L O Promontório de Sagres constitui um dos lugares míticos e símbolo da nossa identidade cultural e está associada a um dos momentos charneira da História de Portugal e do Mundo. Ponto mais afastado do mundo, o Sacrum Promontorium foi desde os tempos remotos da Antiguidade porto de abrigo e local de culto que conheceu com o Infante D. Henrique o impulso decisivo que o tornaria o lugar de referência na expansão marítima portuguesa, a que se chamou Era das Descobertas. Actualmente este local continua a ser um dos ex-libris do Algarve e destino de eleição para quem visita Portugal. Este livro “Do Mar e do Tempo” em Sagres será por isso um precioso instrumento que ajudará à divulgação e à compreensão da história e das lendas e dos elementos naturais e paisagísticos que configuram, num quadro de peculiar biodiversidade e de rara beleza, um lugar arrebatador e cheio de uma força que ainda hoje nos impressiona e nos deixa cheios de interrogações. O Ministério da Cultura através da Direcção Regional de Cultura do Algarve promove a realização desta edição com o desejo de dar aos visitantes um conjunto de informações essenciais e indispensáveis para se apreciar e entender este marco do nosso território. Gonçalo Couceiro Director Regional de Cultura do Algarve
ÍNDICE Finisterra 07 L O Barlavento Vicentino: ecologia e paisagem As unidades paisagísticas do Cabo A vegetação do Promontório de Sagres Economia e habitat
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L As mais antigas Ocupações Humanas As primeiras comunidades humanas do Cabo Pedras sagradas: Uma paisagem ritualizada? As primeiras comunidades politicamente organizadas do Cabo
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L O Promontório na História e na Lenda do Mundo Antigo 32 Um lugar sagrado 32 O Culto Vicentino 39 ENTRE MARES E CIVILIZAÇÕES 41 L Condições portuárias e navegação atlântica 42 L Sagres e os Descobrimentos Portugueses 44 L Sagres e o controlo do tráfico colonial 52 AS CONSTRUÇÕES DA FORTALEZA DE SAGRES 57 L Valor patrimonial do monumento L Diversidade de vestígios e épocas de construção L Descrição e informação de carácter histórico De Henrique à British Library Alexandre Massai e o programa defensivo da monarquia hispânica José de Sande Vasconcellos e a defesa da Praça de Sagres no final do séc. XVIII
58 60 64 64 68 72
SAGRES: LENDAS E MITOS 77 L A santidade do lugar 78 L A Escola de Sagres 82 L A Comemoração do Infante em Sagres 84
As Construçþes da Fortaleza de Sagres
As Construções da Fortaleza de Sagres
L Legenda 1 Muralha 2 Baluarte de Santa Bárbara 3 Baluarte de Santo António
VALOR PATRIMONIAL DO MONUMENTO L A Fortaleza de Sagres, também conhecida pelo epíteto de Muralhas de Sagres, localiza-se na freguesia de Sagres, concelho de Vila do Bispo, à distância de cerca de um quilometro do km 35 da EN 268, com acesso pela Rua Fortaleza. As suas coordenadas GPS (Google Earth) correspondem à latitude 37º00'05,46''N e longitude 8º56'51,41''W. O conjunto monumental, composto pelos elementos estruturantes da fortaleza e pelo promontório no qual se implantam, é um valor patrimonial ao qual foi atribuído o grau de Monumento Nacional pelo Decreto de 16-6-1910, publicado no Diário de Governo n.º 136 de 23-6-1910. O monumento dispõe ainda de uma Zona Especial de Protecção, definida pela Portaria n.º 550/86, publicada no Diário da República n.º 221 de 25 de Setembro.
4 Portal Neoclássico (1793) 5 Torreão Central 6 Lápide de 1840, em homenagem ao Infante D. Henrique 7 Padrão de 1960, em homenagem ao Infante D. Henrique 8 Bateria 9 Igreja de N.ª Sr.ª da Graça 10 Torre cisterna 11 Muro Pára-vento 12 “Rosa dos Ventos” 13 Corpo A 14 Corpo B 15 Corpo C 16 Corpo D 17 Auditório 18 Paiol
A Pesqueiro B Pesqueiro de N.ª Sr.ª da Graça C Ponta das Lagariças D Ponta dos Guinchos E Pesqueiro das Covas F Furna da Laje Sul G Cadeira do Infante H Ponta de São Paulo
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I Pesqueiro da Ponte J Pedra da Paciência L Furna M Estação de Rádio Naval
OCEANO ATLÂNTICO
A 8 8
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B
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OCEANO ATLÂNTICO
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OCEANO ATLÂNTICO
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L G
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OCEANO ATLÂNTICO
Sagres: Lendas e Mitos
Sagres: Lendas e Mitos A santidade do lugar L Até praticamente aos nossos dias, as pedras do extremo Barlavento algarvio deram suporte a actividades mágicoreligiosas. Leite de Vasconcellos, que lá foi em Março de 1894, testemunhou que «no extremo do Cabo, perto do farol, há vários montículos de pequenas pedras, que o povo chama moledros e melédros , i. é, moledos». Ainda de acordo com esse testemunho, havia a crença de que alguma pedra que fosse retirada do moledro reapareceria no dia seguinte no mesmo local onde antes estivera, «como nas lendas das fundações das igrejas e ermidas as imagens achadas pelos pastores». Mas também os elementos duradouros da paisagem vicentina devem ter constituído parte fundamental das construções mitológicas, sendo, de entre todos, os mais expressivos a sensação de finisterra que todo o conjunto impõe e que tanto impressionou os Antigos, o promontório que penetra mar adentro sem que se anteveja terra no horizonte de um «oceano povoado de monstros», e a Serra de Monchique, que, a norte, corta o horizonte visual e que é omnipresente em todo o território vicentino.
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Não por acaso, esta encruzilhada marítima, fortemente condicionada pelos recortes da Terra, pelo regime dos Ventos e pela força do Oceano, está indelevelmente marcada pela presença tutelar de Deuses, Santos e Heróis – pelo Melqart-Hércules-
Saturno dos Púnicos e dos Romanos; pelo S. Vicente dos cristãos moçárabes depois tornado patrono da cidade de Lisboa; pelo Infante D. Henrique, herói mitificado das nossas façanhas marítimas, tradicionalmente representado sozinho na solidão do promontório, cogitando sobre o futuro colectivo de todo um povo e, qual filho de Saturno, envolto em vestes negras esvoaçando ao vento. Aqui, sente-se a presença dos Quatro Elementos fundamentais: a Terra que se acaba na rocha escarpada onde, no mar agitado, começa o domínio da Água, o Ar em permanente movimento, a energia do sol, como bola de Fogo incandescente que ora nos queima a pele, ora mergulha no oceano.
Nesta Página Vista do interior da Praça de Armas com o farol do Cabo de São Vicente ao fundo Páginas Seguintes Ponta de Sagres Fotos da Intervenção da DGEMN (1956-1960) Fundo Tavares da Fonseca Arquivo de Fotografia do Porto-CPF/MC
A Comemoração do Infante em Sagres L A ideia da “Escola de Sagres” ganhou corpo na própria fortaleza quando foi colocada, na parede da muralha, em 1840, por iniciativa de Sá da Bandeira, uma lápide em homenagem ao infante D. Henrique na qual se pode ler, “ monumento consagrado à eternidade. O grande Infante D. Henrique [...] fundou nestes lugares, à sua custa, o palácio da sua habitação, a famosa escola de cosmografia, o observatório astronómico e as oficinas de construção naval [...]. Com os artigos publicados na revista Panorama (1842/43), aparecem os primeiros visitantes civis que movidos pela curiosidade e pela identificação do lugar com gloriosos passados históricos querem conhecer o local, a ponto do tenente que dirigia, em 1861, a fortaleza pedir providências porque “muita gente por curiosidade vem ver esta fortificação” (Garcia, 1990:78).
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No século XX, apesar de uma plêiade de historiadores como Duarte Leite, António Sérgio, Jaime Cortesão e Vitorino Magalhães Godinho demonstrarem que a “Escola Náutica de Sagres” nunca fora mais que uma lenda criada pela história romantizada, no entendimento do cidadão comum mantémse o “facto” de que a escola existiu e foi determinante no movimento expansionista português.
L Paredão sul da Praça e, em segundo plano, o actual auditório, que aproveitou um antigo armazém para recolha de artilharia e reparos, referenciado na Planta de Topográfica de 1793/4 L Falésias do Cabo de Sagres (vista SE)
Por volta de 1950, os serviços militares tinham deixado de ocupar o local e a fortaleza estava abandonada. Com a aproximação do V Centenário da Morte do Infante o interesse por Sagres reacendeu-se e pensou-se, devido ao valor simbólico do conjunto no imaginário da nação e do povo português, recuperar a antiga e suposta monumentalidade. De onde resultou, no concurso público de 1954-57, com a vitória do projecto de João Andersen. A campanha de obras coordenada pelo arq.º Ruy Couto e levada a cabo pela Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, em 1959-60, manteve alguns edifícios do século XVIII e destruiu as construções que se encontravam mais degradas, tendo em vista uma reconstituição, inspirada no desenho de 1587, acreditando na possibilidade de encontrar, no espírito histórico do século XVI, uma maior proximidade a Sagres e ao tempo mítico do Infante. Na planta então executada, aparece, em grande destaque a designada “rosa-dos-ventos”, redescoberta em 1921. Tratase de uma enigmática estrutura, uma espécie de um desenho gráfico composto por quarenta e oito fiadas de pedras, que são como raios contidos no interior de uma circunferência. A finalidade exacta desta estrutura mantém-se como um desafio
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Páginas Anteriores Perfis da arriba, baluarte e edifícios (vista de Oeste) Nesta Página Ermida, Padrão de homenagem ao Infante e Torreão central A Rosa-dos-Ventos, um enigma em forma de estrela radiada
aos estudiosos e abarca hipóteses como uma eira, um gigantesco relógio solar, um labirinto ou a possibilidade de que a ermida representada, numa gravura da revista Panorama, possuísse uma relação funcional com a figura geométrica. A última intervenção arquitectónica, no espaço do recinto fortificado, data dos anos 90 do século XX e foi da responsabilidade do IPPC/IPPAR, tendo como projectista o arquitecto João Carreira, com o projecto vencedor das dez propostas concorrentes ao 4.º Concurso Público para o monumento ao Infante D. Henrique (1988), destinado ao promontório de Sagres. O objectivo do projecto seria transformar a área construída num centro útil para todo o promontório, pelo que criou “obra nova”, esta correspondente aos actuais módulos de exposições temporárias e reutilização dos antigos edifícios da chamada "Correnteza". A intervenção reavivou a polémica em torno do lugar e demonstrou que a carga mítica a ele associada desde há muito, se mantém intacta, potenciando, hoje como ontem, o lado mais obscuro e emocional da nossa memória colectiva.
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Edição Direcção Regional de Cultura do Algarve Fotografia, Projecto Gráfico e Produção 1000olhos Formato 21 x 14,50 cm Duas edições (Português e Inglês) Miolo 96 páginas, com verniz máquina geral, em papel couché mate de 170 grs. Impressão miolo: 5/5 cores (CMYK + cor directa) Capa 5/0 cores, em papel couché mate de 300 grs. com plastificação mate no exterior e badanas de 12,5cm. Acabamento capa vincada, miolo cosido à linha e termocolado à lombada