A teologia e a origem da universidade Martin N. Dreher
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Aloysio Bohnen, SJ Vice-reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ Instituto Humanitas Unisinos Diretor Inácio Neutzling, SJ Cadernos Teologia Pública Ano 1 – Nº 3 – 2004 ISSN 1807-0590
Editor Inácio Neutzling, SJ – UNISINOS
Responsável técnica Rosa Maria Serra Bavaresco Projeto gráfico e editoração eletrônica Rafael Tarcísio Forneck Revisão – Língua Portuguesa Mardilê Friedrich Fabre Revisão digital Caren Joana Sbabo
Conselho editorial Cleusa Maria Andreatta – UNISINOS Dárnis Corbellini – UNISINOS Edla Eggert – UNISINOS José Roque Junges, SJ – UNISINOS Laurício Neumann – UNISINOS Luiz Carlos Susin – PUC-RS Maria Clara Bingemer – PUC-RJ Rosa Maria Serra Bavaresco – UNISINOS Vera Regina Schmitz – UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.5908223 – Fax: 51.5908467 humanitas@unisinos.br www.ihu.unisinos.br
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Cadernos Teologia Pública A publicação dos Cadernos Teologia Pública quer ser uma contribuição para a relevância pública da teologia. A teologia como função do reino de Deus no mundo se desenvolve na esfera pública como teologia pública. Ela participa da vida pública da sociedade com a qual se compromete crítica e profeticamente, na perspectiva do reino de Deus que vem. Os desafios da vida social, política, econômica e cultural da sociedade, hoje, especialmente, a exclusão socioeconômica de imensas camadas da população, no diálogo com as diferentes
concepções de mundo e as religiões constituem o horizonte da teologia pública. Os Cadernos Teologia Pública, sob a responsabilidade do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, se inscrevem nesta perspectiva. Eles são fruto da realização do Simpósio Internacional O Lugar da Teologia na Universidade do Século XXI, ocorrido, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, de 24 a 27 de maio de 2004, celebrando a memória do nascimento de Karl Rahner, importante teólogo alemão do século XX.
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A Teologia e a Origem da Universidade1 Martin N. Dreher
A tradição judaico-cristã sempre investiu no estudo de suas escrituras em contato com o pensamento filosófico, acadêmico. Exemplos para tanto são Filão de Alexandria (20/10 a.C. – 45 d.C.), Clemente de Alexandria (ca. 150-215) e Orígenes (ca. 185-254). Clemente superou os antigos apologetas e buscou desenvolver uma teologia baseada em conhecimentos filosóficos. O lugar em que Clemente procurou superar a tensão entre filosofia e fé foi sua escola de catequese, na qual foi seu sucessor Orígenes que a transformou em Escola de Teologia. Foi essa a primeira Escola de Teologia de que se tem notícia. Foi nela que se reuniram copistas, os quais escreveram e publicaram em estreita relação com as especulações do neoplatonismo.
Em 529, Justiniano ordenou o fechamento da Academia Platônica de Atenas, que funcionou por nove séculos. No mesmo ano, porém, Bento de Núrsia fundou Monte Cassino. Temos aqui a fundação do primeiro mosteiro beneditino. No centro destes mosteiros, ficava a biblioteca, nas quais foram reunidas as obras que puderem ser salvas dos bárbaros. Foi esse também o contexto no qual Anicius Manlius Severinus Boethius, Boécio (480-524), deu início ao longo processo de tradução da Antigüidade para o mundo bárbaro, germânico. Dessa Antigüidade também fazem parte os textos patrísticos. Isso tudo faz da Idade Média um longo processo de escola, de aprendizado do antigo. Para esse processo aponta o nome dado à Teolo-
1 Oficina realizada no Simpósio Internacional O Lugar da Teologia na Universidade do Século XXI, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, RS, 25 de maio de 2004.
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gia medieval: Escolástica. Toda a Idade Média é um processo de ordenar, ensinar e aprender. Desse processo também faz parte Flavius Magnus Aurelius, Cassiodoro (490-583), secretário particular de Teodorico (493-526), que buscou criar uma escola, na qual o pensamento antigo pudesse ser preservado. Aos 50 anos, abandonou o mundo, indo viver no isolamento de um monastério no sul da Itália, por ele próprio fundado: Vivarium. Batalhou junto ao papa Agapeto para que se criasse, em Roma, uma universidade, a exemplo da que existia em Alexandria. A instabilidade política não permitiu a concretização desse ideal, mas levou-o a se concentrar em Vivarium, espaço no qual o saber do passado deveria ser preservado. Aqui, a cultura antiga penetrou na cela monástica. Para Vivarium, Cassiodoro levou sua imensa biblioteca, constituída por escritos de autores greco-romanos: poesia, filosofia, história. Com essa atitude, deu início ao costume monástico de traduzir e copiar textos clássicos, preservando-nos os textos antigos que conhecemos, inclusive aqueles nada piedosos, como as comédias de Plauto (254-184 a.C.) e de Terêncio (185-159 a.C.). Em sua obra Institutiones, nada original, colocou os aspectos elementares das disciplinas teológicas e das artes. Preservou, porém, o pensamento dos antigos e preparou futuras obras teológicas. 6
Desde 711, os árabes se estabeleceram na Península Ibérica. Com eles veio Aristóteles. Os escritos lógicos de Aristóteles haviam sido traduzidos por Boécio e eram conhecidos na Europa. Desconhecidos, porém, eram os escritos sobre a física, a metafísica, a alma, a ética a Nicômaco e a política. Essas obras tornaram-se conhecidas na Europa, em boa medida, das traduções para o árabe. A Europa medieval não conheceu Aristóteles da Grécia, mas pelos sábios sírios, persas e árabes. Aristóteles chegou à Europa mediante a imigração política. No século V, o pensamento cristão, que se havia ligado ao neoplatonismo desde Orígenes, aliou-se, expressamente, ao pensamento de Aristóteles, na pessoa de Nestório e do nestorianismo. Persa de nascimento, Nestório interpretou o evento da encarnação de Deus, dizendo que, em Cristo, se acentua o historicamente concreto e visível: a humanidade. Aqui há afinidade com Aristóteles. No centro da Teologia nestoriana e também do aristotelismo, encontra-se a cidade de Edessa, na Síria. Quando a cristologia de Nestório foi condenada como herética no Concílio de Éfeso, em 431, ela não pôde mais ser ensinada no âmbito do Império Romano. Boa parte dos nestorianos e dos aristotélicos migrou, então, de Edessa para a Pérsia, onde se instalou em Nísibis, localidade em que surgiu uma escola com mais de mil estu-
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dantes. Lá se preservou boa parte do pensamento filosófico e científico dos gregos. Além de Aristóteles, manteve-se o pensamento de Hipócrates, Galeno e Arquimedes. Os escritos desses autores foram traduzidos para o sírio, o persa e, finalmente, para o árabe, quando os maometanos se apossaram do Oriente Próximo e do reino Persa. Os sábios de Nísibis foram levados para a corte do califa de Bagdá. Em todas as áreas do domínio árabe, da Índia até os Pirineus, Aristóteles, traduzido para o árabe, se tornou conhecido. No âmbito dessa cultura, foram escritos os comentários às obras de Aristóteles, elaborados por Avicenna, nascido em 980, na Pérsia, que foi médico, filósofo e teólogo. Nessa mesma cultura, nasceu, em 1126, na cidade de Córdoba, Averroes, jurista, médico e filósofo. O século XIII considerou-o o maior intérprete de Aristóteles. Sua influência foi tão grande, que toda a filosofia do Renascimento europeu foi designada de averroísmo. Esses dois pensadores influenciaram a Filosofia e a Teologia do Ocidente mais que a do islão. A Teologia islâmica sempre se defendeu da Filosofia. Em Córdoba, também nasceu Moses Maimônides, em 1135. Além de ser devotado a Aristóteles, Maimônides era judeu convicto da fé de seu povo. Sua principal obra, o Guia dos Indecisos, escrito em árabe, foi dirigido
àquelas pessoas que, por se terem ocupado com a filosofia e a ciência, vacilavam em sua fé na revelação divina, testemunhada pela Bíblia. Segundo Maimônides, essas pessoas podiam voltar à fé por meio de uma argumentação científica e filosófica. Também ele buscava pela interpenetração de crer e saber. Quando Averroes e Maimônides nasceram em Córdoba, o norte da Península Ibérica já se encontrava novamente nas mãos de cristãos. Em Toledo, reconquistada em 1085, surgiu, no século XII, importante escola de tradutores. Lá foram traduzidas as obras de Aristóteles, bem como os comentários do aristotelismo árabe-judeu. A tradução é interessante: partiu do grego, passou pelo sírio, depois pelo persa, daí para o árabe e, finalmente, para o latim. Via Espanha, Aristóteles penetrou nas universidades da Europa, entre 1210 e 1263. Foram inúmeras as atividades letivas sobre a física, a psicologia e a metafísica. Inúmeras foram, também, as reações contra as inovações, mas a novidade penetrou no pensar cristão do Ocidente. A Escolástica atingiu seu auge. No século XI, a Europa experimentou a grande discussão relacionada com as investiduras, particularmente no embate entre Gregório VII (1073-1985) e Henrique IV (1056-1106). Após a vitória na questão das in7
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vestiduras, ocorreu uma mudança fundamental no Ocidente. Se antes o imperador cristão governava o mundo e zelava pela ordem, agora quem governa o mundo é a Igreja. Ela também era a responsável pela ordem no mundo. Não é, pois, por acaso que vamos encontrar, após a luta em torno das investiduras, os primórdios de uma ciência eclesiástica. A Igreja passou a ser responsável pela produção científica. A ordem da Igreja e sua doutrina passaram a ser objeto de estudo. Foram analisadas, ordenadas e retrabalhadas com sólida fundamentação. A Igreja não era mais uma instituição estranha. Ela representava o Ocidente. A novidade dessa situação está expressa em dois fatos: no surgimento da Ciência do Direito Canônico e no surgimento da Ciência Teológica. Direito Canônico. É quase óbvio que a Ciência do Direito Canônico tenha surgido como conseqüência da luta em torno das investiduras. Como conseqüência dela, a correlação entre Igreja e mundo estava destruída; destruído estava, também, todo o edifício jurídico que fundamentava essa correlação. Como então se estabelecera a autonomia da Igreja em relação ao mundo e em relação ao Estado, necessário se fazia para a hierarquia eclesiástica que fosse fundamentada e juridicamente acentuada essa autonomia. 8
As conseqüências de tal empreendimento, contudo, seriam tão problemáticas quanto foram as causas que levaram ao confronto entre império e sacerdócio. Antes o império dominava a Igreja, depois a Igreja dominou o sacerdócio. Para fundamentar sua primazia em relação ao mundo, a Igreja usou o mesmo instrumental que o Estado: o jurídico. Com isso, no decorrer dos anos, a Igreja se apropriou de um instrumental jurídico. Seu pensamento e sua prática passaram a ter contornos jurídicos. No final do processo, a Igreja quase não podia mais ser distinguida de um instituto jurídico. Assim, desde Gregório VII, o partido reformista, que com ele ascendera ao poder, dedicou-se ao esclarecimento e à ampliação do Direito Canônico. Nesse círculo, surgiram coletâneas dos cânones eclesiásticos, das antigas e das novas decisões dos concílios e dos papas. No século XII, porém, avançou-se além da mera coleta, quando o monge bolonhês Graciano concluiu, por volta de 140, seu Decretum com o título: Concordantia discordantium canonum (Concordância dos cânones discordantes). O título indica que o material por ele usado foram as tradições canônicas da Igreja. Ele se encontrava, assim, dentro de uma tradição de toda a Idade Média: a tradição era a base de todo o trabalho intelectual.
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Graciano, no entanto, foi além da mera reprodução da Tradição. Ele partiu das necessidades da Igreja de seus dias. Com seu trabalho, quis colocar-se a serviço da libertas ecclesiae, da liberdade da Igreja. Por isso, Graciano não só coletou e ordenou os cânones, mas passou também a comentá-los. Explicitou sua intenção no título da obra, seguindo o método da Teologia Escolástica e das Ciências Jurídicas Romanas, procurou ajustar as contradições existentes no material coletado e tirar conseqüências das antigas proposições para questões que emergiam em seus dias. Assim, a obra de Graciano adquiriu duplo significado. Passou a ser livro de ensino e compêndio de consulta. Posteriormente, veio a ser escrito canônico, passando a ser parte central e principal do direito eclesiástico católico-romano, do Corpus Iuris Canonici. A seleção feita por Graciano foi fundamental para o futuro. A escola dos ditos “decretistas”, os continuadores da obra de Graciano, passou a comentar e a glosar o Decretum Gratiani. Dessa atividade, surgiu a ciência do Direito Eclesiástico, também designada de canonística. Toda a história subseqüente da Igreja na Idade Média foi acompanhada por essa ciência que também determinou futuras decisões da Igreja. Não podemos entender as polêmicas dos reformadores protestantes do século XVI, se não levarmos em conta a atividade dos canonistas.
Nova Ciência Teológica. Também a Teologia foi influenciada pelos acontecimentos ligados à discussão em torno das investiduras. No entanto, não foram os conteúdos da Teologia que foram atingidos. A principal alteração na Teologia está ligada à criação de um novo método‚ denominado de método escolástico. Os teólogos que aplicaram tal método à Teologia são designados de teólogos escolásticos. O nome não foi criado naquele período. Ele é anterior. Já nos dias de Carlos Magno, ele era usado para designar os professores das ciências nas escolas superiores. Na Alta Idade Média, e depois, o conceito ganhou, porém, um outro significado. Ele pode ser comparado à expressão que usamos, quando dizemos “fazer escola”. E, realmente, o característico desse ensino era que gerações inteiras ficavam presas à opinião de um único mestre. Na Idade Média Tardia, o método escolástico determinou todo o ensino teológico, todo o ensino da ciência. Em sua obra, Die Geschichte der scholastischen Methode, Martin Grabmann descreve, da seguinte maneira, o significado do método escolástico para a Teologia: O método escolástico pretende obter, através da aplicação da razão, da Filosofia, às verdades da revelação, a visão mais próxima do conteúdo da fé. Desta maneira quer aproximar a verdade sobrenatural do espírito hu-
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mano pensante, possibilitar uma exposição geral sistemática, orgânica e resumida da verdade salvífica e resolver as ressalvas levantadas, desde o ponto de vista da razão, contra o conteúdo da revelação.
A Teologia foi ponto de partida para as inovações da Alta Idade Média em relação aos conteúdos da fé, legados pela Tradição. Conteúdos da fé eram a Bíblia, as decisões teológicas e os ensinamentos da Igreja Antiga, dos Concílios e dos Pais da Igreja. Esses conteúdos eram tidos como intocáveis. Ao lado das autoridades enumeradas, tidas por intocáveis, surgiram, na Teologia da Alta Idade Média, os grandes filósofos da Antigüidade: Aristóteles, Platão e Boécio. Mesmo não sendo intocáveis, suas opiniões só raras vezes eram questionadas, a menos que, é evidente, estivessem em oposição total à Tradição. O tradicionalismo, assim nos parece, é uma das marcas da Escolástica Teológica. Ela, no entanto, não era estática. Seu movimento era condicionado pelas perguntas e pelos interesses de cada época. Esse aspecto é que lhe dava vida e a tornava interessante. Em resumo: a Escolástica Teológica pretendia entender a doutrina cristã tradicional e torná-la compreensível para os contemporâneos. Os esforços dos escolásticos estiveram, no entanto, comprometidos em razão de determinados preconcei10
tos e de outras dificuldades. Assim, a doutrina cristã era tida como sistema acabado, santo e imutável. A função do teólogo era a de, com perspicácia e com o auxílio de meios adequados, penetrar e comprovar a lógica e a racionalidade desse sistema. Dessa maneira, a Escolástica desconhecia aquilo que designamos de pesquisa teológica. Ela não fez o esforço de nos aproximar das origens da Igreja e de transmiti-las de maneira atualizada e objetiva às novas condições e situações. Outro grande problema da Escolástica foi sua crença de que o sistema de verdades cristãs em nada discorda da verdade acessível à razão natural. A única restrição feita era a de que a verdade revelada é superior à verdade natural, representando um estágio mais elevado na hierarquia das verdades. O tradicionalismo e a crença na razão mostram que a Escolástica Teológica é filha de seu tempo, filha do mundo germânico. Quando os povos germânicos foram confrontados com a fé cristã, surgiu a convicção de que a antiga e santa verdade estava sistematicamente fechada e que incluía em si toda e qualquer outra verdade possível. Nessa convicção, está a idéia de que a Igreja tem a função de ser a grande mestra. Ora, tal concepção é fundamental justamente para a compreensão da luta em torno das investiduras e para a fundamentação da primeira cruzada. Vemos, assim, que, não por acaso, a Escolástica
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Teológica surgiu exatamente naquele período! Quando a Igreja expressou a pretensão de ter a primazia também no mundo político e foi atendida (“Deus o quer!”), essa mesma pretensão foi estendida também ao âmbito intelectual. A Teologia expressou a pretensão de um domínio intelectual no mundo. Ela se alçou em mãe das ciências. Com isso, no entanto, a Teologia não apresentou novidade. Ela apenas desenvolveu e fundamentou a posição que já lhe era atribuída, sem muita reflexão, nos primórdios da Idade Média. Só que doravante essa posição passou a ser debatida. A novidade do método escolástico residia no fato de que a dialética passou a dominar na Teologia. A partir dela, a principal função do teólogo consistia em dissecar as doutrinas e os conceitos, descobrir diferenças e contradições entre as autoridades e resolvê-las. A dúvida metódica passou a ser a principal atividade do teólogo. Este princípio teria, teve e tem conseqüências até hoje, pois é o princípio gerador da atividade intelectual européia. Da Europa ela foi exportada para os demais continentes. No seu tempo, porém, sua função era buscar as relações internas das doutrinas, elaborá-las com clareza e dar-lhes uma ordem sistemática. O primeiro teólogo a valer-se, com sucesso, da dialética na Teologia foi Anselmo da Cantuária.
Anselmo da Cantuária (1033/34-1109). O nome poderia indicar um inglês. No entanto, essa hipótese é eliminada, quando se sabe que, antes de ser designado para a primeira sé episcopal inglesa, Anselmo fora, por l5 anos, prior e, posteriormente, pelo mesmo número de anos, abade do monastério de Le Bec, no vale inferior do rio Sena, podendo ser designado de beneditino francês. Mesmo assim, sua pátria não era a França, mas a Itália, mais precisamente a Savóia. Ali ele nasceu, na localidade de Aosta, filho de nobre langobardo. Segundo a biografia escrita por um de seus discípulos, Anselmo deixou a casa paterna e peregrinou para a Normandia, atraído pela abadia beneditina de Le Bec e pela fama de seu prior Lanfranco. Sob Lanfranco, o monastério de Le Bec, fundado por Heluíno, tornara-se uma das mais famosas escolas da Europa ocidental. Pouco depois da chegada de Anselmo a Le Bec, os duques normandos conquistaram a Inglaterra, ocupando todas as posições de liderança com franceses. Guilherme, o Conquistador, fez de Lanfranco arcebispo da Cantuária. Em Le Bec, Anselmo passou a ser a figura dominante. Durante os 15 anos de seu priorado, ingressaram 120 monges no monastério. Quando se despediu de Le Bec, já sexagenário, Anselmo disse que quase todos vieram ao monastério por sua causa, mas que ne11
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nhum deles se tornara monge por sua causa. Anselmo partiu para Cantuária, sucedendo a Lanfranco. A sucessão foi um ato de violência. Anselmo visitava a Inglaterra por causa de questões relativas a seu monastério, quando, contra sua vontade expressa, foi feito arcebispo. Com o uso de violência física, foi aberta a sua mão e nela colocado o báculo. Depois, ele foi carregado até a igreja, onde se cantou o Tedeum, enquanto o próprio Anselmo continuava a declarar o ato inválido. Mesmo assim, ele permaneceu na função, pois outros bispos desejavam tal sucessão. A ela seguiram l5 anos de lutas desgastantes do primaz da Inglaterra contra os reis normandos. Decorridos quatro anos desde o início de seu episcopado, ao iniciar viagem para Roma, Anselmo escreveu ao Papa: De muitos é conhecido, santo pai, que com violência e muito contra a minha vontade e apesar de meu protesto fui aprisionado para a sé episcopal na Inglaterra e ali fui mantido preso, e quanto eu mostrei às pessoas que minha índole, minha idade, minha fraqueza, meu desconhecimento em nada servem para esse ministério (...) Agora já sou bispo há quatro anos e nada alcancei. Vivi em vão, em imensa e abominável confusão da alma, de modo que dia após dia mais gostaria de morrer longe da Inglaterra do que ali viver.
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Tal lamento foi constante nos últimos anos de vida de Anselmo. Um discípulo seu escreveu: “Deus é minha testemunha: muitas vezes ouvi-o dizer que preferia tremer como menino ante a vara do mestre do que estar no ministério de primaz de toda a Inglaterra e de deter no concerto dos povos a sé arcebispal”. Inclusive quando redigiu seus tratados teológicos, suspirou, dizendo no prefácio de Cur Deus homo: “Em grande tribulação do coração – donde e porque isto sofri sabe-o Deus – principiei-o (o livro) na Inglaterra a pedido. Na Província de Cápua, como peregrino, o concluí”. Anselmo enfrentou, com grande coragem, o rei e lutou pelos direitos da Igreja, vindo a falecer em 1109, na Inglaterra, sem que o peso de seu ministério lhe fosse tomado. Tinha, então, 75 anos. Existem duas formulações, entrementes famosas, nas quais Anselmo expressou o princípio da relação de fé e razão, manifestado 500 anos antes por Boécio, mas que passaram a ter aspectos característicos do próprio Anselmo: “Fides quaerens intellectum e Credo ut intelligam”. Com a primeira formulação, que expressa a busca do crente por compreender o que crê, Anselmo resume o conteúdo do Proslogion, um de seus mais importantes escritos. A expressão, inclusive, deveria ter sido o título da obra: A Fé Buscando Apoiar-se na Razão. A segunda for-
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mulação conclui o primeiro capítulo da mesma obra: “Não busco compreender para crer, mas creio para compreender. Efetivamente creio, porque, se não cresse, não conseguiria compreender”. No prefácio do Monologion, um pequeno tratado, evidentemente na espessura, pois entre outras coisas trata com muito fôlego da Trindade (!), encontramos duas questões muito próximas uma da outra. A junção de ambas é muito característica para Anselmo: Por um lado, temos a intenção programática de não fundamentar sua argumentação nas Sagradas Escrituras, mas apenas na razão. Por outro lado, há a firme convicção de que nada há no tratado que não possa ser harmonizado com a doutrina de Agostinho. Aqui há um aspecto central da posição de Anselmo. Há dois modelos da supervalorização da razão humana: um deles apóia-se no empirismo, o outro no pensamento deduzido logicamente de princípios gerais. O segundo modelo, o do racionalismo dedutivo, foi introduzido no pensamento do cristianismo ocidental por Anselmo. As raízes desse modelo, porém, encontram-se na cosmovisão de Platão e de Agostinho. Naturalmente, Anselmo não pôde prever as conseqüências de seu princípio. Para nós que vivemos sob as conseqüências de seu modelo, surgem, logo de saída, grandes inquietações, quando lemos quais são os argu-
mentos racionais tidos por suficientes por Anselmo para comprovar as verdades cristãs. Assim, por exemplo, a redenção, propiciada por Jesus Cristo, pode ser comprovada, com base em argumentos racionais conclusivos, como necessária. Toda a argumentação é, expressamente, aistórica, partindo de um “como se”: “Como se de Cristo nada fosse conhecido” e “como se ele jamais houvesse existido”. “Sem qualquer dúvida deve ser afirmado que o Deus-homem tinha que ser nascido de uma virgem.” “É necessário que o verbo divino e o ser humano se unam em uma pessoa.” Com base nessas formulações, é compreensível que não poucos tenham chegado à conclusão de que a Escolástica era o esforço inútil de tornar as doutrinas da fé acessíveis à razão. No entanto, essa posição deve ser revista. É importante verificar que as formulações de Anselmo se voltam contra posição anterior. Até Gregório Magno, a formulação cristã tradicional a respeito da redenção diz, mais ou menos, o seguinte: desde o primeiro pecado humano, o diabo tem direito adquirido sobre toda a humanidade. Esse direito adquirido só pode prescrever caso o diabo atente incorretamente contra um ser humano totalmente sem pecado: Jesus Cristo. Em contraposição, Anselmo disse: “Caso a primeira culpa do ser humano deva ser apagada de modo que se preserve não só a dig13
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nidade do credor, mas também a do devedor, nesse caso alguém deve ‘pagar’ a culpa. Esse alguém deve ser credor e devedor ao mesmo tempo: Deus e homem.” Essa é a interpretação anselmiana, até hoje unanimemente aceita pela Teologia. A primeira interpretação nem sequer mais é exposta na Teologia atual. Talvez aqui é importante fazer um parêntese, pois pode parecer que a fé cristã se orienta em teorias cambiantes. Não é assim. O cristão crê no que foi revelado na palavra de Deus. Ele não crê na Teologia. A interpretação de Anselmo e todas as demais são Teologia. Fica a pergunta: no que devemos crer por trás de todas essas teologias? A resposta é que, nos primórdios, o ser humano sofreu uma perda como castigo por sua culpa e que, por meio do sacrifício do Deus-homem, o ser humano foi libertado da situação de culpa e de perda. Essa é a certeza cristã. Outro aspecto que não deveríamos deixar de lado em Anselmo é que sua confiança na capacidade de esclarecimento da razão tem como pressuposto expresso a fé. Basta uma olhada no Proslogion: “Não busco compreender para crer, mas creio para compreender. Efetivamente creio, porque, se não cresse, não conseguiria compreender”. Anselmo sabia expressamente a respeito do caráter misterioso da verdade da fé, quando disse em Cur Deus 14
homo: “Tudo o que um ser humano puder dizer a esse respeito [a respeito do fato de Deus haver assumido a humanidade] deve-se saber, que uma coisa tão grande tem razões mais profundas que ainda continuam a lhe ser ocultas”. É importante não esquecer que frases assim estão contidas nos escritos de Anselmo. Mesmo porque não muito distante dessa afirmação está outra, dizendo que, na argumentação posterior, só estaria requerendo certeza no sentido de “que me parece ser por enquanto [interim] assim, até que Deus mo revele de alguma forma melhor”. A frase é perigosa, pois no fundo está dizendo que a razão não capitula diante do mistério, mas apenas diante da “forma melhor revelada”, permanecendo “por enquanto” com a certeza existente. Anselmo concentrou-se na capacidade argumentativa da razão. Conceitualmente, ele sabia que a razão deve curvar-se ante o mistério, mas não sabia existencialmente da necessidade de sua capitulação. Apesar de todos esses argumentos que apontam para as dificuldades decorrentes do esforço teológico de Anselmo, devemos reconhecer que em sua pessoa fides (fé) e ratio (razão) permanecem unidas. Isso está ligado à sua piedade. Sem a pessoa de Anselmo, o esquema termina em muitos tipos de racionalismo ou em irracionalismo da fé.
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Na Idade Média, a separação de fides e ratio ainda não aconteceu, mesmo que se tenha podido, então, pressentir o que estaria por vir, como podemos ver na discussão entre Abelardo e Bernardo. O mesmo problema enfrentado na relação entre fides e ratio apareceu no “argumento anselmiano”, mais conhecido como “prova ontológica da existência de Deus” na designação de Kant, o qual, no entanto, não se refere a Anselmo, mas a Descartes. O argumento foi exposto por Anselmo no Proslogion, na época prior de Le Bec, aos 50 anos de idade. Os motivos da redação desse escrito são expostos por Anselmo no prefácio ao Proslogion. Após haver concluído o Monologion, ter-se-ia questionado, se não seria possível encontrar um único argumento que, válido em si e por si, sem nenhum outro, permitisse demonstrar que Deus existe verdadeiramente e que ele é o bem supremo, não necessitando de coisa alguma, quando, ao contrário, todos os outros seres precisam dele para existir e ser bons. Um argumento suficiente, em suma, para fornecer provas adequadas sobre aquilo que cremos acerca da substância divina. Ao dirigir com zelo e freqüência o pensamento para esse fim, às vezes, parecia-me ter alcançado o objetivo; outras, tinha a impressão que me embaciava a mente. Por fim, desanimado, procurei deixar de lado a tarefa, julgando impossível
conseguir o que buscava. Mas, por mais que me esforçasse por afugentar o propósito, porque me afastava de outras ocupações profícuas, ele voltava a mim com insistência crescente. No entanto, um dia, quando já cansado de resistir a essa perseguição inoportuna, justamente no calor do conflito dos meus pensamentos, eis que se me apresenta a idéia que já desesperara de encontrar. Acolhi-a com tanto entusiasmo quanto empenho colocara em rechaçá-la. Considerando que, se ela fosse fixada por escrito, poderia constituir um prazer para quem a lesse, assim como deu a mim uma alegria imensa quando a encontrei, redigi este opúsculo como uma pessoa que se esforçasse para elevar a sua mente até a contemplação de Deus, a fim de compreender aquilo em que se acredita.
Logo após a conclusão do livro, iniciou a discussão em torno da “descoberta” de Anselmo, com a objeção do monge Gaunilo, que leva o título agressivo e, ao mesmo tempo irônico, de Livro em favor de um insipiente, em favor e em lugar daquele insipiente “que diz em seu coração: não há Deus” (Salmo 14.1). Segundo Gaunilo, esse insipiente não se deveria julgar convencido pelo argumento de Anselmo, que respondeu a Gaunilo em novo opúsculo, com muita elegância: “como minhas palavras foram contestadas, não pelo insipiente contra o qual argumentei no meu opúsculo, e, sim, por um ho15
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mem que não é insipiente, mas um cristão católico, que toma a defesa do insipiente, será bastante para mim responder ao cristão”. A discussão entre Anselmo e Gaunilo ainda está em curso. Em 1931, Karl Barth dela participou com o escrito Fides quaerens intellectum. Qual é o argumento de Anselmo que, por si só, seria suficiente para comprovar a existência de Deus? Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior – portanto, Deus tem que existir, pois ele não seria o ser do qual não se pode pensar nada maior, caso não pudesse não existir. Resumindo: Deus tem que existir, porque a existência faz parte de seu conceito. O que faz com que essa argumentação formalmente acuradíssima seja considerada incorreta, discrepante quanto ao seu conteúdo? Para responder a essa pergunta, é necessário que se observem os passos do silogismo anselmiano. Primeiro passo: Todo ser humano, também o insipiente, quando diz “Deus” está pensando no ser supremo. O sentido desse superlativo é que não há ser maior e que não se pode imaginar ser maior. Segundo passo: O que uma pessoa pensa “está” ou “existe” em seu pensamento. Ser conhecido ou ser pensado significa: “existir” no conhecimento e no pensamento. Terceiro passo: Aquilo além do qual não se pode pensar nada maior não pode existir apenas no pensa16
mento; tem que, necessariamente, existir também na realidade objetiva. A força do argumento de Anselmo reside no fato de que realmente Deus é um ser único e incomparável. Gaunilo não levou em conta esse aspecto. O juízo “Deus existe” é incomparável. Essa incomparabilidade baseia-se no fato de que faz parte do ser de Deus existir. Tal afirmação, no entanto, não é idêntica à afirmação: “Deus existe”. Parece-me ser difícil derrubar a argumentação de Anselmo. Parece-me ser, igualmente, difícil eliminar a desconfiança de que nela haja algo fundamentalmente errado. Mais fundamental parece-me, porém, ser uma outra coisa: Anselmo não quis provar a existência de Deus. Sua exposição nada tem a ver com Filosofia ou com Teologia, enquanto ciência argumentativa. Não vejo o Proslogion como argumentação separada da fé da Igreja, como argumentação tomada de algum outro lugar que não seja do âmbito da fé. Seu argumento vem da fé e está baseado na fé. Nesse sentido, sua “prova” não é “ontológica”. Sigo aqui a proposição de Karl Barth. O Proslogion está emoldurado por uma oração, na qual Anselmo adora o que vai querer comprovar. É no contexto dessa oração que se encontra sua intenção de buscar por “argumento suficiente para fornecer provas
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adequadas sobre aquilo que cremos acerca da substância divina”. Na oração que conclui, no final do capítulo IV, a argumentação, lemos: Obrigado, meu Deus. Agradeço-te, meu Deus, por me teres permitido ver, iluminado por ti, com a luz da razão, aquilo em que, antes, acreditava pelo dom da fé que me deste. Assim, agora, encontro-me na condição em que, ainda que não quisesse crer na tua existência, seria obrigado a admitir racionalmente que tu existes.
Ciência Teológica tem que ser feita com oração, adoração e culminar na doxologia. Pedro Lombardo (1100-1160). A acuidade das colocações de Anselmo foi seguida por outros grandes teólogos do porte de Pedro Abelardo, de Bernardo de Claraval e de Hugo de São Vítor (falecido em 1141). Em meados do século XII, porém, o grande desenvolvimento da Teologia chegou a seu final. A geração dos grandes mestres foi seguida por figuras menores. Por quase cinqüenta anos, o que se fez foi reunir, em escolas, os discípulos dos grandes mestres. Nesses decênios de estagnação, começou a circular um livro que, em breve, passou a determinar o estudo da Teologia. Trata-se dos Libri quattuor Sententiarum, os Quatro Livros de Sentenças, de Pedro Lombardo.
A obra expõe a doutrina da Igreja. Quanto à sua forma, ela não se distingue de obras semelhantes daquele período. As diversas doutrinas teológicas são tratadas uma após outra. A obra de Pedro Lombardo apresenta citações de autoridades e argumentos racionais pró e contra a questão tratada, bem como a solução encontrada pelo autor e sua fundamentação. Ela veio a ser o compêndio básico do ensino teológico na Idade Média. Langobardo como Lanfranco e Anselmo, Pedro Lombardo nasceu na região de Novarra. Estudou em Bolonha. Com recomendação de Bernardo de Claraval, foi para Reims e Paris. Nesta última cidade, tornou-se mestre na escola da catedral de Paris, aos 40 anos de idade, e vinte anos mais tarde, bispo. Seu discípulo Pedro de Poitiers, durante quarenta anos professor na escola da catedral de Notre Dame e primeiro chanceler da Universidade de Paris, foi o principal propagandista da obra do mestre. A causa do sucesso do livro pode estar no fato de Pedro Lombardo não assumir nele um posicionamento. Ao ler o livro, em virtude da acusação de heresia, o Papa Inocêncio III chegou a afirmar que não conseguia encontrar nenhuma opinião nele, nem certa nem errada, pois o mesmo apenas estava relatando opiniões. De fato, trata-se de obra solidamente chata: um compêndio. 17
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Mesmo assim, passou a ser livro básico para o ensino teológico. Sua virtude está em expor opiniões, sem tomar posição, possibilitando, assim, que o leitor possa ele próprio pensar e posicionar-se. Ele reflete aquilo que sempre acontece na história da Teologia: depois de grandes descobertas teológicas, de muitos estudos, segue período em que têm que ser escritos compêndios que reúnam, por certo tempo, o essencial, antes de se partir para novas descobertas e discussões. O problema aconteceu quando, em meados do século XIII, a Teologia voltou a florescer. Então os Quatro Livros de Sentenças já tinham feito escola. Após a Bíblia, os Quatro Livros de Sentenças são a obra mais comentada de toda a história da literatura. Até o final do século XVI, foram escritos mais de 1400 comentários às Sentenças. Ao lado do livro de Graciano, a obra de Lombardo passou a ser livro-texto do estudo da Teologia. Ao lado desses dois textos, deve ser mencionada, ainda, a Glossa ordinária, uma coleção de interpretação patrística da Bíblia. Essas três obras passaram a ocupar o lugar da Tradição e determinaram o pensamento da Igreja. Conteúdo e forma do pensamento eclesial doravante deveriam ser únicos. Num primeiro momento, possibilitaram o desenvolvimento da Teologia, pois muita coisa pôde ser estudada nesses três textos. Depois, porém, levaram à sua fossilização. 18
Pedro Abelardo (1079-1142). A experiência do eros não perfaz o todo da existência de Abelardo. Na segunda fase de sua vida, ele passou pela experiência de ser acusado de heresia. A Idade Média, podemos também constatar, não foi uma unidade como normalmente se julga. A vida medieval estava eivada de profundas contradições. Nesse aspecto, o século XII, o século de Abelardo, tem profundo significado, pois anunciou algo novo que estava por surgir. A postura teológica e filosófica de Abelardo está caracterizada pelo subjetivismo, que, descrito na obra Conhece-te a ti mesmo, representa ética e moral desconhecidas ao mundo medieval. Seu aprofundamento encontra-se no texto de Sim e Não. Nessas obras e em outras, Abelardo advoga o uso da razão em questões religiosas. Estava convencido de que o uso da razão é justificado e necessário. Abelardo vibrou ao falar da razão com a mesma intensidade com a qual vibrou em relação a Heloísa durante parte de sua vida. Nesta vibração, deu à razão função que até então jamais tivera no cristianismo. Sem ter pensado essa função até suas últimas conseqüências, Abelardo pôs em discussão temática das mais controvertidas. O fato de não haver pensado a função da razão em questões de fé até suas últimas conseqüências advém do fato de ser medieval. Abelardo foi profunda-
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mente cristão e monge, desde seu ingresso no monastério. Não admitia desvios da vida monástica e era asceta. Entendia-se totalmente comprometido com Cristo. Mesmo assim, trouxe novidade ao postular o uso da razão em questões religiosas. É importante que se observe como Abelardo ampliou o método dialético, tomado da Antigüidade, mas desenvolvido com tal precisão, que, em pouco ele tempo, passou a ser denominado de Mestre da Dialética. Conseguiu introduzir a Dialética nas escolas medievais e passou a usá-la no estudo da Teologia. Usando a Dialética com maestria, alegrou-se em poder deixar seus ouvintes estupefatos. Recebeu os aplausos da juventude estudantil. Mas ele não estava apenas interessado nesses aplausos, pois estava convicto de que a Dialética seria um método mais apropriado para defender a fé cristã. A fé seria comprovada para o descrente. Como os milagres desapareceram, o crente tem que comprovar a fé por meio do método dialético. Enquanto Anselmo ensinara que precisamos crer para compreender, Abelardo ousou afirmar que precisamos compreender para crer. Para ele, a lógica vem do Logos que se fez carne na fé cristã. Partindo do Eclesiástico (19.4): “Quem confia depressa demais é leviano de coração”, defendeu sua convicção de que deve haver uma fé que brota da razão. Buscou, então, trans-
formar as verdades reveladas em verdades da razão. Abelardo não queria negar a fé cristã, mas questionar e ter o direito de questionar. Seu interesse estava voltado para a ciência e para o direito de fazer ciência, investigando. Ele procurou pela verdade, porque a verdade jamais pode ser oposta à verdade. Seu método dialético e a luta pela liberdade de investigação levaram a um profundo questionamento de autoridades. Viu como passagens da Bíblia e dos Pais da Igreja se contradizem. Com isso, buscou evidenciar que a mera autoridade é insuficiente e que, por isso, o ser humano é chamado a usar sua razão. Criou, assim, o método teológico da escolástica. Apresentou uma autoridade que afirma uma questão e contrapôs-lhe outra autoridade que nega a mesma questão. Finalmente, fez uso da própria razão para apresentar posição mediadora. Com tal postura, Abelardo minou o pensamento autoritário de tão nefastas influências sobre a humanidade. No lugar do autoritarismo, Abelardo colocou a necessidade da comprovação. O autoritarismo era para ele a negação da evidência interna da verdadeira fé. Para ele, a dúvida tem uma função necessária frente ao autoritarismo. Ele buscou a autoridade baseada na comprovação. Não há dúvidas de que Abelardo abalou, profundamente, a convicção nas autoridades com seu método 19
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dialético. Fato é que sua iniciativa foi vista como algo revolucionário, pois minou o edifício doutrinário sobre o qual repousava o poder da Igreja medieval. Pode-se deduzir com facilidade que Abelardo passou a ter inúmeros adversários. Viu-se nele o herege de cuja ortodoxia se devia duvidar. Foi acusado de pelagianismo, de renovar o arianismo na doutrina da trindade. As acusações, no entanto, tinham pouca base e fundamento, pois, na realidade, não se atacava a doutrina de Abelardo, mas seu método. O próprio Abelardo sentiu isso, como bem ilustra uma passagem de sua última carta a Heloísa: “Sou odiado pelo mundo por causa da lógica”. A abordagem dialética dos temas teológicos foi vista como tentativa de solapar a fé cristã. O método usado por Abelardo levantou dúvidas entre muitas pessoas. Entre elas havia, sem dúvida, mentes obscuras e pouco dotadas, mas não só. Fundamentais foram as questões levantadas pelo maior adversário de Abelardo: Bernardo de Claraval. O debate entre ambos é, ao lado da tragédia pessoal de Abelardo e Heloísa, a grande tragédia da fé cristã. Bernardo de Claraval (1090-1153) participou, assim como Abelardo, das profundas mudanças que aconteceram na Europa do século XII. Visto por muitos como um reacionário, na realidade ele era expressão 20
de um novo sentimento, que se desenvolveu num parto doloroso. A subjetividade uniu Bernardo a Abelardo. No entanto, em Bernardo surgiu um novo tipo de subjetividade. Sua subjetividade nada tem a ver com aquele acento do Eu que faz do ser humano a medida de todas as coisas. Em Bernardo, o sentimento da subjetividade ainda permanece emoldurado no mundo da objetividade. A peculiaridade de sua subjetividade está na experiência pessoal do Evangelho. Bernardo nasceu no seio da nobreza da Borgonha, em 1090. Cedo optou pela abstinência sexual. Afirmava que o mundo lhe oferecia muitas oportunidades e esperanças, mas “todas elas são enganosas”. Assim, por mais que apreciasse as belezas existentes na criação, via nelas também o aspecto ilusório da vida. Tal situação leva à melancolia. Sem que se tenha noção desse aspecto do engano, contido em todas as promessas que provêm do mundo, é impossível entender o jovem Bernardo. Quando Bernardo expôs sua intenção de abandonar o mundo e ingressar em um mosteiro, seus familiares buscaram dissuadi-lo, apontando para suas capacidades e potencialidades. No final da discussão, Bernardo saiu vencedor e não só foi para o mosteiro como levou consigo seus irmãos. No fato, espelha-se toda a capacidade de persuasão que era peculiar a Bernardo.
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Pouco antes da Páscoa de 1112, Bernardo bateu à porta do mosteiro de Cistér, acompanhado por trinta companheiros, que, como ele, pediam por acolhida na comunidade monástica. Enquanto toda a nobreza vocacionada à vida monástica pedia acolhida no imponente e rico mosteiro de Cluny, Bernardo e seus companheiros optaram pela humildade do pequeno mosteiro de Cistér. O fato está a apontar para um novo tipo de vida monástica, que se iniciou com Bernardo. Por outro lado, é importante observar que o monasticismo é a chave para compreender Bernardo. Além disso, há toda uma nova experiência subjetiva da vida monástica. Três anos após seu ingresso na vida monástica, Bernardo recebeu a incumbência de criar novo mosteiro, no qual ele próprio seria abade. Com seus monges foi para o vale da amargura, transformado pelos monges em vale de luz, daí Claraval (Clairvaux), pois nele antes nada existira. As privações pelas quais passaram nesse vale foram tantas que, afinal, os monges pediram a seu abade que lhes concedesse a graça de retornarem a Cistér. Bernardo não desistiu. Anos passaram até que o mosteiro de Claraval se tornasse realidade. Por causa dessa luta podem ser entendidas as palavras de Bernardo: “Confia em minha experiência. Nas florestas, encontrarás mais do
que nos livros; madeira e pedra hão de te ensinar o que não ouves de mestres”. Tais palavras podem fazer supor que Bernardo se perdia na contemplação da natureza. Deixa-nos, porém, estupefatos a notícia de que ele cavalgou um dia inteiro ao longo do lago de Genebra sem ao menos notar que o lago estava ali! São os dois lados do mesmo homem: introspecção profunda e profunda abertura para o milagre da natureza. Sua subjetividade deixava-o ver flores, animais, montanhas. Com o sinal da cruz libertava o coelho da perseguição dos cães, com sal bento buscava aliviar animais de suas doenças. E, mesmo assim, sabia dizer que seus únicos professores foram as árvores da floresta. Quem fala é o monge que se afastou da vida social dos seres humanos. Segundo Bernardo, podemos aproximar-nos mais de Deus nas florestas do que por meio das escolas que cultuam apenas o saber. Bernardo viveu, exemplarmente, o ideal ascético. Em sua juventude, levou a ascese tão a sério, que destruiu seu estômago e o paladar, a ponto de não mais sentir o sabor dos alimentos, não sabendo diferenciar entre água e azeite. Não tinha cela. Dormia sob a escada do mosteiro, onde mal conseguia ficar em pé. Seu travesseiro era um bloco de madeira enrolado em palha. Nesse ambiente e sob tais condições, viveu a pessoa à qual se 21
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deve o reavivamento religioso do século XII. A mesma postura ascética ele também exigiu de seus monges, quase todos filhos da nobreza. Exercitando-se na ascese, esses deveriam ser cavaleiros de Cristo. Com eles, Bernardo buscava uma nova ética. Claraval tornou-se centro de atração para jovens. O próprio Bernardo, porém, também pregava e conclamava a juventude a colocar-se a serviço de Cristo. Quando pais e mães se preocupavam com a sorte de seus filhos, Bernardo lhes dizia: “Não lamenteis nem choreis; pois vosso Gaufredo caminha para a alegria e não para o luto. Eu lhe sou pai, mãe, irmão e irmã. Eu vou endireitar-lhe o que está torto e aplainar o escabroso”. Quando, a caminho do mosteiro, Gaufredo disse que temia que doravante não poderia mais ser alegre, Bernardo entrou na primeira Igreja e orou pelo jovem. Pouco depois, o jovem voltou a afirmar: “doravante serei somente alegre”. O exemplo fala da autoridade que Bernardo irradiava. Bernardo também era exemplar em sua preocupação pelos monges. Quando, em certa oportunidade, um dos monges não conseguia comungar por sentir fraqueza em sua fé, Bernardo lhe ordenou: “Obedece, vai e comunga com a minha fé”. Com sua autoridade conseguiu, também, evitar que simples ladrões de beira de estrada fossem enforcados. Levava-os consigo e integrava-os na comunidade monástica. 22
Sua visão do monacato encontra-se expressa nas palavras: Aos olhos dos cidadãos do mundo parecemos estar fazendo exercícios de resistência. Fugimos de tudo o que eles desejam, ansiamos por tudo do que eles fogem; assemelhamo-nos aos saltimbancos e dançarinos que se erguem, com a cabeça para baixo, os pés para cima, de uma maneira que nada têm de humano, movimentando-se sobre as mãos, atraindo, assim, os olhos de todos sobre si.
As palavras mostram que o monacato foi para Bernardo a subversão consciente de todos os valores. Monacato nada tinha da vida normal burguesa. Era vida irracional. Era protesto contra o cristianismo nominal e coragem de ser palhaço aos olhos do mundo, como diria o apóstolo Paulo. E foi assim que o monacato de Bernardo explodiu para dentro da onda mística que perpassou o século XII. A mística monacal foi, aliás, mérito de Bernardo. Sua mística não procedia do neoplatonismo e era peculiar. Bernardo não foi filósofo da religião; mas simplesmente místico. Por causa da mística, ele conseguiu viver em meio aos rigores de seu monacato. Bernardo só pode ser entendido por causa da mística. A mística de Bernardo não foi desenvolvida em tratados. Encontra-se em seus sermões. Bernardo é um
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dos grandes pregadores da fé cristã. No centro de sua pregação está a interpretação que fez de Cantares. Toda a paixão com a qual foi composto Cantares, para o qual o amor é mais doce do que o vinho, seus excitantes convites para que se entre na alcova dos amantes, tudo isso foi o ponto de partida para a formulação da mística no mosteiro de Claraval. Sua expressão foi sensual e permaneceu sensual em séculos posteriores, caso pensarmos nas composições do Pietismo e do Reavivamento. A Bíblia foi para ele o “livro da experiência”. Ao lê-la, cada monge devia poder expressar o que ela diz a respeito dele próprio. Por isso, sua máxima era: “Creio para que experimente”. Em Bernardo, havia um profundo anseio que buscava experimentar Deus. Havia fome de experiência religiosa. E aqui temos uma novidade em relação aos séculos anteriores de fé cristã. Bernardo quis degustar o divino como experiência real e não tomar conhecimento dele apenas como doutrina abstrata. Na vida religiosa, somente contam as experiências feitas pela própria pessoa. Tudo o mais não tem valor. Bernardo conhecia a experiência mística, da qual disse que o próprio crucificado se soltara da cruz para vir abraçá-lo. E aqui ele só pôde relatar, não pôde apresentar tratado teórico. A realidade do Cristo tem que ser experimentada, ela não pode ser mero processo racional, fruto de reflexões teológicas.
Onde se dá essa experiência? Essa experiência se dá na alma, nas idas e vindas do noivo que a visita. Esse vaivém do noivo dá-lhe a certeza de que o divino nele habita. Toda descrição que faz desse processo, no entanto, é provisória. Ao responder como a palavra divina e eterna veio a ele, Bernardo afirmou: Perguntas em que reconheço sua presença? Tão logo entrou em meu interior, despertou minha alma que dormitava. Movimentou, amoleceu e feriu meu coração; pois era duro e empedernido. Foi assim que, por vezes, a palavra vinha a mim como noivo; jamais, no entanto, anunciou sua entrada por meio de quaisquer sinais, nem por palavra, nem por forma, nem por passo. Resumindo: por nenhum movimento seu ingresso se me tornou evidente, por nenhum de meus sentidos entrou em meu interior. Somente da comoção de meu coração reconhecia, como disse, sua presença divina.
Antes de Bernardo, a fé cristã jamais fizera uso de tais expressões. Elas passaram a ser sua propriedade desde Bernardo e estão até hoje integradas na história da piedade. Bernardo experimentou Jesus de uma maneira como há muito não ocorrera. A imagem de Jesus presente na piedade medieval falava de uma soberania do Filho de Deus além dos tempos e lugares, metafísica. Sua ma23
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jestade era tal que se tornava inacessível. Bernardo alterou isso e acentuou a humanidade de Jesus. Sua nova subjetividade descobriu a humildade e o esvaziamento de Jesus. Bernardo redescobriu a manjedoura, viu nela os membros frágeis da criança e ouviu seu choro fraco; redescobriu o milagre do Natal. Ele também reviveu a paixão de Cristo. Foi o primeiro a verificar, ante o crucificado, que seu manto estava sujo, seu corpo cheio de vergões azulados, cuspido, pálido na morte. Os textos de Paul Gerhardt e os oratórios de Bach têm sua origem na contemplação de Bernardo. Jesus não é mais apenas personagem histórico, mas presença viva. Bernardo colocou com tal intensidade ante os olhos da Idade Média o redentor que sofreu e morreu, que produz um novo chamado ao discipulado. “Esta é, por ora, minha mais alta filosofia: conhecer a Jesus e este como crucificado”. Ele estava convicto de que Jesus se conhece no discipulado e não por meio de longas descrições. Qual noiva, a alma se encontra com o noivo, Jesus. E também nessa imagem há novidade. Até Bernardo, a noiva fora a Igreja; agora ela é vista como a alma sedenta de Deus. O Evangelho quer ensinar a vida no discipulado. Da contemplação brota a atividade cristã. Toda sua piedade estava em oposição a uma Igreja cujo corpo via corroído pela doença. Por causa da saú24
de desse corpo, Bernardo viajou por toda a Europa. Ocupou-se com o cisma e com a existência de dois papas. Envolveu-se em questões políticas. Convocou para a participação na segunda cruzada. Atacou os que desviavam a cruzada para desmandos anti-semitas. Judeus eram para ele “imagens vivas dos sofrimentos do Senhor”. Quem atacava judeus feria a menina dos olhos de Deus. Sua piedade levou-o, no final de sua vida, a escrever Sobre a Consideração, obra dedicada a Eugênio III (1145-1153), o primeiro cisterciense a se tornar papa. Advertiu Eugênio para que seu pontificado fosse serviço e não domínio. A Igreja foi chamada a servir, e não a dominar. A função do papa é limpar o templo, e não ornamentá-lo com ostentações. Pedro não se ornamentou com pedras preciosas nem usou seda e ouro, nem era seguido por uma multidão de servidores. Um papa que for o contrário do que Pedro foi é seguidor do imperador Constantino, e não do pescador da Galiléia. Nessas palavras, encontramos o modelo de Igreja imaginado por Bernardo: a Igreja pobre e dedicada aos pobres. A Igreja medieval não seguiu suas palavras, perseguindo antes os que queriam viver conforme o Cristo pobre. Bernardo morreu em 20 de agosto de 1153, deitado sobre palha e cinzas. Lutero apreciou-o mais “do que todos os monges e padrecos sobre toda a face da terra”. Dante colocou, no
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final da Divina Comédia, a oração de Bernardo à Virgem Maria. Tomás de Aquino afirmou: “Com o vinho de sua doçura, embebedou todo o mundo”. O tipo de piedade por ele inaugurado valeu-lhe o título de “doutor melífluo”. As posições teológicas de Bernardo e de Abelardo são opostas. Enquanto Abelardo afirmava: “Sou odiado pelo mundo por causa da lógica”, Bernardo afirmava: “Arder é mais do que saber”. Bernardo atacou Abelardo por julgar que, em seu método dialético, existia perigosa tendência destruidora da fé cristã. De modo algum, agradava-lhe a vaidade da razão de Abelardo, que, aliás, tinha o dom de irritar todos com sua vaidade. Bernardo buscava Deus, como todo o místico, com o coração ardente. Seus ataques contra Abelardo não ocorreram por razões pessoais; foram decorrência de sua desconfiança em relação à ciência. O método dialético era para ele “revolver nas entranhas do sagrado”. Abelardo privava com seu método a fé cristã de seus mais profundos mistérios. Um novo Evangelho é pregado aos povos; nova fé é apresentada, posto um outro fundamento além do que está posto. De maneira imoral é falado sobre as virtudes, de maneira descrente acerca do mais sagrado, briga-se de maneira brutal contra o mistério da divina Trindade, tudo é invertido, tudo tratado contra o costume e
a tradição. O piedoso crê e não pergunta; Abelardo, contudo, em sua dúvida de Deus não quer crer o que antes não tenha rachado com sua razão.
Já antes de Bernardo, outros atacavam Abelardo com veemência incontida. Foi acossado de muitas maneiras, a ponto de considerar sua vida uma “história de calamidades”. Abelardo chegou a pensar em deixar o mundo cristão e ir ao encontro dos pagãos, para “entre os inimigos de Cristo poder viver cristãmente”. O grito angustiado de Abelardo sai da garganta dos que são acusados de heresia em regime de cristandade. Na História da Igreja, houve muitos que se decidiram ou por Bernardo ou por Abelardo. Tais preferências acabaram em tragédia, pois separaram o que deveria estar unido. Devemos posicionar-nos ao lado de Abelardo por causa de sua ousadia em realmente fazer uso de sua razão. Sem ela, a humanidade jamais teria podido sair do obscurantismo. Abelardo lançou as bases para o pensamento científico, também para a Teologia. Quando se discutem questões teológicas, deve-se ter a consciência de que se usa a razão. Sem ela, somos incapazes de argumentar. Mas devemos posicionar-nos contra Abelardo no tocante à aplicação do método dialético à religião. Ele lhe é inadequado. O racional só consegue apreender a fé cristã de maneira incompleta. No método dialético, não 25
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há espaço para o emocional, pois ele desconhece o direito à autonomia, o respeito. Abelardo jamais se perguntou, se é possível falar com falta de respeito do divino. O método com o qual nos aproximamos do religioso não é o dialético, mas o do paradoxo. Abelardo não notou que, com o mesmo método com o qual pretendia dar sustentação à fé, também poderia destruí-la. O resultado da aplicação da dialética à fé cristã é descrença, niilismo. Deus não redimiu o seu povo pela dialética, mas pelo paradoxo da cruz. Mesmo assim, Abelardo é um pioneiro da liberdade de pesquisa e de pensamento. Cem anos após a sua morte, sua maneira de pensar foi reconhecida pelo mundo teológico. As Summae dos escolásticos foram escritas seguindo o seu método. Por isso, ele deve ser considerado um dos pais da Escolástica. Sua discussão com Bernardo, porém, atingiu a substância da fé cristã e deve ser refletida. As questões levantadas por Abelardo não podem ser relegadas ao esquecimento; as posições de Bernardo não podem ser repetidas. Bernardo usou de meios irresponsáveis para fazer condenar Abelardo como herege. Ambos representam duas formas do pensar. Abelardo optou pela racional; Bernardo, pela simbólica. Essas duas formas não se coadunam. Mesmo assim, não podem ser pensadas como opostas, senão chegaremos a 26
uma esquizofrenia do humano. É necessário relacioná-las. A razão não pode ser eliminada do âmbito religioso. Quem o tentar, coloca a revelação de Deus no mundo do obscurantismo e nega a verdade. A dignidade do ser humano reside na possibilidade que ele tem de pensar. O cristão deve fazer uso dessa dádiva. Mas isso não é tudo. Depois de perguntar com radicalidade, é necessário que se persiga o simbólico com a mesma intensidade, e se o adore. Na adoração se reconhece e se crê. As universidades são corporações (é este o significado da palavra universitas) que adquirem posição monopolista a partir do século XII e têm privilégios corporativos: fórum jurídico próprio (o Reitor julga os acadêmicos), direito a veto e à migração, o monopólio de conceder graus acadêmicos. Seu “selo” é sinal de sua liberdade. Estudantes e professores têm estatutos que determinam sua organização. A mais importante repartição é a das Faculdades, que são cinco: dos Artistas, Teologia, Medicina, Direito Canônico e Direito Civil. Os estudos são longos e são poucos os estudantes que conseguem ir além da Faculdade dos Artistas. O estudo termina com a consecução do título de “Doutor”. Seis são os anos de estudos na Faculdade dos Artistas, seis anos duram os estudos de Medicina e de Direito. Oito são os anos para se
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concluir Teologia. Doutor só se é com a idade mínima de 35 anos. Nas escolas das catedrais, a Bíblia era base do ensino. Nas universidades, a Bíblia só tinha importância na Faculdade de Teologia, onde era interpretada em quatro anos. Aos poucos, os livros se tornaram o principal meio de ensino. Professores e estudantes deviam possuir compêndios com o programa de ensino: O Decretum Gratiani (Direito Canônico); Livros das Sentenças, de Pedro Lombardo e a Historia scholastica, de Pedro Comestor (Faculdade de Teologia), etc. O ensino universitário baseava-se no livro e na cultura do livro. Bolonha e Paris (1174) foram as primeiras universidades; Oxford (1214), Cambridge (1209), Pádua (1222), Nápoles (1224) Toulouse (1229), Coimbra (1288), Salamanca (1220) foram as próximas. Com as universidades, cessou a contínua migração de estudantes, mesmo que ainda houvesse transferências, cujas razões eram de ordem financeira. Os Concílios de Latrão de 1179 e 1215 estabeleceram que os professores não receberiam honorários por seu ensino. No século XIII, os professores conseguiram que fosse aceita a opinião de que não vendiam “saber”, pois esse é gratuito e dado por Deus, mas eram “trabalhadores” e, por isso, mereciam salário. Os recursos para pagar os profes-
sores universitários, que eram clérigos, eram tomados do poder público ou de benefícios da Igreja. Os professores formavam uma intelligentsia que fornecia porção considerável dos funcionários do Estado e da Igreja. Baseados em “autoridades”, professores e estudantes desenvolveram um método que passou a ser o principal instrumento de seu labor universitário: a Escolástica. O intelectual que se vale da Escolástica não é mero intérprete de textos (livros), mas um criador de problemas que exigem sua reflexão, provocam seu pensamento e o levam a posicionar-se. Seus exercícios levam ao surgimento de enciclopédias ou de summas. No programa de ensino da Faculdade dos Artistas, ao longo do século XIII, algumas obras se impuseram: as obras de Aristóteles sobre a Lógica, a Metafísica e a Ética e os livros sobre a Física. Aristóteles auxiliou o intelectual do século XIII a fazer uso da razão. É considerado o filósofo por excelência; dele vem o sistema, no qual ciência exata e penetração filosófica formam uma unidade. Devemos considerar façanha de risco o fato de a Teologia haver tentado incorporar a tremenda construção do pensamento natural aristotélico à ciência eclesiástica. Com seu empreendimento, lançou as bases para o pensamento unitário filosófico-teológico. Os principais porta-vozes dessa nova forma de Teologia foram monges francisca27
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nos e dominicanos, devendo ser destacados Tomás de Aquino, Duns Scotus e Guilherme de Ockham. Tomás de Aquino (1225-1274). Tomás de Aquino nasceu, provavelmente, em 1225, no castelo Roccasecca, entre Roma e Nápoles. Era o mais jovem dos filhos do conde Landolfo de Aquino. Aos cinco anos de idade, foi consagrado a Deus e a São Bento na abadia de Monte Cassino, sendo educado até os 14 anos no espírito beneditino. Em 1239, deixou Monte Cassino, passando a estudar na Universidade de Nápoles, fundada em 1224. Foi aí que teve os primeiros contatos com o pensamento de Aristóteles, mas também com a ordem dos dominicanos, na qual acabou ingressando, contra a vontade da família, em 1243. A ordem dominicana era linha de frente da Igreja, ocupando-se com a pregação e o ensino. Universidade e ordem dominicana moldaram Tomás de Aquino: esteve presente no mundo e, ao mesmo tempo, rompeu com ele. Entre 1245 e 1248, estudou em Paris e em Colônia. Em Colônia, foi ordenado sacerdote em 1250. Seguindo conselho de Alberto Magno, foi para Paris, onde passou a lecionar no centro de estudos dos dominicanos. Foi biblista, depois sentenciário. Dessa atividade surgiu sua primeira grande obra o Comentário às Sentenças. 28
Mestre desde 1256, Tomás foi aceito na corporação dos professores da Universidade de Paris em 1257, passando a participar das grandes discussões da época. Ao lado de atividades letivas, envolveu-se em discussões a respeito do papel das ordens mendicantes e do papel da filosofia gentílica arábico-islâmica e da interpretação de Aristóteles, feita nesse contexto. Além disso, foi conselheiro do rei Luís IX. De 1259 a 1268, Tomás lecionou na Cúria e em escolas dominicanas italianas. Nesse período, foi publicada sua segunda grande obra: a Suma contra os gentios. Trata-se de exposição do todo, daí Suma da fé cristã, preocupada em torná-la compreensível e acessível especialmente a não-cristãos. Surgiram também comentários a livros bíblicos e a textos de Aristóteles e hinos eucarísticos para a festa de Corpus Christi, introduzida em 1264. Em 1266, ele iniciou sua terceira grande obra, a Suma Teológica, na qual o pensamento teológico da Idade Média chegou a seu ápice. Voltando a Paris (1269-1272), viu-se envolto em novas discussões em torno da vida das ordens mendicantes e da interpretação de Aristóteles. Os últimos anos de sua vida foram passados em Nápoles (1272-1274), onde recebeu a incumbência de instalar uma escola dominicana. Lá surgiu sua obra ina-
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cabada, Compêndio da Teologia, um resumo da fé cristã com base na fé, na esperança e no amor, as três virtudes teológicas. Faleceu em 7 de março de 1274, a caminho do Concílio de Lyon, tendo sido sepultado em Toulouse. Tomás foi, acima de tudo, teólogo. Só foi filósofo enquanto a filosofia foi necessária para a Teologia. Não foi o primeiro teólogo a se ocupar com Aristóteles, mas o primeiro a usar abrangentemente seus escritos lógicos, metafísicos e aqueles dedicados às ciências naturais. Mediante esses escritos, Aristóteles ensinou a Alta Idade Média a ver o significado do mundo em si mesmo, ou em termos cristãos: levar o mundo a sério como criação de Deus. Nisso reside uma mudança radical, pois até então, segundo a tradição de Agostinho e de Platão, o mundo fora visto como símbolo para as coisas divinas e eternas. Nessa perspectiva, trazida pela redescoberta de Aristóteles, Tomás pôde formular toda uma nova visão da Teologia, mas se colocou em conflito com elementos do pensamento agostiniano-platônico e também do pensamento bíblico. Dentre todas as obras de Tomás de Aquino, a Suma Teológica assemelha-se a uma catedral gótica, devido à sua admirável arquitetura. Do primeiro ao último de seus quase três mil artigos, formados segundo o mes-
mo esquema, somos confrontados com enorme disciplina intelectual. Todo o tomismo deve ser entendido como teoria de dois andares. Entre esses dois andares, não há antagonismo, mas apenas uma diferença de grau ou de dignidade. Onde ela não for observada, vão aparecer desordem e desavença no pensamento e na ação. Isso vale tanto para a filosofia quanto para a política. A razão tem competência para o âmbito natural. Nele dominou Aristóteles, sempre denominado de “o Filósofo” por Tomás. Também a “Teologia natural” é questão pertinente à razão. Ela pode, por uma conclusão, das conseqüências às causas, reconhecer a existência e a unidade de Deus, bem como a imortalidade da alma. Onde, porém, termina a ciência, o saber e a fé surgem como complemento ao lado da ciência. Os mais altos artigos da Trindade e da Cristologia são reconhecidos pela Revelação, administrada pelo magistério eclesiástico do papado, nesse aspecto infalível. Tomás não admitia contradições entre o pensamento natural e a revelação. A Filosofia é a ancilla, a serva da Teologia. A mesma posição foi mantida por Tomás de Aquino na Ética e na Filosofia do Estado. A regra básica era: “A graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa”. No tocante à salvação e à justificação do pecador, vale, pois, que a graça e as boas obras tornam o ser humano justo 29
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diante de Deus. Também aqui não existiam opostos para Tomás; só harmonia. O Estado é a ordem natural da sociedade humana, correspondendo à vontade de Deus. Segundo Aristóteles, os seres humanos foram feitos para uma convivência ordenada. Por isso, o Estado tem que zelar pela virtude e por uma existência cômoda, por comodidade. No entanto, o alvo do ser humano não está na imanência. Não é o Estado, mas a Igreja que é responsável por seu destino eterno. Por isso ela está acima do Estado. Há, no entanto, paz entre ambas as instituições, quando o Estado conhecer seus limites. Aqui se evidencia a teoria dos dois andares: a relação de Estado e Igreja é a mesma relação de Razão e Revelação, de Saber e Crer, de Filosofia e Teologia, de Natural e Supranatural. Significativo é o fato de que, no esquema de Tomás de Aquino, a Igreja pode ser localizada, sem qualquer problema, na esfera do supranatural. No pensamento hierárquico de Tomás, não há a possibilidade de a Igreja ser vista como “mundo”. Ele esqueceu a crítica radical à qual foram submetidas todas as instâncias terrenas a partir da mensagem do Reino de Deus, contida no Novo Testamento e por este exercitada. O sistema dos dois andares é também um grandioso ocultamento dos verdadeiros problemas. A síntese soa 30
artificial no político e no filosófico-dogmático. Sem dúvida, Tomás de Aquino foi o maior teólogo sistemático da fé cristã. Diante de sua Teologia Sistemática, no entanto, não nos conseguimos furtar à impressão de que a solução de todas as tensões de maneira harmoniosa só é possível, porque, em todos os pontos realmente perigosos, Tomás se furtou a pensar as últimas conseqüências. O desenvolvimento posterior da Escolástica evidencia quantas foram estas últimas conseqüências das quais Tomás fugiu, mas que surgiram em virtude da síntese de fé cristã e pensamento aristotélico. Duns Scotus e Guilherme de Ockham. Falecido em 1308, o franciscano Duns Scotus foi professor em Oxford, Paris e Colônia. É talvez o mais sagaz dos teólogos escolásticos. Levando a sério a razão, descobriu os limites desta nas questões pertinentes a Deus. Aí viu que era fictícia a harmonia do sistema tomista. O ser humano não é tão intelecto quanto o queria Tomás de Aquino; ele é muito mais vontade. A fé não é uma extensão do saber, mas é um ato completamente distinto do saber. A existência de Deus não pode ser comprovada. A conceituação humana é incapaz de descrevê-la. Teologia, por isso, não é conhecimento teórico, mas prático. Deus é vontade absoluta, ilimitada. A grande diferença
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entre Duns Scotus e Tomás de Aquino pode ser verificada em duas afirmações. Tomás ensinara: “Deus quer o que é bom”. Duns Scotus inverteu a sentença, afirmando: “O que Deus quer é bom”. Quanto mais o âmbito de atuação da razão é limitado, tanto maior importância adquire a autoridade eclesiástica. A fé se torna, cada vez mais, um ato de obediência, credulidade em relação aos dogmas da Igreja, à qual não cabe o controle da razão humana. Com essa sagaz crítica a Tomás de Aquino, Duns Scotus inaugurou o declínio da Escolástica. Como afirmamos ao tratar dos inícios da Escolástica em Anselmo da Cantuária, o fundamento dela era a confiança na razão humana. Duns Scotus libertou a ciência, o saber, das doutrinas da Igreja e mostrou, com clareza, os limites do intelecto nas questões pertinentes a Deus. Com isso, ele deixou campo aberto para o desenvolvimento das ciências, mas deixou também aberto o campo para a fé. Lutou pela liberdade de Deus, o qual não pode ser submetido a controles dogmáticos. Podemos imaginar que o século XIII e, ainda mais, o século XIV foram séculos de profundas discussões entre tomistas e escotistas e, por conseqüência, entre dominicanos e franciscanos. A ordem dominicana considerou Duns Scotus um herege.
Guilherme de Ockham, outro franciscano inglês, nasceu por volta de 1300 nas proximidades de Londres. De 1330 até sua morte, por volta de 1349, viveu exilado em Munique, na Baviera. Ockham foi além de Scotus em sua desconfiança com relação à razão em questões que dizem respeito à religião. Colocou saber e fé em extrema oposição. Mais ainda que Scotus, por outro lado, acentuou a necessidade de submissão à autoridade do dogma eclesiástico. Com seu acento da extrema oposição entre fé e razão, o ocamismo, a escola que teve suas origens em Ockham, falou, inclusive, de uma “dupla verdade”: o que é verdade na Filosofia não precisa ser necessariamente verdade na Teologia, e vice-versa. Ockham torpedeou toda a teoria de Tomás de Aquino. As grandes doutrinas da Igreja - Trindade, encarnação e imortalidade da alma - não podem ser provadas com a ajuda da lógica. Não é o intelecto que tem a primazia no ser humano, mas a vontade. Para o Estado e a sociedade é decisiva a formação da vontade dos indivíduos, e não um dogma religioso. Com essa posição, Ockham atacou a base da autoridade papal: no máximo, o papado pode ter alguma utilidade; ele não é uma necessidade lógica. A única base sólida da Igreja é a Bíblia. Assim, a “via moderna” – nome dado ao ocamismo, para diferenciá-lo da “via antiga”, o tomismo – é a 31
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desintegração da Escolástica, confessando que, durante um longo período, a Teologia havia andado por desvios ao buscar ligar fé e razão. O pensamento de Ockham esteve em grande evidência, no século XVI, no pensamento do agostiniano-eremita Martim Lutero. As discussões teológicas acima relatadas fazem parte de um contexto maior, no qual estava em jogo o apogeu do poderio eclesiástico.
Referências bibliográficas DREHER, Martin N. A Igreja no Mundo Medieval. 4.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2002. GRABMANN, Martin. Die Geschichte der scholastischen Methode. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1956. 2 v. LE GOFF, Jacques. Das Hochmittelater. Frankfurt Main: Fischer, 1973. SCHMIDT, Martin Anton. Scholastik. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1969. VERGER, Jacques. Art.: Universidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru: EDUSC, 2002; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, v. 2, p. 573-588.
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