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ideias REPENSAR OS DIREITOS
HUMANOS NO HORIZONTE DA
LIBERTAÇÃO A le ja n d ro R o sillo M a rtín e z
ano 12 · nº 215 · vol. 12 · 2014 · ISSN 1679-0316
Repensar os Direitos Humanos no Horizonte da Libertação Rethinking Human Rights from the Horizon of Liberation Alejandro Rosillo Martínez UASLP
Resumo A fundamentação de direitos humanos se tornou um tema clássico no pensamento jurídico, especialmente na relação com a Filosofia do Direito. Não obstante, na maioria dos casos, as reflexões dominantes desconhecem que os direitos humanos têm sua gênese na luta popular, conduzindo a fundamentação a instâncias não históricas e abstratas. É necessário que se realize na filosofia uma fundamentação “desde abajo”, com simbólicas assimétricas, históricas e concretas, que não desconheçam a tarefa que têm as lutas de resistência na construção e compressão de direitos humanos. Sem fundamentação, “direitos humanos” seriam uma presa fácil da falácia desenvolvimentista e se transformariam em instrumentos ideologizados de opressão. Daqui se desprende outra razão do porquê de fundamentar direitos humanos: construir uma instância crítica que sirva para verificar na realidade como certos “direitos humanos” contribuem ou não com os processos de libertação das pessoas e dos povos. Palavras-chave: Direitos Humanos, Filosofia da Libertação, Pensamento Latino-Americano.
Abstract The basis of Human Rights has become a classic theme in legal thought, especially in relation to the Philosophy of Law. Nevertheless, in most cases, the dominant reflections are unaware that human rights has its genesis in the popular struggle, leading to the foundation unhistorical and abstract instances. It is necessary to conduct a foundation in philosophy “desde abajo”, with asymmetrical symbolics, concrete and historical, that are aware of the task which has resistance struggles in the construction and compression of human rights. Without a foundation, “human rights” would be an easy prey to the developmentalist fallacy and would be ideologically transformed into instruments of oppression. Here is shed another reason why discuss human rights: building a critical stance that serves to verify the reality of certain “human rights” that contribute or not in processes of liberation of individuals and populations. Keywords: Human Rights, Philosophy of Liberation, Latin American Thought.
Repensar os Direitos Humanos no Horizonte da Libertação
Alejandro Rosillo Martínez Universidad Autónoma de San Luís de Potosí, México
Tradução de Lucas Machado Fagundes Universidade Federal de Santa Catarina ano 12 • nº 215 • vol. 12 • 2014 • ISSN 1679-0316
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Cadernos IHU ideias / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Humanitas Unisinos. – Ano 1, n. 1 (2003). – São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003- . v. Quinzenal (durante o ano letivo). Publicado também on-line: <http://www.ihu.unisinos.br/cadernos-ihu-ideias>. Descrição baseada em: Ano 1, n. 1 (2003); última edição consultada: Ano 11, n. 204 (2013). ISSN 1679-0316 1. Sociologia. 2. Filosofia. 3. Política. I. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas Unisinos. CDU 316 1 32 Bibliotecária responsável: Carla Maria Goulart de Moraes – CRB 10/1252
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REPENSAR OS DIREITOS HUMANOS NO HORIZONTE DA LIBERTAÇÃO Alejandro Rosillo Martínez UASLP
PARTE I Uma fundamentação dos Direitos Humanos
1. Introdução A fundamentação de direitos humanos se tornou um tema clássico no pensamento jurídico, especialmente na relação com a Filosofia do Direito. Não obstante, na maioria dos casos, as reflexões dominantes desconhecem que os direitos humanos têm sua gênese na luta popular, conduzindo a fundamentação a instâncias não históricas e abstratas. De certa forma, passa algo semelhante com respeito ao Direito Internacional de direitos humanos, assim denuncia o jurista índio Balakrishnan Rajagopal, em sua conhecida obra El derecho internacional desde abajo: El desarrollo, los movimientos sociales y la resistencia del Tercer Mundo1. Sobre esta posição no prólogo do dito livro, César Rodríguez comenta: “Na posição contrária à visão do direito internacional ‘desde arriba’ – narrada desde o ponto de vista das elites políticas e econômicas e centrada no Estado como único ator legítimo nas relações internacionais –, o jurista índio propõe uma perspectiva ‘desde abajo’, isto é, uma mirada à construção e transformação do direito desde o ponto de vista dos atores políticos subalternos. (…) Isto explica, por exemplo, por que os textos de ensino do direito internacional se ocupam dos novos instrumentos internacionais sobre direitos das comunidades indígenas – desde o Convênio 169 da OIT até o projeto da Declaração Internacional dos Direitos Indígenas da ONU – sem mencionar o fato de que ditas normas resultarão de um 1 RAJAGOPAL, Balakrishnan, El derecho internacional desde abajo: El desarrollo, los movimientos sociales y la resistencia del Tercer Mundo, ILSA, Bogotá, 2005.
4 • Alejandro Rosillo Martínez processo de pressão e mobilização internacional dos povos indígenas que leva já mais de três décadas. O mesmo sucede com outros movimentos sociais que desaparecem da narrativa oficial do direito internacional, desde os movimentos locais e globais de mulheres que têm dado lugar às normas internacionais contra a violência doméstica e a discriminação de gênero, até os movimentos sindicais sem cuja pressão não teriam surgido as convenções da OIT”.2
Algo parecido passou com o fundamento dos direitos humanos, pois nas filosofias dominantes se realiza uma “narrativa desde abajo”, com simbólicas simétricas, a-históricas e abstratas, que invisibilizam as lutas sociais. Assim sendo, é necessário que desde a filosofia se realize uma fundamentação “desde abajo”, com simbólicas assimétricas, históricas e concretas, que não desconheçam a tarefa que têm as lutas de resistência na construção e compressão de direitos humanos. É o que se pretende na primeira parte deste escrito, utilizando algumas ideias da Filosofia da Libertação (FL). Com o uso dos conceitos e categorias da FL, podemos estabelecer três vertentes gerais de fundamentação dos direitos humanos; nenhuma delas cabe, de forma estrita e precisa, dentro das correntes juspositivistas, jusnaturalistas ou jusrealistas. Provavelmente pudessem ser classificadas como produto do diálogo entre as jusnaturalistas e as jusrealistas, ou como uma construção entre juspositivismo e jusrealismo; ou, finalmente, como uma síntese das três posturas. Como seja o certo é que intentar classificar estas vias de fundamentação dentro de qualquer de ditas classes é uma metodologia pouco adequada, pois elas estão estreitamente ligadas às elaborações jusfilosóficas do centro mundial e respondem, de uma ou outra forma, à consolidação do estado moderno e de sua cidadania desde essa localização geopolítica, enquanto a FL se compreende como um pensamento geopoliticamente localizado desde a periferia. A anterior postura não significa uma defesa do relativismo, mas a compreensão da inteligência humana onde a verdade não está dada, porém se vai construindo. Frente aos questionamentos sobre a tarefa de fundamentar os direitos humanos, podemos dizer que, sim, corre-se o risco de inviabilizar suas matrizes históricas, e se perde assim uma instância crítica. Com isto, a não fundamentação teria um efeito semelhante às fundamentações dogmáticas: aos direitos humanos já reconhecidos se lhe hipostasiaria, desvinculando-lhes da práxis humana e colocando-lhes em um âmbito a-histórico; mas ainda assim, seguiria tendo uma direta repercussão nos processos políticos concretos dos povos. Impor-se-iam (impõem) conteúdos normativos e critérios de legitimidade política alheios aos 2 RODRÍGUEZ, César, “Prólogo” en RAJAGOPAL, Balakrishnan, op. cit., pp. 10-11.
Cadernos IHU ideias • 5 processos históricos de cada povo, e assim os direitos humanos terminariam (terminam) sendo instrumentos de ideologização que justificariam (justificam) a dominação e a opressão de uns países sobre outros, de umas classes sociais sobre outras, ou de uns grupos sobre outros. Sem fundamentação, “direitos humanos” seriam uma presa fácil da falácia desenvolvimentista e se transformariam em instrumentos ideologizados de opressão. Daqui se desprende outra razão do porquê de fundamentar direitos humanos: construir uma instância crítica que sirva para verificar na realidade como certos “direitos humanos” contribuem ou não com os processos de libertação das pessoas e dos povos. Apesar de que a fundamentação não pode ser a única instância crítica, pode ser de grande importância, se evita cair nos riscos que comentaremos a seguir. 2. Riscos na fundamentação dos direitos humanos Antes de entrar ao núcleo de nosso escrito, podemos sustentar em geral que o problema de fundamentar direitos humanos tem quatro questões que devem ser enfrentadas e evitadas, se é que buscamos uma fundamentação em perspectiva libertadora. Estas são: o dogmatismo, o pensamento débil, o reducionismo e o etnocentrismo3. São quatro questões que põem em cheque a legitimidade da tarefa filosófica no respeito ao fundamento de direitos humanos. Uma fundamentação de direitos humanos é dogmática quando pretende encontrar um fundamento absoluto. Tratar-se -ia de estabelecer um tipo de fundamento que fora uma razão tão evidente que nenhuma pessoa poderia estar escusada em reconhecê-la; uma vez estabelecido não pode posteriormente discutir-se e quem se rebela a ela fica, por conta disso, excluído da comunidade dos sujeitos racionais. Essa postura corre o risco de terminar em atitudes intolerantes, pois, ao considerar que se tem um acesso privilegiado ao conhecimento do fundamento de direitos humanos – e do direito em geral –, então aqueles que se opõem hão de ser considerados irracionais e, portanto, criminosos. Considerando o dogmatismo, topamos com o pensamento único, ou seja, com as posturas que fundamentam os direitos humanos desde pressupostos e pontos próprios do pensamento político e econômico hegemônico; trata-se daquelas posturas (neo)liberais que compreendem que o mercado é o único agente regulador da sociedade e, portanto, é a liberdade (no mercado) o único direito humano a defender; os direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos coletivos seriam falsos direitos ou 3 Cf. SENENT, Juan Antonio, Problemas fundamentales de los derechos humanos desde el horizonte de la praxis, Tirant lo Blanch, Valencia, 2007, pp. 48-58.
6 • Alejandro Rosillo Martínez formas de prejudicar os autênticos direitos, que são os que proveem da liberdade (no mercado) do indivíduo. Fora deste modelo baseado na liberdade individualista, não há alternativas, e só assim pode-se compreender direitos humanos. Frente ao rechaço do dogmatismo, topamos com o pensamento débil, próprio da pós-modernidade ocidental. Uma de suas propostas é tratar de estabelecer vários fundamentos possíveis. Com ela se corre o risco de um relativismo onde ante uma quantidade considerável de fundamentos se perde seu caráter de instância crítica e não se faz referência alguma com a realidade concreta das vítimas dos sistemas. Apesar de que a FL se vale de algumas contribuições da filosofia pós-moderna4, não pode assumir o pensamento débil em relação ao fundamento dos direitos humanos. Neste sentido, González Faus analisa como este tipo de pensamento implica tanto o sujeito débil como os direitos débeis; frente à acusação dos pensadores pós-modernos de que todo fundamento sugere totalitarismos, este autor assinala que os direitos humanos terminam sendo reduzidos no pensamento débil ao valor de troca do mercado5. A maneira para enfrentar o dogmatismo e o pensamento único por parte da FL não deve ser o relativismo e o pensamento débil, pois através deles pouco favor se faz a quem se lhes negam as condições para produzir e reproduzir sua vida, mas o de outorgar a construção viável de vários fundamentos fortes que reconheçam a dinâmica histórica dos direitos humanos, e, portanto, embora fortes, não se considerem uma solução definitiva, e sim só de caráter provisório, pois deve estar em constante revisão ante a situação dos pobres, dos oprimidos e das vítimas. Quanto ao reducionismo entendemos as teorias que no desenvolvimento do fundamento focam só uma das dimensões dos direitos humanos. São posturas que limitam a realidade e desconhecem diversas parcelas pelas quais os processos de direitos humanos se veem afetados; só enfocam sua análise já seja no jurídico, no político, no social ou no ético, deixando de lado as outras dimensões. Aqui podemos mencionar certas versões de juspositivismos, jusnaturalismos, historicismos e o monoculturalismo. O último problema na fundamentação dos direitos humanos, e muito relacionam com o anterior reducionismo, é o etnocentrismo. Como assinala Senent, “um dos problemas teóricos com que nos encontramos ao tratar a questão dos direitos humanos é que assinala que estes representam uma instituição etnocêntrica, e precisando ainda mais, se denuncia que são 4 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación. En la edad de la globalización y de la exclusión, Trotta, Madrid, 1998, p. 517. 5 GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio, “Derechos humanos, deberes míos. I. Pensamiento débil/consumo fuerte” en Christus, no. 702, México, septiembre-octubre 1997, p. 23.
Cadernos IHU ideias • 7 uma instituição eurocêntrica”6. Para superar esta situação, a fundamentação dos direitos humanos deve possibilitar o diálogo intercultural para mostrar que a experiência de luta pela dignidade humana e o uso das instituições políticas e jurídicas para protegê-la não são postulados exclusivos do Ocidente. Do contrário, a força crítica do discurso dos direitos humanos se vê diminuída na realidade periférica, alheia total ou parcialmente à tradição eurocêntrica, e se transformam em ideologizações e instrumentos que justificam a opressão das classes dominantes – que geralmente são funcionais e simpatizam com os interesses das potências do Norte – sobre as classes pobres e populares. 3. O fundamento da alteridade A FL, ainda quando é crítica da Modernidade, não renuncia à subjetividade. Para os processos de libertação é importante que a vítima, o pobre e o oprimido se constituam em sujeitos de sua própria história. No entanto, a FL não fundamenta os direitos humanos no sujeito abstrato da Modernidade, nem o indivíduo egoísta que só busca seu próprio interesse. A autonomia do sujeito não é sinônimo da subjetividade moderna que inicia os processos de direitos humanos. Isto porque o sujeito abstrato da Modernidade se constitui como uma Totalidade excludente, não aberta à proximidade, nem a exterioridade do Outro. Ademais, como assinala Franz Hinkelammert, a moderna sociedade ocidental mais que antropocêntrica é “mercadocêntrica”7; colocou o mercado como uma suposta ordem natural, e a legitimidade e validez das instituições estão em função de que permitam o livre desenvolvimento das leis do mercado. Mas isso, a visão do sujeito e da subjetividade da Modernidade, iniciada com Descartes, terminou ligando-se ao domínio da natureza e da realidade social através do capitalismo. Trata-se de uma concepção egocentrista do ser humano, que sacraliza ao indivíduo como proprietário que fomenta a alienação e mercantilização de todas as facetas da vida humana. Reduzir a dimensão subjetiva do ser humano à subjetividade individualista da Modernidade hegemônica significa promover um desperdício da experiência. Desde outras culturas, a subjetividade se construiu de maneira distinta, e em diversas ocasiões de forma comunitária. Por isso, a subjetividade deve constituir-se no encontro com o outro. Como se sabe, é Enrique Dussel quem, partindo da Filosofia de Emmanuel Lévinas, introduziu a alteridade como um elemento fundamental da FL. Por isso, se fala de uma FL concebida como uma metafísica da alteridade ou uma filosofia da alte6 SENENT, Juan Antonio, op. cit., p. 56. 7 Cf. HINKELARMMERT, Franz, El sujeto y la ley. El retorno del sujeto reprimido, EUNA, Heredia de Costa Rica, 2005.
8 • Alejandro Rosillo Martínez ridade ética.8 A partir daí, se trataria de constituir subjetividades de pessoas e de povos; vale dizer, tanto subjetividades pessoais como subjetividades coletivas. Do conjunto de categorias que Dussel aporta à FL, algumas delas têm relação com uma fundamentação dos direitos humanos desde a alteridade e, ademais, autores juristas próximos aos movimentos de libertação as têm tomado em conta para a construção do seu pensamento jurídico.9 Estas categorias são a proximidade, a totalidade, as mediações, a liberdade situada, a exterioridade e a alienação. a) Proximidade: Dussel assinala que a experiência grega ou indo-europeia e a moderna privilegiaram a relação com o ser humano–natureza.10 Compreenderam o ser como luz ou como cogito, o que implica definir o âmbito do mundo e o político como visto, o dominado, o controlado. Em troca, se privilegia a relação ser humano-ser humano (a especialidade e o político), se pode dar um discurso filosófico com outra origem. Nesse sentido, trata-se de começar desde a proximidade, distinguindo-a da proxemia.11 Práxis é encurtar distâncias; é um obrar até o outro como Outro. É uma ação que não se aproxima às coisas, e sim ao outro enquanto outro; por isso um aproximar-se, e não proxemia. Daí que possa falar-se de diversas proximidades (originária, histórica, metafísica).12 Frente a este equívoco da proximidade histórica, Dussel fala da proximidade inequívoca, que é a que se dá ante o rosto do oprimido, da vítima, do que é exterior a todo sistema. É a proximidade ante o que clama justiça, ao que invoca responsabilidade. A proximidade inequívoca é a que se estabelece com o que necessita serviço, porque é débil, miserável, necessitado. Daí que a proximidade é a raiz da práxis e desde onde parte toda responsabilidade pelo outro, e em concreto com o outro vítima do sistema. b) Totalidade: A totalidade é a maneira como as coisas se apresentam ao ser humano. A proximidade, o cara a cara do ser humano com o ser humano deixa irremediavelmente lugar ao distanciamento. Então o ser humano se aproxima aos entes, às coisas, aos objetos; as coisas-sentido, os entes, nos enfrentam em uma multiplicidade quase indefinida. Não obstante, isto se dá em uma totalidade, em um sistema, que os compreende e os 8 Cf. GARCÍA RUIZ, Pedro Enrique, Filosofía de la liberación. Una aproximación al pensamiento de Enrique Dussel, Dríada, México, 2003, pp. 171-202; SALAMANCA, Antonio, Yo soy guardián mundial de mi hermano. Hacia la universalización ética de la opción por el pobre desde el pensamiento de K.O. Apel, E. Dussel y X. Zubiri, IKO, Frankfurt, 2003, pp. 65-70. 9 Cf. DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio, Apuntes para una introducción filosófica al derecho, Porrúa, México, 2007, pp. 139-159. 10 Cf. DUSSEL, Enrique, Filosofía de la liberación, Nueva América, Bogotá, 1996, p. 29. 11 Idem, p. 30. 12 Idem., pp. 31-35.
Cadernos IHU ideias • 9 unifica. Os entes, assinala Dussel, não nos rodeiam de maneira caótica, mas sim formam parte de um mundo, que é uma totalidade instrumental de sentido. É o horizonte cotidiano no qual vivemos.13 c) Mediações: As mediações não são outra coisa que aquilo que empunhamos para alcançar o objetivo final da ação. A proximidade é a imediatez do cara a cara com o outro; a totalidade é o conjunto dos entes enquanto tal: enquanto sistema. As mediações possibilitam o aproximar-se à imediatez e permanecer nela, constitui em suas partes funcionais a totalidade.14 d) Liberdade situada: As coisas e entes que constituem seu entorno são mediações, possibilidades. Quando o ser humano obra, o faz por um projeto. Esse projeto determina as possibilidades, as mediações para sua realização. Vale dizer, a pessoa está assediada por decisões que deve tomar, e caminhos que se abrem e se fecham. Este estar aberto ao dever de continuamente determinar-se por esta ou aquela possibilidade; este estar algumas vezes desconcertado e não saber qual eleger; este poder eleger o mesmo e não eleger nada; esta capacidade ou poder sobre as mediações se denomina, segundo Dussel, a liberdade. Logo, o ser humano se realiza por determinações eletivas. Eleger livremente não consiste em poder determinar absolutamente as mediações desde uma indeterminação absoluta (seria a liberdade infinita, radical). Tampouco o ser humano está totalmente determinado, condicionado; é livre e ao mesmo tempo historicamente determinado. A mediação é possibilidade para uma liberdade. A coisa é ente porque sendo interpretado em seu sentido e estimado em seu valor é por último eleito e postergado em vista do projeto. e) Exterioridade: Dussel afirma que esta é a categoria mais importante para a FL, e que possibilita realizar um discurso novo. Assim, a exterioridade é uma categoria que marca a diferença da FL com as filosofias do centro que usam também as categorias acima descritas. Possibilita um discurso novo porque faz viável fixar-se na realidade dos povos periféricos: “É a novidade dos nossos povos o que se deve refletir como novidade filosófica e não ao contrário”.15 A exterioridade parte do fato de que no conjunto de todos os entes, sobressai um, distinto a todos os demais, o rosto dos outros seres humanos. Aleijados da proximidade, consumidos pela proxemia – donde ainda o rosto humano é assumido como uma coisa-sentido, como um ente mais –, a presença deste rosto nos recorda a necessidade daquela. O ser humano como ente é parte da totalidade, dos sistemas, mas a
13 Idem., p. 37. 14 Idem., p. 45. 15 Idem., p. 55.
10 • Alejandro Rosillo Martínez emergência de seu rosto nos remete a enfrentar a proximidade; é quando o outro se revela em toda sua exterioridade.16 f) Alienação: A alienação se dá quando se nega ao outro sua qualidade de outro. A totalidade, o sistema, tende a totalizar-se, a autocentrar-se, na busca de eternizar sua estrutura presente e a devorar de forma intrasistêmica toda exterioridade possível.17 Então para o sistema o outro aparece como algo diferente, que põe em perigo a unidade “do mesmo”. Logo, ao outro no tempo de perigo se lhe transforma, graças à ideologização, em “inimigo”. As categorias expostas acima, próprias da FL desenvolvidas por Dussel e, em parte, por Juan Carlos Scannone, nos possibilitam estabelecer um fundamento dos direitos humanos desde a alteridade, desde o encontro com o outro. À diferença dos fundamentos hegemônicos de direitos humanos embasados em uma subjetividade do indivíduo, que finalmente são partes da totalidade, do sistema dominante, a FL propõe um fundamento na alteridade, desde uma subjetividade aberta ao outro e não fechada no mesmo. Neste contexto, a subjetividade moderna é parte da totalidade que só reconhece direito aos mesmos18, não ao inequivocamente outro, ao que pela totalidade é considerado estranho, alheio e até perigoso ao sistema. A esse outro, ao contrário, embora exija a satisfação das mesmas necessidades que os mesmos, é catalogado como delinquente; por isso, se criminalizam os protestos e as lutas sociais e as práxis da libertação se reprimem (elas são finalmente os meios em que os outros emergem para romper a alienação a que são submetidos). Dessa forma, a fundamentação dos direitos humanos efetuada só desde o indivíduo carrega alguns dos reducionismos que comentamos; está marcada pelo reducionismo monocultural e historicista. Direitos humanos fundamentados desde o sujeito abstrato facilmente se convertem na ferramenta de alienação, e são parte do que Dussel descreve no seguinte texto: “Vestida de nobres virtudes nietzscheanas, guerreiras, saudáveis, brancas e loiras como arianos, a Europa se lança sobre a periferia, sobre a exterioridade geopolítica; sobre as mulheres de outros varões; sobre seus filhos; sobre seus deuses. Em nome do ser, do mundo humano, da civilização, aniquila a alteridade dos outros homens, de outras culturas, de outras eróticas, de outras religiões. Incorpora assim aqueles homens ou, de outra maneira, desagrega violentamente as fronteiras do seu mundo até incluir a outros povos em seu âmbito controlado.”19 16 Idem., p. 56. 17 Idem., p. 70. 18 Esses mesmos, esses que reafirmam a mesmidade do sistema, são os que concretizam ao ser humano abstrato, a esse ser humano que se considera “sujeito universal de direitos”, a dizer, um homem branco, burguês, possuidor de dinheiro, ocidental etc. 19 DUSSEL, Enrique, Filosofía de la liberación, op. cit., p. 69.
Cadernos IHU ideias • 11 Sem negar a subjetividade como elemento de uma fundamentação dos direitos humanos, é imprescindível abri-la à pluriculturalidade e às lutas históricas levadas a cabo pelos diversos povos oprimidos do planeta; se trataria de um sujeito intersubjetivo, comunitário, que seja o sujeito de direitos humanos como práxis de libertação. É o que propõe a FL a partir de uma metafísica da alteridade, que se concretiza em compreender a ética, a responsabilidade pelo outro, como o início de toda filosofia. Esta ética é uma ética da solidariedade que tem suas consequências para a construção de uma juridicidade alternativa, gerada desde as lutas sociais.20 A ética da alteridade busca uma abertura do sujeito que seja capaz de compreender o novo da história que se constrói desde a exterioridade. “O ponto de partida é a vítima, o Outro, mas não simplesmente como outra ‘pessoa-igual’ na comunidade argumentativa, e sim ética e inevitavelmente (apodítico) como Outro em algum aspecto negado-oprimido (principium oppressionis) e afetado-excluído (principium exclusiones).”21 Desde o outro como outro – o pobre, o oprimido, a vítima –, que é liberdade incondicionada por quanto se desprecia sua exterioridade considerando-a nada (como incultura, analfabetismo, barbárie, primitivismo, incivilização), é como surge na história o novo. Por ele todo sistema futuro realmente resultante de uma revolução subversiva em seu sentido metafísico é analógica: semelhante em algo a anterior totalidade, mas realmente distinta. Todo o anterior se realiza e se faz realidade, quando alguém diz, por exemplo, “tenho fome, necessito de alimento!”.22 A fome do pobre é consequência de um sistema injusto, e na sua situação de vítima não tem lugar dentro do sistema. Não tem lugar por ser negatividade, por sofrer falta-de, por ser não-ente no mundo. Mas fundamentalmente está fora porque saciar estruturalmente a fome do pobre é mudar radicalmente o sistema. Sendo assim, direitos humanos fundamentados desde a alteridade têm de compreender-se como ferramentas de lutas de quem é vítima do sistema, e por isso, mais que elementos conservadores do sistema, têm de ser subversivos, transformadores, revolucionários. O cara a cara do outro inequívoco obriga a repensar constantemente os direitos humanos, pois os direitos do outro não são parte do sistema.23 Este encontro com o outro, o cara a cara, fica complementado e levado além, com o pensamento da libertação de Franz Hinkelammert. Este autor fala do retorno do sujeito, mas não do 20 WOLKMER, Antonio Carlos, “Bases éticas para una juridicidad alternativa” en Jesús Antonio de la Torre Rangel (Coord.), Derecho alternativo y crítica jurídica, UAA-ITESO-Porrúa, México, 2002, pp. 179-180. 21 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 417. 22 Idem., p. 524. 23 DUSSEL, Enrique, Filosofía de la liberación, op. cit., p. 59.
12 • Alejandro Rosillo Martínez sujeito metafísico, e sim do sujeito vivo, corporal, enquanto horizonte filosófico para uma crítica radical da globalização neoliberal. Como havíamos dito, este autor assinala que a sociedade moderna ocidental mais que antropocêntrica é mercadocêntrica. O conceito de sujeito surge na relação sujeito-objeto, na filosofia de Descartes. O sujeito é visto como instância que se relaciona com o objeto, ou seja, a res cogitans frente à res extensa. É um sujeito do pensamento que se enfrenta ao mundo dos objetos. Para ele tudo é objeto, tanto a corporalidade do outro como a própria corporalidade. Por isso, Hinkelammert assinala que é um sujeito transcendental, que desde um ponto de vista externo a corporalidade do mundo julga sobre este como mundo objetivo, do que não se considera parte, mas somente juiz.24 Sua existência se sustenta somente em sua autorreflexão sobre si mesmo, e por isso não tem corporalidade, nem tampouco, em consequência, têm sentidos.25 Mas não fica aí a noção deste sujeito epistemológico, pois é um indivíduo possuidor; é o indivíduo que se dirige ao mundo para dominar e possuir; ao pensar o mundo corporal como objeto, na relação sujeito-objeto se entende como possuidor do mundo. O mais grave é que a negação do sujeito transcendental realizado pela pós-modernidade não tem significado uma recuperação de uma subjetividade libertadora e intercomunitária; ao contrário, tem fortalecido o sujeito atuante como indivíduo proprietário; a respeito disso, assinala Hinkelammert: “Mas esta negação do sujeito transcendental não tem afetado o indivíduo possuidor, que é sua contrapartida. De fato tem substituído o sujeito pensante pelo sujeito atuante, que é um indivíduo proprietário e calculador dos seus interesses. Segue interpretando todo o mundo corporal como objeto da ação, mas se vê a si mesmo como uma substância calculadora, que se move em um mundo de puros objetos, e calcula sua possibilidade de ascender a este mundo consumindo-o e acumular como propriedade partes crescentes dele. Para este sujeito calculista, o próprio corpo segue sendo um objeto igual como é o mundo exterior. Não tem corpo, para calcular sua ação sobre corpos, que é seu objeto. Este sujeito calculista é o indivíduo, que não se vê incomodado pela negativa ao sujeito transcendental”.26 Uma fundamentação de direitos humanos desde o sujeito transcendental, ou desde sua negação pós-moderna, termina sendo funcional para os interesses do sujeito calculista. Os direitos humanos se reduzem aos “direitos” necessários para ascender “ao mundo consumindo-o” e acumular propriedade. Paradoxalmente, o sujeito atuante verá, nos outros, objetos, pois a sociedade do mercado o conduz a “transformar tudo em objeto, 24 HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., p. 485. 25 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 515. 26 HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., pp. 486-487.
Cadernos IHU ideias • 13 inclusive a si mesmo, [e isto] é apresentado agora como liberdade e salvação”.27 Então os bens protegidos pelos direitos humanos não são satisfatórios para a produção e reprodução da vida, mas meros objetos para serem consumidos. Em troca, a FL propõe recuperar o ser humano como se faz presente na realidade, como ser corporal, como sujeito vivo frente aos outros que também se fazem presentes como seres corporais e sujeitos vivos; é uma relação de corpo a corpo, de cara a cara. A pergunta-chave deste sujeito não é “se existo”, mas “se posso seguir existindo”. Trata-se de responder pelas condições de possibilidade de viver como ser corporal, como ser vivente. A demanda da recuperação do sujeito, da vida humana concreta, da vida para todos, nas instituições sociais e nas construções culturais, é a demanda mais urgente do mundo de hoje, segundo F. Hinkelammert. Para isto, direitos humanos são, sem dúvida, uma ferramenta importante, mas fundamentada em um sujeito intersubjetivo. E isto tem que ver com a volta, nas palavras no nosso autor, ao sujeito reprimido e ao bem comum. 4. O fundamento sócio-histórico (práxis de libertação) A FL não se compreende só como uma ética da alteridade, mas também pode entender-se como uma filosofia da práxis. Diversos autores – por exemplo, Ignacio Ellacuría, E. Dussel e F. Hinkelammert – abordam em sua reflexão as diversas formas de práxis. De uma ou outra forma, buscam encontrar suas características para poder considerá-la como uma práxis de libertação. Apesar de que partem da análise da práxis humana em geral, coincidem em assinalar que não toda práxis é libertadora, mas que existem umas opressoras, homicidas e alienantes. Neste sentido, direitos humanos como realidade histórica estão afetados por esta ambivalência da práxis; direitos humanos bem podem ser instrumentos de ideologização funcionais a práticas opressoras ou ferramentas para a libertação. Fundamentar direitos humanos desde a práxis significa encontrar um fundamento sociopolítico; trata-se de entendê-los como ferramentas das práxis de libertação. Ellacuría aborda a práxis desde a análise dos elementos e dinamismos que integram a realidade histórica, que vão desde a materialidade até a dimensão pessoal, e desde o indivíduo até o corpo social. Como assinala Antonio González, a práxis humana “enquanto apropriação e transmissão tradente28 de possibilidades é a categoria mais apropriada para compreender a originali27 Idem., p. 487. 28 Tradente é um neologismo de Xavier Zubiri que se refere à forma em que uma generação a outra se dá a entrega de capacidades e possibilidades; ou seja, a vida humana começa sempre montada sobre um modo de estar na realidade que foi entregue a cada ser humano. E isto é formalmente a história: ter um modo de estar na realidade entregue pelo progenitor.
14 • Alejandro Rosillo Martínez dade do histórico”.29 Em diversos escritos, tanto nos de caráter político, filosófico como teológico, Ellacuría utiliza o conceito práxis, e em variadas ocasiões o faz de maneira adjetivada; assim, se encontram conceitos como práxis histórica, práxis social, práxis política, etc. É um conceito utilizado por este autor como parte de seu diálogo com o marxismo, embora com uma importante fundamentação no pensamento de Xavier Zubiri. Para Ellacuría, pelo seu caráter transformador, a práxis é o âmbito onde com maior claridade se expressa a interação entre o ser humano e o mundo, pois nela as relações não são sempre unidirecionais, mas respectivamente codeterminantes. Através da práxis se mostra o poder criativo do ser humano. Este poder “está na estreita relação com o grau de liberdade que vai alcançando [o ser humano] dentro do processo histórico”.30 Ainda considerando que todo tipo de atividade humana transformadora está incluso na reflexão filosófica da práxis humana, pois ela inclui todas as formas do fazer humano, tanto especulativas, educativas, técnicas, religiosas, etc., Ellacuría põe ênfase nas práxis históricas de libertação, vale dizer, naquelas que atuam como produtoras de estruturas novas mais humanizantes. Em sentido semelhante, Dussel assinala que a práxis de libertação “é a ação possível que transforma a realidade (subjetiva e social) tendo como última referência sempre algumas vítimas ou comunidade de vítimas”.31 O processo práxico de libertação, já no âmbito ético e político, é principalmente dialético – embora não exclusivamente – enquanto busca negar a negação dos seres humanos, e se avance afirmando o positivo. Um processo que se dá dentro do dinamismo histórico da possibilitação e capacitação, pelo qual não existe nenhuma garantia de triunfo. Já se disse que a realidade histórica pode ser princípio de humanização e de personalização, mas também pode ser de opressão e alienação. Isto porque “a práxis histórica não se é reduzível nem às leis do mundo natural nem aos saltos dialéticos de algum possível espírito”.32 À diferença do que pode suceder com posturas idealistas ou mecanicistas da história, o mal e a injustiça na história não podem ser legitimados nem justificados como necessidades lógicas no desenvolvimento de uma teleologia ou como partes de um devir forçoso da história. Antes, o mal histórico é um limite real que se apresenta como um desafio à práxis de libertação. A libertação é, então, um processo através do qual o ser humano vai exercendo sua liberdade, e vai fazendo-se cada vez mais livre graças a sua estrutura de essência aberta. “A liberta29 GONZÁLEZ, Antonio, “Prólogo” en Ignacio Ellacuría, Filosofía de la realidad histórica, UCA Editores, San Salvador, 1999, p. 11. 30 SAMOUR, Héctor, “Filosofía y libertad” en Rodolfo Cardenal y Jon Sobrino (Coord.), “Ignacio Ellacuría. Aquella libertad esclarecida”, Sal Terrae, Santander, 1999, p. 110. 31 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 553. 32 GONZÁLEZ, Antonio, “Prólogo”, op. cit., p. 11.
Cadernos IHU ideias • 15 ção é, de imediato, um processo. Um processo que, no pessoal, é, fundamentalmente, um processo de conversão e que, no histórico, é um processo de transformação, quando não de revolução”.33 A concepção de práxis até agora analisada tem importantes consequências para a fundamentação dos direitos humanos, se isto se assume como momentos da práxis histórica da libertação. Neste contexto não seria viável, e careceria de sentido, um fundamento absoluto e dogmático, desde o que se proponha um tipo de “falácia desenvolvimentista”. Na realidade, deveria se compreender os direitos humanos desde sua complexidade como momentos pertencentes às distintas forças históricas; ou seja, contemplá-los como momentos tanto jurídicos como ideológicos, sociais e políticos. Isto significaria assumir uma concepção complexa de direitos humanos. O compreender os direitos humanos como momentos da práxis histórica de libertação se constitui em um fundamento sócio-histórico. Logo, trata-se de entender a práxis da libertação dos novos sujeitos sócio-históricos como fundamento dos direitos humanos. De certa forma, a análise crítica que realiza Helio Gallardo tem relação com nosso tema. Este autor assinala que o fundamento dos direitos humanos não é filosófico, mas sociológico; este deve entender-se como matriz e, portanto se constitui pela formação social moderna que contém tensões, conflitos e deslocamentos. Ora, o fundamento se encontra na sociedade civil, em sua dinâmica emergente libertadora, em seus movimentos e mobilizações sociais contestatórias.34 O fundamento dos direitos humanos teria então como motor a luta social em matrizes sócio-históricas; assim, Gallardo afirma que “desde o ponto de vista da sua prática, o fundamento dos direitos humanos se encontra, ostensivamente, em sociedades civis emergentes, vale dizer, em movimentos e mobilizações sociais que alcançam incidência política e cultural (configuram ou renovam um ethos ou sensibilidade) e, por isso, podem institucionalizar juridicamente e com eficácia suas reclamações”.35 Esta fundamentação sócio-histórica é assumida pelo pensamento da libertação não só desde o aspecto sociológico, mas também desde o horizonte filosófico. Agora, a FL não só desenvolve a compreensão do sentido da práxis, mas também do sujeito dela. De entrada, toda a pessoa pode constituir-se em sujeito da práxis de libertação, seja em sua qualidade de vítima ou por ser solidário com o oprimido, enquanto realiza ações, organiza instituições ou transforma sis33 ELLACURÍA, Ignacio, “En torno al concepto y a la idea de liberación”, en Escritos Teológicos, Tomo I, UCA Editores, San Salvador, 2000, p. 640. 34 Cf. GALLARDO, Helio, Teoría crítica: Matriz y posibilidad de derechos humanos, DSR, Murcia, 2008, p. 31. 35 Idem., p. 44.
16 • Alejandro Rosillo Martínez temas para que as vítimas, os pobres e os oprimidos desfrutem e exerçam efetivamente direitos humanos.36 Mas o analogado principal do sujeito da práxis de libertação é a vítima que, adquirindo consciência de sua situação, e em diálogo com outras vítimas, empreende ações para deixar para trás, para superar a situação que lhe nega as possibilidades de produzir e reproduzir sua vida. Nesse sentido, Dussel afirma: “O sujeito da práxis de libertação é o sujeito vivo, necessitado, natural, e por isso cultural, em último término a vítima, a comunidade das vítimas e dos a ela corresponsavelmente articulados. O ‘lugar’ último, então, do discurso, do enunciado crítico, são as vítimas empíricas, cujas vidas estão em risco, descobertas no ‘diagrama’ do Poder pela razão estratégica”.37 O sujeito da práxis de libertação supõe não uma mera subjetividade individual, mas a já mencionada intersubjetividade. A intersubjetividade não significa a criação de um sujeito coletivo natural, pois isto implica finalmente uma substancialização indevida; os sujeitos sócio-históricos são fluidos e fragmentários, aparecem e desaparecem em conjunturas bem determinadas, segundo as tramas sociais. Antes significa o reconhecimento da subjetividade de cada sujeito humano concreto, e de seu encontro com o outro, que também é sujeito, e que por suas qualidades de vítima ou solidário com elas, se conformam em uma comunidade de vida.38 Como assinala Dussel, a intersubjetividade “se constitui a partir de uma certa comunidade de vida, desde uma comunidade linguística (como mundo da vida comunicável), desde uma certa memória coletiva de gestas de libertação, desde necessidades e modos de consumo semelhantes, desde uma cultura com alguma tradição, desde projetos históricos concretos aos que se aspira em esperança solidária”.39 Por sua parte, Hinkelammert ressalta o caráter processual do fazer-se sujeito que, para a FL, significa a volta – a recuperação – do sujeito reprimido: “[…] o ser humano como sujeito não é uma instância individual. A intersubjetividade é uma condição para que o ser humano chegue a ser sujeito. Se sabe em uma rede, que inclui a mesma natureza externa ao ser humano: que viva o outro, é uma condição da própria vida”.40 O ser humano, para viver, requer fazer-se sujeito; a vida é um chamado a constituir-se como sujeito. Então, o ser sujeito não é um antes, um a priori do processo, e sim o que resulta do mesmo processo.41 Sendo assim, o “sujeito” não contém um valor ou uma substância a priori, mas que depende do sentido negativo do sistema 36 37 38 39 40 41
DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 513.
Idem., p. 525. GALLARDO, Helio, Teoría crítica, op. cit., p. 60. DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 525. HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., p. 495. Idem., p. 496.
Cadernos IHU ideias • 17 que o faz vítima; o que poderia dizer-se é que esse sujeito buscará reverter sua situação de vítima através da geração de um novo sistema. Logo, para chegar a ser sujeito da práxis da libertação, é necessário efetuar uma crítica autoconsciente do sistema que causa a vitimização. As vítimas têm de dar-se conta de que não haviam participado no acordo originário do sistema – por utilizar expressões da ética do discurso – e, sobretudo, que devido ao dito sistema não podem produzir, reproduzir e desenvolver sua vida.42 Havíamos assinalado, parágrafos acima, que o processo práxico de libertação é principalmente dialético, embora não exclusivamente. Enquanto direitos humanos, a práxis de libertação se constitui, em diversas ocasiões, pelo enfrentamento de um movimento social organizado das vítimas e um sistema formal dominante. Gera-se um conflito ético, com consequências sociais e jurídicas, onde a comunidade de vítimas busca modificar as tramas sociais para lograr uma transferência de poder com o fim de satisfazer suas necessidades de vida.43 Se a práxis de libertação se realiza por um sujeito intersubjetivo, o princípio normativo “crítico democrático” é parte dela. A intersubjetividade nas lutas de libertação se embasa no consenso crítico das vítimas. Um movimento social embasado, por exemplo, nas decisões de “líderes” e que não se guia pela vontade consensual das vítimas, terminará reproduzindo o mesmo sistema que exclui as vítimas, e esses “líderes” terminarão utilizando o poder de maneira fetichizada. Por isso, a intersubjetividade tem que ver com dito princípio, que Dussel define da seguinte maneira: “O princípio normativo crítico democrático aponta a promover o consenso crítico das vítimas, por sua participação real e em condições simétricas”.44 Em efeito, ao fundamentar direitos humanos na práxis de libertação, se compreende a importância do consenso das vítimas para que a luta por “novos direitos” signifique a criação de um novo sistema, que inclui a participação dos que haviam sido excluídos. Do anterior podemos concluir que o estado não é fundamento de direitos humanos; no máximo pode ser um instrumento, um conjunto de instituições para fazê-los efetivos. A práxis de libertação dos povos é um ato mais radical que a existência e o funcionamento do estado.45 Se fundamentam-se direitos humanos na práxis histórica de libertação, se potencializa, seguindo as categorias de Boaventura de Sousa Santos, o pilar emancipatório da Modernidade. Em troca, se se fundamenta não esta, se potencializará eventualmente um dos pila42 Idem., pp. 495-496. 43 GALLARDO, Helio, Teoría crítica, op. cit., p. 44. DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 541. 44 DUSSEL, Enrique, Veinte tesis de política, Siglo XXI, México, 2006, p. 105. 45 Cf. SALAMANCA, Antonio, Filosofía de la revolución. Filosofía para el socialismo en el siglo XXI, UASLP-CEDH, San Luis Potosí, 2008, pp. 28-34.
18 • Alejandro Rosillo Martínez res de controle.46 Portanto, recuperando o melhor da Modernidade, a FL tem de insistir que direitos humanos devem se conservar como parte do pilar emancipatório fundamentandolhes nas práxis de libertação. Os direitos humanos têm como um de seus fundamentos a práxis histórica de libertação, enquanto se realiza por uma comunidade de vítimas – que se constitui em um sujeito intersubjetivo – que busca, ao exercer o direito a gerar direitos, subverter o sistema que lhe nega a satisfação das necessidades para a produção e reprodução da vida e dar passo a um novo sistema. Isto implica o colocar a práxis como o fato mais radical, que antecede o estado ou a natureza humana, enquanto a busca de fundamentos dos direitos humanos. É um fundamento não dogmático, nem etnocêntrico, nem historicista; defende a necessidade do sujeito, mas não do sujeito individual da Modernidade hegemônica, e sim o sujeito intersubjetivo que se constitui através da vontade de libertação das vítimas reunidas e organizadas em comunidade. 5. O fundamento da produção da vida A FL tem como um tema central da sua reflexão o “sujeito vivo”, e em conexão com ele a satisfação das necessidades para a vida. A recuperação do sujeito não só é referida a um sujeito intersubjetivo e a um sujeito da práxis de libertação, mas também ao sujeito como sujeito vivo, como um ser corporal, pelo que a satisfação das necessidades se constitui como um fato radical. Isto não quer dizer que o sujeito intersubjetivo e o sujeito da práxis fiquem relegados a um segundo sítio, outorgando-lhes a primazia ao sujeito vivo. Não se trata de hierarquizar os “sujeitos”. Vale dizer, para que o sujeito de direitos humanos realmente seja tal, deve ser alternadamente um sujeito vivo, intersubjetivo e práxico.47 A ausência de qualquer deles, ou a ausência total do sujeito, significaria que a fundamentação dos direitos humanos cairia em algum dos riscos analisados no início desta seção. Em virtude ao sujeito vivo, a fundamentação dos direitos humanos se constitui como um referente crítico do sujeito da práxis, encaminhado a responder a interpretação que as vítimas realizam através do sujeito intersubjetivo. Vale dizer, se o sujeito da práxis dirige seu atuar para lograr uma libertação integral, através da organização e o consenso da comunidade de vítimas que transforma o sistema através de “novos direitos”, a satisfação de necessidades para a vida é o marco material dessa práxis, dessa organização e desse consenso entre as vítimas: “O juízo de fato 46 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa, Sociología jurídica crítica, op. cit., p. 31. 47 Cf. HINKELAMMERT, Franz, Crítica de la razón utópica, Desclée de Brouwer, Bilbao, 2002.
Cadernos IHU ideias • 19 crítico (desde o marco material da ética) se enuncia como a possibilidade da produção, reprodução e desenvolvimento da vida dos sujeitos reais do sistema, e como ‘medida’ ou critério dos fins do mesmo: se a vida não é possível, a razão instrumental que se exerce em fazê-la impossível é eticamente perversa”.48 O sujeito vivo evita que o sujeito da práxis fique tão só em um sujeito pragmatista que aplica a razão instrumental em função do cálculo de utilidade. Esta é uma forma de exercer a razão que faz impossível a reprodução da vida, pois eventualmente significa o suicídio. Hinkelammert assinala que entre os séculos XIV e XVI, nos inícios da Modernidade, racionalidade meio-fim, que é a racionalidade concebida a partir do indivíduo e se caracteriza por ser a racionalidade econômica hegemônica, se impõe – ou se pretende impor – à sociedade inteira.49 É uma racionalidade que atenta contra a vida e nega direitos humanos, e por isso é “a irracionalidade do racionalizado, que é, por sua parte, a ineficiência da eficiência”.50 A eficiência e a racionalidade econômica se lhes consideram os aportes da competitividade, e ambas são transformadas nos valores supremos. Esta competitividade exclui da consciência o sentido da realidade, pois provoca que se perceba como “realidade virtual”. O milho ou o trigo são produzidos se forem competitivos, não porque alimentam; uma peça de roupa não se fabrica, embora aqueça e dê abrigo, se sua produção não é competitiva. Com esta realidade virtual, segundo o qual tudo tem seu critério na competitividade, desaparece o valor de uso das coisas. Não obstante, isto se estende a todas as facetas da vida, incluindo aquelas relacionadas com o jurídico e os direitos humanos. Uma cultura humana que não produz competitividade tem que desaparecer, e sua desaparição poderá ser interpretada como um devir natural dos acontecimentos e pelo “exercício da liberdade” de seus membros que optaram por deixar de utilizar, por exemplo, sua língua (é mais competitivo falar inglês que ñañú, por exemplo); ou, igualmente desde este critério, se tem de considerar que as transformações sociais que não aumentem a competitividade não devem realizar-se. O domínio da competitividade não admite ações frente aos efeitos destrutores que ela produz; e mais, impede sequer de vê-los. Significa a afirmação da Totalidade e a negação do Outro; o encobrimento do rosto da vítima, quem o é por sua própria responsabilidade, por não ser “competitivo”. Por isso um sujeito prático ou atuante não é suficiente. 48 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 523. 49 Cf. HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., pp. 19-23. 50 Idem., p. 23.
20 • Alejandro Rosillo Martínez Contrário à racionalidade meio-fim, Hinkelammert assinala que a vida do ator não pode ser um fim, dado que não pode ser tratada como um fim em competência com outros. Quem elege a morte, elege a dissolução de todos os fins possíveis. A vida é a possibilidade de ter fins e, no entanto, não é um fim. Por isso, se abordamos o ator como um ser vivo que se enfrenta em suas relações a suas relações meio-fim, então o miramos como sujeito. O ator, antes de ser ator, é sujeito humano; só se transforma em ator quando decidiu sobre o fim e calcula os meios, incluindo nestes sua própria atividade. A racionalidade reprodutiva é a própria do sujeito vivo. Para poder enfocar nesta racionalidade, devemos assumir o ator além das suas relações meio-fim; percebê-lo como sujeito e, portanto, não como um fim, mas como condição de possibilidade dos fins. O ser humano como sujeito vivo concebe fins e se refere ao conjunto de seus fins possíveis. Mas não pode realizar todos os fins que sob um cálculo meio-fim parecem possíveis; pelo menos deve excluir aqueles fins cuja realização atenta contra sua possibilidade de viver. Apesar de o sujeito determinar seus fins, não pode desconhecer a materialidade histórica, como assinala Ellacuría.51 Daí que o sujeito esteja “atado” ao circuito natural da vida humana que é condição de possibilidade de sua própria vida. O critério da vida ou morte se converte no critério em última instância. A racionalidade meio-fim perde legitimidade em cada caso no qual ele entre em contradição performativa com a racionalidade reprodutiva; aquela racionalidade é uma racionalidade subordinada à vida. A irracionalidade do racionalizado não é outra coisa que a evidência desta contradição performativa. Como assinala Hinkelammert, “[A] racionalidade meio-fim reduz a vida humana (e da natureza), o que evidencia seu caráter potencialmente irracional”.52 À racionalidade do sujeito vivo se enfrenta a pretensão de mostrar como racionais as ações que produzem morte. Hinkelammert denuncia a desorientação do mercado e do pensamento sobre ele em relação com a racionalidade reprodutiva. Frente ao critério do mercado todas as ações meio-fim são igualmente racionais, embora desde a racionalidade reprodutiva sejam destrutivas. Portanto, as atividades devastadoras da vida são promovidas pelo mercado assim como as atividades compatíveis: “Cortar o galhos de uma árvore sob a qual o ator se encontra sentado é tão racional como cortar qualquer outro”. Gera-se então uma tendência inevitável do mercado para a destruição em termos da racionalidade reprodutiva: trata-se da morte tanto dos seres humanos como da natureza: “Esta tendência destrutiva é a irracionalidade do racionalizado”.53 51 Cf. ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la realidad histórica, op. cit., pp. 55 y ss. 52 HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., p. 49. 53 Idem., p. 53.
Cadernos IHU ideias • 21 Agora, esta tendência à destruição não é necessariamente a finalidade de nada, e sim que resulta da própria racionalidade meio-fim e por constituir-se em uma totalidade. O sistema coordenador da divisão social do trabalho – o mercado – a faz surgir. Poderá tratar-se de efeitos externos para a racionalidade meiofim, mas são indiscutivelmente internos para a vida e para a racionalidade reprodutiva. Não obstante, quando a racionalidade meio-fim pretende totalizar-se, a racionalidade reprodutiva não deixa de existir e segue fazendo-se presente. Esta racionalidade não é uma postura idealista, mas responde a uma exigência material, ao enfrentamento do ser humano com a materialidade da realidade histórica; portanto, se lhe assume para preservar a vida ou se lhe evita pra produzir a morte. Quando mais se nega esta racionalidade, aumentam as situações que impossibilitam a satisfação das necessidades, tais como o desemprego, a violência, o subdesenvolvimento, a pauperização, etc. Então, como assinala Hinkelammert, estas insatisfações se fazem sentir como exigências e protestos, mas ademais “donde não há protesto possível, como no caso da natureza destruída, a ausência da racionalidade reprodutiva se faz presente pela crise ambiental. (…) E donde o protesto social não é possível, a ausência da racionalidade se faz sentir nas crises da convivência, as migrações, a decomposição social, o crime e a corrupção”.54 Do anterior se desprende a relação sujeito vivo com o sujeito da práxis de libertação. A práxis que busca a libertação integral tem como momento material e objetivo a satisfação das necessidades das vítimas; a transformação do sistema e a geração de uma nova institucionalidade devem ter como objetivo possibilitar a vida e evitar a morte.55 A tomada de consciência da vítima para gerar uma comunidade e constituir-se em uma subjetividade emergente que gera “novos direitos” tem como momento inicial o enfrentamento ante a morte. Se o aprendizado da razão meio-fim é descrito como uma aprendizagem de prova e erro, em troca a aprendizagem da racionalidade produtiva é diferente. Assinala Hinkelammert que é uma aprendizagem que se enfrenta a morte para evitá-la; busca evitar a derrubada de todos os fins com a morte. Persegue-se afirmar a vida e então o esforço de evitar aquilo que ameaça; trata-se de uma aprendizagem negativa. A práxis da libertação surge, neste contexto, como consequência da experiência, por parte das vítimas, das distorções que o mercado produz na vida e na natureza. Ademais, a afirmação da vida não é um fim, mas um projeto: o de conservar-se como sujeito que pode ter fins. É assim como se gera uma consciência geradora 54 Idem., p. 57. 55 HINKELAMMERT, Franz, Crítica de la razón utópica, op. cit., p. 338.
22 • Alejandro Rosillo Martínez de práxis de libertação: “Trata-se de conservar a vida do ator, e não de realizar algum fim positivo mediante uma gama de alternativas da ação por provar. Esta aprendizagem na lógica da racionalidade reprodutiva se refere a um futuro desconhecido com a possibilidade do fracasso. Daí que os valores implícitos desta aprendizagem são diferentes: de solidariedade; de respeito à vida própria e a de outros, incluindo a própria natureza; de cuidado e sabedoria. São valores que relativizam a racionalidade meio-fim e a transformam em racionalidade secundária. Sua relativização é, assim mesmo, questão de vida e morte”.56 Apesar de a comunidade de vítimas tomar consciência e se organizar, gerando um consenso para guiar sua práxis (princípio formal), este deve ter como projeto – e por sua vez como limite – o desenvolvimento da vida (princípio material). O sujeito tem um horizonte objetivo que é de vida e morte.57 Se não contasse com esse horizonte não seria um sujeito vivo; poderia em troca pretender ser um ator da racionalidade meio-fim que não tem como limite a vida e chega a gerar, como temos visto, o suicídio. Ficar unicamente com o critério da produção da vida, do sujeito vivo, como fundamento de direitos humanos correria o risco, entre outros, de terminar defendendo um individualismo justificador de um egoísmo que afirmasse um imperativo “salve-se quem puder” ou “viva quem pode viver”. Por isso é necessário completar este fundamento com o fundamento da alteridade e da práxis de libertação. Nesse sentido, Hinkelammert assinala que “[o] querer-se salvar não é suficiente, se bem é condição necessária. A partir desta situação, toda relação humana tem que ser reenfocada. Não há saída, exceto por um reconhecimento mútuo entre sujeitos que, a partir deste reconhecimento, submetem todo o circuito meio-fim à satisfação de suas necessidades. Caso parte-se deste reconhecimento, é necessária uma solidariedade que só é possível se este a sustenta”.58 O sujeito se faz sujeito pela afirmação da sua vida, mas esta subjetividade se complementa com a afirmação da vida do outro. O outro aparece com claridade nas crises dos sistemas que causam morte: “Surge assim no e ante os sistemas, nos diagramas do Poder, nos lugares standard de enunciação, de imediato, por ditas situações críticas, o Outro que o sistema, o rosto do oprimido ou excluído, a vítima não intencional como efeito da lógica performativa do todo formal racionalizado, mostrando sua irracionalidade desde a vida negada da vítima”.59
56 HINKELAMMERT, Franz, El sujeto y la ley, op. cit., p. 66-67. 57 Cf. Idem., p. 70. 58 Idem, pp. 68-69. 59 DUSSEL, Enrique, Ética de la liberación, op. cit., p. 523.
Cadernos IHU ideias • 23
PARTE II Compreensão complexa dos Direitos Humanos
1. Introdução A fundamentação dos direitos humanos tem estreita relação com a práxis que se gera. Na realidade, se dá um tipo de círculo hermenêutico donde a fundamentação explica à práxis e, a sua vez, lhe guia e inspira. Em outras palavras, se a FL deseja assumir uma tarefa clássica da filosofia dos direitos humanos como é a construção de uma definição, esta não deve desenvolver-se desde um logos a-histórico e abstrato, mas desde um logos histórico. Isto comporta diversas implicações, entre elas a compreensão complexa dos direitos humanos. Na segunda parte deste texto, buscaremos traçar uma compreensão complexa dos Direitos Humanos, diferenciandolhe das compreensões simplificadoras que normalmente caracterizam as correntes hegemônicas do pensamento jurídico. Com efeito, não pretendemos abordar este tema desde o clássico debate entre jusnaturalismo e juspositivismo, mas desde o debate entre um paradigma de simplificação e um paradigma de complexidade. Cremos que esta segunda opção é mais radical, pois afinal de contas grande parte das escolas jurídicas dominantes se inscrevem no paradigma da simplicidade, e sua maneira de compreender direitos humanos terminam cerceando a realidade e a práxis histórica de libertação; por isso, ambas são construções idealistas de direitos humanos apesar de entre elas existirem diversos pontos de oposição. Direitos humanos devem compreender-se desde uma perspectiva que permita serem ferramentas de libertação dos povos e sujeito que se encontram nas periferias. Neste sentido, uma tarefa importante da FL se refere ao âmbito do conhecimento, pois, como assinala Santos, “construir uma concepção de direitos humanos pós-imperial intercultural é primeiramente e antes de tudo uma tarefa epistemológica”.60 Neste contexto é que abordaremos a questão da compreensão complexa dos direitos humanos. 2. Pensamento simplificador vs. pensamento complexo Desde a FL, a compreensão dos direitos humanos não reside primariamente no debate entre o jusnaturalismo e o juspositivismo, e sim é mais radical. Logo, tem a ver com assumir uma compreensão complexa em oposição a uma compreensão simplificadora. Isto significa não só a construção de uma definição, 60 SANTOS, Boaventura de Sousa, Sociología jurídica crítica, op. cit., p. 533.
24 • Alejandro Rosillo Martínez mas a adoção de uma forma de conhecimento. Em outros espaços, temos comentado alguns pressupostos epistemológicos da FL que se referem ao logos histórico.61 Um logos que tem como lugar epistemológico a perspectiva do vitimizado, oprimido e explorado, e que realiza uma síntese entre a necessidade de compreensão e de transformação da realidade histórica. Dito logos histórico em relação com a compreensão de direitos humanos nos leva a assumir sua complexidade em função das implicações que tem na realidade histórica e na práxis de libertação. Se a ideia de uma compreensão complexa em oposição a uma compreensão simplificadora a tomamos de Edgar Morin, cremos que no geral coincide com as implicações e consequências de assumir os fundamentos da FL no conhecimento de direitos humanos.62 A partir do sujeito vivo, do sujeito da práxis e do sujeito intersubjetivo não se pode compreender direitos humanos, nem defini-los ou conceituá-los, desde uma epistemologia que conduza à simplificação. Não obstante, as filosofias dominantes do direito se inscrevem na epistemologia hegemônica do Ocidente, que busca ideias claras e distintas, como bem descreve Morin: “Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, redução e abstração, cujo conjunto constitui o que chamo de ‘paradigma da simplificação’. Descartes formulou esse paradigma mestre do Ocidente, desarticulando ao sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa extensa (res extensa), ou seja, filosofia e ciência, e postulando como princípio de verdade as ideias ‘claras e distintas’, vale dizer, ao pensamento disjuntor mesmo.”63
Neste contexto, para Morin, “é complexo aquilo que não pode resumir-se em uma palavra mestre, aquilo que não pode reverter-se em uma lei, aquilo que não pode reduzir-se a uma ideia simples”.64 Daí que se fale de uma oposição entre um pensamento simplificador e um pensamento complexo. Por um lado, o pensamento simplificador busca isolar o que o separa e oculta tudo o que religa e interatua. Mediante processos de abstração e idealização, se reduz a complexidade à realidade, simplificando-lhe para poder abarcá-la e compreendê-la. Desde este paradigma se ordena, hierarquiza e conceitua como meios para chegar, supostamente, à realidade. São processos 61 Cf. ROSILLO MARTÍNEZ, Alejandro, Praxis de liberación y derechos humanos, UASLP-CEDH, San Luis Potosí, 2008. 62 Por exemplo, tanto Morin como Ellacuría criticam as posturas idealistas do conhecimento que desconhecem a materialidade da história. Cf. ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la realidad histórica, op. cit.; MORIN, Edgar, El paradigma perdido. Ensayo de bioantropología, Trad. Domènec Bergadè, Kairós, Barcelona, 2005. 63 MORIN, Edgar, Introducción al pensamiento complejo, Trad. Marcelo Pakman, Gedisa, Barcelona, 2005, p. 64 Idem., p. 21.
Cadernos IHU ideias • 25 úteis para desenvolver o conhecimento, mas se desconhece o que se elimina, e o que se acrescenta, se absolutiza. Ao isolar os objetos de seus ambientes, o pensamento simplificante é mutilador. Na realidade, é um pensamento que não corresponde com a práxis histórica de libertação dos povos, pois um pensamento que mutila conduz irremediavelmente a ações mutiladoras, a uma práxis débil e incompleta. Mas também pode gerar práxis de morte que se veem justificadas por esse mesmo pensamento simplificante, pois o uso das ideias como ocultamento da realidade é uma de suas consequências: “A patologia da ideia está no idealismo, onde a ideia oculta a realidade que tem por missão traduzir, e se toma como única realidade”.65 O pensamento simplificante não é capaz de conceber o uno e o múltiplo; suas opções se reduzem a unificar abstratamente anulando a diversidade ou, pelo contrário, justapondo a diversidade sem conceber a unidade. Por isso, assinala Morin, “haveria que substituir ao paradigma da disjunção/redução/unidimensinalização por um paradigma de distinção/conjunção que permita distinguir sem desarticular, associa sem identificar ou reduzir”.66 Por sua parte, o pensamento complexo busca prestar contas das articulações entre domínios disciplinários quebrados pelo pensamento desagregador, que é um dos principais aspectos do pensamento simplificador; intenta, pois, gerar um conhecimento multidimensional. 3. Pensamento simplificador de direitos humanos O pensamento jurídico hegemônico, como temos insistido, se inscreve no paradigma da simplificação. Durante a Modernidade, o pensamento simplificador, ao ser um dos pilares da regulação, negou a diversidade da juridicidade, na busca de segurança e ordem que pretende outorgar à dogmática e à lógicaformal cartesiana. Esta simplificação da vida jurídica tem importantes consequências no pensamento relativo aos direitos humanos (etnocentrismo, idealismo, negação da histórica, etc.), mas falando especificamente de sua compreensão, o intento do pensamento jurídico de gerar um conceito ou uma definição expressada em uma “ideia distinta”, mais que uma melhor proteção à dignidade do ser humano, traz como consequência uma mutilação da realidade e desconhece a materialidade da práxis histórica. Encerra estes direitos em um idealismo que desconhece diversas parcelas da realidade e, portanto, impõe a ideia por cima dos fatos. Fariñas expressa da seguinte maneira a simplificação que realiza o pensamento jurídico moderno:
65 Idem., p. 34. 66 Idem., p. 34.
26 • Alejandro Rosillo Martínez A racionalidade jurídica moderna, sobre a qual se assenta a construção teórica dos direitos humanos, está presidida pelo paradigma da ‘simplicidade’, na qual contribuiu, mediante o pressuposto epistemológico da reductio ad unum, para o ocultamento e a ‘hipersimplificação’ da pluralidade, a diversidade e a complexidade ontológicas das sociedades e dos processos sociais concretos. Segundo aquele, a única fonte dos direitos e obrigações se encontra na própria razão do indivíduo, o qual determina o valor universal do sistema jurídico moderno embasado na primazia do indivíduo, cuja consequência é a simplificação do Direito.67
Por outro lado, Sánchez Rubio assinala distintos planos onde se observam as consequências simplificadoras e desagregadoras do pensamento moderno68 no âmbito jurídico, a saber: a) Reduz-se o direito ao direito estatal, assumindo o monismo jurídico e ignorando outras expressões jurídicas não estatais (pluralismo jurídico). Neste sentido, como herança do positivismo do século XIX, se acredita que o direito é norma ou instituição, e se termina absolutizando a lei do Estado. Ademais, se reduz o saber jurídico à pura lógico-analítica, ignorando as conexões entre o jurídico, o ético e o político. b) Separa-se sem capacidade autocrítica o âmbito do público e do privado; o âmbito do jurídico e do político, das relações de poder e do ético; a prática e a teoria na matéria de direitos humanos; a dimensão pré-violatória da pós-violatória de direitos humanos. c) Abstrai-se o mundo jurídico do contexto sociocultural em que se encontra e pelo que está condicionado. Esvazia-se e se desloca o humano, o corporal, o físico, e se substitui o ser humano real por seres sem atributos e atributos descontextualizados. Nestas consequências do pensamento simplificador se mostram, é claro, enquanto a compreensão dos direitos humanos. Vejamos alguns casos. Um exemplo da imposição do paradigma da simplificação é a problematização que se leva a cabo em respeito ao uso do termo “direitos humanos”. Sem dúvida, este termo não é fácil de definir, nem tampouco é simples e claro, pois seu uso tem a ver com diversas parcelas da realidade humana. A pretensão do pensamento simples é assumir esta dificuldade como um aspecto negativo a eliminar, acusando os “direitos humanos” de ser um conceito ambíguo e manipulável. Por exemplo, Manuel Atienza assinala que “direitos humanos” é um termo: A) 67 FARIÑAS DULCE, José María, Los derechos humanos: desde la perspectiva sociológico-jurídica a la “actitud postmoderna”, Instituto Bartolomé de las Casas/ Dikinson, Madrid, 2006, p. 27. 68 Cf. SÁNCHEZ RUBIO, David, “Desafíos contemporáneos del derecho: diversidad, complejidad y derechos humanos” en Revista del Instituto de Investigaciones Jurídicas, No. 17, UASLP, San Luis Potosí, 2010, pp. 15 y ss.
Cadernos IHU ideias • 27 Ambíguo por apresentar-se entre o direito e a moral. B) Vago intencionalmente porque não é possível encontrar uma série de notas que definam todas as situações em que se fala de “direitos humanos”; e extensionalmente, porque não existe um acordo sobre a extensão do catálogo de direitos. C) Afetado “de uma carga emotiva tão poderosa que em muitas ocasiões (...) não tem significado descritivo algum. Utilizar a linguagem dos direitos humanos é, como todos sabemos e alguns põem em prática, um recurso tentado para tratar de justificar qualquer tipo de situação”.69 Ou seja, se assume a complexidade como algo negativo que se deve buscar eliminar a favor da claridade e da distinção, apesar de que isso signifique a mutilação da realidade; aqui se aplica a crítica que realiza Morin ao pensamento simplificador: “A complexidade não seria algo definível de maneira simples para tomar o lugar da simplicidade. A complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução”.70 Assumir a complexidade dos direitos humanos não significa uma solução ou uma palavra final sobre quais são os direitos humanos e definir seu exato conteúdo, pois sua compreensão tem que ser aberta à novidade da práxis histórica de libertação. Não se trata de crítica a qualquer ideia clara e distinta, mas somente àquelas que mutilam a realidade e desconhecem os processos reais da práxis histórica; e neste caso cremos que se encontram “direitos humanos”. A complexidade não conduz a eliminação da simplicidade, mas aparece quando o pensamento simplificado falha. O pensamento complexo deve integrar em si mesmo tudo aquilo que põe ordem, claridade, precisão e distinção no conhecimento. Na realidade, “há que estar sempre alerta e ser consciente de que se elimina e se acrescenta a realidade, sem anular sua riqueza, sem fragmentá-la nem perder a perspectiva contingente de sua totalidade e a localização que nela temos os seres”.71 A respeito, Morin explica: “Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas rechaçam as consequências mutilantes, reducionistas, unidimensionalizantes e finalmente cegadas de uma simplificação que se toma por reflexo daquilo que teve de real na realidade.”72
Os possíveis problemas gerados pela vagueza do conceito “direitos humanos”, por sua ambiguidade, ou por sua alta carga 69 Cf. ATIENZA, Manuel, Introducción al derecho, Barcanova, Barcelona, 1989, p. 171. 70 MORIN, Edgar, Introducción al pensamiento complejo, op. cit., p. 22. 71 SÁNCHEZ RUBIO, David, Contra una cultura anestesiada de derechos humanos, UASLP-CEDH, San Luis Potosí, 2007, p. 43. 72 MORIN, Edgar, Introducción al pensamiento complejo, op. cit., p. 22.
28 • Alejandro Rosillo Martínez emotiva não se solucionam através da mutilação da realidade e de desconhecer as práxis históricas de libertação dos povos. Devemos assumir a complexidade dos direitos humanos e aprender a conhecê-la; como disse Morin, não é questão de assumir a ambição do pensamento simples de controlar e dominar o real, mas de exercitar-se em um pensamento capaz de tratar, de dialogar, de negociar, com o real.73 Por exemplo, a ideologização dos direitos humanos não se deve exclusivamente à manipulação de sua alta “carga emotiva”, nem à sua “ambiguidade”, pois também uma ideia clara e distinta pode ter a mesma finalidade74; por isso, o pensamento complexo deve propor métodos capazes de revelar tais usos ideológicos. Em uma preocupação semelhante à de Atienza, podemos localizar a opinião de Francisco Laporta. Este autor assinala que detecta dois fenômenos com respeito ao conceito de direitos humanos. Por um lado, dá conta de um crescimento enquanto seu conteúdo, ao grau de que se fale de novas gerações; observa que daqueles direitos do cidadão se tem expandido o uso dos “direitos humanos” até incluir direitos com conteúdo econômico, relacionado com as novas tecnologias ou em função do cuidado do meio ambiente. Por outro lado, assinala a existência de um poderoso uso dos direitos humanos como últimos escalões nos sistemas jurídicos e morais que se conformam como exigências jurídicas, políticas e morais fundamentais, cujo conteúdo se torna inegociável. Frente a esta situação, afirma que “ambas as coisas tendem a ser incompatíveis. Parece-me razoável supor que quanto mais se multiplique a nômina dos direitos humanos menos força terá como exigência, e quanto mais força moral ou jurídica se lhes suponha, mais limitada há de ser a lista de direitos que a justifiquem adequadamente”.75 O autor busca superar este suposto paradoxo ao realizar “uma indagação conceitual suficientemente rigorosa”, a que realiza através da análise dos caracteres que considera se predicam usualmente aos direitos humanos: universais, absolutos e inalienáveis. A postura de Laporta é um exemplo de que certos jusnaturalismos se localizam no pensamento simplificador. Podemos assinalar que seu artigo em comentário contém importantes tra73 Ibidem. 74 Como apontado por Joaquín Herrera, o pensamento abstrato de direitos humanos faz com que “o conhecimento seja relegado a uma casta que sabe o que é universal ou que define os limites do particular”. (HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos” en Joaquín Herrera (Ed.), El vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica de la razón liberal, Desclée de Brouwer, Bilbao, 2000 p. 70). 75 LAPORTA, Francisco, “Sobre el concepto de derechos humanos” en Doxa, no. 4, 1987, p. 23.
Cadernos IHU ideias • 29 ços desta corrente, como o seguinte: “[...] se admitimos o traço de universalidade então temos que sacar os direitos humanos fora do âmbito do sistema jurídico positivo. Porque, na realidade, não falamos de direitos que uns têm e outros não têm em função do sistema jurídico em que vivam”.76 Na realidade, apesar de o autor não realizar a simplificação dos direitos humanos própria do positivismo – ou seja, através do monismo jurídico –, sua contradição mais radical deriva de que reconhece a complexidade dos direitos humanos, mas a assume como um problema que intenta resolver através da simplificação. Ou seja, reconhece a complexidade histórica e práxica dos direitos humanos, por exemplo, quando afirma que é uma categoria linguística complexa77, mas anula esta complexidade ao mutilar a realidade e reduzir direitos humanos ao cânone liberal e eurocêntrico, e predicá-los como universais, absolutos e inalienáveis desde essa compreensão. Neste sentido, concebe a universalidade desde uma postura clássica do pensamento simplificador, que a constrói em referência ao sujeito abstrato, alheio a seu contexto, de sua práxis, de sua intersubjetividade e das suas condições concretas de acesso aos bens para produzir e reproduzir sua vida. Se Laporta vê como incompatíveis o aumento do conteúdo dos direitos humanos com sua força moral e política é porque, ao intentar simplificá-los, os nega como produtos da práxis histórica da libertação. Quando fala da inalienabilidade dos direitos humanos desconhece a intersubjetividade, reduzindo o sujeito ao indivíduo abstrato, e por isso contorna a práxis e as lutas dos povos por lograr que os direitos sejam meio para a satisfação das suas necessidades de vida. As afirmações deste autor fazem pensar que os direitos humanos são entidades alheias à história, construídas abstratamente por uma razão privilegiada e que pouco ou nada tem a ver com a práxis de libertação. Nesse sentido, afirma: “Os direitos humanos, como (…) são ‘inalienáveis’, se lhes adscreve ao indivíduo à margem de seu consentimento, ou contra ele, e se imuniza moralmente inclusive frente à sua própria vontade. Isso quer dizer que esses ‘bens’ cuja importância é tal que subministram razões suficientes para uma proteção normativa tão relevante que lhe são atribuídos a cada um ineludivelmente. E isso abona minha suspeita de que ampliar mais e mais os catálogos de direitos humanos é incompatível com a maioria dos traços que se predicam deles.”78
76 Idem., p. 32. 77 Cf. Idem., p. 32. 78 Idem., p. 44.
30 • Alejandro Rosillo Martínez A preocupação da ampliação do catálogo de direitos humanos é própria do pensamento simplificante, pois ignora que essa “ampliação” é consequência da complexidade do real. Estabelecer um catálogo restritivo dos direitos humanos é, por geral, produto de um pensamento idealista e simplificante, que desconhece os “novos direitos” que produz constantemente o sujeito vivo, práxico e intersubjetivo79; de um pensamento hegemônico que tem temor à novidade histórica; de um pensamento que, em busca de segurança e ordem, opta por cercear a realidade e desconhecer os diversos reclamos e práxis que geram os povos a quem se lhes negam o acesso aos bens para a produção e reprodução de sua vida. Este acesso não está em função da amplitude do catálogo de direitos, mas sim de que esses direitos respondam efetivamente às suas lutas de libertação.80 Poderíamos dar mais exemplos de posturas simplificantes na visão dos direitos humanos, mas cremos que as anteriores bastam. As visões simples de direitos humanos funcionam finalmente como padrão de medida e de exclusão; sempre haverá algo ou alguém que ficará marginalizado da análise e da prática por não responder a esse padrão. Tanto as posturas jusnaturalistas como as juspositivistas são excludentes e simplistas, seja porque colocam os direitos humanos em um plano de abstração alheio à história e às práxis concretas de libertação, ou porque reduzem o direito às normas criadas pelo estado, negando a capacidade criadora de juridicidade das pessoas e dos povos. Na realidade, a compreensão complexa evita tanto a naturalização como a estatização, como bem assinala Herrera Flores: 79 De fato, em resposta a seus críticos, Laporta disse: “O que eu não tenho tanta certeza assim é se é necessário ‘novos’ direitos humanos para lidar com essas realidades”. (LAPORTA, Francisco, “Respuesta a Pérez Luño, Atienza y Ruiz Manero” en Doxa, no. 4, 1987, p. 74). 80 Nós poderíamos classificar de idealista a postura de Laporta quando ele diz: “Supondo que os direitos humanos são direitos morais e não podem ser outra coisa, meu argumento é hipotético: Se você mantém que os direitos humanos são direitos universais, direitos moralmente fortes e direitos inalienável, então não podemos pensar que a sua folha de pagamento está constantemente a aumentar com o ritmo dos tempos, e, em particular, não podemos nos dar ao luxo de assumir que se reproduzem em ‘gerações’ com certa rapidez sem por gravemente em questão que são direitos fortes e para todos sem exceção. Pelo menos, não consigo pensar em um mundo pobre e superpovoado como o nosso. Os direitos humanos, nesse caso, devem ser poucos para muitos e não muitos para poucos e a teoria da “gerações” desemboca com certeza nessa segunda possibilidade” (LAPORTA, Francisco, “Respuesta a Pérez Luño, Atienza y Ruiz Manero”, op. cit., p. 74). O acesso limitado a bens para a produção de acesso a vida não está no âmbito do catálogo de direitos, mas em grande parte das estruturas neocoloniais que apoiam a atual fase do capitalismo global. Neste contexto, os direitos humanos devem basear-se, como já enfatizado, nos processos de libertação do povo dessas estruturas opressivas. Além disso, você corre o risco de que esses poucos direitos que está falando Laporta sejam os direitos individuais do liberalismo eurocêntrico.
Cadernos IHU ideias • 31 Esta perspectiva deve sempre estar atenta contra os perigos de uma interpretação que naturalize o fenômeno a estudar separando-lhe de sua história, o que lhe estatize eliminando as dimensões políticas ou ideológicas do mesmo, as quais deverão ser implícita o explicitamente recusadas, mas nunca abolidas. O discurso teórico estatizado e naturalizado configurará uma imagem extra-histórica do fenômeno, situando-lhe aparentemente na margem dos conflitos e das diferentes posições de poder.81
Por outro lado, não basta assinalar que os direitos humanos têm uma dimensão axiológica, pois se corre o risco de seguir simplificando. O problema dos valores não é uma questão meramente teórica, mas que tem que localizar-se, ademais, no campo da luta ideológica e dos sistemas políticos. O sujeito de direitos humanos também é submetido à simplificação. A “subjetividade” do pensamento jurídico hegemônico tem sido a do sujeito abstrato, que não assume cabalmente o sujeito intersubjetivo, o sujeito vivo nem o sujeito da práxis, que temos referido ao analisar o fundamento de direitos humanos. Em diversas doutrinas jusfilosóficas tão alheias em outras coisas82, o “subjetivo” não é em referência o sujeito como ser corporal – que requer bens para produzir e reproduzir sua vida, que se constrói junto com outros, e que com sua práxis responde ao poder do real –, mas que se “predica dos devaneios, preferências, desejos, enfim, do âmbito de uma fantasia que se assume como irrealidade”.83 Por isso, ao final do caminho, emerge nestas teorias um sujeito abstrato que faz eleições irreais, embora as mesmas teorias construam estes sujeitos abstratos partindo do suposto de que os sujeitos corporais não podem realizá-las através de um juízo racional. Desde o paradigma da simplicidade, a práxis do sujeito corporal, real e concreto para produzir e reproduzir a sua vida é declarada irracional, e se nega sua supremacia crítica a partir da qual se deveriam verificar direitos humanos e o direito geral. Reduz-se a pessoa a um centro de imputação de direito e deveres; 81 HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 48. 82 São os casos paradigmáticos de Hans Kelsen e John Rawls. Por exemplo, o primeiro se pergunta em que consiste a situação objetiva que a teoria tradicional caracteriza dizendo que a ordem jurídica confere ao homem, ou a alguns homens, a personalidade jurídica, ou seja, a qualidade da pessoa. (KELSEN, Hans, Teoría pura del derecho, Trad. Eduardo García Máynez, Editora Nacional, México, 1965, pp. 182-183). Entretanto, sabe-se a hipótese de trabalho de John Rawls, que remove o contexto ea identidade da pessoa como sujeito de justiça e direitos (RAWLS, John, Teoría de la justicia, Trad. María Dolores González, FCE, México, 2002, p. 25). 83 SOLÓRZANO, Norman, Marcos categoriales del pensamiento jurídico moderno” en Jesús Antonio de la Torre Rangel (Coord.), Derecho alternativo y crítica jurídica, UAA-ITESO-Porrúa, México, 2002, p. 118.
32 • Alejandro Rosillo Martínez então os direitos não postulam referências a algum sujeito vivo, nem de sua práxis na realidade histórica, mas se cai em um solipsismo normativo, onde a norma é só aquela definida pela mesma norma. O sujeito corporal desaparece porque sua práxis é complexa, e a abstração requer simplificá-lo, seja através de uma norma ou de uma hipótese baseada em um “véu de ignorância”. O pensamento abstrato mutila a pessoa, ao deixá-la só referida a norma e definida pela norma mesma. Como faz notar Solórzano, o pensamento jurídico deste tipo termina comportando-se de maneira semelhante à teoria econômica neoliberal na análise que dela faz Hinkelammert.84 Esta abstração do sujeito de direito leva as posturas positivistas a cair, como assinalamos, em um solipsismo normativo. Tudo se pensa desde as normas, desde dentro do sistema, e o sujeito é só um elemento mais criado por alguma norma: a disposição que o faz centro de imputação de direitos e obrigações. Neste sentido, estas teorias jurídicas vinculadas ao solipsismo normativo não logram explicar, pois não têm espaço para isso, fenômenos constitutivos da complexidade de direitos humanos: a luta social, a resistência à lei para aceder a bens que a sua vez cumprem com a satisfação do que se predica como direitos humanos, a emergência dos novos sujeitos sociais, as tramas sociais e a distribuição de poder, etc. Assim, por exemplo, as práxis de libertação dos povos oprimidos costumam colocar um especial interesse nos chamados direitos sociais, econômicos e culturais; pois bem, como faz nota Joaquín Herrera, esses tipos de direitos costumam ser relegados pelo pensamento simplificador, pelo fato de não serem “puros”.85 Daí que as práticas populares para fazer-se dos bens relacionados com este tipo de direitos evitados pelo pensamento jurídico hegemônico, por considerar-lhes fora do jurídico, e mais bem realidades políticas ou econômicas. Assim, estas posturas negam a complexidade do real onde atua o verdadeiro sujeito, o sujeito corporal.86 Mas não só o pensamento jurídico expressado no jusnaturalismo ou juspositivismo comporta simplificar os direitos humanos. Por outro lado, Joaquín Herrera assinala que no mundo contemporâneo a polêmica dos direitos humanos se centrou em duas visões, duas racionalidades e duas práticas: a visão abstrata e a visão localista. Apesar de que esta classificação é limitada – pois a discussão sobre os direitos humanos pode ser motivo de outras classificações –, serve este autor para defender a necessidade de uma compreensão complexa de direitos huma84 Cf. HINKELAMMERT, Franz, Yo soy, si tú eres. El sujeto de los derechos humanos, Centro de Estudios Ecuménicos-Dríada, México, 2010. 85 Cf. HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 30. 86 FARIÑAS DULCE, José María, Los derechos humanos, op. cit., p. 32.
Cadernos IHU ideias • 33 nos. Assinala que a primeira visão se encontra vazia de conteúdos e referências às circunstâncias reais das pessoas e centrada em torno da concepção ocidental do direito e do valor da identidade, enquanto na segunda predomina o próprio por cima dos demais, centrando-se em uma ideia particular de cultura e valorizando a diferença; o problema surge quando cada uma destas visões se defende por seu lado e tende a considerar inferior ou a desdenhar o que a outra propõe.87 Finalmente, ambas as posturas desconhecem parcelas da realidade que devem considerar nas lutas de libertação dos povos. Uma visão complexa pretende assumir a racionalidade do sujeito vivo, que ao ser vítima de um sistema, exerce uma prática de libertação. Por isso, como assinala Herrera, com esta visão se pretende “superar a polêmica entre o pretendido universalismo dos direitos e a aparente particularidade das culturas”.88 E isto porque ambas as posturas terminam ontologizando e dogmatizando seus pontos de vista e não relacionam seus postulados e propostas com os contextos reais. Afinal, conduzem a posturas idealistas, que negam de uma ou outra forma a materialidade da história. Seja excluindo da história aos direitos humanos, ou inserindo-os em uma concepção idealista ou estática desta. Frente à hegemonia de um pensamento simplificante de direitos humanos, seja em sua perspectiva jusnaturalista ou juspositivista, universalista ou culturalista, a FL deve optar por construir uma compreensão complexa de direitos humanos. Porém não só como um mero exercício intelectual, mas por responder efetivamente a perspectiva das vítimas e para que direitos humanos signifique uma ferramenta de libertação. 4. Recuperação da complexidade dos direitos humanos Diversos autores relacionados com os processos emancipatórios de povos ou sujeitos oprimidos pelas atuais estruturas da globalização capitalista, vinculados expressamente ou não ao pensamento da libertação, destacaram a importância de transcender de uma visão simplificadora dos direitos humanos para uma complexa.89 A práxis de libertação que tem efetuado diversos sujeitos nos últimos tempos mostra que o pensamento simplificante do direito não dá conta cabalmente da realidade. Por isso se viu obrigado a abrir-se à complexidade, a recuperar sua conexão 87 HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 68. 88 Ibidem. 89 SENENT, Juan Antonio, Problemas fundamentales de los derechos humanos…, op. cit., p. 29; SÁNCHEZ RUBIO, David, “Desafíos contemporáneos del derecho…”, op. cit., p. 19.
34 • Alejandro Rosillo Martínez com a realidade, e daí que Boaventura de Sousa Santos assinale que atualmente “o direito, que reduziu sua complexidade da vida jurídica à segurança da dogmática, redescobre o mundo filosófico e sociológico em busca da prudência perdida”.90 Como temos dito, a FL opta por uma concepção ampla e não fragmentada da práxis, o que aplicado aos direitos humanos leva a recuperar essa complexidade perdida a que se refere o professor da Universidade de Coimbra. Uma visão complexa dos direitos humanos busca não mutilar o humano; parte do sujeito vivo e o mantém como seu ponto crítico. Não cai no solipsismo normativo, nem no formalismo, mas aborda direitos humanos desde as diversas parcelas da realidade histórica onde incidem. Isto porque são momentos da práxis de libertação dos seres humanos que se constituem como sujeito no encontro com outros sujeitos e com o mundo, em busca de produzir, reproduzir e desenvolver suas vidas. A compreensão complexa dos direitos humanos está em função de uma teoria crítica destes. Se entendemos por teoria crítica, entre outras coisas, “toda teoria que não reduz a ‘realidade’ ao que existe”91, então as visões simplificadoras dos direitos humanos não podem ter este caráter. Sua pretensão de eliminar com precisão e com claridade os direitos humanos implica pensar a realidade somente ao que existe. Ou seja, uma visão complexa está em função de abrir o pensamento para valorizar as alternativas ao dado empiricamente. Direitos humanos deve ser motivo, mais que de conformidade com um “sistema constitucional de direitos”, de incomodidade, de inconformismo e de indignação frente às realidades que devem ser transformadas e superadas. Optar por uma compreensão complexa de direitos humanos tem algumas implicações, se deseja servir para um pensamento crítico e de libertação.92 A seguir reflexionaremos brevemente sobre isso. 4.1. Construir a pluralidade cultural dos direitos humanos Uma compreensão complexa deve possibilitar superar o monoculturalismo e assumir o pluralismo cultural. Desde os critérios da práxis, a intersubjetividade e a vida, a FL pode construir esta pluriversalidade de direitos humanos; a visão complexa deve permitir o encontro com o outro, e construir seu conceito desde essa abertura. Por isso, deve ser uma visão capaz de compreender os diversos processos de cada cultura que vão 90 SANTOS, Boaventura de Sousa, Una epistemología del sur, Siglo XXI-Clacso, México, 2009, p. 48. 91 SANTOS, Boaventura de, Crítica de la razón indolente. Contra el desperdicio de la experiencia, Desclée de Brouwer, Bilbao, 2000, p. 23. 92 Parte destas implicações foram tomadas da considerações que Boaventura de Sousa Santos realiza sobre a teoria crítica (SANTOS, Boaventura de, Crítica de la razón indolente, op. cit., pp. 31 y ss.).
Cadernos IHU ideias • 35 encaminhados a potencializar a práxis humana com o fim de estabelecer as condições para produção e reprodução da vida. O problema da pluriculturalidade e dos direitos humanos tem sido analisado desde diversas correntes do pensamento crítico. Santos estabelece certas premissas necessárias para um diálogo intercultural; são premissas que devem assumir uma concepção complexa93: a) Transcender o debate sobre o universalismo e o relativismo cultural: é um debate falso que prejudica o uso libertador dos direitos humanos. O universalismo deve ser superado por diálogos transculturais sobre preocupações isomórficas, e o relativismo deve ser superado desenvolvendo critérios procedimentais transculturais para distinguir a política progressista da conservadora, o apoderamento do desapoderamento, a emancipação da regulação. b) Todas as culturas possuem ideias sobre a dignidade humana, mas nem todas concebem como equivalente aos direitos humanos. c) Todas as culturas são incompletas e problemáticas em suas concepções da dignidade humana. d) Nenhuma cultura é monolítica e, portanto, dentro delas mesmas existem diversas versões da dignidade humana. Uma ideia que pode ser retomada pela FL para reflexão sobre a pluriculturalidade de direitos humanos é critério de riqueza humana expressada por Joaquín Herrera Flores. Este critério se refere à possibilidade de reação que toda pessoa possui frente ao entorno de relações em que se encontra, na busca de ter acesso aos bens propícios para uma vida digna. Para que direitos humanos sejam instrumentos através dos que se possa levar a cabo este critério, não se deve universalizar uma concepção deles ou manter que todas as visões e práticas são igualmente válidas. Ou seja, nem o universalismo nem o relativismo são próprios de um pensamento complexo; ambas as posturas simplificam a realidade histórica em que se desenvolvem direitos humanos. Em primeiro lugar, se devem considerar os direitos humanos como produtos culturais, e que não são, portanto, algo prévio à práxis histórica. Ambos, tanto direitos humanos como práxis, vão de mão na construção das condições sociais, culturais, econômicas e políticas que propiciam o desenvolvimento das capacidades humanas e o acesso aos bens adequados para eles. Por isso, se deve rechaçar qualquer universalismo que imponha a priori o conteúdo dos direitos, como se eles pretendessem ser o padrão de medida para uma humanidade perfeita. Em troca, devem ser vistos como produtos das lutas culturais, so93 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa, Sociología jurídica crítica, op. cit., pp. 517-518.
36 • Alejandro Rosillo Martínez ciais, econômicas e políticas que buscam a transformação das relações de poder para gerar um acesso igualitário aos bens para produção da vida. É necessário que a visão complexa dos direitos humanos esteja aberta à criatividade pluricultural; que possibilite que outros grupos humanos, outros coletivos e outras comunidades sejam capazes de criar seus próprios procedimentos e instituições sociojurídicas encaminhados à emancipação; que podem recriar direitos humanos para satisfazer suas necessidades de vida desde suas próprias circunstâncias e tramas sociais. Ou seja, que podem criar “outro conjunto de ficções e supostos, favoráveis agora, não só a uma classe social, a que triunfa com as revoluções burguesas, mas aos coletivos tradicionalmente marginalizados da ficção hegemônica: indígenas, imigrantes, mulheres...”.94 Mas a complexidade dos direitos humanos não significa fomentar o relativismo cultural ou culturalismo. Estas posturas correm os mesmo riscos que o universalismo, ao absolutizar uma perspectiva e simplificar a realidade a uma só visão. Esquecemse de que dentro da complexidade da realidade histórica, as culturas são incompletas, ademais que todas estão afetadas por condições materiais. Ou seja, o culturalismo conduz a um novo idealismo simplificador quando crê que tudo é cultura, passando por alto as relações que estão estritamente marcadas pela materialidade da história.95 Para que a visão complexa dos direitos humanos realmente assuma a pluralidade cultural do mundo, é necessário compreender que os processos culturais não fundam a realidade, mas que se encontram e são parte dela. O que a cultura outorga ao sujeito é um instrumental simbólico que permite à riqueza humana reagir frente determinada configuração e tramas sociais. Neste sentido, uma primeira aproximação a uma compreensão complexa os veria como “processos de abertura e consolidação da luta por diversas formas de entender a dignidade humana”.96 Assim, não se compreenderiam como “dados básicos do real” alheios aos processos históricos, mas que se colocaria ênfase em seu caráter processual. Rechaça-se então um conceito universal de dignidade humana, mas não em função de defender um relativismo ético. Antes se opta pela construção de uma “pluriversalidade”, como já se disse, onde desde a cultura ou desde cada encontro intercultural se geram processos de luta por instaurar condições materiais que tornem possível a produção e reprodução da vida. 94 HERRERA FLORES, Joaquín, Los derechos humanos como productos culturales. Crítica del humanismo abstracto, Catarata, Madrid, 2005, p. 208. 95 Idem., p. 128. 96 SÁNCHEZ RUBIO, David, “Desafíos contemporáneos del derecho…”, op. cit., p. 20.
Cadernos IHU ideias • 37 Apesar do critério de riqueza humana nos possibilitar compreender a capacidade do ser humano para constituir-se em sujeito da práxis, na luta por criar as condições que permitam a todo ser humano viver com dignidade, fica a dúvida do que entender por dignidade humana em um contexto de pluralismo cultural. A respeito Boaventura de Sousa Santos se faz a pergunta de por que há tantos princípios diferentes em torno da dignidade humana – todos com pretensão de serem únicos – e por que às vezes são contraditórios entre si. Chega à conclusão, como já mencionamos, de que “as culturas possuem ideias sobre a dignidade humana, mas não todas concebem a dignidade humana como equivalente aos direitos humanos. É, portanto, importante buscar preocupações isomórficas entre diferentes culturas”.97 Propõe então uma concepção mestiça de direitos humanos, que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza a si mesma como uma constelação de significados locais e mutuamente inteligíveis. Dita concepção mestiça de direitos humanos – que é parte de uma compreensão complexa destes – se gera pelo intercâmbio entre universos de significados diferentes. Os topoi são “lugares comuns retóricos amplamente estendidos de uma determinada cultura, autoevidentes, e que, portanto, não são objetos de debate. Funcionam como premissas para a argumentação, possibilitando desta maneira a reprodução e intercâmbio de argumento”.98 Para compreender os topoi forte de uma cultura à outra, Santos propõe uma hermenêutica diatópica. Esta se embasa na ideia de que os topoi de uma cultura são tão incompletos como a cultura mesma, sem importar o forte que sejam. Dentro da mesma cultura não é visível a incompletude dos topoi, pelo que o objetivo da hermenêutica diatópica é conscientizar da incompletude e iniciar o diálogo com outras culturas.99 Santos mostra como desenvolver a hermenêutica diatópica ao relacionar o conceito ocidental de direitos humanos com o dharma da cultura hindu, e a umma da cultura islâmica. Faz notar que os três topoi são incompletos e o diálogo entre si os enriquece. Os direitos humanos se mostram incompletos desde o dharma porque não logram estabelecer um vínculo entre a parte (o indivíduo) e o todo (a realidade); desde o umma, os direitos humanos estão infestados de uma simetria muito simplista e mecânica entre direitos e deveres, e por isso não é capaz de conceber direitos para as gerações futuras, para a natureza ou para os animais, pois eles não têm deveres. Em troca, desde os direitos humanos, o dharma é incompleto porque tende a olvidar que o sofrimento humano contém uma dimensão individual irredutível: as sociedades não sofrem, mas os indivíduos sim. 97 SANTOS, Boaventura de Sousa, Sociología jurídica crítica, op. cit., p. 517. 98 Idem., p. 518. 99 Cf. Idem., p. 518-525.
38 • Alejandro Rosillo Martínez Semelhante à proposta de Santos, encontramos a aplicação a este problema da hermenêutica analógica proposta por Mauricio Beuchot. A hermenêutica analógica é um intento de superar a distinção que se produz entre hermenêuticas de corte univocistas e equivocistas.100 As hermenêuticas univocistas são aquelas que sustentam que há uma só interpretação válida de um texto.101 As hermenêuticas equivocistas, ao contrário, sustentam que praticamente todas as interpretações são válidas. À diferença de ambas, uma hermenêutica analógica aceita mais de uma interpretação como válida, mas não todas; há um grupo delas, mas ordenadas segundo uma hierarquia, de modo que haja algumas interpretações melhores que outras, seguindo uma graduação nela que chega num ponto em que já não são adequadas ao texto em questão. Uma hermenêutica analógica tem como um dos seus efeitos evitar os inconvenientes de uma interpretação unívoca e de uma equívoca, para tirar proveitos de suas vantagens. Neste sentido, podemos afirmar que a hermenêutica analógica é um desenvolvimento do pensamento complexo. Da hermenêutica unívoca assume que não todas as interpretações podem ser verdadeiras; da hermenêutica equívoca toma a lição de que não só uma pode ser verdadeira. Tem que ser mais uma, mas não todas.102 Para colocar um limite à interpretação se utilizam critérios analógicos. Há um limite analógico para frear a extração de significado de um texto, para que não se volte à exploração descontrolada. Há limites sintáticos, semânticos e pragmáticos: o conhecimento do idioma, sua correlação com os significados e o estudo do contexto cultural do autor do texto. É necessário usar o diálogo com os outros membros da comunidade de intérpretes que nos rodeiam. A analogia exige o diálogo, pois se analogiza melhor de maneira comunitária. Em todo caso, o contexto do texto põe limites para a interpretação e evitar, assim, o equivocismo. Se a hermenêutica analógica trata de evitar o fechamento da univocidade, para permitir e reconhecer a pluralidade, tam100 Cf. BEUCHOT, Mauricio, Tratado de hermenéutica analógica. Hacia un nuevo modelo de la interpretación, UNAM-Ítaca, México, 2009, pp. 35 ss. 101 Considerando que, é claro, o texto na sua compreensão mais ampla. A noção de texto evoluiu dentro do campo de hermenêutica. Primeiro foi considerado como o texto escrito, e isso é importante, porque a maioria dos documentos são interpretados. Mas Gadamer expande a noção de texto à fala, conversa ou diálogo, já que se dá a escrita um texto fechado, a conversa é o texto mais aberto, não sabemos bem ao certo onde parar. Ricoeur acrescenta como texto a ação significativa, aí está o que pode ser interpretado por antropólogos, psicólogos, sociólogos, historiadores, advogados, etc. Assim, temos uma grande variedade de textos, que são objecto de interpretação e, portanto, da hermenêutica. (Cf. GRONDIN, Jean, Introducción a la hermenéutica, Trad. Ángela Ackermann, Herder, Barcelona, 1999). 102 Cf. BEUCHOT, Mauricio, Compendio de hermenéutica analógica, Torres Asociados, México, 2007, pp. 11-50.
Cadernos IHU ideias • 39 bém se trata de superar a postura equivocista, que termina facilmente no relativismo. Assinala Beuchot que a polissemia ou multivocidade pode ser equívoca ou analógica. A equívoca não tem redução nem limites; a analógica é uma pluralidade encurtada e limitada. É a que se deseja para a hermenêutica analógica. Na realidade, esta hermenêutica aplicada ao tema que nos ocupa nos conduz ao pluralismo cultural analógico, o qual privilegia a diferença e trata de proteger o mais possível a identidade das culturas. Mas isto não quer dizer que este pluralismo considere que as culturas são perfeitas; ao contrário, para evitar a equivocidade, estabelece limites analógicos, e, portanto, fomenta o diálogo e a convivência de culturas: “De cada cultura haverá elementos que alguma, algumas das demais ou todas as outras aceitam, outros elementos que toleram e outros que rechaçam”.103 Daqui se pode gerar um tipo de “universalidade” desde abaixo, que não seja a priori mas a posteriori, como produto de um diálogo e intercâmbio entre as culturas, em busca de superar suas “incompletudes”.104 A visão complexa dos direitos humanos deve ser capaz de assumir uma teoria da tradução, seja como hermenêutica diatópica ou como hermenêutica analógica, que parte do pressuposto que uma necessidade ou uma prática em uma cultura poder voltar-se compreensível e inteligível por outra cultura. Vale dizer, a FL deve dar suporte à epistemologia para que direitos humanos possam enriquecer-se com as práxis de libertação que se desenvolvem em cada cultura. Práxis que são, por serem históricas, finitas e completas, mas que formam parte da realidade histórica como totalidade. A FL assume que não existe cultura pura nem completa; toda cultura está constituída por muitas culturas e racionalidades. O que se busca através de uma compreensão complexa dos direitos humanos seria, então, não a imposição de um modelo monocultural de valores e da compreensão da dignidade humana, mas a geração de processos de luta que transformem as relações e as instituições sociais, culturais, políticas e econômicas buscando que cada ser humano consiga os bens necessários para a produção e reprodução da sua vida. Estes processos de mudança se veem enriquecidos pelo diálogo entre culturas. Como temos assinalado, nisto a FL assume a proposta de Sánchez Rubio de construir pluriversidade de controvérsia: “A pluriversidade de controvérsia se resolve buscando critérios de emancipação que nos permitam, em um processo contínuo aberto, itinerante e em trânsito, desde a experiência e os contextos da gente (particularismos tensionados de universalidade), principalmente daqueles que estão em 103 BEUCHOT, Mauricio, Multiculturalidad y derechos humanos, Siglo XXI-UNAM, México, 2005, p. 62. 104 Idem., pp. 65-66.
40 • Alejandro Rosillo Martínez condições subalternas, vulneráveis e vitimados, distinguir e diferenciar, por um lado, aquelas políticas de aberturas de humanização e, por outro lado, políticas de fechamento (tendo em conta as dinâmicas de inclusão desde a diferença e dinâmicas de exclusão e desumanização). Uma interculturalidade que não ignora as relações de poder e as pretensões de hegemonia de umas culturas ou grupos sobre outras/os em todos os níveis (epistemológicos, axiológicos, ideológicos). Em definitivo, espaços de capacitação aos seres humanos como que sujeitos plurais, mas sem cair em uma funcionalidade que consolida imaginários hegemônicos predefinidos e preestabelecidos (como podem ser os estabelecidos pelo Estado-nação, a lógica de capital e a cultura patriarcal)”.105
Seguindo o sentido destas reflexões, é até certo ponto fácil precatar-se que o pluralismo cultural assumido por uma compreensão complexa, que evita cair em um universalismo abstrato ou em um relativismo absolutista, se complementa com uma das principais características do logos histórico: a perspectiva da vítima. Ou seja, que os processos que podemos qualificar de direitos humanos devem potencializar as relações humanas emancipadoras-libertadoras e superar as relações reguladoras-opressoras. 4.2. Incluir a perspectiva da vítima A perspectiva da vítima é um dos temas fundamentais para o pensamento da libertação; neste momento queremos destacar que uma compreensão complexa deve assumir esta perspectiva, como bem assinala Herrera: “[A] visão complexa dos direitos aposta por situar-nos na periferia. Centro só há um. O que não coincide com ele é tachado pejorativamente de periferia. Periferias têm muitas. Na realidade tudo é periferia se aceitamos que não existe nada puro e que tudo está relacionado”.106 Ademais, esta perspectiva tem que assumir-se no atual contexto de globalização. Colocar os direitos humanos como elementos de direito internacional que se vai impondo aos diversos estados do mundo é uma visão simplista, que nem sempre corresponde à visão das vítimas. É necessário pensar direitos humanos na globalidade desde as lutas dos povos, desde a construção de alternativas sociopolíticas e econômicas desde abajo. Ou seja, parte da complexidade de direitos humanos é sua localização como elementos interculturais em um contexto de globalização ou mundialização.
105 SÁNCHEZ RUBIO, David, “Desafíos contemporáneos del derecho…”, op. cit., p. 21. 106 HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 69.
Cadernos IHU ideias • 41 Para Santos, o que chamamos de globalização consiste em séries de relações, coisas, e segundo mudam estas o faz também aquela. Globalização seria, então, “o processo pelo qual uma condição ou entidade local dada logra estender seu alcance por todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local alguma entidade ou condição social rival”.107 Desde esta perspectiva, o que se chama globalização no atual sistema-mundo é a globalização exitosa de um localismo. As globalizações podem distinguir-se em quatro modos, segundo sua produção: localismos globalizados, globalismos localizados, cosmopolitismo e herança comum da humanidade.108 Os primeiros modos abarcam a globalização hegemônica, pois surgem das forças do capitalismo global, e levam a cabo a integração global, seja por exclusão ou por inclusão. As outras duas formas são as globalizações contra-hegemônicas. O localismo globalizado consiste no processo pelo qual um fenômeno local é globalizado com êxito; pode ser a operação mundial das empresas transnacionais, a imposição do inglês como língua franca, a globalização da comida rápida ou das leis de propriedade industrial dos Estados Unidos. O globalismo localizado consiste no impacto específico das práticas e imperativos transnacionais nas condições locais; estas são desestruturadas e reestruturadas com o fim de responder àqueles. Como exemplo podemos citar os enclaves de livre comércio; a devastação florestal e os deterioramentos dos recursos naturais de países que estão submetidos ao pagamento de dívidas externas; o uso turístico dos tesouros históricos e lugares religiosos, das artes, os artesanatos e a vida selvagem; a transformação de uma agricultura para subsistência para uma orientada à exportação; etc. Neste contexto, assinala Boaventura, “a divisão internacional do globalismo assume o seguinte padrão: os países centrais se especializam nos localismos globalizados, enquanto aos países periféricos se impõem as alternativas dos globalismos localizados. O sistema mundial e, mais especificamente, o que nele é designado como globalização, é uma rede de globalismos localizados e localismos globalizados”.109 Por outro lado, no cosmopolitismo se compreendem as relações de poder e de interdependência de forma complexa, e se considera que as formas de dominação prevalentes não excluem a possibilidade de que os sujeitos subordinados – sejam estados, grupos sociais, etc. – se organizem transnacionalmente na defesa dos interesses percebidos como comuns e usem no seu proveito as possibilidades de interação transnacional cria107 SANTOS, Boaventura de Sousa, Una epistemología del sur, op. cit., p. 230. 108 Cf. Idem., pp. 231-232. 109 SANTOS, Boaventura de Sousa, La globalización del derecho. Los nuevos caminos de la regulación y la emancipación, Universidad Nacional de ColombiaILSA, Bogotá, 2002, p. 57.
42 • Alejandro Rosillo Martínez das pelo sistema mundial. “O cosmopolitismo não é nada mais que o estabelecimento de uma rede de lutas locais progressistas, com o fim de maximizar seu potencial emancipador in locu através de conexões translocais/locais”.110 Enquanto o patrimônio comum da humanidade – no uso livre da expressão tomada do direito internacional – se refere ao surgimento dos problemas que, por sua natureza, são tão globais como o globo mesmo, tais como aqueles relacionados com a possibilidade da permanência da vida humana na Terra (questões ambientais como a camada de ozônio, o aquecimento global, etc.). Santos observa que direitos humanos podem conceber-se como uma modalidade de localismo globalizado ou como uma modalidade de cosmopolitismo subalterno e insurgente. Aquela modalidade seria uma globalização desde arriba, enquanto esta seria desde abajo. Defendem-se que os direitos humanos como “universais” – desde um paradigma da simplicidade – tenderiam a funcionar como localismo globalizado, como uma forma de globalização desde arriba. Ao contrário, se deseja que funcionem como uma forma de globalização cosmopolita, contra-hegemônica, então deveria ser repensada desde a perspectiva das vítimas e da pluralidade cultural. Se a globalização dos direitos humanos se estuda como a expansão de uma única razão, desde as práticas jurídicas hegemônicas111, como são as instâncias internacionais promovidas pelos países do centro geopolítico, então se simplifica sua compreensão. Estudar o conteúdo dos instrumentos internacionais dos direitos humanos e os procedimentos regulamentados para as instâncias respectivas, sem dar conta de se seu uso e prática respondem a uma globalização hegemônica ou a uma globalização contra-hegemônica, é uma visão idealista e simplista. Ao revés, uma perspectiva complexa deve atender a maneira em que a “comunidade de vítimas” – por usar um termo de Dussel – utiliza os instrumentos e instâncias internacionais, e em geral o discurso de “direitos humanos”. Ou seja, a complexidade de direitos humanos deve evidenciar se a práxis histórica é de opressão ou de libertação, se funcionam como localismos globalizados ou como globalização cosmopolita, se são ferramentas para construir uma globalização desde arriba ou uma globalização desde abajo. Por isso, a compreensão complexa deve ser coerente com o incluir as práticas jurídicas populares, que buscam ampliar – e 110 Idem., p. 60. 111 De fato, como Santos percebe, o estudo do direito neste contexto domina a perspectiva da globalização “de cima” (SANTOS, Boaventura de Sousa y RODRÍGUEZ, Cesar A., “El derecho, la política y lo subalterno en la globalización contrahegemónica” en SANTOS, Boaventura de Sousa y RODRÍGUEZ, Cesar A. (Ed.), El derecho y la globalización desde abajo. Hacia una legalidad cosmopolita, Trad. Carlos F. Morales, Anthropos-Universidad Autónoma Metropolitana, Barcelona-México, 2007, p. 8).
Cadernos IHU ideias • 43 porque não também corrigir – o cânone hegemônico dos direitos humanos. É o que Santos assinala como legalidade cosmopolita subalterna, que é “uma forma de teoria e prática sociojurídica adequada para compreender e aprofundar a ação e o pensamento político encarnados pela globalização contra-hegemônica”.112 4.3. Contextualizar direitos humanos nos processos históricos Desde uma compreensão complexa, devemos contextualizar direitos humanos nos processos históricos; então não estariam compreendidos politicamente como entidades naturais ou direitos infinitos, mas como reações antagonistas frente a um determinado conjunto de relações sociais nascidas em uma precisa realidade histórica.113 Direitos humanos podem ser elementos de práxis de libertação ou práxis de opressão, ou seja, como produtos culturais surgem nos contextos concretos, donde se dão relações não neutrais. Em nossa realidade histórica, os processos de direitos humanos há que entendê-los “como processos levados à prática no marco das relações sociais impostas pelo capital – não os direitos humanos ‘em si mesmos considerados’ como dispersão humanista de uma natureza eterna e abstraída de suas condições sociais de existência. Por isso, sua história não pode ser entendida se unicamente vemos os diferentes textos nos que se têm intentado positivar”.114 Portanto, podem tender à regulação/ opressão ou à emancipação; no primeiro caso, mantém o status quo desde perspectivas de obstrução à mudança e à transformação social, enquanto no segundo caso geram uma interação dinâmica com o entorno e propiciam aberturas de mudanças e transformações. Como produtos culturais reguladores/opressores, direitos humanos tendem ao fechamento dos circuitos de “reação cultural”, ou seja, se voltam processos ideologizantes que impedem aos atores sociais a criação de produções culturais, bloqueando a possibilidade de intervir nos entornos das relações em que estão situados. Convertem-se também nos processos coloniais que impedem a interação com outros processos culturais num plano de igualdade econômica e negam a igual capacidade para fazer valer suas próprias convicções. E, ademais, se voltam processos totalitários ou processos democráticos débeis (meramente formais) em que os atores sociais não podem construir alternativas de ação social aos dominantes, nem modificar as estruturas políticas e econômicas hegemônicas. Por outro lado, como produtos culturais emancipadores, direitos humanos se 112 SANTOS, Boaventura de Sousa y RODRÍGUEZ, Cesar A., “El derecho, la política y lo subalterno en la globalización contrahegemónica”, op. cit., p. 10. 113 Cf. HERRERA FLORES, Joaquín, Los derechos humanos como productos culturales, op. cit., pp. 120 y ss. 114 Idem., pp. 143-144.
44 • Alejandro Rosillo Martínez constituem em processos em que todos os atores sociais podem reagir, criando produções culturais em função das tramas sociais em que estão situados. No lugar dos processos colonialistas, direitos humanos devem ser processos abertos à interação com outros processos culturais, criando espaços de diálogo baseados na igualdade de acesso a bens e na igual capacidade de fazer valer suas convicções. Por último, se geram como processos de “democracia substantiva e radical” em que os atores sociais podem construir alternativas de ação social e modificar as estruturas políticas e econômicas. Direitos humanos não são categorias ideais, mas que se vão criando e recriando segundo vai-se dando a construção social. Ao conhecê-los, desde uma visão complexa, é importante ter presente os contextos, as tramas sociais e os processos que lhes dão sustento. Ter em conta os atos, os sujeitos implicados e suas condições materiais de produção e reprodução da vida. Devem ser concebidos desde um pensamento que desvele os conflitos de interesses que se encontram por trás das ideologizações, e se tem de inserir nos contextos sociais, culturais e político em que se geram. O pensamento complexo é capaz de dialogar com uma realidade que nos mostra que frente a fatos novos, a novas formas de opressão, tem de se gerar novas formas de resistência. Supor que essas novas formas de resistência são alheias aos direitos humanos por temor a uma “ampliação indevida, vaga ou com grande carga sentimental”, significa favorecer uma maneira de encerrar o diálogo com a realidade, de favorecer processos de fechamento e deixar-se dominar pelo pensamento simplificador. Os processos geradores de “novos direitos” ficam excluídos dos direitos humanos se a estes os compreendemos como “identidades imaginárias e passivas”. Devem-se superar as abstrações que reduzem o ser humano a abstrações, despojadas de corpo, de necessidades e de carências. Tem que estar focadas no sujeito vivo, o de carne e osso. 4.4. Assumir a dimensão utópica dos direitos humanos Temos dito que um pensamento crítico não pode reduzir a realidade ao que existe, mas que deve refletir sobre as alternativas que podem abrir-se ao futuro. Se os direitos humanos assumem esta característica, então será mais fácil que se constituam nos processos de emancipação e não de regulação. Em consequência, a compreensão complexa compreende uma dimensão utópica: “Os direitos humanos figuram sempre como a utopia, como o horizonte utópico realizável, embora cometido a obstáculos que impedem constantemente sua plena satisfação”.115 Esta dimensão tem um caráter dialético, pois a denúncia das situações de violação de direitos humanos e a utopia se 115 HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 52.
Cadernos IHU ideias • 45 potenciam mutuamente. É necessário um horizonte utópico para que se dê a tomada de consciência de que algo pode ser superado; mas também se requer uma constatação de origem estrutural da negação dos direitos humanos (de sua privação e violação), para que dita tomada de consciência adquira a forma de um autêntico dinamismo da luta e da exigência real de bens. Por isso, “a denúncia sem utopia é, até certo ponto, cega, mas a utopia sem denúncia é praticamente inoperante, mais ainda, evita o compromisso real”.116 Por utópico entendemos o que pode ser pensado ou imaginado, sempre desejado, mas nunca realizado, que atravessa transversalmente as realizações ou concreções históricas específicas. Trata-se, como assinala Hinkelammert, do princípio de impossibilidade da ação humana que lhe descobre suas possibilidades.117 Daí que Ellacuría fale de uma permanente humanização, pois se trata de um horizonte que estabelece “o melhor dos possíveis”, mas como uma relação transversal entre a utopia e a realidade histórica. Não devemos falar de momentos cada vez mais próximos, de progressivas aproximações, a realização absoluta ou perfeita da utopia. Esta sempre deverá ser o motor que impulsiona a permanente humanização, pois do contrário é fácil cair em uma ilusão que oculte o que na realidade se faz: estabelecer uma ordem que uma vez instituída buscará sua perpetuação, e é quando os direitos humanos se convertem em um discurso de legitimação e já não de utopia. Daí que as concepções dos direitos humanos que dão prioridade ao formalismo institucional e sistemático, por cima da realidade histórica e das necessidades dos seres humanos, sejam estáticas e fechem a porta a qualquer dimensão utópico-transformadora que podem ter. A dimensão utópica está estreitamente relacionada com o sujeito vivo, da práxis e intersubjetivo que temos afirmado como fundamento dos direitos humanos. Podemos chamá-la, de certa forma, seguindo Santos, uma “subjetividade latino-americana” no seguinte sentido: “A subjetividade e a sociabilidade de Nuestra América são incômodas para o pensamento institucionalizado e legalista, mas são afins com o pensamento utopista. Por utopia entendo aquela exploração imaginativa de novos modos e estilos de capacidade e vontade de direitos humanos, e a confrontação imaginativa da necessidade de tudo o que existe – só porque existe – em prol de algo radicalmente 116 ELLACURÍA, Ignacio, “Historización de los derechos humanos desde los pueblos oprimidos y las mayorías populares”, op. cit., p. 438-439. 117 Cf. HINKELAMMERT, Franz, Crítica de la razón utópica, op. cit. Para aplicar este princípio ao horizonte utópico dos direitos humanos: Cf. SOLÓRZANO, Norman José, Crítica de la imaginación jurídica. Una mirada desde la epistemología y la historia al derecho moderno y su ciencia, Universidad Autónoma de San Luis Potosí, San Luis Potosí, 2007.
46 • Alejandro Rosillo Martínez melhor, pelo qual vale a pena lutar, algo que a humanidade merece plenamente.”118
Situar os direitos humanos em um horizonte utópico, no sentido mencionado, nos conduz a rechaçar toda classe de utopismo. Tanto aquele utopismo que facilmente conduz ao totalitarismo, seja estatal ou de mercado, cujas posturas podem refletir-se na afirmação estamos construindo o único mundo possível, ou em posturas antiutópicas (ou utopismo irreflexivo), que acusam as “utopias” ou os “grandes relatos” de querer construir paraísos na terra, mas na realidade constroem infernos. De forma semelhante, direitos humanos como ideais utópicos se constituem em princípios da práxis que queiram combater os discursos cínicos, os quais não constituem uma ideologização, mas que pretendem impor seus princípios como os únicos válidos; caso que se dá, por exemplo, na simplificação dos direitos sociais quando se afirma que estes são postulados do estado do direito que não os pode realizar, pois dependem da economia, a qual é o autêntico campo de batalha e, como em qualquer batalha, há perdedores, bem faria o estado em deixá-los fora de suas obrigações. Reivindicar o princípio da vida ou da solidariedade por cima do princípio da eficiência empresarial ou do mercado capitalista, dentro de um horizonte utópico, é uma maneira que os direitos humanos podem mostrar-se como momento intelectivo da práxis da libertação. Compreender os direitos humanos como ideais utópicos – como assinala Ellacuría – possibilita, então, que não se convertam no discurso hegemônico que impeça e anule o processo de libertação, mas ao contrário: que sejam momentos ideológicos que facilitem a construção das práticas sociais e históricas, de processos culturais abertos, que permitam ao ser humano viver com o máximo de dignidade.
Conclusão A partir dos conceitos e categorias da FL é possível construir um fundamento de direitos humanos baseado em três pilares: a alteridade, a práxis de libertação e a produção da vida. Esta fundamentação busca superar os riscos que corre o intento de fundamentação, tais como o dogmatismo, o pensamento débil, o reducionismo e o etnocentrismo. Sem negar a subjetivida118 SANTOS, Boaventura de Sousa, Una epistemología del sur, op. cit., p. 242. Isso não significa que a fundamentação que propusemos tem que ser restrita aos direitos humanos na América Latina, porque assim reduz Boaventura, “Nossa América deve desterritorializar e se tornar a metáfora para a luta que empreendem vítimas da globalização hegemônica em todos os lugares, seja Norte, Sul, Leste ou Oeste” (Idem., p. 255).
Cadernos IHU ideias • 47 de como elemento essencial dos direitos humanos, a FL abre a pluralidade cultural e as lutas históricas levadas a cabo pelos diversos povos oprimidos do planeta; por isso, se trata de um sujeito intersubjetivo, que desenvolve uma práxis de libertação para juridificar as necessidades e acessar os bens para a produção, reprodução e desenvolvimento da vida. Para a FL, direitos humanos devem ter o critério da vida ou morte como de última instância. A racionalidade meio-fim perde legitimidade em cada caso em que ela entra em contradição performativa com a racionalidade reprodutiva; aquela racionalidade é uma racionalidade subordinada à vida. A fundamentação proposta significa um retorno do sujeito; não do sujeito metafísico, mas do sujeito vivente, corporal, intersubjetivo e práxico, como um horizonte filosófico para uma crítica da globalização neoliberal. Logo, a práxis se realiza por uma comunidade de vítimas – que se constitui em um sujeito intersubjetivo – que busca, exercendo o direito para gerar direitos, subverter o sistema que lhe nega a satisfação de necessidades para a produção e reprodução da vida, e dar passo a um novo sistema. Por isso a práxis é um fato mais radical que o estado ou a “natureza humana” enquanto a busca de fundamentos de direitos humanos. Rechaça o dogmatismo, o etnocentrismo e o historicismo, mas defende a necessidade do sujeito; não do sujeito individual e abstrato da Modernidade hegemônica, mas o sujeito intersubjetivo que se constitui através da vontade de libertação das vítimas reunidas e organizadas em comunidade. Uma visão complexa de direitos humanos deve assumir o critério da vida.119 Isto nos possibilita abordar os direitos humanos desde distintas tradições culturais sem cair em um relativismo ético, pois, afinal de contas, os processos de libertação vão concretizando as aspirações naturais que a realidade possibilita em um momento dado. Ora, as necessidades não são equívocas (o que sim seriam as reivindicações, fundadas em um voluntarismo ou idealismo jurídico arbitrário), mas tampouco se consideram as necessidades como uma questão unívoca no ser humano (o que seria um materialismo vulgar ou uma metafísica não dinâmica), mas que as necessidades do povo são fundamentadas bioeticamente, e a estrutura dinâmica do ser humano permite certa pluralidade histórica delas e de seus meios de satisfação. Nesse sentido contrário, perder este critério conduz a uma visão simplificante que nos encadeia a uma só tradição cultural (a ocidental): “Quando se luta unicamente por direitos – e não pelo acesso aos bens necessários para uma vida digna –, já estamos lutando encerrados na jaula de ferro do liberalismo individualista dominante na concepção jurídica ocidental”.120 119 HERRERA FLORES, Joaquín, Los derechos humanos como productos culturales, op. cit., p. 250. 120 Idem., p. 251.
48 • Alejandro Rosillo Martínez Intentamos aproximar-nos, desde a fundamentação proposta e a complexidade, a uma conceptualização dos direitos humanos. Por suposto que não pretendemos dar uma definição acabada, o que seria incoerente com o que temos dito, mas buscamos esboçar uma aproximação aberta que a partir dele se pode construir a visão que defendemos. Joaquín Herrera dá em um primeiro momento uma definição abreviada: os direitos humanos “suporiam a instituição ou posta em marcha de processo de luta pela dignidade”121. Em seguida, define direitos humanos desde um plano político como “os resultados dos processos de luta antagonista que se tem dado contra a expansão material e a generalização ideológica do sistema de relações imposto pelos processos de acumulação de capital”122. E, por último, o faz no sentido social, como “o resultado de lutas sociais e coletivas que tendem à construção de espaços sociais, econômicos, políticos e jurídicos que permita o empoderamento de todos e todas para poder lutar plural e diferenciadamente por uma vida digna de ser vivida”123. Em outra de suas obras, os define “como sistemas de objetos (valores, normas, instituições) e sistema de ações (práticas sociais) que possibilitam a abertura e a consolidação de espaços de luta pela dignidade humana”.124 Por sua parte, Sánchez Rubio os compreende como “práticas e meios discursivos, expressivos e normativos que propugnam por reinserir os seres humanos no circuito de reprodução e mantimento da vida, permitindo abrir espaços de interpelação, de luta e de reivindicação”,125 ademais de “realidades normativas e institucionais que se vão construindo socialmente através da coimplicação da práxis social, a constante produção de necessidades e o processo de valorização coletiva sobre os bens”.126 Por último, Antonio Salamanca os define como “a formulação jurídica da obrigação que tem a comunidade de satisfazer as necessidades materiais do povo para produzir e reproduzir sua vida”.127 Estas três aproximações podem servir de base para uma visão complexa. Entender os direitos humanos como um conjunto de práticas sociais, simbólicas, culturais, jurídicas, econômicas e institucionais da “comunidade de vítimas”, que lhes permite constituir-se em sujeito e reagir contra os excessos de 121 Idem., p. 246. 122 Ibidem. 123 Idem., p. 247. 124 HERRERA FLORES, Joaquín, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”, op. cit., p. 52. 125 SÁNCHEZ RUBIO, David, Contra una cultura anestesiada de derechos humanos, op. cit., p. 34. 126 SÁNCHEZ RUBIO, David, Filosofía, derecho y liberación en América Latina, Desclée de Brouwer, Bilbao, 1999, p. 181. 127 SALAMANCA, Antonio, El derecho a la revolución. Iusmaterialismo para una política crítica, UASLP-CEDH, San Luis Potosí, 2006, p. 26.
Cadernos IHU ideias • 49 qualquer tipo de poder, modificando as tramas sociais para lograr acessar os bens para a satisfação das necessidades de produção e reprodução da vida, é um ponto de partida adequado para uma compreensão complexa de direitos humanos. É uma formulação geral e ampla, mas não equívoca e sim análoga, que permite dar conta da necessidade das vítimas de tomar consciência de sua situação e gerar práticas para fazer valer seus direitos humanos. Ademais, obriga a abandonar visões abstratas do jurídico que magnificam o papel solitário do sistema jurídico positivo na proteção das pessoas, das comunidades e dos povos, e em troca conduz a atender um sistema amplo de garantias de diversa natureza – econômica, cultural, jurídica, política, educativa, etc. – que sejam parte das lutas sociais pelo acesso aos bens necessários para a produção da vida.
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CADERNOS IHU IDEIAS N. 01 A teoria da justiça de John Rawls – José Nedel N. 02 O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Edla Eggert O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss N. 03 O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Sonia Montaño N. 04 Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Luiz Gilberto Kronbauer N. 05 O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Manfred Zeuch N. 06 BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Renato Janine Ribeiro N. 07 Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Suzana Kilpp N. 08 Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Márcia Lopes Duarte N. 09 Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Valério Cruz Brittos N. 10 Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Édison Luis Gastaldo N. 11 Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Márcia Tiburi N. 12 A domesticação do exótico – Paula Caleffi N. 13 Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Edla Eggert N. 14 Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Gunter Axt N. 15 Medicina social: um instrumento para denúncia – Stela Nazareth Meneghel N. 16 Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Débora Krischke Leitão N. 17 As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Mário Maestri N. 18 Um itinenário do pensamento de Edgar Morin – Maria da Conceição de Almeida N. 19 Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Helga Iracema Ladgraf Piccolo N. 20 Sobre técnica e humanismo – Oswaldo Giacóia Junior N. 21 Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Lucilda Selli N. 22 Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Paulo Henrique Dionísio N. 23 Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Valério Rohden N. 24 Imagens da exclusão no cinema nacional – Miriam Rossini N. 25 A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Nísia Martins do Rosário N. 26 O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – Rosa Maria Serra Bavaresco N. 27 O modo de objetivação jornalística – Beatriz Alcaraz Marocco N. 28 A cidade afetada pela cultura digital – Paulo Edison Belo Reyes N. 29 Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – José Fernando Dresch Kronbauer N. 30 Getúlio, romance ou biografia? – Juremir Machado da Silva N. 31 A crise e o êxodo da sociedade salarial – André Gorz N. 32 À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay – Seus dilemas e possibilidades – André Sidnei Musskopf N. 33 O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Marcelo Pizarro Noronha N. 34 O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Marco Aurélio Santana N. 35 Adam Smith: filósofo e economista – Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos N. 36 Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Airton Luiz Jungblut N. 37 As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Fernando Ferrari Filho N. 38 Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Luiz Mott N. 39 Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Gentil Corazza N. 40 Corpo e Agenda na Revista Feminina – Adriana Braga N. 41 A (anti)filosofia de Karl Marx – Leda Maria Paulani N. 42 Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Leonardo Monteiro Monasterio N. 43 Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva e Samuel McGinity N. 44 Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Gérard Donnadieu N. 45 A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Lothar Schäfer N. 46 “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Ceres Karam Brum N. 47 O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Achyles Barcelos da Costa N. 48 Religião e elo social. O caso do cristianismo – Gérard Donnadieu N. 49 Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Geraldo Monteiro Sigaud N. 50 Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Evilázio Teixeira N. 51 Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington e Stela Nazareth Meneghel N. 52 Ética e emoções morais – Thomas KesselringJuízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? – Adriano Naves de Brito N. 53 Computação Quântica. Desafios para o Século XXI – Fernando Haas N. 54 Atividade da sociedade civil relativa ao desarmamento na Europa e no Brasil – An Vranckx
22 • Cadernos IHU ideias N. 55 N. 56 N. 57 N. 58 N. 59 N. 60 N. 61 N. 62 N. 63 N. 64 N. 65 N. 66 N. 67 N. 68 N. 69 N. 70 N. 71 N. 72 N. 73 N. 74 N. 75 N. 76 N. 77 N. 78 N. 79 N. 80 N. 81 N. 82 N. 83 N. 84 N. 85 N. 86 N. 87 N. 88 N. 89 N. 90 N. 91 N. 92 N. 93 N. 94 N. 95 N. 96 N. 97 N. 98 N. 99 N. 100 N. 101 N. 102 N. 103 N. 104 N. 105 N. 106 N. 107 N. 108 N. 109 N. 110
Terra habitável: o grande desafio para a humanidade – Gilberto Dupas O decrescimento como condição de uma sociedade convivial – Serge Latouche A natureza da natureza: auto-organização e caos – Günter Küppers Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades – Hazel Henderson Globalização – mas como? – Karen Gloy A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida – Cesar Sanson Incidente em Antares e a Trajetória de Ficção de Erico Veríssimo – Regina Zilberman Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história – Fernando Lang da Silveira e Luiz O. Q. Peduzzi Negações e Silenciamentos no discurso acerca da Juventude – Cátia Andressa da Silva Getúlio e a Gira: a Umbanda em tempos de Estado Novo – Artur Cesar Isaia Darcy Ribeiro e o O povo brasileiro: uma alegoria humanista tropical – Léa Freitas Perez Adoecer: Morrer ou Viver? Reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609-1675) – Eliane Cristina Deckmann Fleck Em busca da terceira margem: O olhar de Nelson Pereira dos Santos na obra de Guimarães Rosa – João Guilherme Barone Contingência nas ciências físicas – Fernando Haas A cosmologia de Newton – Ney Lemke Física Moderna e o paradoxo de Zenon – Fernando Haas O passado e o presente em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade – Miriam de Souza Rossini Da religião e de juventude: modulações e articulações – Léa Freitas Perez Tradição e ruptura na obra de Guimarães Rosa – Eduardo F. Coutinho Raça, nação e classe na historiografia de Moysés Vellinho – Mário Maestri A Geologia Arqueológica na Unisinos – Carlos Henrique Nowatzki Campesinato negro no período pós-abolição: repensando Coronelismo, enxada e voto – Ana Maria Lugão Rios Progresso: como mito ou ideologia – Gilberto Dupas Michael Aglietta: da Teoria da Regulação à Violência da Moeda – Octavio A. C. Conceição Dante de Laytano e o negro no Rio Grande Do Sul – Moacyr Flores Do pré-urbano ao urbano: A cidade missioneira colonial e seu território – Arno Alvarez Kern Entre Canções e versos: alguns caminhos para a leitura e a produção de poemas na sala de aula – Gláucia de Souza Trabalhadores e política nos anos 1950: a ideia de “sindicalismo populista” em questão – Marco Aurélio Santana Dimensões normativas da Bioética – Alfredo Culleton e Vicente de Paulo Barretto A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza – Attico Chassot Demanda por empresas responsáveis e Ética Concorrencial: desafios e uma proposta para a gestão da ação organizada do varejo – Patrícia Almeida Ashley Autonomia na pós-modernidade: um delírio? – Mario Fleig Gauchismo, tradição e Tradicionalismo – Maria Eunice Maciel A ética e a crise da modernidade: uma leitura a partir da obra de Henrique C. de Lima Vaz – Marcelo Perine Limites, possibilidades e contradições da formação humana na Universidade – Laurício Neumann Os índios e a História Colonial: lendo Cristina Pompa e Regina Almeida – Maria Cristina Bohn Martins Subjetividade moderna: possibilidades e limites para o cristianismo – Franklin Leopoldo e Silva Saberes populares produzidos numa escola de comunidade de catadores: um estudo na perspectiva da Etnomatemática – Daiane Martins Bocasanta A religião na sociedade dos indivíduos: transformações no campo religioso brasileiro – Carlos Alberto Steil Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos – Cesar Sanson De volta para o futuro: os precursores da nanotecnociência – Peter A. Schulz Vianna Moog como intérprete do Brasil – Enildo de Moura Carvalho A paixão de Jacobina: uma leitura cinematográfica – Marinês Andrea Kunz Resiliência: um novo paradigma que desafia as religiões – Susana María Rocca Larrosa Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house – Vanessa Andrade Pereira Autonomia do sujeito moral em Kant – Valerio Rohden As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 1 – Roberto Camps Moraes Uma leitura das inovações bio(nano)tecnológicas a partir da sociologia da ciência – Adriano Premebida ECODI – A criação de espaços de convivência digital virtual no contexto dos processos de ensino e aprendizagem em metaverso – Eliane Schlemmer As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 2 – Roberto Camps Moraes Futebol e identidade feminina: um estudo etnográfico sobre o núcleo de mulheres gremistas – Marcelo Pizarro Noronha Justificação e prescrição produzidas pelas Ciências Humanas: Igualdade e Liberdade nos discursos educacionais contemporâneos – Paula Corrêa Henning Da civilização do segredo à civilização da exibição: a família na vitrine – Maria Isabel Barros Bellini Trabalho associado e ecologia: vislumbrando um ethos solidário, terno e democrático? – Telmo Adams Transumanismo e nanotecnologia molecular – Celso Candido de Azambuja Formação e trabalho em narrativas – Leandro R. Pinheiro
Cadernos IHU ideias • 23 N. 111 Autonomia e submissão: o sentido histórico da administração – Yeda Crusius no Rio Grande do Sul – Mário Maestri N. 112 A comunicação paulina e as práticas publicitárias: São Paulo e o contexto da publicidade e propaganda – Denis Gerson Simões N. 113 Isto não é uma janela: Flusser, Surrealismo e o jogo contra – Esp. Yentl Delanhesi N. 114 SBT: jogo, televisão e imaginário de azar brasileiro – Sonia Montaño N. 115 Educação cooperativa solidária: perspectivas e limites – Carlos Daniel Baioto N. 116 Humanizar o humano – Roberto Carlos Fávero N. 117 Quando o mito se torna verdade e a ciência, religião – Róber Freitas Bachinski N. 118 Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal N. 119 A espiritualidade como fator de proteção na adolescência – Luciana F. Marques e Débora D. Dell’Aglio N. 120 A dimensão coletiva da liderança – Patrícia Martins Fagundes Cabral e Nedio Seminotti N. 121 Nanotecnologia: alguns aspectos éticos e teológicos – Eduardo R. Cruz N. 122 Direito das minorias e Direito à diferenciação – José Rogério Lopes N. 123 Os direitos humanos e as nanotecnologias: em busca de marcos regulatórios – Wilson Engelmann N. 124 Desejo e violência – Rosane de Abreu e Silva N. 125 As nanotecnologias no ensino – Solange Binotto Fagan N. 126 Câmara Cascudo: um historiador católico – Bruna Rafaela de Lima N. 127 O que o câncer faz com as pessoas? Reflexos na literatura universal: Leo Tolstoi – Thomas Mann – Alexander Soljenítsin – Philip Roth – Karl-Josef Kuschel N. 128 Dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à identidade genética – Ingo Wolfgang Sarlet e Selma Rodrigues Petterle N. 129 Aplicações de caos e complexidade em ciências da vida – Ivan Amaral Guerrini N. 130 Nanotecnologia e meio ambiente para uma sociedade sustentável – Paulo Roberto Martins N. 131 A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária – Rosa Maria Zaia Borges Abrão N. 132 Linguagem, singularidade e atividade de trabalho – Marlene Teixeira e Éderson de Oliveira Cabral N. 133 A busca pela segurança jurídica na jurisdição e no processo sob a ótica da teoria dos sistemas sociais de Nicklass Luhmann – Leonardo Grison N. 134 Motores Biomoleculares – Ney Lemke e Luciano Hennemann N. 135 As redes e a construção de espaços sociais na digitalização – Ana Maria Oliveira Rosa N. 136 De Marx a Durkheim: Algumas apropriações teóricas para o estudo das religiões afro-brasileiras – Rodrigo Marques Leistner N. 137 Redes sociais e enfrentamento do sofrimento psíquico: sobre como as pessoas reconstroem suas vidas – Breno Augusto Souto Maior Fontes N. 138 As sociedades indígenas e a economia do dom: O caso dos guaranis – Maria Cristina Bohn Martins N. 139 Nanotecnologia e a criação de novos espaços e novas identidades – Marise Borba da Silva N. 140 Platão e os Guarani – Beatriz Helena Domingues N. 141 Direitos humanos na mídia brasileira – Diego Airoso da Motta N. 142 Jornalismo Infantil: Apropriações e Aprendizagens de Crianças na Recepção da Revista Recreio – Greyce Vargas N. 143 Derrida e o pensamento da desconstrução: o redimensionamento do sujeito – Paulo Cesar Duque-Estrada N. 144 Inclusão e Biopolítica – Maura Corcini Lopes, Kamila Lockmann, Morgana Domênica Hattge e Viviane Klaus N. 145 Os povos indígenas e a política de saúde mental no Brasil: composição simétrica de saberes para a construção do presente – Bianca Sordi Stock N. 146 Reflexões estruturais sobre o mecanismo de REDD – Camila Moreno N. 147 O animal como próximo: por uma antropologia dos movimentos de defesa dos direitos animais – Caetano Sordi N. 148 Avaliação econômica de impactos ambientais: o caso do aterro sanitário em Canoas-RS – Fernanda Schutz N. 149 Cidadania, autonomia e renda básica – Josué Pereira da Silva N. 150 Imagética e formações religiosas contemporâneas: entre a performance e a ética – José Rogério Lopes N. 151 As reformas político-econômicas pombalinas para a Amazônia: e a expulsão dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão – Luiz Fernando Medeiros Rodrigues N. 152 Entre a Revolução Mexicana e o Movimento de Chiapas: a tese da hegemonia burguesa no México ou “por que voltar ao México 100 anos depois” – Claudia Wasserman N. 153 Globalização e o pensamento econômico franciscano: Orientação do pensamento econômico franciscano e Caritas in Veritate – Stefano Zamagni N. 154 Ponto de cultura teko arandu: uma experiência de inclusão digital indígena na aldeia kaiowá e guarani Te’ýikue no município de Caarapó-MS – Neimar Machado de Sousa, Antonio Brand e José Francisco Sarmento N. 155 Civilizar a economia: o amor e o lucro após a crise econômica – Stefano Zamagni N. 156 Intermitências no cotidiano: a clínica como resistência inventiva – Mário Francis Petry Londero e Simone Mainieri Paulon N. 157 Democracia, liberdade positiva, desenvolvimento – Stefano Zamagni N. 158 “Passemos para a outra margem”: da homofobia ao respeito à diversidade – Omar Lucas Perrout Fortes de Sales N. 159 A ética católica e o espírito do capitalismo – Stefano Zamagni N. 160 O Slow Food e novos princípios para o mercado – Eriberto Nascente Silveira N. 161 O pensamento ético de Henri Bergson: sobre As duas fontes da moral e da religião – André Brayner de Farias N. 162 O modus operandi das políticas econômicas keynesianas – Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra N. 163 Cultura popular tradicional: novas mediações e legitimações culturais de mestres populares paulistas – André Luiz da Silva
24 • Cadernos IHU ideias N. 164 Será o decrescimento a boa nova de Ivan Illich? – Serge Latouche N. 165 Agostos! A “Crise da Legalidade”: vista da janela do Consulado dos Estados Unidos em Porto Alegre – Carla Simone Rodeghero N. 166 Convivialidade e decrescimento – Serge Latouche N. 167 O impacto da plantação extensiva de eucalipto nas culturas tradicionais: Estudo de caso de São Luis do Paraitinga – Marcelo Henrique Santos Toledo N. 168 O decrescimento e o sagrado – Serge Latouche N. 169 A busca de um ethos planetário – Leonardo Boff N. 170 O salto mortal de Louk Hulsman e a desinstitucionalização do ser: um convite ao abolicionismo – Marco Antonio de Abreu Scapini N. 171 Sub specie aeternitatis – O uso do conceito de tempo como estratégia pedagógica de religação dos saberes – Gerson Egas Severo N. 172 Theodor Adorno e a frieza burguesa em tempos de tecnologias digitais – Bruno Pucci N. 173 Técnicas de si nos textos de Michel Foucault: A influência do poder pastoral – João Roberto Barros II N. 174 Da mônada ao social: A intersubjetividade segundo Levinas – Marcelo Fabri N. 175 Um caminho de educação para a paz segundo Hobbes – Lucas Mateus Dalsotto e Everaldo Cescon N. 176 Da magnitude e ambivalência à necessária humanização da tecnociência segundo Hans Jonas – Jelson Roberto de Oliveira N. 177 Um caminho de educação para a paz segundo Locke – Odair Camati e Paulo César Nodari N. 178 Crime e sociedade estamental no Brasil: De como la ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos – Lenio Luiz Streck N. 179 Um caminho de educação para a paz segundo Rousseau – Mateus Boldori e Paulo César Nodari N. 180 Limites e desafios para os direitos humanos no Brasil: entre o reconhecimento e a concretização – Afonso Maria das Chagas N. 181 Apátridas e refugiados: direitos humanos a partir da ética da alteridade – Gustavo Oliveira de Lima Pereira N. 182 Censo 2010 e religiões:reflexões a partir do novo mapa religioso brasileiro – José Rogério Lopes N. 183 A Europa e a ideia de uma economia civil – Stefano Zamagni N. 184 Para um discurso jurídico-penal libertário: a pena como dispositivo político (ou o direito penal como “discurso-limite”) – Augusto Jobim do Amaral N. 185 A identidade e a missão de uma universidade católica na atualidade – Stefano Zamagni N. 186 A hospitalidade frente ao processo de reassentamento solidário aos refugiados – Joseane Mariéle Schuck Pinto N. 187 Os arranjos colaborativos e complementares de ensino, pesquisa e extensão na educação superior brasileira e sua contribuição para um projeto de sociedade sustentável no Brasil – Marcelo F. de Aquino N. 188 Os riscos e as loucuras dos discursos da razão no campo da prevenção – Luis David Castiel N. 189 Produções tecnológicas e biomédicas e seus efeitos produtivos e prescritivos nas práticas sociais e de gênero – Marlene Tamanini N. 190 Ciência e justiça: Considerações em torno da apropriação da tecnologia de DNA pelo direito – Claudia Fonseca N. 191 #VEMpraRUA: Outono brasileiro? Leituras – Bruno Lima Rocha, Carlos Gadea, Giovanni Alves, Giuseppe Cocco, Luiz Werneck Vianna e Rudá Ricci N. 192 A ciência em ação de Bruno Latour – Leticia de Luna Freire N. 193 Laboratórios e Extrações: quando um problema técnico se torna uma 0questão sociotécnica – Rodrigo Ciconet Dornelles N. 194 A pessoa na era da biopolítica: autonomia, corpo e subjetividade – Heloisa Helena Barboza N. 195 Felicidade e Economia: uma retrospectiva histórica – Pedro Henrique de Morais Campetti e Tiago Wickstrom Alves N. 196 A colaboração de Jesuítas, Leigos e Leigas nas Universidades confiadas à Companhia de Jesus: o diálogo entre humanismo evangélico e humanismo tecnocientífico – Adolfo Nicolás N. 197 Brasil: verso e reverso constitucional – Fábio Konder Comparato N. 198 Sem-religião no Brasil: Dois estranhos sob o guarda-chuva – Jorge Claudio Ribeiro N. 199 Uma ideia de educação segundo Kant: uma possível contribuição para o século XXI – Felipe Bragagnolo e Paulo César Nodari N. 200 Aspectos do direito de resistir e a luta socialpor moradia urbana: a experiência da ocupação Raízes da Praia – Natalia Martinuzzi Castilho N. 201 Desafios éticos, filosóficos e políticos da biologia sintética – Jordi Maiso N. 202 Fim da Política, do Estado e da cidadania? – Roberto Romano N. 203 Constituição Federal e Direitos Sociais: avanços e recuos da cidadania – Maria da Glória Gohn N. 204 As origens históricas do racionalismo, segundo Feyerabend – Miguel Ângelo Flach N. 205 Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro – Fábio Konder Comparato N. 206 Sociedade tecnológica e a defesa do sujeito: Technological society and the defense of the individual – Karla Saraiva N. 207 Territórios da Paz: Territórios Produtivos? – Giuseppe Cocco N. 208 Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do processo brasileiro – Roberta Camineiro Baggio N. 209 As possibilidades da Revolução em Ellul – Jorge Barrientos-Parra N. 210 A grande política em Nietzsche e a política que vem em Agamben – Márcia Rosane Junges N. 211 Foucault e a Universidade: Entre o governo dos outros e o governo de si mesmo – Sandra Caponi N. 212 Verdade e História: arqueologia de uma relação – José D’Assunção Barros N. 213 A Relevante Herança Social do Pe. Amstad SJ – José Odelso Schneider N. 214 Sobre o dispositivo. Foucault, Agamben, Deleuze – Sandro Chignola
Alejandro Rosillo Martinez é doutor e mestre em Estudos Avançados em Direitos Humanos pela Universidade Carlos III de Madrid e formado em Direito pela Universidad Autónoma de San Luís de Potosí – UASLP. É professor da Faculdade de Direito nesta mesma universidade, além de coordenador acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Direito e Direitos Humanos. Seu trabalho se desenvolve especialmente envolvendo Direitos Humanos, Pensamento Latino-Americano e Filosofia da Libertação.
Algumas obras do autor MARTINEZ, Alejandro Rosillo. La doble dimensión de la vida en los dere-
chos humanos: como fundamento y como derecho. In: Meritum, revista de Direito da Universidade FUMEC, Belo Horizonte, V. 9, 2014 (no prelo). ______. Los Acuerdos de San Andrés: hacia una descolonización del derecho. In: Otros logos. Revista de estudios críticos, Centro de Estudios y Actualización en Pensamiento Político, Decolonialidad e Interculturalidad – CEAPEDI – de la Universidad Nacional del Comahue, no. 4, diciembre 2013, pp. 81-101. ______. Crítica de la ideologización de derechos humanos desde la Filosofía de la liberación. In: Revista de Investigaciones Jurídicas, No. 37, Escuela Libre de Derecho, México, 2013, pp. 525-558.