Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro Historical understanding of the Brazilian corporate-military regime
Fábio Konder Comparato Professor Emérito Universidade de São Paulo
Resumo Este artigo busca compreender como o regime político que se instalou no país após o Golpe de 1964 fundou-se na aliança das Forças Armadas com os latifundiários e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros, e como esse consórcio político engendrou duas experiências pioneiras na América Latina: o terrorismo de Estado e o neoliberalismo capitalista. Grandes empresários não hesitaram em financiar a instalação de aparelhos de terror estatal, como a Operação Bandeirante (embrião do futuro DOI-CODI), ou ainda a Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP, que convidou empresas a colaborar – enquanto a Ford e a Volkswagen forneciam automóveis, a Ultragás emprestava caminhões e a Supergel abastecia a carceragem militar com refeições congeladas. Entre outros, um dos setores em que a colaboração do empresariado com a corporação militar mais se destacou foi o das comunicações de massa, necessário para a difusão sistemática dos méritos do sistema capitalista. Palavras-chave: regime autoritário, colaboração empresarial-militar, terrorismo de estado, neoliberalismo capitalista.
Summary This article seeks to understand how the political regime settled in Brazil after the coup d’etat in 1964 was based on the military alliance with the landowners and big businessmen, foreign and domestic, and how this political consortium engendered two pioneering experiments in Latin America: State terrorism and capitalist neoliberalism. Great entrepreneurs do not hesitate to finance the installation of apparatus of State terror, like Operação Bandeirante (embryo of the future DOI-CODI), or Federação de Indústrias de São Paulo – FIESP that invited companies to cooperate – while Ford and Volkswagen provided cars, Ultragás lent trucks and Supergel supplied the military prisons with frozen meals. Among others, one of the sectors in which the business collaboration with the military corporation stood out was the mass communications, necessary for the systematic dissemination of the merits of the capitalist system. Keywords: authoritarian regime, corporate-military collaboration, state terrorism, capitalist neoliberalism.]
Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro Fábio Konder Comparato Universidade de São Paulo ano 12 f Q YRO ,661
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Cadernos IHU ideias / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Humanitas Unisinos. – Ano 1, n. 1 (2003). – São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003- . v. Quinzenal (durante o ano letivo). Publicado também on-line: <http://www.ihu.unisinos.br/cadernos-ihu-ideias>. Descrição baseada em: Ano 1, n. 1 (2003); última edição consultada: Ano 11, n. 204 (2013). ISSN 1679-0316 1. Sociologia. 2. Filosofia. 3. Política. I. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas Unisinos. CDU 316 1 32 Bibliotecária responsável: Carla Maria Goulart de Moraes – CRB 10/1252
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COMPREENSÃO HISTÓRICA DO REGIME EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRO Fábio Konder Comparato
Meio século após a instauração do mais longo regime de exceção de nossa história política, é importante examinar suas causas e analisá-lo num amplo contexto social, ultrapassando fatos singulares e personagens individuais. Com esse propósito, parece-me necessário considerar, antes de tudo, a tradicional estrutura de poder vigente entre nós e a posição que nela ocupou a corporação militar.
1 Posição das Forças Armadas na Estrutura de nosso Poder Político Em todo o curso da História do Brasil, a organização do poder apresentou uma estrutura dualista, englobando, de um lado, os agentes estatais e, de outro, os potentados privados, ou seja, os grandes proprietários e empresários. Enquanto os primeiros se apresentaram oficialmente como titulares do poder político e administrativo, os segundos, graças ao seu poderio econômico, não deixaram de exercer sobre aqueles uma influência determinante. Essa organização do poder político, a bem dizer, é própria da civilização capitalista. “O capitalismo”, como bem advertiu Fernand Braudel, “só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”.1 Como órgão auxiliar dessa estrutura dualista de poder, sempre atuou a Igreja Católica. A monarquia portuguesa havia obtido do papado, durante a Idade Média, o privilégio do padroado régio, que habilitava o monarca a propor a criação de novas dioceses, escolher os bispos e propor sua sagração ao papa; além do chamado beneplácito, que era o poder do rei de aprovar previamente as normas e determinações da Santa Sé destinadas ao reino. Em razão do padroado, que vigorou entre nós até a República, os eclesiásticos atuaram como autênticos funcionários da Coroa. Mesmo após a separação entre a Igreja e o Estado, estabelecida pela primeira Constituição republicana de 1891, a Igreja Católica exerceu no Brasil uma influência decisiva, em defesa da ordem política estabelecida. 1 La dynamique du capitalisme, Éditions Flammarion, 2008, p. 68.
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Quanto ao povo propriamente dito, ele nunca, nem de longe, deteve a soberania e, salvo períodos de curta duração – como durante a “Era Vargas”, por exemplo – ficou totalmente alheio ao esquema geral de exercício do poder político, mesmo quando, a partir do período republicano, foi constitucionalmente proclamado como a fonte de onde emanam todos os poderes. Entre os dois grupos dominantes acima nomeados – os agentes estatais e os potentados privados – estabeleceu-se aquela dialética da ambiguidade a que se referiu o historiador José Murilo de Carvalho, retomando uma expressão cunhada pelo sociólogo Guerreiro Ramos.2 Cada um desses grupos de poder sempre busca, antes de tudo, realizar o seu próprio interesse, e não o bem comum do povo. Mas, salvo conflitos episódicos, mantêm-se associados, em situação de mútua dependência. Assim, enquanto o conjunto dos agentes estatais – governantes, legisladores, juízes, membros do Ministério Público, altos funcionários – no exercício de suas funções oficiais favorece a realização dos interesses econômicos dos potentados privados, estes últimos, sob o disfarce da submissão ao poder oficial, não cessam de exercer pressão sobre os primeiros em todos os níveis – legislação, administração, prestação da justiça –, quando não os corrompem, pura e simplesmente. Aliás, a generalizada prática da corrupção dos agentes públicos, herdada de Portugal, marcou toda a nossa história, havendo chamado a atenção de notáveis viajantes estrangeiros no século XIX.3 Até o final do Império, as Forças Armadas atuaram como organização auxiliar desse esquema dúplice de poder. A partir da Guerra do Paraguai (1865-1870), entretanto, a corporação militar manifestou crescente insatisfação com o seu estado de dependência na organização estatal, como passamos a ver. a) Período colonial A colonização portuguesa, tanto na América quanto na Ásia e na África, teve, desde o início, um caráter nitidamente mercantil.4
2 Cf. José Murilo de Carvalho, I A Construção da Ordem, II Teatro de Sombras, Rio de Janeiro (Editora UFRJ – Relume Dumará), 2ª ed., p. 212. 3 Vejam-se Auguste de Saint-Hilaire, Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, Editora da Universidade de São Paulo e Livraria Itatiaia Editora Ltda., 1975, p. 157; John Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, Editora da Universidade de São Paulo e Livraria Itatiaia Editora Ltda., 1975, p. 321; Charles Darwin, O Diário do Beagle, Editora UFPR, 2006, p. 100 4 Cf., principalmente, Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, cit., pp. 15 e ss.; Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, 2ª ed., São Paulo (Companhia Editora Nacional e Editora da Universidade de São Paulo), Coleção Brasiliana – vol, 333, 1969, pp. 318 e ss.; Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, 1ª edição, 1958; 3ª edição, Editora Globo, 2001, pp. 45 e ss.
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Com efeito, a partir do reinado de D. João I, inaugurador da dinastia de Avis na segunda metade do século XIV, o pequeno reino ibérico conheceu a primeira grande revolução dos tempos modernos, com o rompimento da milenar estrutura social da civilização indo-europeia. Nesta, como sabido, a sociedade era dividida em três estamentos (États, Stände): o dos clérigos, o dos aristocratas-militares e o dos simples servos lavradores. Sucedeu que, no dealbar da Baixa Idade Média, nas localidades chamadas “burgos de fora”, ou seja, não sujeitas ao poder feudal, surgiram e prosperaram três grupos sociais estranhos àquela tripartição estamental, e que passaram, em razão de sua origem territorial, a ser denominados burgueses: os comerciantes, os juristas e os militares de profissão. O Mestre d’Avis, assumindo o trono logo após a grande crise de 1383-1385 entre Portugal e Castela, afastou da Corte a nobreza favorável à aliança entre ambas as Coroas ibéricas e chamou a si aquelas três categorias de burgueses, atribuindo-lhes a missão de servi-lo diretamente na luta pela manutenção da independência do reino. Criou, destarte, aquele estamento burocrático, cuja atuação na história política de nosso país foi analisada em profundidade por Raymundo Faoro em obra já clássica.5 A grande aventura colonial, desenvolvida a partir da descoberta da América e a abertura do caminho marítimo para as Índias, foi desde o início montada com o auxílio dos militares e comerciantes ligados à Coroa. O próprio rei tornou-se o primeiro comerciante do reino. Em suma, como disse Alexandre Herculano, fundou-se em Portugal um regime de capitalismo político.6 No sistema das capitanias hereditárias, por primeiro instalado no Brasil, a autoridade máxima local, o capitão-donatário, era dotado de todos os atributos régios, notadamente o poder militar, e desenvolvia pessoalmente a atividade de exploração mercantil da terra. Sobrevindo o regime de governo-geral, inaugurado por Tomé de Souza em 1549, garantiu-se, em benefício de alguns senhores de engenho designados pela Coroa, o oligopólio da produção de açúcar. “O ser senhor de engenho”, asseverou Antonil em sua obra de 1711,7 “é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos.” Criou-se, em consequência, em todo o período colonial, uma estrutura dúplice de poderes, reunindo, de um lado, os grandes fazendeiros e senhores de engenho e, de outro, o estamento burocrático nomeado pela Coroa, ou seja, os altos funcionários régios. Entre esses dois grupos de potentados, estabele5 Os Donos do Poder, cit. 6 História de Portugal, 8ª ed., Lisboa (Bertrand), t. I, p. 99. 7 Cultura e Opulência do Brasil, Editora Itatiaia Limitada e Editora da Universidade de São Paulo, 1982, pág. 75.
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ceram-se ao longo dos séculos estreitas relações de parentesco, amizade e compadrio.8 No conjunto dos funcionários oriundos da metrópole, os militares sempre predominaram, pois desde o início da aventura colonial houve constante preocupação com a defesa do território. A corporação militar organizava-se em três grupos9: 1) as tropas de linha, compostas essencialmente de regimentos portugueses, e que operavam em todo o território colonial; 2) as milícias, constituídas também por tropas regulares de recrutamento compulsório, mas não remuneradas, distribuídas em freguesias ou circunscrições eclesiásticas; 3) os corpos de ordenanças, que abrangiam toda a população masculina entre 18 e 60 anos, não recrutada nos dois primeiros corpos militares. Essa avassaladora organização militar nunca se distinguiu pela disciplina. Enquanto os chefes mantinham-se estreitamente unidos à classe dos ricos senhores, sendo que muitos oficiais de alto grau adquiriam propriedades rurais ou tornavam-se comerciantes, a soldadesca cometia frequentes abusos contra a população pobre. Luís dos Santos Vilhena, em suas crônicas da Bahia do final do século XVIII,10 relata a frequência com que, nas épocas de escassez de alimentos, os militares invadiam currais e açougues, a fim de se apossar de toda a carne destinada à venda. b) Período imperial Desde a criação do Estado brasileiro independente, em 1822, até o final do reinado de D. Pedro II, a corporação militar representou o braço armado da Coroa imperial, em defesa da organização política centralizada e da unidade territorial do país. Nessa posição, as Forças Armadas atuaram, já em 1824, na pacificação do conflito entre o presidente da Província de Pernambuco, nomeado pela Corte, e seu adversário local. Nos anos seguintes, a corporação militar teve que enfrentar, não poucas vezes, segmentos rebeldes dos proprietários agrícolas e comerciantes urbanos, ou seja, o outro ramo da dominação oligárquica. Assim sucedeu durante todo o período regencial – Guerra dos Cabanos (Pará, 1835-1840), Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul e Santa Catarina, 1835-1845), Sabinada (Salvador, 1837-1838), Balaiada (Maranhão e Piauí, 1838-1841) – estendendo-se até os primeiros anos do reinado de D. Pedro II: revoltas liberais de 1842 e a Revolta Praieira de 1848. 8 Cf. Stuart B. Schwartz, Sovereignty and Society in Colonial Brazil – The High Court of Bahia and its Judges 1609-1751, University of California Press, 1973, capítulo XIII (The Brazilianization of Bureaucracy). 9 Para maiores informações sobre o assunto, cf. Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, 2011 (Companhia das Letras), pp. 329 e ss. 10 A Bahia no Século XVIII, vol. I (Livro I), Editora Itapuã, 1969, pp. 129-130.
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A corporação militar foi, porém, poupada no combate aos vários levantes de escravos, como a Revolta dos Carrancas em Minas Gerais em 1831, a Revolta dos Malês na Bahia em 1835 e os combates contra quilombolas. Nesses confrontos, o governo imperial preferiu servir-se das forças policiais e dos chamados capitães-do-mato, estipendiados pelos senhores rurais. O governo chegou mesmo a criar, em 1831, como força auxiliar da polícia, a Guarda Nacional. Compunham-na todos os cidadãos ativos de 21 a 60 anos, entendendo-se como tais as pessoas que dispunham de uma renda anual de 100 mil-réis e constituíam, nessa condição, os eleitores de primeiro grau.11 Eles formavam a ínfima minoria de brasileiros, considerada a “elite” da nação. Mais importante que isso, todavia, foi o desempenho de primeira linha das Forças Armadas imperiais em vários conflitos externos, como as sucessivas guerras platinas e, sobretudo, a Guerra do Paraguai (1865-1870). Esta última representou o fator desencadeante de um inconformismo geral no seio da corporação militar. Havendo combatido ao lado das tropas da Argentina e do Uruguai, repúblicas onde os militares podiam ocupar altos postos políticos, inclusive a chefia do Estado, os oficiais brasileiros não mais aceitavam permanecer como cidadãos de segunda categoria, sem desfrutar de todas as liberdades políticas asseguradas aos civis. Por outro lado, nossos militares tomaram consciência de sua condição humilhante de subordinados ao poder escravocrata, devendo assinalar-se que um contingente apreciável das tropas brasileiras era composto de escravos. A partir de 1883 e praticamente até a Proclamação da República, ocorreu uma série de incidentes, que os historiadores classificaram como “a questão militar”. Influenciados pela pregação positivista, desenvolvida sobretudo por Benjamin Constant na Escola Militar da Praia Vermelha, os integrantes das Forças Armadas começaram a reivindicar direitos fundamentais de cidadania que lhes eram recusados, como o de reunião e de livre manifestação política. Por outro lado, com o crescimento exponencial da fuga de escravos e a multiplicação de quilombos em todo o sudeste do país, o governo imperial, pressionado pelos grandes proprietários rurais e verificando a fraqueza dos contingentes policiais, tentou recorrer às forças do Exército para a recaptura dos fugitivos, o que causou generalizado mal-estar entre os militares. A tensão agravou-se até que, em outubro de 1887, poucos meses 11 De acordo com o disposto no art. 90 da Constituição imperial de 1824, “as nomeações dos Deputados e Senadores para a Assembleia Geral, e dos Membros dos Conselhos Gerais das Províncias, serão feitas por Eleições indiretas, elegendo a massa dos Cidadãos ativos em Assembleias Paroquiais os Eleitores de Província, e estes os Representantes da Nação e Província”.
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antes da Abolição, o Clube Militar, sob a presidência de Deodoro da Fonseca, dirigiu um apelo à Princesa Regente, no sentido de que os soldados ficassem dispensados da “captura de pobres negros que fogem à escravidão”. Em suma, ao final do Império as Forças Armadas entraram em aberto conflito, não só com os agentes estatais detentores do poder político oficial, mas também com o conjunto dos grandes proprietários agrícolas; ou seja, os dois grupos titulares efetivos da soberania. É nesse contexto que sobrevém a Proclamação da República. Como sempre em nossa História, o povo ficou totalmente alheio ao episódio. Na famosa carta a um amigo, Aristides Lobo, que assistira à manifestação de protesto de Deodoro e sua tropa no Campo de Santana, assim declarou: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada”. c) O consulado militar Os primeiros anos do novo regime transcorreram sob a forma de um verdadeiro consulado militar, com Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto na chefia do Estado. Para se ter uma ideia do ambiente de insegurança e temor que então predominou, ressalte-se que, em março de 1890, como reação a um simples cartaz afixado em certos pontos do Rio de Janeiro, conclamando o povo a pôr abaixo a ditadura, três civis foram presos e submetidos, pela primeira vez desde 1825, a julgamento pela Justiça Militar, que os condenou a penas de prisão. O regime empresarial-militar instaurado em 1964 voltou a dar preponderância à Justiça Militar, determinando sua competência obrigatória para julgar os crimes ditos contra a segurança nacional. Sob a chefia de Floriano, a situação de turbulência latente acabou por explodir em duas revoltas da Armada contra o Exército, em 1891 e 1893; neste último ano coincidindo com o deflagrar da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, em oposição à ditadura positivista de Borges de Medeiros. De qualquer maneira, para os grandes fazendeiros do Sudeste do país, onde surgiu a ideia republicana – o Manifesto de 1870 foi lançado em Itu, Estado de São Paulo – os militares já haviam feito o que deles se esperava, ou seja, derrubar a monarquia. Eles deviam, doravante, voltar à caserna e entregar o comando do Estado aos civis; o que foi feito, afinal, em 15 de novembro de 1894, com a assunção da Presidência da República por Prudente de Morais, legítimo representante da oligarquia cafeeira.
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d) A “República Velha” (1894-1930) O restabelecimento da supremacia do poder civil não significou um apaziguamento da insubordinação dos militares; longe disso. Já em 1904, no contexto da revolta popular contra a vacina obrigatória, instituída por Osvaldo Cruz para debelar a febre amarela, deu-se no Rio de Janeiro a Revolta da Escola Militar da Praia Vermelha, na qual morreram, em confronto com as forças policiais, além de um aluno, o tenente-coronel e senador Lauro Sodré e o general Travassos. Na década de 1920, com o chamado movimento tenentista, irrompeu a revolta da jovem oficialidade do Exército contra a falsidade de uma representação política subordinada ao poder latifundiário. Em 1922, um grupo de tenentes revoltou-se no forte de Copacabana. Em 1924, em São Paulo, a capital ficou três semanas em mãos de jovens militares, chefiados pelo general reformado Isidoro Dias Lopes. Ainda em 1924, graças à junção de um contingente militar, que se retirava vencido de São Paulo, com outro grupo de soldados rebeldes, chefiado pelo capitão Luis Carlos Prestes, futuro líder do Partido Comunista, teve início a façanha da Coluna Prestes, que percorreu em torno de 25 mil quilômetros no território nacional, protestando contra o regime político fraudulento da “República Velha”. e) A “Era Vargas” Sobrevindo a chamada Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência da República, este percebeu desde logo a necessidade de contar com o apoio do novo operariado industrial urbano, bem como da jovem oficialidade das Forças Armadas; tudo no contexto da primeira experiência de intensa propaganda política pessoal levada a efeito no Brasil. Assim, além de criar a legislação trabalhista e desenvolver a organização sindical sob a tutela do governo, Getúlio não hesitou, durante o período de governo provisório, em nomear tenentes do Exército como interventores em todos os Estados da Federação. Além disso, cercou-se de vários generais na cúpula do governo, o que lhe permitiu, sem qualquer reação, repudiar em 1937 o Estado Constitucional (em 1934 fora promulgada nova Constituição), instituindo o Estado Novo, de inspiração fascista. Graças ao apoio militar, foram sucessivamente esmagadas a revolta comunista de 1935 e a integralista de 1938, as quais contaram com a participação de oficiais do Exército. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Getúlio decidiu, após dois anos de hesitação, apoiar os Estados Unidos no conflito bélico. Em julho de 1941, assinou um pacto secreto com o governo ianque para a construção de bases aéreas e navais no
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extremo oriental do Nordeste brasileiro, como trampolim para o transporte de tropas e armamentos norte-americanos em território africano, onde já operava a Wehrmacht. Em compensação, o governo americano liberou um empréstimo de 20 bilhões de dólares para a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, o primeiro complexo de siderurgia criado na América Latina. Em agosto de 1942, após o torpedeamento de 21 navios mercantes brasileiros que navegavam em nosso mar territorial, o governo declarou o estado de beligerância e, logo após, a declaração de guerra contra a Alemanha e a Itália. Um ano depois, em 9 de agosto de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira – FEB, enviada em 1944 para combater na Itália. A influência norte-americana fez-se presente também no plano da política interna, envolvendo os militares. Em 1943, o General Manuel Rabelo criou a Sociedade Amigos da América, que contava com o apoio dos Generais Horta Barbosa e Candido Rondon. Em 1944, Oswaldo Aranha, desde há muito amigo dos americanos, desligou-se do Ministério das Relações Exteriores e passou a apoiar a instauração de um regime democrático. Tal como ocorreu após a Guerra do Paraguai, nossos militares da FEB, ao retornarem da Europa, onde foram sacrificadas 443 vidas, sentiram-se inconformados com sua posição subordinada na estrutura da máquina governamental. Acresça-se a isto o fato de que o governo norte-americano, servindo-se da recente ligação de seus generais com os comandantes das tropas da FEB na Itália, passou a pressionar o ditador a deixar o poder, alegando que a guerra contra as potências do Eixo Roma-BerlimTóquio fora desenvolvida em nome dos ideais democráticos. Na verdade, o que mais incomodava os Estados Unidos era o nacionalismo getulista em matéria de política econômica, fortemente contrário aos interesses das macroempresas norteamericanas. Em 1938, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, sendo localizada pela primeira vez no ano seguinte, na Bahia, uma reserva do óleo. O cartel internacional do petróleo, com forte apoio norte-americano, desenvolveu, desde logo, forte pressão sobre o governo brasileiro para impedir a exploração do combustível, o que realmente aconteceu. Terminada a guerra, Getúlio, que acabara de receber total apoio de Luis Carlos Prestes, foi afinal deposto pelos generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra em 29 de outubro de 1945. Conservou, no entanto, seus direitos políticos e, sobretudo, imenso apoio popular. Nessa condição, aproveitando-se das disposições da lei eleitoral, que permitia candidaturas individuais em mais de um estado, foi eleito deputado federal por sete estados e senador por São Paulo e Rio Grande do Sul. Optou pela cadeira de senador do estado gaúcho.
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Lançando mão de uma argúcia política jamais igualada entre nós, Getúlio criou dois partidos políticos, o PSD e o PTB; o primeiro reunindo os grandes líderes ruralistas e os novos empresários industriais, e o segundo como porta-voz da massa trabalhadora urbana, enquadrada pelos sindicatos, desde sempre getulistas. Ou seja, como disse ferinamente seu grande opositor, Carlos Lacerda, enquanto o PSD criava a miséria, o PTB explorava suas consequências. O maquiavelismo do grande líder populista não se limitou, porém, a isso. Abertas as eleições para a Presidência da República, Getúlio apoiou a candidatura do General Dutra, que o depusera em 1945. Afastou, com isso, toda oposição militar ao processo eleitoral, além de tranquilizar o grande empresariado, inquieto com a livre atuação dos militantes comunistas. O governo do (já então) Marechal Dutra representou a primeira grande experiência de liberalismo capitalista no Brasil, especialmente em matéria de política cambial, movimentação internacional de capitais e comércio exterior. Conquistou, com isso, o apoio integral do grande empresariado, nacional e estrangeiro. No campo propriamente político, Dutra deu inteira satisfação aos Estados Unidos, ao apoiar abertamente o processo judicial que conduziu à cassação do registro do Partido Comunista, em 1947. Ao voltar legitimamente à Presidência da República pela via eleitoral em 1951, Getúlio Vargas pôs fim à orientação liberal privatista do seu antecessor, suscitando com isso a oposição do empresariado à sua linha de governo. Logo após a posse, foi criada, junto à Secretaria da Presidência, uma Assessoria Econômica, composta de competentes administradores públicos de orientação nacionalista. Esse órgão exerceu, na prática, pela primeira vez em nosso país, as funções de planejamento governamental, dando especial atenção à política de investimentos na infraestrutura econômica. Da Assessoria Econômica presidencial saíram, entre outros, os projetos de criação da Petrobras, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, do Fundo Rodoviário Nacional e da Eletrobras. Estava-se, porém, naquele momento, em pleno conflito da chamada Guerra Fria – o confronto não bélico entre os Estados Unidos e seus aliados, de um lado, e a União Soviética e seus satélites, de outro. A corporação militar encontrava-se à época fundamente dividida entre oficiais nacionalistas, favoráveis especificamente ao monopólio estatal de exploração do petróleo, e oficiais treinados e doutrinados pelos norte-americanos, que advogavam a livre iniciativa econômica do setor privado, ainda que estrangeiro. Estes últimos acabaram afinal por prevalecer e, estimulados pelo principal partido da oposição, a União Democrática
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Nacional – UDN,12 aderiram abertamente à campanha de críticas a Getúlio, acusando-o de ser o chefe de uma massa de subversivos e corruptos; ou seja, exatamente o mote utilizado dez anos depois para justificar o golpe que deu origem ao regime empresarial-militar. Em fevereiro de 1954, o chamado “manifesto dos coronéis”, reivindicando uma ampliação dos recursos orçamentários destinados ao Exército e protestando contra o aumento do salário mínimo em 100%, forçou Getúlio Vargas a exonerar João Goulart, Ministro do Trabalho, e o General Ciro Espírito Santo Cardoso, Ministro da Guerra. Na madrugada do dia 5 de agosto, o líder udenista Carlos Lacerda e seu guarda-costas, o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, sofreram no Rio de Janeiro um atentado a bala, que feriu Lacerda e matou o major Vaz. Imediatamente, os oficiais mais graduados daquela Arma reuniram-se em comissão de inquérito no aeroporto do Galeão (a chamada “República do Galeão”), e poucos dias depois obtiveram a confissão de membros da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas de que o atentado fora por eles planejado e executado. A partir de então, os oficiais superiores do Exército e da Marinha manifestaram-se solidários com a Aeronáutica e passaram a exigir a renúncia de Getúlio. Buscou-se, sem êxito, até o dia 23 uma fórmula de conciliação. No dia seguinte, pela manhã, recebendo do irmão, Benjamin Vargas, a informação de que o oficialato das três Armas exigia sua renúncia imediata da Presidência da República, Getúlio suicidou-se, provocando em todo o país intensa revolta popular. O suicídio de Getúlio foi, na verdade, um golpe de mestre, que adiou por dez anos a mudança do regime político. f) O período pós-Vargas Embora derrotadas pelo inesperado golpe do suicídio, as Forças Armadas permaneceram em estado de constante agitação. Em 11 de novembro de 1955, o então Ministro da Guerra, General Henrique Teixeira Lott, decidiu prevenir um golpe de Estado em preparação para impedir a posse do presidente da República regularmente eleito, Juscelino Kubitschek de Oliveira. O presidente em exercício, Carlos Luz, foi deposto, e o vice-presidente, Café Filho, que sucedera Getúlio e se afastara da presidência por razões de saúde, foi impedido de voltar ao poder. Uma vez empossado, Juscelino tomou a resolução de organizar o indispensável apoio militar em torno do seu governo. Co-
12 Leia-se, sobre esse partido, a monografia de Maria Victoria de Mesquita Benevides, A UDN e o Udenismo – Ambiguidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965), Paz e Terra, 1981.
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mo resumiu Maria Victoria de Mesquita Benevides,13 a organização desse apoio fez-se de três maneiras: 1) a atribuição ao ministro da guerra, General Lott, de um papel preponderante na manutenção da ordem interna e da disciplina militar; 2) o atendimento das reivindicações dos militares, quanto a vencimentos, equipamentos e promoções, aliado ao apoio das Forças Armadas à política desenvolvimentista do governo; 3) a crescente participação dos militares no exercício das funções governamentais. Apesar desse empenho em articular seu governo com os interesses das Forças Armadas, o governo Kubitschek não logrou suprimir a hostilidade da corporação militar. Em 1956 e 1959, por exemplo, oficiais da Aeronáutica declararam-se em estado de insurreição contra o presidente, respectivamente em Jacareacanga (PA) e Aragarças (GO). Graças, porém, às suas iniciativas ousadas, como a construção de Brasília e a criação de grandes facilidades para a instalação de uma indústria automobilística no território nacional, Juscelino conquistou integral apoio do empresariado. Em janeiro de 1959, um fato relevante mudou o cenário político de toda a América Latina: um grupo de revolucionários cubanos, sob a liderança de Fidel Castro, tomou o poder na ilha, instaurando um regime comunista. As eleições para a sucessão de Juscelino Kubitschek voltaram a trazer grande insatisfação no seio das Forças Armadas. Candidato da coligação partidária governista PSD-PTB, o já então Marechal Lott foi derrotado por Jânio Quadros, candidato da oposição. No campo da política externa, o governo de Jânio foi marcado pelo conflito aberto com os Estados Unidos. A abertura do comércio exterior aos países socialistas e, sobretudo, a condecoração de Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, suscitaram a aberta hostilidade dos oficiais militares anticomunistas ao seu governo. Após a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, os ministros militares, marechal Odílio Denys, almirante Sílvio Heck e brigadeiro Gabriel Grün Moss, declararam-se contrários à posse do vice-presidente João Goulart, que se encontrava ausente do país, em viagem oficial. Imediatamente, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, levantou-se contra os ministros militares, obtendo o apoio do comando do III Exército, sediado em Porto Alegre. O confronto acabou sendo resolvido por meio de uma transação conciliatória: os ministros militares aceitaram a investidura de João Goulart como presidente da República, contanto que se adotasse o sistema parlamentar de governo; o que foi feito pelo Congresso Nacional ao votar a emenda constitucional nº 4, 13 O governo Kubitschek – Desenvolvimento Econômico e Estabilidade Política, Paz e Terra, 1976, p. 149.
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de 2 de setembro de 1961. Dita emenda previa, em seu art. 25, que a lei “poderá dispor sobre a realização de plebiscito que decida da manutenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema presidencial, devendo, em tal hipótese, fazer-se a consulta plebiscitária nove meses antes do termo do atual período presidencial”. Realizado o plebiscito, uma ampla maioria optou pelo retorno ao sistema presidencial de governo. O Congresso Nacional, dando cumprimento à vontade popular, aprovou a emenda constitucional nº 6, de 23 de janeiro de 1963. Em 12 setembro de 1963, centenas de sargentos, fuzileiros e soldados da Aeronáutica e da Marinha de Guerra sublevaram-se em Brasília, ocupando na madrugada importantes centros administrativos. O motivo do levante foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que confirmava a inelegibilidade das pessoas enumeradas no art. 132, parágrafo único da Constituição de 1946 (praças de pré, suboficiais, subtenentes, sargentos e alunos das escolas militares de ensino superior). Chegamos, assim, seis meses depois, ao golpe de Estado que pôs fim ao regime constitucional e instaurou a dominação militar-empresarial durante mais de vinte anos.
2 O Golpe Militar de 1964 e a Instauração do Regime Autoritário
Origens do golpe Na gênese do golpe de Estado de 1964, encontramos a profunda cisão lavrada entre os dois grupos que sempre compuseram a oligarquia brasileira: os agentes políticos e a classe dos grandes proprietários e empresários. Até então, os conflitos entre ambos eram sempre resolvidos por meio de arranjos conciliatórios, segundo a velha tradição brasileira. Nos últimos anos do regime constitucional de 1946, porém, essa possibilidade de conciliação tornou-se cada vez mais reduzida. A principal razão para tanto foi o agravamento do confronto político entre esquerda e direita no mundo todo, no contexto da Guerra Fria e, em especial, na América Latina, com a Revolução Cubana. Deve-se notar, aliás, que naquela época boa parte das nossas classes médias havia abandonado sua tradicional colocação à direita do espectro político, passando a apoiar as chamadas “reformas de base” do governo João Goulart: a reforma agrária, a bancária, a tributária e a política de repúdio ao capital estrangeiro. Era natural, nessas circunstâncias, que os grandes proprietários e empresários, nacionais e estrangeiros, temessem pelo
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seu futuro em nosso país e se voltassem, agora decididamente, para o lado das Forças Armadas, a fim de que estas depusessem os governantes em exercício, substituindo-os por outros, associados aos potentados privados, segundo a velha herança histórica. Uma vez perpetrado o golpe de estado, manifestaram-se desde logo a favor dele a Igreja Católica14 e várias entidades de prestígio da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil. O que o empresariado não levou em conta, todavia, era o fato de que a corporação militar amargurava, desde a proclamação da República, uma série de tentativas malsucedidas para livrar-se da subordinação ao poder civil. Não seria justamente naquele momento, quando chamadas a salvar o grande empresariado do perigo esquerdista, que as Forças Armadas iriam depor os governantes em exercício e voltar em seguida à caserna. Na preparação do golpe, o governo norte-americano teve uma atuação decisiva. Já em 1949, um grupo de altos oficiais do Exército Brasileiro, entre os quais o general Cordeiro de Farias, influenciados pelos Estados Unidos, criou, nos moldes do National War College norte-americano, o Instituto de Altos Estudos de Política, Defesa e Estratégia, a seguir denominado Escola Superior de Guerra. Com o aprofundamento da chamada Guerra Fria e, sobretudo, logo após a tomada do poder em Cuba por Fidel Castro, esse instituto de ensino passou a formar a oficialidade brasileira para impedir a assunção do poder pelos comunistas, assim compreendidos todos os agentes políticos que, embora não filiados ao PCB, manifestassem, de alguma forma, oposição aos Estados Unidos. Pode-se afirmar que todos os oficiais militares que participaram do golpe de 1964 foram alunos da Escola Superior de Guerra. Os cursos lá administrados, aliás, não eram reservados apenas aos militares, mas abertos também a políticos e empresários de destaque. De 1961 a 1966, atuou como embaixador norte-americano no Brasil Lincoln Gordon, que já em 1960 havia colaborado na implantação da Aliança para o Progresso, programa de ajuda oferecido pelos Estados Unidos aos países da América Latina, a fim de evitar que eles seguissem o caminho revolucionário de Cuba. Na preparação do golpe, Gordon coordenou a criação no Brasil de entidades de propaganda política, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES. Sabe-se, aliás, por uma gravação depois divulgada, que já em 30 de julho de 1962 Lincoln Gordon 14 Em declaração de 29 de maio de 1964, os bispos brasileiros afirmaram que, vendo “a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as forças armadas acudiram em tempo e evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra”. Atendendo, no entanto, à preocupação da minoria episcopal quanto ao viés autoritário do regime castrense, a declaração advertiu: “Que os acusados tenham o sagrado direito de defesa e não se transformem em objeto de ódio ou de vindita”.
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discutiu com o presidente Kennedy, na Casa Branca, o gasto de US$ 8 milhões para “expulsar do poder, se necessário”, o presidente João Goulart. Como arma decisiva, o governo norte-americano – ao que parece, a pedido dos militares brasileiros golpistas – desencadeou, em março de 1964, a Operação Brother Sam, consistente em uma força-tarefa naval composta de um porta-aviões, quatro destróieres e navios-tanques para exercícios ostensivos na costa sul do Brasil, além de 110 toneladas de munição. A aliança das Forças Armadas com os detentores do poder econômico privado Ao assumirem o comando do Estado, os chefes militares não hesitaram, ao longo dos anos, em mutilar o Congresso Nacional e o Judiciário: 281 parlamentares foram cassados, e três ministros do Supremo Tribunal Federal, aposentados compulsoriamente. Os governantes militares fizeram questão de submeter à sua dominação absoluta, durante as duas décadas do regime, o conjunto dos integrantes do poder civil, como uma espécie de desforra pela longa série de frustrações políticas por eles, homens de farda, sofridas desde o final do século XIX. É preciso reconhecer que a grande maioria dos agentes públicos, poupados pela repressão instaurada após o golpe, colaborou desonrosamente no funcionamento deste. O novo regime político fundou-se na aliança das Forças Armadas com os latifundiários e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros. Esse consórcio político engendrou duas experiências pioneiras na América Latina: o terrorismo de Estado e o neoliberalismo capitalista. A partir do exemplo brasileiro, vários outros países latino-americanos adotaram, nos anos seguintes, com explícito apoio dos Estados Unidos, regimes políticos semelhantes ao nosso. Um dos setores em que a colaboração do empresariado com a corporação militar mais se destacou foi o das comunicações de massa. As Forças Armadas e o grande empresariado necessitavam dispor de uma organização capaz de desenvolver, em todo o território nacional, a propaganda ideológica do regime autoritário, com a constante denúncia do perigo comunista e a difusão sistemática, embora sempre encoberta, dos méritos do sistema capitalista. Os chefes militares decidiram, para tanto, fixar sua escolha no Sistema Globo de Comunicações. Em 1969, ele possuía três emissoras (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte). Quatro anos depois, em 1973, já contava com nada menos do que onze. A dominação empresarial do sistema de comunicações de massa continuou a subsistir, uma vez encerrado o regime auto-
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ritário, e persiste até hoje. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 220, § 5º, que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Mas até o momento em que escrevo estas linhas – mais de um quarto de século depois de promulgada a Constituição em vigor – esse dispositivo constitucional, como vários outros do mesmo capítulo, permanece ineficaz por falta de regulamentação legal.15 O casamento entre a corporação militar e o empresariado continuou inabalado, enquanto subsistiram grupos de oposição decididos a desenvolver, com ou sem apoio cubano, a luta armada contra o regime autoritário. No Brasil, os grandes empresários não hesitaram em financiar a instalação de aparelhos de terror estatal. No segundo semestre de 1969, por exemplo, o II Exército, com sede em São Paulo, lançou a Operação Bandeirante – embrião do futuro DOI-CODI (Destacamento de Operações Internas e Centro de Operações de Defesa Interna) – destinada a dizimar os principais opositores ao regime.16 Reunido com banqueiros paulistas no segundo semestre daquele ano, o então ministro da economia Delfim Neto pediu e obteve sua contribuição financeira, alegando que as Forças Armadas não tinham equipamento nem verbas para enfrentar a “subversão”. Ao mesmo tempo, a Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP convidou as empresas que a integravam a colaborar no empreendimento. Assim, enquanto a Ford e a Volkswagen forneciam automóveis, a Ultragás emprestava caminhões e a Supergel abastecia a carceragem militar com refeições congeladas. A quebra de confiança do empresariado no poder militar A lua de mel entre os grandes empresários e as Forças Armadas, porém, não durou muito tempo. Em 12 de dezembro de 1968, exatamente na véspera do lançamento do Ato Institucional nº 5, que suspendeu o habeas corpus nos casos de crimes políticos e contra a segurança nacional, o chefe da Polícia Federal impediu a publicação, no jornal superconservador O Estado de São Paulo, do editorial em que o diretor Júlio de Mesquita Filho condenava o “artificialismo institucional, que pela pressão das armas foi o País obrigado a aceitar”. 15 Inconformado com essa vergonhosa submissão do Poder Legislativo aos potentados privados do setor de comunicação social, consegui convencer em 2011 um partido político (PSOL) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade – Contcop a ingressarem com ações diretas de inconstitucionalidade por omissão no Supremo Tribunal Federal (ADO nº 10 e 11). 16 Cf. Elio Gaspari, A Ditadura Escancarada, 2002, Companhia das Letras, pp. 59 e ss.
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Alguns anos mais tarde, quando se verificou que todos os grupos engajados na luta armada contra o regime haviam sido exterminados, os empresários começaram a manifestar sua irritação com a permanência dos militares no comando do Estado brasileiro. Tanto mais que os homens de farda deixaram-se seduzir pelas vantagens econômicas particulares desfrutadas no comando do Estado, tais como o exercício de cargos de administração altamente remunerados em empresas estatais, várias delas criadas a partir do golpe de 1964.17 Em 1974, um dos grandes sacerdotes do credo liberal, Eugênio Gudin, declarou publicamente que “o capitalismo brasileiro é mais controlado pelo Estado do que o de qualquer outro país, com exceção dos comunistas”. A seguir, em fevereiro de 1975, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma série de nada menos do que onze reportagens sob o título Os caminhos da estatização, enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo divulgava o documento intitulado O Processo de Estatização da Economia Brasileira: O Problema do Acesso aos Recursos para Investimentos.18 A classe empresarial entendia, assim, haver chegado o momento de voltar a instalar no país o tradicional regime da falsa democracia representativa, em cuja fachada aparece o poder oficial atribuído a agentes políticos eleitos, enquanto por trás dela tem livre curso a dominação econômica, exercida pelos potentados privados. A pressão empresarial contra as Forças Armadas no comando do Estado coincidiu com a eleição, para a Presidência dos Estados Unidos, de Jimmy Carter, crítico implacável das violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar brasileiro. Em entrevista a um periódico norte-americano, ele chegou a afirmar: “Quando Kissinger [Secretário de Estado no governo Richard Nixon] diz, como fez há pouco, que o Brasil tem um tipo de governo compatível com o nosso, bem, aí está o tipo de coisa que nós queremos mudar. O Brasil não tem um governo democrático. É uma ditadura militar. Em muitos aspectos é altamente repressiva para os presos políticos.”19 17 Confiram-se os dados referidos por Elio Gaspari (A Ditadura Encurralada, 2004, Companhia das Letras, pág. 54): “Em 1962 só doze das trinta maiores empresas pertenciam ao Estado. Em 1971 elas eram dezessete. No final do delfinato [período de atuação de Antonio Delfim Neto como ministro dos governos militares] o Estado detinha 45,8% do patrimônio líquido das 5.257 principais empresas não agrícolas. Em 1972, durante as grandes festas do Milagre [o período de crescimento médio anual de 10% da economia brasileira], o Estado era dono de 46 das cem maiores empresas não financeiras do Brasil, e de nove das cem maiores empresas manufatureiras (contra sete em 66). No delfinato a participação do setor público na indústria passara de 8% em 1966 para 15% em 72”. 18 Apud Elio Gaspari, A Ditadura Encurralada, cit., pp. 59 e ss. 19 Citado por Elio Gaspari, A Ditadura Encurralada, cit., p. 373.
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Por sua vez, no seio do episcopado brasileiro – embora vinculado, como de costume, aos detentores do poder supremo – destacaram-se as figuras exponenciais de D. Helder Câmara e de D. Paulo Evaristo Arns, para denunciar sem eufemismos, tanto aqui como no exterior, as atrocidades praticadas contra presos políticos. O regime militar entrava, assim, em sua fase de declínio inelutável, havendo perdido o apoio dos grupos que, tradicionalmente, compõem a estrutura do poder entre nós. A fase final do regime Tudo parecia encaminhar-se para a “distensão lenta, gradual e segura”, como pregava o General Golbery do Couto e Silva, não fora o fato de restar irresolvida a questão das atrocidades cometidas pelos agentes militares e policiais, no quadro do terrorismo de Estado. Conforme dados oficiais da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei nº 9.140 de 1995, foram comprovados, até fevereiro de 2014, 362 (trezentos e sessenta e dois) casos de opositores políticos assassinados ou desaparecidos durante o regime militar. Já a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, no relatório intitulado Direito à Memória e à Verdade, publicado em 2007, afirmou que tivemos não menos de 475 (quatrocentos e setenta e cinco) mortos e desaparecidos políticos durante aquele período. Calcula-se, ademais, que 50 mil pessoas foram presas por razões políticas, sendo a maior parte delas torturadas, algumas até a morte. O governo militar chegou mesmo a aparelhar, em Petrópolis, uma casa onde pelo menos 19 pessoas foram executadas, sendo seus corpos incinerados a fim de não deixar vestígios.20 Em momento algum de nossa vida de país independente, os governantes, quer no Império, quer na República, chegaram a cometer tão repugnantes atrocidades. A pressão do empresariado para que os chefes militares deixassem o poder foi reforçada com a redução significativa da taxa de crescimento econômico do país, a partir do final do governo Geisel. Mas a corporação fardada hesitava em deixar o comando do Estado, procurando a todo custo uma garantia de que, quando isso ocorresse, os agentes policiais e militares responsáveis pelos atos de criminalidade violenta contra opositores ao regime não seriam punidos. Essa solução contava com o apoio decidido do grande empresariado, quando mais não fosse porque alguns de seus líderes, como assinalado anteriormente, 20 Tive a honra de ser advogado da única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, Inês Etienne Romeu, em ação declaratória proposta contra a União Federal em 1999, pelo sequestro, cárcere privado e torturas cometidos contra ela.
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foram coautores dos crimes de terrorismo de Estado, havendo financiado a operação do sistema repressivo. Por sugestão dos políticos colaboradores do regime, os chefes militares decidiram afinal embarcar no movimento já iniciado de anistia aos presos e exilados políticos, de modo a estendê-la aos autores de crimes de terrorismo de Estado. Em junho de 1979, o general-presidente Figueiredo apresentou ao Congresso Nacional um projeto, convertido em 28 de agosto na Lei nº 6.683. Ela concedeu anistia “a todos quantos [...] cometeram crimes políticos ou conexos com estes”; assim considerados “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Lançando mão de cavilosa astúcia, os redatores da lei, ao invés de designarem precisamente os demais crimes abrangidos pela anistia, além dos delitos políticos propriamente ditos, preferiram utilizar a expressão técnica “crimes conexos”. Ora, ela é totalmente inepta no caso, pois são considerados como tais tão somente os delitos com comunhão de intuitos ou objetivos, e ninguém em são juízo pode afirmar que os opositores ao regime militar e os agentes estatais que os torturaram e mataram tivessem agido com objetivos comuns. Irresignado com essa solerte velhacaria, sugeri em 2008 ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que ajuizasse, em relação a essa lei, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal. A ação foi proposta, pedindo-se ao tribunal que interpretasse o texto legal de acordo com a Constituição que entrou em vigor em 1988, em cujo art. 5º, inciso LXIII, dispõe-se que o crime de tortura é insuscetível de graça ou anistia, sendo incontroverso que toda lei contrária ao texto ou ao espírito de uma Constituição nova considera-se tacitamente revogada por esta. Pediu-se, ademais, que a lei de anistia fosse interpretada à luz dos princípios e normas do sistema internacional de direitos humanos. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria, improcedente a ação proposta pela OAB. Desse acórdão foi interposto recurso de embargos declaratórios, pois o tribunal deixou de considerar o fato de que vários dos crimes ditos conexos, cometidos por agentes do regime militar – como, por exemplo, o sequestro ou a ocultação de cadáver –, são qualificados como permanentes ou continuados; o que significa que ainda não se consideram consumados e, portanto, não foram abrangidos pela lei de anistia, dado que esta declarou não aplicar-se aos crimes cuja consumação é posterior a 15 de agosto de 1979. Seis meses depois desse julgamento, mais exatamente em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por unanimidade, condenou o Estado Brasileiro, ao
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julgar o Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”). Nessa decisão, declarou a Corte: “As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana [sobre Direitos Humanos], carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.”
Dois foram os fundamentos para tal decisão. Em primeiro lugar, o fato de que as gravíssimas violações de direitos humanos praticadas durante o terrorismo de Estado do nosso regime empresarial-militar constituíram crimes contra a humanidade; ou seja, crimes nos quais é negada às vítimas a condição de ser humano. Em duas Resoluções formuladas em 1946, a Assembleia Geral das Nações Unidas considerou que a conceituação tipológica de tais delitos representa um princípio de direito internacional. Essa mesma qualificação foi dada pela Corte Internacional de Justiça às disposições da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, cujos artigos III e V estatuem que “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, e que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Ora, os princípios, como assinalado pela doutrina contemporânea, situam-se no mais elevado grau do sistema normativo. Eles podem, por isso mesmo, deixar de ser expressos em textos de direito positivo, como as Constituições, as leis ou os tratados internacionais. O segundo fundamento da decisão condenatória do Estado Brasileiro no processo Gomes Lund e outros v. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”) foi o fato de que a Lei nº 6.683 de 1979 representou, na verdade, uma autoanistia, inadmissível no sistema internacional de direitos humanos. Como salientou a referida Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a responsabilidade pelo cometimento de graves violações de direitos humanos não pode ser reduzida ou suprimida por nenhum Estado, menos ainda mediante o procedimento de uma autoanistia decretada pelos governantes responsáveis, pois trata-se de matéria que transcende a soberania estatal. Pois bem, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o ministro relator e outro que o acompanhou afirmaram que a Lei nº 6.683 não poderia ser concebida como autoanistia, mas sim como uma anistia bila-
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teral entre governantes e governados. Ou seja, segundo essa original interpretação, torturadores e torturados, reunidos em uma espécie de contrato particular de intercâmbio de prestações, teriam resolvido anistiar-se reciprocamente... Frise-se, desde logo, a repulsiva imoralidade de um pacto dessa natureza, se é que ele realmente existiu: o respeito mais elementar à dignidade humana impede que a impunidade dos autores de crimes hediondos ou contra a humanidade seja objeto de negociação pelos próprios interessados. Na verdade, o propalado “acordo de anistia” dos crimes contra a humanidade, praticados pelos agentes da repressão, não passou de uma encoberta conciliação oligárquica, na linha de nossa mais longeva tradição. A validade de qualquer pacto ou acordo supõe a existência de partes legitimadas a concluí-lo. Se havia à época, de um lado, chefes militares detentores do poder supremo, quem estaria do outro lado? Porventura, as vítimas ainda vivas e os familiares de mortos pela repressão militar foram chamados a negociar esse acordo? O povo brasileiro, declarado solenemente como titular da soberania, foi convocado a referendá-lo? O mais escandaloso de toda essa tese do acordo político é que, após a promulgação da lei de anistia, certos agentes militares continuaram a desenvolver impunemente sua atividade terrorista. O Ministério Público Militar apurou que, entre 1979 e 1981, houve 40 atentados a bomba, praticados por um grupo de oficiais militares reunidos em uma organização terrorista. Foi preciso, no entanto, aguardar até fevereiro de 2014, ou seja, 33 anos depois do último atentado, para que fosse apresentada denúncia criminal contra os integrantes dessa quadrilha por homicídio doloso, associação criminosa armada e transporte de explosivos. É deplorável constatar que o nosso país é o único na América Latina a continuar sustentando a validade de uma autoanistia decretada pelos militares que deixaram o poder. Na Argentina, no Chile, no Uruguai, no Peru, na Colômbia e recentemente na Guatemala, o Poder Judiciário decidiu pela flagrante inconstitucionalidade desse remendo institucional. O caso do regime pós-militar argentino é paradigmático a esse respeito e nos cobre de vergonha. A Suprema Corte de Justiça do país julgou inconstitucional, em 2005, a anistia dos crimes cometidos pelos agentes estatais contra os opositores políticos aos governos militares, iniciando-se desde então os consequentes processos penais. Pois bem, até fevereiro de 2014, nada menos do que 370 (trezentos e setenta) criminosos dos dois regimes militares argentinos (1966-1973 e 1973-1983) foram condenados à pena de prisão; inclusive dois ex-presidentes da República, que amargaram a prisão perpétua, sendo que um deles faleceu no cárcere. A persecução penal estendeu-se até mesmo a ex-magistrados, considerados coautores de tais crimes.
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No Brasil, bem ao contrário, até hoje nem um só autor de crime praticado no quadro do terrorismo de Estado do regime empresarial-militar foi condenado pela Justiça. Passados mais de três anos da prolação da sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado Brasileiro ainda não cumpriu nenhum dos seus 12 pontos conclusivos, em flagrante violação da Constituição Federal e do sistema internacional de direitos humanos. De minha parte, há pelo menos três anos tenho envidado esforços no sentido de que essa grave omissão de nossos Poderes Públicos seja levada a juízo no Brasil e denunciada perante as instâncias internacionais, a fim de que fique bem marcada a responsabilidade do Estado brasileiro.
Conclusão A votação da lei de anistia em 1979 representou, na verdade, a conclusão de um pacto oculto entre as Forças Armadas e ambos os grupos que sempre exerceram conjuntamente a soberania entre nós – os agentes políticos e os potentados econômicos privados –, com o objetivo de devolver aos dois últimos o comando supremo do Estado, que os militares haviam arrebatado em 1964. Nesse episódio, à semelhança de tantos outros em nossa História, o povo foi posto de lado, como se nada tivesse a ver com isso. A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, seguindo as que a antecederam, proclama solenemente que “todo poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único). Chega mesmo a declarar que o povo exerce seu poder não apenas por meio de representantes eleitos, mas diretamente, isto é, mediante plebiscitos e referendos (art. 14). Tais declarações constitucionais – é lamentável dizê-lo – são meras figuras de retórica. Sem dúvida, os cidadãos brasileiros votam regularmente em eleições. O conjunto dos eleitos, no entanto, sempre ficou muito longe de defender os verdadeiros interesses da maioria do eleitorado, pertencente aos estratos pobres da população. O que os mal chamados representantes do povo defendem, isto sim, são os interesses da minoria proprietária e empresária, a qual fornece, por meio de doações, nada menos que dois terços das receitas dos principais partidos políticos. Para se ter uma ideia da falsidade de nossa democracia representativa, basta assinalar um só fato: enquanto cerca de 40 mil produtores agrícolas, os quais exploram 50% das áreas cultiváveis do país, elegem de 120 a 140 deputados federais, os componentes das 4 a 6 milhões de famílias que praticam a agricultura familiar são representados no Congresso Nacional por, no máximo, 12 deputados.
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Quanto às instituições da democracia direta – grande novidade do texto constitucional de 1988 –, elas só existem no papel. O art. 49, inciso XV da Constituição dispõe que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, o povo soberano somente poderá tomar diretamente decisões políticas, quando autorizado pelos seus representantes. Trata-se, sem dúvida, de uma original modalidade de mandato... Enquanto persistir essa triste realidade, não ficará afastada a possibilidade de voltarem a ocorrer prolongados desmandos políticos, como o provocado pelo golpe de Estado de 1964. Felizmente, a consciência pública começa aos poucos a se dar conta de que a única via de solução para esse impasse consiste em instituir no país um regime político de efetiva soberania popular, no qual haja a supremacia constante do bem comum do povo (a res publica romana) sobre todo e qualquer interesse particular, com controles permanentes sobre o exercício do poder em todos os níveis. Em suma, a criação de um autêntico Estado de Direito, Republicano e Democrático. Para alcançar esse objetivo, o caminho é longo e penoso. Mas o que importa é começar desde logo a dar os primeiros passos, no sentido da defesa intransigente da dignidade do povo brasileiro. “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!”21
21 Mário Quintana, Espelho Mágico.
CADERNOS IHU IDEIAS N. 01 A teoria da justiça de John Rawls – Dr. José Nedel N. 02 O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Dra. Edla Eggert O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss N. 03 O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Jornalista Sonia Montaño N. 04 Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer N. 05 O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Dr. Manfred Zeuch N. 06 BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro N. 07 Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Profa. Dra. Suzana Kilpp N. 08 Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte N. 09 Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Prof. Dr. Valério Cruz Brittos N. 10 Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo N. 11 Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Profa. Dra. Márcia Tiburi N. 12 A domesticação do exótico – Profa. Dra. Paula Caleffi N. 13 Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Profa. Dra. Edla Eggert N. 14 Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Prof. Dr. Gunter Axt N. 15 Medicina social: um instrumento para denúncia – Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel N. 16 Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Profa. Dra. Débora Krischke Leitão N. 17 As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Prof. Dr. Mário Maestri N. 18 Um itinenário do pensamento de Edgar Morin – Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida N. 19 Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Profa. Dra. Helga Iracema Ladgraf Piccolo N. 20 Sobre técnica e humanismo – Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Junior N. 21 Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Profa. Dra. Lucilda Selli N. 22 Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Prof. Dr. Paulo Henrique Dionísio N. 23 Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Prof. Dr. Valério Rohden N. 24 Imagens da exclusão no cinema nacional – Profa. Dra. Miriam Rossini N. 25 A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário N. 26 O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – MS Rosa Maria Serra Bavaresco N. 27 O modo de objetivação jornalística – Profa. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco N. 28 A cidade afetada pela cultura digital – Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes N. 29 Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – Prof. MS José Fernando Dresch Kronbauer N. 30 Getúlio, romance ou biografia? – Prof. Dr. Juremir Machado da Silva N. 31 A crise e o êxodo da sociedade salarial – Prof. Dr. André Gorz N. 32 À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay – Seus dilemas e possibilidades – Prof. Dr. André Sidnei Musskopf N. 33 O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha N. 34 O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana N. 35 Adam Smith: filósofo e economista – Profa. Dra. Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos N. 36 Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut N. 37 As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho N. 38 Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Prof. Dr. Luiz Mott N. 39 Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Prof. Dr. Gentil Corazza N. 40 Corpo e Agenda na Revista Feminina – MS Adriana Braga N. 41 A (anti)filosofia de Karl Marx – Profa. Dra. Leda Maria Paulani N. 42 Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monasterio N. 43 Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva e Samuel McGinity N. 44 Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu N. 45 A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Prof. Dr. Lothar Schäfer N. 46 “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Profa. Dra. Ceres Karam Brum N. 47 O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa N. 48 Religião e elo social. O caso do cristianismo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu N. 49 Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud N. 50 Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Prof. Dr. Evilázio Teixeira
N. 51 N. 52 N. 53 N. 54 N. 55 N. 56 N. 57 N. 58 N. 59 N. 60 N. 61 N. 62 N. 63 N. 64 N. 65 N. 66 N. 67 N. 68 N. 69 N. 70 N. 71 N. 72 N. 73 N. 74 N. 75 N. 76 N. 77 N. 78 N. 79 N. 80 N. 81 N. 82 N. 83 N. 84 N. 85 N. 86 N. 87 N. 88 N. 89 N. 90 N. 91 N. 92 N. 93 N. 94 N. 95 N. 96 N. 97 N. 98 N. 99 N. 100 N. 101 N. 102 N. 103 N. 104 N. 105 N. 106
Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington e Stela Nazareth Meneghel Ética e emoções morais – Prof. Dr. Thomas KesselringJuízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? – Prof. Dr. Adriano Naves de Brito Computação Quântica. Desafios para o Século XXI – Prof. Dr. Fernando Haas Atividade da sociedade civil relativa ao desarmamento na Europa e no Brasil – Profa. Dra. An Vranckx Terra habitável: o grande desafio para a humanidade – Prof. Dr. Gilberto Dupas O decrescimento como condição de uma sociedade convivial – Prof. Dr. Serge Latouche A natureza da natureza: auto-organização e caos – Prof. Dr. Günter Küppers Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades – Dra. Hazel Henderson Globalização – mas como? – Profa. Dra. Karen Gloy A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida – MS Cesar Sanson Incidente em Antares e a Trajetória de Ficção de Erico Veríssimo – Profa. Dra. Regina Zilberman Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história – Prof. Dr. Fernando Lang da Silveira e Prof. Dr. Luiz O. Q. Peduzzi Negações e Silenciamentos no discurso acerca da Juventude – Cátia Andressa da Silva Getúlio e a Gira: a Umbanda em tempos de Estado Novo – Prof. Dr. Artur Cesar Isaia Darcy Ribeiro e o O povo brasileiro: uma alegoria humanista tropical – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Adoecer: Morrer ou Viver? Reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609-1675) – Profa. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck Em busca da terceira margem: O olhar de Nelson Pereira dos Santos na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. João Guilherme Barone Contingência nas ciências físicas – Prof. Dr. Fernando Haas A cosmologia de Newton – Prof. Dr. Ney Lemke Física Moderna e o paradoxo de Zenon – Prof. Dr. Fernando Haas O passado e o presente em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade – Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini Da religião e de juventude: modulações e articulações – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Tradição e ruptura na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. Eduardo F. Coutinho Raça, nação e classe na historiografia de Moysés Vellinho – Prof. Dr. Mário Maestri A Geologia Arqueológica na Unisinos – Prof. MS Carlos Henrique Nowatzki Campesinato negro no período pós-abolição: repensando Coronelismo, enxada e voto – Profa. Dra. Ana Maria Lugão Rios Progresso: como mito ou ideologia – Prof. Dr. Gilberto Dupas Michael Aglietta: da Teoria da Regulação à Violência da Moeda – Prof. Dr. Octavio A. C. Conceição Dante de Laytano e o negro no Rio Grande Do Sul – Prof. Dr. Moacyr Flores Do pré-urbano ao urbano: A cidade missioneira colonial e seu território – Prof. Dr. Arno Alvarez Kern Entre Canções e versos: alguns caminhos para a leitura e a produção de poemas na sala de aula – Profa. Dra. Gláucia de Souza Trabalhadores e política nos anos 1950: a ideia de “sindicalismo populista” em questão – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Dimensões normativas da Bioética – Prof. Dr. Alfredo Culleton e Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza – Prof. Dr. Attico Chassot Demanda por empresas responsáveis e Ética Concorrencial: desafios e uma proposta para a gestão da ação organizada do varejo – Profa. Dra. Patrícia Almeida Ashley Autonomia na pós-modernidade: um delírio? – Prof. Dr. Mario Fleig Gauchismo, tradição e Tradicionalismo – Profa. Dra. Maria Eunice Maciel A ética e a crise da modernidade: uma leitura a partir da obra de Henrique C. de Lima Vaz – Prof. Dr. Marcelo Perine Limites, possibilidades e contradições da formação humana na Universidade – Prof. Dr. Laurício Neumann Os índios e a História Colonial: lendo Cristina Pompa e Regina Almeida – Profa. Dra. Maria Cristina Bohn Martins Subjetividade moderna: possibilidades e limites para o cristianismo – Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Saberes populares produzidos numa escola de comunidade de catadores: um estudo na perspectiva da Etnomatemática – Daiane Martins Bocasanta A religião na sociedade dos indivíduos: transformações no campo religioso brasileiro – Prof. Dr. Carlos Alberto Steil Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos – MS Cesar Sanson De volta para o futuro: os precursores da nanotecnociência – Prof. Dr. Peter A. Schulz Vianna Moog como intérprete do Brasil – MS Enildo de Moura Carvalho A paixão de Jacobina: uma leitura cinematográfica – Profa. Dra. Marinês Andrea Kunz Resiliência: um novo paradigma que desafia as religiões – MS Susana María Rocca Larrosa Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house – Dra. Vanessa Andrade Pereira Autonomia do sujeito moral em Kant – Prof. Dr. Valerio Rohden As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 1 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Uma leitura das inovações bio(nano)tecnológicas a partir da sociologia da ciência – MS Adriano Premebida ECODI – A criação de espaços de convivência digital virtual no contexto dos processos de ensino e aprendizagem em metaverso – Profa. Dra. Eliane Schlemmer As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 2 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Futebol e identidade feminina: um estudo etnográfico sobre o núcleo de mulheres gremistas – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha Justificação e prescrição produzidas pelas Ciências Humanas: Igualdade e Liberdade nos discursos educacionais contemporâneos – Profa. Dra. Paula Corrêa Henning
N. 107 Da civilização do segredo à civilização da exibição: a família na vitrine – Profa. Dra. Maria Isabel Barros Bellini N. 108 Trabalho associado e ecologia: vislumbrando um ethos solidário, terno e democrático? – Prof. Dr. Telmo Adams N. 109 Transumanismo e nanotecnologia molecular – Prof. Dr. Celso Candido de Azambuja N. 110 Formação e trabalho em narrativas – Prof. Dr. Leandro R. Pinheiro N. 111 Autonomia e submissão: o sentido histórico da administração – Yeda Crusius no Rio Grande do Sul – Prof. Dr. Mário Maestri N. 112 A comunicação paulina e as práticas publicitárias: São Paulo e o contexto da publicidade e propaganda – Denis Gerson Simões N. 113 Isto não é uma janela: Flusser, Surrealismo e o jogo contra – Esp. Yentl Delanhesi N. 114 SBT: jogo, televisão e imaginário de azar brasileiro – MS Sonia Montaño N. 115 Educação cooperativa solidária: perspectivas e limites – Prof. MS Carlos Daniel Baioto N. 116 Humanizar o humano – Roberto Carlos Fávero N. 117 Quando o mito se torna verdade e a ciência, religião – Róber Freitas Bachinski N. 118 Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal N. 119 A espiritualidade como fator de proteção na adolescência – Luciana F. Marques e Débora D. Dell’Aglio N. 120 A dimensão coletiva da liderança – Patrícia Martins Fagundes Cabral e Nedio Seminotti N. 121 Nanotecnologia: alguns aspectos éticos e teológicos – Eduardo R. Cruz N. 122 Direito das minorias e Direito à diferenciação – José Rogério Lopes N. 123 Os direitos humanos e as nanotecnologias: em busca de marcos regulatórios – Wilson Engelmann N. 124 Desejo e violência – Rosane de Abreu e Silva N. 125 As nanotecnologias no ensino – Solange Binotto Fagan N. 126 Câmara Cascudo: um historiador católico – Bruna Rafaela de Lima N. 127 O que o câncer faz com as pessoas? Reflexos na literatura universal: Leo Tolstoi – Thomas Mann – Alexander Soljenítsin – Philip Roth – Karl-Josef Kuschel N. 128 Dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à identidade genética – Ingo Wolfgang Sarlet e Selma Rodrigues Petterle N. 129 Aplicações de caos e complexidade em ciências da vida – Ivan Amaral Guerrini N. 130 Nanotecnologia e meio ambiente para uma sociedade sustentável – Paulo Roberto Martins N. 131 A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária – Rosa Maria Zaia Borges Abrão N. 132 Linguagem, singularidade e atividade de trabalho – Marlene Teixeira e Éderson de Oliveira Cabral N. 133 A busca pela segurança jurídica na jurisdição e no processo sob a ótica da teoria dos sistemas sociais de Nicklass Luhmann – Leonardo Grison N. 134 Motores Biomoleculares – Ney Lemke e Luciano Hennemann N. 135 As redes e a construção de espaços sociais na digitalização – Ana Maria Oliveira Rosa N. 136 De Marx a Durkheim: Algumas apropriações teóricas para o estudo das religiões afro-brasileiras – Rodrigo Marques Leistner N. 137 Redes sociais e enfrentamento do sofrimento psíquico: sobre como as pessoas reconstroem suas vidas – Breno Augusto Souto Maior Fontes N. 138 As sociedades indígenas e a economia do dom: O caso dos guaranis – Maria Cristina Bohn Martins N. 139 Nanotecnologia e a criação de novos espaços e novas identidades – Marise Borba da Silva N. 140 Platão e os Guarani – Beatriz Helena Domingues N. 141 Direitos humanos na mídia brasileira – Diego Airoso da Motta N. 142 Jornalismo Infantil: Apropriações e Aprendizagens de Crianças na Recepção da Revista Recreio – Greyce Vargas N. 143 Derrida e o pensamento da desconstrução: o redimensionamento do sujeito – Paulo Cesar Duque-Estrada N. 144 Inclusão e Biopolítica – Maura Corcini Lopes, Kamila Lockmann, Morgana Domênica Hattge e Viviane Klaus N. 145 Os povos indígenas e a política de saúde mental no Brasil: composição simétrica de saberes para a construção do presente – Bianca Sordi Stock N. 146 Reflexões estruturais sobre o mecanismo de REDD – Camila Moreno N. 147 O animal como próximo: por uma antropologia dos movimentos de defesa dos direitos animais – Caetano Sordi N. 148 Avaliação econômica de impactos ambientais: o caso do aterro sanitário em Canoas-RS – Fernanda Schutz N. 149 Cidadania, autonomia e renda básica – Josué Pereira da Silva N. 150 Imagética e formações religiosas contemporâneas: entre a performance e a ética – José Rogério Lopes N. 151 As reformas político-econômicas pombalinas para a Amazônia: e a expulsão dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão – Luiz Fernando Medeiros Rodrigues N. 152 Entre a Revolução Mexicana e o Movimento de Chiapas: a tese da hegemonia burguesa no México ou “por que voltar ao México 100 anos depois” – Claudia Wasserman N. 153 Globalização e o pensamento econômico franciscano: Orientação do pensamento econômico franciscano e Caritas in Veritate – Stefano Zamagni N. 154 Ponto de cultura teko arandu: uma experiência de inclusão digital indígena na aldeia kaiowá e guarani Te’ýikue no município de Caarapó-MS – Neimar Machado de Sousa, Antonio Brand e José Francisco Sarmento N. 155 Civilizar a economia: o amor e o lucro após a crise econômica – Stefano Zamagni N. 156 Intermitências no cotidiano: a clínica como resistência inventiva – Mário Francis Petry Londero e Simone Mainieri Paulon N. 157 Democracia, liberdade positiva, desenvolvimento – Stefano Zamagni N. 158 “Passemos para a outra margem”: da homofobia ao respeito à diversidade – Omar Lucas Perrout Fortes de Sales N. 159 A ética católica e o espírito do capitalismo – Stefano Zamagni N. 160 O Slow Food e novos princípios para o mercado – Eriberto Nascente Silveira
N. 161 O pensamento ético de Henri Bergson: sobre As duas fontes da moral e da religião – André Brayner de Farias N. 162 O modus operandi das políticas econômicas keynesianas – Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra N. 163 Cultura popular tradicional: novas mediações e legitimações culturais de mestres populares paulistas – André Luiz da Silva N. 164 Será o decrescimento a boa nova de Ivan Illich? – Serge Latouche N. 165 Agostos! A “Crise da Legalidade”: vista da janela do Consulado dos Estados Unidos em Porto Alegre – Carla Simone Rodeghero N. 166 Convivialidade e decrescimento – Serge Latouche N. 167 O impacto da plantação extensiva de eucalipto nas culturas tradicionais: Estudo de caso de São Luis do Paraitinga – Marcelo Henrique Santos Toledo N. 168 O decrescimento e o sagrado – Serge Latouche N. 169 A busca de um ethos planetário – Leonardo Boff N. 170 O salto mortal de Louk Hulsman e a desinstitucionalização do ser: um convite ao abolicionismo – Marco Antonio de Abreu Scapini N. 171 Sub specie aeternitatis – O uso do conceito de tempo como estratégia pedagógica de religação dos saberes – Gerson Egas Severo N. 172 Theodor Adorno e a frieza burguesa em tempos de tecnologias digitais – Bruno Pucci N. 173 Técnicas de si nos textos de Michel Foucault: A influência do poder pastoral – João Roberto Barros II N. 174 Da mônada ao social: A intersubjetividade segundo Levinas – Marcelo Fabri N. 175 Um caminho de educação para a paz segundo Hobbes – Lucas Mateus Dalsotto e Everaldo Cescon N. 176 Da magnitude e ambivalência à necessária humanização da tecnociência segundo Hans Jonas – Jelson Roberto de Oliveira N. 177 Um caminho de educação para a paz segundo Locke – Odair Camati e Paulo César Nodari N. 178 Crime e sociedade estamental no Brasil: De como la ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos – Lenio Luiz Streck N. 179 Um caminho de educação para a paz segundo Rousseau – Mateus Boldori e Paulo César Nodari N. 180 Limites e desafios para os direitos humanos no Brasil: entre o reconhecimento e a concretização – Afonso Maria das Chagas N. 181 Apátridas e refugiados: direitos humanos a partir da ética da alteridade – Gustavo Oliveira de Lima Pereira N. 182 Censo 2010 e religiões:reflexões a partir do novo mapa religioso brasileiro – José Rogério Lopes N. 183 A Europa e a ideia de uma economia civil – Stefano Zamagni N. 184 Para um discurso jurídico-penal libertário: a pena como dispositivo político (ou o direito penal como “discurso-limite”) – Augusto Jobim do Amaral N. 185 A identidade e a missão de uma universidade católica na atualidade – Stefano Zamagni N. 186 A hospitalidade frente ao processo de reassentamento solidário aos refugiados – Joseane Mariéle Schuck Pinto N. 187 Os arranjos colaborativos e complementares de ensino, pesquisa e extensão na educação superior brasileira e sua contribuição para um projeto de sociedade sustentável no Brasil – Marcelo F. de Aquino N. 188 Os riscos e as loucuras dos discursos da razão no campo da prevenção – Luis David Castiel N. 189 Produções tecnológicas e biomédicas e seus efeitos produtivos e prescritivos nas práticas sociais e de gênero – Marlene Tamanini N. 190 Ciência e justiça: Considerações em torno da apropriação da tecnologia de DNA pelo direito – Claudia Fonseca N. 191 #VEMpraRUA: Outono brasileiro? Leituras – Bruno Lima Rocha, Carlos Gadea, Giovanni Alves, Giuseppe Cocco, Luiz Werneck Vianna e Rudá Ricci N. 192 A ciência em ação de Bruno Latour – Leticia de Luna Freire N. 193 Laboratórios e Extrações: quando um problema técnico se torna uma 0questão sociotécnica – Rodrigo Ciconet Dornelles N. 194 A pessoa na era da biopolítica: autonomia, corpo e subjetividade – Heloisa Helena Barboza N. 195 Felicidade e Economia: uma retrospectiva histórica – Pedro Henrique de Morais Campetti e Tiago Wickstrom Alves N. 196 A colaboração de Jesuítas, Leigos e Leigas nas Universidades confiadas à Companhia de Jesus: o diálogo entre humanismo evangélico e humanismo tecnocientífico – Adolfo Nicolás N. 197 Brasil: verso e reverso constitucional – Fábio Konder Comparato N. 198 Sem-religião no Brasil: Dois estranhos sob o guarda-chuva – Jorge Claudio Ribeiro N. 199 Uma ideia de educação segundo Kant: uma possível contribuição para o século XXI – Felipe Bragagnolo e Paulo César Nodari N. 200 Aspectos do direito de resistir e a luta socialpor moradia urbana: a experiência da ocupação Raízes da Praia – Natalia Martinuzzi Castilho N. 201 Desafios éticos, filosóficos e políticos da biologia sintética – Jordi Maiso N. 202 Fim da Política, do Estado e da cidadania? – Roberto Romano N. 203 Constituição Federal e Direitos Sociais: avanços e recuos da cidadania – Maria da Glória Gohn N. 204 As origens históricas do racionalismo, segundo Feyerabend – Miguel Ângelo Flach
Fábio Konder Comparato possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1959) e doutorado em Direito pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) (1963). Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. É especialista em Filosofia do Direito, Direitos Humanos e Direito Político. Titular da Medalha Rui Barbosa, conferida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Algumas publicações do autor COMPARATO, Fábio Konder. Brasil: verso e reverso constitucional. In: Cadernos IHU ideias. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, ano 11, n. 197, 2013. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. 8. ed. 577 p. COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à Justiça. São Paulo: Editora Saraiva,
2010. v. 01. 449 p. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo
Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. COMPARATO, Fábio Konder. Sobre a Legitimidade das Constituições. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, v. 5, p. 19-56, 2005.