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ideias A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária Rosa Maria Zaia Borges Abrão
ano 8 · nº 131 · 2010 · ISSN 1679-0316
Os Cadernos IHU ideias apresentam artigos produzidos pelos convidados-palestrantes dos eventos promovidos pelo IHU. A diversidade dos temas, abrangendo as mais diferentes áreas do conhecimento, é um dado a ser destacado nesta publicação, além de seu caráter científico e de agradável leitura.
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A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária
Rosa Maria Zaia Borges Abrão ano 8 - nº 131 - 2010 - 1679-0316
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ Vice-reitor José Ivo Follmann, SJ Instituto Humanitas Unisinos Diretor Inácio Neutzling, SJ Gerente administrativo Jacinto Aloisio Schneider Cadernos IHU ideias Ano 8 – Nº 131 – 2010 ISSN: 1679-0316
Editor Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos Conselho editorial Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos Prof. MS Gilberto Antônio Faggion – Unisinos Profa. Dra. Marilene Maia – Unisinos Esp. Susana Rocca – Unisinos Profa. Dra. Vera Regina Schmitz – Unisinos Conselho científico Prof. Dr. Adriano Naves de Brito – Unisinos – Doutor em Filosofia Profa. MS Angélica Massuquetti – Unisinos – Mestre em Economia Rural Prof. Dr. Antônio Flávio Pierucci – USP – Livre-docente em Sociologia Profa. Dra. Berenice Corsetti – Unisinos – Doutora em Educação Prof. Dr. Gentil Corazza – UFRGS – Doutor em Economia Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel – UERGS – Doutora em Medicina Profa. Dra. Suzana Kilpp – Unisinos – Doutora em Comunicação Responsável técnico Antonio Cesar Machado da Silva Revisão Vanessa Alves Secretaria Camila Padilha da Silva Editoração eletrônica Rafael Tarcísio Forneck Impressão Impressos Portão
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.35908223 – Fax: 51.35908467 www.ihu.unisinos.br
A PHILÍA COMO CRITÉRIO DE INTELIGIBILIDADE DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA1 Rosa Maria Zaia Borges Abrão
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. Eduardo Galeano
Durante pouco mais de dois séculos e seguidas tentativas de consolidação dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, próprios das revoluções “emancipatórias”, a sociedade moderna, com fulcro na promessa de libertar o homem e as instituições das amarras das sociedades tradicionais, estabelece-se como espaço de interação social onde os principais atores são os indivíduos – que passam a ser tratados juridicamente como iguais – e o Estado de Direito, que é tomado como guardião das liberdades e garantias individuais e, para tanto, tem o monopólio da produção e distribuição do direito para que se assegure a imparcialidade e a neutralidade das regras persecutórias da ordem social. Como o caminho se faz no caminhar, os efeitos deste modelo de organização social apresentam-se já no desenvolvimento do mesmo e desvelam-se apenas com um olhar: a promessa de tratar a todos como iguais não se cumpre; a exclusão social é realidade; o direito não corresponde à realidade sócio-econômico geral; o Estado não é capaz de intervir positivamente na salvaguarda dos direitos e garantias dos indivíduos; o poder exercido representativamente em nome do povo, para o povo e pelo povo não se faz efetivo pelos seus pretensos representantes; a
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Este texto é um extrato da tese de doutorado em Filosofia do Direito intitulada “Mediação e Ética das virtudes: a philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária, defendida junto ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP.
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função do Estado de dizer o direito é, em termos gerais, exercida de forma lenta, cara e corporativista; os laços de afetividade não têm espaço nos vazios de integração social (pós)modernos. Isto posto, o olhar que aqui se pretende compartilhar diz respeito ao que se entende ser uma das causas do mal-estar que hoje é recorrente: o distanciamento entre razão e afeto nas formas de integração social, mas especialmente, nas formas de resolução de conflitos na modernidade. Partindo-se da premissa de um mal-estar propagado pela deterioração das relações sociais, enquanto constante cada vez mais intensa nas sociedades contemporâneas, bem como de um relativismo dos parâmetros ético-sociais e de uma insuficiência dos mecanismos de resolução de conflitos sociais disponíveis, a proposta é primeiramente a de revisitar a teoria das virtudes (de matriz aristotélica) para dela resgatar um conceito que lhe é muito caro que é o de philía – traduzido por amizade. Em seguida, apresentar a amizade como constitutiva da racionalidade prática da mediação comunitária, na medida em que se traduz em uma perspectiva alterativo(por isso alternativo) – comunitária das relações sociais, o que se pode concluir ter sido usurpado pelo paradigma ético individualista da modernidade. Para apresentar os pressupostos argumentativos da ideia, parte-se de três questionamentos, que se procurará responder ao longo do texto: a) de que conceito de amizade se está partindo?; b) por que falar em mediação e de qual conceito de mediação se está falando?; c) como amizade e mediação comunitária se relacionam e em que medida justifica-se tal aproximação conceitual? Ou, dito de outro modo: qual a importância do resgate da amizade como elemento político no contexto da (pós)modernidade como critério de inteligibilidade da mediação comunitária? 1 A amizade como conceito político: em busca de um tema perdido Considerando-se a modernidade como um projeto (e um processo) de suposta emancipação do homem e de autoconhecimento a partir de si próprio, a emergência do sujeito moderno, na dissolução da tradição e dos vínculos comunitários, permite que o deslocamento das categorias seja centrado em direção ao indivíduo. Resulta disso que os indivíduos, tratando-se abstrata e normativamente como iguais, acabam por não se reconhecerem, já que a igualdade2, produto dessa modernidade, é (ou resultou 2
De acordo com Fromm, na sociedade capitalista contemporânea, o significado de igualdade transformou-se. Por igualdade, diz o autor, “faz-se referência à
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ser) formal, na medida em que a promessa do Estado liberal, de tratar todas as questões como questões de justiça, resultou na abstração da condição política do homem como membro de uma comunidade. Falar de amizade como elemento político – portanto referido àquilo que pertence ao público –, considerando-se o cenário moderno, é um anacronismo e, além do mais, uma fonte de injustiça. Afinal, para os modernos, em uma sociedade justa, as posições são atribuídas na base do merecimento avaliado de maneira imparcial. Da mesma forma, os serviços prestados pelo Estado devem dirigir-se não a esta ou àquela pessoa, mas a todos. Ou seja, um sistema administrativo que preza pela igualdade de tratamento, infiltrado pela amizade, é clientelista e injusto. Por consequência, segundo Alberoni, a amizade passa a ser interpretada como “uma forma de vida do passado. Algo como a lealdade feudal, ou então a magia ou o folclore. [...] perde a importância, e seu destino é desaparecer para dar lugar a relações impessoais e objetivas”3. Ou seja, não há lugar para a amizade na modernidade, entre outros motivos, porque o conjunto das pressões econômicas esfacela o espaço de integração e da amizade para impor-lhes um modo de ação estratégico. Questiona-se, portanto: é bom que a cidade seja escamoteada institucionalmente à lógica do amor? O amor, então, não tem fecundidade política? Um fato político como a paz social pode ser totalmente estranho à categoria do amor, ainda que o amor não possa pretender a função de instrumento único da construção política?4. Também instigante pensar sobre a necessidade de se sair do lugar comum de discussão filosófica, constituído na modernidade em torno da dicotomia público-privado, e da fronteira criada em torno daquilo que pode ser objeto de indagação de um e de outro desses espaços. Formados nos conceitos cartesianos, acreditou-se, por muito tempo, que só a afetividade poderia pro-
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igualdade dos autômatos, dos homens que perderam sua individualidade. Igualdade, hoje significa ‘mesmice’, em vez de ‘unidade’. É a mesmice das abstrações, dos homens que trabalham nos mesmos serviços, têm as mesmas diversões, leem os mesmos jornais, experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas ideias”. FROMM, A arte de amar, 1961, p. 32. (grifos do autor). Neste mesmo sentido, Bittar traz a seguinte conclusão: “O império do moderno produz o eu-máquina, aquele que opera, que está se chafurdando na dimensão de uma práxis de fazeres, que distancia o ego da percepção de si e da percepção do outro”. BITTAR, Razão e afeto, justiça e direitos humanos, Revista Mestrado em Direito, 2008, p. 100. “Sobrevivendo, restará limitada cuidadosamente à esfera do íntimo, sem nenhuma contaminação com os negócios, os cargos públicos e a política”. ALBERONI, A Amizade, 1989, p. 5-6. Como afirma categoricamente Ágnes Heller, não há, na vida moderna, nenhuma amizade onde o fim seja o bem moral. HELLER, Aristóteles y el mundo antiguo, 1993, p. 360. PIZZOLATO, La idea de la Amistad en la Antigüedad clásica y cristiana, 1996, p. 10.
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por uma relação imediata entre as consciências, mas que todo o esforço da filosofia consistiria precisamente na libertação desses obstáculos ou dessas subversões da afetividade, concebida como estranha à consciência pura5. Por isso, ensina Bittar, o que se constata é que a ideia de razão emergente da modernidade estabelece uma relação de exclusão com a ideia de emoção. Assim, o conflito entre razão e éros constitui-se “num claro produto da modernidade, seguindo uma tradição que já está instalada na dimensão da tradição ocidental, [...] permitindo que cisões e fraturas vertiginosas e inconciliáveis existam também entre pensamento e sentimento, entre mente e coração e entre verdade e paixão”6. Em função destas inquietações/provocações é que se justifica voltar aos clássicos, notadamente a Aristóteles, já que lá a amizade é tida como elemento político essencial da vida em sociedade. Os modernos, que praticam e louvam o amor, pouco conhecem a amizade. A própria ideia revolucionária da “fraternidade”, como parte dos ideais esquecidos da modernidade, não é refratária a esta perspectiva de análise. Ainda que, para os modernos, a amizade venha, de acordo com Dugas, depois das afeições domésticas, convocando-se como um charme, não como uma necessidade, sendo apreciada apenas pela natureza delicada, torna-se um luxo da vida moral7. Já para os antigos, ao contrário, a amizade tem um papel central: ela é o modelo de todas as relações humanas (pessoais, familiares, políticas)8. A própria etimologia da palavra amizade, para os antigos, já explica, em grande parte, seu significado nas teorias de seus diversos filósofos. A amizade é enaltecida pela sabedoria antiga por uma palavra que a distingue de éros (amor): essa palavra é philía.
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FRAISSE, Philia. La notion d’amitié dans la philosophie antique, 1984, p. 18. (tra-
dução livre: Formes à des schèmes cartésiens, nous avons trop longtemps cru que la seule affectivité pouvait proposer un rapport immédiat entre les consciences, mais que tout l’effort de la philosophie consistait précisément à se libérer des obstacles ou des subversions de l’affectivité, conçue comme étrangère à la conscience pure). No mesmo sentido, sobre a racionalidade e o cientificismo modernos, entende Bittar que a razão “deve permanecer nesta condição estéril, inexpugnável, impassível de ser contaminada pelo sentimento – afinal a prática científica deve ser neutra e imparcial. A pretensão de neutralidade que esvazia o âmbito da dimensão interativa, espontânea e natural humana, faz da academia um ambiente impregnado pelo racionalismo”. BITTAR, Razão e afeto, justiça e direitos humanos, Revista Mestrado em Direito, 2008, p. 104. BITTAR, Razão e afeto, justiça e direitos humanos, Revista Mestrado em Direito, 2008, p. 100. DUGAS, L’amitie antique, 1914, p. 61. BALDINI, Amizade e Filósofos, 2000, p. i.
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Em princípio, a amizade esteve relacionada com a atração que nos produzem os elementos naturais. A raiz fil- aponta a relação amistosa do homem em relação ao objeto: filatélico, fil-armónica, filó-logo, filó-sofo, em nível fenomenológico. Mais tarde, veio a caracterizar as escolhas dos humanos que implicavam sentimentos amorosos (philesis) ou seus opostos (antiphilesis). Assim ensina o autor Àvila i Serra: Filos designaba aquello que era mío, incluso la mujer; más adelante designó también a los huéspedes, puesto que el verbo filein era sinónimo de tratar bien y con justicia a alguien. Así, poco a poco adquiere la connotación de algo apreciado y amado. Ya en tiempo de Demócrito (hacia el siglo VII-VI a. de J.C.), filia designaba un “lazo afectivo de elección”. El mundo homérico contempla la amistad en el contexto de la nobleza aristocrática. [...]. Con el paso del tiempo y con el paso de la aristocracia a la democracia, el término filoi pasó a significar los partidarios del hombre político; una amistad que no va más allá de la búsqueda utilitaria. Pitágoras concibe la amistad como lo que caracteriza a la vida dentro de la escuela, donde todo es puesto en común en la búsqueda de la verdad, donde el discípulo es invitado a conformar su personalidad con la del maestro9.
Os antigos deram à palavra “amizade” a extensão que nós damos à palavra “amor”. Assim, amizade paternal, familiar, amizade amorosa; todos os tipos de afeição entre as pessoas, profundas ou estreitas, banais ou frias, como a filantropia, ou pessoais e íntimas como a amizade propriamente dita era para eles amizade10. A democracia da pólis clássica também conhece a amizade sob o ponto de vista político: uma amizade que está determinada mais por razões ideais de solidariedade do que por questões de relações pessoais. Essa característica política é materializada ao ponto de, conforme Pizzolato, a palavra philía ser utilizada “para designar también el pacto político de cese de hostilidades y, por tanto, la alianza supranacional (amistad entre los Estados), y coincidirá, tanto en los historiadores como en el lenguaje cancilleresco ático de finales del siglo V [...], con el concepto de symmachía o alianza militar”11.
9 ÀVILA I SERRA, Una mirada a la amistad, 2003, p. 21-22. 10 DUGAS, L’amitié antique, 1914, p. 1. De acordo com Fraisse, “[...] il est fort probable, que les termes grecs et latins, et les analyses auxquelles ils ont donné lieu en leur propre temps, aient grandement contribué à la determination du sens de nos propres vocables, surtout à partir du moment où la Renaissance, attirant l’attention sur la pensée et les textes anciens, réactualisa d’une manière presque artificelle ce que la conscience populaire avait laissé échapper”. FRAISSE, Philia. La notion d’amitié dans la philosophie antique, 1984, p. 20. 11 PIZZOLATO, La idea de la Amistad en la Antigüedad clásica y cristiana, 1996, p. 19.
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Assim, considerada a amizade como uma virtude (difícil quando não problemática12) representativa de uma benevolência recíproca, conforme alguns teóricos, da qual cada um é consciente, uma virtude cuja perfeição requer que seja levado ao seu ponto máximo o reconhecimento das qualidades essenciais de cada um pelo outro, não se pode dizer que ela se limita a um sentimento. É uma atividade comum ou, ao menos, a pressupõe. Sendo correto dizer que a amizade pertence ao domínio da filosofia moral, não se pode deixar de admitir que ela também assuma um papel não periférico na filosofia política e na antropologia filosófica13. Dentre os filósofos gregos, optou-se por uma incursão histórica a partir dos estudos filosóficos propriamente ditos – afastando o que Fraisse chama de estudos populares e poéticos14 – iniciando-se por Platão, que destinou um diálogo inteiro ao tema – Lísis; Aristóteles (em análise privilegiada, já que se constitui como base teórica deste texto), que expressou suas reflexões em Ética a Nicômaco, especialmente nos livros oitavo e nono, mas também em Grande Moral e em Ética a Eudemo; e, em seguida, Epicuro e o estoicismo antigo. Dentre os romanos, Sêneca, Cícero e Plutarco, que procuraram descobrir quais seriam as qualidades do amigo ideal e, do mesmo modo, qual seria o papel e a função da amizade nos diversos planos em que ela pudesse fazer-se presente e necessária, são os eleitos. Indo direto a Aristóteles, o tema da amizade é um dos fundamentais na sua obra e, com certeza, melhor que qualquer outro, ele mostra claramente a unidade da ética e da política sob o comando arquitetônico desta última. Fiadora da justiça, bem político supremo, a amizade é o vínculo social por excelência, já que ela faz do viver em comum uma escolha e não uma necessidade15. A amizade não cria os vínculos sociais, mas os mantém. Por isso, afirma Aristóteles que a amizade “es, en efecto, una virtud, o va acompañada de virtud, y, además, es lo más necesario
12 Embora, para alguns, possa-se designar a amizade como virtude problemática, de acordo com Petit, “talvez ela só deva esse caráter ao fato de ser mais exigente que a maior parte das virtudes”. PETIT, Amizade, Dicionário de Ética e Filosofia Moral, 2003, p. 63. 13 BALDINI, Amizade e Filósofos, 2000, p. 11. 14 Sobre a amizade em Homero, Hesíodo, Pitágoras, Empédocles, Pré-socráticos, sofistas e trágicos, ver: PIZZOLATO, La idea de la Amistad en la Antigüedad clásica y cristiana, 1996, p. 35-56; FRAISSE, Philia. La notion d’amitié dans la philosophie antique, 1984, p. 31-122; DUGAS, L’amitié antique, 1914. 15 LABARRIÈRE, Aristóteles, Dicionário de Ética e Filosofia Moral, 2003, p. 123. Sobre a ideia de amizade como vínculo social por excelência, elemento indispensável para o alcance da eudaimonia, ver ainda: NUSSBAUM, The Fragility of Goodness, 2001, especialmente parte III, cap. 12, p. 343-372.
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para la vida. Sin amigos nadie querría vivir, aun cuando poseyera todos los demás bienes [...]”16. Não há em Aristóteles um único sentido para o termo amizade. Seu critério é o da comparação das diversas ordens de relações que podem ocorrer entre os homens para estabelecer se são ou não relações amistosas, e, se são, de que ordem se constituem, a partir da identificação do objetivo que as motiva. As causas pelas quais os homens amam são a utilidade, o prazer e a virtude. Apenas a última é a amizade perfeita, porque nela se encontram as seguintes características: a reciprocidade, o desejar o bem do outro, a igualdade (ao amar ao amigo, ama a seu próprio bem, não quer mais nem menos), a alteridade, a constância e a convivência. Por estas características é que se justifica a escolha pelo conceito aristotélico de amizade, já que o processo de individualização, resultado da modernidade, favoreceu o abandono da perspectiva da amizade como elemento político de convergência de interesses no plano público, com fulcro na promessa de que, dessa forma, as relações humanas não mais se constituiriam em laços de privilegiamento, mas de tratamento igual. Essa promessa, ainda que a trate com uma otimista expectativa do vir a ser, até então só deu sinais de um mal-estar ético e de um relativismo moral nas relações humanas. Isso acaba, por consequência lógica, refletindo nas instituições modernas, das quais a jurisdição estatal não escapa. Desta forma, caminha-se para a discussão do segundo questionamento. 2. A mediação como instrumento eco-pedagógico-comunicacional de autocomposição de conflitos O modelo de jurisdição estatal fundado na modernidade, cujo critério de inteligibilidade é a justiça posta pelo Estado, demonstra-se insuficiente para dar conta da complexidade e da singularidade dos conflitos que hoje são constitutivos das rela-
16 ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, 1999, VIII, 1, 1155a, 2-4, p. 122. Sobre o que é a virtude, em termos gerais, diz Aristóteles: “Si las virtudes no son ni pasiones ni facultades solo queda que sean hábitos. Con esto está dicho qué es la virtud genéricamente”. Segue o filósofo explicando: “Pero es menester decir no sólo que es un hábito, sino además de qué clase. Hay que decir, pues, que toda virtud perfecciona la condición de aquello de lo cual es virtud y hace que ejecute bien su operación [...]. Si esto es así en todos los casos, la virtud del hombre será también el hábito por el cual el hombre se hace bueno y por el cual ejecuta bien su función propia”. ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, 1999, II, 6, 1106a, 12-20, p. 24-25. Se o bem humano por natureza é a felicidade, adverte Lear que esta também se constitui, em parte, numa vida ativa dentro de uma sociedade política. “Ainda assim, embora o homem seja por natureza um animal político, embora tenha a capacidade de formar um sentido de justiça, uma sensibilidade ética, nenhuma das virtudes políticas ou éticas surge nele por natureza”. LEAR, Aristóteles: o desejo de entender, 2006, p. 247.
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ções sociais, o que reforça a potencialidade da mediação como expressão da noção de amizade enquanto elemento político na contemporaneidade. Tem-se que a lógica moderna de solução de conflitos, bem como aquela de criação do direito, está fundada numa ética das regras de tradição liberal-kantiana. Com base nesta premissa, fala-se de uma racionalidade prática jurídica e judiciária idealizada a partir dos seguintes pressupostos: a) separação entre o espaço público (político) e o privado (ético), sendo que a regulação do primeiro é monopólio do Estado, que tem o papel de regular a vida em sociedade e (r)estabelecer a justiça entre as partes, ou seja, exercer a jurisdição; b) os indivíduos pertencentes a esse modelo de sociedade são tomados juridicamente como sujeitos abstratos (apelante e apelado, reclamante e reclamado, réu e vítima, entre outros adjetivos impessoais) e são reconhecidos politicamente como sujeitos, unicamente e na medida do reconhecimento formal de seus direitos; c) as regras postas pelo Estado – abstratas e gerais – é que determinam o bem-viver desses sujeitos, afinal, o critério não é empírico, não se baseia na experiência, mas na racionalidade, que estabelece princípios puramente formais; d) enfim, há, determinantemente, a prevalência do bem individual, cuja exigência de satisfação determina uma solução de resultado soma-zero, no qual uma parte necessariamente é perdedora, para que a outra, atendida em suas exigências individuais, seja a vencedora. Entendida como mecanismo alternativo à jurisdição estatal, a mediação é compreendida aqui como um “instrumento ecopedagógico-comunicacional de autocomposição de conflitos que visa à democratização do acesso à justiça e à emancipação social sob os fundamentos de uma ética da alteridade”. Primeiramente, a mediação é um instrumento ecológico de resolução de conflitos, pois permite “uma possibilidade de transformação dos conflitos que apontem, mais que à decisão, a uma melhor qualidade de vida das partes envolvidas no conflito”, no sentido preconizado por Warat17. De fato, a qualidade de vida das pessoas tende a melhorar na medida em que se conscientizem do meio em que vivem e percebam (e valorizem) seu papel na sociedade, tornando-se autônomas, ou seja, capazes de administrar suas diferenças. Ademais, como bem lembra José Alcebíades de Oliveira Junior, “o direito só existe no plano das relações humanas, devendo então ser pensado não como um instrumento que opõe um ho-
17 WARAT, Em nome do acordo, 1998, p. 6.
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mem contra o outro, mas como um instrumento que harmoniza a convivência de ambos”18. A mediação é um instrumento pedagógico de resolução de conflitos na medida em que ensina a enfrentar os problemas; a descobrir novas formas de lidar com nossos conflitos e, diante deles, a lidar com nossas diferenças; é pedagógico porque ensina uma nova forma de convivência social, suplantando princípios individualistas e sobrepondo princípios de reconhecimento e solidariedade. A mediação ensina que os conflitos só são gerados porque se vive em sociedade, ou seja, as pessoas relacionam-se umas com as outras. Se os conflitos surgem da convivência social, se são criados a partir dessa convivência, portanto, cada parte tem sua parcela de participação na criação do conflito, que deverá ser solucionado também com o outro e não contra o outro. Aprende-se, também com a mediação, a enxergar os conflitos de forma positiva, como uma oportunidade de mudança, de transformação. A mediação faz aprender os caminhos da autonomia, pois faz enxergar a importância de ser protagonista das transformações das querelas vividas. Para Warat, a mediação é uma “eco-estratégia pedagógica” na medida em que se aposta no conflito como uma possibilidade de criação de espaços transferenciais que facilitam encontros transformadores entre as partes19. Daí ser a mediação é um instrumento comunicacional, pois recupera o valor do diálogo na resolução dos conflitos. Por meio desse seu caráter dialógico, a mediação permite a retomada de pensamentos e conceitos das partes, a discussão dessas ideias e conceitos e a negociação dos mesmos em busca de uma solução para o conflito. A mediação é, então, um encontro comunicativo. Para Folger e Jones a comunicação é condição sine qua non do conflito, pois a conduta comunicativa cria reflexos e sana os conflitos, compreendidos como uma estrutura funcional comunicativa que gera significados, como um processo simbólico, afinal os conflitos são “uma realidade socialmente criada e manejada comunicacionalmente, que surge no seio de um contexto sócio-histórico que afeta o significado e a conduta e que, por sua vez, é afetada por essa realidade”20. Nesse sentido, o conflito é visto como um processo simbólico e a mediação como um processo de reconstrução simbólica do conflito, no qual as partes têm a oportunidade de resolver suas diferenças reinterpretando, no simbólico, o conflito com o auxílio
18 OLIVEIRA JUNIOR, Teoria jurídica e novos direitos, 2000, p. 168. Também publicado em: OLIVEIRA JUNIOR, O poder das metáforas: homenagem aos 35 anos de Luis Alberto Warat, 1998. 19 WARAT, Em nome do acordo, 1998, p. 40. 20 FOLGER e JONES. Nuevas direcciones en mediación, 1997, p. 16.
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Rosa Maria Zaia Borges Abrão de um mediador, que as ajuda, com sua escuta, interpretação e mecanismos de transferência, para que elas encontrem os caminhos de resolução, sem que o mediador participe da resolução ou influa em decisões ou mudanças de atitude21.
A mediação é um instrumento de autocomposição22 de conflitos porque são as partes que escolhem resolver seus conflitos através da mediação, sendo, portanto, um mecanismo voluntário. Além de voluntário, é um mecanismo de natureza consensual. Na mediação só se produz solução que seja reflexo do que as partes entendem ser satisfatório. Isso reforça o objetivo de autocomposição: as partes, por si próprias, decidirem utilizar a mediação e, utilizando-se dela, construírem conjuntamente o resultado. Este é o contraponto da prática que permeia as instituições judiciárias e pode promover a democratização do acesso à justiça. Afinal, a democratização da sociedade tem ligação direta com democratização da justiça, e esta se dá em dois sentidos: a democratização interna do processo, pela revisão de conceitos tais como legitimidade das partes e interesse de agir, maior participação dos cidadãos na organização da Justiça, simplificação dos atos processuais; mas também pela democratização do acesso à Justiça, não só pelo trato da questão econômica, mas também, social e cultural, no sentido de esclarecer os cidadãos sobre os seus direitos23. A mediação proporciona uma nova forma de se posicionar no mundo e na sociedade: um posicionamento como sujeitos conscientes, autônomos e conhecedores do mundo do qual fazem parte, capazes de questionar a partir do vivido e do construído e de não aceitar conceitos e regras que não sejam fruto de um processo coletivo de descobrimento, elaboração e conclusão. Aprendem a ser sujeitos emancipados. A respeito dessa nova forma de se colocar no mundo, toma-se emprestado de Henry Giroux o conceito de racionalidade emancipatória, que se apresenta como sendo a capacidade do pensamento crítico de refletir e reconstruir sua própria gênese histórica, isto é, pensar sobre o próprio processo de pensamento. Mais especificamente, a capacidade de pensar sobre o pensamento aponta para um modo de raciocínio que tem como objetivo romper a ideologia “congelada” que impede uma crítica da vida e do mundo, sobre a qual as racionalizações da sociedade dominante se baseiam24. 21 WARAT, Em nome do acordo, 1998, p. 31. 22 Sobre a classificação dos métodos de resolução de conflitos em “autônomos” e “heterônomos”, ver: MORAIS, Mediação e Arbitragem, 1999; HIGHTON, ÁLVAREZ, Mediación para resolver conflictos, 1995. 23 SANTOS, Pela mão de Alice, 1997, p. 177. Ver tb. do autor: SANTOS, Por uma revolução democrática da justiça, 2007. 24 GIROUX, Teoria crítica e resistência em educação, 1986, p. 249.
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Partindo dessa nova racionalidade emancipatória, a mediação propicia a solução de conflitos por pessoas conscientes de sua capacidade e discernimento para buscarem a satisfação de seus conflitos sem que, para isso, sobreponham princípios de democracia, cidadania e participação acima de interesses individualistas. As partes tornar-se-ão produtoras de sua história a partir do que já viveram e acreditam ter sentido, constituindo a mediação em mecanismo de emancipação social. Os tribunais e seus operadores jurídicos, infelizmente, favorecem e privilegiam uma prática adversarial de solução de conflitos, onde estão uns contra os outros, empunhados da legalidade e do dever de justiça, que neste contexto significa vencer a qualquer preço. A mediação propõe uma nova lógica para a resolução dos conflitos, baseada na ética da alteridade. Isto quer dizer que não há vencidos e vencedores, ganhadores e perdedores, culpados e inocentes; há, sim, sujeitos. Sujeitos que se relacionam, que vivem em sociedade, que não podem praticar ideais de autonomia, democracia ou de cidadania sozinhos, já que precisam do outro para justificar tais condições. De acordo com Warat, na mediação não deve existir a preocupação de dividir a justiça, por isso, não se deve também pensar em autonomia, democracia e cidadania “em relação a algo idealizadamente apresentado como inteiro, como pleno, mas em relação a algo que nunca se fecha, que se constitui em relação e com o outro, devendo ser objeto de uma permanente mediação”25. Enfim, é preciso suplantar ideologias individualistas e construir uma prática de resolução de conflitos baseada na ética da alteridade, que é uma ética antropológica que parte das necessidades de segmentos excluídos e se propõe a gerar uma prática pedagógica, capaz de emancipar os sujeitos oprimidos, injustiçados e expropriados26. Esta ética orientadora da prática da mediação reúne todos os elementos do conceito aqui apresentado, complementando-a. Toda a discussão até então apresentada pressupõe completa adequação adjetivando-se a mediação como comunitária. Ou seja, todos os pressupostos fundamentais apresentados para a mediação não se diferencia quando se discute a mediação comunitária enquanto mecanismo de resolução de conflitos. Tomando-se o conceito apresentado, poder-se-ia reescrevê-lo da seguinte forma, sem que fosse necessário revisar ou readequar qualquer de seus elementos: a mediação comunitária é um instrumento eco-pedagógico-comunicacional de autocomposição de conflitos. 25 WARAT, Em nome do acordo, 1998, p. 7. 26 WOLKMER, Pluralismo jurídico, 1994, p. 241.
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Contudo, pode-se encontrar na doutrina denominações distintas de “mediação comunitária”, tais como “resolução de disputas de vizinhança”, “justiça informal” etc. Estas várias instâncias, de acordo com Pavlich, podem ser colocadas sob a rubrica da “mediação comunitária”, não porque tenham uma singular e homogênea identidade mas para desvelar um racionalidade política contingente27. A grande questão que precisa ser ressaltada aqui, quando se fala em mediação comunitária, e que é pressuposto para que se possa defender a potencialidade que o mecanismo teria em se constituir como instrumento de resgate da afetividade e solidariedade perdidas na modernidade, para que se possa conferir-lhe o papel de propulsora de identidades, autonomias, emancipações, construídas no conviver humano é a de que uma justiça comunitária demanda, necessariamente, sua realização por membros da própria comunidade. Dito de outra forma: todos aqueles elementos distintivos da mediação da forma como se apresentou aqui não seriam qualificados de comunitários se realizados por agente externos à comunidade – sem querer parecer redundante, nestes termos. Enfim, o que se quer dizer aqui é que mediação comunitária, ou justiça comunitária, ou justiça popular, só se legitima como tal se for produzida pelos próprios sujeitos que se identificam como membros de uma determinada comunidade; caso contrário, têm-se aí mera extensão do Estado. Não se está tratando de qualquer prática de mediação, portanto, mas de uma mediação transformativa, nos marcos de uma comunicação relacional. Em contraposição a uma mediação acordista (nos moldes das propostas de reformas do poder judiciário nos países periféricos feitas pelo Banco Mundial e, ainda, nos moldes do projeto de lei de mediação que tramita no Congresso Nacional) e a um marco linear de comunicação (onde se tem a superposição do conflito a partir de uma linguagem jurídica próprio dos iluminados “operadores jurídicos”) que resulta na ausência de espaço de produção de diálogo na jurisdição estatal. Resta, demonstrado de que mediação se está falando, passar ao terceiro e último questionamento proposto inicialmente. 3. A mediação comunitária como prática jurídica inovadora emancipatória Estabeleceu-se, logo no início, que o objetivo geral deste debate era o de demonstrar em que medida a mediação comunitária tem potencialidade para que se promova o resgate da afetividade perdida no universo racional fundante da modernidade. 27 PAVLICH, The Power of Community Mediation, Law and Society Review, 1996, p. 708.
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Este último momento, portanto, presta-se a apontar (e ao mesmo tempo provocar) algumas reflexões, em termos gerais, em torno de conceitos como poder político e ordem (instituto muito “caro à modernidade”), para apresentar a mediação comunitária como condição de possibilidade de resgate dos fundamentos ético-político-comunitários e de restauração ao homem da sua condição de animal político, no sentido aristotélico da expressão, porque toma como critério de inteligibilidade a amizade. Em termos iniciais, propõe-se pensar no conceito de poder político em contraposição à ideia de poder de dominação legada pela modernidade eurocêntrica, assim como o faz Dussel. Ao levantar tal discussão, o autor parte da ideia de que todo ser humano é um ser vivente, mas, ao contrário dos demais seres viventes, é um ser originalmente comunitário. Daí dizer que a “vontade-de-viver” é a tendência originária de todos os seres humanos, constituindo-se enquanto força, enquanto potência que pode mover28. Partindo da ideia de que o homem, ao buscar satisfazer suas necessidades, movido por sua vontade de vida dentro da comunidade, já está no exercício de seu poder político, Dussel relaciona a condição política de todo ser humano à sua capacidade de participar dialogicamente da construção dos consensos29 – estes se constituindo como resultados da comunhão de vontades com vistas à realização do bem comum. Adverte, contudo, que esse consenso não pode ser fruto de dominação, do contrário descaracterizado estaria o “querer-viver-próprio” em favor do “querer-viver-do-soberano”: Sem o fundamento da vontade decidida dos cidadãos, da comunidade política, do povo, que exerce o poder, fica ele próprio debilitado, como sem a brocha e sem a escada de que necessita o pintor. O consenso deve ser um acordo de todos os participantes, como sujeitos, livres, autônomos, racionais, com igual capacidade de intervenção retórica, para que a solidez da união das vontades tenha consistência para resistir aos ataques e criar as instituições que lhe deem permanência e governabilidade30.
Na esteira deste pensamento, visita-se Hannah Arendt quando referencia o deslocamento do agir para o falar, da ação livre para a palavra livre, ao tratar da discussão em torno da condição de ser livre. Ao adentrar nesta discussão, a autora irá esta28 DUSSEL, 20 Teses de política, 2007, p. 25. 29 Entende-se necessário firmar sobre isto uma posição: não se sustenta qualquer outro tipo de consenso, que não este que é fruto da comunhão de vontades dialogadas, inclusive porque, nestes termos, permitem-se os dissensos. Qualquer outra forma de consecução de concordâncias universais, que se dê o nome de consenso, é tomada aqui como conservadora. 30 Ver do autor: DUSSEL, 20 Teses de política, 2007, p. 27.
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belecer o parâmetro de distinção entre tal perspectiva e o conceito moderno tradicional de liberdade, que tem como premissa a ideia de que agir e falar são, em princípio, separados um do outro, de que correspondem a duas capacidades humanas distintas: A tragédia grega e seu drama, nela tratado, baseiam-se nessa convicção básica, de que o falar é, nesse sentido, uma espécie de ação, de que o declínio pode tornar-se um feito se palavras forem lançadas em sua direção enquanto se sucumbe. [...] A liberdade de externar a opinião, determinante para a organização da pólis, distingue-se da liberdade característica do agir, do fazer um novo começo, porque numa medida muitíssimo maior não pode prescindir da presença de outros e do ser-confrontado com suas opiniões31.
O poder político está, portanto, vinculado ao poder comunicativo. É, contudo, ingênuo pensar que a mera comunhão de vontades dos membros da comunidade, expressadas em consensos, é suficiente para descrever o poder político. De acordo com Dussel, é necessário que se possua a faculdade do poder, ou seja, a comunidade “deve poder usar mediações, técnico-instrumentais ou estratégicas, que permitam empiricamente exercer a tal vontade-de-viver do consenso comunitário (ou popular)”. A este poder ele denomina de potestas – que é como se manifesta o poder, é o exercício delegado do poder, é uma capacidade que se tem ou não se tem, mas nunca se toma. O que se assalta, se toma ou se domina, são os instrumentos ou as instituições que consistem nas mediações de seu exercício. Já a potentia é o “poder que tem a comunidade como uma faculdade ou capacidade que é inerente a um povo enquanto última instância da soberania, da autoridade, da governabilidade, do político”. É a essência e fundamento de todo o político32. Pretende-se demonstrar com esta discussão que o legado da visão eurocêntrica de poder é o legado do poder dominação, ainda que se mascare de poder político, e que ele se sustenta pelo argumento do universalismo, do generalismo, da abstração, do individualismo. Tal concepção remete a um mundo público onde os únicos valores comuns são aqueles que dão suporte à liberdade do indivíduo, onde prevalece o exercício de um poder fetichizado, fundado numa universalização de vontades e 31 ARENDT, O que é política?, 1999, 56-58. Complementando o raciocínio: “[...] naquele tempo como hoje, o decisivo não era, de maneira alguma, cada um poder dizer o que bem entendesse, ou cada homem ter um direito imanente de se expressar tal como era. Trata-se aqui talvez da experiência de ninguém poder compreender por si, de maneira adequada, tudo que é objetivo em sua plenitude, porque a coisa só se mostra e se manifesta numa perspectiva, adequada e inerente à sua posição no mundo”. p. 59-60. 32 Ver do autor: DUSSEL, 20 Teses de política, 2007, p. 29-31.
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numa generalização de direitos, sob o argumento do bem-estar social33. O resultado disso salta aos olhos: o massacre das supostas “dissonâncias desordeiras”, que se contrapõem à ordem e à estabilidade institucional, e que nada mais são do que as vozes daqueles que, usurpados dos seus poderes, reclamam a possibilidade de voltar à condição de partícipe nessa comunhão de vontades. Assim, os movimentos sociais, as organizações comunitárias, são tomados como manifestações sociais desordeiras, terroristas, contra institucionais, não pacíficas. O que se nega a estes grupos é a possibilidade de controlar as condições sob as quais se enfrenta os desafios da vida, sendo que, para a maioria, este controle só pode ser obtido coletivamente. Diante disso, lamenta Bauman a falta da comunidade, mas, também estabelece que aí resida a chance de que ela venha a se realizar. Nas suas palavras, “se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos, e com igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos”34. Nestes termos se antepõe o conceito de comunidade de vítimas. Quando Dussel apresenta seu conceito, parte da constatação de que estas comunidades constituem-se a partir de faltas. As faltas que aqui se destacam com vistas a se apropriar de tal conceito de comunidade são determinadas pela ausência de mecanismos de participação na construção de consensos em torno de direitos, justiças e dos mecanismos pelos quais estes direitos e justiças se promovem nestes espaços de integração social que estão à margem da “sociedade incluída”. Legitima-se, portanto, os fundamentos de existência e conservação destas comunidades, porque é também legítima a causa pela qual seus membros aproximam-se: porque se reconhe-
33 Partindo deste mesmo ponto, Buarque utiliza-se do termo “apartação” para descrever esse processo de exclusão e de privação do exercício do poder. Das muitas discussões que apresenta o autor para demonstrar as manifestações deste sistema de “apartação”, uma, em especial, chamou a atenção: quando o autor analisa a condição de excluídos sob a ótica do processo de modernização e industrialização, estabelece como diagnóstico o desaparecimento dos setores de produção alternativos e alerta para a questão da fome. Neste ponto, estabelece que o único ponto de tangência que resta aos excluídos é o lixo! Quer dizer com isto que a condição de sobrevivência para os excluídos é viver das sobras do sistema. Porém, ao avançar na discussão, chega ao ponto que se considera mais alarmante: Com o tempo, nem o lixo existirá. O setor moderno tende a reciclar o lixo e a tratá-lo com modernas técnicas. O resultado: as populações marginais perderão aos poucos o último vínculo com a modernidade: o lixo. A alternativa será a total exclusão e a morte. BUARQUE, O que é apartação social?, 1996, p. 39-40. 34 BAUMAN, Comunidade, 2003, p. 134.
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cem uns nos outros como usurpados da capacidade de exercer a “vontade-de-viver”, porque se reconhecem uns nos outros considerando-se que entre eles se tem a mesma condição social, estabelecendo-se laços que os unem pela falta, que o motivam a lutar por algo que satisfaz a si próprio, mas não somente. Entre outras afinidades dadas pela falta, a que interessa em especial aqui é a falta de acesso ao direito e à justiça, que se constituem enquanto elementos fundamentais para o exercício da cidadania digna. Enquanto este motivo que aproxima os atores sociais perdura, não se pode falar em contraordem, em contrainstitucionalidade, em terrorismo. Cada uma destas situações sociais vem acompanhada de uma série de atividades que justificam a “luta social”. De acordo com Honneth, os excluídos combatem constantemente as tendências ao empobrecimento – e permite-se acrescentar, ao inacesso ao direito e à justiça – como forma de oposição que vai desde os confrontos com autoridades até a impulsão de esforços desesperados para manter a integridade psicológica, da família, e da comunidade como um todo35. De fato, como insiste Bourdieu, a esfera política pública não reconhece nenhum destes esforços como forma relevante de conflito social. Ao contrário, uma espécie de filtro perceptivo garante que somente os problemas que já tenham alcançado o nível organizacional de um movimento político sejam levados a sério em termos morais: Mal-estares inexpressos e muitas vezes inexprimíveis, e as organizações políticas, que dispõem para pensar sobre eles apenas da categoria superada do “social”, não podem perceber nem, com razão mais forte, assumir. Elas não poderiam fazer isso senão sob a condição de alargar a visão estreita do “político” que herdaram do passado e inscrever aí não somente todas as reivindicações não imagináveis que foram levadas ao público pelos movimentos ecológicos, antirracistas ou feministas (entre outros), mas também todas as expectativas e as esperanças difusas que, porque geralmente tocam a ideia que as pessoas fazem de sua identidade e de sua dignidade, parecem depender da ordem do privado e por isso estar legitimamente excluídas dos debates políticos36.
O que não se quer é que, a partir da legitimação aqui defendida destes novos movimentos sociais, destas novas formas de manifestação e contestação políticas, enfim, da legitimação destes núcleos de integração social comunitários e de suas formas autônomas de organização e resolução de conflitos, que se seja
35 GONNETH, Redistribución como reconocimiento, ¿Redistribución o reconocimiento?, 2006, p. 96. 36 BOURDIEU, A miséria do mundo, 2003, 733-734.
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acusada de defender uma “espécie bizarra de retraimento despolitizado” manifesta na comunidade, como bravata Sennett: [...] a celebração da comunidade territorial contra os males do urbanismo capitalista impessoal se coaduna quase confortavelmente com um sistema mais amplo, porque leva a uma lógica de defesa local contra o mundo exterior, mais do que a um desafio contra as atividades desse mundo. Quando uma comunidade “combate” a prefeitura nesses termos, ela combate para ser deixada em paz, para ficar isenta ou protegida do processo político, e não para mudar o próprio processo político. Eis porque a lógica emocional da comunidade, começando como uma resistência aos males do capitalismo moderno, resulta numa espécie bizarra de retraimento despolitizado; o sistema permanece intacto; mas talvez consigamos fazer com que o nosso torrão não seja afetado. [...] Pois aquilo que está errado com a noção da construção de uma comunidade contra o mundo está em que ela assume o fato de que os próprios termos da experiência intimista efetivamente permitiriam às pessoas criar um novo tipo de sociabilidade, baseada em compartilharem seus sentimentos37.
É exatamente contra esta ideia que se pretende firmar posição aqui, discutindo-se a relação entre a mediação comunitária e a amizade: a ideia de aproximação por laços afetivos não para conservar, mas para transformar. Transformar o próximo, transformar o todo a partir da transformação dos papéis sociais ativamente desempenhados por cada um dos membros da comunidade, com vistas à construção de suas histórias, respeitando-se mutuamente, deliberando e decidindo sobre aquilo que lhes é necessário porque é também necessário para o todo. A lógica não é a da apartação, mas de diferenciação – num primeiro momento pela condição de exclusão, num momento posterior pela condição de cidadão. É inegável que, por trás da cortina da generalização e da igualdade de todos, esconde-se uma sociedade repleta de comunidades de vontades sufocadas. Assim, defender o resgate da noção de comunidade favorece o resgate da potentia e permite um espaço de interação comunicativa. E a mediação comunitária é um instrumento para alcançar este fim pelas características que possui e que já foram apontadas em momento anterior. A condição de cidadão é, portanto, universal. Mas a universalidade da cidadania não se opõe ao pluralismo das formas de vida humana. De acordo com Bauman, “o teste de uma verdadeira humanidade universal é sua capacidade de dar espaço ao pluralismo e permitir que o pluralismo sirva à causa da humani-
37 SENNETT, O declínio do homem público, 1988, p. 360-361.
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dade – que viabilize e encoraje a discussão contínua sobre as condições compartilhadas do bem”38. Vive-se numa sociedade pluralista – social e juridicamente. Há vários consensos, há vários direitos, porque há várias comunidades de vontades. Ainda que o discurso dominante se dê pelas vias argumentativas contrárias a isso, a legitimação do pluralismo jurídico é pressuposto para uma sociedade democrática. E é pressuposto, portanto, para uma justiça democrática. Daí porque falar em revolução democrática da justiça. Salvo raríssimas exceções, o judiciário hoje é a representação de um poder exercido na lógica “os que mandam mandando”, ou seja, do poder dominação. A própria noção de justiça, e do acesso a ela, está vinculada à legitimação do monopólio do Estado de distribuição do direito. Qualquer outra forma de resolução de conflitos que não passe pelas mãos do Estado não é legítima39. Essa revolução pode ser pensada a partir de diversas transformações que deve sofrer a administração da justiça. Em amplos aspectos, as transformações ocorrem pela transformação do próprio poder Judiciário, de suas práticas e seus agentes; mas também pela transformação do que se considera justiça e de como se dá o acesso a ela. A atenção se volta para esse último ponto, não porque não se acredite na transformação do Judiciário, mas porque se acredita que a justiça não se reduz à sua intervenção. Enquanto houver uma frustração sistemática das expectativas democráticas, a democracia ela própria pode ser alvo de desistência. Insistir na democracia é lutar pela democratização da justiça, o que significa a ampliação do conceito de justiça e legitimação do seu alcance fora do Judiciário. Legitima-se, por convicção, o pluralismo jurídico, assume-se também que há outras formas autênticas de solução dos conflitos além do Judiciário. Enfim, há formas alternativas de solução de conflitos e elas o são assim consideradas não apenas porque estão ao lado do Judiciário. São alternativas, acima de tudo, porque lidam com os conflitos de maneira diferente daquela litigiosa, impessoal e generalista, própria da jurisdição estatal. A jurisdição moderna, como consequência das considerações feitas anteriormente, impõe uma impessoalidade nas relações jurídicas e judiciárias que acaba por desconsiderar a condição identitária, comunitária, fazendo com que as soluções sejam também desprovidas de estarem diretamente referidas à realidade. Ou seja, há uma universalização dos conflitos, ainda que eles tenham raízes não universalizáveis.
38 BAUMAN, Comunidade, 2003, p. 126. 39 Vide debate eterno e maniqueísta do projeto de lei de mediação que tramita no congresso nacional há anos. Nos moldes que venha sendo debatido, melhor seria que a lei não chegasse a se concretizar, pois com ela vêm as amarras.
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Tomar a mediação como instrumento eco-pedagógico-comunicacional de autocomposição de conflitos é tornar possível uma concepção de direito e de justiça muito mais próximos da realidade. Legitimar as práticas de mediação comunitária é legitimar uma justiça próxima dos cidadãos porque é por eles manufaturada (não no sentido próprio de um “estado de natureza”, mas numa perspectiva de autonomia e emancipação pró-societária), é atender ao conceito de cidadania que permeava a teoria política aristotélica: cidadão é aquele que delibera e decide40. É também por este motivo que a mediação comunitária pode ser tomada como uma prática jurídica popular inovadora41. Primeiro porque trabalha com um conceito de liberdade que se contrapõe àquele desenhado pela modernidade – nela o homem é livre da comunidade. A concepção de integração social que é pressuposto para a prática da mediação nos moldes aqui defendidos, prescreve a condição humana de liberdade na comunidade; não se pode pensar o significado de ser e estar no mundo a par da pertença ao local pelo qual se identifica no mundo. O homem age, interage, troca, constitui-se a partir da sua identificação com valores, princípios, convicções que não se postulam no isolamento, mas, ao contrário, na comunhão. E conviver constitui-se em algo complexo, que pode vir a gerar conflitos. Se estes são solucionados levando em conta o contexto no qual se produzem, de forma não universalista, de maneira consensual, de modo a valorizar e buscar preservar os laços afetivos que cimentam as relações humanas tem-se uma grande probabilidade destes conflitos gerarem transformações sociais positivas. Também é inovadora, se legitimada como mecanismo de conscientização e organização da comunidade, na medida em que se contrapõe ao processo de exclusão, produto da perversidade de um modelo de sociedade capitalista-liberal-individualista moderna. Quando as próprias partes envolvidas no conflito se autodeterminam na busca de uma solução para o seu problema, empoderam-se de seus direitos e constituem-se enquanto sujeitos emancipados e construtores de sua própria história. A mediação comunitária desmistifica o direito na medida em que trabalha com a valorização dos saberes e conhecimen-
40 ARISTÓTELES, Política, 1983. Cumpre lembrar que a concepção aqui adotada de cidadania não se estabelece a partir dos mesmos critérios defendidos pelo Estagirita. Não se pode esquecer que, para Aristóteles, mulheres, jovens e escravos, por exemplo, não participavam dos processos de decisão sobre o bem da pólis. O que se apropria aqui, da tradição aristotélica, é a noção de que se considerado cidadão todo aquele que participa dos processos decisórios. Numa sociedade democrática, esta condição deve estender-se a todos, sem distinção. 41 Cf. conceito desenvolvido por: CAMPILONGO, Assistência jurídica e realidade social, Discutindo a assessoria popular, 1991.
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tos produzidos a partir da própria convivência social, saberes estes que são manifestações de consensos construídos com base na capacidade dialógica de cada membro desta comunidade, considerando-se para tanto, a sua condição de ser político. Da mesma forma, contribui para uma politização das demandas, permitindo uma exegese socialmente orientada, não meramente reativa, mas também preventiva dos conflitos. Sobre a produção de saberes e conhecimentos, cumpre ressaltar que, se toma por tais conceitos, o sentido lhe dá Boaventura de Sousa Santos: “Todo conhecimento implica uma trajetória, uma progressão de um ponto ou estado A, designado por ignorância, para um ponto ou estado B, designado por saber. As formas de conhecimento distinguem-se pelo modo como caracterizam os dois pontos e a trajetória que conduz de um a outro”. Desta forma, não se pode falar nem em ignorância em geral nem em saber em geral: “Cada forma de conhecimento reconhece-se num certo tipo de saber a que contrapõe um certo tipo de ignorância, a qual, por sua vez, é reconhecida como tal quando em confronto com esse tipo de saber. Todo saber é saber sobre uma certa ignorância e, vice-versa, toda a ignorância é ignorância de um certo saber”42. Já com relação ao encontro de saberes, sustenta-se aqui tal ideia na concepção de educação popular de Paulo Freire43, revalorizando-se o senso comum como uma forma legítima e autêntica de conhecimento, no sentido desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos de que “o senso comum é interdisciplinar e não metódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida”44. Ainda, considerando-se a necessidade, já apresentada desde o início, de se contrapor ao lugar comum de discussão filosófica constituído na modernidade em torno da dicotomia público-privado e da fronteira criada em torno daquilo que pode ser objeto de indagação de um e de outro desses espaços, cumpre esclarecer sob que prisma se toma tal discussão, com vistas a justificar um enfoque neoaristotélico para a questão da amizade, tomada como critério de inteligibilidade da mediação comunitária. Enfim, interessa demonstrar o que se compreende, portanto, por público e privado e como isto está relacionado ao ético. Assim como o faz Dussel, entende-se que o privado-público traduz-se nas diversas posições ou modos do exercício da intersubjetividade. A intersubjetividade, desta forma, contém a trama de onde se desenvolve a objetividade das ações e das instituições e, por outro lado, é também um a priori da subjetividade, 42 SANTOS, A crítica da razão indolente, 2002, p. 78. 43 Conferir em especial a obra: FREIRE, Pedagogia da autonomia, 2007. 44 SANTOS, Um discurso sobre as ciências, 2001, p. 56.
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uma vez que sempre é um momento constitutivo anterior, gênese passiva. Isto posto, a democracia é “uma instituição política objetiva, que origina ao mesmo a intersubjetividade tolerante dos cidadãos desde o berço, como suposto subjetivo”. Ou seja, “toda subjetividade é sempre intersubjetiva”45. Entende-se aqui como privado o agir do sujeito em uma posição intersubjetiva “tal que se encontre protegido da presença, do olhar, do ser agredido pelos outros membros dos múltiplos sistemas intersubjetivos dos quais forma parte”. Seria uma prática externa ao campo político. O público, ao contrário, é o modo que o sujeito adota como posição intersubjetiva em um “campo com outros”, de acordo com Dussel; modo que permite a função de “ator”, cujos “papéis” ou ações se “representam” frente ao olhar de todos os outros atores; papéis definidos do relato ou narrativa fundante de um certo sistema político46. Assim, a política é sinônimo do público, e a ética está diretamente vinculada à política, portanto, ao público, na medida em que não se pode pensar no agir ético sem a presença do outro. De acordo com Bittar, o espaço público pressupõe a liberdade de encontros comunicativos, o que, de certa forma, significa que sua espontaneidade não é determinada nem pela mídia, nem pelo governo e nem por outras forças totalizantes. Assim: “[...] A noção de esfera pública é, portanto, incentivadora do pluralismo, do encontro da diversidade, do incremento da politicidade nas sociedades modernas diferenciadas e complexas, pois os critérios de entrada e participação não estão vinculados a pressupostos totalizantes”47. Se assim o é e considerando que a modernidade deixou para a amizade um espaço exclusivamente adstrito ao privado, justifica-se sustentar que a mediação comunitária, por adotar como critério de inteligibilidade a amizade, recupera o caráter ético da vida em sociedade, admitindo que os vínculos sociais se justificam por fundamentos jurídicos, sociais, mas também afetivos, e que qualquer abalo nestes vínculos dizem respeito, diretamente, ao público, na medida em que são produtos do conviver, e não só do viver, em comunidade. Ou seja, quando se está diante de um conflito e se permite encará-lo como algo compartilhado, e não rivalizado, por aqueles que o vivenciam, quando se potencializa a restauração das animosidades tendo como foco a perpetuação de relacionamentos, permite-se invocar, no plano público, a importância dos laços afetivos como condição de possibilidade dos atores se enxergarem como partícipes da comunidade.
45 DUSSEL, 20 teses de política, 2007, p. 21. 46 DUSSEL, 20 teses de política, 2007, p. 21-22. 47 BITTAR, A discussão do conceito de direito, Boletim da Faculdade de Direito, 2005, p. 816-817.
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Não se propõe, portanto, a mediação como mecanismo apto a descongestionar o Judiciário, pois as demandas que seriam solucionadas pela mediação comunitária, na medida em que se constitui como justiça popular, não seriam satisfatoriamente solucionadas pelo Judiciário, considerando-se a lógica liberal-individualista-normativista que impera nos “palácios da justiça”. As demandas para as quais uma prática de mediação popular se presta não seriam talvez sequer apreciadas, já que não podem ser lidas conforme o “dicionário jurídico formal”. Para as instituições judiciárias estatais, já existem demandas suficientes. O que se quer defender é que uma sociedade que legitima movimentos de resolução popular de conflitos pode ser uma sociedade menos violenta e mais fraterna. Legitimar as práticas de mediação popular é dar efetividade aos princípios democráticos firmados na Carta Constitucional. Se ao direito pode ser atribuído o caráter transformador, ele não pode estar vinculado a uma visão maniqueísta de sua manifestação. Não se pode ignorar o pluralismo jurídico, tampouco as legítimas plurais formas de resolução de conflitos. Dito de outro modo: pela lógica tradicional de solução de conflitos, satisfazer as necessidades e reduzir sofrimentos e injustiças pode fazer com que as pessoas se sintam melhores, mas problemas solucionados são prontamente substituídos por outros novos e a justiça feita é rapidamente desfeita. Quando as pessoas são imbuídas a mudar a qualidade da interação conflituosa ela própria, no momento em que o conflito emerge, as pessoas estão mais aptas a responder com autoconfiança e empatia, e é possível imaginar maior e melhor satisfação das necessidades como algo permanente48. Neste ponto se estabelece, mais uma vez, a inter-relação entre o conceito aristotélico de amizade e a mediação comunitária. Pessoas confiantes e conectadas umas às outras por laços políticos, que em última análise são afetivos, não têm por pretensão causar dano ao outro, na medida em que no amigo se vê a si próprio e, por outro lado, os laços de afetividade são elementos de manutenção da estabilidade e paz sociais. A esse tipo de encontro entre amigos dá-se o nome de esclarecimento. A mediação comunitária proporciona encontros comunicativos de esclarecimento. Encontros estes que são gerados pela presença de uma crise que, paradoxalmente, só pode ser resolvida por um encontro. Mas não é um simples encontro para esclarecimento conceitual. Esclarecimento significa, nestes termos, compreender por que nasceu a crise, quais forças a acionaram, e desbaratá-las, tirar-lhes o valor, o sentido. Esclarecimento significa rever juntos criticamente o passado, percorrê-lo para trás até antes da incompreensão, da queda. O 48 BUSH, FOLGER, The promise of mediation, 2005, p. 37.
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encontro que resolve a crise supera essa pré-história, reata a sequência dos encontros e permite outro passo adiante. De acordo com Alberoni, “superar uma crise significa também sempre superar uma própria maldade, um próprio exagero, uma intolerância, cólera, um modo superficial, impróprio de agir. Superar uma crise significa melhorar a si mesmo, fazer uma passagem difícil em nosso próprio desenvolvimento pessoal”49. Há, neste processo de encontros comunicativos e transformações individuais e coletivas uma situação que aqui se vai denominar de circular, que tem como resultado nada menos do que o fortalecimento da democracia. Explica-se: quanto mais forte uma das partes envolvidas no conflito se torna, mais aberta ela fica ao outro. Quanto mais aberta ao outro, mais forte este se sente, mais aberto este se torna àquela, mais forte ela se sente. De fato quanto mais aberta uma parte demonstra-se à outra, mais forte esta se sente consigo mesma, simplesmente porque está mais aberta, isto é, a abertura não requer, mas cria uma sensação de força, de magnanimidade. De acordo com Bush e Folger, há um círculo entre força e resposta quando estas emergem. Mas, de acordo com os autores, este não é um círculo vicioso, mas sim “um círculo virtuoso” – um círculo virtuoso de transformação pelo conflito: Por que transformação pelo conflito? Porque as partes fazem movimentos de empoderamento e reconhecimento, e assim que estes elementos se reforçam num círculo virtuoso, a interação como um todo começa a transformar e regenerar. Ela se modifica de interação negativa, destrutiva, alienante e demonizante para outra que é positiva, construtiva, conectora, e humanizante, mesmo quando o conflito e a desavença ainda permaneçam50.
Assim, pela mediação comunitária de caráter transformativa, as partes podem recapturar seu senso de competência e conexão, reverter o ciclo negativo do conflito, restabelecer uma interação construtiva, e seguir adiante com uma postura positiva51. Por outro lado, se a interação social é um processo de descoberta e confirmação das identidades, se é pela interação que o homem se constitui, que é a interação que dá sentido à vida e cria as bases para decidir quais objetivos e caminhos serão seguidos, separadamente ou coletivamente, quando se está diante de um conflito, pode-se perceber, momentaneamente, uma quebra neste processo. Pela mediação transformativa, considerando-se o conflito como uma oportunidade de transformar(-se), as partes têm a possibilidade de reavaliar, reafirmar, reconstruir
49 ALBERONI, A amizade, 1989, p. 21-22. 50 BUSH, FOLGER, The promise of mediation, 2005, p. 56. 51 BUSH, FOLGER, The promise of mediation, 2005, p. 53.
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seus objetivos e identidades, enxergando no outro a condição de possibilidade disso. As chances de realizar uma ética e uma política da amizade são escassas? Depende do quanto se acredita nisso e quanto se pode investir no homem e na sua capacidade de autodeterminação para que isso ocorra. É uma aposta na contraposição ao que Bauman anuncia como retrato da pós-modernidade: “vazios são os lugares em que não se entra e onde se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos”. Bibliografia ALBERONI, Francesco. A Amizade. Tradução de Wilma Lucchesi. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. Posfácio Celso Lafer. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. ARISTÓTELES. Moral. La Gran Moral. Moral a Eudemo. 3. ed. Buenos Aires – México: Espasa – Calpe Argentina S.A, 1945. _______. Política. Ed. bilíngue y Traducción de Maria Araújo y Julián Marías. Introducción y notas Julián Marías. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 1983. _______. Ética a Nicómaco. Ed. bilíngue y Traducción de Maria Araújo y Julián Marías. Introducción y notas Julián Marías. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 1999. ÀVILA I SERRA, Martí. Una mirada a la amistad. Barcelona: El Barquero, 2003. BALDINI, Máximo (org.). Amizade e Filósofos. Tradução de Antonio Angonese. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2000. (Coleção Filosofia e Política). BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. _______. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. _______. Razão e afeto, justiça e direitos humanos: dois paralelos cruzados para a mudança paradigmática. Reflexões frankfurtianas e a revolução pelo afeto. In: Revista Mestrado em Direito, Osasco, ano 8, n. 1, 2008, p. 99-128. _______. A discussão do conceito de direito. In: Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, n. 81, 2005, p. 797-826. BOURDIEU, Pierre (coord.). A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2003. BUARQUE, Cristóvão. O que é apartação social? O apartheid social no Brasil. Brasília: Editora Brasiliense, 1996. BUSH, Robert A. Baruch; FOLGER, Joseph P. The promise of mediation: the transformative approach to conflict. Revised Edition. San Francisco: Jossey-Bass, 2005.
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TEMAS DOS CADERNOS IHU IDEIAS N. 01 N. 02
N. 03 N. 04 N. 05 N. 06 N. 07 N. 08 N. 09 N. 10 N. 11 N. 12 N. 13 N. 14 N. 15 N. 16 N. 17 N. 18 N. 19 N. 20 N. 21 N. 22 N. 23 N. 24 N. 25 N. 26 N. 27 N. 28 N. 29 N. 30 N. 31 N. 32 N. 33 N. 34 N. 35 N. 36 N. 37 N. 38 N. 39 N. 40 N. 41 N. 42 N. 43 N. 44 N. 45 N. 46 N. 47 N. 48 N. 49
A teoria da justiça de John Rawls – Dr. José Nedel O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Dra. Edla Eggert O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Jornalista Sonia Montaño Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Dr. Manfred Zeuch BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Profa. Dra. Suzana Kilpp Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Prof. Dr. Valério Cruz Brittos Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Profa. Dra. Márcia Tiburi A domesticação do exótico – Profa. Dra. Paula Caleffi Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Profa. Dra. Edla Eggert Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Prof. Dr. Gunter Axt Medicina social: um instrumento para denúncia – Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Profa. Dra. Débora Krischke Leitão As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Prof. Dr. Mário Maestri Um itinenário do pensamento de Edgar Morin – Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Profa. Dra. Helga Iracema Ladgraf Piccolo Sobre técnica e humanismo – Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Junior Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Profa. Dra. Lucilda Selli Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Prof. Dr. Paulo Henrique Dionísio Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Prof. Dr. Valério Rohden Imagens da exclusão no cinema nacional – Profa. Dra. Miriam Rossini A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – MS Rosa Maria Serra Bavaresco O modo de objetivação jornalística – Profa. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco A cidade afetada pela cultura digital – Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – Prof. MS José Fernando Dresch Kronbauer Getúlio, romance ou biografia? – Prof. Dr. Juremir Machado da Silva A crise e o êxodo da sociedade salarial – Prof. Dr. André Gorz À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay - Seus dilemas e possibilidades – Prof. Dr. André Sidnei Musskopf O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Adam Smith: filósofo e economista – Profa. Dra. Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Prof. Dr. Luiz Mott. Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Prof. Dr. Gentil Corazza Corpo e Agenda na Revista Feminina – MS Adriana Braga A (anti)filosofia de Karl Marx – Profa. Dra. Leda Maria Paulani Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monasterio Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva & Samuel McGinity Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Prof. Dr. Lothar Schäfer “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Profa. Dra. Ceres Karam Brum O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa Religião e elo social. O caso do cristianismo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu. Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud
N. 50 N. 51 N. 52 N. 53 N. 54 N. 55 N. 56 N. 57 N. 58 N. 59 N. 60 N. 61 N. 62 N. 63 N. 64 N. 65 N. 66 N. 67 N. 68 N. 69 N. 70 N. 71 N. 72 N. 73 N. 74 N. 75 N. 76 N. 77 N. 78 N. 79 N. 80 N. 81 N. 82 N. 83 N. 84 N. 85 N. 86 N. 87 N. 88 N. 89 N. 90 N. 91 N. 92 N. 93 N. 94 N. 95 N. 96 N. 97 N. 98 N. 99 N. 100 N. 101 N. 102 N. 103 N. 104 N. 105
Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Prof. Dr. Evilázio Teixeira Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington & Stela Nazareth Meneghel Ética e emoções morais – Prof. Dr. Thomas Kesselring Juízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? – Prof. Dr. Adriano Naves de Brito Computação Quântica. Desafios para o Século XXI – Prof. Dr. Fernando Haas Atividade da sociedade civil relativa ao desarmamento na Europa e no Brasil – Profa. Dra. An Vranckx Terra habitável: o grande desafio para a humanidade – Prof. Dr. Gilberto Dupas O decrescimento como condição de uma sociedade convivial – Prof. Dr. Serge Latouche A natureza da natureza: auto-organização e caos – Prof. Dr. Günter Küppers Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades – Dra. Hazel Henderson Globalização – mas como? – Profa. Dra. Karen Gloy A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida – MS Cesar Sanson Incidente em Antares e a Trajetória de Ficção de Erico Veríssimo – Profa. Dra. Regina Zilberman Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história – Prof. Dr. Fernando Lang da Silveira e Prof. Dr. Luiz O. Q. Peduzzi Negações e Silenciamentos no discurso acerca da Juventude – Cátia Andressa da Silva Getúlio e a Gira: a Umbanda em tempos de Estado Novo – Prof. Dr. Artur Cesar Isaia Darcy Ribeiro e o O povo brasileiro: uma alegoria humanista tropical – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Adoecer: Morrer ou Viver? Reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609-1675) – Profa. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck Em busca da terceira margem: O olhar de Nelson Pereira dos Santos na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. João Guilherme Barone Contingência nas ciências físicas – Prof. Dr. Fernando Haas A cosmologia de Newton – Prof. Dr. Ney Lemke Física Moderna e o paradoxo de Zenon – Prof. Dr. Fernando Haas O passado e o presente em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade – Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini Da religião e de juventude: modulações e articulações – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Tradição e ruptura na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. Eduardo F. Coutinho Raça, nação e classe na historiografia de Moysés Vellinho – Prof. Dr. Mário Maestri A Geologia Arqueológica na Unisinos – Prof. MS Carlos Henrique Nowatzki Campesinato negro no período pós-abolição: repensando Coronelismo, enxada e voto – Profa. Dra. Ana Maria Lugão Rios Progresso: como mito ou ideologia – Prof. Dr. Gilberto Dupas Michael Aglietta: da Teoria da Regulação à Violência da Moeda – Prof. Dr. Octavio A. C. Conceição Dante de Laytano e o negro no Rio Grande Do Sul – Prof. Dr. Moacyr Flores Do pré-urbano ao urbano: A cidade missioneira colonial e seu território – Prof. Dr. Arno Alvarez Kern Entre Canções e versos: alguns caminhos para a leitura e a produção de poemas na sala de aula – Profa. Dra. Gláucia de Souza Trabalhadores e política nos anos 1950: a idéia de “sindicalismo populista” em questão – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Dimensões normativas da Bioética – Prof. Dr. Alfredo Culleton & Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza – Prof. Dr. Attico Chassot Demanda por empresas responsáveis e Ética Concorrencial: desafios e uma proposta para a gestão da ação organizada do varejo – Profa. Dra. Patrícia Almeida Ashley Autonomia na pós-modernidade: um delírio? – Prof. Dr. Mario Fleig Gauchismo, tradição e Tradicionalismo – Profa. Dra. Maria Eunice Maciel A ética e a crise da modernidade: uma leitura a partir da obra de Henrique C. de Lima Vaz – Prof. Dr. Marcelo Perine Limites, possibilidades e contradições da formação humana na Universidade – Prof. Dr. Laurício Neumann Os índios e a História Colonial: lendo Cristina Pompa e Regina Almeida – Profa. Dra. Maria Cristina Bohn Martins Subjetividade moderna: possibilidades e limites para o cristianismo – Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Saberes populares produzidos numa escola de comunidade de catadores: um estudo na perspectiva da Etnomatemática – Daiane Martins Bocasanta A religião na sociedade dos indivíduos: transformações no campo religioso brasileiro – Prof. Dr. Carlos Alberto Steil Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos – MS Cesar Sanson De volta para o futuro: os precursores da nanotecnociência – Prof. Dr. Peter A. Schulz Vianna Moog como intérprete do Brasil – MS Enildo de Moura Carvalho A paixão de Jacobina: uma leitura cinematográfica – Profa. Dra. Marinês Andrea Kunz Resiliência: um novo paradigma que desafia as religiões – MS Susana María Rocca Larrosa Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house – Dra. Vanessa Andrade Pereira Autonomia do sujeito moral em Kant – Prof. Dr. Valerio Rohden As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 1 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Uma leitura das inovações bio(nano)tecnológicas a partir da sociologia da ciência – MS Adriano Premebida ECODI – A criação de espaços de convivência digital virtual no contexto dos processos de ensino e aprendizagem em metaverso – Profa. Dra. Eliane Schlemmer As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 2 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Futebol e identidade feminina: um estudo etnográfico sobre o núcleo de mulheres gremistas – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha
Rosa Maria Zaia Borges Abrão possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e doutorado em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS em tempo integral. É vice-presidente da Associação Brasileira do Ensino do Direito – ABEDi. É membro fundadora do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição – IDEJUST. Tem experiência na área de Direito Internacional Público, com ênfase em Direito Internacional Humanitário, área na qual é coordenadora de grupo de estudos na PUCRS desde 2005. Possui atividades vinculadas à área de mediação, como professora da disciplina, como coordenadora de atividades de extensão e, ainda, como professora convidada em curso de formação de mediadores. Algumas publicações da autora: ABRÃO, R. M. Z. B., BRUSCATO, G. T., RIPOLL, J. C., TEIXEIRA, C. R., PAULA, L. Limites
e perspectivas da extensão universitária: um olhar a partir da assessoria jurídica popular. Captura Críptica: direito, política, atualidade. Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito. n.2, v.1 (jul/dez. 2009), Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 2009, p. 435-448. ABRÃO, R. M. Z. B. Justiça como Ordem: O Contrato Social e a análise crítica da realização da justiça e da igualdade na modernidade. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 33, n. 2, Revista da Faculdade de Direito da PUCRS, 2007, p. 211-230. ABRÃO, R. M. Z. B. Os desafios do direito internacional público para as novas relações internacionais na sociedade global. In: PIRES JUNIOR, P. A. (org.). Diálogos em Direito Público. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. p. 329- 348. ABRÃO, R. M. Z. B., VESTENA, C. A. A problemática do local e do global na mediação: a perspectiva emancipatória e a agenda do Banco Mundial para as reformas dos judiciários periféricos. In: X Congreso Nacional de Sociología Jurídica, Córdoba, 2009. N. 106 N. 107 N. 108 N. 109 N. 110 N. 111 N. 112 N. 113 N. 114 N. 115 N. 116 N. 117 N. 118 N. 118 N. 119 N. 120 N. 121 N. 122 N. 123 N. 124 N. 125 N. 126 N. 127 N. 128 N. 129 N. 130
Justificação e prescrição produzidas pelas Ciências Humanas: Igualdade e Liberdade nos discursos educacionais contemporâneos – Profa. Dra. Paula Corrêa Henning Da civilização do segredo à civilização da exibição: a família na vitrine – Profa. Dra. Maria Isabel Barros Bellini Trabalho associado e ecologia: vislumbrando um ethos solidário, terno e democrático? – Prof. Dr. Telmo Adams Transumanismo e nanotecnologia molecular – Prof. Dr. Celso Candido de Azambuja Formação e trabalho em narrativas – Prof. Dr. Leandro R. Pinheiro Autonomia e submissão: o sentido histórico da administração – Yeda Crusius no Rio Grande do Sul – Prof. Dr. Mário Maestri A comunicação paulina e as práticas publicitárias: São Paulo e o contexto da publicidade e propaganda – Denis Gerson Simões Isto não é uma janela: Flusser, Surrealismo e o jogo contra – Yentl Delanhesi SBT: jogo, televisão e imaginário de azar brasileiro – Sonia Montaño Educação cooperativa solidária: perspectivas e limites – Prof. MS Carlos Daniel Baioto Humanizar o humano – Roberto Carlos Fávero Quando o mito se torna verdade e a ciência, religião – Róber Freitas Bachinski Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal A espiritualidade como fator de proteção na adolescência – Luciana F. Marques & Débora D. Dell’Aglio A dimensão coletiva da liderança – Patrícia Martins Fagundes Cabral & Nedio Seminotti Nanotecnologia: alguns aspectos éticos e teológicos – Eduardo R. Cruz Direito das minorias e Direito à diferenciação – José Rogério Lopes Os direitos humanos e as nanotecnologias: em busca de marcos regulatórios – Wilson Engelmann Desejo e violência – Rosane de Abreu e Silva As nanotecnologias no ensino – Solange Binotto Fagan Câmara Cascudo: um historiador católico – Bruna Rafaela de Lima O que o câncer faz com as pessoas? Reflexos na literatura universal: Leo Tolstoi – Thomas Mann – Alexander Soljenítsin – Philip Roth – Karl-Josef Kuschel Dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à identidade genética – Ingo Wolfgang Sarlet & Selma Rodrigues Petterle Aplicações de caos e complexidade em ciências da vida – Ivan Amaral Guerrini Nanotecnologia e meio ambiente para uma sociedade sustentável – Paulo Roberto Martins