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SOCIABILIDADES CONTEMPORÂNEAS: OS JOVENS NA LAN HOUSE

Vanessa Andrade Pereira

Foi por acaso que eu entrei a primeira vez na X-play Lan House. Meu computador havia estragado e busquei um lugar onde pudesse ter acesso a Internet para olhar meus e-mails e conversar com meus amigos. Muito me incomodou o clima de gritarias e agitação dos jovens, que circulavam pelo local e usavam os computadores para jogar os games. Incomodou até o dia em que parei para observar, mais cautelosamente, o que se passava. Os jovens freqüentadores do local se encontravam ali todos os dias, nem sempre estavam jogando mas conversando, brincando, ou “matando o tempo” (como diziam), o que me fez perceber aquele espaço como um point de sociabilidade juvenil. Depois desse primeiro insight, as idas à lan serviram para observar com mais atenção o local e os transeuntes e, finalmente, escolhê-la como objeto de estudo. Este trabalho é, portanto, resultado de uma pesquisa entre jovens (com idade média de 17 anos) de camadas populares, aficionados por games de computador e freqüentadores assíduos de uma Lan House na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A intenção deste trabalho é a de compreender a rede social destes jovens, bem como o modo como se dão os arranjos entre suas interações offline (no espaço do bairro e da lan) e online (nos games e na Internet em geral, aos quais tinham acesso na casa de jogos). Embora na organização da escrita da tese eu tenha tentado privilegiar a trajetória etnográfica pela qual passei, foi indispensável apresentar, num primeiro momento, alguns dados históricos e socioculturais, a fim de contextualizar esse novo espaço na cidade. Em minha pesquisa, no primeiro capítulo, me preocupei em avaliar o surgimento dessas casas de jogos, sua organização, o público que freqüentava o local e as disposições jurídicas investidas pelos poderes públicos em relação a este novo tipo de empreendimento. A sigla LAN, refere-se a local area network, ou seja, um local onde vários computadores estão interligados. A expressão


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“casa de jogos em rede” serve como sinônimo, e é popularmente utilizada para identificar o local. Foi observado que, por ser ainda um empreendimento inovador (desde 1998 e mais conhecidas a partir de 2003), as leis de regulamentação são recentes, datam de 2006 em São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul está tramitando na Assembléia um projeto com a mesma finalidade. Mesmo em estados onde já houve o licenciamento de tais casas de jogos, há a necessidade de se aguardar para que os comerciantes adaptem seu negócio ao novo formato. Por isso, a grande dificuldade encontrada em estimar a quantidade de estabelecimentos deste tipo no país, nos estados, e mesmo na cidade de Porto Alegre. Em agosto de 2007, apenas 13 lojas estavam cadastradas na Secretaria Municipal de Indústria e Comércio como “jogos de computador em rede – lan house”. Hoje em dia, no entanto, essas lojas parecem já incorporadas à paisagem da cidade, e é interessante o fato de haver uma concentração de casas deste tipo em periferias, e localidades de baixa renda. Recente reportagem do jornal O Globo revelou que existem cerca de 150 lan houses nas 16 comunidades do Complexo da Maré (fonte). Este fato levanta discussões sobre o papel das lan houses no processo de inclusão digital nas comunidades de baixa renda (MENDES, 2007). De modo geral, as lan houses primam por um ambiente escuro, evitando a luminosidade e reflexo na tela do computador, um maquinário e acessórios de qualidade, bem como móveis confortáveis para o jogador passar horas jogando. Algumas delas vendem mercadorias para lanches rápidos, principalmente guloseimas e refrigerantes, que são produtos amplamente consumidos pelos jovens. O serviço do uso do computador é cobrado por tempo de utilização, sendo que podem ser feitas promoções para turnos integrais ou noites inteiras, os chamados “corujões”. Uma lan deve disponibilizar um número mínimo de máquinas, a fim de que os jovens possam criar times para combaterem juntos ou uns contra os outros. A idéia da lan house é justamente esta: reunir um grupo de pessoas para jogar junto, fato que a diferencia de estabelecimentos como os cibercafés, que são mais procurados para atividades individuais na Internet. Os jogos instalados nos computadores de uma lan house são dos mais variados tipos. Fazendo maior sucesso os que são jogados por múltiplos usuários. A fim de entender o desenvolvimento dos games e das tecnologias de conexão que disponibilizaram essa oportunidade de várias pessoas jogarem juntas, houve a necessidade de se retomar, de forma breve, a história do surgimento dos videogames, visando, com isso, compreender as inovações realizadas, até se chegar ao período contemporâneo e ao fenômeno dos MMORPGs (massive multiplayer


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online RPGs). Ou seja, jogos onde várias pessoas interagem desempenhando personagens em mundos de fantasia. Os MMORPGs inspiram-se nos jogos de interpretação de papéis (de tabuleiro), conhecidos como RPG (role playing games), que fizeram grande sucesso na década de 1980 nos Estados Unidos. Os mundos, personagens e aventuras presentes nas narrativas dos jogos de RPG foram transformados em games digitais ainda nos anos 1980. Com o surgimento da Internet e a interligação de computadores em todo o mundo, os implementadores dos games de RPG começaram a desenvolver plataformas interativas, nas quais um número cada vez maior de pessoas pudesse compartilhar o mesmo jogo. Os primeiros RPGs online foram os então chamados MUDs (multi-user dimension/dungeons). Eles configuraram um marco no modo de jogo multi-usuário, ao permitirem a participação de mais de quatro jogadores simultaneamente, algo impossível de se fazer com os videogames de console. Com o desenvolvimento das interfaces gráficas e tecnologias de conexão com maior velocidade de transmissão de dados, as empresas de entretenimento digital desenvolveram games com interfaces que integravam imagem, som e texto, recriando, de forma pictórica, os ambientes fantásticos, antes somente imaginados a partir das descrições textuais dos MUDs (que não utilizavam imagens). As características mais marcantes de um game considerado MMORPG são: 1. Narrativa. Todo RPG investe em uma narrativa, uma história que descreve o surgimento do mundo (pode ser medieval, futurista, fantasia etc.), dos personagens e da situação de vida momentânea.1 2. Personagens. Os personagens são geralmente divididos em categorias (classes, vocações etc.) com características especiais, cada um dotado de habilidades específicas. É comum a alguns games (Tibia, RYL e WOW, dentre outros) a seguinte classificação: personagens com poderes mágicos (magos, padres, feiticeiros), ou com poderes relacionado à natureza (druidas, elfos, xamãs), os habilidosos e ágeis (arqueiros, paladinos) e os fortes (guerreiros, cavaleiros). Essa seria, grosso modo, uma matriz elementar que pode ser complexificada em cada game de acordo com a narrativa (por exemplo, no game EverQuest são 16 classes, no World of Warcraft são nove, enquanto no Tibia, quatro).

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Jogos sem narrativa de criação do mundo não são considerados MMORPGs, tal como The Sims e o Second Life. Este último recente sucesso mundial, no qual há uma simulação do mundo real das complexas sociedades moderno-contemporâneas, no qual as pessoas devem trabalhar, adquirir bens para viver e se sociabilizarem na cidade. Não há criaturas a serem derrotadas, nem índices de habilidades bélicas a serem aumentados.


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3. Mundos Persistentes. Toda narrativa de MMORPG acontece em algum espaço, um mundo gráfico interativo (um software instalado num servidor) criado de acordo com a narrativa onde habitarão os personagens. Esse mundo é chamado de persistente porque ele continuará existindo e mudando independente do personagem a ele estar conectado ou não. 4. Itens. Os itens são os objetos que o personagem adquire no jogo; os mais comuns sendo dinheiro, armamento, objetos de magia e comida. 5. Criaturas (monstros, bichos, seres, entidades) de combate. Quando os jogadores matam as criaturas, eles aumentam sua experiência (e também melhoram suas habilidades) e, em conseqüência, upam o level (sobem de nível).2 6. NPC. Significa non player character, ou seja, um personagem que não é um jogador conectado; é um robô criado para o jogo. Os NPCs assumem diversas funções como, por exemplo, a venda de itens e o auxílio para o novato. 7. Agrupamentos de jogadores. Guildas, clãs, alianças e associações das mais diversas são incentivadas entre os players. 8. Quests. São pequenas aventuras, missões que concedem recompensas aos jogadores que as realizem com sucesso. Alguns dos MMORPG mais conhecidos são EverQuest, Ragnarök, World of Warcraft (WOW), Priston Tale, Lineage, Neverwinter Nights, RuneScape, Silkroad Online, Risk your Life (RYL), Tibia, dentre muitos outros. Dedos velozes e ágeis sobre o teclado e o mouse, olhares ávidos de um canto a outro da tela brilhosa e uma cognição afinada com os mais modernos artefatos tecnológicos, são algumas das características dos jovens estudados, atitudes próprias a um modo de proceder pautado pela familiaridade com tais artefatos digitais, uma questão geracional, sem dúvida. Os jovens aqui analisados se utilizam de uma linguagem própria, entrecortada e repleta de sinais emotivos que expressam um estilo de vida e visão de mundo singulares. O compartilhar de códigos topográficos diferenciados caracteriza um modo performático específico escolhido pelos jovens para se comunicarem entre si, como mostra um exemplo de conversa travada no MSN por um dos jovens da lan: Dado. qd tô c/vc snto meo mnd akbr, prco o xão sob meos ps m flta o ar p/resprah i só di pnsah im t prd p/1 segundo diz: oi, blz? Vicka diz: eu nao entendi o que diz aí

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O termo em inglês “up” foi totalmente apropriado e transformado em verbo pelos jovens da lan.


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Dado. qd tô c/vc snto meo mnd akbr, prco o xão sob meos ps m flta o ar p/resprah i só di pnsah im t prd p/1 segundo diz: é uma música do CPM 223 Dado. qd tô c/vc snto meo mnd akbr, prco o xão sob meos ps m flta o ar p/resprah i só di pnsah im t prd p/1 segundo diz: quando estou com você sinto meu mundo acabar, perco o chão sob meus pés, me falta o ar pra respirar e só de pensar em te perder por um segundo eu sei que isso é o fim do mundo!!! (um minuto para o fim do mundo / CPM 22) [sic] (Conversa no MSN, 11/11/2005)

Esse modo só é compreendido com uma competência lingüística que não diz respeito a estruturas gramaticais formais, sendo antes uma competência comunicativa (TURNER, 1987; GUMPERZ, 1998), que possui/constrói termos próprios elaborados a partir do (e no) contexto da interação social. Tais termos devem ser compreendidos em função do “quando” e do “como” são ditos, ao invés de “o que” se diz (BERNSTEIN, p. 128). Os jovens que compartilham esses códigos pertencem ao que escolhi denominar, neste trabalho, de grupo “hi-tech”, um tipo ideal construído a partir da observação do modo como os sujeitos utilizavam o computador, mas que para, além disso, determina uma relação cognitiva particular com todos os artefatos tecnológicos caracterizada pelo uso eficiente destes. Essa pesquisa engloba, portanto, um universo vanguardista de jovens que deleitam-se com as novas tecnologias, principalmente o computador e a Internet. Particularidades da X-Play lan house Passo a narrar a seguir meu processo de aproximação da lan e dos jovens estudados, apresentando as particularidades da loja, sua localização no bairro e o cotidiano dos meninos e meninas que circulavam pelo local. Um acontecimento marcante logo no início do trabalho de campo foi a dificuldade do dono em permanecer com o empreendimento quando colocou, para gerenciar o negócio, os filhos, que eram “de fora” da rede de relacionamento juvenil local, ou seja, eram considerados “outsiders” (ELIAS, 2000). Houve ações de repreensão por parte de meninos moradores do bairro que, através de vandalismos, exprimiram sua insatisfação com a chegada dos novos meninos que por serem “donos da lan” ocupavam um posto bastante privilegiado, afinal eles comandavam o acesso à tecnologia de ponta e acesso à Internet. A importância disso fica clara quando relembramos que se trata de jovens 3

Banda de rock formada em 1995 em Barueri, São Paulo. Lançou seu primeiro CD em 2000.


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de camadas populares que não tinham computadores em casa, ou, quando o tinham, eram de má qualidade ou com conexão à Internet considerada inadequada. O universo dos freqüentadores da lan que iam até lá pra jogar era marcadamente masculino. As meninas preferiam circular pelo local, conversar, ficar nas escadas, mas não jogar. Todas estas pessoas que partilhavam da sociabilidade da lan tinham em comum o fato de serem jovens, morarem próximos à casa de jogos e terem alguma familiaridade com a tecnologia. Porém, quando delimitei os “jogadores ativos da lan” ou “freqüentadores mais assíduos” me referia, propriamente, a um grupo que, embora possam ter suas incompatibilidades, foram observados em perfeita sintonia, “jogando (ou olhando jogar) na lan”: eles gritam; entram e saem da lan; se xingam; “folgam” (zombam); ficam “grudados” nas telas; discutem sobre os jogos incessantemente; se vestem com suas roupas largadas; usam tênis, bonés; utilizam gírias; bebem Coca-Cola e comem snacks e bolachas recheadas. Além disso, podem ficar de oito a dezesseis horas conectados sem sinais de cansaço. Sentem-se os donos da lan. Enquanto os “outros” não passam de “meros conhecidos”, os jogadores fazem da X-play uma espécie de “house” particular. O jogo funciona como elemento aglutinador do grupo. Quem compartilha o “campo de batalha” nos games estabelece um laço diferenciado. Os “freqüentadores mais assíduos” eram aqueles que permaneciam no mínimo 10 horas por semana dentro da lan (sem contar com o “corujão”), a maior parte do tempo jogando, ou olhando os outros jogarem – ou seja, dentro da lan e não nas escadas ou transitando rapidamente. Esse panorama inclui especialmente aqueles que jogam o game Tibia: Culi (17), Mentira (20), Dabota (17), SurfRoots (17), Guiga (13), Gaúcho (16), Thekiller (16), Chuck (16), Latininho-Lata (15), Seninha (12), Cyclops (16), Lalau (17), Shwasnega (17). De modo geral, as lan houses inauguram um novo espaço de lazer/sociabilidade na cidade. Na X-play, a sociabilidade juvenil dentro e fora da lan (em frente a ela) torna esse ambiente diferenciado das demais casas de jogos observadas. Mais do que um estabelecimento comercial, trata-se de um ponto de encontro de jovens, o que permite levantar questões, não somente sobre o lugar e o simbolismo dos jogos eletrônicos (games) no cotidiano destas pessoas (esfera online), mas também sobre os jovens e sua experimentação do espaço e do tempo na cidade (esfera offline). Esse novo serviço é expressão de uma época na qual a tecnologia se mostra cada vez mais presente nas atividades cotidianas dos sujeitos contemporâneos, redefinindo modos de relacionamento social (LÉVY, 1999; CASTELLS, 1999).


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Todos os jovens da pesquisa residiam nas proximidades da lan house e tinham no bairro Jardim Botânico um território amplamente demarcado e reconhecido. A Escola Estadual de Ensino Básico e Fundamental Otávio de Souza (pública), chamada de “coleginho”, era freqüentada pela maioria. Mais do que residir, os jovens apropriavam-se simbolicamente do bairro, atribuindo a cada espaço um valor e transformando alguns deles em ponto de encontro da sociabilidade juvenil, como as praças, as esquinas, o shopping e as lanchonetes. Jardim Botânico está localizado na Zona Leste de Porto Alegre, cerca de vinte minutos do centro da cidade. É caracteristicamente residencial, sendo a Avenida Barão do Amazonas seu ponto principal, no qual se concentram muitos serviços (sapateiro, restaurantes, gráficas, padarias, petshops, ferragens, lotérica, farmácias, cabeleireiros, lavanderia etc.), inclusive a X-play Lan House. A construção de um shopping de porte médio, em 1998, e da Terceira Perimetral (avenida com 12km de extensão que interliga 20 bairros de norte a sul), iniciada em 2000, tem modificado o perfil do bairro nestes últimos oito anos, impulsionando o comércio e chamando a atenção de construtoras que investem alto na edificação de prédios de apartamentos e condomínios fechados, atraindo para o bairro um público com poder aquisitivo mais elevado do que o de costume antes desse período. Há um embate constante entre o processo de modernização em curso e a permanência do tradicional nos modos de interação e de vivência das pessoas que habitam o Jardim Botânico. O bairro localiza-se entre dois bairros contrastantes: Petrópolis, considerado “zona nobre”, e o Partenon, um bairro de “camadas populares”, por assim dizer. A lan era reconhecida no bairro como um local de jovens, embora todo tipo de pessoa transitasse por ali. Tratava-se de um local onde a maior concentração era de pessoas maiores de 12 anos e menores de 25. Ela dividia espaços com os demais points (pontos de encontro) freqüentados pelos jovens, como os já mencionados: arredores das escolas, praças públicas, cancha de futebol dos blocos, shopping, entre outros. Sendo assim, a X-play ingressou num contexto territorial de controle geográfico demarcado pelos jovens moradores do bairro Jardim Botânico. A ocupação em espaços determinados e bem delimitados na cidade parece uma prática bastante usual do universo jovem. O trabalho de William Foote Whyte, “Sociedade de Esquina” (2005), apresenta a “esquina” de um bairro degradado de imigração italiana nos Estados Unidos como ponto de encontro de jovens. Embora fosse um local público, ela agregava pessoas que dela faziam uma apropriação singular, havendo uma hierarquia bastante marcada e respeitada e um apurado senso de cooperação entre os freqüentadores desse espaço.


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Embora diversos elementos – num sentido similar a de um “capital simbólico” (BOURDIEU, 2004) – estivessem em jogo na definição dos lugares ocupados pelos jovens em uma hierarquia um tanto inconstante (como beleza física, maturidade, ter dinheiro, ter facilidade de relacionamento, ser habilidoso com as palavras, nível educacional, força física, ter objetos eletrônicos, ter objetos caros como bonés, tênis de marca, colares de prata etc.), era evidente que dois requisitos se sobressaíam para se ter livre acesso à ocupação do point juvenil da lan eram a “habilidade computacional” e a “habilidade nos games”. Estes elementos eram facilmente observáveis, determinando a própria ocupação do espaço e o direito ao trânsito naquele point juvenil. Meninos que digitavam usando apenas dois dedos eram apontados e achincalhados em voz alta (chamados de “catadores de milho”), saindo constrangidos e passando a limitar-se aos degraus da lan. Os que dominavam os games eram, por sua vez, reconhecidos, pois estavam sempre mostrando suas habilidades, suas ações no computador não se limitando somente ao Orkut e ao MSN. Havia uma clara discriminação em relação a quem usava somente estes dois programas – não que houvesse preocupação com isso, mas este fato delimitava e determinava o tempo de permanência, o trânsito, as possíveis ações dentro do espaço da lan, bem como a concessão de privilégios. Os programas mais utilizados na lan eram os de comunicação interpessoal: MSN e Orkut, e os games: Counter-Strike e Tibia. O grupo de jogadores de Tibia era ainda mais coeso. Seus integrantes estudam no mesmo colégio (escola pública), curtem o mesmo som (pagode, funk, hip hop), usam as mesmas roupas e anseiam por roupas de marca e acessórios digitais (MP3, celular, câmeras fotográficas), embora poucos o tenham, de fato. O MMORPG Tíbia O game Tibia era realmente muito especial para esses jovens, de modo que organizavam seu tempo, disposição e dinheiro em função do mesmo e na manutenção de seus personagens. O Tibia é um MMORPG, alemão, criado em 1997, inspirado numa aventura medieval em que o jogador é convidado a explorar um mundo fantástico derrotando criaturas, adquirindo habilidades, itens e, neste processo, aumentando de level. Os personagens, chamados de char (do inglês character), devem escolher uma entre as quatro vocações disponíveis para jogar: guerreiro, feiticeiro, druida ou paladino. O jogo segue uma inspiração de mitologia nórdica e céltica, na qual fica visível a influência de escritores como John R.R. Tolkien e sua obra, mundialmente reconhecida: O senhor dos anéis.


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Segue uma coerência, já que esta obra foi utilizada como base para o primeiro jogo de RPG (Dungeon&Dragons), principalmente sua concepção fantástica de mundos e criaturas (lugares obscuros, objetos místicos, orcs, elfos, anões). O Tibia é um jogo gratuito, fator de extrema importância para esses jovens, pois quase todos os MMORPGs operam com taxas para acesso. É um game considerado leve, sem som, e exige poucos requisitos do sistema para instalação. É um jogo sem perspectiva, ou seja, não é tridimensional. No Tibia, não há noção de distância e profundidade dos objetos. Com todas as suas limitações, e por isso chamado de “tosco” pelos jovens, o Tibia era, ainda assim, o mais jogado e considerado com “ótima jogabilidade”, um conceito que, como apresentei, refere-se a uma sensação do jogador, sem desconsiderar as qualidades técnicas que conferem emoção ao jogo. Observando a total dedicação dos jovens ao game, me dispus a encarar tal aventura. Criei um personagem, o Tia’vi, e através dele me embrenhei nas florestas e cidadelas tibianas e também naquela rede social. A escolha desse nome deu-se em função do modo como os jovens tratavam-me dentro da lan: “velha”, “tia”, pois dentre todos que freqüentavam o local e jogavam o game eu era a pessoa de maior idade (então com 30 anos), sendo considerada assim, para os padrões deles, “velha”. Logo que comecei a jogar com Tia’vi, descobri que uma ajuda inicial era comum: meu boneco possuía armaduras, armas e dinheiro que não tinham sido mérito dele. E assim alguns indícios sobre a “proteção” do grupo começaram a aparecer. Pesquisadores dedicados a compreender a dinâmica social nos MMORPGs, Ultima Online (Eletronic Arts) e EverQuest (Sony Online Entertainment) apontam que a complementação de um personagem novo com itens, dinheiro e armamentos dos companheiros antigos é comum nestes games. A “fusão de alianças” através dessa prática de reciprocidade garante um potencial de competitividade e resistência contra as adversidades a que o jogador novo está submetido (KOLO e BAUR 2004; TOSCA, 2002; TAYLOR, 2006). Jogando Tibia, fui me aproximando mais deles. Estar jogando na lan era, sem dúvida, o requisito mais importante para aproximação e reconhecimento como par. Eles davam extrema importância para a atividade do jogo, e todas as outras tarefas cotidianas eram organizadas de modo a sobrar tempo para upar. Desse modo, descobri a existência de um controle grupal sobre cada char, havendo sempre uma suspeita a respeito das atividades “extras” que impediriam o sujeito de aperfeiçoar seu personagem. Essas atividades “extras” eram quaisquer outras que não “jogar”: ir ao colégio, fazer algum esporte, namorar, ajudar os pais, trabalhar etc. Assim, fui descobrindo que, através do desempenho do char, eu poderia descobrir as outras atividades


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às quais esses jovens se dedicavam e qual a importância a elas atribuída. Duas ações permitiram entender o quanto eu realmente estava me integrando naquele universo: o fato de jogar Tibia e a “folgação”, uma ação comum e cotidiana entre os jovens da X-play. Folgação “Folgar” era um termo que eu ouvia diariamente na lan. Trata-se de ações de deboche, gozação que fazem constantemente uns com os outros. Mas só entre o grupo e para o grupo. Ninguém folga em alguém de 40 anos que entrou na lan para ver seus e-mails. Ninguém folga no desconhecido, a não ser entre os amigos, sem que a pessoa perceba. Essas brincadeiras verbais, que primam pelo riso e distanciam-se da seriedade, davam o tom de todos os assuntos dentro da lan. Folgar não equivale a fofocar. Não tem precisamente a intenção de definir e reafirmar normas de regulamentação de comportamento (EPSTEIN, 1969, ELIAS 2000). A folgação não imputa um valor moral e não é feita “às escondidas”, e sim junto do sujeito folgado e, de preferência, diante de outros. Ela conta com e necessita desta exposição pública, de preferência nunca sendo feita entre duas pessoas. A folgação fica muito divertida, tornando-se motivo de união e permanência coletiva, quando há um grupo grande. Foram em momentos como esses que eu consegui descobrir detalhes da vida dos meninos fora da lan, e também sutilezas de seus relacionamentos na rede de amigos. Neste sentido, folgar muito se assemelha a uma relação de “jocosidade” (joking relationship) como as relatadas por Radcliffe-Brown (1973) e Mitchell (1971). Mesmo estudando relações diferenciadas, as relações tribais africanas num contexto de colonização inglesa, os dois autores pontuam que as relações de jocosidade criam uma aliança entre os clãs, tribos, ou parentes, por intermédio desse comportamento que permite manter uma estabilidade no sistema social. Ambos os estudiosos mostram o caráter público dessas relações, que exigem a participação de uma platéia que domine os códigos em jogo. Apontam também para os aspectos de união e cooperação que estas relações permitem estabelecer. É em meio aos games e folgações que começo a desvendar as características destes laços sociais juvenis. A intensidade da folgação permitia entrever o tipo de laço, já que, para executar tal ato, os jovens tinham de saber detalhes das vidas dos amigos, tais como o local onde moravam, como agiam diante de determinadas situações e também quais eram suas preferências pessoais. Neste caso, a vivência em comum e um contínuo compartilhar de biografias, fortalecidos nos feitos diários do mundo


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de Tibia, minavam a privacidade, ao mesmo tempo em que conferiam um suporte de camaradagens, configurando, assim, uma sociabilidade singular. No game Tibia, o ato de sharear é característico do consórcio necessário ao sucesso dos personagens fortes, que fornecem proteções indispensáveis para o êxito dos demais. A guerreira Finky’Skardufax, personagem de level mais elevado na lan X-play, não tinha um dono, mas vários. Ela é estudada como exemplo da disposição dos jovens em abrir mão do sentido de propriedade particular sobre o char para partilharem, junto aos amigos, os méritos e virtudes alcançados nos campos de batalha. Apelidos no game e na lan Os nomes e apelidos, usados no jogo ou nas relações entre os jovens da lan e do bairro, também conferiam especial tonalidade à sociabilidade, ajudando a esmiuçar os pertencimentos e a amplitude da rede social tecida por estas pessoas. As inspirações para escolhas dos nomes dos chars eram as mais diversas, sendo bastante comum o uso de designações relacionadas a nomes de ficção presentes em filmes, desenhos e HQ’s, o que evidencia uma forte influência do mundo da fantasia: “Crocodil Dandi”, “Goddes Voltermort”, “Nosferatu Dgallar”, “Aladim”, “Anakin Skylker”, “Nazgul Von’Terrier” e “Lord Araghon” são alguns exemplos. Dentre eles, o nome “Voltermort” certamente reporta-se a “Lord Voldemort”, um bruxo muito poderoso, personagem dos livros da saga de Harry Potter, escritos pela britânica J. K. Howling. Trata-se de uma ficção (um romance fantástico) sobre a descoberta feita por um menino londrino de um mundo de magia e bruxaria. Depois de ser lançado em livro, a história foi transformada em filme, tornando-se internacionalmente consagrada. Os livros foram publicados em sete volumes, de 1997 a 2007 (traduzidos para 63 idiomas), e o primeiro filme foi lançado em 2001 pela Warner Bros. Já “Anakin”, por sua vez, refere-se a um personagem, um “jedi” da série de George Lucas, Guerra nas estrelas (que influenciou duas gerações, já que o primeiro filme foi feito em 1977, e o último, em 2005). “Nazgul e Aragorhn” são personagens provenientes da trilogia de J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, que, como comentado, foi escrita entre 1937 e 1949, sendo transformada em trilogia cinematográfica entre 2001 e 2003. Em especial, estes três filmes constituem uma presença marcante no universo de Tibia, fornecendo nomes (parte deles) para os personagens do game. Também é comum o uso de “Lord, Sir, e Lady”, dando o tom a personagens caricatos da fantasia medieval que o Tibia suscita, como em “Lord Matknight”, “Lady Beck” ou “Sir Noxi”, por exemplo.


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Se lembrarmos que os games, em geral, instauram uma atmosfera de “competição”, pode-se entender a enorme quantidade de nomes neste universo que destacam poder, virtude, agressividade, intimidação, como, por exemplo, “Devil Maciej”, “Champion Magique Shick”, “Johnny Bravo”, “Last kriminal” ou “Yakuza Gladiator”. Algumas personalidades popularmente conhecidas tornam-se também fonte de inspiração, como “Bob-Marley of chilling”, “Coff Anan”, “Evita’pall” e “Elvis cocho agogo”, por exemplo.Referências a localidades ou culturas locais também complementavam os nomes, tais como: “Cangaceiro de aldora”, “Alex Tijucano”, “Furia do Pampa”, “Gaucho Druid”. Deuses e divindades míticas se faziam igualmente presentes, como: “Ares The Inmortal”, “Akiles of apocalipsis”, “Arthemis Orietlos”, “Zeus Phali” ou “Achilles the soldier”. Mesmo que todas essas possibilidades estivessem presentes na escolha dos nomes feitas pelos meninos da lan, para seus personagens do Tibia, havia ainda uma outra forte inspiração: a folgação. Era interessante observar que os chars não raro ostentavam os mesmos apelidos que os jovens tinham no universo da lan – os apelidos dados aos amigos, ou os principais motivos de chacota. As folgações terminavam transformando-se em personalidades vivas do game: “Cabra’maldita” (char do Culi, inspirado na folgação do Latininho relativa à história do “chupa-cabra”), “Seninha” (apelido dado a um dos meninos por ser parecido com Ayrton Senna), “Pia xoxo” (também relacionado à estatura de Seninha),4 “Gaúcho’carniceiro” (aqui é o apelido de lan, acrescido de uma intimidação), “Guiga’psicopata” (mesmo caso do anterior), “Sirchuck’muki’rana” (Sir Chuck + muquirana – vale lembrar que os meninos estavam sempre sem dinheiro), “Lie’Ramin”, “Lie’Look” (aqui, “lie” é mentira em inglês – personagem de Mentira, que diversas vezes utilizava essa partícula na construção dos seus chars), “Piquitito” (este fazia referência a uma brincadeira que todos os meninos fazem com Mentira a respeito do tamanho de seu órgão genital). Depreciativo ou não, e sucumbindo à idéia de demonstração de “poder, vigor, ou agressividade”, em prol de um vínculo de reconhecimento entre os amigos, essas folgações ganhavam vida no Tibia. É interessante lembrar que Chuck era muito folgado por ter um irmão gay, que todos chamavam de “biba”. Nestes momentos, Chuck, sempre tão espontâneo e retrucador, calava-se. Tinha, no entanto, um char no Tibia chamado “Biba Falaschi Sammet”. A jocosidade estava constantemente presente nas opções e escolhas dos nomes. Quando Culi atribuiu-se o nome “pompo-

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O termo piá é um regionalismo da região Sul do Brasil, significando criança do sexo masculino.


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so”, “Ala’basters”, Mentira criou, em seguida, “Ala’minuta”5 para folgar no amigo. “Suvaco de Cobra” (de Chuck) evidencia o tom de descontração presente na escolha dos nomes para os personagens. As identidades escolhidas para a prática individual do jogar só faziam sentido se compreendidas na agência da coletividade. Sendo assim, o nome do char representava mais do que uma forma de “distinção” pessoal, servindo, antes, como referência simbólica do grupo e para o grupo, além de demarcar as fronteiras de uma identidade coletiva e o pertencimento a ela. Ao ampliar o enfoque da adoção de nomes para além do Tibia, abordando agora os apelidos usados na lan house, em geral, e não no game em particular, o que pude observar (e que igualmente me foi relatado) é que “apelido de lan house pega”. A maioria dos apelidos era adotada voluntariamente, e Lalau me explicou o seguinte: Quando tu não conhece o cara, e ele vem na lan pra jogar, geralmente é CS, daí o cara tem que escolher um nome; esse primeiro nome escolhido é o que fica, ou tu pensa que alguém ia dar o apelido de Dark_Dragon praquele gordinho?

O nome usado na lan house e entre o grupo de pares respeita, portanto, uma “ordem simbólica da definição da pessoa” (GEERTZ, 1978, p. 234) altamente pautada na escolha pessoal da apresentação do self. Não há, na grande maioria dos casos, uma ordem superior à vontade individual, que possa sujeitar a denominação de uma pessoa. Em todos os casos, depende-se de uma aceitação pessoal do sujeito para que o apelido possa ser acionado pelos outros quando a ele se referirem. Mentira e Tosco, substantivos que podem associar certo caráter pejorativo ao sujeito assim nominado, foram voluntariamente assumidos. Tosco, em 2007, confidenciou-me que iria “trocar de apelido, pois Tosco pega mal”. Mentira, no entanto, não sentia nenhum constrangimento no uso do seu. Dentro do espaço da lan, ficou evidente que a escolha dos nomes pelo qual eram conhecidos era uma opção dos jovens. Se decidiam adotar um apelido obtido em outras instâncias sociais (escola, condomínio, praça etc.), ainda assim, tratava-se de uma escolha individual, prosseguir adotando-o ou trocá-lo, opção esta que todos respeitavam. Uma observação dos “usernames”6 escolhidos para o MSN era possível através dos computadores da X-play. Ao acessar tal 5

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Alaminuta é um prato combinado típico, oferecido como opção nos restaurantes do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma refeição que inclui ovo, salada, arroz, bife e batata frita em fartas porções, com preço popular. Username é uma palavra em inglês de uso corrente em linguagem informática, significando “nome de usuário”, também conhecido como “login name” e “nickname”. Em diversos procedimentos de informática, é exigido um “username” e senha para uso e liberação do acesso ao programa, servidor, computador, banco de dados etc. O e-mail é o exemplo mais clássico deste procedimento.


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programa, eu podia observar uma lista que fica memorizada na página de todos que haviam se conectado, escolhendo “ser lembrado”. Como usavam o micro constantemente, todos deixavam seus usernames gravados para facilitar o acesso, já que, tendo seu nome salvo, o programa solicitava apenas a senha cada vez que o usuário desejasse usar o seu MSN. Desse modo, descobri que muitos dos meninos que ficavam na porta da lan escolhiam seu nome de usuário fazendo uso de palavras e números que determinavam pertencimento ao Jardim Botânico. O número 430 (número do ônibus do JB) era o mais usado, sendo recorrente também outras alusões ao bairro pelo uso do “JB”, acrescentado em um dos apelidos de acesso, e também no uso do “bonde dos nikeiros”, do qual Leitão e outros participavam. Eis alguns destes usernames: “Kiminho430wd”, “Leitão_nike1”, “nKno_430”, “Renato_430JB”, “Guiga430”.“Culi_JB”. Estes nomes representam uma clara ligação com alguma outra esfera social (bairro, ou bonde), porém eles não são designados, respeitando sempre a “opção pessoal” na apresentação dessas ligações. Embora a maioria desses meninos não jogasse, o fato de estarem com seus nomes cadastrados mostra a dimensão de uma rede social que se entrelaça no espaço da lan. Os laços sociais daqueles que não jogavam (amigos da escada, do colégio, dos blocos) com aqueles que jogavam eram mais frouxos. Porém, o acionamento destes laços eram perfeitamente viáveis em situações que ultrapassavam o jogo, como no caso do roubo do boné, quando Seninha reclamou com Leitão que, por sua vez, buscou agir junto a outros sujeitos para resolver o problema.7 No contexto desta rede social, o apelido, muito mais do que o nome de registro, é o referencial de reconhecimento de uma pessoa, não só dentro do grupo de jovens amigos – como nos exemplos aqui manifestados –, mas também entre grupos vizinhos que, mesmo rivalizando, compartilham códigos comuns de geração, de localidade e de estilo de vida. A alcunha ganhava materialidade em situações como as “pichações”, escritos estilísticos feitos em muros, paredes de prédios, pontos de ônibus, dentre outros lugares. Pichação, os rabiscos que definem o controle do point O apelido, para além dos games, ganhava materialidade em situações como as “pichações”, escritos estilísticos feitos

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Seninha e um amigo do bairro Jardim Botânico estavam caminhando no bairro vizinho Petrópolis, quando meninos da mesma idade, que residiam no Petrópolis, pegaram/roubaram o boné do amigo de Seninha. Logo o caso virou o assunto do dia na lan house, e várias estratégias foram sendo articuladas pelos jovens mais velhos do Jardim Botânico para reaver o boné e a “honra”.


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com spray em muros, fachadas dos prédios, pontos de ônibus, e outros lugares. A pichação é geralmente tão estilizada na sua forma escrita, que cria um código muito particular, inteligível somente aos olhos dos iguais, não passando de “rabiscos incompreensíveis que enfeiam a cidade” para os não iniciados. De acordo com Pereira (2007), a sensação de sujeira e poluição visual que a pichação provoca em muitas pessoas deve-se a uma incompreensão e dificuldade de classificação de tal ato, o qual não é entendido nem como arte, nem como mensagem escrita. O autor apóia-se no trabalho da antropóloga Mary Douglas para sugerir que “elementos ambíguos, que estão fora de lugar ou que não conseguem ser encaixados nos sistemas classificatórios, são encarados como poluição, impureza, perigo” (Ibidem, p. 228). Depois que descobri como “ler” uma pichação, consegui desvendar vários grupos que executavam essa ação pelo bairro Jardim Botânico, e o mais interessante foi observar a demarcação da área a que as pichações se prestavam. Na divisa dos bairros Jardim Botânico e Petrópolis, havia uma acirrada disputa de domínio do território juvenil. Nos muros, ainda relativamente limpos, da nova avenida Perimetral que percorre os dois bairros, pude observar pichações de meninos do JB em local que geograficamente pertenceria aos PTR, o que parecia uma afronta. Do mesmo modo, observei em alguns lugares “mais abaixo” (no Jardim Botânico), símbolos e nomes ligados ao PTR (como os “freestylecreew” pichados numa porta de garagem, na avenida Barão do Amazonas). Apelido e “bonde”8 costumavam ser pichados em conjunto, representando a pessoa e seu pertencimento.9 No ato da pichação executado pelos jovens dos dois bairros, quanto mais “visibilidade” fosse agregada ao escrito – dependendo do local, tamanho da pichação, cores usadas e, principalmente, habilidade e estética da letra –, mais fama era concedida ao sujeito ligado ao apelido, ou ao “bonde”. Muitos meninos costumam tirar fotos para terem uma “recordação” do feito e mostrarem para os amigos. Esta prática também é apontada por Ferro, em um trabalho sobre o grafite em Barcelona: “os writers usam-na sempre para conservar suas peças de grafite. Estas são efêmeras e a fotografia permite conservá-las e eternizá-las” (2005, p. 390). Embora, no Brasil, as duas formas tenham estatutos diferenciados – o grafite sendo reconhecido como 8 9

Em São Paulo, tais grupos são chamados de “grifes” (PEREIRA, 2007). Em um artigo que data de mais de trinta anos, os autores Ley e Cybriwsky (1974), estudando jovens da Filadélfia (Pensilvânia, EUA), demonstram um exemplo dessa prática de demarcação geográfica por intermédio da pichação, tendo como foco de análise as inscrições de spray feitas em muros e paredes com a intenção de delimitar zonas de controle, principalmente em áreas segregadas e de disputas de gangues.


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“arte” e a pichação como “sujeira” (Pereira, 2007) –, o que ressalto, aqui, é a efemeridade de ambos, já que são feitos em espaços públicos urbanos. O prestígio pessoal (ou grupal) alcançado pelo apelido pichado e a demarcação de poder e controle territorial dão significado para aqueles marcos simbólicos pretos que podem ser observados em vários locais da cidade. Por outro lado, as pichações são consideradas pelos órgãos públicos como crime contra o “ordenamento urbano e patrimônio cultural”, conforme a Lei Federal de Crimes Ambientais n° 9605/98 art. 65, devendo, portanto, ser reprimidas.10 Não foi possível, no tempo restrito do trabalho de campo, prolongar-me neste ponto ou na busca de dados mais precisos sobre o assunto. Vale ressaltar, no entanto, que não havia um posicionamento único dos jovens com relação à pichação. Se, por um lado, pude observar que dois meninos, de fato, faziam pichações, e alguns outros os apoiavam, havia, por outro, os que abominavam o ato, mas é indiscutível que absolutamente todos eram capazes de reconhecer e “ler” os traços. A pichação, como marca de pertencimento ao local e a determinados “bondes”, é analisada por ser reveladora do alargamento da rede de contatos sociais – nem sempre acessada, porém acessível. O abandono do “coleginho” e a dedicação aos games Finalizando o trabalho, pretendo relatar um pouco da relação dos jovens com os games, o universo da escola e os projetos para o futuro. Upar um char é ta re fa que despende tem po e dinheiro. Quando não podiam contar com a complacência dos donos da lan para conseguir algumas horas de utilização gratuita do computador, tal feito era custoso para esses jovens oriundos das camadas populares. Quando tinham algum trocado, este era, invariavelmente, empenhado em tempo de jogo na lan. O significado do game e a relação com os artefatos informacionais existentes no ambiente da lan house são também avaliados, já que havia, por parte destes jovens, uma total dedicação e interesse na aprendizagem destes últimos. Outras atividades que os distanciassem deste universo digital e do apoio mútuo do grupo de companheiros – tais como a escola, o trabalho e o namoro – eram relegadas a segundo plano. Culi, Dabota e Latininho tinham abandonado o colégio. Mentira havia retornado, em 2006, para terminar o terceiro ano, cuja conclusão havia postergado, pois em 2005 prestou serviço

10 O Diário Oficial de Porto Alegre, de 25 de maio de 2006, relata o então instituído “disque-pichação”, um serviço da público que visa “coibir a ação de vândalos”, através de denúncias telefônicas feitas pela população para um número de telefone disponibilizado pela prefeitura, funcionando 24h.


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militar e considerava: “muito cansativo pegar quartel e ter que estudar de noite; não sobra tempo para nada!”. Latininho pretendia fazer supletivo, uma opção de ensino em tempo reduzido para alunos atrasados. Guiga estava com sérios problemas em mais de uma matéria, o que por fim ocasionou a repetência do sétimo ano. Embora observasse esse relativo desleixo com relação ao colégio, também observei diversas vezes alusões à importância conferida ao estudo. Os meninos costumavam comentar, por exemplo que “o cara tem que estudar”, mas na prática pareciam pouco empolgados com essa idéia. Em inusitada oportunidade que tive de conversar com a diretora do “coleginho”,11 ela comentou comigo a respeito de Mentira: “Ahhh, este dá tanto trabalho! Está sempre nos corredores e muito pouco dentro da sala de aula”. Havia, no entanto, alguns mais empenhados. Chuck, por exemplo, estudava no mesmo colégio e nunca havia repetido de ano. Gaúcho, SurfRoots, Seninha e Thekiller estavam todos no ano escolar “adequado”. Hoggart (1973) sugere que as classes trabalhadoras dariam pouca importância para ao estudo, no sentido de não terem certeza quanto ao papel deste último para uma mudança efetiva em suas vidas (uma possibilidade de ascensão social). O autor aponta certa tendência dessa classe para desconfiar do saber dos livros: “Para que é que essas coisas servem? As pessoas não são mais felizes lá porque são empregados de escritório ou professores” (ibidem, p. 102). Temos, no entanto, que fazer uma ressalva quanto à diferença das situações analisadas. Hoggart pesquisou um bairro londrino (Leeds), de trabalhadores fabris da década de 1950. Como contraponto, estou lidando com jovens de um bairro bastante central da cidade de Porto Alegre, do início do século XXI. As concepções e sentimentos quanto ao aspecto educativo modificaram-se muito durante esse intervalo de cinqüenta anos. O próprio discurso dos jovens já deixa entrever essa modificação: “sem o segundo grau [ensino médio] completo, o cara não pega nem de lixeiro”. No entanto, não posso deixar de reconhecer que o descaso de alguns daqueles jovens para com a escola era algo notável. A seguir, retomo algumas profissões dos pais destes jovens: os pais de Dabota eram serventes; tinham cinco filhos e vieram do interior do estado (Alegrete). Os pais de Seninha e de Latininho eram mecânicos de carros em oficinas; a mãe de Latininho cozinhava quentinhas para fora. O pai de Gaúcho era jardineiro do Jardim Botânico da cidade; a mãe, dona de casa. A mãe de Guiga (com quem morava, já que os pais eram separados) era manicure e a de Culi 11 Isto ocorreu na festa de escolha do Rei e da Rainha das escolas públicas de Porto Alegre, feita em uma boate muito freqüentada pelos jovens da X-play. Eu fui à festa, na qual estavam também a diretora e a vice-diretora da escola.


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(também separada) trabalhou como cabeleireira e depois na cozinha de um restaurante japonês. Haveria ainda outros exemplos, mas creio que esses já bastam para demonstrar que a renda familiar os incluiria numa condição de “classe trabalhadora brasileira”, mesmo com todos os matizes e contrapontos que este conceito possa ter. Utilizo-me dele, aqui, apenas porque permite traçar um paralelo com muitas das idéias de Hoggart, no sentido de que se tratam de trabalhadores, com baixa escolaridade, sem casa própria, com baixa renda familiar (de aproximadamente, no máximo, dois mil reais – cerca de cinco salários mínimos, em valores de abril/2007). E ao lembrar de Latininho, mostrando-se cioso com a calça nova que a mãe comprara numa loja de surfista do shopping, em três vezes, não há como desconsiderar o aspecto da aquisição de bens por meio de pequenas “prestações” a que esses trabalhadores estão acostumados, traço também indicado por Hoggart como característico dessa classe social (ibidem, p. 26). Culi enganou seus pais durante todo o ano de 2006, dizendo que ainda freqüentava a escola, quando, na verdade, tinha decidido largar o “coleginho” no último ano do ensino médio. Aliás, creio ser interessante refletirmos sobre a denominação dada pelos jovens a esta escola: “coleginho”. De fato, a Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental Otávio de Souza, o “coleginho”, não era uma escola de grandes proporções. As instalações eram modestas, com apenas dois andares, nenhum elevador e poucos espaços esportivos. Também não possuía qualquer atrativo extra-classe (cursos, palestras ou atividades esportivas), ou laboratórios de informática, nem tampouco de outros tipos. As linhas das marcações da quadra poliesportiva de cimento estavam esmaecidas. O colégio estava pichado, tanto nas paredes internas, quanto nos altos muros externos que demarcavam seus limites. As salas de aula tinham apenas o essencial, o básico comum a todas as escolas: cadeiras e o quadro negro, algumas delas possuindo ainda cortinas (velhas e riscadas, mas que, ainda assim, protegiam do sol). Fora a sensação de pequenez transmitida pela construção e visível a qualquer transeunte, observei que o “coleginho” tinha um ar simpático e aconchegante, a começar pelos portões abertos onde um segurança, bastante dado à prosa, permanecia fazendo seu controle sobre o fluxo de estudantes, mas nada muito rígido. No dia em que ali entrei para comprar os convites para a festa de escolha do Rei e da Rainha dos colégios públicos, eu estava acompanhada por Culi. Ele se mostrava preocupado diante da possibilidade de encontrar alguma professora que lhe chamasse a atenção pelo fato de não estar indo na escola. Ainda assim, sentia-se completamente familiarizado com tudo e com todos. Não houve olhares estranhos, nem foram necessárias


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maiores explicações para além do leve aceno de mão dado por Culi ao segurança, para adentrarmos nos domínios da escola. O ambiente era cercado por um ar de familiaridade (onde todos “se conheciam”), similar a todo o bairro Jardim Botânico. Sendo assim, o emprego do diminutivo na designação deste espaço parece remeter a dois sentimentos: tanto a algo próximo, familiar, íntimo, ao qual se atribui uma relação emotiva – conferida pelo uso do “inho” nas palavras de língua portuguesa no Brasil (FREYRE, 2006 [1933] p. 414; HOLANDA, 1995 [1936], p.148) – como à escassez de recursos existente na escola. Culi saía de casa todos os dias com seu caderno embaixo do braço, mas, ao invés de ir à escola, entrava na lan house. Dizia que não valia a pena terminar o colégio, que poderia fazê-lo depois do quartel (serviço militar obrigatório), até mesmo com um supletivo, afinal, faltava só um ano e “ir à aula é muuuuuito chato! Tive presença só na primeira semana; eu não agüentava mais, daí larguei”. O medo de que sua mãe ou pai descobrissem que não estava estudando era, no entanto, constante e assustador. Certa vez, Culi comentou comigo que fugiria de casa. Por isso, caso não aparecesse por uma semana, não era para nos preocuparmos. Seu plano era ficar na casa de um amigo, na Zona Norte, evitando, assim, enfrentar a ira da mãe quando esta descobrisse o feito: “Não quero nem ver... Ela vai me matar, vai tirar o meu couro!”. Embora preocupado com a reação dos pais, Culi achava que a escola podia esperar. Dabota, que também havia deixado em segundo plano os estudos, expressou algumas idéias sobre a escola, em conversa pelo MSN: Dabota diz: a maioria das coisas que ensinam, vc não vai usar... Dabota diz: soh penso em terminar a escola por causa do meu curriculo; quero arrumar um emprego bom Dabota diz: mas achu que escola brasileira naum server pra nada... Vicka diz: pq? Dabota diz: quando que aqui no Brasil que o cara vai ganhar uma bolsa de estudo pq joga bem futebol.. ou pratica algum esporte...? Dabota diz: ou porque eh bom no que faz? Vicka diz: e os professores? Dabota diz:


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Vanessa Andrade Pereira os professores ateh que são esforçados... mas as escolas não tem recursos... Vicka diz: como tu imagina uma escola bem bala? Dabota diz: uma escola que não passe uma manha inteira soh sentado -.-’ Dabota diz: que invista no que a pessoa tem de melhor Vicka diz: pq tu acha q o pessoal da lan não gostava de ir no coleginho? Dabota diz: pq eh mto chato.. eh como eu falei, passa o dia inteiro sentado, os que vão... falam a mesma coisa Vicka diz: mas não é legal aprender coisas novas? Dabota diz: algumas coisas sim, mas matemática... tem coisa que vc aprende, que nem usar na faculdade vai [sic] (Conversa no MSN, 30/12/2007).

No universo pesquisado, nunca vi um jovem que desdenhasse a escola ou a escolarização. No entanto, para alguns deles, era mais interessante conquistar uma independência financeira através da carreira militar, cujo ingresso não exige alto grau de escolaridade, vislumbrando a postergação dos estudos. Os jovens por mim estudados não se encontram em situação distinta daqueles analisados na pesquisa “Retratos da Juventude Brasileira” de Abramo e Branco (2005) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de 2006, que alude à imagem de um funil para referir-se à educação no Brasil. Ou seja, em nosso país, há uma grande quantidade de jovens com formação de ensino fundamental, mas, conforme atingimos o ensino médio e superior, os índices de conclusão vão caindo drasticamente – aí influindo diferenças socioeconômicas, étnicas e regionais. Os jovens da lan pareciam pouco motivados a empenhar-se na escola, compondo um quadro de evasão escolar bastante significativo. Talvez porque não vissem na conclusão do ensino médio uma garantia de ingresso no mundo do trabalho. De fato, Sposito (usando por base pesquisas do IBGE e do Instituto do Trabalho e Sociedade) demonstra que não há uma relação linear entre a elevação do nível de escolaridade e a obtenção de um emprego, já que as oportunidades de ocupação para os jovens continuam escassas nos últimos anos no Brasil (2005). Outro dado relevante analisado por Sposito consiste no fato de se comprovar que um incremento na escolaridade não


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significa que os jovens estejam se dedicando exclusivamente aos estudos com a finalidade de concentrarem-se numa especialização e somente depois ingressarem no mundo do trabalho – algo que configuraria o “modelo moderno da condição juvenil”. A análise demonstra, ao contrário, que uma parcela significativa exerce as duas atividades simultaneamente (Ibidem, p. 102). Como demanda do presente, o trabalho parece ocupar um espaço mais importante na vida dos jovens da lan house. Eles visam, por intermédio deste último, obter um retorno monetário imediato, embora não desconheçam o fato de que, para garantir um futuro profissional melhor remunerado, seria necessário incrementar o nível educacional. Sposito indica que, evidentemente, nas atuais condições sociais brasileiras, “as desigualdades econômicas continuam a delimitar os horizontes possíveis de ação dos jovens nas suas relações com a escola e o mundo do trabalho” (ibidem, p. 103). Além dos jovens de 17 anos, motivados pela perspectiva de emprego que, de seu ponto de vista, prescindia da escola, havia ainda o caso de Guiga, um tanto diferenciado, o que nos permite levantar outras questões referentes à experiência desses jovens de camadas populares com a escola. Guiga, 13 anos, habilidoso nas folgações e extremamente astucioso nas traps (trapassas do game) e no Tibia, repetiu o ano escolar. Ele também estudava no “coleginho”, cursando a sétima série do ensino fundamental, em 2006. Mesmo repetindo a série, ficou, no final do ano seguinte (2007), em recuperação em matemática e em português. Embora não parecesse muito estimulado pelos pais, eu não encontrava alternativas que pudessem me ajudar a entender por que um menino com suas qualidades pudesse ser considerado incapaz de passar de ano, por sua instituição de ensino. Milhares de hipóteses passaram por minha cabeça, uma delas, inclusive, já postulada: sua pouca motivação familiar. Devo lembrar, no entanto, que seu pai era gerente de um banco privado, tendo nível superior completo, embora na família materna não houvesse parentes com o mesmo patamar de escolaridade, equilibrando um pouco a imagem que os pais poderiam fazer da importância do estudo. Talvez a inquietude de Guiga fosse um problema, e certamente este era um traço característico de sua personalidade, com sua total impaciência, caso não estivesse concentrado na frente de um computador. Mil idéias afloravam neste sujeito o tempo todo: ele instiga os amigos, folga, testa força, implica, questiona etc. Certamente, deve haver certo descompasso entre pessoas que apresentem estas características e a imposição de um modelo educativo no qual é necessário permanecer por cerca de quatro horas sentado numa cadeira, devidamente concentrado, fazendo anotações, observando e ouvindo atentamente os professores, durante o ano inteiro (salvo as aulas de educação físi-


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ca, na qual, diga-se de passagem, Guiga obtinha seus melhores conceitos). Ele era de fato um garoto muito ativo, em consonância com o modo como esta palavra é definida no dicionário da língua portuguesa Houaiss: “1. caracterizado pela ação, 2. que é mais dado a ação do que a contemplação; prático, 3. que origina ou comunica ação; que exerce ação sobre os outros, 4. que age por con ta própria, 5. que existe em ação; que tra balha; que tem resultados; efetivo, 6. que excede (a maioria) em ação; ágil, diligente, vivo, 7. que não costuma ficar quieto e demonstra disposição para brincar e curiosidade para aprender (diz-se ger. de criança); inteligente, esperto, vivo” (2001). Com uma trajetória escolar truncada e uma vivência de saberes informacionais brilhante, era realmente instigante partir deste caso para refletir a respeito das relações dos jovens com a escola. Em um interessante estudo conduzido com jovens estudantes da rede pública de ensino, pertencentes às comunidades praianas da Ilha de Santa Catarina, Durand e Sousa avaliam experiências educativas com a juventude sob dois aspectos: a escola e os grupos culturais. As autoras citam alguns “desencontros” que geram dificuldades na relação entre o saber, a escola e os estudantes de periferia: Entre os professores, ocorre que nem sempre conhecem o público com o qual trabalham, nem sempre têm uma adequada formação profissional e pessoal ou, ainda, muitos sofrem da falta de reconhecimento social como profissionais. Da parte dos jovens/alunos, ocorre que o ensino público ainda não garante a eles as condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento de uma relação pessoal e significativa com os saberes, tão relevante para o êxito da aprendizagem. Nessa situação, a socialização do jovem no contexto escolar e as relações entre professor e o aluno têm sido especialmente difíceis, com sérios problemas de disciplina e com grande falta de interesse por parte dos alunos, para o desespero dos professores. Para grande parte dos jovens, tudo se passa como se, por antecipação, eles rejeitassem a escola e os professores, não conseguindo estabelecer um vínculo pessoal e significativo com o saber, sobretudo com o saber escolar e/ou intelectual (2002, p. 171-172).

A preocupação dessas autoras em compreender as relações dos jovens com o saber acaba por revelar um aspecto crítico, “o afastamento das instituições educativas da experiência dos jovens” (ibidem, p. 176). O mesmo traço pode ser um indicativo da insatisfação dos jovens da lan house para com a escola. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Sposito propõe a necessidade de “considerarmos a confluência de vários processos socializadores na experiência juvenil, ou seja, considerar


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que tanto a família como a escola [agências primordiais da reprodução social] perderam seu monopólio na presença da formação de novas gerações” (2005, p. 95). O desenvolvimento de instituições com fins educativos teve forte influência na delimitação de um período específico da vida, conhecido como “juventude”. Antes disso, na Idade Média européia, era comum que os filhos aprendessem, dentro da família, a profissão do pai por intermédio de um ensinamento direto que passava de uma geração a outra (Ariès, 1978). Nas sociedades complexas moderno-contemporâneas, ensino e juventude tornam-se fatores correlatos. Se considerarmos que é a partir de um “saber” que o jovem constrói novas possibilidades para atuar no mundo e experenciar vivências autônomas, devemos levar em conta que, no cotidiano dos jovens da X-play, um outro espaço de aprendizagem se apresenta: a própria lan house. Durante o trabalho de campo, foi possível verificar que, através do conhecimento específico obtido na casa de jogos, os jovens conseguem ampliar seu campo de ação social, oportunidade que não parece estar sendo oferecida pelas instituições de ensino público ou, ao menos, não aos jovens oriundos de camadas populares.12 Minha intenção, aqui, não é apresentar a lan house como espaço privilegiado de aprendizagem de informática, até porque não há nenhuma intenção por parte dos empreendedores do negócio neste sentido. Cabe ressaltar, no entanto, que saber utilizar o computador é requisito indispensável para se fazer presente nesta “nova era”, referida sob terminologias13 variadas, mas que, indiferentemente da nomenclatura adotada, tem como fator comum a informação como elemento aglutinador e a inovação tecnológica como meio para dela aproximar-se (AGUILAR, 1997, p. 4). O acesso aos bens digitais passa a configurar condição sine qua non para aqueles que querem – ou, por vezes, se vêem compelidos a – pertencer a este novo contexto social informatizado que se espraia pelas sociedades complexas modernocontemporâneas. Pretendo considerar alguns elementos da aprendizagem do saber computacional na forma como se dava no ambiente da

12 Recente pesquisa de indicadores sociais aponta que é a parcela pertencente aos 20% mais ricos que ocupa mais da metade as vagas da rede pública de ensino superior, percentual que corresponde a 54,3% (IBGE, 2007). 13 Algumas terminologias utilizadas são “sociedade pós-industrial” (Bell e Touraine), “sociedade tecnotrônica” (Brizesinsky), “sociedade de consumo” (Jones e Baudrillard), “sociedade informatizada” (Nora-Minc), “sociedade interconectada” (James Martin), “estado telemático” (Gubern), “aldeia global” (MacLuhan), “sociedade digital” (Merecier-Plassard-Scardigly, Bustamante, Negroponte, Terceiro) (Aguilar, 1997). Eu acrescentaria, ainda, “sociedade em rede” (Castells, 1999).


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lan house, parecendo sempre muito estimulante para os jovens ali presentes. Na lan house, jovens de 12, 13 anos misturam-se a outros de 17, competindo de igual para igual. Não há uma separação de níveis de aprendizagem de acordo com a idade, como vemos na escola. Entretanto, nem sempre foi assim. No século XII, jovens de 20 anos eram misturados com crianças de 10, na mesma sala de aula. De acordo com Ariès, a diferenciação por faixas de idades aconteceu paralelamente à introdução de uma disciplina rígida que caracterizava uma nova instituição, o colégio: O estabelecimento definitivo de uma regra de disciplina completou a evolução que conduziu da escola medieval, simples sala de aula, ao colégio moderno, instituição complexa, não apenas de ensino, mas de vigilância e enquadramento da juventude. (1978, p. 110)

A idéia de repartir os alunos em segmentos específicos, separados em classes, que seriam doutrinados por professores dedicados a uma determinada etapa, respeitou uma compreensão pedagógica que diferenciava os estágios de desenvolvimento relativos a cada idade. Estes últimos também definem o modo como os conteúdos informativos serão ministrados aos alunos. Primeiro, parte-se de um material mais simples (na maioria das vezes, desconexo do mundo com o qual o sujeito interage) que, progressivamente, chegaria ao mais complexo. Embora tal perspectiva tenha sido alvo de críticas contundentes dos psicopedagogos, no início do século XX, seria difícil avaliar o quanto, de fato, nos desvencilhamos dela, ou o que teria sido feito em termos de novos rumos educacionais. Becker, em um trabalho com o sugestivo nome de “A School is a lousy place to learn anything in” (1986), critica diversos fatores presentes nas instituições escolares e na pedagogia de ensino, um deles sendo justamente o modo como é abordada a aprendizagem de materiais complexos. Becker sugere que partir de um material simplificado ao qual se vai, aos poucos, adicionando fatores, pode ser perturbador e até traumático, pois, quando a pessoa se depara com fatos reais (experiências nada simplificadas da vivência humana), tem dificuldades em compreendê-los ou dar conta dos mesmos. Em face disto, pode-se considerar que, na lan house, os jovens aprendiam o que era um programa cliente ou programa servidor, ou o processo de descompactação de um arquivo, por exemplo, após dominarem bastante bem os games – os quais passaram obrigatoriamente por um processo de download, descompactação e instalação, antes de funcionar. O jovem já tinha de antemão diante de si, um produto altamente complexo, o maquinário. Obviamente não se deve desconsiderar sua familiaridade anterior com os objetos informacionais. Porém, como já mencionado anteriormente, os jo-


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vens da lan house não tiveram aulas de informática e, portanto, não sabiam configurar de maneira especializada, ou mexer no sistema operacional de um computador num nível mais aprofundado. Sendo assim, a aprendizagem envolvia diversos aspectos não segmentados numa determinada ordem. Neste sentido, a lan house se mostra atrativa porque traz para o jovem um problema real a ser resolvido, estimulando-o a descobrir estratégias para tanto. Os mestres e professores comprometidos na tarefa de ensinar são os que empenharam mais tempo e esforço para o conhecimento do assunto (games e computadores), no caso, os mesmos companheiros dos jogos. Havia total apoio dos amigos ao jogador que se mostrasse interessado em aprender os games. Neste caso, os mais capacitados eram nada mais do que mediadores entre o sujeito e o conhecimento a ser apreendido, compartilhando responsabilidades, estando junto e, sobretudo, sem a rigidez hierárquica da escola, que define padrões sociais específicos a serem seguidos por professores e alunos. A aprendizagem na lan não conta com um “currículo padrão”, comum às escolas que por seu intermédio: “organizam o material através de um método de acréscimo de complexidade, um método geralmente imaginado como o modo ‘natural’ ou ‘normal’ de se aproximar do tema; eles decidem qual o mínimo de conhecimento será aceitável” (Becker, 1986, p. 175). Na X-play, não havia uma delimitação do tempo e da quantidade de material a ser aprendido em um dado período. Mostrando-se capazes e interessados, jovens como Guiga ou Seninha (12, 13 anos) ocupavam-se de atividades normalmente desempenhadas por jovens mais velhos (17 anos). A verificação da aprendizagem era também rotineira, não se restringindo a momentos nem a temáticas específicas. Estava ligada, isto sim, a situações novas diante das quais o jovem era instigado a resolver problemas, ou nas quais dispunha-se a ajudar, avaliando estar preparado para tanto. Para Becker, a escola, com suas provas de conhecimento, forja testes isomórficos de situações reais, afastando o sujeito do mundo vivido (1986, p. 175). Com uma disciplina menos rígida, mestres-camaradas dedicados e atenciosos, e o enfrentamento de problemáticas atrativas e emocionantes ligadas ao universo juvenil, a lan house era o lugar perfeito para se aprender. Na lan, o conhecimento e a habilidade na manutenção dos computadores era um atributo de grande importância/distinção para os jovens. Pude observar uma situação muito constrangedora e de alto teor discriminatório. Guiga (13 anos), sentado ao meu lado no sofá, viu quando um menino – daqueles que mais ficava na porta do que propriamente usando os micros – entrou na lan, pagou por uma hora de uso e foi sentar-se ao fundo, ou


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melhor, na última fileira de micros. Mal o menino começou a digitar, e Guiga gritou, sem se levantar do sofá: “Vai fazer o quê, hein??? Não sabe nem digitar, fica catando milho e quer usar o computador... Vai ver teu Orkut? Sim, porque não deve nem ter e-mail...” O som espaçado de cada “tec, tec, tec”, digitados numa lentidão audível e impossível de ser dissimulada, evidenciava a inaptidão do menino, permitindo a Guiga o achincalhe escancarado que certamente incomodava o jovem – que, não por acaso, havia escolhido utilizar o computador o mais escondido possível, ainda que a lan house estivesse vazia. Cabe salientar, no entanto, que não observei nenhum dos meninos digitar com os dez dedos, embora o fizessem com muita rapidez. Também tinham dificuldades em lidar com aspectos mais técnicos dos computadores: não sabiam configurar uma rede interna ou reinstalar programas mais complexos do que os games (como o Windows, por exemplo). Em ocasiões nas quais usuários mais velhos, de presença esporádica por ali, apareciam pedindo uma ajuda no editor de textos do Word, ou no editor de imagens, os meninos dificilmente conseguiam ajudá-los. Em matéria de computador, somente Tosco tinha um conhecimento realmente invejável e era o único dentre eles que estava fazendo um curso técnico de redes e informática. A competência dos meninos era direcionada aos games e tudo que a eles se relacionasse e aos programas de sociabilidade online (Orkut, MSN, Youtube). Isto, por si só, já era o suficiente para sentirem-se diferenciados, pois o fato de conseguirem penetrar no universo digital tinha uma importância significativa para esses jovens de camadas populares que, através da Internet, tinham acesso a um mundo de participação, em princípio, restrito àqueles de alto poder aquisitivo e competência cultural para tanto. Ariès aponta que, no século XVIII, paralelamente ao desenvolvimento da burguesia e a despeito do ideário de intelectuais convictos da importância do estudo universal acessível a todos (como Condorcet), o ensino longo e clássico tornou-se privilégio de uma única classe social, enquanto o povo (necessário ao trabalho braçal) receberia “um ensino inferior, exclusivamente prático” (p. 128). Se o acesso à escola definiu e classificou estratos sociais ao longo do século XX, o século XXI parece privilegiar um outro tipo de conhecimento: o saber informacional. Considerando que habitamos um mundo cada vez mais digitalizado, depreende-se o quanto este saber se torna, de fato, fundamental. Em recente entrevista a uma revista de circulação nacional, Vianna comenta a possibilidade da escola abrir espaço para professores e alunos interagirem através das novas tecnologias de comunicação, considerando, inclusive, a relação de aprendizagem com os games:


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Falta uma nova didática? Urgente. E as escolas não acham que está tudo bem. Todos sabem que existe crise, uma procura de novas possibilidades, mas... as pessoas têm resistência enorme com games, por exemplo, é preciso não ter preconceito e tentar aproveitar isso, porque os garotos estão aprendendo milhares de coisas nesse mundo. As professoras estão na lista de contatos dos meus sobrinhos tanto no Orkut quanto no MSN, ali eles aprendem muito. Além disso, tem a relação deles com música. Nunca compraram um CD! Eles não vão na discoteca do Herbert ver o que é que tem: descobrem as mesmas coisas antigas na internet – Marley, Hendrix... Mas a troca de informação é entre eles: um dá a dica, o outro dá pro outro, vão criando a própria educação (2007).

O saber informacional, pouco ou nada adaptado às pedagogias tradicionais, certamente merece atenção e estudo para que sejam avaliadas suas potencialidades (possíveis contribuições) e seus limites. Alguns profissionais atentos a isto têm desenvolvido alternativas interessantes ao processo de aprendizagem, como, por exemplo, a pesquisa da Universidade de Mogi das Cruzes, que indicou alternativas de letramento por intermédio dos games RPG para crianças com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) (SILVA et. al, 2004). A proliferação exitosa das lan houses pelas periferias tem dado às pessoas de camadas populares, a oportunidade de acesso à informação que circula sob formato digital, um universo vasto, aberto à curiosidade e de grande potencial persuasivo de participação. A presença de camadas menos favorecidas no universo da Internet tem gerado uma discussão pertinente: estariam as lan houses assumindo o papel de agentes da “inclusão digital”? Esta discussão vem mobilizando a opinião pública, seja em congressos, eventos de mídia e informática (YODA, 2007), ou mesmo no Orkut (Discussão no Fórum do perfil de “Donos de Lan House & Cybercafé” Orkut, 2007). Embora se trate de empresas comerciais que visam lucro, e não de instituições sociais filantrópicas ou com pretensão pedagógica, é inegável que as lan houses têm proporcionado o acesso às novas tecnologias de informação (Internet) a uma parcela da população menos favorecida, algo que o governo não tem conseguido fazer, nem nas escolas, nem nos telecentros.14 No entanto, cabe refletir se ficará, de fato, a cargo do mercado a rea-

14 Projeto governamental em parceria com empresas privadas que visa, através da implantação de uma sala com computadores e Internet, viabilizar: “apoio à inclusão digital, social, capacitação e empreendedorismo com vista à inclusão social digital, geração de emprego, renda e empreendedorismo” (Telecentros de Informação e Negócio, site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).


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lização da inclusão digital no país, como comenta o jornalista Savazoni ao abordar o tema (2007). Ressaltando diferenças fundamentais entre um “negócio de mercado” e um “espaço público e democrático de acesso a Internet”, há quem marque as distinções cabíveis entre os “telecentros” e “lan houses”, ponderando ser estes últimos espaços conceitualmente diferentes quanto a seus objetivos e práticas. Para Gonçalves (2007), as lan houses não garantem o acesso cidadão, pois têm o objetivo específico de garantir o retorno do investimento, não se preocupando em assegurar acesso amplo e nem com o tipo de aprendizagem ou com o modo de uso do maquinário feito pelos usuários. Assim, há de se levar em conta que, mesmo situadas em periferias, o acesso ao computador nestes estabelecimentos só é garantido para quem possui condições de pagar por ele. Respeitando singularidades de cada um desses dois espaços, Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RIO, vê as lan houses como aliadas dos telecentros, considerando que: “A lan house tende a ajudar, não compete com essas políticas. É um fenômeno da iniciativa privada e remedia a situação da exclusão digital enquanto outras políticas não chegam. Uma coisa não compete com a outra, são aliadas” (apud. AMADO e DEAK, 2007). Este assunto permitiria ainda outras colocações pertinentes. Caberia, por exemplo, pensar o que está em jogo quando se fala em acesso a Internet. Somente uma aprendizagem prática do uso do maquinário para o mundo do trabalho, como sugere Gonçalves (2007), ou uma apropriação vanguardista capaz de garantir um capital simbólico específico de importância fundamental para os jovens? Afinal, como hierarquizar o conhecimento adquirido para usar uma planilha eletrônica visando à obtenção de um emprego ou ter seu perfil no Orkut? Sem concentrar-se de forma aprofundada neste assunto (o que certamente poderá ser feito em trabalhos futuros), este estudo evidenciou que o uso do computador e Internet proporcionou aos jovens um fator de “distinção” altamente valorado no grupo de iguais, viabilizando ainda um melhor acesso ao mercado de trabalho. A presença no mundo digital configurava uma oportunidade de mobilidade individual. Estes jovens não só se sentiam “superiores” aos amigos do bairro e da escola que “nada sabiam” sobre computador, mas também igualavam-se em competência com aqueles que tinham melhores condições financeiras (os jovens de camadas médias e altas). Para os jovens da lan, o aprendizado da escola não parecia tão atraente como aquele disponibilizado por intermédio da informática. O acesso e a competência digital recebiam deles mais esforço, concentração e persistência. O retorno da dedicação parecia garantido quando se sentiam parte do grupo animado de Tibia, quando tinham sua rede de “apoio” no Orkut (e podiam


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mostrá-la para os outros), quando o game rendia alguns tostões com a venda de personagens e quando alguns (Mentira e Culi) conseguiram se empregar na Codic, em 2007. O emprego na lan garantia um rendimento muito interessante (cerca de um salário mínimo e meio), ainda mais se considerarmos que se tratava de um serviço altamente valorizado, afinal, era sinônimo de computador e Internet de qualidade totalmente grátis! – além de assegurar a proximidade dos amigos num espaço de sociabilidade juvenil. É claro que a escola foi indispensável para se chegar a esta conquista, porém, em certa etapa da vida, ela terminava ficando para trás, parecendo muito menos compensadora. O serviço militar obrigatório também tinha suas vantagens, do ponto de vista de alguns dos jovens da lan que apresentavam intenção de prestar o serviço militar e seguir carreira. Na visão dos jovens, a carreira militar configurava um caminho bem mais curto e seguro, para a ascensão social do que aquele trilhado por quem faz um curso superior. Cabe salientar que a falta de oportunidades no mercado de trabalho pode ser um fator que estimula a opção por tal projeto. Ficou clara a importância da lan house, não só como espaço lúdico e de sociabilidade juvenil, mas como espaço de aprendizagem de um conhecimento específico, ao qual, provavelmente, esses jovens estariam excluídos se a mesma não existisse. O conhecimento ali obtido, em meio às brincadeiras, mostrou-se capaz de ampliar o espaço de ação dos indivíduos, influenciando sobremaneira nas escolhas de seus projetos individuais, e na construção das suas identidades. Espero que as temáticas aqui discutidas possam servir de estímulo para novas pesquisas, pois vários foram os pontos que ficaram em aberto ou que merecem serem tratados de maneira mais aprofundada. Referências Bibliográficas ABRAMO, Helena Wendel e BRANCO, Pedro P. Martoni (orgs.). Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. AGUILAR, Luis Joyanes. Cibersociedad. Madrid: McGraw-Hill, 1997. AMADO, Aécio e DEAK, André. Lan house é aliada dos telecentros na inclusão digital, diz professor da FGV. 12 de maio de 2007. Radiobrás. Agência Brasil. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/ 2007/05/12/materia.2007-05-12.9704550041/view> Acesso em 27 de set. de 2007. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1978. BECKER, Howard. Doing Things Together: selected papers. Evanston: Northwestern University Press, 1986. Part 3: Education, “A School is a lousy place to learn anything in”.


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Vanessa Andrade Pereira é graduada em Ciências Sociais e mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ), com a tese Na lan house “porque jogar sozinho não tem graça”: estudo das redes sociais juvenis on e off line. Atua nas áreas de antropologia das sociedades complexas, de cibercultura e de sociabilidade juvenil. Algumas publicações da autora PEREIRA, Vanessa A; PRIMO, Alex Fernando T.; FREITAS, Angélica. Brazilian Crossdresser Club. Cyberpsychology and Behaviour, EUA, v. 3, p. 287-296, 2000. PEREIRA, Vanessa A. Entre games e folgações: apontamentos de uma antropóloga na lan house. Etnográfica, Lisboa, v. 11, p. 327-352, 2007.


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