tecnologia agrícola
Além de ganhos de produtividade de até 12 t/ha, produtores que têm feito uso contínuo de adubo biológico em cana têm conseguido reduzir a aplicação de fertilizantes minerais e amenizar a compactação dos solos
A expansão da mecanização das operações agrícolas trouxe como uma das principais consequências a compactação dos solos, que ao longo de muitos anos e em culturas perenes como a cana-de-açúcar, tem causado sequelas como dificuldade de enraizamento, baixa eficiência dos fertilizantes, baixa resistência à seca, aumento do ataque de pragas e doenças, o que leva, consequentemente, a queda na produtividade e aumento nos custos de produção. Um trabalho realizado pela Embrapa Cerrado junto a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), mostra que a monocultura favorece a redução da variabilidade microbiana dos solos, alterando sua estrutura física e gerando a compactação mesmo em culturas onde se realiza métodos mais conservacionistas como o plantio direto. Para se ter ideia do impacto, a cada cinco anos de sistema convencional de plantio direto, perde-se 70% da biodiversidade microbiana do solo. Muitas têm sido as estratégias para corrigir os efeitos causados pela compactação, dentre elas, podemos destacar o preparo profundo de solo, a canteirização dos canaviais, o plantio em espaçamento alternado e o preparo reduzido de 16
solo. Além disso, há diversas operações voltadas para a descompactação do solo mecanicamente. Assim, os produtores que optam pelo preparo de solo convencional ou com eliminador mecânico de soqueira gastam, de acordo com dados da RPA Consultoria, pelo menos R$ 139/ha com grade e mais R$ 163/ha com subsolagem. Já nos tratos de cana soca convencional se gasta ao redor de R$ 170/ha com a operação de cultivo com a finalidade de reduzir a compactação. No entanto, gastos desnecessários com métodos para se descompactar o solo podem ser eliminados por meio da adubação biológica, uma das práticas conservacionistas que atua diretamente em uma das causas da compactação do solo, repondo a biodiversidade característica do ambiente e recuperando boa parte dos processos naturais com a reestruturação do solo. Isto é o que afirma Kauê Ferreira, coordenador técnico da Microbiol, empresa desenvolvedora da tecnologia Microgeo, uma ferramenta para a produção do adubo biológico. “A adubação biológica tem efeitos cumulativos. A produtividade da cultura tende a chegar cada vez mais perto do seu potencial produtivo à medida que o solo vai recebendo microrganismos benéficos
que reconstroem o solo, tornando-o mais vivo e reestruturado.”
REESTRUTURAÇÃO DO SOLO
Antes de tudo é preciso entender o processo de reestruturação dos solos, que se dá pela transformação da matéria orgânica em substâncias estruturais e pode ser dividida em três partes. A biológica, que refere-se à inserção de microrganismos em diversidade e volume adaptados a cada tipo de solo e ambiente. Neste processo o solo se torna mais biodiverso e ocorre a redução da pressão de pragas e doenças devido à quebra da predominância de poucas espécies. A reestruturação física que se refere ao aumento da atividade de processamento de matérias orgânicas que apresentam como função a transformação de matérias orgânicas brutas em matérias orgânicas estruturais. Neste processo ocorre o aumento da macroporosidade e redução da densidade do solo. “Os micro-organismos do solo atuam em dois ambientes, na matéria orgânica (MO) de cadeias complexas, como a lignina, que se encontra distribuída no perfil superficial do solo, e na rizosfera onde atuam em matérias orgânicas de cadeia mais simples, como os açúcares exsudados pelas
raízes. Ao longo do tempo, as matérias orgânicas estruturais reconfiguram a estrutura física do solo através da agregação, aumentando a macroporosidade e reduzindo a densidade do solo”, detalha Ferreira. Já a reestruturação química se dá em duas etapas: a direta, que ocorre pelo aumento da disponibilização de nutrientes provenientes da matéria orgânica pela imobilização e posterior mineralização, e de maneira indireta pelo aumento do volume do solo, que favorece o enraizamento das plantas e reduz a concentração dos nutrientes na solução do solo. Esta reestruturação é o que propõe a tecnologia Microgeo, um componente balanceado que alimenta os micro-organismos do conteúdo ruminal bovino em Compostagem Líquida Contínua produzindo um adubo biológico capaz de promover a recuperação do solo e otimizar insumos agrícolas e fatores de produção. Diferentemente da operação de descompactação mecânica do solo, na qual é realizada a quebra das camadas compactadas com o uso de subsoladores e grades, a reestruturação biológica é o processo de recuperação por meio de micro-organismos dos agregados do solo. “Normalmente os micro-organismos produzem ácidos orgânicos que colam os grumos do solo formando os agregados. Inicialmente, este processo ocorre superficialmente, mas, ao longo do tempo e com o uso do Microgeo, este efeito tende a atingir as áreas compactadas em um processo progressivo de reestruturação”, adiciona Ferreira. O solo reestruturado e descompactado permite que as plantas tenham um melhor
DICAS PARA PRODUZIR SEU PRÓPRIO ADUBO BIOLÓGICO Para a produção da biofábrica use PVC, fibra de vidro, metálico ou alvenaria. O tamanho do tanque não influi no custo de produção e manutenção do adubo biológico. Instale o tanque em área ensolarada, próximo ao ponto de abastecimento de água, mantendo o mesmo sempre descoberto. É importante que o tanque receba luz solar direta. Instale dentro da biofábrica um pré-filtro que terá a função de coar as partículas em suspensão. Coe o adubo biológico com uma peneira na entrada do tanque pulverizador. Instale um registro no cano de abastecimento de água da biofábrica para manter o nível do mesmo. E agite a biofábrica duas vezes por semana ou sempre que adicionar o Microgeo no mesmo.
enraizamento, havendo maior eficiência dos fertilizantes juntamente com aumento da retenção de água, aumento da CAD (Capacidade de Água Disponível) do solo e redução da pressão de doenças de solo e pragas. Ferreira elenca outros benefícios da tecnologia para o produtor de cana: - Tem ação progressiva e que se potencializa nos tratamentos sucessivos; - Tem baixo custo de aquisição, pois através da biofábrica de adubo, pode ser produzido dentro da própria unidade, o que no final apresenta baixo custo de tratamento; - Por ser biológico, não impacta na eficácia e nem na eficiência de outros produtos químicos; - E traz aumento da biomassa biológica do solo;
PRODUTIVIDADE E DESCOMPACTAÇÃO
Segundo Ferreira, amostras de canaviais de regiões do Estado de São Paulo e Minas Gerais mostraram ganhos significativos em produtividade e redução na compactação dos solos. “Na Fazenda Ibiporã, na cidade de Guararapes, SP, a aplicação do produto na variedade CTC 04 mostrou, em primeiro corte, um incremento de 24,57 t/ha. Na propriedade Estância Ocean Furlani, localizada em Pederneiras, SP, foi analisado um ganho de 10 t/ha na cana de variedade SP 801816 de terceiro corte. Na fazenda Monte Alto Estancia Vale do Sol, de Iturama, MG, os ganhos chegaram a 12,74 t/ha na variedade CTC 15 de terceiro corte. E na Fazenda Lagoa Seca, localizada em Lençóis Paulista, SP, a cana de variedade RB 867515 de segundo corte
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chegou a ter um aumento de 9,87 t/ha”, afirma Ferreira. O produtor Hamilton Rossetto, de Lençóis Paulista, SP, faz o uso da tecnologia desde 2014 e afirma ter observado aumento de 8% na produtividade dos canaviais de terceiro corte. “Aplicamos o produto em aproximadamente 3,5 mil ha durante estes dois anos, utilizando 7,5 kg /ha no plantio e nos tratos culturais da soqueira. Ainda é cedo para fazermos uma avaliação exata do potencial do produto, mas diante do que foi alcançado já estamos programando aumentar a aplicação em 2016 para 4 mil ha. Jose Tadeu Coletti, produtor da fazenda Monte Alto Estancia Vale do Sol, conta que iniciou o teste com o produto em uma pequena área de plantio ainda em 2007 e foi expandindo a tecnologia também em cana soca, acelerando ano a ano, até chegar ao manejo atual de 700 ha/ano, divididos entre 100 ha de cana planta e 600 ha de cana soca. “A proposta da adubação biológica, através o uso de Microgeo, tem sido fornecer ao solo e planta uma contribuição expressiva no sentido de se incrementar o microbioma, responsável pela maior solubilização do fósforo e pela absorção dos demais nutrientes como um todo. A aplicação repetida da tecnologia permitiu-nos uma redução de fertilizantes minerais, particularmente em soca, oscilando entre 15% e 20%, sempre em obediência a critérios técnicos e em harmonia com o potencial dos diferentes ambientes de produção. A melhor indicação dos resultados da tecnologia está na estabilidade de canaviais seguidamente tratados com o adubo biológico. Em trabalho recente, acompanhado sob agricultura de precisão, contabilizou-se um diferencial positivo favorável ao emprego da tecnologia, com a cifra de 12 t/ha em canavial de terceiro corte”, afirma o produtor. Outro benefício que, segundo ele, deve ser destacado, diz respeito a melhor estruturação dos solos tratados com Microgeo. “Foi notória a maior resistência à seca por glebas tratadas nos períodos de longa estiagem, o que também se comprovou no estudo colhido em 2015. Os níveis de compactação estiveram sempre inferiores nas áreas que receberam o adubo.” 18
As aplicações na propriedade de Coletti se harmonizam com as atividades convencionais, tais como inseticida de cobrição no plantio, o herbicida do quebra-lombo e o controle da planta daninha na cana soca. Na verdade, o veículo das caldas passa a ser o produto compostado com Microgeo, sempre na vazão de 300 l/ha. “Na cultura da cana-de-açúcar são mais que expressivos os resultados positivos na produtividade agrícola promovidos pelo uso de organominerais através do emprego dos resíduos fabris, como torta de filtro e vinhaça. Indiscutivelmente, tudo o que concorre para incrementar a atividade microbiológica do solo contribui sempre para o melhor aproveitamento dos nutrientes oferecidos à cultura. E nesta linha se situa a tecnologia Microgeo. É um novo tempo na agricultura. É preciso ser sustentável!”, enaltece Coletti.
AUTOPRODUÇÃO
Assim como outros resíduos da produção de etanol e açúcar podem ser reutilizados e transformados em fertilizantes para aplicação em cana, o adubo biológico também pode ser produzindo com resíduos animais dentro da própria usina ou fazenda. De acordo com Ferreira, para o processo de produção deste adubo, que passa por uma Compostagem Líquida Contínua em uma biofábrica, os componentes que serão necessários são: um tanque, água, filtro, esterco de ruminante/conteúdo ruminal e o Microgeo. A função do esterco de ruminantes/conteúdo ruminal é fornecer a primeira comunidade microbiana para o adubo biológico e a função do Microgeo é multiplicar os micro-organismos. “O volume de esterco/conteúdo ruminal que é adicionado na biofábrica é de 15% do volume total e o Microgeo inicial é de 5% em Kg do volume total de água. Após a montagem da biofábrica o adubo biológico fica pronto para uso após 15 dias. E sua utilização pode ser feita de duas maneiras, semanal ou diária. A aplicação semanal é feita retirando-se 70% do volume da biofábrica. É importante lembrar que após a retirada deve-se repor 2,5% de Microgeo referente ao volume retirado mais água e aguardar uma semana para poder retirar novamente. Para a utilização diária, deve-se retirar 10% do volume da biofábrica e repor 2,5% de Microgeo referente ao volume retirado mais água. Neste processo já é possível, no dia seguinte, utilizar o adubo biológico novamente”, detalha.
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