MANIPRESTO
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I WALKED THROUGH THE CITY LIMITS/// SOMEONE TALKED ME IN TO DO IT///////// ATTRACTED BY SOME FORCE WITHIN IT///// HAD TO CLOSE MY EYES TO GET CLOSE TO IT AROUND A CORNER WHERE A PROPHET LAY/// SAW THE PLACE WHERE SHE’D HAD A ROOM TO STAY////////////////////////////////// A WIRE FENCE WHERE THE CHILDREN PLAYED SAW THE BED WHERE THE BODY LAY//////// AND I WAS LOOKING FOR SOME FRIENDS OF MINE////////////////////////////////// AND I HAD NO TIME TO WASTE//////////// YEAH, LOOKING FOR SOME FRIENDS OF MINE //////////////////////////////Interzone (Joy Division) Por Erika Palomino Um jornal em forma de peça de design; uma galeria que parece casa; um monte de gente vestindo preto, todos falando ao mesmo tempo. Performance? Quase. Risadas, muitas. O prazo sempre correndo contra o relógio. Sina. Na falsa calmaria, criatividade, e de quando em quando um flow de ideias, uma corrente de pensamentos que passa feito o Noroeste, fazendo e desfazendo tudo à volta. Desfazendo-se também. O que é e o que não é, metafisicamente, confundem-se _pautas da vida real. No ar, uma essência de anos 80, materializada em nossas mentes pelos traços do mago Peter Saville, rei de fontes tipográficas nunca dantes vistas; deus do design minimalista e severo da Factory Records de Manchester, a Madchester. Quase congelante trabalhar sob essa égide, a angústia da influência desenhada por Harold Bloom pairando sobre meu cabelo. A mente, essa confluía de um lado pela paixão por Ian Curtis e pelo Joy Division, de outro, pela memória do impacto que teve o New Order nas sonoridades que muitas vezes insistiam em me invadir. Do modo tosco e quase sempre às avessas desta missivista, primeiro veio pra mim o pop do New Order para que depois eu fizesse o caminho inverso. E finalmente, e para sempre, por fim, deixarme inebriar por Curtis em toda a sua beleza. E se cada entrevista é sobre si mesmo, uma edição inteira aqui é sobre muitos, e a velha mansão da Bela Vista bem poderia estar incrustrada junto a um muro ladeado a um galpão industrial como aqueles de época. Como as casas de nossos sonhos e desenhos animados que saem voando pelos ares, levadas por balões. Nada é o que deveria ser, and love will tear us apart. Parece dizer o alvo / coração de Richard Thomas, mais simpático gringo da parada que conheci nos últimos tempos. Cidadão do cosmos, ele logo adquiriu um jeito de falar português tão divertido quanto generoso, e se jogou na cidade entrando de cabeça no Copan, conforme nos relata a curadora-querida Maria Montero. Niemeyer na veia, São Paulo é. Mais, citação de Paulo Mendes da Rocha, cuja entrevista nestas páginas descortinam de modo arquitetonicamente simples sua sintaxe e sua obra, em uma prosa inspiradora e inspirada com Allex Colotonio. Escutar PMR é privilégio, e assim deixo que o leitor também o ouça. Suas palavras ficam, sábias que são, claro, e fico aqui refletindo da verticalidade da moradia da grande urbe e do apimentado prazer de uma moqueca capixaba. E se maluco com maluco se entende, me fiz súbito a melhor amiga de Martin Hannet, pela pena fluente do amigo Jotabê Medeiros, velho lobo do jornalismo, ícone do Estado de S.Paulo que nos empresta seu talento nessa narrativa única e, de novo, de se deixar levar. Convergência, divergência, os dots de Polke, o duelo darthvaderiano do analógico com o digital, a quadricromia _a palavra que ousa dizer seu nome. Deste terceiro Manipresto, junte o talento do diretor de arte Thiago Batista,e do designer Abidiel Vicente sob a condução irrequieta do maestro Houssein Jarouche, e eis seu exemplar em mãos, adornado pela presença da musa Marina Dias. Ação entre amigos ou versão da ADA (Amigos dos Amigos)? Aqui estão o editor André Rodrigues e o icônico Maurício Ianês, que nos incita: No, not now, em obra feita especialmente para nós. Hic et nunc. É vida que segue. She’s lost control again. Boa leitura. Boa viagem.
INTRO
PROLÍFICO, EXPERIMENTAL, MULTIDISCIPLINAR. É ASSIM QUE A CRÍTICA INTERNACIONAL DEFINE O ARTISTA SIGMAR POLKE, UM DOS MAIS IMPORTANTES DO PÓSGUERRA ALEMÃO.MORTO EM 2010, AOS 69 ANOS, TINHA PERSONALIDADE DIFÍCIL. POUCO ACESSÍVEL, DEIXAVA CRÍTICOS E CURADORES DE RENOME ESPERANDO HORAS NA PORTA DE SEU ATELIÊ E, NA MAIORIA DAS VEZES, NEM APARECIA. Por Maria Montero Nascido em 1941, numa área da Alemanha que posteriormente se tornou a Polônia, em 1945 Polke se mudou com a família para a Alemanha Oriental e, em 1953, foi para o lado Ocidental do país. Dez anos depois fundou ao lado de outros artistas o “Capitalismo Realismo”, movimento alemão que surge em resposta ao Pop norte-americano. O termo aparece pela primeira vez na exposição coletiva “Demonstration for Capitalist Realism” (Demonstração do Capitalismo Realismo), realizada dentro de uma loja de departamentos na cidade alemã de Dusseldorf. Embora o movimento seja considerado mais explícito na crítica política do que o Pop americano _sem dúvida contaminado pelas questões dramáticas vividas por uma sociedade pós-guerra_ seus artistas tinham procedimentos construtivos similares e uma poética que debochava da sociedade neoliberal consumista. Se apropriavam das imagens publicitárias, da cultura de massa, dos itens de consumo. Pura ironia. O movimento contava também com Gerhard Richter, um dos pintores vivos mais valorizado nos dias de hoje e que atinge cifras altíssimas nas casas de leilão. Polke pintava salsichas, vestidos, meias, barras de chocolate. Como Roy Lichtenstein, introduziu nas suas pinturas e desenhos em canvas o “raster” ou “benday”, os famosos “dots”: pontos usados em retículas das imagens gráficas. Inicialmente, estampava-os “free hand” com ajuda de uma lente de contato. Depois, passou a usar um projetor de slides e spray. “Perdi as contas de quantos dots pintei na minha vida”, disse em uma de suas entrevistas. Seu lado experimental não era representado apenas na obra. Viveu intensamente _muitas viagens, passagens por comunidades e experiências com drogas. Fotografava tudo obsessivamente com seus “snapshots”, que depois encobria com pinturas e desenhos. Apesar de ser um nome mundialmente conhecido no cenário artístico, teve seu conjunto de obras visto raramente. Resistente, Polke criava obstáculos (às vezes fisicamente, como quando colocava barricadas em suas exposições) e tornava a missão difícil para museus e instituições. Por isso sua megamostra em cartaz no MoMA de Nova York é extremamente relevante. Infelizmente, sua morte impossibilitou-o de acompanhar o processo. Sua sugestão de que a mostra não fosse cronológica foi respeitada pela equipe curatorial do museu. Coincidentemente (ou não?), a mostra acontece simultaneamente à da artista brasileira Lygia Clark, maior nome da arte contemporânea brasileira e grande referência no pensamento relacional e da “artevida”, hiper discutida na atualidade. Essa questão provoca
SIGMAR POLKE
importantes debates sobre os limites da arte e suas intersecções e relações com os modos de agir e pensar. Atualmente no Rio de Janeiro, a mostra “artevida”, com curadoria de dois importantes brasileiros, Adriano Pedrosa e Rodrigo Moura, ocupa simultaneamente três espaços da cidade: Parque Lage, Casa França Brasil e Museu de Arte Moderna. Veio, portanto, em hora oportuna a gigantesca retrospectiva, “Alibis: Sigmar Polke 1963-2010”, aberta em agosto deste ano. A exposição foi organizada ao longo de seis anos e apresenta mais de trezentas obras, realizadas numa quantidade vertiginosa de diferentes mídias: fotografia, pintura, escultura, som, filme e outras formatos híbridos. Para alguns críticos americanos esse pode ser o “show do século”. A variedade de mídias e de usos da linguagem são fora do comum. Sem maneirismos, os trabalhos passeiam pelo figurativo e pelo abstrato, e materiais vão do uso tradicional da pintura e do lápis a químicos tóxicos e pó de meteoritos. Analisando seu extenso corpo de trabalho, não é possível detectar um “estilo Polke” a cada obra. Em cada fase ele se reinventava, sem uma possível explicação retórica sobre sua produção. Parecia preferir não ser compreendido. É por isso que na entrada do MoMA lê-se a placa: “This is not a group show”. Um artista multi, que não cedeu e não abriu concessões, sempre cético quanto às autoridades, tanto artísticas quanto familiares, religiosas ou políticas. Sabemos que manter um certo cinismo e subverter as lógicas do sistema são atitudes fundamentais para um grande artista, e é vital sempre exercitar o distanciamento crítico sem cair nos jogos de sedução impostos pelo mercado voraz. Ora pop, ora místico, ora alquimista, seus temas variavam de champagne aos magic mushrooms. Talvez pela diversidade, talvez pelo gênio que tinha, talvez pela incompreensão, sua obra nunca atingiu grandes valores no mercado (uma razão possível foi nunca ter aceito ser representado formalmente por galerias comerciais). Um artista que não tinha medo de correr riscos. Uma raça em extinção.
ACHO INCRÍVEL COMO TUDO ESTÁ CONECTADO. ANDA JUNTO. VAI E VOLTA. COMO UM CICLO ESTÉTICO CHEIO DE VALORES SENSORIAIS E EMOCIONAIS DE UM SER HUMANO INTELIGENTE. Na minha adolescência, a música sempre foi muito presente. Meu pai tinha um daqueles 3 em 1 da Gradiente com vitrola, toca-fitas, rádio e um equalizador, que funcionava como uma pequena mesa de som embutida com os famosos risquinhos verdes subindo e descendo, seguindo a cadência. Foi nesse aparelho que ouvi todos os discos do meu pai, gravei mil mixtapes do rádio e toquei meus dois primeiros discos. Tinha 13 anos, morava no bairro da Pompeia, aqui em São Paulo, e gostava de ir aos domingos numa matinê chamada “Hippodromo.” Os primeiros discos que comprei foram “Supersonic” do J.J. Fad e “Substance” do New Order. Este último mudou tudo. Além de se tornar hino da minha geração _a geração que queria dançar no clube_ mudou a concepção estética de como enxergar uma banda. Até então, as capas dos discos traziam fotos dos integrantes, sempre tentando passar uma atitude forte e rebelde condizente com a música que tocavam. Mas a partir daquela capa, toda branca com nada mais que o nome do disco em uma tipografia limpa e simétrica, comecei a ver a música de um jeito diferente. Comecei a esperar as artes das capas. E fui atrás de outros discos da mesma banda.
MARINA DIAS
Descobri a banda anterior, que se tornou minha banda favorita e ponto de referência para quase tudo o que faço até hoje: o Joy Division. Agora, com a internet e o livre acesso a quase todo tipo de informação, nós não precisamos mais esperar seis meses por uma música ou um disco. Talvez por isso estejamos vendo um retorno ao analógico e ao passado criativo. Para falar dessa volta estética na moda, temos o estilista Raf Simons, formado em desenho industrial e hoje diretor da Maison Dior. Raf resgatou em 2003, para sua coleção masculina, as artes das capas do New Order. Anos depois, realizou um vídeo-desfile que tem como título “An Ideal for Living”, música do Joy Division que fala sobre “Interzone”, livro do escritor William S. Burroughs. O vídeo foi feito em parceria com Peter Saville, designer gráfico da Factory Records. Essa não é a primeira vez que a moda tem um caso com Peter Saville. Um dos catálogos mais lindos que já vi é do estilista japonês Yohji Yamamoto, feito em 1986 em formato quadrado de vinil, com direção de arte de Saville e fotografado por Nick Knight. Nick Knight eu conheci como o fotógrafo do livro “Skinheads”, de 1982, uma obra que é referência de styling para mim e para muita gente até hoje. Essa dupla saiu da plataforma analógica das fotos de catálogo para a atual com o Showstudio.com, um belo site de moda e também um Instagram de mesmo nome. Vemos a mesma estética ir e vir na moda, na música, na arte, na literatura. E vemos o esforço dos criadores de moda para continuar implantando nas massas um senso estético apurado. Mesmo que por osmose.
A ENORME QUANTIDADE DE PRONOMES EM PRIMEIRA PESSOA CHAMA A ATENÇÃO. SOA PREPOTENTE, ALGO ARROGANTE ATÉ. AO MESMO TEMPO, É A REALIDADE. MARCELO BURLON É RP, DIRETOR DE CRIAÇÃO, CONSULTOR, PRODUTOR CULTURAL, DJ, PROMOTOR DE FESTA. #TUDOJUNTOAOMESMOTEMPOAGORA. Por Luigi Torre
MARCELO BURLON
“Sou tudo”, diz, em entrevista por e-mail. “Não tem o que veio primeiro, é uma coisa só. Sou um homem livre, faço o que tenho vontade, sem restrições.” O denominador comum é o próprio: “Tudo o que faço é relacionado a mim, às coisas que gosto e como vejo a vida.” Sua força motora é a liberdade: “É tanta que não vejo necessidade de me focar em uma coisa só. Inventei um novo tipo de profissão _o empresário multidisciplinar.” Egotrip de lado, Marcelo é, indubitavelmente, um dos principais expoentes de uma nova safra de indivíduosempresa. Multiprofissionais de funções dificilmente definíveis, até porque a exata definição de atividades importa menos que o resultado final: produto de uma mesma visão criativa e expressão da mais intransferível personalidade. A epítome dessa visão se encontra agora,em sua marca, a County of Milan, lançada no fim de 2012 como uma simples linha de camisetas mas já vendendo 10 mil peças para 90 lojas, só na primeira coleção. E tudo no boca a boca. Com apoio de celebridades como LeBron James, Lewis Hamilton, Pusha T, Drake e A$AP Rocky (Marcelo insiste que eles nunca foram presenteados e compraram as peças por livre e espontânea vontade), a marca hoje lucra 9 milhões de euros por ano e é vendida em mais de 250 lojas ao redor do mundo. “A County of Milan é o resultado de 20 anos de trabalho em clubes noturnos, styling, RP e produção de vídeos”, conta. “Decidi lançar a marca há dois anos, quando percebi que tinha muitos seguidores internacionais. Toda vez que ia tocar em algum lugar do mundo, sempre
havia pessoas para me ver nas festas ou me esperando no hotel para tirar fotos e mostrar amor e apoio. Quis então criar algo que mostrasse a elas minhas raízes, minha estética e minha visão _e camisetas são a melhor maneira de comunicar quem você é por meio de códigos visuais e gráficos.” As raízes a que se refere são de origem argentina, mais especificamente de um vilarejo longínquo na região da Patagônia chamado El Boson. Quando Marcelo tinha 14 anos, sua família decidiu se mudar para a Itália, terra natal do pai (a mãe é libanesa). “Foi bem estranho”, lembra. “Era adolescente e tive que deixar todos os meus amigos e uma vida bem confortável para começar do zero. Meus pais venderam tudo o que tínhamos e fugimos da Argentina, porque a crise financeira àquela época estava bem grave. De repente, me vi trabalhando numa fábrica de sapatos italiana.” A válvula de escape vinha com o por-do-sol de cada dia: “Tinha 16 anos quando comecei a frequentar clubes noturnos e desde então nunca mais parei de dançar.” Ainda que não reconheça, é difícil não associar o surgimento de Marcelo na cena cultural e da moda às festas que organizava no final dos anos 1990 e começo dos 2000. Foi por meio delas, como a “Punk is Pink”, e potencializado pelo poder de autopromoção das redes sociais atuais que ele se fez notar, conheceu as pessoas certas na hora certa e começou a formar a comunidade criativa que hoje o cerca onde quer que vá. Com sua County of Milan, Marcelo dá cara nova à ascensão de uma cultura de rua ao circuito mainstream. Ao lado de marcas como Hood By Air, Pigalle e Off-White, ele é um dos responsáveis por uma nova geração de streetwear. Similar ao fenômeno que levou subculturas de rua ao conhecimento das massas nas décadas de 1980 e 1990, essa galera está renovando o poder de expressão individual por meio das roupas. “Me lembra de fato essa época, porque o que estamos fazendo não é apenas sobre o produto em si, é principalmente sobre o universo em torno da marca. Há uma sensação de pertencer a algo, à uma comunidade.” É nesse sentido que o culto ao indivíduo _aspecto ao qual a moda começa se alinhar novamente_ se distancia do individualismo. A expressão individual tem a ver com a autoaceitação dentro de um grupo de personalidades únicas e distintas.
MAURÍCIO IANÊS
O IMAGÉTICO CONTEMPORÂNEO É PERMEADO PELA BUSCA ETERNA DA PERFEIÇÃO, SENDO ESSE UM DOS PRINCIPAIS FENÔMENOS SOCIOLÓGICOS DO NOVO SÉCULO. O IDEAL DE BELEZA IMPOSTO POR REVISTAS TERMINA POR AUMENTAR A LISTA DE PACIENTES DE CONSULTÓRIOS DE PSICOLOGIA TAL QUAL CRIA UMA CORRIDA ÀS CLINICAS DE CIRURGIA PLÁSTICA E TRATAMENTOS ESTÉTICOS. INÚMEROS SÃO OS TEXTOS APONTANDO O PHOTOSHOP COMO O MANIPULADOR DESSA NOVA PERFEIÇÃO DIGITAL E DISCUTINDO ATÉ ONDE SÃO TOLERÁVEIS AS INTERFERÊNCIAS NAS IMAGENS QUE SERÃO CONSUMIDAS PELA GRANDE MASSA. Por Paulo Azeco O fato é que frequentemente se encontra em revistas mulheres sem umbigo e cinturas menores do que a cabeça das modelos. Mas bem antes disso, alguns fotógrafos já buscavam no cerne do seu trabalho autoral a questão da imagem como representação do real e buscando paralelos questionando o fazer da imagem como processo manipulador do seu significante. No inicio do sec. XX alguns artistas começam a questionar os limites da fotografia. O americano Man Ray se dedica a experimentos em laboratório e a descoberta de novos padrões de representação do real. Segundo o pesquisador Philippe Dubois algumas técnicas propostas pelo artista na década de 20 serviram de base para ferramentas desenvolvidas pela Adobe para o atual Photoshop. Elementos estéticos de Man Ray tais quais a Solarização são recorrentes no trabalho de pós-produção e tratamento de imagem de fotógrafos da atualidade como o incensado Steven Meisel. Partindo para artistas mais atuais temos no trabalho de Hiroshi Sugimoto, um aspecto diferente sobre a mesma discussão. Desde meados da década de 1970, Sugimoto usa a fotografia para investigar como a Visual representação interpreta a história. Ao fotografar motivos que reproduzem momentos do passado distante, o artista critica a suposta capacidade do meio para retratar a história com precisão. Adepto da fotografia analógica, se vale de uma sofisticada técnica marcada por exposições extremamente longas para conceber imagens que hora remetem a um momento passado ou incorporam uma aura etérea a paisagens simplificadas e cotidianas. Importante também lembrar a célebre série de autoretratos e imagens criadas por Andy Warhol nas quais por meio de cores e intervenções em serigrafia elabora uma representação quase caricatural dos personagens com referências aos muitos universos nos quais transitava: drag queens, estrelas, divas. Warhol, mais que um artista foi pensador de uma série de comportamentos e de uma nova sociedade contemporânea, na qual o belo anda de mãos dadas com o ridículo e que a imagem é, antes de tudo, meio de autopromoção. Limitado então, seria pensar que uma ferramenta ou software seria responsável por toda uma problemática de cunho social e psicológico. A representação do “real” com acentos de mentira e busca do belo idealizado vem bem antes do advento da fotografia, passando pelo jogo de luzes barroco e pela perfeição renascentista. O futuro e as suas novas tecnologias estão ai, para serem consumidas. A negação de qualquer mecanismo é por si só ingênua e retrograda. Use com moderação.
IMAGEM REAL
SE UMA IMAGEM VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS, O DESIGNER GRÁFICO ESTÁ EM BOA POSIÇÃO. NO CASO DE TREVOR JOHNSON, RESPONSÁVEL POR CAPAS DE DISCOS E PELO BRANDING DA FACTORY RECORDS E DO THE HAÇIENDA EM PARCERIA COM JOHNSON/PANAS, ESSE PODER AJUDOU A FORMAR A CENA MUSICAL DE MANCHESTER _E DO MUNDO. por Ana Pinho / Foto Gustavo Camilo Hoje à frente da agência Creative Lynx, Johnson criou designs com pegada industrial e fontes pesadas, como a icônica identidade visual do Haçienda com suas listras amarelas e pretas típicas de uma fábrica. Ilustrador comercial nos anos 1970, quando tudo era feito à mão, interessou-se pelo design gráfico graças ao trabalho de tipógrafos americanos como Saul Bass e mergulhou no mundo do design independente. Na década seguinte, viu-se em Manchester.
TREVOR JOHNSON
“Eu oferecia só material de divulgação para bandas e capas de discos, mas vivi num período de criatividade abundante, que veio da atitude punk ‘faça você mesmo’ dos anos 1970 e que estava muito presente na Factory”, relembra. “Socialmente, estávamos apenas felizes que aquilo estava ocorrendo lá. Em retrospecto, era uma produção tão fantástica que era mesmo provável que ressoasse em algum lugar.” VOCÊ JÁ DISSE QUE O BAR “GAY TRAITOR” DO HAÇIENDA FOI SEU LUGAR FAVORITO NO MUNDO. COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA POR LÁ? Como eu morava em Manchester, estava lá entregando trabalho pela manhã e socialmente à noite. O clube passou por muitas fases musicais, do indie à rave, mas também era palco de diversidade cultural, era mais que uma pista de dança. Uma das minhas melhores memórias é do grande autor William Burroughs, passeando de trenchcoat e feliz pela multidão após uma leitura. QUAL FOI A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO ENTRE A MÚSICA E A ESTÉTICA NA ÉPOCA? Como toda forma de branding, a representação gráfica tem como intenção criar uma percepção, e depende das necessidades do cliente e do público desejado
em relação aos elementos gráficos e a experiência física. Com a Factory e o Haçienda, sentia-se que uma interpretação literal do que esperar da música ou do clube não era sempre necessária, mas um compromisso com a excelência sim. Então essa atitude deles virou sua identidade. VOCÊ CONCORDA COM A NOSTALGIA PELO “VELHOS TEMPOS” COMO A CENA DE MANCHESTER, TÃO COMUM QUANDO SE FALA DE MÚSICA? [Risos] Sou parcial, mas me sinto privilegiado por ter sido parte dela, na idade certa e no lugar certo, e ter experimentado as mudanças culturais que vivi _soul, reggae, punk, indie, house, etc. Acho que o fato de que ainda há enorme interesse pelas atividades daquele período é prova da qualidade daquela diversidade e daquela produção musical. O MUNDO ATUAL PERMITE ALGO TÃO ORIGINAL QUANTO O SOM DE MANCHESTER, UMA ATMOSFERA COMO A DO HAÇIENDA OU UMA FIGURA COMO TONY WILSON? Personagens únicos surgem de vez em quando com crenças e compromissos de fazer algo, mas sem um grande plano _e isso afeta e influencia outros de maneira positiva. Espero que continue acontecendo. E especificamente em Manchester, onde o pensamento criativo faz parte da fibra da cidade, espero que aconteçam outras grandes coisas. DO PONTO DE VISTA GRÁFICO, QUE DIFERENÇAS VÊ NO DESIGN MANUAL E DIGITAL? Somos uma indústria de serviço e, por um preço, adornamos e decoramos os meios que seres humanos usam para se comunicar entre si ou resolver um problema visualmente. Hoje estamos no começo de uma revolução digital que durará anos, mas o processo tipográfico manual tem centenas de anos e continua bem demandado, então felizmente ainda tenho a oportunidade de trabalhar com ele. E não prevejo mudanças nesse campo durante minha vida, não importa que novas tecnologias surjam. E DO PONTO DE VISTA MUSICAL? HOUVE BENEFÍCIOS DO DIGITAL? A tecnologia contribui para a qualidade, reprodução e armazenagem de som, entre outras coisas. Mas a criatividade pode se manifestar de diversas maneiras e gêneros, então enquanto houver indivíduos criativos que usem os recursos de suas gerações para inspirar os outros, grandes momentos musicais continuarão a acontecer.
FAC 228 Karl DenverWimoweh 89 / 12-inch / 1989 / Des: Trevor Johnson & Panas
FAC 51 Haรงienda Fifth birthday / Flyer / 1987 / Des: Trevor Johnson & Panas
EM MEADOS DOS ANOS 1970, MANCHESTER, NA INGLATERRA, ERA UMA CIDADE CULTURALMENTE SEM HORIZONTES. TINHA SIDO O BERÇO DE APENAS UMA LENDA DAS ARTES BRITÂNICAS, O ESCRITOR THOMAS DE QUINCEY (1785-1859), O AUTOR DE “CONFISSÕES DE UM COMEDOR DE ÓPIO”, NASCIDO NO NÚMERO 86 DA CROSS STREET. EM MAIO DE 1997, A HISTÓRIA DE MANCHESTER SUBITAMENTE ENTROU EM MUTAÇÃO ACELERADA. Por Jotabê Medeiros Começou a aparecer no mundo cultural da cidade (um pólo industrial de casas geminadas, todas iguais, entulhos ferroviários e muitas ruínas) uma porção de bandas novas: The Buzzcocks, Penetration, John Cooper Clarke, John The Postman, entre outras.
MARTIN HANNETT
A essa altura da vida comunitária, era preciso criar uma cena. Assim surgiu um clubinho para onde confluíam muitas bandas de rock, um muquifo na Devras Street. The Squat. Ocupava um prédio abandonado, ao redor do qual toda a paisagem já havia sido demolida. “Na primeira vez que fui lá, não acreditei que alguém pudesse se apresentar no local. Eu estava convencida de que a energia nem estava ligada”, contou Deborah Curtis, viúva do cantor Ian Curtis, frontman de uma das bandas que mudaria Manchester para sempre: Joy Division. O clube “pertencia” a um estudante de Química do Institute of Science and Technology da Universidade de Manchester. Seu nome era Hannett, James Martin Hannett. Inicialmente, ele se apresentava como Martin Zero. Magro e de cabelos encaracolados, parecia um pouco com Syd Barrett, do Pink Floyd. O tempo todo em estados alterados, costumava usar seus conhecimentos de química em prol de sua própria ampliação no universo das drogas pessoais _uma espécie de “Breaking Bad” do rock. Quando garoto, Hannett era fascinado pela engenharia de ônibus, e chegou a fazer projetos com sugestões para
a tecnologia de construção desse tipo de transporte coletivo. Adolescente, construiu seu próprio baixo. Contam que chegava a ler até três livros num dia, era um voraz leitor. Também foi visto gravando sons da rua, do lado de fora de casa. Quando estudava química, passava dias sem comer para economizar dinheiro para comprar novos equipamentos sonoros. Foi nesse ambiente de vida doméstica e de instável alienação que ele teve uma visão do futuro que afetou a maioria de nós amantes da música. Quando Martin apareceu na cena, já era um messias longamente anunciado. Ele e sua então namorada, Susannah O’Hara, tornaram-se pioneiros na promoção de uma emergente cena underground de Manchester, abrindo (e fechando) palcos em lugares que não pareciam capazes de receber um show de rock _depois do Squat, o próximo foi o Rafters, um barzinho embaixo de um clube maior chamado Fagins. Durante o mês de junho de 1977, Hannett arrumou uma temporada para a banda que originaria o Joy Division, o Warsaw. Mas Hannett não era muito organizado: ofereceu a primazia de fechar a noite para o Warsaw, mas também para um outro grupo, o Fast Breeder. Simultaneamente. Houve confusão, as bandas bateram boca. Isso atrasou toda a programação. Quando Ian Curtis finalmente subiu ao palco, estava tão bêbado e siderado que quebrou um copo de cerveja e cortou a perna, que sangrava enquanto ele cantava. O sangue que vertia da calça pela perna de Ian Curtis era um presságio: ele e Martin Hannett estavam predestinados a misturar sangue e delírio, saúde e autoimolação no mundo da música internacional. Àquela altura, Hannett, ou Martin Zero, ainda não era o cara que imprimiria Manchester no imaginário cultural do planeta. Teve sua primeira chance profissional ao ser convidado para produzir uma turnê dos Buzzcocks, mas só se tornaria o criador do “som de Manchester”, o fundamento do rock, dois anos depois, quando produziu o primeiro disco do Joy Division, “Unknown Pleasures”. Martin Hannett representou de fato uma espécie de marco zero do pop rock da geração pós-punk, e fez de sua antevisão um espelho do que enxergamos e ouvimos na música de hoje em dia. Quase todos os bons sons
que ouvimos entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980 passou por suas mãos: Buzzcocks, Joy Division, U2, A Certain Ratio, The Happy Mondays, New Order, Slaughter and the Dogs, Jilted John, The Durutti Column, Orchestral Manouvres in the Dark, Magazine, Basement Five, Psychedelic Furs, The Names, Section 25, Wasted Youth, Nico and the Invisible Girls, Kitchens of Distinction. Mas qual foi a grande sacada de Hannett, o seu legado? Bom, em linhas gerais, o que ele fez como produtor foi o seguinte: ao contrário da maioria dos produtores de rock da época, que enfatizava os vocais e as partes de guitarra no estúdio, ele colocava à frente da massa sonora um som de bateria digitalmente tratado, seguido de um som melódico de baixo (ainda que inorgânico, falsamente artificial) por trás dessa bateria. Como se fosse uma “máquina de batida” revestida de estranho romantismo, apesar de robótica. O baixo, na verdade, assumia um protagonismo maior, algo profano para o rock da época. Era como se a música pop que ouvíamos tivesse criado uma aura, uma radiação, um tipo de ressonância espiritual. Hannett conseguia ainda incrementar o clima de mistério com o uso de sintetizadores frios e mais alguns sons alienígenas, ecos de elevadores e coisas pré-gravadas (“Dizer que Ian ficou impressionado com o trabalho de Martin Hannett seria pouco. Ele veio para casa entusiasmado com os samples de palmas e vidro quebrando”, escreveu Deborah Curtis sobre a primeira experiência de Curtis com Hannett num estúdio). Sua alquimia tinha a ver também com sua presença poderosa, que o fazia atuar como um mediador cultural. Como observou o escritor e performer Christopher Paul “CP” Lee (um expert na cena punk daquela época, e que escreveu “When We Were Thin”, sobre a Factory): “Martin era um freak poderoso, e no lugar de negociar com bandas badaladinhas como Sad Café, as bandas punk apresentavam a ele seus materiais crus que ele podia manobrar e moldar. Ele e Tosh, da Music Force, estavam no lugar certo na época
certa, e como tinham idades próximas dos músicos da cena punk emergente, tinham mais habilidade para estabelecer uma relação próxima com elas.” Foi assim que caiu nas mãos dele a produção de “Unknown Pleasures”, de junho de 1979, a estreia do Joy Division. Aquele disco mudaria a vida de milhares de bandas mundo afora _incluindo o U2, que imediatamente quis Hannett produzindo seu novo single, “11 O’Clock Tick Tock”. “Martin Hannett era um gênio”, disse Bono. “Ele tinha trabalhado com o Joy Division, que era nossa banda favorita naquela época. Ele parecia com o Dr. Who e manjava de tecnologia, tinha harmonizers e coisas das quais nós nunca tínhamos ouvido falar.” Havia naquele álbum do Joy Division uma promessa de intensidade emocional, de extrema unção lírica, de suave perdição que causaria arrebatamento imediato ou rejeição total. Um crítico da “Sounds” o chamaria de “Disco da Morte” e o definiria da seguinte maneira: “Se uma pessoa estivesse cogitando o suicídio, ouvir aquele álbum era garantia de que levaria adiante seu desejo.” Mas, tirando Ian Curtis, nenhum outro integrante do Joy Division tinha ficado satisfeito com o trabalho de Hannett. À época de “Closer”, o segundo álbum, a paciência com o produtor chegava ao fim. Achavam que ele tinha carregado na melancolia, no nevoeiro existencial. Também pesava contra o produtor o fato de que ele sempre concluía os trabalhos sem a presença dos músicos. A bateria de Stephen Morris tinha sido literalmente debulhada em pequenas partes que Hannett usava como bem entendia, provocando reclamações dos integrantes. Os outros grupos que produziu também não foram unânimes. Segundo os Stone Roses: “Ele era 5% som e 95% estética.” A opinião levou mais de 30 anos para mudar. Hoje o baixista Peter Hook diz, no documentário recém-lançado “He Wasn’t Just The Fifth Member Of Joy Division: A Film About Martin Hannett”, dirigido por Chris Hewitt, que “sem Martin, a música do Joy Division não teria durado porque nós queríamos fazer tudo de forma convencional, punk, veloz, e sem profundidade, sem atmosfera”.
Em maio de 1979, um sujeito chamado Tony Wilson (apresentador de um programa na Granada Television), que tinha uma perua Peugeot que parecia um carro funerário, alugou uma espécie de clube social em Hulme, em Manchester, que funcionava primordialmente para funcionários públicos e que duas vezes por semana mudava de nome para The Factory Club. Um local marcado por aquela arquitetura socialista, sem personalidade, sombria. Ali, Wilson e seu sócio Alan Erasmus (um ator desempregado e agente de bandas) botavam novos nomes, como o Joy Division, para tocar. O escritório da gravadora foi montado na casa de Erasmus, em Palatine Road. O empresário do Joy Division tinha propostas de Londres, mas preferia ficar e estimular o nascimento de uma estrutura musical ali mesmo em Manchester. “Martin tinha certeza que ninguém precisava ir a Londres para fundar uma banda, e que aqueles discos que ele produzia deveriam refletir o ambiente em que foram gestados. Foi assim que ele quebrou a escrita”, conta o documentarista Chris Hewitt. Foi assim que Tony Wilson acabou recrutando Martin Hannett e roubou-o da Rabid Records, com a qual havia começado a trabalhar. Deu a ele liberdade como produtor, e estava iniciou o embrião de uma espécie de usina de geração de novas bandas: a lendária The Factory. Ian Curtis era duro e não tinha organização social, o que o levava muitas vezes a aceitar limpar salas de ensaio e até a colar folhas de lixa na capa do primeiro disco do Durutti Column, “Return of the Durutti Column”, porque precisava de dinheiro para comprar cigarros. Em junho daquele ano saía “Unknown Pleasures”. Em poucos meses, a fama do Joy Division atravessou fronteiras. Em agosto de 1979 eles já abriam shows do Buzzcocks e tinham decidido abandonar seus chamados “empregos diurnos”, já que a grana de uma nova condição estava entrando. Disputavam a cena com bandas como Cabaret Voltaire e Orchestral Manouvres in the Dark. Seus fãs já se vestiam como uma legião de preto, o que estimularia a disseminação de certos rótulos como gótico (ou dark) entre seu contingente de seguidores.
The Factory era mais uma irmandade que uma gravadora. As bandas que saíam dali, como A Certain Ratio, dividiam de amores a solidariedades momentâneas, como no período em que o boss Tony Wilson levou Ian Curtis, em depressão e com crises de epilepsia para morar consigo. Quando o staff da Factory fez um velório para Curtis, o ritual consistiu em fumar maconha e assistir ao documentário “The Great Rock’n’roll Swindle” dos Sex Pistols. Não havia tempo para chorar a tragédia: em 1981, Hannett produziria o primeiro disco da seminal banda que ressurgiu das cinzas do Joy Division, o New Order: “Movement”.
natureza dele era, ao mesmo tempo, a ampliação das possibilidades do humano, do espírito.
Só para dar uma ideia da dimensão das texturas que Martin Hannett criava: “Movement”, que veio um ano após a morte de Curtis, continha nada menos que “Bizarre Love Triangle”, “Blue Monday”, “Ceremony”, “Regret” e “Temptation”, algumas das canções que cimentariam todo o imaginário dance de nossa época. Não se pode imaginar nenhum eletropop do futuro vivendo sem essas referências, nascidas de um cruzamento inusitado entre os climas sombrios do Joy Division e a euforia hedonista da disco music.
Ao contrário de seus principais parceiros artísticos, como Ian Curtis, morreu progressivamente e sem idealizações românticas. Ex-viciado em heroína, tinha parado com as drogas mas passado a beber bastante. Uma escolha mortal para alguém no estado de fragilidade em que ele se encontrava. Morreria em 1991, aos 42 anos. Em seu epitáfio no cemitério de Manchester, lê-se: “Martin Hannett (1948-1991) Marido de Wendy. Pai de James e Tania. Produtor de discos. Criador do Som de Manchester”.
Muitas histórias memoráveis compõem a lenda de Martin Hannett. Uma das melhores é a contada por Pete Garner, baixista original dos Stone Roses. Segundo ele, Hannett uma vez gastou três horas gravando o som de seu polegar batendo no corpo do baixo com um microfone minúsculo. “Quando ouvi o mix finalizado”, recorda Garner, “eu disse a Martin que não conseguia ouvir o toque do polegar na faixa.” Martin retrucou: “É. Mas você sabe que está lá.”
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Mas existiria apenas uma chave capaz de decifrar o milagre do som de Hannett na Factory? O próprio nome do local _embora uma escolha de Tony Wilson_ concentrava um pouco do seu significado, segundo o documentário sobre sua obra e vida. Hannett tinha ficado fascinado por umas batidas que ouviu saindo do ar-condicionado de uma fábrica da Ferrari, o que teria sido sua inspiração para buscar música em locais de repetição industrial. Ali, ele perseguia um som de tambor que não viria da natureza. A anti-
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No final, o mito de Hannett estava abalado, tanto que ele já não desfrutava de tanto prestígio e sua figura chegou mesmo a ser rapidamente esquecida. Chegou a produzir algumas das primeiras gravações dos Stone Roses (1985) e ensaiou um retorno à Factory poroduzindo o disco “Bummed” (1988), dos Happy Mondays, e em seu último ano de vida produziu 4 bandas: Kit, The Kitchens of Distinction, New Fast Automatic Daffodils e World of Twist.
GRAEME PARK
AOS 20 ANOS, O DJ DO THE HAÇIENDA GRAEME PARK TRABALHAVA EM UMA LOJA DE DISCOS EM NOTTINGHAM _EMPREGO DOS SONHOS NA ÉPOCA. “QUANDO O DONO ABRIU UM CLUBE, NÃO ME PEDIU: SIMPLESMENTE ME AVISOU QUE EU SERIA O DJ”, RELEMBRA. “NO FIM DAQUELA PRIMEIRA NOITE, RECEBI 25 LIBRAS E ACHEI SUPER BOM. NUMA BANDA _EU TOCAVA SAX_ SEMPRE HÁ O QUE PAGAR, E NA HORA DE DIVIDIR A GRANA EU ACABAVA COM 5.”
Por Ana Pinho / Foto Gustavo Camilo Em 1988, admirador do house dos EUA que não encontrava público em sua cidade, conheceu Mike Pickering, DJ do The Haçienda e fã dos mesmos sons. A dupla se conheceu numa sessão de fotos de DJs do underground para a “i-D” e se deu bem de cara _eram os únicos de fora de Londres. O novo amigo o convidou a assumir temporariamente as sextas-feiras do clube, sob a condição de vir conhecer a casa antes. “Em Nottingham, clubes eram para pessoas bem-vestidas tomarem cerveja e dançar. No Haçienda, eram duas mil pessoas de camiseta, bandanas, roupas largas, uma loucura”, fala. O house que batia no vazio em Nottingham era recebido com alegria em Manchester. Pouco depois, Mike e Park criaram por lá a festa Nude Night, hit que entre altos e baixos rolou até 1997. “Aquele foi o primeiro lugar a tirar a gravata de todos e juntar negros, gays, asiáticos com o propósito de dançar e sem brigas”, resume. “E havia um grande homem chamado Tony Wilson”, fala. “Ele tinha o dom de juntar as melhores pessoas, ouvir o que queriam fazer e decidir: ‘Vamos fazer! Por mais maluco que pareça! Mesmo que custe algumas milhares de libras!’” Com a agenda cheia aos quase 50 _recentemente mandou três horas de acid house em Glastonbury_, Park vê as referências estéticas do clube em todos os países que toca, embora nenhum traga a atmosfera natural do The Haçienda. Na hora do show, prefere garimpar no acervo. “Gosto de entrar no meu arquivo de vinis, que é gigante, e escolher um case aleatório. Claro que tem discos que eu escuto e penso: ‘Que horror!’. Mas tem muitos incríveis.” São músicas tão desconhecidas dos jovens, diz ele, que muitos vêm pedir informações já que os aplicativos não as identificam. “Achei divertido e coloquei no meu Twitter: ‘Shazam não pegou a metade do set de ontem’. Uma semana depois, recebi uma ligação deles pedindo ajuda para ceder as músicas. Respondi que não”, ri.
GRAEME PARK
MANCHESTER JÁ PRODUZIU BANDAS QUE ESTÃO ENTRE AS MELHORES DA HISTÓRIA DO ROCK. NÃO À TOA, É SEMPRE LEMBRADA COMO UMA DAS CAPITAIS DO GÊNERO. A MAIORIA DELAS ESTÁ DE VOLTA, TOCANDO EM FESTIVAIS E LANÇANDO CONTEÚDO NOVO. ESTARIAM ELES COLOCANDO UMA SOMBRA SOBRE A NOVA GERAÇÃO DE MANCHESTER? Para entender o fenômeno, é fácil acreditar que assim como Smiths, Happy Mondays, Stone Roses e Joy Division não faziam o sucesso estrondoso de hoje na época, as bandas novas não o fazem. A grande dificuldade dessa nova cena é que talvez faça seu som chegar a milhões de ouvidos, mas sempre estará sob as asas dos gigantes acima. É natural que qualquer movimento cultural tenha um retorno. A indústria de LPs estava em queda até 2010, quando viu um aumento no número de pessoas apaixonadas pelos discos. Tudo nessa vida volta. É tudo uma cópia de uma cópia de uma cópia, como já diria Chuck Palahniuk. Um ciclo vicioso em que entramos e que passamos de gerações a gerações. Algumas culturas orientais, onde a volta às origens é algo celebrado, ainda explicam como. Os pulmões trabalham assim. O vai e vem. O coração também. A ciência hoje acredita que o universo trabalha dessa forma. De alguma forma, estamos interligados a todo esse movimento, que resulta em nossas questões culturais como a música. A morte do rock, sempre anunciada com alarde e sensacionalismo, não passa de uma ressurreição. Bandas como Janice Graham Band e Delphic são frutos de uma reciclagem musical em que a essência volta para o movimento. Através dela, um movimento retorna à atividade e explode. As bandas de Manchester hoje não fazem frente com New Order. Nunca farão e não precisam disso. Esta coluna não é de um nostálgico que não aceita o novo. Que aceita que só as coisas antigas é que prestam. A coluna indica que as coisas novas são necessárias para se completar um ciclo e se iniciar outro. Até alguém quebrar tal ciclo, como fizeram tantas bandas _como as já citadas ou o punk, o heavy metal, o trash, gothic, o progressivo. Até isso acontecer a reciclagem continua. O que é bom. Nunca houve uma geração que quis tanto voltar às origens como esta de agora. Nunca quisemos tanto quanto nos dias de hoje colocar um disco de vinil do Joy Division e ouvir “She’s Lost Control”. Retornar é redescobrir.
MOHAMEDE JAROUCHE
..... . “MUTABILITY IS THE EPITAPH OF WORLDS / CHANGE ALONE IS CHANGELESS / PEOPLE DROP OUT OF THE HISTORY OF A LIFE AS OF A LAND THOUGH THEIR WORK OR THEIR INFLUENCE REMAINS.”
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QUADRICROMIA
Absolut Elyx apoia o resgate de processos manuais.
NO AUGE DA ERA ESPACIAL, RICHARD AVEDON FOTOGRAFOU A MODELO JEAN SHRIMPTON VESTIDA DE ASTRONAUTA, EM SINTONIA COM A VOLÚPIA TECNOLÓGICA DAQUELES TEMPOS. MAS OS ANOS 1960, ÉPOCA QUE CATAPULTOU FOGUETES AO ESPAÇO SIDERAL E VIU O HOMEM DAR SEUS PRIMEIROS PASSOS NA LUA, AINDA ESTAVAM LONGE DA REVOLUÇÃO DIGITAL QUE HOJE VARRE O PLANETA, MAIS AINDA DA BANALIZAÇÃO DE TÉCNICAS DE IMPRESSÃO CAPAZES DE TRANSFORMAR QUALQUER FOTO DE SMARTPHONE EM CARTAZ DO TAMANHO DE UM OUTDOOR COM RESOLUÇÃO CRISTALINA. Por Silas Martí Emoldurado por seu macacão prateado, o rosto de Shrimpton chegava ao papel fotográfico pela emulsão química da fotografia analógica. Ou seja, menos fragmentada em pixels e mais poderosa na exuberância das cores saturadas que costumavam resultar dos processos clássicos de revelação. Quase 50 anos depois daquele primeiro retrato, essa imagem ganha vida nova agora por um processo um tanto antigo _a quadricromia. Num ateliê montado na Plataforma, casarão do início do século passado que abriga um centro cultural no bairro paulistano da Bela Vista, eles vêm fazendo testes para resgatar esse processo artesanal de impressão. Em resumo, é reavivar uma tradição que perdeu força na avalanche da evolução tecnológica. Isso porque a quadricromia é um processo, como o nome já diz, em que quatro cores são combinadas num delicado passo a passo até compor uma imagem final que surge com a sobreposição das camadas de cor divididas em retículas, ou pontinhos que podem ser maiores ou menores dependendo do efeito que se quer causar. É algo que lembra a impressão dos gibis quando vista bem de perto, em que as figuras são aglomerados de pequenos pontos que mudam de cor quando estão lado a lado. Ou as telas do artista pop norte americano Roy Lichtenstein, que reproduziu em suas pinturas em grande escala a trama industrial dos quadrinhos. Na quadricromia, ciano, magenta, amarelo e preto são as cores que se juntam para dar vida a toda a gama de tons que acaba aparecendo na imagem final. “Só pela inclinação da mão e pela força que você coloca em cada camada de tinta na hora de imprimir, já muda a imagem”, diz Houssein Jarouche, que comanda a Plataforma. “É uma foto com textura de pintura. O processo é muito mais trabalhoso do que uma serigrafia ou impressão digital. Você espera a cor secar, limpa a tela, aplica outra cor e daí por diante. Às vezes, a gente leva um dia inteiro para fazer um trabalho.” Existe, é claro, certo fetiche hoje em torno das técnicas manuais. Num mundo de imagens descartáveis, reproduzidas à exaustão nas redes sociais, filtros retrô do Instagram já dão a entender que o mundo sente falta da qualidade tátil de uma imagem fotográfica. Nesse resgate da quadricromia, essas forças também parecem estar em ação. Jarouche compara o lento processo de construção dessas imagens à ideia de carregar caixas de vinis para tocar numa festa em vez de levar no bolso um pen drive com músicas que durariam uma eternidade.
QUADRICROMIA É UM PROCESSO EM QUE QUATRO CORES SÃO COMBINADAS NUM DELICADO PASSO A PASSO ATÉ COMPOR UMA IMAGEM FINAL QUE SURGE COM A SOBREPOSIÇÃO DAS CAMADAS DE COR.
O MUNDO SENTE FALTA DA QUALIDADE TÁTIL DE UMA IMAGEM. NA QUADRICROMIA, ESSAS FORÇAS TAMBÉM PARECEM ESTAR EM AÇÃO.
“Mesmo com três cirurgias na coluna, prefiro levar os discos”, conta. “Estamos vivendo a era digital, mas ainda estamos no meio da transição do analógico para essa nova realidade. O mundo vai valorizar cada vez mais as técnicas manuais.” Numa das salas da Plataforma, Abidiel Vicente, conhecido por Bibi neste clã, mostra uma serigrafia comum e me faz passar a mão sobre a impressão para sentir a tinta. Depois, ele que sempre trabalhou com serigrafias e agora faz a primeira incursão no universo da quadricromia, conta como esse novo, ou recém ressuscitado, processo de impressão deixa as texturas muito mais afloradas, como se a imagem saltasse da superfície do papel. “Num processo industrial, a textura seria longe dessa qualidade orgânica, da tinta no papel”, descreve Bibi. “A questão aqui é que usamos isso de forma artística. Estamos manipulando esse processo, interferindo em cada etapa de uma coisa manual, já que a imagem precisa ter todas as características diferentes de cor.” No caso da astronauta de Avedon, o desafio em sua reencarnação “quadricromática” era garantir que o prata de seu macacão espacial saltasse mesmo aos olhos como faz na fotografia original. Mas num universo ciano, magenta, amarelo e preto, sem a alquimia da fotografia analógica, isso exige uma sobreposição muito bem calculada das matrizes coloridas e a manipulação precisa das retículas de cor _garantindo o tamanho exato das bolinhas que compõem a imagem_ para dar certo, ou seja, manter seu efeito resplandecente com toda a potência da nova textura.
“Isso tudo determina como essa imagem vem para o mundo de forma artística”, explica Bibi. “Essa foto é de uma época em que se usava esse processo manual que estamos tentando trazer de volta. Então tudo é manual, não existe equipamento. Sei que eu posso inverter, por exemplo, a aplicação do vermelho e do amarelo para conseguir certo efeito. Você supõe tudo isso dentro de um prisma e, pirando nesse prisma, a gente pensa em como alterar isso ou aquilo. É uma impressão fotográfica com a presença da mão humana.” Diagramando a página desta reportagem, o diretor de arte Thiago Batista, da equipe da Plataforma, dá um exemplo que ajuda a entender a obsessão por essa questão manual. “É como a diferença entre uma bolsa Hermès, em que o couro é escolhido manualmente e cada parte é montada com cuidado artesanal, e outra bolsa qualquer”, diz. “O conceito aqui é muito alinhado à técnica. O bonito é ir contra a onda desenfreada dessas coisas ultratecnológicas”, finaliza. Silas Martí é jornalista da Folha de S.Paulo.
PATRICK THOMAS SE DELICIA FALANDO DE PAPÉIS E TINTAS, DAS REAÇÕES QUÍMICAS. VIVE DISSO. VENDE SEUS MÚLTIPLOS EM GALERIAS IMPORTANTES, MAS DIVIDE BEM O QUE PAGA AS CONTAS E SEU TRABALHO MAIS AUTORAL QUE CIRCULA POR DIVERSAS EXPOSIÇÕES. Por Maria Montero
Foto Gustavo Camilo Cheguei na casa que abriga o projeto Plataforma. Por causa de um lapso tempo-espacial ainda não havia visitado o lugar. Era, portanto, um encontro estrangeiro com o espaço. Patrick Thomas está atrasado e ainda não chegou. Fiquei mais tranquila e desacelerei, adentrando a casa boquiaberta. O casarão é de 1911. Logo no primeiro lance de escadas há uma pequena plataforma com vista para a rua. Servia para assistir ao Carnaval, me contam. Fato histórico de arrepiar. (Tive um breve momento de delírio imaginando o Carnaval de rua em décadas passadas.) A casa fica na área central da cidade de São Paulo, no coração do Bexiga, e preserva seus aspectos originais. Foi, contudo, adaptada para se tornar esse espaço de residência e reformada com elementos contemporâneos. Assim, as salas, cozinhas e banheiros estão com ar de detonados mantem suas belezas antigas. Os canos, porém, são de cobre aparente, os poucos móveis industriais dão o tom, as tomadas vêm de cima em cabos soltos do teto, as lindas luminárias vão construindo o cenário. As paredes expõem suas fissuras. No andar de baixo fica a sala principal, um ateliê de serigrafia e um lindo jardim. O banheiro moderno construído lá fora tem iluminação especial. O sol já havia se posto. Algumas discretas luzes e bonitas cadeiras ocupavam o pátio externo. Fiz um tour pela casa e pelos cômodos que servem como sala de exposição. Há misteriosos corredores, passagens, cantos. Tudo vira espaço expositivo. Ele chegou. Vestia chapéu preto e esbanjava simpatia. “Desculpe o atraso”, me disse, sorridente.
PATRICK THOMAS
Não pude evitar e confessei que também me atrasei e que estava aflita com fato de ser ele mesmo um britânico. Mas parece, como ele próprio sugeriu, que o ritmo brasileiro já tinha sido incorporado. Comemos biscoitos de polvilho e falamos sobre amenidades. Como não sou entrevistadora profissional nem jornalista, e minha atuação tem mais proximidade com as práticas artísticas e curatoriais, minha proposta era de nos encontrarmos informalmente e, após nos conhecermos melhor, preparar a entrevista. Assim nos sentamos no jardim meio escuro, sem caderno e sem gravador, numa agradável noite paulistana para fazer a não-entrevista que durou mais ou menos duas horas. Uma conversa fluida e sincera. A não-entrevista acabou tomando a direção de mão dupla e, quando percebi, estávamos nos entrevistando mutuamente. Comecei pelo básico: como veio parar no Brasil e coisas do gênero. A anedota é das boas. Julia Morelli, que trabalha no Plataforma, esteve em uma mostra dele numa galeria em Londres e desde então não tirou da cabeça a vontade de trazê-lo ao país. Meses depois, ele estava no Brasil por outros motivos (um congresso de design)
e postou uma foto sua no Instagram. “Sou viciado em Instagram”, confessa. Julia viu a foto, comunicaram-se, encontraram-se e combinaram tudo. Um mês depois cá estava ele para uma residência também de um mês em São Paulo. Patrick divide seu tempo entre Londres, Berlim e Barcelona, onde tem seu estúdio. Vive no avião. Nasceu em Liverpool. Em São Paulo está hospedado no Copan, num andar bem alto. Durante os três primeiros dias disse ter ficado imóvel, olhando pela janela. Uma residência artística provoca esse embate com um novo lugar, provoca a escuta do novo ambiente. O deslocamento impulsiona novas atitudes, o que para um artista é substância viva. Mas, afinal, ele se considera artista ou designer? Nem uma coisa nem outra. Foge das definições e se considera um “artista gráfico”. Filosofamos sobre o ser artista e sobre a arte ser, por definição, algo sem função ou serventia. Pergunto sobre seu estúdio e entendo que não é um estúdio de design, que não tem clientes. É o que, em português, chamamos de ateliê, um local de trabalho e de produção,
que serve também como depósito de seu acervo. Contei-lhe da minha vida e trajetória profissional, do tempo que morei em Londres, das dores e delícias de ser brasileiro e gestor de um espaço independente. Falamos das questões sociais do centro de São Paulo. Ele me perguntou se a arte esteve sempre presente em casa. Quando eu disse que sim, replicou que aquilo era exatamente o contrário da sua casa: seu pai se orgulhava de nunca ter colocado o pé em um Museu. Então como foi? Pensativo, lembrou de uma figura importante, um professor de quando tinha nove anos. Com o grande maestro amante do Bauhaus, construía coisas, “não era uma simples aula de artes”. Parece que foi ali o gatilho. Outra lembrança: tinha na casa do pai umas poucas fotografias tiradas _e pintadas a mão_ pelo avô. A cena musical de Liverpool, o punk e Rauschenberg foram influências. Tocava em banda “quando jovem.” Estava impressionado com a Galeria do Rock. Falamos sobre a fragilidade das instituições de arte no Brasil. Combinamos de visitar Mira Schendel na Pinacoteca e
me perguntou onde poderia ver uma Lygia Clark ao vivo. Honestamente? Hoje? Em nenhum lugar público. Ficou perplexo. Durante toda essa longa conversa, que passeou pela infância e pela filosofia, não falamos do trabalho “em si”. Isso porque demandava bastante cuidado tirar os papéis de suas embalagens, e também porque Thomas estava sem seu computador. Vinha caminhando todos os dias, religiosamente, e era o primeiro a chegar. O percurso soava ritualístico: parava para tomar um café no Floresta (famoso no Copan), depois uma fruta na banca e almoçava no “restaurante tradicional”. Era a rua seu local de pesquisa e, apesar de sua produção ter como linguagem principal o silk -screen, ele era, às vezes, enquadrado no “street ou urban art”. Sem dúvida uma categorização mais ligada a questões estéticas do que a seus procedimentos construtivos. Já era tarde e finalizamos a conversa. Ficamos com uma leve impressão que aquele segundo encontro para a “entrevista oficial” tinha perdido o sentido. Já que a conversa tinha sido tão natural, tentar formatála podia aniquilar a espontaneidade. Concordamos de nos encontrar no dia seguinte, no Phosphorus, para falar exclusivamente da sua produção. Outras duas horas de conversa.
Peço, leiga que sou no assunto, para que ele me descreva o processo do silk-screen. É um expert. Me explica que, no seu caso, o processo se dá assim: primeiro pega uma imagem digital, que pode ser apropriada ou uma foto sem qualidade feita pelo celular, decide o suporte (onde imprimir), depois transfere a imagem para um filme através de emulsão e de luz ultravioleta e, por último, imprime. Tudo é feito em seu próprio ateliê. Resiste às impressões digitais por considerar o gesto algo importante no trabalho, e pela liberdade de poder imprimir em vidro, na parede, numa caixa de papelão. E se você pudesse descrever esse local de trabalho? É cheio de materiais encontrados, tanto imagens apropriadas como coleções de coisas que ele chama de “efêmeras”. Como assim? Memorabília e coleções das mais variadas, como alvos que ele conseguiu numa escola de tiros. A série que apresenta em sua exposição no Plataforma parte justamente desses alvos. Os ícones que escolheu foram o coração e o alvo. “Gosto de usar símbolos bem banais, saturados como o coração e acrescentar um pouco de rock and roll.” Se delicia falando de papéis e tintas, das reações químicas. Vive disso, vende seus múltiplos em galerias importantes, mas divide bem o que paga as
contas e seu trabalho mais autoral, que circula por diversas exposições. “Sobre o trabalho comercial, não vamos falar.” As impressões de imagens apropriadas de Kate Moss e de outras modelos (ele as escolhe pois são fumantes públicas e aparecem nas mídias sociais com cigarro na boca) são feitas em caixas de papelão, e por baixo são visíveis as logomarcas de cigarro que se fundem com as impressas. Ele poderia ter problemas jurídicos ao usar as imagens, mas mesmo assim se arrisca. Uma escultura de Nefertiti é outra que se vê impressa. Muitas vezes Thomas as sobrepõe, deixando que o acaso entre em jogo. Seria possível seguirmos a conversa, pois a produção é extensa _possivelmente pela mídia escolhida que tem como natureza a multiplicação. No fim, o que lhe interessa mesmo é democratizar. Que bom que ele veio ao Brasil. Falar sobre democratização num país onde esse conceito é extremamente novo e as divisões não são muito igualitárias é sempre um bonito exercício. Aconselho ver o trabalho ao vivo pois nenhum Instagram pode reproduzir a força da tinta, da cor e do papel.
P M R
PAULO MENDES DA ROCHA COMPARA ARQUITETURA COM LITERATURA E ACHA QUE NAVEGAR É PRECISO. PRINCIPAL PILAR DE SUSTENTAÇÃO DO BRUTALISMO NO BRASIL, O MESTRE MODERNISTA CASSADO PELO AI-5 NOS ANOS 1960 ACREDITA NA SALVAÇÃO DAS METRÓPOLES A PARTIR DA EXPLORAÇÃO FLUVIAL, EVITA AVIÕES O QUANTO PODE, TEM PAVOR DA VERTICALIZAÇÃO DESENFREADA DAS CIDADES E GARANTE QUE NÃO HÁ MAL QUE NÃO POSSA SER CURADO PELA COMPANHIA DOS AMIGOS _E POR UMA BOA MOQUECA CAPIXABA. Por Allex Colontonio Não é lá muito difícil encontrar o mestre modernista Paulo Mendes da Rocha, apesar do mito que o cerca. Com fama de durão, a maior lenda viva da arquitetura brasileira não tem tempo a perder com bobagens _e isso inclui não se esconder do mundo. Aos 86 anos (aparentando 20 a menos), esse senhor elegante, culto e articulado em sua fala quase erudita, carrega consigo o vigor de um garoto e a generosidade cara aos sábios de verdade. Continua dando expediente diariamente em seu escritório no prédio do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil), espigão na Rua Bento Freitas projetado por uma equipe de craques liderada por Rino Levi, no final dos anos 1940. Caminha com intimidade pela Centrão decadente, cumprimenta as pessoas e observa, tanto da rua quanto da sua janela, o que a cidade é e o que ela poderia ser. Um mirante que diz muito sobre a sua relação com o urbanismo e sobre o rigor de seu compasso, consagrado por obras tão sui generis como o ginásio do Clube Paulistano, o MuBE (Museu Brasileiro de Escultura), a reforma da Pinacoteca do Estado, o estádio Serra Dourada, em Goiânia, e a cadeira Paulistano, um dos ícones do design contemporâneo que integra a coleção permanente do MoMA e que, quase 60 anos após a sua criação, continua absolutamente avant-garde. Por essas e outras, não é exagero dizer que quando o moleque capixaba filho de engenheiro trocou o mar de sua Vitória natal pela selva de pedra paulistana, a paisagem urbana jamais seria a mesma. Formado numa das primeiras turmas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1954, fortemente influenciado pela obra de Vilanova Artigas, com quem passaria a trabalhar mais tarde, foi Mendes da Rocha quem ajudou a pulverizar uma qualidade de modernismo mais rústico, revelando a sinceridade dos materiais (estruturas racionais, concreto armado, vigas e estruturas aparentes, grandes vãos e espaços abertos em volumes mais horizontalizados) que remete ao brutalismo europeu e está na raiz da chamada “Escola Paulista.” Um estilo que deflagra edificações mais cruas, limpas, claras e socialmente responsáveis, encabeçado por Artigas, e que nutre as novas gerações. Foi ainda mais longe ao comprovar que um arquiteto, antes de qualquer outra coisa, é um humanista. Como professor da FAU na Universidade de São Paulo, nos anos 1960, Dr. Paulo discutia o papel social de seu negócio e acabou cutucando o governo militar com vara curta. Cassado pela ditadura e impedido de dar aulas, amargou um período penoso onde não tinha uns trocados sobrando nem sequer para comprar um cigarro. “Mas passou. Atravessei.” Condecorado com prêmios como o Pritzker no ano de 2006 (o Oscar da Arquitetura, para usar um clichê), continua firme em suas convicções, defende a arquitetura como um discurso literário, aposta na navegação fluvial para desafogar as metrópoles e continua rabiscando poesia concreta da melhor qualidade, como o novíssimo Cais das Artes, complexo cultural debruçado sobre a mesma Baía de Vitória que contemplava da janela de sua casa quando garoto _e que desencadeou sua paixão pelo ofício e a consequente projeção transatlântica de seu nome, em letras garrafais. DESDE A UNIVERSIDADE, LÁ NOS BANCOS DO MACKENZIE, O SENHOR JÁ PERSEGUIA A VANGUARDA. O QUE LHE PARECIA SER MODERNO NAQUELA ÉPOCA? Quando suas lembranças do passado são convocadas, se leva em consideração não só o arquivo das memórias, mas o que se faz com elas. A impressão que tenho é que pouco a pouco me emocionei com a ideia de que a arquitetura
não é para se preocupar com algo já pronto, mas com o andamento do mundo. Esse movimento chamado “moderno”, do final do século 19 para o começo do século 20, estava muito ligado à preocupação daquilo que seria de nós no futuro. Comecei a me empolgar quando notei que deveria me preocupar com questões que de fato existiam _ainda mais na América, que pouco antes praticamente inexistia aos olhos do mundo. Percebi que arquitetura era qualquer coisa inventada para ser oportuna. E A DESCOBERTA DESSA “ARQUITETURA OPORTUNA” SE DEU NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO OU ANTES DO SENHOR COLOCAR A MÃO NA MASSA? Foi diante do universo de tudo que se sabia, dos livros, daquilo que se pretendia nos ensinar na universidade e, principalmente, do que os colegas faziam. A escola tem um aspecto interessante: o comportamento do grupo diante das indagações. Ver o que o seu colega da mesa ao lado está fazendo é uma lição muito interessante _as pessoas perseguindo meticulosamente as ideias do ponto de vista formal. Naquela ocasião era tudo intuição minha, mas muito mais tarde, observando dialéticas marxistas consistentes, na FAU, eu vi que de fato o que se dizia era isso. Os sábios defendiam a tese de que arquitetura é impossível ensinar, mas que se poderia, sim, educar um arquiteto. AFINAL, A ARQUITETURA TALVEZ SEJA O LEGADO HISTÓRICO MAIS TANGÍVEL SOBRE DETERMINADO TEMPO, CULTURA E LUGAR... Arquitetura é um discurso sobre o conhecimento. Não se trata de abordar o universo das questões que afligem o homem, sejam de caráter científico, humanístico, geográfico, seja sobre a estabilidade das construções. Arquitetura é uma forma peculiar de conhecimento e não desfruta, no seio da universidade, dos outros conhecimentos. Ao contrário: ela pede. Arquitetura não é solução, é sempre indagação. E A QUEM O SENHOR INDAGAVA? HAVIA ALGUM MESTRE, UMA INSPIRAÇÃO NO COMEÇO DE SUA CARREIRA? Como dizem os italianos, tive muita fortuna: meu pai foi um grande engenheiro e, nos anos 1940, tornou-se professor na Escola Politécnica, lecionando uma cadeira hoje extinta, então chamada “Navegação Interior, Portos, Rios e Canais” _quase uma Veneza presumida (risos). Ele prestava consultorias e sempre me levava nas visitas. Eu observava aquelas embarcações fantásticas, as cábreas, os guindastes... AS MEMÓRIAS DO MAR PARECEM ESTAR DIRETAMENTE RELACIONADAS À SUA INFÂNCIA EM VITÓRIA... Nasci na casa de um avô materno, bem em frente ao cais. Fui educado vendo o êxito dos trabalhos do mar. Por mais pobre que fosse Vitória, os navios eram monumentais, com aquelas bandeiras do mundo inteiro, as técnicas navais, toda riqueza sendo transportada. A docagem não tem hora, ouvem-se silvos, fragores de coisas que se entrechocam às 3 horas da madrugada. Era uma exibição constante de que havia algo muito maior por trás daquilo tudo, independentemente de que horas eram no Espírito Santo. Não sei se decidi ser arquiteto sozinho ou por várias influências. Mas percebi que entre entender e executar a coisa, que é o que o engenheiro faz, existe um interregno em que fica o arquiteto, aquele que realiza desejos e necessidades humanas a um tempo só. SEU TRAÇO ESTÁ ENTRE OS MAIS IMPORTANTES DA ARQUITETURA MODERNISTA. INDO UM POUCO ALÉM NA QUESTÃO, O BRUTALISMO E O SEU GOSTO PELA SINCERIDADE DOS MATERIAIS (CONCRETO ARMADO, VIGAS EXPOSTAS) É UM DOS PRINCIPAIS DITAMES DA CHAMADA ESCOLA PAULISTA DE ARQUITETURA, LIDERADA PELO SENHOR E POR COLEGAS COMO ARTIGAS. O QUE O LEVOU PARA ESSE CAMINHO? A inspiração nada mais é do que uma forma peculiar da nossa inteligência. É a convocação de um saber que já se sabe, adormecido nas suas experiências. Na angústia e na urgência da criação, ela vem do inconsciente, uma memória que parecia que não estava lá, mas que no calor de uma ação, aparece. Na literatura é igual e por isso considero a arquitetura como discurso. E é assim com todo o homem que deseja comunicar suas ações, seja por meio dos livros, da dança, da música, do cinema. O intuito supremo de quem faz é que aquilo seja visto pelo outro. Não me refiro a um uso tolo e degenerado da arte, como faz a propaganda para seduzir e instigar o consumo, vendendo banalidade a preço de ouro, mas de algo feito para seduzir a si mesmo. No caso da arquitetura, a utilidade é o argumento principal, seja qual for o discurso. Esse é o meu. Mais tarde, Artigas
foi meu segundo curso de arquitetura. Quando me formei no Mackenzie, fui convidado para ser seu assistente de ensino na FAU. Aprendi muito com ele… FALANDO UM POUQUINHO SOBRE A RELAÇÃO INTRÍNSECA ENTRE POLÍTICA E ARQUITETURA, O SENHOR FOI MUITO PERSEGUIDO PELA DITADURA MILITAR, ENQUANTO ACADÊMICO. COMO ISSO IMPACTOU SUA CARREIRA? Perturbou muito a minha vida e ficou provado que, queira você ou não, nossas ações são políticas. Foi muito sério porque fui demitido da universidade e poucos dias depois saiu outra lista com o meu nome, proibindo de trabalhar para o governo direta e indiretamente. Como nunca tinha me envolvido com violências, não precisei fugir, me exilar e continuei trabalhando pelas mãos de colegas, mas não sei como sobrevivi àqueles 20 anos. E quando falo em sobrevivência refiro-me ao sustento dos meus filhos. Cheguei a colocar a mão no bolso algumas vezes antes de decidir se voltava para casa 5 quilômetros a pé ou se comprava um cigarrinho com aqueles níqueis. Mas passou. Atravessei. E isso confirma que a arquitetura e suas ações têm uma consequência. OU UMA INCONSEQUÊNCIA, COMO É O CASO DAS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO URBANA... Veja a simples habitação coletiva num edifício vertical: é uma decisão política da sociedade para melhor realizar o desenho da cidade. Não se coaduna muito o transporte público com a morada individual num terreno de 10 metros de frente – não há metrô que aguente! A cidade exige um desenho peculiar para ser verticalizada, e isso nunca foi planejado. Subimos prédios indiscriminadamente como quem multiplica um mesmo lugar, edificamos o novo com toda a excelência da técnica enquanto congestionamos todas as artérias da metrópole. E A DEMANDA PARECE COLABORAR PARA ISSO. ESSE VAMPIRISMO IMOBILIÁRIO TERIA UMA SOLUÇÃO MENOS PREDATÓRIA? O fato é que não há um bom emprego daquilo que já se sabe. Veja o quão absurdo é erguer quatro apartamentos por andar num prédio de vinte andares _são quase 80 casas num espaço de 20 x 20 metros, mais as garagens, com seus respectivos automóveis, saindo todos pelo mesmo lado da rua. Você não pode construir isso em cima da matriz anterior, que é um loteamento de casinhas pequenas. É preciso redesenhar o chão. Há dois exemplos latentes disso enquanto virtude, como o Copan, de Niemeyer, na área central, praticamente às portas do metrô, com comércio no térreo sem interromper o fluxo da cidade; e o Conjunto Nacional, do Libeskind, com seu volume horizontal e saída da garagem pela rua lateral de menor movimento, destinando uma quadra inteira ao passeio público, com vitrines, cafés, o comércio. A arquitetura também é feita para amparar a imprevisibilidade da vida. Se você mora no Copan e desce para passear, existe um universo de possibilidades ali embaixo, você pode encontrar um amigo e mudar de ideia, sair para almoçar, visitar uma livraria, sem estar num ambiente idiota, excludente, cercado por grades. OBSERVANDO POR ESSE PRISMA, SÃO PAULO É UMA SUCESSÃO DE ERROS. SERÁ QUE AINDA TEMOS JEITO? Temos que ter. Até porque São Paulo não é inédita. Encontramos os mesmos traços de inconveniência em muitos outros lugares do mundo. Tenho visto nos noticiários algumas cidades norte-americanas com falta de água, como essa que estamos vivendo agora na capital, inclusive. Transporte, congestionamento, poluição atmosférica por uso exagerado de motor a explosão e etc: tudo isso tem em outros lugares. Mas aqui está muito patente. É desesperador ver aqueles cordões de luzes brancas e vermelhas emaranhadas em congestionamentos colossais, nas imagens aéreas da TV. É uma estupidez. O SENHOR É UM INIMIGO DECLARADO DO CARRO? Não vejo razão para 700 quilos de lata carregarem uma pessoa sozinha, que pesa cerca de 70 quilos. É o petróleo que detona a guerra. E do ponto de vista científico, ainda que a longo prazo, o planeta muda de peso, já que você transforma em matéria gasosa uma pasta pesadíssima sugada das entranhas da Terra. Jamais deveria ser permitida sua extração em áreas cobertas pelo mar, pois um vazamento não se estanca assim, sem perdas e danos. A água é a essência biológica da vida. O que falta é a discussão, falar claramente sobre o assunto, uma vez que todo mundo já sabe. QUE PRÉDIOS CONSIDERA FEIOS EM SÃO PAULO? Não há prédio feio, há prédio mal posto no chão, em
lugar incômodo (risos). É como um piano de cauda Stain way num apartamento de 50 metros quadrados, que vira um trambolho, mas ambos são bons _o apartamento e o piano. O SENHOR COSTUMA DIZER QUE A ARQUITETURA É TÃO IMPORTANTE QUANTO A LÍNGUA, ENQUANTO DISCIPLINA... Você nasce dentro de uma casa, de um hospital, dentro de uma arquitetura. É preciso discutir. Existe uma ausência de consciência aparente de questões como os moinhos de vento, o navio a vela, a orientação pelas estrelas. O que falta é adequar o sistema de ensino. A grande revolução está na educação. REFERE-SE A ENSINAR NOÇÕES BÁSICAS DE URBANISMO RELACIONADAS À CIDADANIA? Não examinei a questão a fundo, não sou pedagogo, mas acho que a ideia da educação para apaziguar os ânimos vem da educação ocidental cristã com muita força mesmo antes do Brasil. O silêncio absoluto em sala de aula, o chavão “menino, cala a boca!”, são absurdos. Deveria ser exatamente o contrário, já que a criança demonstra uma curiosidade por tudo e precisa ser estimulada a entender e contestar. E nós escondemos a verdade enquanto a física elementar deveria ser comentada, junto com a alfabetização: o que é um fio de prumo, lei da gravidade e o próprio organismo – a criança vai ao banheiro e não sabe o que é aquilo. Nós inventamos a linguagem pela urgência de avisar o outro. A cidade é feita para conversar, para estimular, daí a aglutinação em São Paulo – senão todos viveríamos isolados no campo. O SENHOR ADORA O CENTRO E COSTUMA TRANSITAR A PÉ POR ALI. COMO OBSERVA A EVOLUÇÃO DA CIDADE NESSAS ANDANÇAS? Trabalho no Centro, moro na Avenida Angélica, mas já morei no Copan. A cidade evoluiu depressa, ainda que sem planejamento. Não chamávamos de operário o trabalhador da construção civil – se falava “baiano”, inclusive generalizando cearenses, sergipanos, alagoanos. Quem construiu São Paulo foi esse baiano, empurrando carrinho de mão por rampas de tábuas bambas, de um andar para o outro, arriscando a própria vida. São Paulo é uma maravilha, ainda que com tantos fatores negativos. Falta transporte público adequado, é claro, entre outros problemas. Mas todos os dias a cidade dorme e acorda, os jornais são entregues na hora certa, os restaurantes servem suas refeições. O que falta não só em São Paulo, como no Brasil, é um planejamento mais panorâmico de longa data, nada a ver com este Governo. E QUAL SERIA O NORTE DO PLANEJAMENTO? Navegação fluvial. Nossos rios são pobremente navegáveis, enquanto o melhor sistema de transporte que existe, inclusive de escoamento, é o flutuante – com a devida interlocução com o transporte ferroviário e os portos oceânicos. Veja o potencial do Tietê, que deságua no Paraná e na Bacia do Prata. Um conjunto de poucas barcaças flutuantes equivale a mil caminhões. É fácil olhar a ligação do Atlântico e do Pacífico com algumas ferrovias, uma questão evidente na América e que nunca foi feita. São projetos que poderiam, de forma objetiva, estabelecer a paz na América Latina, com uma intensa comunicação fluvial internacional. Ainda estamos condenados ao Estreito de Magalhães e isso parece um tanto inadequado. Essa é a razão da nossa pobreza. Estamos sempre correndo atrás de desastres que a rigor não estão aí, com erros de planejamento. E não estamos falando de ciência de ponta. O mundo ocidental que conhecemos foi feito com navegação – do Nilo, do Ruhr, do Reno, do Danúbio. MUITO ALÉM DA ESCOLA PAULISTA, ALGUNS ESCRITÓRIOS PARECEM SEGUIR OS TRILHOS DE PAULO MENDES DA ROCHA, COMO OS PREMIADOS ARQUITETOS DO METRO… São apenas gentis comigo, ex-alunos queridos. E mandem eles tomarem cuidado com isso (risos). Mas acredito que todos têm seu brilho, seu raciocínio próprio. O SENHOR APOSTA NA NOVA GERAÇÃO DE CRIADORES? Mas é claro! Em princípio, o mundo depende deles. A esperança das cidades nos dias que virão está neles. Temos excelentes escritórios no Brasil, mas os de São Paulo, especificamente, são muito bons. Não citaria nenhum porque não sou juiz de coisa alguma, mas elogio muitos deles. O elogio pode destruir o tolo, mas serve de alerta para quem tem os miolos no lugar. O elogio puro e simples não tem valor nenhum, mas a crítica e o elogio oportunos são indispensáveis para qualquer trabalho. Nem que seja para você discordar e replicar.
O SENHOR TEM MEDO DE AVIÃO? Não é algo confortável. Essa coisa de aeroporto não é nada agradável, essas filas, mostrar um livrinho com sua fotografia para entrar e sair do país… acho uma coisa tão tola! Claro que se deve desfrutar ao máximo essa maravilha, sei que faço um mau papel, podem dizer “nossa, como esse camarada é caipira”, até considerando toda a engenhosidade e a tecnologia da mecânica celeste... mas incentivo quem gosta. SUA POLTRONA PAULISTANO, DESENHADA EM 1956, CONTINUA MODERNÍSSIMA ATÉ HOJE E ESTÁ NA COLEÇÃO DO MOMA COMO ÍCONE DO DESIGN MUNDIAL. COMO PENSOU NESSA PEÇA? Foi uma encomenda. Um camarada de uma loja de decorações na Rua Augusta foi convidado para uma concorrência no Clube Paulistano. O cidadão pediu para eu desenhar uma peça especial para a área coberta, junto à piscina. Nunca tinha pensado naquilo e imaginei o movimento das redes indígenas – o mobiliário rebuscado em excesso sempre me causou estranheza, embora seja admirador de algumas peças, como as madeiras envergadas da Thonet. Comecei a pensar em algo diferente, e durante uma conversa num bar, um amigo, Rubem Tibiriçá, engenheiro brilhante, comentou que a Villares estava muito entusiasmada com um novo tipo de aço-mola, com vergalhões esbeltos que poderiam ser dobrados a frio. Daí a ideia toda, com um único ponto de solda. Fiquei imaginando as redes e pensei num engenho para abrigar um assento com a ancestral tapeçaria, a rede de tucum, como se fosse vestir a peça. Infelizmente, não houve entendimento com a Funai, mas a peça em couro e lona foi um êxito. E O SENHOR APROVA A NOVA VERSÃO DA PAULISTANO COM MALHA METÁLICA, QUE VEM SENDO BASTANTE EXPLORADA PELOS DECORADORES? Sim. A proposta da Paulistano é ser realmente vestida por uma peça complementar, como se fosse uma roupa. Paco Rabanne fazia vestidos de metal muito interessantes por conta do caimento que o material tinha sobre a silhueta feminina. Acho que funcionou com a cadeira. O QUE O SENHOR FAZ PARA SE DIVERTIR? Cinema, música, leitura. Mas me divirto mesmo conversando com os meus amigos. Se tiver um grupo de amigos podemos fazer tudo de novo, até fundar uma cidade, procriar. Sempre tive ótimos amigos. E o roteiro de cinema, música, leitura vem dos amigos – é sempre alguém que disse ou indicou aquilo. Também gosto de feijoada e de moqueca. Se for a capixaba, melhor ainda. COMO AUTOR DO SERRA DOURADA NA DÉCADA DE 70, O QUE PENSA SOBRE OS ALTOS INVESTIMENTOS NOS ESTÁDIOS EM FUNÇÃO DA COPA DO MUNDO NO BRASIL? Penso que bastava reformar aquilo que já existia, sem a extravagância dos novos estádios. Claro que era preciso arrumar a iluminação, por conta das transmissões de TV. E a Fifa também solicita reformas estruturais de visibilidade para as propagandas veiculadas no interior (era uma das normas com as quais tive que lidar ao construir o Serra Dourada). Questão de ajustes, apenas. E O FATÍDICO 7 X 1? Prefiro não comentar. PARA QUE TIME TORCE? Corinthians e Flamengo – embora ambos não estejam muito bem (risos). O SENHOR FARIA ALGUM COMENTÁRIO SOBRE O GOVERNO ATUAL? Deveríamos ficar mais ligados no que se vê. O que louvo como notável é a criação do Ministério das Cidades, não para exigir o Plano Diretor como utopia, mas educação, transporte público. E SOBRE NIEMEYER? Niemeyer sempre foi muito amigo, telefonava para o meu escritório até pouco antes de morrer. Generoso, gentil, gostava muito de mim. E eu dele.
o arquiteto e o mar.
O QUADRADO
EM MEADOS DO SÉCULO 19, O AUDACIOSO COMPOSITOR RICHARD WAGNER JÁ VIA O POTENCIAL DA MISTURA DE MÚSICA COM ARTES VISUAIS. RESOLVEU ENTÃO FAZER O QUE CHAMOU: GESAMTKUNSTWERK OU, EM PORTUGUÊS, UMA OBRA DE ARTE TOTAL. A IDEIA ERA UNIR FORMAS DE ARTE PARA PRODUZIR UMA ENTIDADE CRIATIVA.
por Julia Morelli No início do século 20, mais precisamente em 1911, a convite do pintor, compositor e amigo Mikhail Matyushin, Kazimir Malevich desenhou o figurino e o cenário da ópera “A Vitória sobre o Sol”. Na execução de Malevich, tudo tinha uma pegada cubofuturista, mas ao final da apresentação havia uma peça da cenografia que diferia de todo o restante: um pano de fundo branco liso, com um único quadrado preto. Talvez naquele primeiro momento Malevich ainda não soubesse a importância daquele item, mas na segunda encenação da ópera, em 1915, ele já havia compreendido. Tanto que escreveu uma carta a Matsyushin em que dizia: “Eu ficaria muito agradecido se você mesmo pusesse no lugar meu desenho de cortina para o ato em que a grande vitória é conquistada [ele se referia ao pano do quadrado negro]. Esse desenho terá grande significado para a pintura; o que foi feito de maneira inconsciente está agora gerando frutos extraordinários.” Naquele mesmo ano ele pintou o “Quadrado Negro”, e os frutos a que ele se refere na carta se tornaram uma expressão artística da qual ele é considerado mestre precursor: o Suprematismo. Nestes tempos já existiam os toca-discos, mas as capas eram um simples papel-cartão com nome da banda e do álbum. Foi então que, em 1939, o diretor de arte da Columbia Records, Alex Steinweiss, teve a ideia de colorir e desenhar as capas. Surgia uma nova plataforma de arte junto à música: as capas de discos. A escola pop foi a primeira a exibir nas capas a sua arte: Peter Blake desenhou para os Beatles a capa de “Sargent Pepper’s Lonely Heart Club Band”. A imagem, com a colagem de todas as celebridades atrás da banda, é uma obra do mundialmente conhecida e sem dúvida foi um dos motivos, junto a outras contribuições na área de design e arte, que renderam a Peter Blake o título nobre de “Sir” concedido pela Rainha da Inglaterra. Blake também é o responsável por capas de nomes como The Who, Band Aid, Eric Clapton, entre outros. Antes de se tornar o gênio do Pop, Andy Warhol _ainda na década de 50_, já assinava as capas de discos de jazz e blues como Progressive Piano, The Joe Newman Octet, Thelonius Monk, Kenny Burrel. Depois de se tornar renomado e com a Factory a todo vapor, sua relação com a música ficou ainda mais próxima. Não só assinou capas dos Rolling Stones, Liza Minelli, Diana Ross e John Lennon como dirigiu vídeos de bandas como as brit pop Curiosity Killed the Cat e The Cars. E produziu a banda Velvet Underground & Nico. A capa com a ilustração da banana é a mais conhecida de Warhol, e pode-se afirmar que está entre as mais reconhecidas no mundo. Houve também a polêmica capa de “Sticky Fingers” (1971), dos Rolling Stones. A obra de arte feita por Warhol,
Na dupla anterior o quadrado negro de Kazimir Malevich e Joy division por Peter Saville //////////////Nesta página John Wallowitch por Andy Warhol, Sonic Youth por Raymond Pettibon e New Order por Peter Saville.///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
DEVE TER FUNCIONADO, POIS FOI AO ASSISTIR A ÓPERA “LOHENGRIN”, DE WAGNER, NO TEATRO BOLSHOI, QUE UM JOVEM PROFESSOR DE DIREITO SE INFLUENCIOU _IMAGENS SE MISTURARAM EM SUA MENTE E ELE DESEJOU COLOCAR EM DESENHO A BELEZA QUE VIA NA PEÇA. NÃO MUITO TEMPO DEPOIS, ELE LARGARIA O DIREITO PARA ESTUDAR BELAS ARTES EM MUNIQUE, TORNANDO-SE UM GRANDE NOME DA ARTE ABSTRATA, PARTE DO GRUPO “O CAVALEIRO AZUL” (“DER BLAUE REITER”) E, FUTURAMENTE, PROFESSOR DA BAUHAUS. SEU NOME: WASSILY KANDINSKY.
Rammellzee vs. K-Rob por Basquiat, Durutti Column por Studio 8vo, Rolling stones por Andy Warhol////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// ////////////////////////////////////Na próxima página Duran Duran por Patrick Nagel e Business of Punishment por Barbara Kruger.
com a foto de Billy Name, mostra um corpo masculino, da cintura para baixo vestindo calça jeans apertada, e na calça havia um zíper que você podia baixar e ver o encarte _uma foto de uma cueca branca, escondendo um pênis supostamente ereto. Muitas fãs assumiram que a foto era da calça de Mick Jagger, algo que Warhol sempre negou. Além disso, os varejistas reclamaram que o zíper estragava o vinil, e ele foi então ligeiramente movido para o centro do álbum. O disco traz hits como “Wild Horses” e “Brown Sugar”, mas é possível dizer com certeza que a comunhão da música dos Stones com a obra de Warhol foi o segredo para o sucesso das vendas. O grafiteiro e neo expressionista Jean Michel Basquiat foi integrante da banda Gray junto a Michael Holman, mas o primeiro release em vinil do grupo saiu depois da sua morte, em 1988. Ele também assina um disco dos rappers Rammellzee vs. K-Rob, “Beat Bop” (1983), uma verdadeira raridade. Muitos dos grandes nomes da arte assinaram capas: Keith Haring, Roy Lichtenstein, Barbara Krueger, Julian Opie, Nobuyoshi Araki, Robert Mapplethorpe, Nick Knight, Herb Ritts, só para citar alguns. Temos também Linder Sterling, que nasceu em Liverpool, mas passou boa parte da sua vida em Manchester. Artista, performer e instrumentista, ela teve grande envolvimento na cena punk e pós-punk da Grã Bretanha. Amiga próxima de Morrissey, foi integrante da banda Ludus e fez o fanzine “The Secret Public” junto a Jon Savage. Uma de suas obras mais conhecidas é a “Orgasm Addict”, capa de disco do Buzz Cocks. Da mesma forma que temos artistas famosos que assinaram capas de disco, temos designers gráficos e ilustradores que precisaram antes galgar uma carreira, mostrando seu trabalho por meio das capas até conquistar seu reconhecimento como artistas. É o caso do ilustrador Patrick Nagel. Claro, contribuíram em sua carreira também outros meios, como revistas, mas são as capas da banda Duran Duran as obras mais reconhecidas de seu portfólio. E obviamente não poderíamos deixar de falar dele: Peter Saville, o grande nome da Factory e do The Haçienda, que ao lado de Tony Wilson fez inesquecíveis capas do New Order, Joy Division, Happy Mondays, A Certain Ratio, OMD. Das muitas histórias sobre ele, uma das mais icônicas é a capa do single “Blue Monday”, do New Order, de 1983. Baseada no disquete de 5 ¼, à época o meio tecnológico usado para gravar música eletrônica, Peter o compreendeu e o ilustrou com o mesmo significado da tecnologia que aquela faixa trazia. Não há nada escrito nela: toda a informação do disco, incluindo o título, é comunicada pela barra de cores no canto direito da capa, que pode ser decifrada na roda de cores que aparece posteriormente no verso do álbum “Power, Corruption and Lies”, lançado no mesmo ano. Devido aos cortes na capa original de “Blue Monday”, bem como a especificidade das cores, ela saiu tão cara que o single foi vendido com prejuízo de 10 centavos de libra por unidade. Quando Tony Wilson, dono da Factory Records, da qual Saville também era cofundador, soube que a capa estava saindo tão cara, disse: “Primeiro, é cara, mas é incrivelmente bela. Segundo, nós não vamos vender nada.” Produziram o disco apenas em 12” e exatamente como Peter desenhou. “Blue Monday” se tornaria o single de 12” mais vendido de todos os tempos. Sobre os vinis, a boa nova é: apesar de ocupar somente 6% do mercado de música, suas vendas aumentaram consideravelmente nos últimos dois anos. Cada vez mais, novos artistas lançam seu trabalho em vinil e discos antigos são relançados. Ouvir um disco leva você a um ritual diferente do shuffle de um iPod: o envolvimento com a música, com a ordem que o artista escolheu, com o projeto gráfico original _que muitas vezes é uma obra de arte. “Steve Jobs foi um dos pioneiros da música digital, mas quando ele ia para casa, ouvia discos de vinil”, já afirmou cantor Neil Young.
MUITO PROVAVELMENTE SUA BANDA FAVORITA OU A TRILHA SONORA DA SUA VIDA TEVE ORIGEM NA CIDADE DE MANCHESTER. A LISTA VAI LONGE E INCLUI JOY DIVISION, NEW ORDER, HAPPY MONDAYS, BUZZCOCKS, STONE ROSES E THE SMITHS, GRUPOS QUE DERAM ORIGEM A HITS COMO “LOVE WILL TEAR US APART”, “BLUE MONDAY”, “LOVE BIZARRE TRIANGLE” E “EVER FALLEN IN LOVE”, SÓ PARA CITAR ALGUNS. Por Abidiel Vicente e Julia Morelli “Em um lugar onde o pensamento criativo é parte da fibra da cidade”, como disse Trevor Johnson, e a musicalidade tem tamanha importância, fica fácil entender o porquê. Em apenas um quarteirão de Manchester, nos deparamos com lojas de discos onde o principal formato de venda de música continua sendo o vinil. Colin, o dono de uma dessas lojas, a Vinyl Revival _que funciona desde 1997, quando o The Haçienda fechou_, garante: “Aqui nunca houve uma queda considerável na venda de vinil. A loja é a forma que encontrei de me manter mais perto da música.” Na Vinyl Exchange, loja onde você vai encontrar desde os selos clássicos aos mais novos e conceituais da música eletrônica, os melhores discos não serão apresentados a você por qualquer pessoa, e sim por Russel Marland. Até hoje, Marland se recusa a tocar músicas digitais.
VINYL RECORDS
ABIDIELVICENT ERIKAPALOMINO THIAGOBATISTA.H GLÁUCIA++.MARINA ANDRÉRODRIGUES. MOHAMEDEJAROUCHE PATRICKTHOMAS SILASMARTÍ.AL ANAPINHO.PAULOAZE GUILHERMEPACOLA.CA
E.TONINHO.H73 .JULIAMORELLI HOUSSEINJAROUCHE ADIAS.LUIGITORRE .THIAGOIBITINGA E.JOTABÊMEDEIROS .MARIAMONTERO LLEXCOLONTONIO ECO.GUSTAVOCAMILO CARLADELIMARIBEIRO
Publicação: PLATAFORMA 91////////////////// Diretor: HOUSSEIN JAROUCHE////////////////// Editora: ERIKA PALOMINO//////////////////// Direção Criativa: ABIDIEL VICENTE///////// Direção de Arte: THIAGO BATISTA////////////// Editor Assistente: ANDRÉ RODRIGUES///////// Produção Executiva: JULIA MORELLI/////////// Assistente de produção: GLAUCIA ++////////// Revisão de Texto: ANA PINHO///////////////// COLABORADORES///////////////////////////// Abidiel Vicente . Alex Colontonio . Ana Pinho André Rodrigues . Carla Ribeiro de Lima Erika Palomino . Glaucia Mais Mais Guilherme Pacola . Gustavo Camilo Houssein Jarouche . Jotabê Medeiros Julia Morelli . Luigi Torres . Maria Montero Marina Dias . Mohamede Jarouche Patrick Thomas . Silas Martí . Thiago Batista Thiago Ibitinga . Toninho ./////////////////
Manipresto Edição 03 São Paulo, 03 de Agosto, 2014.
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