cada pincel, na prática o seu uso podia fugir bastante à função inicial, consoante tendências e gostos pessoais. Estas divergências foram observadas na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» como prática comum, respeitando-se mais hábitos pessoais, Figura 35 | conjunto de instrumentos relacionados com a pintura: rabo de coelho, picador, papel picotado, boneca e pincéis (L. Sebastian, 2007).

66

invariavelmente repetidos, do que as funções inicialmente atribuídas aos diversos tipos de pincéis.


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 36 | Representação gráfica dos instrumentos relacionados com a pintura: rabo de coelho, picador, papel picotado, boneca e pinceis (L. Sebastian, 2007).

67


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 38 | Aspeto final da decoração pintada a cru sobre o esmalte (L. Sebastian, 2007).

Figura 37 | Preenchimento com cor do motivo decorativo (à direita) e esbatimento com água das pinceladas de preenchimento do motivo decorativo (à esquerda) (L. Sebastian, 2007).

68


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

As diversas formas de decoração eram conservadas através de um

Para este efeito, as caixas empregues na cozedura de vidragem eram

catálogo de decorações onde eram armazenados os papéis picotados empregues

concebidas em barro cujas características refratárias lhe permitissem resistir

na transferência da decoração, substituídos progressivamente consoante se

a temperaturas superiores às de vitrificação do esmalte e tintas, garantindo

danificavam pelo uso. Uma vez que por regra o papel picotado apenas contém

não só a sua estabilidade durante toda a cozedura, mas igualmente a sua

um motivo decorativo, e não a composição total, esta ficava dependente da

reutilização185. As caixas usadas na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

memória e, mais que tudo, da preservação de exemplos acabados, expostos

Lda.» podiam chegar a ser usadas em dezenas de cozeduras, auxiliadas pela

nas mesmas prateleiras onde se armazenavam as peças esmaltadas e pintadas

sua forma simples, retangular, e pela elevada espessura das suas paredes, de

de cru.

cerca de 4 cm.

Ao contrário do armazenamento das peças enchacotadas antes do

Para a cobertura das caixas superiormente posicionadas seria utilizada

“banho” de esmalte, feita em carrulhos, o armazenamento das peças depois da

uma camada de fragmentos de chacota – “cacos abafadores” –, colocados

aplicação do “banho” de esmalte, durante a secagem, era já feito em prateleiras

por cima e no fim do enfornamento das caixas. Este procedimento, embora

e separando as peças com trempes, de forma a evitar ferir o esmalte e a pintura

semelhante ao de cozedura de enchacotagem, no caso da cozedura de vidragem

no seu estado cru. Após a pintura, as peças voltavam a ser armazenadas da

o contato direto com essa camada de chacota seria completamente lesivo para

mesma forma, já organizadas nos grupos a introduzir no interior das caixas

o esmalte, colando-se literalmente a qualquer fragmento de chacota que se

nas quais iriam à cozedura de vidragem.

lhe encostasse. Este facto impõe quase só por si a obrigatoriedade de selagem

Esta forma de encaixotamento e separação das peças é a principal

da última caixa com uma qualquer espécie de tampa, e embora na «Sociedade

distinção entre a cozedura de enchacotagem da cozedura de vidragem no

Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» não restasse memória da colocação da

“forno de vidrado”, segundo a sua designação coimbrã182.

camada de “louça abentada” sobre tampas, fará sentido o uso de tijoleiras,

Estas caixas, simplesmente assim designadas na «Sociedade Cerâmica

como claramente indicado por João da Bernarda186.

Antiga de Coimbra, Lda.», podiam ainda receber a designação de “casetas”,

“cazetes” ou “gazetas”, francesismo progressivamente importado a partir de

Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» caixas retangulares, com fundo. Esta opção

século XVIII tendo por base o termo francês original “casettes”183.

aparenta ter tido forte enraizamento na tradição coimbrã oitocentista, sendo de

A sua função consistia em proteger o esmalte das impurezas da

uso exclusivo na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»187. Contudo,

combustão durante o processo de vitrificação, impedindo que as inevitáveis

anteriormente a oitocentos, outras morfologias de caixa terão estado em uso

cinzas finas em rápida circulação no interior da câmara de cozedura assentassem

nas olarias de Coimbra, provado pela recolha de fragmentos de caixa circular

e fossem absorvidas pelo vidrado, manchando-o. O contacto direto da chama

em sondagens arqueológicas realizadas em 2004 no próprio Terreiro da Erva,

era igualmente um fator a evitar, queimando as cores e desestabilizando a

imediatamente defronte da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», e na

correta e uniforme distribuição do calor por toda a peça184.

intervenção arqueológica de emergência no edifício Garagem Avenida, em 2003.

Relativamente à morfologia das caixas, encontramos na «Sociedade

69


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 39 | Representação gráfica esquemática do modo de enfornamento em caixas com separação por trempes da louça para cozedura de vidragem (L. Sebastian, 2007).

70


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Por definição, a morfologia de caixas retangulares de grandes dimensões

a sua reutilização. A par desta razão como a mais comum para a rejeição das

é destinada ao encaixotamento de grandes conjuntos de peças, em que a sua

trempes já usadas, temos ainda a ocorrência de escorrimentos do vidrado.

separação é garantida pela colocação intercalada de trempes.

Se mínimos, estes poderiam ainda assim ser eliminados por raspagem, caso

contrário inviabilizariam a reutilização da trempe pelo perigo que comportava

As trempes consistem por sua vez em separadores em forma de estrela

de três braços, concebidas em barro enchacotado com a mesma pasta das

a sua fusão e escorrência durante nova cozedura de vidragem.

peças a produzir188. De forma a reduzir ao mínimo a zona de contacto com a

superfície a vidrar, e consequentemente diminuir possíveis marcas no esmalte,

registámos um molde para a produção de trempes – onde recebiam igualmente

as extremidades das trempes são por regra aguçadas, oferendo como zona de

a designação de “cravilhos” –, que consistindo basicamente numa prensa de

contacto apenas três pontas aguçadas, uma em cada braço, quer para cima

madeira com molde e contramolde em metal, permitiria a formação do barro

quer para baixo.

em poucos segundos. Uma solução que será uma tendência, posteriormente

O imperativo aguçamento destas pontas de contacto é aliás a razão

ao século XVIII, dentro do universo de tradição coimbrã, e que se entende

para a curta longevidade destas trempes, que normalmente após uma, duas

inclusivamente pela celeridade que tal opção representaria, em detrimento da

ou raramente mais de três utilizações, acabam por se quebrar inviabilizando

moldação manual.

No espólio da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»

Figura 40 | Registo gráfico (A. Castro, 2007) e fotográfico (L. Sebastian, 2007) de molde para fabrico de trempes.

71


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 41 | Cinzeiro com marcas de trempe no fundo externo: 4x22,5 cm (F. Formigo, 2015).

72

A separação por trempes de peças de forma aberta permitiria a

Charles Lepierre189 refere que «o forno de Coimbra para o vidrado

manutenção do esmalte na base da peça, com exceção da peça colocada

póde conter 1:000 a 1:200 duzias de pratos ou tigelas» – 12.000 a 14.400

sob o conjunto, que ficaria assente diretamente sobre o fundo da caixa. No

peças. Carregando os fornos da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

caso de formas fechadas, como tigelas, o seu frete assentaria uma vez mais

Lda.» virtualmente, com as caixas aí usadas e as respetivas peças separadas

sobre os braços da trempe, desaconselhando a sua esmaltagem. Contudo,

por trempes, obtemos uma média de 52 peças por caixa. O esquema de

observamos muitas vezes não ter existido esse cuidado, colando-se o esmalte

encaixotamento sugerido pelos agulheiros da grelha aponta por sua vez o

à trempe e obrigando à sua posterior descolagem, com grande probabilidade

número de 36 caixas por fornada, resultando assim no enfornamento de 1.872

de inutilização da trempe, e ficando as marcas visíveis no produto final.

peças por cada cozedura de vidragem. Já para o “forno grande de vidragem”

Tal como acontecia na cozedura de enchacotagem, as caixas

– assim designado segundo a memória local – na sua planta aproximada, e

retangulares da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», com 65 cm de

partindo do princípio que a distribuição dos agulheiros da sua grelha fosse

comprimento por 30 cm de largo e 40 cm de altura, tinham um peso excessivo

similar ao do “forno pequeno de vidragem” por nós totalmente registado,

quando totalmente carregadas, o que obrigava a que recebessem as peças

obtemos um enfornamento de 60 caixas, resultando num total de 3.120 peças.

separadas pelas trempes apenas já no interior da câmara de cozedura.

A comparação do valor de 1.872 peças por fornada para o forno de


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

vidragem pequeno e 3.120 peças para o forno de vidragem grande, comparados

caso, a capacidade para 36 caixas do forno pequeno de vidragem resultaria

com as 1.200 peças para o forno de enchacotagem, chama a atenção sobre a

num total de 3.600 peças encaixotadas sem separadores, que considerando uns

necessidade de se proceder a uma média de duas cozeduras de enchacotagem

hipotéticos 20% de fragmentação, resultariam em 2.880 peças para posterior

por cada cozedura no forno pequeno de vidragem, e três por cada cozedura no

vidragem, não muito distantes das 3.120 peças calculadas por fornada no forno

forno grande de vidragem, isto considerando sobretudo as enormes variantes

grande de vidragem.

introduzidas pela elevada fragmentação de peças fragmentadas na primeira

cozedura. Sabendo-se que esta seria elevada, não tanto por descrições como

colocação de amostras por cima da camada de chacota que cobriria as caixas.

as de Charles Lepierre190, mas sobretudo pelo volume de regulamentação

Estas auxiliariam a avaliação do estado da cozedura, para além do cálculo

camarária no sentido de controlar o seu despejo e pela nossa observação direta

da temperatura no interior da câmara de cozedura através da observação da

dos impressionantes caqueiros da zona do Bairro das Olarias, somos levados

cor do fogo191. Na olaria estas amostras recebiam o nome de “cubijas”, sendo

a levantar a possibilidade de essa fragmentação poder rondar uma média de

constituídas por pratos, igualmente mergulhados em esmalte, sobre o qual se

20%. Esta hipótese é confirmada pela memória local, em que se regista por

pintavam várias listas das cores empregues na decoração das peças a vidrar.

vezes a necessidade de uma terceira fornada no forno de enchacotagem para

Desta forma a observação do ponto de vitrificação do esmalte e das cores

se poder completar o enfornamento do forno de vidragem pequeno, sobretudo

das cubijas aproximar-se-ia tanto quanto possível ao da louça enfornada. O

dada a considerável variação no número de peças fragmentadas durante a

forcado das amostras, referido anteriormente, garantiria a viabilidade desta

cozedura de enchacotagem.

operação com relativa segurança.

Aceitando como facto a utilização exclusiva do forno mais pequeno

Voltando à preparação da cozedura de vidragem, nela estava incluída a

Ainda que as cubijas fossem sempre empregues na olaria nas cozeduras

para cozeduras de enchacotagem, como claramente indicado pela memória

de vidragem, a determinado ponto, ter-se-á passado a recorrer igualmente a

local, a enchacotagem de 1.200 peças por fornada, com uma provável

piróscopos fusíveis comprados192, produzidos industrialmente e formados

fragmentação de 20%, resultaria na média de aproveitamento de cerca 960

por argilas tornadas fusíveis a temperaturas predeterminadas, normalmente

peças. A capacidade para cerca de 1.872 peças do forno pequeno de vidragem

numa escala formada por vinte piróscopos fusíveis em forma de pirâmide ou

estaria novamente de acordo com uma lógica de duplicação da capacidade de

cone, a que simplesmente chamavam de “barrinhas”. Para a observação destes

enfornamento aquando da vidragem, com duas cozeduras de enchacotagem

piróscopos fusíveis, à entrada e a meia altura da câmara de cozedura, passou-se

por cada cozedura de vidragem.

a inserir no emparedamento da porta de carga um cilindro em barro, designado

No entanto, o emprego simultâneo do forno pequeno de vidragem

por “tarugo”, permitindo ver a fila de piróscopos colocados normalmente sobre

em cozeduras de enchacotagem, ainda presente vagamente na memória

azulejos, de forma a elevá-los à altura de observação. Esta será uma inovação

local, repõe entre este e o forno grande de vidragem a hipótese da relação de

que certamente se generalizou em Portugal progressivamente a partir da sua

correspondência próxima genericamente proposta como mais corrente. Nesse

introdução em França e Inglaterra, na década de oitenta de oitocentos193. 73


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Reaproveitando o calor da cozedura de vidragem, procedia-

se simultaneamente à calcinação da mistura base para cada tinta. Já Charles Lepierre194 referia que a calcinação das tintas deveria ser realizada «ao fogo de faiança» ou «a grande fogo», entendendo nós que por tal se deva entender cozedura de vidragem.

Esta calcinação decorreria no interior da câmara de combustão

e para tal contariam com uma pia onde seriam depositadas as misturas, especificando-se aí ser de pedra e apenas existir nos dois fornos de vidragem. Infelizmente, quando a olaria passou a comprar as suas tintas ao exterior na década de setenta de século XX, esta pia foi removida do forno a que tivemos total acesso de registo – “forno pequeno de vidrado” –, pelo transtorno que representava na colocação das cavacas de pinho na desejada posição vertical. Não se tendo tido por isso oportunidade de realizar o seu registo, resta-nos a hipótese de que a pia do “forno grande de vidrado” tenha subsistido, o que não logramos igualmente confirmar.

Charles Lepierre em 1899 omite na sua publicação qualquer

menção a tal tanque, contudo, na sua Figura 7, em que se representa um forno coimbrão, aparece-nos a tracejado o que parece ser a indicação da sua existência, uma vez mais posicionado junto à parede de fundo da câmara de combustão. Ainda que tal elemento esteja identificado com a letra M, Charles Lepierre não faz qualquer referência ao seu significado, mas a sua concordância com o descrito por Fortunato Augusto Freire Themudo, e registado na memória da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», não deixa grande margem para dúvidas de se tratar do mesmo dispositivo destinado à calcinação do esmalte. 74

Figura 42 | “Forno para cozer a loiça comum em Coimbra”, salientando-se o pormenor possivelmente correspondente ao “tanque” para calcinação do esmalte (LEPIERRE, 1899: fig. 7).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

A operação de cozedura de vidragem seria no geral idêntica à de

Tal como registado na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», e

cozedura de enchacotagem. O consumo de tempo e combustível não se

indicado por António Veloso Xavier197, todo este processo decorre evitando-se

afastaria muito do da primeira cozedura, uma vez que a enchacotagem prévia

irregularidades no fogo, labaredas e fumos excessivos198.

das peças permitiria acelerar o processo até às temperaturas anteriormente

atingidas, compensando os tempos e consumos agravados na fase final, de

arrefecimento do forno, com a solidificação do vidrado a ocorrer entre os 700-

modo a atingir as temperaturas de vidragem. A maior sensibilidade desta

450 °C, sendo esta fase extremamente sensível.

última fase da cozedura de vidragem implicava ainda alguns cuidados extras,

passando a observação do fogo para cálculo das temperaturas por um maior

transformação dos materiais, podendo-se acelerar o esfriamento do forno199.

número de fases.

Este era, segundo João da Bernarda200, acelerado através da remoção do

Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», em que a

combustível em brasa.

temperatura de enchacotagem seria próxima ou mesmo superior à de

vidragem, todo o processo é repetido em ambas as cozeduras, com redução na

desenfornadas na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» após 4 dias,

cozedura de vidragem do tempo e risco de quebras durante a eliminação da

num total de 96 horas, mantendo-se o emparedamento da câmara de cozedura

água adicionada e de combinação.

até ao momento de recuperar a louça, divergindo apenas neste pormenor em

O aumento da temperatura deveria ser gradual até aos 500-700 °C,

relação à cozedura de enchacotagem, onde ao final do segundo dia se retiraria

podendo ser acelerado até atingir o limite pretendido, situado entre os 900-

metade do emparedamento de forma a acelerar o arrefecimento. Tal como

1100 °C, tendo os cerca de 900 °C como mínimo para vitrificação do esmalte

indicado para o desenfornamento da louça enchacotada, a recuperação da

e tintas195.

louça vidrada seria aí feita através do esvaziamento das caixas com recurso a

panos como pegas, dada a temperatura interior ser ainda considerável e o peso

Atingida a temperatura de vidragem, genericamente tendo por mínimo

Completa a maturação dos esmaltes e tintas, iniciar-se-ia o gradual

Aos 250-200 °C o arrefecimento é concluído, com a completa

Uma vez parada completamente a ação do fogo, as peças seriam

os 900 °C e podendo ir até aos 1000-1100 °C, entra-se na fase de maturação

das caixas carregadas ser excessivo para o seu transporte.

do vidrado, no qual todas as reações químicas devem ser completas, com a

Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», tal como para a

total expulsão dos gases libertados pela vitrificação, essencial de modo a evitar

cozedura de enchacotagem, a frequência entre fornadas de vidragem dever-se-

defeitos na superfície causados por rebentamentos como os de CO2. De modo

-ia situar entre uma semana e um mês, dependente do ritmo de produção, por

a garantir esta completa maturação de vitrificação – patamar de vidragem –,

sua vez ditado sobretudo pela quantidade de operários.

o forno deve ser mantido à temperatura de vidragem durante pelo menos 20

a 30 minutos, contribuindo para a homogeneização da superfície vidrada e

produções coimbrãs no século XIX, incluía com frequência as cores ditas de

a combinação química entre o esmalte e o barro, essencial para a sua correta

“grande fogo”, como o azul e o manganês, em simultâneo com as cores ditas de

aderência196.

“pequeno fogo”, como certos verdes e os amarelos e laranjas.

A paleta cromática da cerâmica produzida na olaria, e que dominou as

75


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 43 | Representação gráfica do forno de vidragem – em corte – e do forno de enchacotagem – em alçado (L. Sebastian & H. Pereira, 2007).

76


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Estas produções terão passado apenas por uma cozedura de vidragem,

provando por isso a possibilidade de uma técnica intermédia para uso de

ratinha, cujo carácter depreciativo se encontra ligado ao próprio conceito.

ambos os grupos de corantes.

Ratinha(o) seria o adjetivo utilizado para definir uma realidade rural, já que

Uma vez genericamente consideradas as temperaturas de “pequeno

serviria também para apelidar os trabalhadores rurais de origem beirã, grandes

fogo” entre os 500-800 °C e as de “grande fogo” entre os 900-1000 °C, não seria

consumidores desta louça. Este termo carrega uma definição de rusticidade

de todo impossível a maturação conjunta do esmalte, tintas de “grande fogo”

desde o século XVI e XVII e mais tarde é utilizado para definir algo de menor

– azul, manganês e alguns verdes – e tintas de “pequeno fogo” – amarelos,

categoria ou valor205.

laranjas e alguns verdes – entre os 800-900 °C.

Todavia, a considerável inconstância de fatores envolvidos numa

já que este era frequentemente indicado como uma das causas para a sua grande

cozedura de vidragem levaria invariavelmente a um grande número de

procura. A razão fica subentendida na afirmação de um dos testemunhos da

peças defeituosas . Ainda assim, mesmo as peças que passavam pelo crivo

exposição que refere que esta louça «(…) aproveita às classes menos abastadas,

da qualidade desejável para venda ao público, detinham um carácter de

que são as mais numerosas. Ainda assim, a faiança de 1ª qualidade póde, sem

rusticidade que lhe atribuía personalidade e, sobretudo, singularidade.

vergonha para a indústria nacional, adornar a mesa do rico e do remediado; e

201

A produção inicial desta olaria deveria, portanto, cingir-se à louça

A produção de louça de baixo custo deveria ser uma opção estratégica,

a louça grossa, de uma barateza extrema, aproveita a todos e é indispensável 2.3. Produtos

mesmo na casinha do abastado»206.

As formas associadas à faiança ratinha deste período são,

A fábrica de Joaquim da Silva, segundo o mapa da «Relacção das

predominantemente, destinadas ao serviço de mesa. Em termos decorativos é

Fabricas e Officinas» do distrito de Coimbra, em 1837 e 1840 produzia pratos,

favorecido o uso de uma pincelada larga, de forma mais repetida, abrangendo

tigelas, bacias e vasos

Um tipo de produção que se mantém, de uma maneira

uma grande área decorativa e o uso da técnica de esponjados, que auxilia

geral, em 1867203, já que, numa escritura de arrendamento é designado o

na criação de uma elevada densidade pictórica. É usualmente utilizada uma

fabrico de canecas, chicaras, pratos, meios pratos, travessas e terrinas.

decoração policromática que se reúne num número de grupos decorativos

restrito – o que se poderá explicar pela repetição dos esquemas decorativos e

202.

Supõe-se, portante, um tipo de produção semelhante para períodos

anteriores à época em que é constituída a Sociedade «Adelino Augusto Pessoa

pela simplificação dos desenhos.

& Irmãos», em que se fabricaria louça de uso comum e de baixo custo, segundo

o que terá sido apresentado na Exposição Distrital de Coimbra de 1884204,

e da exploração por António Cardoso de Carvalho ter-se-á mantido a produção

uma exposição promovida pela Escola Livre de Artes e Desenho e patenteada

de louça para uso doméstico como anteriormente já que, segundo José Amado

no edifício do Colégio do Carmo, onde estiveram representadas três das doze

Mendes207, por volta de “(…)1928, ter-se-á começado a fabricar, além de

fábricas de louça branca que existiam na cidade.

louça doméstica, faiança decorativa, cuja produção se intensificou a partir dos

Durante o período da sociedade comercial «Afonso Pessoa & Pimentel»

77


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 44 | Prato e castiçal com marca: 15x1 cm / 23x13 cm (F. Formigo, 2015).

78


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 45 | Taça e pote com decoração monocromática. 4,5x13,5 cm / 27x16,5 cm (F. Formigo, 2015).

79


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

80

anos 40 (…)” Assim, será com Alfredo de Oliveira que se dão inovações na

funções meramente decorativas, com um tipo decoração pormenorizada e

produção da fábrica que se irão repercutir nos períodos seguintes. Segundo

diversos tipos de inspirações, por outro era mantida a produção de louças de

António Pacheco208, as peças produzidas pelo próprio terão sido identificadas

uso comum com motivos decorativos mais simplificados. Esta diversificação

com a marca “A”.

na produção, que se irá manter nos períodos seguintes, sugere uma mudança

estratégica fruto de uma adaptação ao mercado ou da intenção de conquista de

A partir de 4 de Setembro de 1942, em que a exploração da fábrica far-

se-á pelo nome de «Viúva de Alfredo de Oliveira», será a marca com as iniciais

novos mercados.

“V.A.O” a identificar todas as peças da sua produção. É ainda neste período

que é normalizada a assinatura das peças por parte do pintor de louça que as

doméstico é muito diversa e inclui pratos, jarras, potes, garrafas, canjirões,

decora, o que irá permanecer, e que se verifica o alargamento da produção de

canecas, floreiras, castiçais, candeeiros, serviços de jantar (terrinas, travessas,

louça decorativa com a mudança do tipo de produtos fabricados.

galheteiros e pratos), serviços de chá e café (canecas, pires, açucareiros,

Iniciou-se a produção de faianças decorativas inspiradas, morfológica

leiteiras, bules e cafeteiras), bacias de lavatório, miniaturas, caixas e alfineteiras.

e decorativamente, em exemplares presentes na coleção do Museu Nacional

Nas peças produzidas com carater decorativo incluem-se placas decorativas,

Machado de Castro – nomeadamente as faianças do século XVII e as atribuídas

esculturas e fontes de parede212.

a Brioso e a Vandelli –, e em exemplares de Paterna/Manises copiadas do

livro de Manuel Gonzalez Marti “Cerâmica del Levante Espanhol:Siglos

em 1965 vai manter-se a marca com as iniciais “V.A.O”, assim como a inscrição

Medievalis” de 1944209.

da origem da produção – outra característica identificativa que se encontra junto

O uso da decoração inspirada nas faianças do século XVII, a única das

à marca. Era comum a nomeação da cidade de origem (Coimbra) e, nalguns

praticadas com o uso da monocromia, levou à identificação da sua cronologia

casos, do país de origem (Portugal). De facto, esta nomeação é encontrada com

junto à marca da fábrica, que vai permanecer, apesar da contínua tendência

maior frequência na produção da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra,

para um distanciamento dos originais210. Esta resulta da apreensão do estilo,

Lda.» indicando que poderia ser destinada à exportação e, segundo fontes

por parte dos pintores da fábrica, que lhes terá permitido utilizá-lo de uma

orais, esse seria o fim da maioria das peças desse período213. Esta é facilmente

forma mais criativa.

distinguível de produções anteriores pela utilização do código de referência

Na década de cinquenta foi desenvolvida uma linha de peças com

que é pintado acima da marca “V.A.O” e que resulta da catalogação das peças.

formas e decoração à maneira de Alcobaça e peças sob a influência da louça

Um trabalho que parece ter sido iniciado pela «Sociedade Cerâmica Antiga de

das Caldas da Rainha. A par desta produção com uma função decorativa

Coimbra, Lda.», de que resulta um catálogo publicado em 1966.

parece surgir, com um cariz popular, formas simples e abertas em peças com

representação de figuras em bailado ou com quadras de carácter popular211.

comparação das peças em catálogo com coleções permite compreender que para

além das morfologias identificadas na época anterior, a produção integra outras

Desta forma, se por um lado era alargada a produção de peças com

Em termos morfológicos, a produção deste período destinada ao uso

Com a constituição da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»

A leitura dos códigos de referência que identificam as peças e a


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Figura 46 | Açucareiro e alfineteiras assinaladas com código de referência da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» seguida da marca e do local de origem de produção: 10x10 cm / 2,5x8,5 cm / 2,5x7,5 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

como: jarro (de água, gomil e frango real), candeia de Assis; tabuleiro de bolo

alguidar-taça; pato com brasão; galinha; mostardeiro; cinzeiro; vinagreira de

inglês (com e sem asa); saladeira (oval com asa, inglesa, retangular); ceirinho;

Nantes; cinzeiro; botija-bar; bengaleiro; molheira; picheira; saleiro-pimenteiro;

travessa (recortada e oval); saleiro-pimenteiro; garrafa de whisky; gomil;

cabaça com tampa; almofariz; mealheiro e vaso.

Figura 47 | Jarro de água gomil, Garrafa de Whisky e Cabaça com tampa: 26x15 cm / 36x9 cm /20x10 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 48 | Travessa leitoeira e almofariz: 5,5x54 cm / 13x11 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Para além das faianças destinadas ao uso doméstico e decorativo,

divulgados pelo panfleto publicitário de 1995, onde são mencionados outros

o catálogo de 1966 divulga também os azulejos, outro tipo de peças que

painéis realizados para “(…) o Palace Hotel do Bussaco, para o Tribunal de

terão sido continuamente produzidas na olaria. Supondo-se uma produção

Contas (reprodução de O Contador de Amada Negreiros), para a Universidade

semelhante para períodos anteriores na «Sociedade Cerâmica Antiga de

de Coimbra (reprodução da Insígnia em coleção de 3 peças comemorativas

Coimbra, Lda.», eram manufaturados azulejos de figura avulsa a que se

do VII Centenário da Universidade) bem assim como o Projecto Infante/94 –

somavam os painéis de azulejo, com representações de temática religiosa ou

Comemorações do 6º Centenário do Nascimento do Infante Dom Henrique. De

profana, que podiam ser originais ou reproduções. São disso exemplo os três

realçar, ainda, a produção para o Banco de Portugal de uma peça comemorativa

painéis produzidos para o “8º Centenário do Nascimento do Santo António”,

dos 150 anos da sua fundação”.

Figura 49 | Azulejos de figura avulsa apresentados no catálogo de 1966 da «Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»: 7x7 cm / 12x12 cm.

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 50 | Panfleto publicitário de 1995 de divulgação dos painéis produzidos para o “8º Centenário do Nascimento do Santo António”.

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Estes painéis são representativos de uma parte da produção que

se distingue pelo seu carácter excecional, principalmente em termos decorativos – que existiu em períodos anteriores e que se vai perpetuar no período da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» –, que são as peças comemorativas. Estas eram feitas por encomenda e poderiam ser destinadas a inaugurações, homenagens, aniversários, festividades, etc.214. Neste âmbito foi fabricada uma série de pratos com o tema “História da Sebenta”, alusivos à comemoração do “Centenário da Sebenta” festejado em 1899, que exibem a marca “Affonso Pessoa Coimbra”215. Estes terão sido pintados por estudantes da Universidade e fabricados na olaria – já que Afonso Augusto Pessoa era, à época e desde 1896, o proprietário – para serem utilizados no banquete realizado no Largo da Feira. Estas peças terão sido depois “copiadas por operários cerâmicos, dado o grande interesse que despertaram.”216 e, posteriormente, reproduzidas pela «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» numa edição limitada e numerada, que publicita em panfleto. Nesta série, composta por cinco pratos, foi utilizada a marca “V.A.O Coimbra” e a marca “Affonso Pessoa Coimbra”.

As peças comemorativas ou de caráter excecional são por isso um

exemplo claro da envolvência da olaria com a sociedade, particularmente a da própria cidade, à qual pertencem a Universidade e os seus estudantes. Uma dinâmica de abertura permanente que a caracteriza, elevando o seu valor social e humano.

Uma génese que a «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» irá

manter dando também continuidade à produção anterior, exibindo muitas das inspirações decorativas antecedentes a par da decoração em hastes florais faustosas que densamente preenchem as áreas decorativas das peças e que irá proliferar. 86

Figura 51 | Panfleto e série de pratos “História da Sebenta” da «Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» (coleção privada): 4x20 cm (F. Formigo, 2015).


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

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Figura 52 | Caneca da “Cerveja Topazio” (coleção privada): 13x12 cm (F. Formigo, 2015).

Figura 53 | Gomil com prato e saladeira oval com asas decoradas com hastes florais faustosas (coleção privada): 30x38 cm / 4x31 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Em termos morfológicos irão manter-se algumas das morfologias, à exceção das peças que se baseiam na produção da «Real Fábrica de Louça» sita ao Rato. Este é o caso da designada terrina do Rato, a floreira de parede Rato e o pato com o brasão da Rainha Santa Isabel que constam no catálogo da fábrica de 1966. A primeira, embora aparente ter uma aproximação distante, terá como modelo de inspiração a muito representativa terrina assente em quatro pés de motivo vegetalista, com

Figura 54 | Terrina do Rato da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» (Catálogo, 1966) e terrina da «Real Fábrica de Louça» (PAIS, 2003:329): 35x25 cm / 26x37x25 cm.

duas asas de enrolamentos de acanto e concheados217. A segunda revela uma grande semelhança com o modelo de forma troncocónica invertida, rodeado por diversas caneluras, de reentrância central e face superior rebaixada com diversos orifícios e rodeada por um bordo recortado, do ciclo produtivo de Tomás Brunetto (1767-1771)218. A terceira assemelha-se à terrina da Real Fábrica em forma de um cisne sentado, moldada, com o brasão do Conde de Oeiras, incluída no conjunto de

Figura 55 | Floreira de parede Rato da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» (Catálogo, 1966) e floreira da «Real Fábrica de Louça» (PAIS, 2003:215): 11x15 cm / 10,5x20,5x 12,5 cm.

terrinas com formas naturalistas de animais de gosto Rococó219.

Nos anos setenta do século XX é criado um

novo catálogo onde são apresentados novos códigos de referência alfanumérica. A análise da produção do primeiro e segundo período permite compreender a introdução, nesta segunda fase, de novas morfologias: cesto de fruta; tacho; conjunto de refresco; tabuleiro; bule com aquecedor; chaleira; copo de ovos; tinteiro; papeleira e almotolia.

Figura 56 | Pato com brasão da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» (Catálogo, 1966) e terrina em forma de cisne da «Real Fábrica de Louça» (PAIS, 2003:227): 23x25 cm / 34x34,5x25,5 cm

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Figura 57 | Tinteiro produzido na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» marcado com o código de referência: 16x21,5 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Transversais aos diferentes períodos produtivos

são as peças que, indiferentes à mudança de proprietário ou ao tipo de decoração utilizada, subsistem pela aplicação sucessiva dos mesmos moldes. O maior exemplo de continuidade será o prato de louça de uso comum, de natureza grosseira, que continuou a ser fabricado desde a produção de louça ratinha220 até ao período da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» (199-A). Noutros casos pode existir uma adaptação para reaproveitamento do mesmo molde, como se compreende no caso do mealheiro pinto (286-A) produzido pela «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Figura 58| Prato da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»: 5x30 cm (F. Formigo, 2015).

Lda.». Esta peça terá sido adaptada a essa função já que no período da fábrica «Viúva de Alfredo de Oliveira» era uma escultura produzida para o restaurante “Pinto de Ouro”221.

Figura 59 | Pinto mealheiro da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»: 22x15 cm (F. Formigo, 2015).

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3

OPERÁRIOS E A SUA ORGANIZAÇÃO NA OLARIA


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

94

A história da produção de cerâmica na «Sociedade Cerâmica Antiga

folha salarial de cerca de 250 000$00 mensais»227. Entre 1970 e 1980, segundo um

de Coimbra, Lda.», desenvolvida segundo um modelo secular, é um exemplo

testemunho laboral, o número de operários terá diminuído, laborando cerca

máximo de continuidade, refletida no seu edifício e estruturas de produção,

de 25 pessoas, 10 oleiros e 15 pintores228. Em 1991 e 1992 a olaria funcionava

mantidos de uma maneira geral desde a sua fundação, e como tal, o perfeito

apenas com 8 operários a título permanente, sendo 6 pintores e 2 oleiros, que

arquétipo da produção oleira coimbrã.

asseguravam toda a produção229.

No barreiro e no piso inferior da olaria, encontravam-se a maioria

Estes valores, que devem ser observados com precaução, pela variação

das estruturas e equipamentos utilizados para a preparação, conformação e

de critérios e pela maior ou menor credibilidade da respetiva fonte, demonstram

cozedura do barro, e por esses espaços estariam distribuídos os operários que

que entre 1926 e 1967 houve um exponencial crescimento da mão-de-obra.

manuseavam diretamente o barro e laboravam com os fornos, tendo anexo

Este corresponde ao intervalo de tempo dos anos 40 e 50 do século XX que, tal

um espaço de armazém, albergando as peças prontas para a comercialização.

como referido anteriormente, foi um período de viragem no tipo de produção

Apesar destes terem acesso à área da câmara de cozedura no piso superior,

para a procura e conquista de novos mercados. Contudo, este crescendo no

este seria maioritariamente utilizado pelos operários dedicados à decoração

número de operários não impediu a permanência das tecnologias de fabrico

das peças, podendo-se assim definir o piso inferior como zona “suja” e o

características de uma olaria tradicional, de pequena escala.

superior como zona “limpa”.

O número de operários, dependente da dinâmica do mercado, terá

e de exercer a atividade, que se pode ainda associar à herança da organização

oscilado, e a perceção geral da sua variação é um indicador que permite uma

dos antigos mesteres. O contexto administrativo e organizativo destes no seu

aproximação à realidade produtiva da olaria. Segundo o mapa da «Relacção

universo social confundia-se muitas vezes com o religioso, bastando para tal

das Fabricas e Officinas»222, em 1837 a olaria empregava cinco homens e um

relembrar que a organização dos mesteres tinha por base a sua filiação em

rapaz, e dois anos mais tarde laboravam três homens e três rapazes. Em 1861,

bandeiras, correspondendo cada uma destas ao respetivo santo padroeiro. Um

segundo o registo de Francisco Teixeira da Silva223, encontravam-se a laborar

caráter religioso que está na génese das corporações dos ofícios portugueses

o mesmo número de pessoas, quatro homens e dois rapazes, menores de 16

que, segundo José Pinto Loureiro230, terão descendido das corporações

anos. Em 1905 ter-se-á verificado um ligeiro aumento do número de operários

romanas, verdadeiras confrarias ou irmandades, que tinham uma finalidade

já que, segundo Fortunato Augusto Freire Themudo224, existiriam 8 artistas e

puramente cultual. Na opinião do mesmo autor “Um dos traços de parentesco

1 menor. Em 1926 o número de operários era de 7 homens225, um número

das confrarias portuguesas com os colégios romanos e com as guildas germânicas

que terá aumentado significativamente nos anos seguintes, já que em 1967

seria mesmo o da obrigação de acompanhar o confrade morto à sua última

encontravam-se a trabalhar na olaria 20 operários226. No ano seguinte, estes

morada.” Prova desta herança é a bandeira “Arte Ceramica de Coimbra” que

haviam ascendido a 35 e, passados dez anos, esse número era sensive1mente

integra o espólio da olaria e que, segundo fontes orais, era utilizada para prestar

o mesmo, pois «…cerca de 36 trabalhadores aqui encontram emprego com uma

honra fúnebre aos oleiros da cidade. Naquilo que parece ser uma alegoria à

Da ligação ao passado provém, desde logo, o modo de aprender o ofício


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

arte cerâmica, ao centro uma figura feminina, envolta num manto vermelho, ergue os braços sobrepondo duas coroas de louros, uma em cada mão, sobre as cabeças das figuras do pintor de loiça – ao seu lado direito – e do oleiro – ao seu lado esquerdo – no exercício da sua atividade, enquadrados por um painel de azulejos azuis e brancos.

Sabendo-se que em 1517, na procissão do «Corpus

Christi», os oleiros tinham a quarta bandeira231 e que seria habitual a sua renovação quando se apresentasse em avançado estado de degradação232, poder-se-ia encarar a bandeira “Arte Ceramica de Coimbra” como inspirada na antiga bandeira que filiou os oleiros da cidade, desde o século XVI ao século XIX, isto a um nível meramente especulativo. De facto, segundo José Queirós233 a bandeira dos oleiros de Lisboa seria em seda branca ou vermelha e nela deveria constar a imagem das santas padroeiras dos oleiros, Santa Justa e Santa Rufina, embora Eduardo Freire de Oliveira, nos Elementos para a História do Município de Lisboa234, aluda apenas a Santa Justa, na bandeira dos oleiros. É disto sintomático o facto de o Bairro das Olarias se situar na freguesia de Santa Justa, e ser exatamente esse o nome do largo onde se situa a nossa olaria, por aí ter existido uma igreja dedicada a essa mesma santa, fazendo por isso sentido que fosse esta a padroeira representada na bandeira original dos oleiros de Coimbra.

Saindo do domínio do especulativo, certo é que permaneceu

a herança do uso de uma bandeira como elo de ligação entre os membros deste ofício em Coimbra. Sobrevivendo o símbolo de uma união que resistiu à extinção das corporações e à evolução para uma sociedade laica, que terá afetado a união pelo culto.

Figura 60 | Bandeira "Arte Ceramica de Coimbra" (J. Lucas, 1980).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

3.1. Mestres, oficiais e aprendizes

1972 fica decretado que só podiam ser admitidos indivíduos do sexo masculino ou feminino com idade mínima de 14 anos com a 4ª classe do ensino primário

Na organização dos mesteres, a aprendizagem do ofício era feita pelo

e com exame médico de robustez física, embora o tempo de aprendizagem só

aprendiz, que inicia a sua formação profissional sob a orientação permanente

comece a ser considerado “(…) a partir da data em que o aprendiz perfaz 16

do mestre. No regimento dos oleiros e malagueiros de Coimbra do século

anos de idade (…)”240.

XVII determina-se que «(…) todos os aprendizes para se examinarê tenhaõ (…)

aprendido cõ offecial aprovado e mostrem certidaõ delle na forma costumada

os trabalhadores especializados que, após o período de aprendizagem, se

(…)»235.

encontravam qualificados a desempenhar a sua função. Estes oficiais poderiam

Este modo de aprendizagem da profissão subsistiu aqui, fruto de

tornar-se mestres ao assumirem a responsabilidade de orientação dos

uma mentalidade conservadora que irá neste caso prolongar o empirismo

trabalhos, após vários anos de experiência e de casa. Tanto os oficiais como os

tradicional de herança medieval até mesmo ao século XX, de que é

mestres poderiam contar com ajudantes que dedicar-se-iam às tarefas menos

sintomática a primeira regulamentação da atividade por via contratual,

especializadas.

de 30 de Setembro de 1942236, – realizada pelo Grémio dos industriais de

Cerâmica e pelos Sindicatos Nacionais dos Operários da Industria Cerâmica

tratamento do barro, poderiam existir os “coadores de barro” e os “amassadores

e Ofícios Correlativos dos distritos do Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Lisboa,

de barro”241. Os primeiros, também conhecidos como “filtradores de pasta”242,

e Setúbal – ao contemplar os aprendizes como condição obrigatória no acesso

eram os oficiais que tratavam da depuração do barro nos tanques, enquanto

à categoria profissional237.

os segundos se ocupavam da posterior amassadura e sovagem das pastas

A idade para se iniciar a aprendizagem do ofício terá variado.

de barro. Na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» a amassadura

Existem testemunhos de ter sido aos 16 em 1970, aos 12 em 1966 e aos 14

na zona da capela era da inteira responsabilidade de um só operário, que

em 1972, informação coincidente com a que vigorava nos contratos coletivos

independentemente da possibilidade de ser auxiliado na pisadura, garantia

de trabalho. A 30 de Setembro de 1942 fica estipulado que “Só podem ser

pela sua experiência a correta preparação da pasta final. A preparação das

admitidos como aprendizes os indivíduos com mais de doze anos, quando do

tintas também poderia estar a cargo de um operário designado “preparador de

sexo masculino, e com mais de catorze anos, sendo do feminino, que saibam

tintas”243, que tinha a responsabilidade de realizar a moagem e a composição

ler, escrever e contar.”238. Na revisão ao contrato de 18 de Junho de 1962 a

das mesmas.

idade mínima de admissão de um aprendiz são os 17 anos. Porém, podiam

ser admitidos pré-aprendizes, do sexo masculino ou feminino, com mais de

o oficial de roda, “rodeiro”244, “rodista”245 ou “oleiro rodista”246. Este podia

12 ou 14 anos de idade, desde que habilitados pelo exame da 4ª classe do

acumular ainda a função de conformação do barro no sistema de jaula, no qual

ensino primário239. Com a regulamentação do trabalho de 29 de Junho de

também era utilizada a roda, ou poderia estar apenas uma pessoa encarregue

96

Para além do aprendiz, na olaria existiam os oficiais. Os oficiais eram

Para a realização de todas as diferentes operações de extração e

Da operação de modelação na roda ou torno de oleiro estava encarregue


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

dessa tarefa, e nesse caso designar-se “oleiro jaulista”247. Na conformação do barro poderia contar-se ainda com a figura do “oleiro formista”248, que era o responsável pela produção de peças à lastra, e com os “acabadores”249, a quem cabia o acabamento das peças antes e após a secagem.

O “forneiro”250 estaria encarregue do controlo do fogo – um processo empírico dependente

da sua experiência – e da cozedura dos produtos desde o enfornamento até ao desenfornamento das peças. Desta forma, dele dependia a correta condução de todo o processo de manipulação dos fornos. Na «Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» este papel era preferencialmente desempenhado por duas pessoas simultaneamente, dada a exposição a altas temperaturas implicar uma alternância de cerca de 2 horas durante o processo de cozedura, acima das quais se tornaria quase impossível suportar o calor. Para se protegerem deste, os forneiros usavam um avental de couro, ao qual, nos períodos de maior temperatura, fixavam panos molhados de forma a proteger o peito e baixar a sua temperatura corporal. Dada a longa duração da cozedura, esta alternância permitia igualmente algum descanso, dormindo-se por curtos períodos de tempo durante a noite sobre fardos de palha, colocados para o efeito nas proximidades.

A aplicação do esmalte nas peças previamente enchacotadas era realizada pelo “vidrador”251

para que, posteriormente, fossem executados os trabalhos de desenho e pintura a pincel pelo “pintor de loiça”252 ou simplesmente “pintor”253 254. Segundo testemunhos laborais na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», o pintor era o mestre responsável pela pintura que orientava o trabalho dos “decoradores”255. Ao pintor caberia realizar os testes das cores e técnicas, produzir pincéis na olaria com cabos de canas e pele de animais e criar os motivos ou contornar os motivos na peça para que os decoradores pudessem filetar, preencher, esbater ou dar cor.

Para além do nome do fundador Joaquim da Silva, perpetuaram-se outros nomes de

pintores/decoradores que laboraram na olaria. É conhecido, para o ano de 1861 sob administração de Joaquim Maria Nunes, o nome do Mestre Manuel José Freitas256, mas outros nomes são conhecidos, principalmente por meio da assinatura das peças. É o caso do “A.M.S. (Tintureiro)” em peças datadas de 1937, do “Zino” e do pintor “Sousa”, este último com diversas peças assinadas desde 1947257. Horácio Oliveira, com produção identificada pela assinatura “H.o”, foi outro mestre pintor muito profícuo a que sucedeu Armando Oliveira, o último mestre pintor da olaria.

Figura 61 | Horácio Oliveira no exercício das suas funções de pintor (J, Lucas, 1980).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Figura 62 | Pote de farmácia e prato de parede pintados e assinados por Horário Oliveira: 20x11 cm / 2x40 cm (F. Formigo, 2015).

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Segundo o testemunho de Charles Lepierre258, nas olarias de Coimbra

a função de vidrador264. Sendo o decorador o único que originalmente seria

existiam apenas duas espécies de operários: os rodeiros e os pintores de louça,

responsável pelo banho das peças enchacotadas, na «Sociedade Cerâmica

que contavam ainda com a presença dos aprendizes. De facto, no elevado

Antiga de Coimbra, Lda.» era ainda responsável pela mistura da preparação

número de cartas de examinação que constam nos livros da Câmara do século

do esmalte com a água. Daí que, para riscar o esmalte e assim verificar a sua

XVII, ficou registada esta destrinça entre os malegueiros de louça branca e

espessura, o decorador tivesse o hábito de possuir sempre uma das suas unhas

os pintores de louça. Segundo Joaquim Martins Teixeira de Carvalho259, logo

bastante longas.

em 1607 é feita a indicação a um «pintor de lousa» e em 1609 a referência

a um «malagueiro de louça branca». Se for assumido que os malegueiros de

Mendes265, passava por uma instrução profissional “(…) adquirida de forma

louça branca fabricavam louça com vidrado de estanho (faiança), estas serão

essencialmente prática, nos próprios estabelecimentos industriais ao longo

as primeiras categorias profissionais conhecidas260.

de vários anos, desempenhando a habilidade e imaginação dos operários

Num período inicial, em que uma média de seis pessoas laborava na

papel preponderante ainda que frequentemente prejudicadas pela carência de

olaria, seria provável a acumulação de funções, bem como a pouca diversidade

conhecimentos básicos e pela própria rotina.” O tempo de aprendizagem do

de graus de especialização. Organização semelhante ter-se-á verificado na fase

ofício seria por isso variável consoante o grau de dificuldade, a habilidade do

final de utilização dos fornos originais em que, segundo testemunhos laborais,

candidato, a sua idade e o grau de exigência do mestre que o ensinava.

o oleiro acumulava a sua função com a de forneiro.

Fortunato Augusto Freire Themudo261 testemunha em 1905 o exercício

aprendizagem de seis anos266, um período que ter-se-á estreitado consoante a

profissional dos oleiros e pintores, mas também dos amassadores e dos

maior especialização das funções. A 30 de Setembro de 1942 foi determinado

coadores de barro, indicando o número de nove pessoas a laborar. Assim, se

um período de três anos para se ser pintor, decorador, oleiro rodista ou forneiro,

num período inicial, com um menor número de pessoas a laborar, seria mais

dois anos para se ser fornista, oleiro jaulista ou vidrador e um ano para todas

frequente a ocorrência de operários a responsabilizarem-se por várias tarefas,

as outras categorias267. Na revisão de 18 de Junho de 1962 fica decretado um

com o aumento da mão-de-obra ter-se-á verificado uma maior distribuição

período de quatro anos para se ser pintor, três anos para decorador, formista

das mesmas. Ainda assim, e tal como registado em testemunho na olaria, o

ou oleiro das diferentes classes, dois anos para acabador ou vidrador e um ano

próprio ritmo de trabalho e gestão dos tempos mortos poderia levar a uma

para todas as categorias profissionais com aprendizagem268. Períodos que não

acumulação de funções. O que acontecia com os forneiros que, com uma

se alteram na regulamentação de trabalho de 29 de Junho de 1972269.

ocorrência quase mensal das cozeduras, entre elas desempenhavam outros

papéis, como o de oleiro jaulista262.

embora seja desconhecida a que seria praticada pela olaria em estudo em cada

Seria ainda muito comum que o jaulista fizesse as peças à lastra,

período particular, é possível fazer uma extrapolação a partir daquela que

desempenhando ainda funções de acabador263, e que o decorador acumulasse

seria a realidade das olarias coimbrãs. Segundo o registo de 1861 de Francisco

O acesso a este trabalho especializado, segundo José Amado

Nos inícios do século XVII impunha-se ao malegueiro uma

Em termos de remuneração salarial de cada categoria profissional,

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

Teixeira da Silva270 o salário dos oleiros rondava os 300 e os 360 reis. Em

nos 18$50, o do oleiro rodista e do oleiro formista entre os 14$50 e os 16$50,

1899, segundo Charles Lepierre271, o salário dos pintores regulava por 300 a

o do filtrador de barro nos 15$00 e o do amassador nos 13$50. Em 1962278 a

400 reis, os aprendizes recebiam entre 40 e 200 réis e os rodeiros trabalhavam

remuneração mínima do pintor era entre 39$20 e 64$00, a do decorador entre

«por obra», ganhando em média 500 reis por dia. Segundo Fortunato Augusto

35$20 e 44$80, a do oleiro rodista seria entre 46$40 e 51$20, a do oleiro jaulista

Freire Themudo em 1905272, os amassadores de barro teriam um jornal a

e do oleiro formista entre 37$60 e 41$60, a do forneiro entre 40$80 e 48$00, a do

regular entre 240 e 360 réis, os coadores de barro entre 320 e 400 réis, os

amassador era de 36 escudos e a do filtrador de pasta e do preparador de tintas

rodistas entre 360 e 500 réis e os pintores entre 300 e 400 réis.

era de 41$60. Em 1973279 o valor mínimo estabelecido para o salário do pintor

Estes diferentes testemunhos atestam que as condições remuneratórias

era entre 114$00 e 132$00, a do decorador entre 100$00 e 108$00, a do oleiro

dos trabalhadores das olarias seriam baseadas na jorna, ou seja, por dia

rodista seria entre 98 e 114 escudos, a do oleiro jaulista e do oleiro formista

de trabalho. Contudo, não terá sido esta a única forma remuneratória dos

entre 98$00 e 100$00, a do forneiro entre 94$00 e 100$00, e a do preparador

oleiros, já que em 1899 seria “por obra”, indicando que esta dependeria da sua

de tintas de 100 $00, a do filtrador de pasta de 98$00 e a do amassador era de

capacidade produtiva, um modo de pagamento que era já criticado nos inícios

94$00.

do século XVII, como prova uma determinação camarária de 1609 em que se

refere que os oleiros deveriam ser pagos ao dia em vez serem pagos por uma

distintos daqueles aplicados à mão-de-obra feminina, que era utilizada nas

«certa comtia por duzias de pesas» , num trabalho de empreitada que permitia

fases mais indiferenciadas e menos rigorosas do processo de produção e cujos

uma maior produção em menos tempo mas levava a uma diminuição da

jornais ou salários eram de valores inferiores. Segundo Fortunato Augusto

qualidade, resultando “grande prejuízo no fazer da dita louça”274. Uma prática

Freire Themudo em 1905280, as mulheres tinham um jornal de 120 reis a 140

declarada, em 1913, pelos industriais que em resposta ao pedido de aumento

reis, que seria cerca de metade do menor valor pago a um homem. Sabendo que,

salarial por parte dos membros da Associação de Classe da Arte Ceramica

com exceção de alguns ofícios que podiam ser mistos, a maior parte dos ofícios

afirmam que “Os operários da roda só receberão os seus salarios depois da

eram apenas para homens281, Joaquim Martins Teixeira Carvalho282 deixa claro

louça feita e acabada (…) uma quantia baseada no trabalho que cada operário

que pelo menos já desde o século XVII que teríamos mulheres a desempenhar

costuma produzir (…)”275. Para a diminuição do trabalho de empreitada terá

de forma assumida e reconhecida a importante função de forneira. De facto,

contribuído a regulamentação do trabalho, já que fica estipulado a 30 de

em 1942283, às mulheres era permitido serem filtradoras de pasta, oleiras

Setembro de 1942 que o trabalhador “em circunstancia alguma poderá ser

jaulistas, oleiras rodistas e forneiras. Com um número de categorias acessíveis

remunerado com importância inferior à do salário de jornal a que o operário

mais restrito, em 1962284 era permitido serem oleiras jaulistas, pintoras e

tem direito.”276.

decoradoras com remunerações entre 29$60 e 49$60 e em 1973285 podiam ser

pintoras, oleiras jaulistas, oleiras formistas e decoradoras com remunerações

273

Estes contratos de regulamentação do trabalho permitiram ainda

fixar os valores salariais mínimos. Em 1942277, o salario do forneiro foi fixado 100

Estes valores remuneratórios aplicados à mão-de-obra masculina foram

entre 104 $00 e 63$00.


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

O número de mulheres a trabalhar em olarias terá sofrido um

aumentado gradual já que, segundo o mapa da «Relacção das Fabricas e Officinas»286, entre 1 de Janeiro de 1837 e 11 de Janeiro de 1840, é apenas registada a presença de uma mulher a trabalhar numa olaria de louça branca, enquanto em 1905 eram já cinco287. Segundo as mesmas fontes, para os mesmos períodos, não foi registada a presença de mulheres a laborar na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.». A mão-de-obra feminina terá sido aí introduzida em período mais tardio, tendo sido utilizada exc1usivamente no processo de decoração da 1ouça288.

Curiosamente, a olaria em estudo é novamente exemplo de um dos

muitos casos de sucesso sob gestão feminina, normalmente, e também aqui, assumindo a viúva a administração do negócio por morte do marido mestre oleiro, como vemos acontecer desde pelo menos os inícios do século XVII, apesar de vereações como a feita pela Câmara de Coimbra em 1623, em que a mulher viúva não podia ter «(…) tenda aberta sem ter n'ella official examinado e approvado no officio que usar.»289. Foi neste período que, tal como referido anteriormente, se verifica uma viragem no tipo de produção da olaria, que terá conduzido à conquista de novos mercados e um aumento da mão-de-obra, que terá sido o reflexo do aumento da capacidade produtiva.

101


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

102


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

4

CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DESTA INDÚSTRIA EXTINTA

103


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

A atividade oleira é detentora de uma grande tradição em Coimbra,

bem documentada desde os inícios do século XVI. A importância e poder

faiança em Coimbra fosse já corrente294.

económico que assumiu são sugeridos pela disposição deste ofício na procissão

do Corpus Christi. Os ofícios poderiam surgir associados às festividades

XVII terá sido um período de sucesso para a produção de faiança coimbrã. Por

como forma de suportar as despesas a ela inerentes290, que era uma das

determinação da Câmara, a 26 de Julho de 1603 tornou-se obrigatório que as

obrigações a que se comprometiam os oleiros aquando do seu juramento –

chaminés dos fornos de louça tivessem que ser suficientemente altas para bem

“pagar para festas”. Esta contribuição para as festas da cidade era também

da vizinhança. Outros factos indicam a importância e já complexa organização

uma dignificação da profissão. No caso da procissão do Corpus Christi, esta

desta indústria cerâmica nesta época em Coimbra, como as providências

dignificação seria tanto maior quanto mais próximos os oficiais estivessem

tomadas pela Câmara entre os anos de 1601 e 1609, nomeadamente contra

da «gaolla», e segundo o «Titulo do Regimento da festa do Corpo de Deos, e de

os elevados preços da louça que estariam a ser praticados e que superariam os

como hamde ir os Oficios cada hum em seu logar»

de 1517, os oleiros eram os

fixados; a existência de fornos de louça fora do sítio das olarias; a exploração de

detentores da sétima bandeira entre os 17 ofícios presentes no cortejo. Assim,

barro fora dos locais habituais; queixas sobre a laboração de fornos pequenos

não integrando o grupo dos mais abastados ou de maior estatuto no conjunto

contrários à regulamentação; o cozimento de louça na caldeira dos fornos, etc..

dos oficiais mecânicos da cidade, não podiam ser considerados detentores de

Estes elementos são bem reveladores de que, no princípio do século XVII, a

fracos rendimentos , tendo alguma representatividade naquele contexto.

produção de faiança em Coimbra era já uma indústria plenamente desenvolvida

e com intensa atividade295.

291

292

104

documento torna ainda mais provável que no final do seculo XVI o fabrico de

Pelo desenvolvimento da produção cerâmica na cidade estima-

Sobre este início de produção são vários os indiciadores de que o século

se que a adoção do fabrico de faiança na cidade tenha ocorrido de forma

natural. Com a presença de uma vasta e bem organizada comunidade oleira,

meados do século XVII – época em que se regista um aumento da atividade

abundante disponibilidade de matéria-prima e excelente posicionamento

– a outras regiões, sobretudo através da exportação pelo porto da Figueira

para escoamento da sua produção – beneficiando do papel de plataforma

da Foz296, por meio de transporte intermédio que se faria a partir do “Porto

comercial que a cidade sempre representou entre o interior e o litoral e o

dos Oleiros”, situado junto ao Bairro das Olarias, e que em pequenos barcos

Norte e o Sul, com ligação indireta ao mar através do rio Mondego –, a cidade

levariam a louça até ao sintomaticamente chamado “porto do Mondego”, na

proporcionou as condições ideias para que a produção de faiança alcançasse

Figueira da Foz, onde era carregada em navios maiores, adequados à navegação

uma grande importância socioeconómica e artística.

atlântica. De facto, para António de Oliveira297, não faltam a Coimbra, entre

1537 e 1640, “adequadas vias de penetração e escoamento de produtos, meios

Considera-se que a indústria da faiança já se encontrava implantada

Sabe-se ainda que o consumo da louça coimbrã se terá alargado, desde

e organizada em Coimbra no período de transição para o século XVII,

indispensáveis ao desenvolvimento económico, à expansão do comércio”.

como prova o Regimento dos Oleiros e Malegueiros de 1623. Este é aliás o

primeiro documento conhecido a regulamentar o ofício293. A existência deste

grande importância comercial, terá contribuído para que na primeira metade

A instalação estratégica das olarias em Coimbra, numa cidade com


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

do século XVIII se verificasse um enorme crescimento da atividade, com um

dos produtos concorrentes vieram pôr em causa essa vantagem competitiva,

elevado número de indivíduos registados a participar nesta indústria – um

conduzindo ao encerramento progressivo das olarias Coimbrãs.

número que chegou a quadruplicar em relação ao período anterior. Regista-se

ainda, neste período, a chegada de vários oleiros vindos da capital, o que em

aos meios de transporte e escoamento, que apesar de terem sofrido alguns

parte se poderá explicar pela falta de mão-de-obra, fruto da crescente procura

progressos nos finais do século XIX e inícios do século XX, revelavam sérias

da louça coimbrã. A tendência de crescimento na primeira metade do século

limitações302. As insuficientes ligações das linhas de caminho-de-ferro levaram

inverte-se significativamente na segunda metade do século XVIII, com um

a que o transporte fosse feito preferencialmente, ainda em 1905, em carros de

decréscimo que indicia uma decadência do sector298, ainda que o número de

bois, a que acresceu o cíclico assoreamento do Mondego, com prejuízo da sua

olarias a laborar mantenha uma certa estabilidade no primeiro quartel do

navegabilidade303.

século XIX em relação ao final do século anterior, assistindo-se mesmo a um

crescimento do número de operários por olaria.

três principais centros oleiros de faiança em Portugal até à segunda metade

A contínua procura da louça coimbrã devia-se, em grande parte, ao

de setecentos. Contudo, mesmo nas cidades de Lisboa e Porto, irá consumir-

facto desta ser um produto com um reduzido valor de mercado e oferecer

se louça de Coimbra, que não tendo o mesmo valor de mercado, não se

uma grande durabilidade, conseguida pelo maior espessamento das paredes

tornaria concorrente destes dois grandes centros oleiros. Assim, se por um

e pela escolha de formas simples e robustas . Deste modo dar-se-ia resposta

lado a produção de um grande centro económico, comercial e político como

às necessidades de quem possuía menor poder de compra, mas também aos

Lisboa, onde o desenvolvimento da indústria oleira era mais propício, poderia

que careciam de grandes quantidades louça de faiança de uso corrente, como

ser destinada a uma clientela mais abastada, por outro lado a produção de

era o caso das grandes casas aristocráticas, monásticas ou conventuais300.

Coimbra dedicou-se a satisfazer necessidades mais básicas com o seu carácter

Logo, para além da abundância de matéria-prima e de um posicionamento

mais popular304.

geográfico estratégico do ponto de vista comercial, a cidade beneficiou com

uma opção estratégica de produção, tal como referido para o caso particular

– “barro branco” – local para servir de matéria-prima, tendo que a importar de

da olaria em estudo, e que terá sido promotora do sucesso deste centro oleiro.

Lisboa, e sem uma forte prévia tradição oleira, desenvolveu-se tecnicamente

Esta subsistirá ainda no século XIX, já que na opinião de Francisco Teixeira

sob influência de Lisboa e Coimbra, como se deduz pela migração de oleiros

da Silva301, perante a análise que fez à indústria de Coimbra em 1861, «Estas

que inclusive por tal receberiam privilégios e isenções, baseando antes a sua

[fábricas de louça] tambem pouco se hão adiantado, porque não podem competir

localização no benefício da proximidade à intensa atividade comercial da

com os produtos da fabrica da Vista Alegre (Aveiro). Limitam-se ao barato, para

barra do Porto para escoamento dos seus produtos.

que esteja ao alcance do povo que não olha a perfeições», estratégica que se irá

permanecer até às primeiras décadas do seculo XX, quando a baixa dos preços

absorvida pela própria cidade e povoações circunvizinhas, enquanto outra

299

Este decaimento deveu-se ainda, segundo José Amado Mendes,

Coimbra, juntamente com Lisboa e Vila Nova (de Gaia), foi um dos

A produção de Vila Nova impõe-se neste caso pela diferença. Sem marga

Da produção coimbrã escoada em mercado nacional, parte era 105


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

parte era destinada à região Norte, Beiras, Alentejo, Algarve e Ilhas, a núcleos

de faiança com maior produção nacional e projeção internacional, presente em

onde um reduzido poder económico impunha um limitado acesso às louças

todos os continentes, com exceção da Oceânia, até novos dados arqueológicos

de Lisboa e Vila Nova .

o contradizerem. Uma produção que durou cinco séculos e que terá ocupado

Relativamente ao escoamento para o mercado internacional, no

uma mesma malha urbana, mantendo a sua organização de cariz familiar, um

século XVIII José Amado Mendes306, citando o livro Materiais para a história

dado que reflete a permanência do seu caracter artesanal311. No entanto, será

da Figueira dos séculos XVII e XVIII do ano 1954, da autoria de António dos

graças a uma olaria que se afasta deste padrão que se irá perpetuar ainda mais

Santos Rocha, faz referência à distribuição através da barra da Figueira da

esta a tradição do fabrico de faiança coimbrã. A «Sociedade Cerâmica Antiga

Foz para Inglaterra. Esta é atestada pelos Port Books, onde foram registados

de Coimbra, Lda.», recuando as suas raízes aos inicos do século XIX, fora

os movimentos dos portos ingleses desde o século XIV e até ao século XX,

da malha urbana tradicionalmente ocupada pelas olarias e fora dos poucos

sendo aí claramente referenciados os núcleos de Lisboa, Figueira da Foz e

núcleos familiares estabelecidos nesta produção – com relações estreitas entre

Porto como exportadores de louça . Já na passagem do século XVII para

si, muitas vezes favorecidas pela frequente prática do casamento endogâmico312

o século XVIII deu-se igualmente um grande incremento da exportação de

–, vai resistir às sucessivas mudanças de proprietários e às fases mais críticas de

faiança pela barra do Douro, de onde para além da louça de Vila Nova, saiu

declínio desta produção, que ditaram o fim de outras olarias semelhantes.

inúmera louça coimbrã, não só para as províncias ultramarinas portuguesas,

mas igualmente para a América inglesa e Norte da Europa

ponto de vista, por outro lado é herdeira e representativa de um tipo de

A par das provas documentais, grande parte da identificação dos

produção com tradições vincadas em Coimbra, multiseculares. Até à data da

centros importadores de faiança coimbrã tem sido possível por meio de

sua construção poucas alterações sofreram as olarias coimbrãs em relação ao

estudos arqueológicos, permitindo associar o transporte e a exportação de

século XVII, quer em termos das estruturas, quer materiais e processos de

faiança às rotas comerciais internacionais. Entre os séculos XVII e XVIII, a

fabrico. Um aspeto que, tal como foi referido anteriormente, foi sobejamente

louça de Coimbra terá integrado, como produto complementar, as rotas do

criticado nos finais do século XIX e inícios do século XX, desenvolvendo-se

sal, do bacalhau e do açúcar308. É assim frequentemente encontrada no Norte

a opinião generalizada de que esta industria sofria de uma imutabilidade que

de Espanha309 e colónias portuguesas das Ilhas Atlânticas, Brasil e Uruguai310.

urgia alterar, que devia ser renovada de modo a acompanhar as dinâmicas de

Fruto das relações comerciais com a Inglaterra, a faiança portuguesa foi

mercado e as inovações técnicas. Adelino das Neves e Mello313 refere que com

transportada igualmente para as colónias inglesas, sendo uma ocorrência

os devidos melhoramentos «(…) podem as faianças de Coimbra equiparar-se

comum em escavações arqueológicas na costa Nordeste dos Estados Unidos

ás melhores, sem terem na barateza competência». Enquanto António Augusto

da América e Sudeste do Canadá.

Gonçalves314 indica que essa estagnação se devia à «organização industrial, pela

Esta distribuição, quer pelo mercado interno, quer pelo mercado

falta de educação, de elementos instuctivos e renovadores, pela incapacidade e

externo, contribuiu para que Coimbra se transformasse no centro produtor

endurecimento da temosia e da rotina, que se obstina em resistir às exigências

305

307

106

No entanto, se por um lado esta olaria foi um caso invulgar sob este


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

da vida moderna, desvalorizando se pela inferioridade perante a economia

continuando a ser produzida, mesmo quando a atividade já estava totalmente

domestica e a concorrência dos mercados». José Amado Mendes315 referiu-

extinta nos restantes dois grandes centros de fabrico de Vila Nova (Gaia)

se a esta inadaptação afirmando que “A estrutura empresarial, de pequena

e Lisboa, naquela que se tornou na última olaria tradicional de faiança em

indústria, característica do Antigo Regime económico, com um número de

Portugal e num emblema de continuidade, quer das técnicas quer das tradições

estabelecimentos razoável para o meio (entre 9 e 17) e um reduzido número

seculares que aí se praticaram.

de operários por cada um (por vezes inferior a 10), manteve-se desde final do século XVIII até ao fim da segunda década do século XX, aparentando assim uma considerável estagnação.” José Queirós em 1907 afirma que o movimento cerâmico de Coimbra estava a chegar à decadência316.

Como tal, as tecnologias de fabrico utilizadas na olaria, não obstante

serem encontrados alguns particularismos regionais, que se evidenciam em pequenas diferenciações – pequenas variações do material utilizado, distintas terminologias para os mesmos instrumentos ou diferente periodização das mesmas fases –, são também genericamente representativas do universo da produção tradicional de faiança portuguesa. De facto, as grandes diferenças entre os diferentes centros produtores eram a variabilidade no estilo e decoração, mais do que necessariamente nas formas ou nas técnicas de fabrico. A este nível, deve ser ainda considerado que a maior apetência das olarias coimbrãs para produções de menor qualidade não era sinónimo de uma insuficiência técnica, mas sim resultado apenas de uma opção comercial. Daí que a análise a esta olaria permita um maior conhecimento das técnicas de fabrico da faiança em Portugal, incluindo matérias-primas, sua transformação e aplicação, estruturas e processos de cozedura. Bastando para isso considerar que, atualmente, os fornos desta olaria são os únicos exemplares préindustriais que se podem observar em território português ou, relativamente à distribuição dos espaços de produção dentro do edifício, esta ser a mais completa fonte, dada a sua aparente quase imutabilidade.

A louça da «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» sobreviveu 107



A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

NOTAS

CAMPOS, 2012: 170-171. AUC, Tabelião José Pinto de Magalhães, livro nº 8 (1839-1840), fl. 81 – 82. 20 AUC, Tabelião José Pinto de Magalhães, livro nº 8 (1839-1840), fl. 81 – 82. 21 AUC, Tabelião José Pinto de Magalhães, livro nº 8 (1839-1840), fl. 81 – 82. 22 AUC, RN, Tab. António Pádua e Oliveira, livro nº 16 (1854-1855), fl. 122v.-123. 23 AUC, RN, Tab. António de Pádua e Oliveira, livro nº 19 (1857-1858), fl. 31-31v. 24 AUC, RN, Tab. António de Pádua e Oliveira, livro nº 20 (1858-1859), fl. 198v.-200. 25 SILVA, 1861: 18. 26 AUC, RN, Tab. José Maria da Silva P. de Melo e Albuquerque, Livro nº6 (1867-1868), fls. 25 - 26 27 AUC, RN, Tab. Joaquim Nobre Soares, livro nº 1 (1860-1873), fl. 34v.-36v. 28 AUC, RN, Tab. Augusto Gomes Pimentel, livro nº8 (1873-1874), fl. 52v.-53. GREGÓRIO, 1991/92: 11. 29 AUC, IO, Adelino Augusto Pessoa, maço 16, nº 1306, fl. 27v. 30 MENDES, 1982: 35; PAIS, et. al., 2007: 151. 31 AUC, RN, Tab. Joaquim António Rodrigues Nunes, livro nº 33 (1896-1897), fls. 65v-67. MENDES, 1982: 35. 32 GREGÓRIO, 1991/92: 12 33 LEPIERRE, 1899: 12. 34 MENDES,1984: 173 35 AUC, RN, Tab. Joaquim António Rodrigues Nunes, livro nº 36 (1898-1899), fls. 28v-29. 36 AUC, RN, Tab. Joaquim António Rodrigues Nunes, livro nº 36 (1898-1899), fls. 29-31. 37 MENDES, 1982: 35. 38 QUEIRÓS,1907: 430. 39 MENDES, 1982: 36. 40 GREGÓRIO, 1991/92: 12. 18 19

MENDES, 1984: 29. 2 PAIS, et. al., 2007: 107. 3 TAVARES, 1982: 15. 4 LANGHANS, 1943: vol. I, XXIII, XXXII. 5 LOUREIRO, 1960-1964: vol. II, 256-257. 6 ALARCÃO, 2008: 186-187; LOUREIRO, 1955: 48-64; 1960-1964: vol. I, 292-297. 7 ALARCÃO, 1979: 28-29; 2008: 33. 8 Expressão utilizada numa escritura de arrendamento da fábrica de 1867. AUC, Tabelião José Maria da Silva Pereira de Melo Albuquerque, livro nº6 (1867-1868), fl. 25 – 26. 9 AUC, RN, Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº 5 (1823-1824), fl. 73v. – 74v.; AUC, Tabelião Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº 5 (1823-1824), fl. 84v. – 86; AUC, Tabelião António Pádua e Oliveira, livro nº 16 (1854-1855), fl. 122v. – 123. 10 AUC, RN, Tab. Justiniano X avier Pinto da Silva, livro nº 5 (1823-1824), fl. 73v. – 74v. 11 AUC, RN, Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº 5 (1823-1824), fl. 84v. – 86. 12 AUC, RC, Freguesia de São João de Santa Cruz, livro nº7 (1812-1826). 13 AUC, RN, Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº8 (1826-1826), fl. 37v. – 38v. 14 AUC, RN, Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº 23 (1834-1835), fl. 36v. – 37. 15 AUC, RN, Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº 24 (1835-1835), fl. 24v. – 25v. 16 AUC, GC, Copiador de correspondência expedida pela 2as e 3as repartições do Governo Civil para o Ministério do Reino (1839-1840), fls 128v. 17 ALARCÃO, 2008: 186. 1

109


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

GREGÓRIO, 1991/92: 12. AUC, GC, «Estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos», processo nº99. MENDES, 1982: 36. 43 AABPC, Cartas, Expediente Diverso, «País», B, 1924-1925. 44 MENDES, 1982: 36. 45 AUC, GC, Ministério do Comércio e das Comunicações, Direcção Geral das Industrias, «Indústrias insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas», processo nº 17, p. 861. GREGÓRIO, 1991/92: 13. 46 DP, Carta, Segunda Circunscrição Industrial, nº 342, 19-1-1942 (policopiado). 47 GREGÓRIO, 1991/92: 13. 48 DP, «Diário de Coimbra», dia 8 de Janeiro de1965, pp. 1 e 11 (policopiado). 49 AUC, RN, Tab. Américo Gomes de Andrade e Oliveira, (02-1965 a 04-1965), fl. 48-51. 50 AUC, RN, Tab. Américo Gomes de Andrade e Oliveira, (02-1965 a 04-1965), fl. 49v. 51 DP, RN, Tab. Américo Gomes de Andrade e Oliveira, (1965), fl. 160 (policopiado). 52 Segundo nota na margem do documento: AUC, RN, Tab. Américo Gomes de Andrade e Oliveira, (02-1965 a 04-1965), fl. 48-49. 53 PAIS, et. al., 2007. 54 MENDES, 1982: 33; GONÇALVES, 1884: 40; MELLO, 1886: 35; LEPIERRE, 1899: 119 e 121; QUEIRÓS, 1949: 134. 55 SEBASTIAN, 2010: 216. 56 LEPIERRE, 1899: 119. 57 Segundo o testemunho de Vitorino Miguel Ferreira que foi oleiro na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» e filho de Vitorino Ferreira, antigo forneiro e jaulista na mesma olaria. 58 LEPIERRE, 1899: 119. 59 THEMUDO, 1905: 79-80. 60 Segundo o testemunho de Armando Oliveira que começou a trabalhar na 41 42

110

«Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» em 1966. 61 LEPIERRE, 1899: 119. 62 MELLO, 1924: 36. 63 PAIS, 1998; SARDINHA, 1998; ALMEIDA, 1998. 64 LEPIERRE, 1899: 119; PAIS, et. al., 1998: 27. 65 LEPIERRE, 1899: 119. 66 THEMUDO, 1905: 80. 67 SILVA, 1804: 191. 68 ESTEVES, 2003: 166. 69 FERNANDES; REBELO, 2008: 171. 70 THEMUDO, 1905: 80. 71 Segundo o testemunho de José Duarte Lucas que trabalhou 10 anos na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.», tendo começado em 1970. 72 BERNARDA, 2001: 33. 73 LEPIERRE, 1899: 121-122. 74 THEMUDO: 181. 75 CUNHA, 2003: 28-32, 75-79. 76 MELLO, 1924: 31. 77 CARVALHO, 1921: 155-156. 78 Arquivo da Câmara Municipal de Coimbra, «Vereações», 1576-1577, fls. 69v.º, 70, 70v.º e 71 79 GONZÁLEZ: 1944: 25. 80 O oleiro Brás Eanes solicita à coroa autorização para explorar uma mina abandonada, aparentemente rica em alcanfor, para seu emprego nos vidrados (DUARTE, 1995: 96). 81 PAIS; MONTEIRO, 1998: 28. 82 SEBASTIAN, 2010: 343. 83 SILVA, 1804: 94; HAMER; HAMER, 1997: 18; FERNANDES, 2008b: 62, 66. 84 CARDOSO, 1959: 61, 186-187. 85 CARDOSO, 1959: 61, 186-187. 86 THEMUDO, 1905: 81.


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

SILVA, 1804: 93. 88 XAVIER, 1805: 18-19. 89 LEPIERRE, 1899: 126. 90 THEMUDO, 1905: 181. 91 Segundo o testemunho de Armando Oliveira, pintor na «Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.» Começou a trabalhar na olaria com 12 anos de idade, tendo 41 anos de casa, começados em 1966. 92 PICCOLPASSO, 2007: 71; SILVA, 1804: 93-94; LÚCIO,1844: tomo IV, 334335; XAVIER,1805: 18-19. 93 SILVA, 1804: 93-94; XAVIER, 1805: 18; LEPIERRE, 1899: 121-122; THEMUDO, 1905: 81. 94 LEPIERRE, 1899: 121-122. 95 PICCOLPASSO, 2007: 76-77; XAVIER, 1805: 21. 96 AUC, Tab. António de Pádua e Oliveira e António Maria de Oliveira, livro número 48, fls. 75v-76v. MENDES, 1982: 35. 97 Ministério da Industria e Energia, «“Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»», Processo nº 1, fl. 16. 98 Ministério da Industria e Energia, «“Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»», Processo nº 1, fl. 16. 99 BERNARDA, 1992: 13. 100 Ministério da Industria e Energia, «“Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.»», Processo nº 1, fl. 16. 101 GREGÓRIO, 1991/92: 47. 102 LEPIERRE, 1899: 115. 103 THEMUDO, 1905: 181. 104 AUC, Tab. António de Pádua e Oliveira e António Maria de Oliveira, livro número 48, fls. 75v-76v. 105 LEPIERRE, 1899: 128. 106 BERNARDA, 1992: 13. 107 CARDOSO, 1959: 73-74; HAMER; HAMER, 2004: 226-228. 108 LEPIERRE, 1899: 130. 87

DUARTE, 1995: 78-79; VITORINO, 2002: s. n. p.. CARDOSO, 1959: 264. 111 XAVIER, 1805: 10; LEPIERRE, 1899: 120; CARDOSO, 1959: 105; RICE, 1987: 128-132; FERNANDES, 2008a: 27. 112 FERNANDES; REBELO, 2008: 131. 113 BIRINGUCCIO, 1540: Livro IX, Capítulo XIV, fl. 146; SMITH; GNUDI, 1990: 394, fig. 76; PICCOLPASSO, 2007: 58, 60-61; SILVA, 1804: Est. I, fig. 15, 16 e 17; XAVIER, 1805: Est. IV, fig. 1, 5, 6, 7 e 8; PROSTES, 1907: 136, fig. 69, 138, fig. 72. 114 PROSTES, 1907: 155. 115 XAVIER, 1805: 10-13. 116 XAVIER, 1805, 11, 91, Est. IV, fig. 11; PROSTES, 1907: 137, fig. 70; RICE, 1987: 131-132; ELIAS, 1996: 11; FERNANDES; REBELO, 2008: 123. 117 SILVA, 1804: 188. 118 XAVIER, 1805: 91, Est. IV, fig. 9. 119 PICCOLPASSO, 2007: 58, 65. 120 SILVA, 1804: 61, 188, 196. 121 XAVIER, 1805: 12; PROSTES, 1907: 136. 122 BERNARDA, 2001: 35. 123 CORREIA, 1965: 45-46; ELIAS, 1996: 12; FERNANDES, 2008a: 27-28; FERNANDES; REBELO, 2008: 131. 124 RICE, 1987: 129. 125 A boneca corresponde geralmente a uma bola de pano enchida com areia, podendo possuir ou não cabo de madeira. 126 ESTEVES, 2003: 166. 127 SILVA, 1804: 82-83; XAVIER, 1805: 15-16, 93, Est. V, fig. 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21; THEMUDO, 1905: 79; PROSTES, 1907: 164, fig. 89; CARDOSO, 1959: 105-106; FERNANDES, 2008a: 28-29; FERNANDES; REBELO, 2008: 139-140. 128 CARDOSO, 1959: 105-106; FERNANDES; REBELO, 2008: 140. 129 Segundo o testemunho de José Duarte Lucas. 109 110

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

FERNANDES, 2008a: 27; FERNANDES; REBELO, 2008: 123. 131 SILVA, 1804: 74. 132 PROSTES, 1907: 56; CARDOSO, 1959: 106. 133 XAVIER, 1805: 16-17. 134 LEPIERRE, 1899: 122; THEMUDO, 1905: 80; MELLO, 1924: 35. 135 SILVA, 1804, 96; BRAGA; SEABRA, 1967: 5; HAMER, 2004: 26. 136 CANOTILHO, 2003: 83; ALARCÃO, 2004: 47. 137 BERNARDA, 1992: 13. 138 LEPIERRE, 1899: 67. 139 RHODES, 1977: 36-37; RICE, 1987: 158-162; CANOTILHO, 2003: 83; ALARCÃO, 2004: 47. 140 SMITH; GNUDI, 1990: 393. 141 PICCOLPASSO, 2007: 74. 142 LEPIERRE, 1899: 13; BRAGA; SEABRA, 1967: 5; RHODES, 1977, 83. 143 SILVA, 1804: 15-16; PROSTES, 1907: 58; ESTEVES, 2003: 145. 144 CANOTILHO, 2003: 95. 145 RHODES, 1977: 93; CANOTILHO, 2003: 97-98. 146 RHODES, 1977: 92-93; CANOTILHO, 2003: 104, 106, 109-111. 147 RHODES, 1977: 93. 148 SILVA, 1804: 86-90. 149 CANOTILHO, 2003: 128. 150 Planta de Fábrica de António Cardoso de Carvalho de 1915. AUC Governo Civil _ Licenças para estabelecimentos industriais 1915, Processo nº 99. 151 LEPIERRE, 1899: 125. 152 THEMUDO, 1905: 181. 153 THEMUDO, 1905: 83. 154 CARVALHO, 1917: 457- 458, Documento XLIII. 155 THEMUDO, 1905: 81. 156 LEPIERRE, 1899: 125. 157 THEMUDO, 1905: 81. 158 LEPIERRE, 1899: 125. 130

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PICCOLPASSO, 2007: 74. LEPIERRE, 1899: 125. 161 BERNARDA, 2001: 44. 162 SMITH; GNUDI, 1990: 393. 163 PICCOLPASSO, 2007: 74, 92. 164 SILVA, 1804: 86- 90, 197. 165 XAVIER: 19-20. 166 SILVA, 1804: 98. 167 LEPIERRE, 1899: 125. 168 THEMUDO, 1905: 181. 169 PROSTES, 1907: 207. 170 CARDOSO, 1959: 243. 171 PICCOLPASSO, 2007: 87. 172 LÚCIO, 1844: tomo VI, 330; THEMUDO, 1905: 181; PROSTES, 1907: 206; CARDOSO, 1959: 244. 173 PICCOLPASSO, 2007: 87. 174 PICCOLPASSO, 2007: 87. 175 PROSTES, 1907: 206. 176 CANOTILHO, 2003: 40. 177 CARDOSO, 1959: 255, 263-264. 178 PROSTES, 1907: 231-232; CARDOSO, 1959: 252-254, 270; PAIS et. al., 2007: 126. 179 THEMUDO, 1905: 79. 180 PROSTES, 1907: 226, fig. 118. 181 ESTEVES, 2003: 166. 182 LEPIERRE, 1899: 124; THEMUDO, 1905: 80. 183 LÚCIO, 1844: tomo VI, 324, 331; LEPIERRE, 1899: THEMUDO, 1905: 81; 125; PROSTES, 1907: 132; ESTEVES, 2003: 166-167. 184 SILVA, 1804, 96; PROSTES, 1907: 192; BERNARDA, 2001: 38; ESTEVES, 2003: 167; PICCOLPASSO, 2007: 64. 185 PROSTES, 1907: 132, 192; ESTEVES, 2003: 167. 159 160


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

BERNARDA, 2001: 43-44. 187 PROSTES, 1907: 134. 188 BERNARDA, 2001: 38. 189 LEPIERRE, 1899: 125. 190 LEPIERRE, 1899: 125. 191 CANOTILHO, 2003: 44-45. 192 PROSTES, 1907: 188. 193 HAMER; HAMER, 2004: 77. 194 LEPIERRE, 1899: 129. 195 PROSTES, 1907: 242; CARDOSO, 1959: 187; WATSON, 1986: 16; BERNARDA, 2001: 42; CANOTILHO, 2003: 37; PAIS et al., 2007: 126. 196 CANOTILHO, 2003: 39-42. 197 XAVIER, 1805: 19-20. 198 BERNARDA, 2001: 44. 199 CANOTILHO, 2003: 33. 200 BERNARDA, 2001: 44. 201 LEPIERRE, 1899: 125. 202 AUC, GC, Copiador de correspondência expedida pela 2as e 3as repartições do Governo Civil para o Ministério do Reino (1839-1840), fls. 128v. 203 AUC, RN, Tab. António de Pádua e Oliveira e António Maria de Oliveira, Livro Nº 48, fl. 75 - 76v. 204 Revista Ilustrada da Exposição Distrital de Coimbra de 1884, Coimbra, Typ. de M. C. Silva, 1884. 205 PAIS, et. al., 1998: 10. 206 MENDES, 1982: 33. 207 MENDES, 1982: 36. 208 PACHECO, 2015: 85. 209 PACHECO, 2015: 90. 210 PACHECO, 2015: 96. 211 PACHECO, 2015: 102-113. 212 PACHECO, 2015: 89-131. 186

Segundo o testemunho de José Duarte Lucas, Armando Oliveira e Júlia Santos. 214 PACHECO, 2015: 123. 215 PACHECO, 2015: 35. 216 SOARES, 1959: 140. 217 PAIS, 2003: 298. 218 PAIS, 2003: 215. 219 PAIS, 2003: 227; SCHNYDER, 2003: 130-132. 220 PACHECO, 2015: 58-64. 221 PACHECO, 2015: 127. 222 AUC, GC, Copiador de correspondência expedida pela 2as e 3as repartições do Governo Civil para o Ministério do Reino (1839-1840), fls 128v. 223 SILVA, 1861: 18. 224 THEMUDO, 1905: 82. 225 Ministério da Industria e Energia, Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda., Processo nº1, Requerimento de Alfredo de Oliveira de 1926 para que o Alvará da fabrica seja averbado em seu nome. Citado por GREGÓRIO, 1991/92: 11. 226 Ministério da Industria e Energia, Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda., Processo nº2 (…). Citado por GREGÓRIO, 1991/92: 11. 227 Documento da Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda., dirigido ao Diretor da Delegação de Coimbra do Ministério da Industria e Tecnologia. Citado por GREGÓRIO, 1991/92: 11. 228 Segundo o testemunho de José Duarte Lucas. 229 GREGÓRIO, 1991/92: 11. 230 LOUREIRO, 1937: 137. 231 «Regimento da procissão do Corpo de Deus, acordado pelos Regedores da cidade em que se estabe-lece a ordem e a apresentação de cada grupo de ofícios» de 10 de junho 1517 (LOUREIRO, 1937) 232 Na vereação da Câmara de Coimbra de 17 de Março de 1526 foi deliberado que as bandeiras dos ofícios «assim as velhas como as novas» passassem a ficar 213

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

na Câmara (LOUREIRO, 1937:160-162). Na de 12 de Dezembro de 1750 foi deliberado que «os juízes mandassem fazer outra nova [bandeira] na forma do seu estilo» (O Conimbricense, nº 2431, 12 de Novembro de 1870: 3). 233 QUEIRÓS, 1948: 44. 234 OLIVEIRA, 1963: 557. 235 AMC, Vereações, 1620-1624, fls. 238 v.º e segs. 236 PATRIARCA, 1994: 805. 237 Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nº 18, 30 de Setembro de 1942: 456. 238 Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nº 18, 30 de Setembro de 1942: 456. 239 Diário da República, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4355. 240 BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2480-2481. 241 THEMUDO, 1905: 82. 242 BINTP, nº 18, 30 de Setembro de 1942: 460 243 DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2479. 244 LEPIERRE, 1899: 115. 245 THEMUDO,1905: 82. 246 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460; DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2478. 247 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460; DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2478. 248 DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2478. 249 DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4353; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 1477. 250 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460; DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2478. 251 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460; DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2479. 114

LEPIERRE, 1899: 115. DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2479. 254 THEMUDO,1905: 82. 255 DR, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4354; BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2477. 256 SILVA, 1861: 18. 257 PACHECO, 2015: 86-125. 258 LEPIERRE, 1899: 115. 259 CARVALHO, 1917a: 454. 260 CARVALHO, 1918: 150; CARVALHO, 1921: 131. 261 THEMUDO, 1905: 82. 262 Segundo o testemunho de Vitorino Miguel Ferreira. 263 Segundo o testemunho de José Duarte Lucas. 264 Segundo o testemunho de Armando Oliveira. 265 MENDES, 1982: 38. 266 BMC, Vereações, vol. 45, fls. 238v-239v 267 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460 268 Diário da República, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4355. 269 BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2481 270 SILVA, 1861: 18. 271 LEPIERRE, 1899:115. 272 THEMUDO, 1905: 82. 273 AMC, Vereações, vol. 42, fl. 128v. Citado por OLIVEIRA, 1971, p. 48. 274 AMC, Posturas e correções, título 229. Citado por OLIVEIRA, 1971, p. 486. 275 UCBG, Gazeta de Coimbra, nº 179, 22 de Março de 1913. 276 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 458. 277 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 460. 278 Diário da República, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4362-4363 279 BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2493-2494 280 THEMUDO, 1905: 82. 252 253


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

OLIVEIRA, 1971: 484-485. 282 CARVALHO, 1917b: 226. 283 BINTP, nº18, 30 de Setembro de 1942: 459. 284 Diário da República, série II, nº 143, 18 de Junho de 1962: 4362-4363. 285 BINTP, nº 24, 29 de Junho de 1972: 2493-2494. 286 AUC, GC, Copiador de correspondência expedida pela 2as e 3as repartições do Governo Civil para o Ministério do Reino (1839-1840), fls 128v. 287 THEMUDO, 1905: 82. 288 GREGÓRIO, 1991/92: 22. 289 AMC, Vereações, 1620-1624, fls. 238 v.º e segs. CARVALHO, 1917b: 204. 290 PAIS, 2012: 155. 291 AHMC, Livro da Correia, vol. I, 1554, fl. 176 e segs. Transcrito em LOUREIRO, 1936-1937: 141. 292 OLIVEIRA, 1971: 415. 293 MELLO, 1886: 29; CARVALHO, 1921: 144-145. 294 PAIS, et. al., 2007: 31. 295 CARVALHO, 1921: 145-146; PAIS, et. al., 2007: 32. 296 TAVARES, 1982: 19; MENDES, 1982: 26. 297 OLIVEIRA, 1971: 1. 298 PAIS, et. al., 2007: 54-57. 299 MENDES, 1982: 33; PAIS, et. al., 2007: 107-108. 300 TAVARES, 1982: 19. 301 SILVA, 1861: 5. 302 MENDES, 1982: 37. 303 MENDES, 1982: 37-38. 304 PAIS, 2007: 64. 305 TEIXEIRA, 1861: 5; MENDES, 1982: 36; DÓRDIO, et. al., 2001: 150; GOMES, et. al., 2013: 149. 306 MENDES, 1982: 26. 307 CASIMIRO, 2010: 724-726. 308 GOMES, et. al., 2013. 281

DÓRDIO, et. al., 2001: 150; GOMES, et. al., 2013: 112. TEIXEIRA, 1861: 5; DÓRDIO, et. al., 2001: 150; ALBUQUERQUE, 2001; GOMES, et. al., 2013: 149. 311 PAIS, et. al., 2007: 123. 312 PAIS, et. al., 2007: 53. 313 MELLO, 1886: 35. 314 GONÇALVES, 1899: 16. 315 MENDES, 1982: 40. 316 QUEIRÓS, 2002: 134. 309 310

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FONTES

Manuscritas •Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC) Livros

■ Registos Notariais (RN) Tab. Justiniano Xavier Pinto da Silva

- livro nº 5 (1823-1824)

- livro nº8 (1826-1826)

- livro nº 23 (1834-1835)

- livro nº 24 (1835-1835)

Tab. José Pinto de Magalhães

- livro nº 8 (1839-1840)

Tab. António Pádua e Oliveira

- livro nº 16 (1854-1855)

- livro nº 19 (1857-1858)

- livro nº 20 (1858-1859)

- livro nº 1 (1860-1873)

Tab. Augusto Gomes Pimentel

- livro nº6 (1867-1868)

Tab. Joaquim Nobre Soares

Freguesia de São João de Santa Cruz

- livro nº7 (1812-1826).

■ Governo Civil (GC)

Correspondência

- do Governo Civil para o Ministério do Reino (1839-

1840)

“Estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos”,

processo nº99

“Indústrias insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas”,

processo nº 17

■ Inventários Orfanológicos (IO) Adelino Augusto Pessoa

- Maço 16, nº 1306 Impressas

Tab. José Maria da Silva P. de Melo e Albuquerque

■ Registos de Casamentos (RC)

- livro nº8 (1873-1874)

Tab. Joaquim António Rodrigues Nunes

- livro nº 33 (1896-1897)

- livro nº 36 (1898-1899)

Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (BINTP)

- nº 18, 30 de Setembro de 1942

- nº 24, 29 de Junho de 1972

Diário da República (DR) - série II, nº 143, 18 de Junho de 1962 Gazeta de Coimbra - nº 179, 22 de Março de 1913 O Conimbricense - nº 2431, 12 de Novembro de 1870 117


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

BIBLIOGRAFIA (ALARCÃO, 1979)

(BERNARDA, 1992)

ALARCÃO, Jorge de - As origens de Coimbra. In Actas das 1ªs Jornadas do

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124




ANEXOS


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

1824 - Tabelião Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº5, de 18 de

de cada hum dos ditos annos sem falta ou isterpulação de um para outro paga-

Novembro de 1823 a 26 de Agosto de 1824, fl. 73v. - 74v.

mento, com declaração de que não abonará ao arrendatario despezas algumas que fassa para construir aquella Fabrica tão somente os reparos dos Telhados

Escriptura de arrendamento por tempo de dés anos que fás Joaquim Freire

que quando forem precizos elle arrendatario lhe fará avizo para os mandar

digo que fás António Freire de Macedo, Negociante desta Cidade como

construir não sendo o estrago cauzado pelo mesmo arrendatario o que comprin-

administrador dos bens de seu irmão Joaquim Freire de Macedo a Joaquim

do este o que se declara e não fazendo máu uzo do Predio arrendado se obriga

da Silva, Pintor de Louça desta Cidade

pelos bens que administra a fazer bom contracto ao dito arrendatario pellos annos que se declarão: e que sendo o ouvido pello mesmo arrendatario este na

128

Saibão quantos este publico Instrumento e Contracto de arrendamento por

prezenssa das mesmas testemunhas me disse asseitava este arrendamento com

tempo de dés anos conptados e acabados, obrigação fianssa e asseitassão ou

as condissoens referidas esse obrigava a pagár como se declara a renda annual

como em Direito melhor dizer se possa e valido for virem que sendo no anno

de vinte mil reis metal nos respetivos tempos que declarados ficão á satisfassão

de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e vinte e quatro

do que disse obrigava e hypotecava todos os seos bens moveis e de rais prezentes

aos dois de Junho do dito anno nesta Cidade de Coimbra, e loga de Negocio

e foturos em geral, com declaração de que no fim do seo arrendamento não

de Antonio Freire de Macedo Negociante da mesma honde eu Tabellião vim

ficando na dita caza poderá della levár todos os arranjos que ai farão para o

chamado ahi sendo o mesmo prezente e bem assim estava Joaquim da Silva

estabellecimento da Fabrica, ou querendo elle senhorio do Predio ficar com elles

Pintor de Louça desta mesma Cidade e ambos pessoas conhecidas de mim

será obrigado a pagar-lhos pelo que legalmente for avaliado, e que oferecia por

Tabellião e das testemunhas deste Instrumento no fim nomeadas e assignadas

seo fiador e principal pagador seo irmão Vissente da Cunha Pintor de Louça

pelos proprios de que dou fé na prezença das quais pelo ditto António Freire de

desta dita Cidade o qual hé igualmente de mim conhecido e das ditas testemu-

Macedo foi me dito que elle éra administrador dos bens de seu irmão Joaquim

nhas de que dou fé e na presença destas me disse de sua propria livre vontade

Freire de Macedo, e entre os quais lhe pertenssem há hum assim Huma caza

ficava por fiador e principal pagador do dito arrendatario pelo qual se obrigava

que foi um Lagár ao fundo da Rua Direita desta dita Cidade, a qual pello

a pagar renda anual de vinte mil reis metal pelo Predio que se declara nos dés

prezente Instrumento na qualidade de administrador dos bens do dito irmão

anos de seo arrendamento e satisfassão do que disse obrigava a hypotecar todos

dá do arrendamento ao dito Joaquim da Silva para elle na mesma construir

os seus bens em expecial humas cazas na Rua Tinge Rodilhas desta Cidade que

huma fabrica de loussa, por tempo de dés anos que hão de ter seo principio

partem com Sebastiana Maria e com Joaquina da Costa e sua irmãa Maria da

por dia de São João do corrente anno de mil oitocentos e trinta e quatro por

Costa desta Cidade, as quais érão suas proprias livres e dezembargadas e assim

preço em cada hum dos dittos annos de vinte mil reis metal por que pagando

as daria á exemssão revendo-o com declaração de que esta expessial hypoteca

na forma pagarão do mais o rebate que então tiver a moeda papel, sendo os

não der rogue a geral dos mais seos bens e que se sujeitava ás mais condissões

pagamentos em dois quarteis primeiro no Natal, e segundo por dia de São João

do contracto e ás Leis dos fiadores e principais pagadores – Assim o outorgarão


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

e mandarão escrever nesta minha Nota de que concederão os treslados necessarios que asseitarão e eu lhe tomei estipulei e asseitei quanto em direito dono e posse testemunhas prezentes que assignarão com os outorgantes depois deste ouvirem ler Bento Joze Rodrigues Negociante desta Cidade e seo caixeiro Manoel Antonio Romão Justiniano Xavier Pinto da Silva Tabellião que o escrevi Antonio Freire de Macedo Joaquim da Silva Vicente da Cunha testemunhas Bento Joze Rodrigues

Manoel Antonio Romão

129


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

1824 - Tabelião Justiniano Xavier Pinto da Silva, livro nº5, de 18 de

dito dia, cujo Quintal hé para os ditos arendatários nelle construirem Barreiros,

Novembro de 1823 a 26 de Agosto de 1824, fl. 84v. - 86.

com comunicassão para a caza que outro tempo foi Lagar e pertence a Joaquim Freire de Macedo desta Cidade, onde os ditos arrendatarios vão construir huma

Escriptura de Arendamento por tempo de 10 annos que fás o Reverendo

Fabrica de Louça – cujo arrendamento lhe fazia na ditta forma com as condis-

Prior de Santa Justa Joze Ferreira Cardozo a Joaquim Ignacio e outros

sões seguintes – Que os pagamentos da renda serão feitos impreterivelmente na

desta Cidade

dita forma de seis em seis mezes a cada um de vinte e quatro mil reis metal nos dés anos deste arrendamento que pagando algum delles na forma da Ley darão

130

Saibão quantos este publico Instrumento e Contracto de arendamento por tem-

do mais o rebate que então tiver a moeda papel – Que os frutos pendentes per-

po de dés anos completos e acabados ou como em direito melhor dizer se possa

tencem a elle senhorio – Que autoriza aos ditos arrendatarios para que possão

e valido for virem que sendo no anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus

fazer comunicarnal a Caza onde vão construir a fabrica com o Quintal abrindo

Christo de mil oitocentos e vinte e quatro aos tres de Julho do dito anno nesta

para essa porta o qual findo este arrendamento taparão pondo a no estado em

Cidade de Coimbra Rua Direita e cazas da residencia do Reverendo Doutor

que antes de aberta se achava – Que tudo quanto fizerem no Quintal para os

Joze Ferreira Cardozo actual Prior da Igreja de Santa Justa desta dita Cidade

seos arranjos da Fabrica, tão bem no fim deste arrendamento tornarão a redu-

a honde eu Tabellião vim chamado ahi sendo o mesmo prezente e bem assim

zir ao estado em que oje se acha, e tudo isto como quaisquer obras que fassão à

estava Joaquim Ignacio e seo irmão Joaquim a Silva, a Joanna de Mesquita e

própria custa e despeza dellas arrendatarios sem obrigação delle senhorio por

sua sobrinha Angelina Ludovina faltarias, todos pessoas conhecidas de mim

cazo algum lhe levar nada dessas despezas em conta – Que não poderão cortár

Tabellião e das testemunhas no fim deste Instrumento nomeadas e assignadas

as Parreiras, nem arvore alguma existente no dito Quintal o que com o moro

pelos proprios de que dou fé na prezença das quais pelo dito Reverendo Prior

razo que se vai a fazer do ditto Quintal, não deverá de forma alguma deteriorár

me foi dito que elle pegado ás cazas de sua rezidencia tem hum Quintal com

as suas Arvores e Parreiras, as quais serão amanhadas nos devidos tempos,

serventia para o Terreiro de Santa Justa a velha de que anda de posse e que fás

e a poda feita á vontade delle senhorio o que este poderá mandár fazer á sua

parte da mesma sua rezidencia, e que assim e da mesma forma que o possue

vontade, e a despeza por conta delles arrendatarios, os quais serão obrigados

com aquella serventia estava justo e contratado com os ditos Joaquim Ignacio

por qualquer danno que lhe fizerem no dito Quintal, e que legitimamente for

– Joaquim da Silva – Joanna de Mesquita e Angelina Ludovina de lho arren-

arbitrado, do qual deverão tratar com zello como se fosse seo – E que pela falta

dar como com efeito pelo prezente Instrumento arrendado tem por tempo de

a qualquer das condissoens referidas poderá elle senhorio renovar este arren-

dés anos que hão de ter seo principio por dia de Sam Bartolomeu do prezente

damento por conta e risco delles arrendatarios se ouver deminuissão, porque se

anno a findar em outro tal dia do anno de mil oitocentos e trinta e quatro,

ouver aumento será para elle senhorio, mas que cumprindo com o que dito fica

com preço em cada hum dos ditos anos de quarenta e oito mil reis dinheiro de

se obriga a fazer lhe este arrendamento bom por sua pessoa e bens – o que sendo

metal pagos em dois pagamentos iguais de seis em seis mezes a contar daquele

ouvido pelos ditos arrendatarios por elles e por cada hum insolidum me foi dito


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

na prezenssa das mesmas testemunhas que todos digo testemunhas asseitavão

pagadores – o que foi asseite pelo tido digo pagadores ao pagamento e satisfação

este arrendamento com todas as condissões e clauzulas que ficão declaradas

do que disse obrigava e hypotecava todos os seos bens presentes e foturos em

que se obrigavão cumprir, e ao pagamento da renda anual e quarenta e oito mil

geral – o que ultimamente foi asseite pelo dito senhorio – nesta forma assig-

reis metal nos tempos que se declarão cada hum pelo mais bem parado e todos

narão sendo testemunhas prezentes os Bacharel Antonio Ferreira da Silva e

obrigavão e hypotecavão todos os seos bens moveis e de rais prezentes e foturos

Mello e Francisco Joze Leite ambos desta dita Cidade, e a rogo das outorgantes

em geral, e as ultimas duas outorgantes disserão que em especial obrigavão e

mulheres e arrendatarias por ella lho rogarem e dizerem não sabião escrever o

hypotecavão = Humas cazas na Rua Direita desta dita Cidade de que partem

assignou Antonio Joze Soares desta mesma cidade a todos depois deste ouvirem

de huma banda com Rua publica e da outra com Pateo das Cazas dos Castil-

ler Justiniano Xavier Pinto da Silva Tabellião o escrevi

ho, cuja propriedade disserão éra sua própria livre e dezembargada e assim a darião á exemssão revendo-a com delcarassão de que esta especial hypoteca

o Prior Joze Ferreira Cardozo

não derrogue a geral dos mais seos bens – E para maior segurança davão por

a rogo das arrendatarias Antonio Joze Soares

seo fiador e principal pagador a Antonio Rodrigues Lucas Negociante desta

Joaquim da Silva

Cidade o qual sendo prezente que hé igualmente de mim conhecido e das ditas

Joaquim Ignacio

testemunhas de que dou fé na presença destas por elle me foi dito que de sua

Vicente da Cunha

propria e livre vontade como fiador e principal pagador dos ditos arrenda-

Antonio Freire da Silva e Mello

tarios tomava em si a obrigassão destas sujeitandose a todas as clauzulas e

Francisco Joze Leite

condissoens deste contrato como elles se havião obrigado e ás Leis dos fiadores e principais pagadores e ao pagamento e satisfação de tudo disse obrigava e hypotecava todos os seus bens moveis e de rais prezentes e futuros em geral – assim outorgarão e mandarão escrever nesta minha nota de que concederão os treslados necessarios que asseitarão e eu lhe tomei estipulei e asseitei quanto em direito dono e posse – E porque duvidou obrigasse ao referido Fiador Antonio Rodrigues Lucas em lugar deste foi prezente Vicente da Cunha Pintor de Louça desta ditta Cidade que conhesso pelo proprio de que dou fé e na presença das testemunhas deste mesmo Instrumento me disse que de sua própria e livre vontade ficava por fiador e primeiro pagador dos ditos arrendatarios e tomava sobre si a obrigação destes sujeitandose a todas as clauzulas e condissoens deste contracto como elles se havião obrigado a ás Leis dos fiadores e principais 131


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

1839 - Tabelião José Pinto de Magalhães, livro nº8, de 2 de Julho de 1839

sua mulher, em sua caza e na sua companhia, dando-lhes elles Outorgantes de

a 6 de Maio de 1840, fl. 79v. - 80v.

comer e beber, vistir e calçar, e tudo o mais necessario para a vida, por tempo de anno e meio somente, a contar do dia do seu recebimento á face da Igreja, e

Escriptura de contrato de cedencia que faz Joaquim da Silva e sua mul-

findo que seja este tempo, delle por diante, e desde já para então prometem ceder

her Marianna de Jezus, desta Cidade, com seu filho Leonardo Ferreira da

no dito seu filho a sua Fabrica de Louça branca com seus utensílios, de que são

Cunha, por ocazião do Cazamento que este tem contratado com Narciza

senhores e possuidores, sita ao fundo da rua direita, para o mesmo seu filho e

Marcia da Silva Cortezão, do logar de Lavarrabos.

sua mulher usofruir, sem que elles Outorgantes, ou outra alguma pessoa sua herdeira possa do mesmo seu filho haver rendimentos alguns, durantes o tempo

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Saibão os que este publico Instrumento de contracto e cedencia na forma

e semilhante usofructo, o qual findará por morte somente de qualquer delles

ao diante declarada ou como em Direito melhor dizer se deva e mais firme e

Outorgantes, e que por semilhante couza hajão de ser Inventariados os bens

valioso for virem, que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus

do Cazal, porque então a mesma fabrica entrará nos bens do monte para ser

Christo de mil oito centos e trinta e nove, aos dezanove dias do mez de Dezem-

partilhada a quem por direito ella tocar, com a declaração porem de que semil-

bro do dito anno nesta Cidade de Coimbra em meu Escriptorio apparecerão

hante usofrutcto nunca em tempo algum será considerado como legitimo ao dito

presentes, de huma parte Joaquim da Silva e sua mulher Marianna de Jezus,

seu filho, mas sim querião que elle para o futuro entrasse na herança do cazal

moradores na rua de Tinge Rodilhas, Freguezia de Santa Cruz, e da outra seu

em partes iguaes com os mais herdeiros, como se elle tal usofructo não houvera

filho Leonardo Ferreira da Cunha, que vive na companhia dos ditos seus Paes,

tido, devendo o mesmo ser considerado como alimentos, que elles Outorgantes

pessoas reconhecidas pelas próprias de mim Tabellião e das testemunhas deste

na verdade lhe prestão, attendendo as boas qualidades do dito seu filho, que por

Instrumento ao diante nomeadas e no fim assignadas de que dou fé; e perante

este mesmo Instrumento será obrigado a portar-se para o futuro com obedien-

estas por aquelle Joaquim da Silva e sua mulher, cada hum de persi e ambos e

cia e bons costumes como atequi, e se assim o fizer, elles Outorgantes se obrigão

insolidum a mim Tabellião foi dito, que tendo seu filho o dito Leonardo Ferrei-

a fazer em todo o tempo este contracto, bom, de paz e justo titulo, debaixo de

ra da Cunha, contratado e justo o seu Cazamento conforme as Leis do Reino

obrigação de seus bens, e prometendo não revogar este Instrumento, para o que

com Narciza Marcia da Silva Cortezão, filha de Joze da Silva Lobato Cortezão

renunciavão os sessenta dias da Lei – O que tudo foi acceite pelo dito seu filho

do Logar de Lavarrabos, elles Outorgantes não só davão o seu consentimento

Leonardo Ferreira da Cunha, prometendo e obrigando-se por este mesmo In-

Esponsaes, por ser couza muito da sua vontade, mas tambem se obrigavão e

strumento, a mostrar em todo o tempo a sua gratidão á generozidade dos ditos

por este publico Instrumento obrigados ficão a cooperar e suavizar os encargos

seus Paes, a quem conservaria para o futuro o maior respeito e obediencia como

de semelhante Matrimonio pela forma e maneira seguinte a saber: que se o

bom filho, não lhes desmerecendo em couza alguma, ao bom conceito que delle

dito seu filho chegar a effectuar o cazamento com a dita Narciza Marcia da

fazem – Em testemunho de verdade assim o quizerão e outorgarão estas partes

Silva Cortezão, elles Outorgantes se obrigão a ter o dito seu filho com a dita

e rogarão a mim Tabellião lhe escrevesse este Instrumento nesta minha Nota em


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

que assignarão depois de o aceitarem; e a rogo da Outorgante mulher por dizer não sabia escrever e lho rogar de que dou fé, assignou Joze Luis Fernandes, Caixeiro de Joze Antonio Marques, sendo testemunhas presentes João Lopez da Silva, Caixeiro do mesmo, e moradores na Praça de SamSão, e Joaquim Antonio digo Joaquim da Silva Nogueira, morador na rua de Cruche, e todos assignarão depois que este lhes foi lido e declarado por mim Tabellião Joze Pinto de Magalhães que o escrevi Joze Luis Fernandes Joaquim da Silva Leonardo Ferreira da Cunha João Lopes da Silva Joaquim da Silva Nogueira

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

1840 - Tabelião José Pinto de Magalhães, livro nº8, de 2 de Julho de 1839 a

mencionado cazamento, com a dita Narciza Marcia; e para isso, por este publico

6 de Maio de 1840, fl. 81 - 82.

Instrumento, e na melhor forma e via de direito, desde já cedem e transferem na pessoa do mesmo seu filho, todo o dominio e posse, direito e acção que na

Escriptura de contracto, convenção e Dote que faz Joaquim da Silva e sua

referida Fabrica tem, para que o mesmo a tenha logre e possua, desde o momen-

mulher Marianna de Jezus desta Cidade, a seu filho Leonardo Ferreira da

to ou acto da celebração do seu cazamento, como sua que ficará sendo d’aquelle

Cunha, por ocazião do cazamento que este tem contratado com Narciza

momento em diante, e da qual só para então poderá tomar posse judicial ou

Marcia da Silva Cortezão, de Lavarrabos

extrajudicial, e quer a tome quer não, de então para todo o sempre, lha havião por dada e tomada, pela clauzula = Constituti = pertencendo-lhe igualmente o

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Saibão os que este publico Instrumento de contracto, convenção e Dote, ou

produto do seu arrendamento que o mesmo filho receberá, e a quem por di-

como em Direito melhor dizer se deva e mais firme e valioso f or, virem que

reito ficarão pertencendo taes productos, não podendo para o futuro os mais

sendo no anno de Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oito

herdeiros ao Cazal pedir a semilhante respeito contas ao dito seu filho, nem do

centos e quarenta, aos trez dias do mez de Janeiro do dito anno nesta Cidade

mesmo haver indeminização alguma de taes rendimentos, e quando por morte

de Coimbra e meu Escriptorio apparecerão presentes de huma parte Joaquim

de algum deles Outorgantes haja de se fazer Inventario nos bens do Cazal, assim

da Silva e sua mulher Marianna de Jezus, moradores ao fundo da Rua Tinge

mesmo querião que a mencionada Fabrica ficasse cabendo em quinhão ao dito

Rodilhas, Freguezia de Santa Cruz desta Cidade, e da outra seu filho Leon-

seu filho, de tal forma que se o vallor da mesma exceder ás forças dos bens que

ardo Ferreira da Cunha, que vive na companhia dos ditos seus paes, pessoas

houverem de lhe pertencer elle será obrigado a repor em dinheiro, ou em outros

reconhecidas pelas proprias de mim Tabellião e das testemunhas deste Instru-

bens a diferença que houver em proveito dos mais herdeiros, ou a haver delles

mento no ao diante nomeadas e no fim assignadas de que dou fé; e perante

pela mesma forma o que lhe faltar para se indemmizar, no cazo que o vallor da

estas por aquelle dito Joaquim da Silva e sua mulher, cada hum de persi, e

Fabrica não seja sufficiente para a sua ligitima, e alem disto, se obrigavão a ter

ambos insolidum a mim Tabellião foi dito, que tendo seu filho o menciona-

dito seu filho na sua caza e companhia, depois de cazado pelo espaço de anno e

do Leonardo Ferreira da Cunha, contractado e justo o seu Cazamento com

meio a contar do dia dos seus Esponsaes, e por todo o mais tempo em diante que

Narciza Marcia da Silva Cortezão, filha de Joze da Silva Lobato Cortezão,

convencionaram com o mesmo, depois de cazado, dando-lhe e a sua mulher em

do Logar de Labarrabos, elles outorgantes davão o seu consentimento a estes

todo o tempo que estiverem na companhia deles Outorgantes, tudo quanto lhes

Esponsaes, por ser este hum cazamento muito da sua approvação, e para os

for necessario, como de comer e beber, vistir e calçar, com a decencia propria de

Noivos suportarem melhor os encargos do matrimonio, dotavão o Noivo seu

suas pessoas, e que findo que seja o tempo do arrendamento da indicada Fabri-

filho, com a Fabrica de fazer Louça, de que são senhores e possuidores sita ao

ca, e que o dito seu filho queira entrar para ella a fim de a administrar por sua

fundo da rua direita desta Cidade, com toda a caza, oficina e mais utensilios

conta, elles Outorgantes tambem se obrigão a entregar-lha prompta com todos

pertencentes á mesma Fabrica, isto no cazo do mesmo seu filho levar a efeito o

os arranjos, utensilios necessarios ao trabalho della, e que prometião comprir


A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

todas as clauzulas deste Instrumento, debaixo da obrigação de seus bens, havidos e por haver em geral – O que sendo ouvido pelo dito Leonardo Ferreira da Cunha, presentes as mesmas testemunhas, disse acceitava o presente Instrumento com todas as clausulas no mesmo exaradas, prometendo sua gratidão a bondade e generozidade dos ditos paes, prometendo tratalos para o futuro com obediencia e amor propria de hum filho – Em testemunho da verdade assim quizerão e Outorgarão estas partes e rogarão a mim Tabellião lhe escrevesse este Instrumento nesta minha Nota em que assignarão depois de o acceitarem, e a rogo da Outorgante por dezir não sabia ler nem escrever e lho rogar de que dou fé, assignou Joze Luiz Fernandes, morador na Praça de SamSão, sendo testemunhas presentes João Lopez da Silva, morador na mesma Praça, e Rodrigo da Silva Paes, morador ás Ameias, e Declaro, que elles Outorgantes disserão que o Barreiro que esta em frente da indicada Fabrica, e as competentes Cazas pegadas ao Barreiro, ficão pertencendo ao tido seu filho, da mesma forma que lhe fica pertencendo a Fabrica, e com todas as clauzulas acima estipuladas, e outro sim declaro, que o Outorgante filho Leonardo Ferreira da Cunha, não foi presente a este acto, por não ser necessaria a sua acceitação, e que seus paes dispensarão, e com esta declaração todos assignarão comigo Joze Pinto de Magalhães que o escrevi Joze Luis Fernandes Joaquim da Silva João Lopes da Silva Rodrigo Antonio da Silva Paes

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A ÚLTIMA OLARIA DE FAIANÇA DE COIMBRA

SIGLAS E ABREVIATURAS AMC – Arquivo Municipal de Coimbra AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra AABPC – Arquivo da Agencia do Banco de Portugal de Coimbra AP – Arquivo Privado BINTP – Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência DR – Diário da República RN – Registos Notariais RC – Registos de Casamentos GC – Governo Civil IO – Inventário Orfanológico UCBG – Universidade de Coimbra, Biblioteca Geral fls. – folios nº - número Tab. – Tabelião v. – verso

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