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ideias As sociedades indígenas e a economia do dom O caso dos guaranis Maria Cristina Bohn Martins

ano 8 · nº 138 · 2010 · ISSN 1679-0316


Os Cadernos IHU ideias apresentam artigos produzidos pelos convidados-palestrantes dos eventos promovidos pelo IHU. A diversidade dos temas, abrangendo as mais diferentes áreas do conhecimento, é um dado a ser destacado nesta publicação, além de seu caráter científico e de agradável leitura.


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As sociedades indĂ­genas e a economia do dom O caso dos guaranis

Maria Cristina Bohn Martins ano 8 - nÂş 138 - 2010 - 1679-0316


UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ Vice-reitor José Ivo Follmann, SJ Instituto Humanitas Unisinos Diretor Inácio Neutzling, SJ Gerente administrativo Jacinto Aloisio Schneider Cadernos IHU ideias Ano 8 – Nº 138 – 2010 ISSN: 1679-0316

Editor Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos Conselho editorial Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos Prof. MS Gilberto Antônio Faggion – Unisinos Profa. Dra. Marilene Maia – Unisinos Esp. Susana Rocca – Unisinos Profa. Dra. Vera Regina Schmitz – Unisinos Conselho científico Prof. Dr. Adriano Naves de Brito – Unisinos – Doutor em Filosofia Profa. MS Angélica Massuquetti – Unisinos – Mestre em Economia Rural Prof. Dr. Antônio Flávio Pierucci – USP – Livre-docente em Sociologia Profa. Dra. Berenice Corsetti – Unisinos – Doutora em Educação Prof. Dr. Gentil Corazza – UFRGS – Doutor em Economia Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel – UERGS – Doutora em Medicina Profa. Dra. Suzana Kilpp – Unisinos – Doutora em Comunicação Responsável técnico Antonio Cesar Machado da Silva Revisão Mardilê Friedrich Fabre Secretaria Camila Padilha da Silva Editoração eletrônica Rafael Tarcísio Forneck Impressão Impressos Portão

Universidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.35908223 – Fax: 51.35908467 www.ihu.unisinos.br


AS SOCIEDADES INDÍGENAS E A ECONOMIA DO DOM O CASO DOS GUARANIS

Maria Cristina Bohn Martins

“Abarcamos tudo, mas só pegamos vento”. (Montaigne, Dos Canibais, 1580)

“En fin, todo tomaban y daban de aquello que tenían de buena voluntad, mas me pareció que era gente muy pobre de todo … (Colón, 1492)

“Los Guaraníes son, al mismo tiempo, un pueblo sin historia y un pueblo de muchas historias”. (Bartomeu Meliá, 2004)

Introdução O movimento posto em curso a partir das “Grandes Navegações” europeias, desde finais do século XV, representou, nas palavras do especialista em literaturas de viagem dos séculos XVI-XVIII, Frank Lestringant, um “estilhaçamento” do mundo fechado da Idade Média. Segundo ele avaliou, a partir de então “já não há mais um único continente, envolvendo o Mediterrâneo central, útero confortável onde se abrigavam as certezas dos antigos, mas uma poeira de ilhotas, arquipélagos, lascas de terra, que vogam à deriva, num oceano desmesuradamente ampliado” (2006, p. 516). Sobre este que viria a ser o “Novo Mundo”, iniciou-se, desta forma, um processo de “dupla apropriação”, se assim podemos dizer, isto é, as monarquias ibéricas primeiro, seguidas depois de suas competidoras europeias, passaram a disputar o controle desses territórios transformados em “colônias”. Ao lado disso, a novidade americana passou a inquietar a reflexão europeia que encontrou, via de regra, dois caminhos para apreendê-la: ou a sua edenização ou a sua detratação1. Por sua vez, sobre os ha-

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Há que esclarecer que estes foram movimentos coetâneos.


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bitantes do Novo Mundo também as avaliações variaram entre o inocente em estado de natureza pura e o bárbaro hostil. Assim é que, em texto publicado há algum tempo atrás, o jesuíta Bartomeu Meliá, profundo conhecedor dos guaranis históricos e contemporâneos, afirma que o “descobrimento” da América fez-se concomitantemente ao “encobrimento da história e da cultura” das sociedades que a habitavam. Diz ele: Ya se dijo que Colón descubrió América, pero no descubrió a los americanos […]. América mostró magnífica y trágicamente cómo se puede velar y encubrir lo que se está viendo […]. A Colón y su gente se les velaron inmediatamente tres aspectos esenciales de aquella sociedad indígena con la que se encontraban por primera vez […]. Es la cuestión del pobre (la cultura), del pagano (la religión) y del bárbaro (la lengua). Pobres que ‘todo tomaban y daban’, paganos que ninguna secta tenían; bárbaros que tenían que ‘deprender fablar’ (MELIÁ e TEMPLE, 2004, p. 167-8).

Nas palavras do antropólogo, ficava assim anunciada uma “tríplice negação” da América, a saber, a de suas religiões, de sua economia e de suas culturas (línguas). Tomando como pressuposto a sua própria sociedade, os europeus iniciavam aí uma senda de pensamento que caracterizaria as sociedades americanas pelo critério da carência: do que lhes faltava, do que não tinham. Muitas vezes, aplicou-se aos povos indígenas o princípio da “tábula rasa”, isto é, entendeu-se que eram “páginas em branco”, as quais deveriam ser marcadas de acordo com a cultura da Europa cristã ocidental. Em outras, pôde-se até mesmo reconhecer que eles tivessem uma cultura, mas que ela seria inferior, devendo ser substituída pela europeia. Sabemos efetivamente que, embora o pensamento europeu tenha oscilado na sua percepção da América como o jardim do Éden, ou como natureza selvagem, e dos índios como brutais antropófagos ou crianças em estado de inocente nudez, a noção de que eram “povos incultos” pouca variação sofreu. Desde então, a ideia de primitivismo do mundo americano – em diversas vertentes ou formas de manifestação – passou a estar associada às interpretações sobre o Novo Mundo2. Embora no campo das ciências humanas esta percepção venha sendo atualmente recusada, não raras vezes, ainda percebemos que, fora dos espaços acadêmicos, as culturas indígenas são tratadas como “primitivas” e “atrasadas”. O campo do 2

Talvez não seja demasiado referirmos o fato de que esta compreensão modelou o conjunto das intervenções dos Estados Coloniais e, depois, das Repúblicas independentes em relação às populações indígenas. No Brasil, por exemplo, embora no início do século XX tenha sido criado um primeiro órgão público encarregado das relações com as sociedades indígenas – o SPILTN –, permaneceu-se advogando em favor de uma “civilização” dos índios, ainda que esta não mais tivesse por base a sua cristianização.


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que costumamos chamar de “economia” é um daqueles em que isso se faz mais evidente3. Uma primeira informação importante que devemos reter sobre esta questão é a de que as economias indígenas americanas ao tempo da conquista europeia não devem, nem podem, ser avaliadas à luz dos conceitos que regiam as ocidentais. Talvez mesmo este termo “economias indígenas” seja inadequado, uma vez que os comportamentos econômicos nestas sociedades nunca ocorrem num “vazio social”, não podendo ser entendidos como uma esfera emancipada deste campo. O economista austríaco Karl Polanyi4 afirmou sobre economias arcaicas que elas estão imersas (embedded) em instituições econômicas e não econômicas (como o parentesco, a política ou a religião). Por sua vez, Marcel Mauss ensinou que foram as sociedades ocidentais modernas que transformaram o homem num “animal econômico”, já que a economia, tal como ela é conhecida nas sociedades complexas, isto é, como um setor com desenvolvimento autônomo do social, inexiste nas sociedades simples5. Como veremos em sociedades como a guarani, o parentesco, o cacicado, a ordem ritual e todas as demais instituições existentes atuam como forças econômicas. Há um conjunto de características que costumam ser identificadas como definidoras das economias destas sociedades e que sumariamente poderíamos definir como: uma produção tecnologicamente simples, assim como uma divisão de trabalho também simples, uma orientação para as necessidades familiares e o fato de a produção dos alimentos ocupar um lugar preponderante. Ao lado desses elementos, perfilam-se também uma relativa liberdade na utilização dos recursos da produção e o fato de as trocas estarem comprometidas com a redistribuição de produtos elaborados. Os dados que temos a respeito da economia guarani ao tempo do estabelecimento do colonialismo europeu estão de acordo com o apontado acima. Analisando o “sistema econômico” dos guaranis pré-coloniais, José Otávio Catafesto de Souza qualificou-o como uma “modalidade doméstica de produção e consumo”. De acordo com esse autor, tratava-se de um sistema “fundado nas relações familiares de produção, circulação e con-

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Nos materiais escolares que tratam das primeiras relações travadas entre índios e portugueses, estas são apresentadas como uma “forma primitiva de comércio”, o “escambo”. Alguns dos nomes mais significativos daquela que chamamos de micro-história italiana, tal como Edoardo Grendi, por exemplo, reconheceram a importância das reflexões do economista, antropólogo e historiador econômico Karl Polanyi sobre seu próprio trabalho. Pierre Clastres (1978) propõe sobre isso que as sociedades primitivas são sociedades de “recusa da economia”, isto é, para evitar o desenvolvimento de segmentos sociais diferenciados, elas imporiam limites à sua produção.


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sumo de serviços/recursos/bens, subordinados pela lógica do dom e da reciprocidade” (2002, p. 212-3). Na sua avaliação, portanto, a família extensa aparece como unidade de produção e consumo, estando a circulação econômica orientada pela lógica da reciprocidade6. Uma série de registros históricos, aos quais se acrescentam evidências arqueológicas e etnológicas, subsidia estas conclusões. Tais informações procedem especialmente dos homens que participaram da conquista dos territórios sul-americanos; igualmente dos testemunhos de missionários, especialmente jesuítas, que trabalharam no processo de conversão dos índios à “vida policiada e à religião cristã”. Sabemos que, de origem amazônica, os guaranis eram, nos inícios do século XVI, uma sociedade segmentada, composta por grupos horticultores que dominavam extensas áreas de florestas tropicais e subtropicais da bacia do rio da Prata. Nessas áreas, eles organizaram um singular arranjo técnico e econômico que foi capaz de manter relativo equilíbrio entre sua produção e suas necessidades. Esta economia, baseada na agricultura do milho, mandioca, favas, abóboras entre outros produtos, e que era complementada pela caça-pesca e coleta, gerava recursos suficientes para, por exemplo, receber e alimentar as expedições de espanhóis que passaram a transitar por seus territórios a partir dos inícios do século XVI. O governador Dominguez Martinez de Irala disse sobre a situação que encontrou que havia “tanta abundancia de mantenimientos, que no sólo hay para la gente que allí reside, mas para más de otros tres mil hombres encima” (CA II: 2997). Poucas décadas depois, na pena dos missionários da Companhia de Jesus, frequentemente encontramos julgamentos que vão nesta mesma linha: [...] siembram [...] maiz, mandioca, y otras muchas raíces y legumbres, que ellos tienen muy buenas; dase todo con gran abundancia […] […] aunque a los Padres les falte como suele casi siempre, el socorro de la limosna del Rey, no les faltan las limosnas de estos buenos indios, que todos los días traen a la casa de su voluntad los legumbres, es pescado, la fruta silvestre, la miel también silvestre, con lo que tienen, con lo que a los Padres les sobra […] (Apud MELIÁ, 1989, p. 99).

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Arno Kern, por sua vez, define a economia guarani, qualificando-a como de produção doméstica e consumo aldeão. Ver: KERN, Arno. O processo histórico platino no século XVII: da aldeia guarani ao povoado missioneiro. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, ano 11, n. 1, 1985. CARTAS ANUAS de la Provincia del Paraguay, Chile y Tucumán de la Compañía de Jesús. (1609-1614). Con Advertencia de Emilio Ravignani e Introducción del P. Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires: Talleres; Casa Jacobo Peuser, 1927. (Documentos para la Historia Argentina – tomos XIX e XX – Iglesia). Doravante: CA I e CAII.


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Apesar disso, a compreensão equivocada a que já nos referimos, gerou uma falsa ideia – historicamente consolidada – de que os guaranis não possuíam qualquer organização econômica. Essa avaliação marcou profundamente a história das relações desses índios com a sociedade branca, isto é, com os colonos espanhóis que buscaram avidamente valer-se do seu trabalho através da encomienda, com as chamadas “missões jesuíticas”, em que eles deveriam ser reduzidos à vida em “policia e civilização”, ou ainda com os “pueblos”, administrados por leigos depois da expulsão da Companhia em 1767. Da mesma forma, com as repúblicas que surgiram no XIX, permanecendo, de forma anacrônica, até a atualidade. Nosso esforço aqui se dirige para uma tentativa de compreensão do que seria esta “economia guarani” no tempo da conquista e colonização europeia. Para tanto, contamos com as conclusões da pesquisa histórica mais recente, a qual vem sendo informada, não só pelos estudos da arqueologia e antropologia, como pela reavaliação das próprias fontes provenientes da época colonial. Os guaranis históricos e a economia do dom Os guaranis são por vezes chamados de “horticultores da floresta”, uma vez que foi o ambiente da mata tropical e subtropical seu habitat por excelência. Provenientes da região amazônica a partir dos inícios da Era Cristã, eles dominaram amplos espaços destes ecossistemas, afastando ou incorporando populações de economias mais simples. Dessa forma, considerando-se um território que deveria compreender em torno de 500.000 km2 entre florestas e grandes rios, eles controlariam uma área de pelo menos 350.000 km2, que se estendia à oeste do rio Paraguai e ao sul da confluência deste rio com o Paraná (BRANDÃO, 1990, p. 55). O Oceano Atlântico era o seu limite oriental, entre Paranaguá, no litoral brasileiro, e a fronteira entre o Brasil e o Uruguai de hoje. Assim como ocorre para outros grupos indígenas americanos, as hipóteses relativas ao tamanho da sua população são motivo de controvérsia. O que talvez possamos afirmar com segurança é que os números aí envolvidos devem superar bastante as estimativas apontadas por Rosemblat (1954), por exemplo8, assim como os estudos de décadas passadas que apontavam a “economia primitiva”, a “agricultura incipiente”, o nomadismo e as guerras constantes, como fatores explicativos de uma baixa demografia das sociedades americanas.

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Angel Rosemblat fixava em aproximadamente 13 milhões de habitantes a população geral do continente.


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Segundo Pierre Clastres, precisamos considerar sobre os guaranis um dado fundamental: “eles eram, antes da Conquista, 1.500.000, repartidos por 350.000 km2, ou seja, uma densidade de pouco mais de 4 habitantes por quilômetro quadrado” (1978, p. 48). Já B. Meliá critica a metodologia empregada por este autor para chegar a tais números. Ponderando sobre as dificuldades para estabelecer cifras confiáveis sobre esta questão, ele assinala que os dados documentais a respeito da população guarani no momento dos primeiros contatos e mesmo naqueles que chamou de ciclos encomendeiro, jesuítico e bandeirante, estão marcados por “distintas impressões subjetivas”, sendo mais “ponderativos que quantitativos” (MELILÁ, 1988, p. 47). Com base na reflexão amparada na antropologia econômica, nos trabalhos etnológicos sobre as sociedades de agricultores das terras baixas da América do Sul, nas conclusões provenientes da análise dos sítios arqueológicos guaranis e da documentação histórica das primeiras fases da colonização europeia no Prata, José Otávio Catafesto de Souza concluiu que a economia guarani se apresentava como “um campo não emancipado do social, estando a produção voltada principalmente ao abastecimento alimentar do núcleo doméstico, fundada sobre tecnologia simples, sem complexa divisão do trabalho e com relativa liberdade na utilização dos recursos”, definição que será importante termos aqui em consideração (2002, p. 211). Como já afirmamos, o guarani era um agricultor da mata subtropical. Suas aldeias costumavam ser erguidas em clareiras abertas para este fim, dispondo-se, ao redor delas, as roças para o cultivo. O padre Nicolás Mastrilli Durán, logo depois da fundação de Nuestra Señora de los Santos Reyes de Yapeyú em 1627, afirma: […] no usan los indios sembrar en campo descubierto, por estar la tierra más gastada, y así no se logran las sementeras, pero como en los montes está la tierra defendida por los árboles, que son muy coposos, se conserva más húmeda, y pingue, y vuelve muy colmados frutos. Para esto arrasan un gran pedazo de monte conforme al número de familias, a cada una de las cuales se les señala distinto pedazo para sus sembrados, y después de cinco o seis años la dejan por cansada y inútil y desmontan de nuevo otro tanto… (CAII, p. 368).

A ocupação permanente implicava que, depois de algum tempo, a “capoeira” passasse a se tornar uma presença incômoda para as aldeias que costumavam ser, então, abandonadas. Dessa forma, quando eram esgotados os recursos de um lugar, ou quando os detritos acumulados o aconselhavam, a aldeia era reconstruída em uma área próxima, de ambiente semelhante. As aldeias antigas podiam ser visitadas regularmente para recolher o que ficava das roças, ou para aprisionar a caça que era atraída


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pelas sementes. Segundo as evidências arqueológicas, os grupos necessitavam de áreas consideravelmente grandes dentro das quais pudessem circular e obter recursos (SCHMITZ, 1985). A abertura das roças era atividade masculina enquanto o cultivo e a colheita ficavam sob a responsabilidade das mulheres. A caça e a coleta complementavam a oferta de produtos necessários para o grupo. Estudos arqueológicos (SCHMITZ, 1985) evidenciam que o território guarani não era homogêneo demograficamente. Por sua vez, a demografia etno-histórica revela que os seus deslocamentos eram fortemente vinculados à fertilidade dos solos (MELIÁ, 1989). Contudo, além dos solos aptos era importante também que outros recursos estivessem disponíveis para a coleta, como os frutos, as fibras para a confecção de cestas9, fungos e raízes, etc. A caça nunca deixou de ser uma fonte essencial para o suprimento de proteínas. Mesmo quando, nas missões, esta necessidade foi transformada pela criação de gado, as caçadas continuaram sendo prestigiadas e demandadas pelos índios, tendo-se reservado para elas os dias de domingo. O Adelantado Alvar Nunez Cabeza de Vaca testemunhou a associação de recursos provenientes dessas práticas: […] toda la gente de los pueblos siembran maíz y cazabi y otras semillas, y batatas de tres maneras: blancas y amarillas y coloradas, muy gruesa y saborosas, […] y crean patos y gallinas, y sacan mucha miel de los árboles de lo hueco de ellos […]. […] la generación de los guaraníes, los cuales siembram su maíz y cazabi como en todas las otras partes por donde habían pasado […] es la más rica gente de toda aquella tierra y provincia, le labrar u criar, porque crían muchas gallinas, patos y otras aves, y tienen mucha caza de puercos y venados, y dantas y perdices, codornices, y faisanes, y tienen en el río gran pesquería […] todos son labradores y criadores de patos y gallinas (Cabeza de Vaca, 1984, p. 155).

Dados desta natureza, assinalando a eficiência produtiva desta economia também aparecem na documentação jesuítica como já tivemos oportunidade de assinalar: “Siembran muchas maíz, mandioca y otras muchas raíces y legumbres, que ellos tienen muy buenas; dase tudo com grande abundancia” (MCA I, p. 16610). Os alimentos eram ofertados aos padres, que anotaram: “todos los dias traen a casa de su voluntad las legumbres, el pes-

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Muito dos materiais representativos da cultura material guarani são dificilmente recuperados pelo trabalho arqueológico, porque instrumentos, armas ou adornos, por exemplo, eram confeccionados com materiais perecíveis. 10 MANUSCRITOS DA COLEÇÃO DE ANGELIS (3 v). Introdução, notas e glossário por Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951 – 1969. Doravante: MCA.


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cado la fruta silvestre, la miel también silvestre […], con lo que a los Padres les sobra” (MCA I, p. 214). É preciso aqui observar que, relativamente ao trabalho guarani, a documentação colonial realiza uma notável inflexão. Tendo reconhecido a eficiência das formas pelas quais ele se organizava inicialmente, ela passa, depois, a negar esta mesma eficácia. As razões que poderiam explicar este paradoxo são muitas e passam até mesmo pela necessidade de uma reflexão sobre os predicados dos textos escritos pelos jesuítas, distinguindo motivações, circunstâncias, autores, época, entre outros elementos. Sem dúvida, este esforço foge ao escopo deste trabalho. Podemos asseverar, contudo, que importantes documentos, procedentes dos missisonários, registram dados que obrigam os historiadores a ponderar sobre as informações que minimizavam a eficiência do trabalho dos índios. Indo ao encontro das fontes citadas, Antonio Ruiz de Montoya, por exemplo, escreveu na sua Conquista Espiritual, de 1639, sobre o modo “varonil” como os índios das recém-fundadas San Inacio e Loreto se comprometiam com o trabalho, “fazendo cada qual de três a quatro roças e iniciando a terra a oferecer os seus frutos [...] encheram os índios os celeiros de milho. A mandioca, como pão quotidiano, deu-se de maneira excelente. Todo gênero de legumes cresceu em abundância” (MONTOYA, 1985, p. 144). Já não é recente a crítica feita às interpretações que assinalavam serem as sociedades “primitivas” capazes de articular níveis de força produtiva muito débeis, o que obrigaria a uma dedicação quase exclusiva para as atividades de subsistência e, apesar disso, a regimes de penúria e escassez. As interpretações atuais, por seu lado, esforçam-se para caracterizar que as economias “arcaicas” eram capazes de produzir tanto os bens de “subsistência” quanto os bens de “prestígio”, assim como os excedentes que permitem o funcionamento das estruturas sociais como a religião, o parentesco, etc. (SOUZA, 2002, 217). As lutas por prestígio social e autoridade política, por exemplo, envolviam a capacidade de os “principais” serem generosos para com suas comunidades, ofertando bens e alimentos11. Daí a associação que podemos encontrar entre a poligamia e a chefia, uma vez que um número maior de esposas potencializava o aumento da produção da unidade familiar em questão. Portanto, deve-se abandonar o conceito de “economia de subsistência”, uma vez que ele encobre o fato de que, além dos bens desta natureza, sociedades de agricultores como os guaranis produziam artigos destinados ao funcionamento das estruturas sociais. Marshal Sahlins, na sua conhecida obra A economia

11 A estas qualidades associavam-se o talento oratório e a valentia nas guerras.


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da Idade da Pedra, de 1972, já evidencia que, mesmo nas sociedades cuja economia girava em torno da coleta, caça e pesca, uma quantidade considerável de tempo podia estar destinada ao ócio, uma vez que cada sociedade apresenta diferentes níveis de necessidades a serem satisfeitas. Conclui, assim, o autor que a economia das sociedades primitivas maximiza bem-estar, e não mercadorias (SAHLINS, 1979). Tal como ocorre entre outros grupos cultivadores da floresta, os guaranis costumavam reservar extensos períodos de tempo para festejos e repousos. Muitas vezes, suas tarefas podiam ser interrompidas por momentos cerimoniais, de descanso ou mesmo de diversão e sociabilidade, características que contribuíram para que fossem definidos como “frouxos” para o trabalho. Pode-se sugerir que sua destreza como caçadores e coletores permitia-lhes não se sentirem fortemente pressionados a assumir uma atitude diferente no âmbito da produção de alimentos, bem como no que se refere ao consumo imediato da produção. Devemos concordar neste ponto com as avaliações que, desde os anos 70 e 80 do século passado, insistiam na necessidade de que uma nova compreensão teórica informasse as análises historiográficas a partir do conceito antropológico de cultura, tal como o propôs Marshal Sahlins (1985)12. Por sua vez, em sua experiência com o estudo das sociedades indígenas sulamericanas, especialmente com os guaranis, Bartomeu Meliá (1988; 2004) também tem se empenhado em destacar a importância de conferir-se atenção às categorias antropológicas de forma a melhor compreender historicamente essas sociedades. Antes que tais estudos viessem a influenciar as análises historiográficas, as Ciências Sociais já estavam lidando com a noção de “economia do dom” ou “da dádiva”, cujas características encontravam nas sociedades não ocidentais. Trata-se de uma forma econômica baseada no “valor de uso” dos objetos ou ações, contrariamente às economias de mercado, que se baseiam no “valor de troca” de bens e serviços. Ou ainda, de uma forma econômica que estabelece uma relação que não se dá entre mercadorias, mas entre pessoas. Um dos elementos-chave desta forma econômica, estaria, portanto, na ausência das relações de mercado e na constituição de formas outras de circulação, as quais ocorreriam especialmente pelas doações de bens e serviços, sem que haja, formal ou explicitamente, expectativa 12 Um dos mais respeitados antropólogos na atualidade, Sahlins é o autor de obras de grande repercussão entre os historiadores. Dialogando diretamente com a história, ele escreveu vários livros desde a década de 1970, como Metáforas históricas e realidades míticas, Ilhas de História e, recentemente, História e cultura: apologias a Tucídides. As referidas obras tratam da interface entre história e cultura, da recuperação da ideia de evento e da definição cultural da agency histórica.


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imediata de reciprocidade, tal como ocorre no escambo ou no mercado. Todavia, a obrigação de reciprocidade existe, não necessariamente envolvendo as mesmas pessoas, mas como uma corrente contínua de doações. A doação é na realidade uma troca recíproca com algumas características estabelecidas por regras não escritas, sendo elas, a obrigação de dar, a obrigação de receber e de restituir mais do que se recebe. As trocas dentro deste sistema não são livres, espontâneas ou desinteressadas, e sim obrigatórias e interessadas. A despeito de serem traduzidas como “ajuda recíproca”, as relações assim entabuladas constituem-se em um negócio perpétuo sempre feito à mercê de interesses ou conveniências ditadas pelo momento e pelos atores envolvidos. Mauss já alertava (1974) que, embora as prestações e contraprestações fossem feitas de uma forma sobretudo voluntária, por meio de presentes e regalos, no fundo elas são rigorosamente obrigatórias. Na análise de Marshall Sahlins (1977), é a necessidade de atender aos imperativos do sistema de reciprocidade que origina o dom. Já para Dominique Temple (1986), o dom e o contradom funcionam como mecanismos propulsores da produção. Bartomeu Meliá e Dominique Temple (2004) valeram-se de tais estudos para compreender a peculiaridade da sociedade guarani. Avaliaram sobre isso que, ao contrário da compreensão predominante, não é a migração em si ou suas correlações com o mito da “Terra sem Mal” que define os guaranis, mas o seu modo particular de viver a economia de reciprocidade. A economia da dádiva e as sociedades americanas: redistribuição e reciprocidade Foi imensamente importante a contribuição de John Murra13 para o estudo das sociedades andinas, no sentido de firmar a necessidade de abandonarem-se paradigmas eurocêntricos nas análises sobre elas. Em La organización económica del Estado inca, de 1955, ele estuda a economia incaica, baseando-se nas noções de redistribuição e de reciprocidade. Segundo sua avaliação, a expansão imperial dos incas não obliterou antigas tradições das comunidades camponesas as quais se basea-

13 John Murra foi um dos mais destacados etno-historiadores do “mundo andino”, termo, aliás, que ele ajudou a popularizar. Nascido em Odessa, Ucrânia, em 1916, faleceu em Nova Iorque, em outubro de 2006. O antropólogo dedicou a maior parte de sua carreira ao estudo dos incas e de outros povos andinos do Equador, Peru e Bolívia, usando fontes e métodos históricos. Foi o autor de estudos clássicos como The Economic Organization of the Inca State (1956) e Formaciones económicas y políticas del mundo andino (1983). Atuou ainda como corresponsável pela famosa edição crítica da Nueva crónica y buen gobierno, de Guaman Poma de Ayala em 1980.


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vam nas noções de reciprocidade14 e na estreita relação que se estabelecia entre as esferas sociais, econômicas, políticas e religiosas de suas vidas. O autor evidenciou neste trabalho que, mesmo com a incorporação ao Tahuantinsuyu, o “império inca”, importantes elementos da antiga economia aldeã dos vários grupos étnicos continuaram presentes, inclusive regulando as relações de prestação e contraprestação de bens. Defendeu, assim, que a economia do Estado Inca deveria ser compreendida com base nas noções de reciprocidade e redistribuição, usando conceitos de antropólogos e historiadores sociais, como Mauss, Malinowski e Polanyi. Um dos campos em que Murra encontrou a permanência dos compromissos de reciprocidade como o das comunidades aldeãs, por exemplo, foi o da organização do trabalho. A reciprocidade constituía-se aí em um intercâmbio de quefazeres entre os grupos domésticos que compunham uma comunidade os quais se ajudavam mutuamente e produziam, de forma grupal, os recursos destinados ao coletivo. Já o sistema redistributivo se produzia nas relações das comunidades com o Estado. Dessa forma, elas contribuíam com energia de trabalho prestada ao inca, devendo este fazer retornar parte dos bens aos que os haviam produzido (na chamada mita). Assim sendo, se antes da expansão imperial incaica, a reciprocidade e a redistribuição se davam pelas relações de parentesco entre os membros do ayllu e seu chefe, esta relação se transferiu para outra, agora estabelecida entre o Estado e os grupos étnicos submetidos. As mudanças foram significativas, sendo uma das mais importantes, o fato de que a terra passou ao poder do Estado (que a submeteu ao conhecido sistema tripartite: terras do sol, terras do inca e terras do povo). No que tange aos estudos sobre a região platina, foi apenas na década de 1980 que as críticas ao caráter fortemente eurocêntrico de nossa historiografia passaram a ter densidade e que os pesquisadores orientaram sua atenção para a organização econômica das sociedades guaraníticas. Até então, as perspectivas de análise adotadas centravam-se nas origens europeias da economia colonial, raramente fazendo referência aos aspectos socioculturais que fossem provenientes das sociedades indígenas. Utilizando as contribuições teóricas e os dados fornecidos pela antropologia, Arno Kern (1985) apresentou a economia guarani como constituída por um “sistema de produção doméstico de consumo tribal”, o qual deve ser entendido de acordo com as peculiaridades desta sociedade. A partir daí, alguns estudos (MARTINS, 1989; SOUZA, 2002; MELIÁ e TEMPLE, 2004) começaram a apontar a existência de 14 Especialmente manifestas nas práticas de trabalho familiar (ayni) e comunitário, aldeão (minga).


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complexos mecanismos de prestações e contraprestações, constituindo-se como elementos-chave da economia guarani. Um dos aspectos mais visíveis desses mecanismos diz respeito ao trabalho. Tal como se percebe nos registros históricos e antropológicos, a forma privilegiada de trabalho entre os guaranis é de tipo solidário e coletivo. O auxílio mútuo em todas as atividades que requerem a conjugação de esforços começa na família extensa (ou teýy), em que encontramos avós, pais, filhos, genros, noras, sobrinhos e primos, estabelecendo este tipo de relação. O auxílio que se presta entre as gerações (avô-neto, sogra-nora, tia-sobrinha, etc.) é um importante garantidor da integridade do grupo, que podia ser desafiada por vários motivos, como a atração de um líder ou uma disputa interna entre facções ou mesmo um período de escassez. A organização social dos guaranis constituía-se por linhagens ou parcialidades (teýi), cada uma delas habitando uma grande casa comunal (teýi-óga), que podia abrigar até dezenas de famílias nucleares, ou centenas de pessoas. Como evidenciam os registros coloniais, cada família nuclear ocupava um espaço dentro da casa, que era delimitado pelas pilastras centrais, sem que houvesse qualquer outra divisória. Cada una es una gran pieza donde vive el cacique con toda su parcialidad, o vasallos, que suelen ser veinte, treinta, cuarenta y a veces más de cien familias según la calidad del cacique: ni tienen otra división o apartamiento estas casas que unos pilares que corren por medio del edificio a trechos y sirven para sustentar la cumbre, y de señalar el término de la vivienda de cada familia, que es espacio que hay entre uno y otro pilar, uno de esta banda, y otra de aquélla (Apud: BLANCO, 1929, p. 621).

Segundo Kern (1985) e Catafesto de Souza (2002), era no núcleo doméstico que se organizava a produção, podendo haver uma distinção entre as roças de cada família, já que os “principais” tinham condição de obter ajuda de vários homens para trabalhar em suas plantações. As roças eram desmatadas coletivamente, mas, em seguida, trabalhadas por cada grupo doméstico. As atribuições e responsabilidades se distribuíam por gênero (trabalhos de homem e trabalhos de mulher) e idade (trabalhos de crianças, de jovens, de adultos e de velhos)15. A produção de bens materiais realizava-se, portanto, no contexto de

15 Devemos considerar que, mesmo não sendo única, a divisão do trabalho de acordo com o sexo foi a forma predominante de especialização econômica na sociedade guarani, tal como era praxe entre os cultivadores de floresta. Os papéis neste campo estabeleciam para os homens as atividades ligadas à caça e à pesca, e às mulheres as tarefas agrícolas. Meninos e meninas aprendiam também tarefas específicas ao seu gênero e idade.


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uma divisão sexual e etária do trabalho. Os homens responsabilizavam-se pela caça e pelo preparo dos campos para as plantações; as mulheres, pelas restantes atividades agrícolas e pela confecção de cerâmica. Era no âmbito do agregado familiar16, composto de lares fundados pelas filhas e netas, que se desenvolvia a maior parte das atividades produtivas, o que estaria de acordo com a definição de Sahlins, segundo a qual o econômico era, nessas sociedades, uma “modalidade do íntimo” (1977, p. 92). O surgimento de uma estrutura social de maior abrangência que o núcleo doméstico, as aldeias, pouco interferia nesta qualidade básica do sistema econômico guarani. O líder de uma parentela (teýirú) era responsável pelo desenvolvimento dos trabalhos coletivos entre membros da mesma casa grande. A ele cabia organizar tarefas de mutirão para obter materiais e para construir as habitações. Era ele quem conduzia o trabalho dos homens para derrubar as áreas da mata em que se faria uma nova roça ou uma nova aldeia; finalmente, cabia a ele liderar expedições de coleta ou de guerra. O fruto das atividades coletivas era distribuído em parcelas destinadas para cada família nuclear, determinado o número de esposas e de filhos o que cabia a cada homem adulto. Meliá entende que as atividades coletivas começavam pelos convites (pepy) que se faziam para abrir roças, ou para caçadas e pescarias. O trabalho grupal era chamado de potyro, significando “todas as mãos” e se constituía em importante fator de fortalecimento dos vínculos de amizade formal e de parentesco. O autor tem insistido na estreita relação entre trabalho e convite (1989; 2004). Embora as crônicas coloniais não sejam explícitas a este respeito, é bastante provável que as atividades coletivas (principalmente aquelas relacionadas à agricultura) tivessem caráter ritual. Após a consecução de uma tarefa desta natureza, esperava-se que houvesse um “convite para comer”, como pôde perceber o padre Pedro Romero na sua carta de 1633 sobre as missões do Paraná e Uruguai. Diz ele: Haviam antes as índias se prevenido e levado mais de 150 jarras de um vinho que fazem do milho para presentear aos trabalhadores. Assim, depois de terem levantado o esteio, juntaram-se todos e beberam com grande festa e alegria como era de seu costume (MCA III, p. 58).

16 Cabe ressaltar que não necessariamente grupo doméstico e família sejam sinônimos, havendo famílias que podem ou não estar completamente subordinadas às estruturas de linhagem. E nos casos em que a unidade doméstica pode ser identificada como o sistema familiar, existem variações que compreendem múltiplas possibilidades, desde as famílias nucleares até as famílias extensas monogâmicas ou poligâmicas matrilineares ou patrilineares, etc.


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Uma parte dos alimentos colhidos era facilmente perecível, e seu aproveitamento teria que ser quase imediato. Os feijões, o milho e a mandioca, contudo, poderiam ser transformados em farinha para aproveitamento posterior. O excedente poderia servir para a organização das festas de chicha que congraçavam os grupos, afirmavam antigas alianças e cunhavam novas. Meliá (2004) e Martins (2006) estabelecem uma ligação estreita entre o potiro e a festa de chicha, configurando o que se pode chamar de “função econômica das festas”; ou seja, o trabalho produz os excedentes que motivam a festa, mas também a festa é a motivação para o trabalho e oportunidade de consumirem-se os excedentes. A sociedade exerce, então, um estímulo constante sobre si mesma para que haja produção e que esta produção seja consumida rapidamente em rituais de “abundância”. Boa parte dos grãos colhidos era fermentada para fazer-se a bebida que era componente essencial destas celebrações. Como já dissemos, a distribuição das aldeias não era homogênea, e a distância entre os diversos grupos locais variava em função das condições ecológicas e políticas de cada região. Às vezes, as aldeias encontravam-se ligadas por alianças ou por consanguinidade. Mantendo relações pacíficas entre si, elas participavam de rituais comuns, e reuniam-se para expedições guerreiras de maior porte. Esse conjunto de grupos locais circunvizinhos não possuía fronteiras rígidas nem se encontrava sujeito a uma autoridade comum, num panorama em que as alianças eram constantemente definidas e redefinidas. Elas podiam manter ligações por visitas periódicas, casamentos, rede de convites para a participação em festas de uns e outros grupos, troca de presentes, etc., dados que ajudam a compreender a forma pela qual a sociedade guarani estava organizada. Sobre isso, é preciso alertar ainda quanto à existência de distintos níveis de liderança, as quais exerciam uma autoridade muito variável sobre o grupo local. Seguindo as conclusões de André Soares (1997), encontramos, em um primeiro plano, a família extensa17 (teýy), que podia abrigar algumas dezenas de famílias nucleares, sendo seu líder o teýy-ru, ou “pai” da linhagem; a seguir, a aldeia ou amundá, espaço social que reunia as famílias extensas e tinha no tuvichá18 o seu principal. Como já vimos, a reunião das famílias extensas em povoados, além de contribuir para a proteção e segurança da coletivi17 Segundo Soares, mesmo que a família nuclear fosse conhecida entre os guaranis, ela não se constituía na célula mínima da organização social do grupo (1997, p. 259). 18 Esta expressão Tubichá, com o significado de “principal”, foi registrada pelo Padre Montoya em seu Tesoro de la Lengua Guaran de 1639. Assim também Morubicha (el que contiene en si grandeza, Príncipe o Señor). (Apud: SOARES, 1997, p. 256).


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dade, criava vínculos de reciprocidade e parentesco. O trabalho coletivo aumentava a eficiência desta sociedade cujos recursos técnicos não eram fortes, e isso fazia com que a vida aldeã trouxesse vantagens. As próprias aldeias eram construídas pela conjugação dos esforços, como sugere a já citada observação do Padre Romero19. Um conjunto de aldeias e seu território de domínio formavam o teko’a, que se constituía, simultaneamente, em um espaço físico, político e social. Esta era a área sobre a qual um grupo teria reconhecidos seus direitos sobre a terra cultivável e a exclusividade das zonas de caça. De certa forma, ele também determinava os limites em relação aos quais cada grupo podia deslocar seus povoados. Ao que parece, a conexão entre as aldeias tornou-se possível em áreas ecologicamente favoráveis, em que os grupos podiam alcançar um nível maior de produção. As crônicas jesuíticas nos falam ainda da existência, em algumas áreas, daquilo que os missionários chamaram “províncias” (guarás), associando-as a chefes poderosos, os mburuvichás (ou tuvichá-ruvichá), isto é, o cacique entre os cacique” (SOARES, 1997, p. 256). Algumas destas províncias tinham nomes próprios, aparecendo como territórios geográficos bem definidos na época da Conquista: Cario, Tobatin, Itatim, Guarambaré, etc. (SUSNIK, 2000). O jesuíta Antônio Ruiz de Montoya, por exemplo, ao referir-se à Província de Tayoaba, esclarece: Este era o nome de um dos caciques principais, governador de muitos povos, do qual toda aquela província tomou seu nome próprio. [...] Tinha ela um número de gente quase infinito, a qual se achava com os costumes gentios em plena observância, era muito guerreira e possuía a prática de comer carne humana (MONTOYA, 1985, p. 110).

Cada uma destas províncias reunia diversos teko’as, por meio de laços sociais, de reciprocidade e alianças. Realmente, um complexo sistema de parentesco, ligando famílias às vezes estabelecidas em pontos muito distantes, era fundamental para a construção de redes de colaboração e trocas. Produtos excedentes podiam ser usados para a obtenção de mercadorias desejáveis, mas não disponíveis em todas as áreas ocupadas pelos guaranis. Ademais, os convites de que falávamos antes podiam ser abrangentes a ponto de envolver várias aldeias reunidas para os festins de cauinagem, para os rituais antropofágicos ou para outras celebrações que envolvessem o excedente da produção agrícola. Conclui-se, assim, que no interior das províncias vigia uma reciprocidade positiva, evidenciada por estas redes de trocas e ainda de convites para as grandes festas que

19 Já a produção de artefatos de uso doméstico, como os vasilhames, por exemplo, era de responsabilidade de cada família.


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reuniam os parentes e aliados, consolidando laços sociais e alianças políticas. No caso de guerras, o estabelecimento-reforço de alianças entre as aldeias era muito importante, situação em que os convites eram fundamentais. Nesses casos, a conjugação de esforços para a defesa territorial se dava para fazer frente ao fato de que “todo el espacio externo fuera de la Guará estaba atravesado por la violência interétnica, la resistencia intertribal defensiva y la antropofagia que instauraba la sed de venganza y la reciprocidad negativa como forma de relación social con los enemigos” (AVELLANEDA, 2005, p. 20). Os guaranis e as missões A entrada dos espanhóis nas áreas ocupadas pelos guaranis, a partir de meados do XVI, desencadeou uma política de guerras e alianças, as quais tiveram significados (e resultados) diferentes para espanhóis e indígenas. Para os espanhóis, as alianças com os guaranis – inclusive pelo “casamento” com as filhas dos chefes – apresentava-se como uma estratégia para obter alimentos e para mobilizar guerreiros em colaboração nas guerras movidas aos grupos que resistiam ao avanço dos brancos. Era o caso dos guaicurus e payaguás, mas podia envolver também apoio contra parcialidades dos mesmos guaranis. Além disso, a prática da “cunhadagem” era via de acesso ao potencial de trabalho desses índios, que foi essencial para o surgimento dos povoados coloniais e sua economia agropastoril. Segundo registraram estes “conquistadores”, na região onde seria fundada Nuestra Señora de la Asunción del Paraguay (1537) toda a parentela indígena servia aos novos “cunhados”, honrando-os como “parentes” (MCA I, p. 163)20. Aos guaranis, os “cristãos”21 espanhóis apareciam como uma novidade que seria integrada a um contexto tradicional, isto é, como úteis aliados nas guerras contra seus inimigos habituais. A oferta de alimentos em troca dos cobiçados objetos trazidos pelos estrangeiros era a outra faceta desta incorporação do original ao novo, desta simbiose entre a inovação e a tradição. As circunstâncias históricas do colonialismo, isto é, a suplantação desta relação inicial pela imposição do servicio perso-

20 Devemos esclarecer que esta situação não foi uniforme para todas as regiões em que os espanhóis entraram em contato com os guaranis. Muitas vezes, a guerra e a derrota dos índios importaram em relações que foram, desde o início, pautadas pela derrota e submissão. 21 De acordo com Meliá, para a semântica da época o termo “cristãos” aparece mais como um conceito étnico do que religioso, contrapondo-se a “índio” ou “natural”. “Es cristiano cualquier persona no indígena” (MELIÁ, 1988, p. 25).


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nal aos índios por meio da encomienda e suas consequências22, motivaram a eclosão de uma longa série de rebeliões contra a condição colonial. A instabilidade daí decorrente contribuiu para que as autoridades passassem a estimular e amparar a atividade missionária jesuítica23 na área onde esses padres se faziam presentes desde a década de 1580. A fundação dos primeiros povoados de 1609-1610 procurou complementar e aprimorar o trabalho das missões volantes, por meio das quais os padres visitavam periodicamente as aldeias para levar a catequese. A missão jesuítica e a participação dos guaranis em “reduciones”, confiadas pelas autoridades coloniais aos padres, significaram um profundo impacto na vida dos índios em variados âmbitos. Se, como afirmamos antes, não era possível isolar os aspectos da vida econômica destas sociedades de outras esferas da existência, é certo que as estratégias de produção-circulação-consumo-reprodução também fossem afetadas pela missão. De outra parte, as investigações conduzidas nas últimas décadas puseram em evidência o fato de que, nas reduções, a cultura guarani não foi “anulada” e substituída pela ocidental. Realmente, o fato de que, ao falarmos em “aculturação”, estejamos sempre contemplando os efeitos da colonização sobre os indígenas, revela um perigoso pressuposto e uma concepção de história segundo a qual as “frágeis” culturas americanas foram dominadas e destruídas pela europeia, mais poderosa militar e tecnologicamente. Sobre isso, Solange Alberro escreveu: Este esquema mental, patente en todos os proyectos y discursos coloniales y colonialistas, dista mucho de haber desaparecido en nuestros días. Aunque sostenemos conscientemente ideas acordes con el desarrollo actual de las ciencias sociales – que postulan necesariamente el relativismo cultural – persiste una serie de prejuicios y presupuestos que aún nos impiden admitir la posibilidad de que, en un caso de culturas en contacto, la que se considera a si misma o es considerada por otros como dominante pueda ser influida y modificada por las dominadas (1998, p. 250).

Ou seja, devemos considerar que, dentre as sociedades americanas que não foram aniquiladas fisicamente pela catás-

22 Apenas nas cercanias de Asunción foram distribuídos aproximadamente 100 mil índios em 400 encomiendas no ano de 1556, A perda da liberdade é, portanto, um dos mais significativos destes efeitos. Ao trabalho servil se somam as investidas contra grupos ainda livres, os deslocamentos de populações e as doenças. 23 Antes dos jesuítas, os franciscanos edificaram reduções nas proximidades de Asunción. Os freis Alonso de San Buenaventura e Luis Bolaños construíram os pueblos de Los Altos, San Blas de Ita e San Buenaventura de Yaguarón que, entre outras dificuldades, enfrentaram o assédio dos colonos espanhóis pela mão de obra dos guaranis. Sobre isso ver NECKER, 1990.


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trofe demográfica do século XVI, como logo ocorreu com as povoações antilhanas, muitas puderam encontrar em suas próprias culturas e na necessidade de sobreviver, os mecanismos que lhes permitiram seguir sendo indígenas. Isso mesmo que passassem a ser parte de uma comunidade mais ampla, a sociedade colonial, e que, por meio dela participassem da economia do mundo (ALBERRO, 1998, p. 251). Os guaranis das reduções tornaram-se súditos do rei da Espanha e, nesta qualidade, passaram a prestar serviços para as autoridades coloniais, também se tornaram produtores e consumidores de artigos que antes não faziam parte de sua cultura material e inclusive participaram de amplos circuitos comerciais com a produção de couros e da extração da erva-mate. Tornaram-se agricultores em tempo permanente, bem como criadores do gado que era capturado nas vacarias e levado para as estâncias. Como artesãos nas oficinas instaladas nos povoados, criaram instrumentos de trabalho, ou de música, produziram textos e imagens de santos. O padre Montoya fala da habilidade que manifestavam nas “artes mecânicas” e conta que entre eles havia“muito bons carpinteiros, ferreiros, alfaiates, tecedores e sapateiros” (1989, p. 169). Os documentos nos informam também da especial dedicação que tinham os índios em ornar os povoados nos dias de festa, com arcos e guirlandas de plumas e flores, o que denota um trabalho delicado e cuidadoso (MARTINS, 2006). Não podemos esquecer, os guaranis adotaram novos cultivos e os desejados instrumentos de metal, as “cuñas de hierro” em primeiro plano, mas também os anzóis, alfinetes e facas entre tantos outros objetos. Em conjunto, ao substituírem os instrumentos de pedra, eles facilitavam e potencializavam o trabalho24. A transformação aí implicada não é pouca, uma vez que, permanecendo a forma e a função dos machadinhos com os quais se abatia a mata para fazer a roça, abria-se caminho, de outra parte, para uma aceleração na produção em favor de interesses que eram estranhos aos guaranis. Propriedade e trabalho nas missões Como vimos, o trabalho para os guaranis envolvia uma ética e uma prática de colaborações recíprocas, apresentando-se como preferencialmente coletivo. De acordo com Meliá e Temple (2004), ele representa uma forma de reproduzir o dom,

24 Os padres logo perceberam o forte interesse dos guaranis por instrumentos de metal, tal como as machadinhas, as facas e anzóis. Roque González de Santa Cruz, missionário da Companhia de Jesus no Paraguai dos princípios do século XVII, anotou sobre isso que “si hay cuñas estará hecha aquella reducción dentro de dos años”. In: BLANCO, 1929, p. 611.


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mediante o qual se dão as condições materiais de existência e pelo qual o modo de ser guarani se faz ideal e formalmente. A novidade introduzida pela conquista europeia contrastava fortemente com isso, uma vez que o trabalho compulsório foi a forma preferencial de relação instituída pelas autoridades coloniais junto a esses índios25. As reduções mantiveram, em parte, algumas das formas pelos quais trabalhavam os guaranis, especialmente no que se refere ao seu sentido coletivo e festivo. No capítulo XLV de sua Conquista Espiritual, o Padre Montoya se propõe a algumas observações que, esclarece ele, dizem respeito ao todas as reduções. São todos eles lavradores e tem cada qual a sua lavoura à parte. Passando de onze anos, já os muchachos têm a sua lavoura, em que com muita harmonia se ajudam uns aos outros. Entre eles não há compra nem venda, porque com muita liberdade e desinteresse socorrem-se em suas necessidades. Tratam aos que de passagem os visitam com grande hospitalidade (MONTOYA, 1989, p. 168-9).

Já o Padre Luis de la Roca anotou em sua visita ao Pueblo de San Miguel (1714-1715): Para que en tiempo de chacarería no se pierda la gente se juntarán con cada cacique sus vasallos y juntos haran un día la chacra de uno hasta acabarla y si fuere necesario más días también; y después juntos todos la chacra de otro y así las de los demás vasallos de cada cacique (Apud: MELIÁ, 2004, p. 54).

Além disso, toda a população trabalhava para o bem comum da redução, sem que houvesse qualquer remuneração direta por conta disso, o que vai ao encontro do que apontamos inicialmente sobre o fato de a “economia” não estar isolada das instituições sociais. A divisão sexual do trabalho foi em parte mantida, excluindo as mulheres do trabalho nas “oficinas”. Houve até mesmo uma divisão sexual dos espaços, com as atividades femininas sendo alocadas, não no pátio dos artífices”, onde ficavam as oficinas, mas no “cotiguaçu”, o lugar em que viviam as órfãs e viúvas. Coube a elas especialmente a cozinha, a horticultura e a cerâmica. Como encargo dos homens, ficaram a lida com o gado e a extração da erva-mate, fazendo os jesuítas insistentes esforços (apenas em parte bem-sucedidos) de responsabilizá-los pelas atividades agrícolas.

25 Embora, ao longo do século XVI, o direito dos espanhóis a encomienda de indios tenha sido progressivamente limitado e esta tenha se tornado uma forma bastante marginal de extrair mão de obra das comunidades, no Paraguai ela permaneceu vigente até o fim do período colonial.


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Certos elementos que caracterizavam a economia guarani (o trabalho por unidades domésticas, o sentido coletivo, a inexistência de mercado) tiveram continuidade na vida em redução. A posse coletiva das terras de lavoura, constituindo o setor chamado nas reduções de tupambáe por oposição ao abambaé (das terras alocadas para as famílias), deve ser também destacada. Sua existência determinou efeitos importantes para a história que os guaranis viveram nas reduções, onde, segundo relataram os jesuítas, as atividades e compromissos relativos ao setor coletivo eram sempre mais bem recebidos do que aquilo que dizia respeito ao setor individual, o qual as Leis de Índias recomendavam que devesse ser ampliado. Era do tupambaé, em que trabalhavam dois dias por semana, que provinham os alimentos para manter viúvas e órfãos ou demais necessitados; dos armazéns abastecidos por ele eram buscados os alimentos que atendiam os grupos que saíam em expedições de caça, de coleta de erva-mate ou aqueles que se dirigiam para as estâncias de gado. Deste setor coletivo vinham ainda os recursos para o culto, para o cura e seu companheiro. O abambaé deveria funcionar como a propriedade das famílias; o que se produzia neste setor era armazenado em favor dos seus produtores. Naquilo que os padres entendiam como expressão da “desídia” dos índios, podemos perceber a dificuldade dos guaranis de lidar com a ideia de “progresso material e social, baseado na produção de erva-marte e couros para a exportação que os jesuítas defendiam” (KERN, 1982, p. 75). Era para a manutenção da economia florescente dos povoados que tinha que se voltar o “dirigismo” dos padres sobre o trabalho dos índios. Esta prosperidade, entretanto, esteve sempre a serviço da coletividade, do povoado e de seus moradores, aqueles que eram os seus agentes diretos. Quando as reduções assumiram nova feição, depois da expulsão dos jesuítas (1767), as queixas dos administradores leigos apontavam especialmente para o desinteresse manifestado pelos guaranis, que não se mostravam sensibilizados pelos preceitos de individualização que foram introduzidos como os mais “produtivos”. Tendo existido a propriedade privada nos pueblos na forma do abambaé, ao lado da propriedade comunal (o tupambaé), nem uma nem outra foram meras reproduções de experiências anteriores, indígenas e ocidentais, tendo sido ressignificadas. Sua coexistência serviu para as mais diversas interpretações sobre a economia das reduções, mas apenas recentemente passou a perceber-se o quanto o trabalho no setor coletivo estava marcado pelas práticas e saberes guaranis. É preciso, assim, que façamos referência ao sentido ritual do trabalho que foi mantido e até mesmo potencializado nas reduções: “ao raiar o dia assistem a missa o ano todo e, depois de haverem estado na igreja dirigem-se ao trabalho, que obtém


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bons resultados a partir de preparação tão religiosa” observa o jesuíta (MONTOYA, 1989, p. 169). Dessa maneira, as reuniões para conduzir tarefas em mutirão aparecem com bastante frequência nos documentos como dias especiais, em que o trabalho não deixa de estar associado à festa. Ocorria, por exemplo, de os índios dirigirem-se às suas roças ao som de flautas e tambores: “[...] de manera que no hay viaje por río con embarcaciones, por tierra con carreterías, ni ocasión en que vaya alguna tropilla de gente o alguna parcialidad a alguna función o faena, en que no leven uno o dos tamborileros con sus flauteros[...]” (CARDIEL, 1989, p. 68). Na Redução de Corpus, em 1634, os padres Andres de la Rua e Juan Bautista de Hornoz contaram com a ajuda dos caciques para organizar a edificação da igreja: “[...] y luego dieron principio a sacar la madera dividiendose los Caziques y ayudandose unos a otros com mucho gusto trujeron el primer palo com mucha algazarra y fiesta [...]” (MCA IV, p. 90). Essas notas entram em conflito com várias outras, em que os sacerdotes se queixam do “natural desleixo” dos índios, em passagens que foram inúmeras vezes retomadas pela historiografia mais antiga das missões26. É o caso de Pablo Hernández (1913), segundo o qual “el índio perezoso sólo trabajava por imperio de la fuerza” (In: MELIÁ e TEMPLE, 2004, p. 55). O mesmo autor indica, ainda, ser preciso que os padres tivessem empenho em que os guaranis cuidassem de suas chácaras, pois “sem nenhum amor ao trabalho”, era comum que eles não as cultivassem a não ser no estritamente necessário. Se as observações de Pablo Hernández devem ser tomadas como reflexo da historiografia do início do século XX, elas também revelam que é a um tipo particular de trabalho que os guaranis veem com desinteresse. Trata-se do trabalho individualizado e fora das pautas da reciprocidade, que se afasta do sentido que historicamente haviam conferido ao labor agrícola. Seguindo o texto de outro historiador da Companhia, Guillermo Furlong (1962), encontramos que os jesuítas fizeram os guaranis “apreciar e amar o trabalho”. Assim, “raro seria el caso de que el trabajo llegara a cansar un indio. El trabajo era un pasatiempo, y así lo tomaban […]. El trabajo era de todos para todos […] y ese trabajar era tanto más placentero, por cuánto no había preocupación económica alguna” (Apud MELIÁ; TEMPLE, 2004, p. 56). Ou seja, o trabalho assume uma dimensão lúdica tão importante quanto a produtiva. Ponderações desta natureza estão na base da conclusão de Bartomeu Meliá (1988) de que a missão dos jesuítas junto aos guaranis teve, como uma de suas características definidoras, o 26 É o caso das observações do Pe. Anton Sepp, que se refere aos guaranis como imprevidentes, preguiçosos e glutões.


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aproveitamento da “base etnográfica”, da “realidade cultural” desses índios. Foi sobre esta base que esta “missão por redução” pode alcançar aquilo que se constituiu em seus êxitos. Isso implica, para o autor, que as reduções tiveram sucesso, não “apesar do que eram”, e sim precisamente “pelo que eram os guaranis”. Depois das Missões As reformas imperiais levadas a efeito pela coroa espanhola tiveram nos jesuítas um de seus alvos privilegiados. A expulsão da Ordem em 1776 contribuiu para a secularização do espaço missioneiro e teve repercussões profundas nos pueblos de indios. Tomadas em conjunto, as medidas dos novos administradores pretendiam revigorar a autoridade da monarquia (daí as medidas contra a poderosa Companhia de Jesus) e os laços de dependência dos territórios do ultramar para com a metrópole. Queriam também reforçar a economia do reino, até mesmo porque esta seria a base de recuperação do seu poder e prestígio. As novas autoridades compreenderam que as missões tinham impedido a emancipação dos índios e que a individualização de seus esforços econômicos era o melhor meio para atingir este desígnio. Assim, a concepção de uma administração laica para os povoados guaranis teve intenção de separar os assuntos temporais dos espirituais e limitar a influência dos novos sacerdotes. Paralelamente a esta administração laica, pretendeu-se instituir uma série de princípios que contradiziam fortemente a experiência anterior: propriedade individual, agentes de produção individual, competição, especialidades em tempo integral. A falta de comprometimento dos guaranis com esta nova realidade, os desmandos e as confusões, além do deslocamento da mão de obra para os interesses da exploração mercantil, foram esvaziando as outrora prósperas reduções (MAEDER, 1989). As guerras pela independência e as repúblicas que foram por elas instaladas não resultaram em nenhum novo incentivo para experiências comunitárias. Ao contrário, o avanço do liberalismo só fez crescer a noção de que as bases das economias indígenas eram arcaísmos a serem ultrapassados.


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MANUSCRITOS DA COLEÇÃO DE ANGELIS IV. Jesuítas e Bandeirantes no Uruguai (1611-1758). Introdução, notas e sumário por Hélio Vianna. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. MARTINS, Maria Cristina Bohn. Os guarani e a economia de reciprocidade. São Leopoldo, UNISINOS, 1989. Dissertação (Mestrado em História), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1989. _______. Sobre festas e celebrações. Reduções do Paraguai (séc. XVII e XVIII). Passo Fundo: UPF, ANPUH-RS, 2006. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. MELIÁ, Bartomeu. El Guarani. Conquistado y Reducido. Ensayos de Etnohistoria. Asunción: Centro de Estudios Antropológicos/Universidad Católica, 1988. (Biblioteca Paraguaya de Antropología, v. 5). MELIÁ, Bartomeu. El encubrimiento de América. Acción. Asunción, n. 102, p. 37–41, marzo de 1990. MELIÁ, Bartomeu; TEMPLE, Dominique. El don, la venganza y otras formas de economía guaraní. Asunción: CEPAG, 2004. MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista Espiritual. Feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985. MURRA, John. Temas de estructura social y económica en la etnohistoria y el antiguo folklore andino. In: Folklore americano. Año X, n.10, Lima, 1962. MURRA, John Murra. La organización económica del estado Inca. Mexico: Siglo XXI, 1983, NECKER, Louis. Indios Guaraníes y Chamanes Franciscanos. Las primeras reducciones del Paraguay (1580-1800). Con Prefacio de Magnus Mörner. Asunción: Centro de Estudios Antropológicos/Universidad Católica, 1990. (Biblioteca Paraguaya de Antropología, v. 7). NEUMANN, Eduardo. O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata colonial: 1640-1750. Porto Alegre: Martin Livreiro, 1996. PEASE, Franklin. Del Tawantinsuyu a la Historia del Peru. Lima: PUC del Peru, 1989. POLANYI. Karl. A Grande Transformação. Rio de Janeiro: Campus, 2000. ROSENBLAT, A. La Población Indígena y el Mestizaje en America. Buenos Aires: Editorial Nova, 1954. SAHLINS, Marshal. Economía de la Edad de la Piedra. Madrid: Akal, 1977. SCHMIDL, Ulrico. Alemanes en América. Edición de Lorenzo E. López. Madrid: História 16, 1537; 1986. (Crónicas de América 15). SEPP, Antônio S. J. Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. Belo Horizonte: São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980. SOARES, André. Guarani. Organização social e arqueologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. SOUZA, José Otávio Catafesto de. O sistema econômico nas sociedades indígenas guaranis pré-coloniais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 18, dez. 2002, p. 212-3. SAHLINS, Marshall. La economia de la Edad de la Piedra. Madrid: Akal, 1977.


Cadernos IHU ideias

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_______. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. SUSNIK, Branislava. Guerra, Transito, Subsitencia. Ambito americano. Asunción: Museo Etnográfico Andrés Barbero, 2000. TEMPLE, Dominique. La dialéctica del don. Ensayo sobre la economia de las sociedades indígenas. La Paz: HISBOL/AUMM/R, 1986. VALENSI, L. História e antropologia econômica: a obra de Karl Polanyi. In: RANDLES, Wanchtel et al. (org.). Para uma história antropológica. Lisboa: Edições 70, 1978. p. 13-26.



TEMAS DOS CADERNOS IHU IDEIAS N. 01 N. 02

N. 03 N. 04 N. 05 N. 06 N. 07 N. 08 N. 09 N. 10 N. 11 N. 12 N. 13 N. 14 N. 15 N. 16 N. 17 N. 18 N. 19 N. 20 N. 21 N. 22 N. 23 N. 24 N. 25 N. 26 N. 27 N. 28 N. 29 N. 30 N. 31 N. 32 N. 33 N. 34 N. 35 N. 36 N. 37 N. 38 N. 39 N. 40 N. 41 N. 42 N. 43 N. 44 N. 45 N. 46 N. 47 N. 48 N. 49

A teoria da justiça de John Rawls – Dr. José Nedel O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Dra. Edla Eggert O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Jornalista Sonia Montaño Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Dr. Manfred Zeuch BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Profa. Dra. Suzana Kilpp Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Prof. Dr. Valério Cruz Brittos Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Profa. Dra. Márcia Tiburi A domesticação do exótico – Profa. Dra. Paula Caleffi Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Profa. Dra. Edla Eggert Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Prof. Dr. Gunter Axt Medicina social: um instrumento para denúncia – Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Profa. Dra. Débora Krischke Leitão As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Prof. Dr. Mário Maestri Um itinenário do pensamento de Edgar Morin – Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Profa. Dra. Helga Iracema Ladgraf Piccolo Sobre técnica e humanismo – Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Junior Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Profa. Dra. Lucilda Selli Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Prof. Dr. Paulo Henrique Dionísio Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Prof. Dr. Valério Rohden Imagens da exclusão no cinema nacional – Profa. Dra. Miriam Rossini A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – MS Rosa Maria Serra Bavaresco O modo de objetivação jornalística – Profa. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco A cidade afetada pela cultura digital – Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – Prof. MS José Fernando Dresch Kronbauer Getúlio, romance ou biografia? – Prof. Dr. Juremir Machado da Silva A crise e o êxodo da sociedade salarial – Prof. Dr. André Gorz À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay – Seus dilemas e possibilidades – Prof. Dr. André Sidnei Musskopf O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Adam Smith: filósofo e economista – Profa. Dra. Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Prof. Dr. Luiz Mott. Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Prof. Dr. Gentil Corazza Corpo e Agenda na Revista Feminina – MS Adriana Braga A (anti)filosofia de Karl Marx – Profa. Dra. Leda Maria Paulani Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monasterio Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva & Samuel McGinity Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Prof. Dr. Lothar Schäfer “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Profa. Dra. Ceres Karam Brum O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa Religião e elo social. O caso do cristianismo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu. Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud


N. 50 N. 51 N. 52 N. 53 N. 54 N. 55 N. 56 N. 57 N. 58 N. 59 N. 60 N. 61 N. 62 N. 63 N. 64 N. 65 N. 66 N. 67 N. 68 N. 69 N. 70 N. 71 N. 72 N. 73 N. 74 N. 75 N. 76 N. 77 N. 78 N. 79 N. 80 N. 81 N. 82 N. 83 N. 84 N. 85 N. 86 N. 87 N. 88 N. 89 N. 90 N. 91 N. 92 N. 93 N. 94 N. 95 N. 96 N. 97 N. 98 N. 99 N. 100 N. 101 N. 102 N. 103 N. 104 N. 105

Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Prof. Dr. Evilázio Teixeira Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington & Stela Nazareth Meneghel Ética e emoções morais – Prof. Dr. Thomas Kesselring Juízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? – Prof. Dr. Adriano Naves de Brito Computação Quântica. Desafios para o Século XXI – Prof. Dr. Fernando Haas Atividade da sociedade civil relativa ao desarmamento na Europa e no Brasil – Profa. Dra. An Vranckx Terra habitável: o grande desafio para a humanidade – Prof. Dr. Gilberto Dupas O decrescimento como condição de uma sociedade convivial – Prof. Dr. Serge Latouche A natureza da natureza: auto-organização e caos – Prof. Dr. Günter Küppers Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades – Dra. Hazel Henderson Globalização – mas como? – Profa. Dra. Karen Gloy A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida – MS Cesar Sanson Incidente em Antares e a Trajetória de Ficção de Erico Veríssimo – Profa. Dra. Regina Zilberman Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história – Prof. Dr. Fernando Lang da Silveira e Prof. Dr. Luiz O. Q. Peduzzi Negações e Silenciamentos no discurso acerca da Juventude – Cátia Andressa da Silva Getúlio e a Gira: a Umbanda em tempos de Estado Novo – Prof. Dr. Artur Cesar Isaia Darcy Ribeiro e o O povo brasileiro: uma alegoria humanista tropical – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Adoecer: Morrer ou Viver? Reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609-1675) – Profa. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck Em busca da terceira margem: O olhar de Nelson Pereira dos Santos na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. João Guilherme Barone Contingência nas ciências físicas – Prof. Dr. Fernando Haas A cosmologia de Newton – Prof. Dr. Ney Lemke Física Moderna e o paradoxo de Zenon – Prof. Dr. Fernando Haas O passado e o presente em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade – Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini Da religião e de juventude: modulações e articulações – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Tradição e ruptura na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. Eduardo F. Coutinho Raça, nação e classe na historiografia de Moysés Vellinho – Prof. Dr. Mário Maestri A Geologia Arqueológica na Unisinos – Prof. MS Carlos Henrique Nowatzki Campesinato negro no período pós-abolição: repensando Coronelismo, enxada e voto – Profa. Dra. Ana Maria Lugão Rios Progresso: como mito ou ideologia – Prof. Dr. Gilberto Dupas Michael Aglietta: da Teoria da Regulação à Violência da Moeda – Prof. Dr. Octavio A. C. Conceição Dante de Laytano e o negro no Rio Grande Do Sul – Prof. Dr. Moacyr Flores Do pré-urbano ao urbano: A cidade missioneira colonial e seu território – Prof. Dr. Arno Alvarez Kern Entre Canções e versos: alguns caminhos para a leitura e a produção de poemas na sala de aula – Profa. Dra. Gláucia de Souza Trabalhadores e política nos anos 1950: a idéia de “sindicalismo populista” em questão – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Dimensões normativas da Bioética – Prof. Dr. Alfredo Culleton & Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza – Prof. Dr. Attico Chassot Demanda por empresas responsáveis e Ética Concorrencial: desafios e uma proposta para a gestão da ação organizada do varejo – Profa. Dra. Patrícia Almeida Ashley Autonomia na pós-modernidade: um delírio? – Prof. Dr. Mario Fleig Gauchismo, tradição e Tradicionalismo – Profa. Dra. Maria Eunice Maciel A ética e a crise da modernidade: uma leitura a partir da obra de Henrique C. de Lima Vaz – Prof. Dr. Marcelo Perine Limites, possibilidades e contradições da formação humana na Universidade – Prof. Dr. Laurício Neumann Os índios e a História Colonial: lendo Cristina Pompa e Regina Almeida – Profa. Dra. Maria Cristina Bohn Martins Subjetividade moderna: possibilidades e limites para o cristianismo – Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Saberes populares produzidos numa escola de comunidade de catadores: um estudo na perspectiva da Etnomatemática – Daiane Martins Bocasanta A religião na sociedade dos indivíduos: transformações no campo religioso brasileiro – Prof. Dr. Carlos Alberto Steil Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos – MS Cesar Sanson De volta para o futuro: os precursores da nanotecnociência – Prof. Dr. Peter A. Schulz Vianna Moog como intérprete do Brasil – MS Enildo de Moura Carvalho A paixão de Jacobina: uma leitura cinematográfica – Profa. Dra. Marinês Andrea Kunz Resiliência: um novo paradigma que desafia as religiões – MS Susana María Rocca Larrosa Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house – Dra. Vanessa Andrade Pereira Autonomia do sujeito moral em Kant – Prof. Dr. Valerio Rohden As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 1 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Uma leitura das inovações bio(nano)tecnológicas a partir da sociologia da ciência – MS Adriano Premebida ECODI – A criação de espaços de convivência digital virtual no contexto dos processos de ensino e aprendizagem em metaverso – Profa. Dra. Eliane Schlemmer As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 2 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Futebol e identidade feminina: um estudo etnográfico sobre o núcleo de mulheres gremistas – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha


N. 106 Justificação e prescrição produzidas pelas Ciências Humanas: Igualdade e Liberdade nos discur-

sos educacionais contemporâneos – Profa. Dra. Paula Corrêa Henning N. 107 Da civilização do segredo à civilização da exibição: a família na vitrine – Profa. Dra. Maria Isabel Bar-

ros Bellini N. 108 Trabalho associado e ecologia: vislumbrando um ethos solidário, terno e democrático? – Prof. Dr.

Telmo Adams N. 109 Transumanismo e nanotecnologia molecular – Prof. Dr. Celso Candido de Azambuja N. 110 Formação e trabalho em narrativas – Prof. Dr. Leandro R. Pinheiro N. 111 Autonomia e submissão: o sentido histórico da administração – Yeda Crusius no Rio Grande do Sul

– Prof. Dr. Mário Maestri N. 112 A comunicação paulina e as práticas publicitárias: São Paulo e o contexto da publicidade e propa-

ganda – Denis Gerson Simões N. 113 Isto não é uma janela: Flusser, Surrealismo e o jogo contra – Esp. Yentl Delanhesi N. 114 SBT: jogo, televisão e imaginário de azar brasileiro – MS Sonia Montaño N. 115. Educação cooperativa solidária: perspectivas e limites – Prof. MS Carlos Daniel Baioto N. 116 Humanizar o humano – Roberto Carlos Fávero N. 117 Quando o mito se torna verdade e a ciência, religião – Róber Freitas Bachinski N. 118 Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal N. 119 A espiritualidade como fator de proteção na adolescência – Luciana F. Marques & Débora D. Dell’Aglio N. 120 A dimensão coletiva da liderança – Patrícia Martins Fagundes Cabral & Nedio Seminotti N. 121 Nanotecnologia: alguns aspectos éticos e teológicos – Eduardo R. Cruz N. 122 Direito das minorias e Direito à diferenciação – José Rogério Lopes N. 123 Os direitos humanos e as nanotecnologias: em busca de marcos regulatórios – Wilson Engelmann N. 124 Desejo e violência – Rosane de Abreu e Silva N. 125 As nanotecnologias no ensino – Solange Binotto Fagan N. 126 Câmara Cascudo: um historiador católico – Bruna Rafaela de Lima N. 127 O que o câncer faz com as pessoas? Reflexos na literatura universal: Leo Tolstoi – Thomas Mann –

Alexander Soljenítsin – Philip Roth – Karl-Josef Kuschel N. 128 Dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à identidade genética – Ingo Wolfgang Sarlet N. 129 N. 130 N. 131 N. 132 N. 133 N. 134 N. 135 N. 136 N. 137

& Selma Rodrigues Petterle Aplicações de caos e complexidade em ciências da vida – Ivan Amaral Guerrini Nanotecnologia e meio ambiente para uma sociedade sustentável – Paulo Roberto Martins A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária – Rosa Maria Zaia Borges Abrão Linguagem, singularidade e atividade de trabalho – Marlene Teixeira & Éderson de Oliveira Cabral A busca pela segurança jurídica na jurisdição e no processo sob a ótica da teoria dos sistemas sociais de Niklass Luhmann – Leonardo Grison Motores Biomoleculares – Ney Lemke & Luciano Hennemann As redes e a construção de espaços sociais na digitalização – Ana Maria Oliveira Rosa De Marx a Durkheim: Algumas apropriações teóricas para o estudo das religiões afro-brasileiras – Rodrigo Marques Leistner Redes sociais e enfrentamento do sofrimento psíquico: sobre como as pessoas reconstroem suas vidas – Breno Augusto Souto Maior Fontes


Maria Cristina Bohn Martins é doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (História Ibero-Americana, 1999, com a tese: A festa guarani das reduções: perdas, permanências e transformações), mestre em História da Iberoamérica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (1991), onde também concluiu sua Graduação em História (1984). É professora titular da UNISINOS, vinculada à Graduação e ao Programa de Pós-Graduação da Universidade e bolsista Produtividade do CNPq. Tem experiência na área de História da América, atuando em temas ligados às sociedades indígenas e coloniais, dinâmicas de fronteira, instituições sociais, políticas, econômicas e religiosas do mundo colonial e do período independente. Algumas publicações da autora MARTINS, Mª. Cristina Bohn. Sobre festas e celebrações: as reduções do Paraguai (séculos XVII e XVIII). Passo Fundo: Editora da UPF; ANPUH – RS, 2006. V. 1. 256 p. MARTINS, Mª. Cristina Bohn (org.); FLECK, Eliane Cristina Deckmann

(org.). Dossiê América Latina Colonial. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. V. 1. 325 p. MARTINS, Mª. Cristina Bohn. As sociedades indígenas e a economia do dom: o caso dos guaranis. IHU On-Line (UNISINOS. Impresso), v. 1, p.

38-40, 2010. MARTINS, Mª. Cristina Bohn. Missionários, Indígenas e a Negociação da

Autoridade Maynas no diário do Pe. Samuel Fritz. Territórios e Fronteiras (UFMT), 2009. V. 2. p. 124-44. MARTINS, Mª. Cristina Bohn. La fiesta guaraní en las reduciones: pérdi-

das, permanencias y transformaciones. In: Ana Maria Crespo; Rosa Brambila Paz. (org.). Caleidoscópio de alternartivas. Estudios culturales desde la antropología y la historia. Mexico: Instituto Nacional de Antropología y Historiar (INAH), Consejo Nacional de Cultura, 2006.p. 51-8.


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