"Escola é.. o lugar onde se faz amigos não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, O coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se ‘amarrar nela’! Ora , é lógico...numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz."
Paulo Freire
Pela passagem do Dia do Professor e da Professora e em homenagem a todos e todas aqueles que fazem parte fundamental do processo de ensino e aprendizagem na Unisinos, IHU On-Line faz, nesta edição, um resgate do educador por excelência, Paulo Freire. Para isso entrevistamos o Prof. Danilo Streck, coordenador do PPG de Educação, que participou, de 18 a 21 de setembro, do terceiro Fórum Internacional Paulo Freire, realizado em Los Angeles (EUA), com o tema central Educação, um sonho possível. O prof. Danilo Streck apresentou, na ocasião, o trabalho que é parte de sua pesquisa sobre a pedagogia de um novo contrato social: O legado utópico: Rousseau e Paulo Freire. Ainda dentro do espírito das celebrações do dia do professor e da professora, publicamos um artigo de Umberto Eco sobre a força da cultura, que apresenta uma profunda reflexão sobre o papel da Universidade. Umberto Eco é escritor e semiólogo italiano. O texto aqui reproduzido é o discurso pronunciado em Jerusalém, por ocasião do recebimento do título de Doutor honoris causa concedido pela Universidade Hebraica. El País, 12-06-02.
PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO
Danilo Streck é Doutor em Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação pela Rutgers - The State University of New Jersey, Estados Unidos, com tese intitulada A visão de John Dewey e Paulo Freire sobre a função política da educação, com ênfase na questão do método. IHU On-Line- Qual é a concepção de ensino e aprendizagem em Paulo Freire? Danilo Streck- Para Paulo Freire, é impossível dicotomizar ensinar de aprender. Os dois se dão dentro de uma "situação gnoseológica", em que se desperta a curiosidade sobre o mundo, sobre as relações, sobre nós mesmos. A curiosidade se transforma em curiosidade epistemológica, aquela curiosidade que tem consciência de si mesma e se põe em busca do conhecimento. Paulo Freire tem uma metodologia cujo pressuposto é a problematização, ao contrário da educação bancária, que vê o conhecimento como um produto pronto, a ser simplesmente embalado e depositado . IHU On-Line- Como ele caracteriza o papel do professor e do aluno nesse processo? Danilo Streck- Aluno e professor têm papéis distintos no processo, mas o educador é também educando, e o educando é também educador. Na relação, ambos aprendem. Ser professor não pode significar uma repetição mecânica de conteúdos. Para Freire, o professor é uma testemunha do ato do conhecimento. Quando ele ensina, refaz diante dos alunos, e com eles, o conhecimento. Ele coloca a realidade ou o objeto a ser conhecido – junto com o que ele mesmo e os alunos já conhecem - como problema para si mesmo e para os alunos. Tanto o ensinar como o aprender fazem parte do processo de conhecer, que se dá sempre numa relação dialógica entre pessoas e de abertura para o mundo. IHU On-Line- Qual seria o principal legado deste educador?
Danilo Streck- Já desde a década de 60, quando começou a trabalhar com alfabetização de adultos no Nordeste, Freire dizia que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Essa intuição ele desenvolve de muitas formas. O fundamental é a primeira leitura, a do mundo. A segunda – a leitura das palavras - é um instrumento a mais. Por isso ele não tem problemas com as novas tecnologias, porque são meios que ajudam a ler o mundo e transformá-lo. Tanto esses meios quanto a alfabetização não são um fim em si. São, segundo ele, instrumentos para ajudar as pessoas a se tornarem sujeitos, a dizerem a “sua palavra”, o que para ele implica também adquirirem condições de participarem ativamente na transformação de sua realidade. Ou seja, não há para ele dicotomia entre o dizer e agir, entre ação e reflexão que se tensionam na práxis. Acredito que um de seus principais legados consiste em desafiar educadores e educadoras a, numa expressão muito sua, reinventar a educação de acordo com os novos desafios. IHU On-Line- Por isso também a diversidade de disciplinas e práticas que se inspiram em Freire? Danilo Streck- Paulo Freire forneceu uma base que serve como ponto de encontro para muitas práticas que se identificam com o que ele chamava de humanização. A área da saúde, da educação, uma grande diversidade movimentos sociais e populares, experiências de comunicação, etc. se apoiam em Paulo Freire. É que para ele a questão metodológica não pode ser reduzida a técnicas, mas passa pela assunção de um posicionamento ético e político que em última instância passa pelo corpo do educador e da educadora. Sua proposta humanizadora tem a ver com a idéia de ser mais; de se reconhecer como homens e mulheres inacabados que vivem em um mundo também inacabado. A história é vista, por ele, como possibilidade e não como determinação. Ele se posicionava radicalmente contra uma visão fatalista da história que está tão presente hoje dentro do mercado global em que vivemos. O fatalismo não deixa espaço para o agir humano, para o “inédito viável”, para o “sonho possível”, para o “sonhar estratégico” – todas elas expressões para designar sua compreensão do utópico. IHU On-Line- Então, para Freire, a educação tem um papel político? Danilo Streck- No centro da teoria de Freire há o que poderíamos chamar “um núcleo duro” que, ao mesmo tempo, lhe permite a interlocução com lugares teóricos muito diferentes e a adequação do método a muitos tipos de práticas. Trata-se de uma postura ético-política que ele reitera na Pedagogia da Autonomia, escrito em 1996, como tendo por referência o ponto de vista dos “condenados da terra”, dos excluídos. Para ele, o ato de educar é sempre um ato político. É importante que o professor saiba a partir de onde está falando e ajude o aluno a encontrar seu lugar no mundo e na história. O rigor do professor (no sentido acadêmico) não se esgota com uma adequação estrita a uma metodologia. O rigor tem a ver com a opção ético-política, com a consciência do lugar de onde a pessoa está falando. Faz parte de sua metodologia colocar este próprio lugar em xeque, problematizando-o constantemente. O rigor não tem a ver apenas com quantidade de conteúdos, embora para ele também não existe uma educação sem conteúdos, e sim com uma postura pessoal e humana, com
a permanente busca de “ser mais” que por se dar na história é também sempre política. IHU On-Line- Como foram os últimos anos da vida de Paulo Freire? Danilo Streck- Paulo Freire teve uma incrível capacidade de se reinventar, de permanecer uma pessoa de seu tempo. Num de seus livros ele escreveu que uma das coisas mais lastimáveis que pode acontecer para uma pessoa é ser “exilada no seu tempo”. Nesse sentido ele viveu intensamente a história com tudo o que ela tem de contradição, de limites e possibilidades. Na sua última entrevista, ele falou da esperança, vendo as marchas do MST que aconteciam nesse tempo por todo o país. Ele disse que gostaria de ver o mundo cheio dessas marchas: a marcha dos sem teto; a marcha dos sem amor; a marcha dos reprovados...a marcha sempre como o movimento, como a busca do “ser mais”. Quando ele morreu estava escrevendo uma série de cartas que depois sua esposa publicou com o nome de Pedagogia da Indignação. Nelas ele fala da indignação como condição para o agir ético. Mas ética sempre ligada com a estética, a decência e a boniteza, dizia ele, de mãos dadas, para não virar rancorosidade. Acredito que no fim ele deixa uma mensagem de esperança – a esperança como parte da condição humana e que por isso precisa ser educada para não perder o rumo, para não definhar e eventualmente morrer. IHU On-Line- Quais são os principais desafios na tentativa de a Unisinos aplicar uma pedagogia freiriana? Danilo Streck- A teoria de Paulo Freire surge dentro dos movimentos populares da América Latina. Por isso, no início, ele era mais conhecido nesse meio e até se perguntava se havia alguma forma de “aplicar” suas idéias em escolas e universidades. Ele mesmo, como Secretário de Educação do governo da Luiza Erundina, em São Paulo, e como professor da PUC-SP, foi desfazendo a idéia de que sua proposta de educação não cabe em instituições de ensino formal. Pode-se ver sua contribuição e seus desafios em muitas áreas: ele rompe a rigidez das disciplinas ao propor um outro tipo de rigorosidade, ele propõe uma não dicotomização entre o saber acadêmico e o saber popular, ele coloca professores e alunos como sujeitos no processo de conhecer, ele propõe a tolerância, a humildade e a amorosidade como qualidades de um educador e de uma educadora, ele se bate por uma educação para todos e que esteja à altura de seu tempo... Se tivesse, no entanto, que destacar um dos aspectos diria que ele nos desafia a reinventar a universidade não no sentido de simplesmente adaptá-la ao tempo em que vivemos, mas de inseri-la criticamente na sociedade como um lugar onde se aprende a ler o mundo e se adquirem os instrumentos para agir dentro dele como sujeito, com competência profissional, com compromisso político e com sensibilidade solidária. Nesse sentido, o “ser mais” freireano lembra muito o “magis” inaciano.
A FORÇA DA CULTURA PODERÁ EVITAR O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES
Umberto Eco é escritor e semiólogo italiano. Este texto é o discurso pronunciado por ele em Jerusalém por ocasião do recebimento do título de
Doutor honoris causa concedido pela Universidade Hebraica. El País, 1206-02. No Primeiro Livro do Reis, capítulo 19, quando Elias, que se encontrava na gruta do Monte Horeb, foi chamado à presença do Senhor, um vento forte soprou das montanhas e quebrou os rochedos. Sed non in vento Dominus, diz a Vulgata, mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, veio um terremoto, mas non in commotione Dominus, o Senhor não estava nesse terremoto. E depois do terremoto, veio o fogo, mas non in igne Dominus, mas o Senhor não estava no fogo. Vocês me perdoarão se não cito a versão hebraica original, mas creio que o significado do episódio não muda. Em todo caso, assim o aprendi na infância, e a história deixou em minha alma uma marca profunda. Não se pode encontrar Deus no barulho; Deus só se revela no silêncio. Deus não está nos meios de comunicação, Deus não está na primeira página dos jornais, Deus não está na televisão, Deus não está na Broadway. Ele estava na alma de Elias, Deus estava em Qumrã, estava nos mosteiros beneditinos da Idade Média, estava nos guetos espanhóis, onde os primeiros cabalistas experimentavam as infinitas combinações das letras da Torá. Deus está onde não há barulho. Esta máxima também é válida para aqueles que não crêem em Deus, mas crêem que existe uma Verdade para descobrir. A Verdade não se encontra no tumulto, mas numa busca silenciosa. Na azáfama do mundo de hoje, os lugares do silêncio permanecem e continuam sendo as universidades. No entanto, são poucos os lugares onde é possível a comparação racional entre diversas visões do mundo. Nós, os da universidade, somos chamados a travar, sem armas letais, uma infinita batalha pelo progresso do saber e da compaixão humana. Não sou tão ingênuo para esquecer que o saber não traz automaticamente paz e piedade, porque ocorreu, na história, que homens que gostavam de Brahms e Goethe, foram capazes de organizar campos de extermínio. Mas, numa grande porcentagem, o progresso do saber ainda pode produzir, deve produzir, resultados e, para alcançar estes objetivos, devemos continuar nossa missão, mesmo que, ao nosso redor, o mundo salte pelos ares. Não estamos fechados numa torre de marfim. Trabalhamos para todos os nossos irmãos, que se encontram para lá dos muros. Os séculos antigos, e inclusive os modernos, foram cenários do colonialismo, do racismo e da intolerância. Para o mundo ocidental, a chamada responsabilidade do homem branco era considerar a civilização ocidental e cristã como a única possível. Daqui vem o direito e a missão de converter todos aqueles que seguiam um modelo cultural diferente, por não falar de atitudes similares no mundo não ocidental, inspiradas pelo ódio aos europeus e às diferentes formas de fundamentalismo religioso. Mas, foi no ambiente das universidades e das sociedades cultas ocidentais que o mundo moderno inventou esta nova aproximação das culturas e das civilizações denominada antropologia cultural. Graças aos estudos dos antropólogos culturais do século XIX (seguindo idéias já sugeridas por Montaigne, Locke e a Filosofia da Ilustração), ficamos sabendo que existem
outros modelos culturais orgânicos em si mesmos, que se deviam reconhecer, compreender em sua lógica interna e respeitar. A antropologia cultural, ao substituir o conceito de raça pelo de cultura, trabalhou em profundidade com a finalidade de tornar-nos mais conscientes da pluralidade das culturas e do direito de toda cultura a sobreviver, sempre que sua sobrevivência não prejudique os direitos dos demais. A antropologia cultural não mudou o mundo. Enquanto os antropólogos nos ensinaram a reconhecer e a respeitar diferentes comportamentos culturais, diferentes religiões e costumes étnicos, o mundo ocidental produziu os Protocolos dos Sábios de Sião; enquanto os primeiros meios de comunicação, desde as novelas populares até os filmes de Hollywood, alentavam uma visão do outro como um malvado, produziram os ferozes índios, o negro estúpido obrigado a um destino de eterna escravidão por sua irremediável inferioridade, o diabólico doutor Fu Man Chu, e assim por diante. Exatamente este é o motivo pelo qual hoje, mais do que no passado, é dever de uma sociedade culta utilizar todos os instrumentos proporcionados pelos novos meios de comunicação para difundir as idéias dos primeiros antropólogos culturais. Há dez anos, François Mitterrand fundou em Paris, sob a presidência de Elie Wiesel, a Academia Universal das Culturas, uma instituição que reúne escritores, cientistas, artistas e, sobretudo, universitários de todo o mundo, entre eles meu amigo Pet Ahlmark. O estatuto da Academia diz que ela "promoverá a investigação científica, encontros e colaborações criativas e fomentará toda contribuição para a luta contra a intolerância, a xenofobia, a discriminação das mulheres, o racismo e o anti-semitismo" e que "se compromete a difundir suas próprias idéias por meio das escolas, dos meios de comunicação e dos instrumentos futuros do saber". Ao aproximar-se o terceiro milênio, o mundo foi devastado por acontecimentos trágicos, como a invasão do Kuwait, a guerra do Golfo, os terríveis conflitos sociais nos Bálcãs, e ainda ignorávamos o que ia acontecer depois, até a guerra de hoje contra o terrorismo. Ao procurar entender o que se poderia fazer para educar os povos do mundo numa visão positiva da diversidade cultural e étnica e na tolerância, nos damos conta de que para nada servia convencer uma pessoa, digamos de quarenta anos, um homem ou uma mulher, que, nesse momento, matava, violava ou humilhava aqueles que não pertenciam ao seu modelo cultural. Para eles já era tarde. Devíamos começar por seus filhos. Assim, a Academia abriu um sítio na Internet, academie-universelle.org – em fase de organização – para proporcionar aos professores e educadores de todo o mundo instrumentos intelectuais (idéias, exemplos, exercícios práticos) com a finalidade de ensinar aos jovens que vivem em contato com pessoas de origens diferentes, que sua recíproca diversidade não é um obstáculo para a vida em comum, mas uma fonte de enriquecimento mútuo.
Nós afirmamos que não nos tornamos iguais, negando a existência das diversidades. As diversidades existem e é preciso reconhecê-las. Comecemos pelos rostos, pela roupa, inclusive pela comida ou o cheiro (digamos que não há ninguém que não tenha cheiro, e que normalmente não nos damos conta do nosso, porque procede do nosso corpo ou das pessoas que nos rodeiam, que tendem a comer mais ou menos as mesmas coisas que nós comemos) e cheguemos a falar-lhes de diferença de religião ou da forma de interpretar a territorialidade. Peçamos às crianças que descubram se na sua região moram pessoas com bagagens culturais diferentes, que nos descrevam em que se diferenciam delas, e, dentro de seu grupo de pertença, em que se diferenciam umas das outras. Digamos a elas que é normal que, num primeiro momento, não gostemos da diversidade dos outros, mas que ser diferentes não significa ser maus. Tornamo-nos maus, quando queremos impedir aos demais que sejam diferentes. Digamos às crianças que as diferenças fazem do mundo um lugar interessante para se viver. Se não houvesse diferenças, não poderíamos entender sequer quem somos: não poderíamos dizer ‘eu’, porque não teríamos um ‘tu’ com quem nos comparar. Digamos que igualdade significa que cada um tem o direito de ser diferente de todos os outros. Tentemos falar às crianças dos estereótipos racistas, da intolerância, do prejuízo, dos guetos, das favelas, do apartheid, da deportação, do genocídio. Um dos exercícios que propomos já foi experimentado por uma educadora norte-americana que, em sua aula, dividiu os alunos em dois grupos, os vermelhos e os azuis. Durante a primeira semana, a professora não deu nenhuma atenção aos vermelhos, negava-lhes a palavra, não os elogiava, quando faziam bem algo e os castigava por qualquer equívoco. Por outro lado, foi indulgente até o excesso com os azuis, louvando-os continuamente e perdoando-lhes qualquer comportamento fora da norma. Na semana seguinte, inverteu as partes, favorecendo os vermelhos. Desta forma, os alunos experimentaram tanto a sensação de poder como a do sofrimento e as frustrações de pertencer ao grupo dos oprimidos e dos excluídos. O ensinamento, que é preciso tirar, é que se sofreste como membro de um grupo oprimido, deves fazer com que, no futuro, outros não padeçam teus próprios sofrimentos. Nosso sítio, que não é espalhafatoso, é só um exemplo, mas reforça, espero e creio, minha idéia de que só os centros de ensino, e, entre eles, sobretudo a universidade, são ainda lugares de confronto e discussão recíprocos, nos quais podemos encontrar idéias melhores para um mundo melhor, como o reforço e a defesa dos valores universais fundamentais, que não é preciso ter nas estantes das bibliotecas, mas difundir por todos os meios possíveis. A universidade (e inclusive a escola fundamental) como força de paz! Nos meus sonhos mais ousados, vejo a imagem de um ambiente acadêmico no qual se possa falar pacificamente, inclusive dos problemas mais insolúveis de nosso tempo. Que imagem tão bela, a de uma universidade na qual, num futuro próximo, povos diferentes possam sentar-se para resolver juntos os problemas desta terra santa e martirizada numa interação frutífera e leal entre homens de boa vontade!
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Desde o dia 30 de setembro e ao longo de toda esta semana, está no Espaço Cultural do Centro de Ciências Humanas a exposição Protagonistas da História. Trata-se do lançamento das inscrições para o evento com o mesmo nome que acontecerá na Universidade nos dias 1º, 2 e 3 de novembro. O encontro é uma parceria entre o Instituto Humanitas Unisinos e a Comunidade Missionária de Cristo Ressuscitado. Acontece duas vezes ao ano, no início e final do ano letivo. O objetivo do evento, segundo Cristina Giani, da Comunidade Missionária de Cristo Ressuscitado é dirigir-se a todos os estudantes que não se contentam em ser espectadores e queiram "subir ao palco". É um final de semana para reunir as universitárias e os universitários, escutar as necessidades das grandes maiorias e buscar no Evangelho um novo estilo de vida para os tempos atuais. Segundo a organizadora, o clima juvenil e de alegre descontração combinado com um forte espírito de fé e de partilha são os motivos que mais fazem com que, nestes dias, os jovens se sintam "em casa" e, ao mesmo tempo, redescubram um novo jeito de viver o cristianismo. Junto com o evento está em andamento o projeto Rede Deixando Marcas. Trata-se de um projeto levado adiante por alunos e alunas da Unisinos que participaram das anteriores edições do Encontro. O projeto consiste numa grande rede na qual, por meio de sucessivas pistas que são entregues semanalmente pelos alunos e alunas aos que se integram, propõem passos bem específicos de mudanças no rumo de uma nova mentalidade mais solidária e comprometida. Segundo Cristina Giani, a Rede Deixando Marcas procura sensibilizar a maior quantidade possível de estudantes não para uma série de gestos isolados, e sim para um novo estilo de vida. "É por isso que escolhemos como lema tanto da Rede quanto do Encontro Protagonistas da História a frase: É a nossa vez de marcar a história", afirma a organizadora. Ela explica que a logomarca dos dois projetos é o desenho de uma impressão digital. "A proposta é de que, se cada jovem se deixa marcar pelo Evangelho, ele marcará a história com sua própria vida", disse. Os professores e professoras que queiram colaborar na divulgação do evento podem entrar em contato com os organizadores no Espaço Cultural do Centro de Ciências Humanas ao longo de toda esta semana ou visitar a exposição com suas turmas.
!# No mês de novembro, o Setor Ética, Cultura e Cidadania do Instituto Humanitas Unisinos promove a Semana Sociedade e Ambiente. As atividades acontecem de 4 a 5 de novembro no Auditório Central, no Centro de Ciências Humanas e de 6 a 7 de novembro no Auditório Maurício Berni, no Centro de Ciências Jurídicas.
Os objetivos do evento são: conhecer e discutir as conclusões da Rio +10; analisar e discutir a aplicação da Agenda 21 no Estado do Rio Grande do Sul; e conhecer algumas experiências significativas de educação ambiental e de preservação do ambiente no RS. O evento é destinado a professores, alunos, funcionários da Unisinos, movimentos sociais, entidades associativas, pastorais sociais, prefeituras, sindicatos e comunidade em geral. A coordenação do evento espera também que os professores e professoras das disciplinas de formação humanística adiram a esta semana.
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$ No dia 19 de outubro, ocorre mais um Encontro Inaciano para Funcionários da Unisinos. A promoção é do Setor Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos e acontece das 9h às 17 horas, na Capela Universitária e no Ponto de Integração Comunitária (PIC). Os objetivos são: oferecer diferentes ocasiões de vivência e aprofundamento da fé, formar uma comunidade autêntica, conciliar as atividades profissionais com os princípios religiosos e éticos e contribuir para a construção de um mundo mais justo e fraterno, tendo como orientação a Espiritualidade Inaciana. No encontro são trabalhados os diferentes modos inacianos de oração e oferecidas oportunidades de desenvolver a dimensão espiritual do funcionário e da funcionária. O evento oferece 30 vagas. As inscrições podem ser feitas na recepção do IHU, ramal 4121.
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O Setor Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos está promovendo alguns cursos gratuitos destinados aos funcionários e funcionárias da Universidade. A iniciativa partiu da necessidade que muitos funcionários e funcionárias sentem de fazer um curso universitário, sem terem acesso à preparação para o vestibular. professores e professoras da Universidade se dispuseram a ministrar aulas voluntariamente. Estão em andamento os cursos de Redação, ministrado pela Profa. Mardilê Friedrich Fabre, às quintas-feiras e o de Matemática, pelo prof. Cláudio Marques, assessor para assuntos municipais e regionais da Reitoria, às terças-feiras. O horário de ambos é das 17h30min às 18h30min e o local, o Centro de Ciências Humanas. Durante o mês de setembro, o professor Sérgio Farina, do Centro de Ciências da Comunicação, deu aulas de Literatura, falando sobre os livros que constituem leitura obrigatória para os vestibulandos. Inicia esta semana e estende-se até o vestibular, o curso de Interpretação de Textos, sempre às sextas-feiras, das 17h30min às 18h30min, ministrado pelo Prof. Lauro Dick, do Centro de Ciências da Comunicação. Há, ainda, cursos na área de informática. São duas turmas, às terças-feiras: uma das 18h às 19h15min, e outra, das 19h15min às 20h30min. Os funcionários aprendem noções de word, excel, internet explorer e power point. As professoras voluntárias são as funcionárias da DSI, Cristina Gislene Leiria e Jeanine de Paula Pedroso. As
inscrições para todos os cursos em andamento ainda estão abertas e podem ser feitas na recepção do Instituto Humanitas Unisinos.
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O Grupo de estudo do Mutirão nacional de superação da miséria e da fome no Rio Grande do Sul está organizando o Seminário Estadual Mutirão para a Superação da Miséria e Fome. O evento acontece no próximo dia 08 de novembro, na PUC, em Porto Alegre. O Prof. Laurício Neumann, coordenador do Setor Ética, Cultura e Cidadania do IHU faz parte da coordenação do evento. Segundo ele, no RS, o quadro é gritante: quase 2 milhões de gaúchos vivem na miséria e com fome. Com este evento, o grupo busca divulgar e aprofundar o espírito do Mutirão, além de identificar a realidade da miséria e da fome, suas causas e possibilidades de superação, integrar e articular igrejas, entidades e organizações comprometidas com esta realidade e partilhar experiências e parcerias. A promoção é da CNBB, Cáritas-RS, Banco de Alimentos, Unisinos, Sesi-RS, Conselhos Estaduais e de Políticas Sociais e Fórum Estadual de Segurança Alimentar Sustentável - FESANS. Entre os palestrantes do seminário estão Dom Paulo Moretto, bispo de Caxias do Sul, Antônio Cattani, professor da UFRGS, e Dr. Paulo Leivas, Procurador do Ministério Público Federal do RS.
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De 16 a 18 de outubro, acontece na Unisinos, no Auditório Central, o V Colóquio de Filosofia - I Seminário de Ética e Contemporaneidade. O colóquio pretende repensar a questão ética diante da violência vivida em todos os níveis, recuperando análises e propondo novas reflexões. O evento busca, também, participar do debate contemporâneo acerca da experiência repressiva nas instâncias da sociedade civil e da governabilidade. Dirigido a estudantes, professores e professoras e profissionais em geral, o evento é uma promoção do Centro de Ciências Humanas, PPG em Filosofia e Curso de Filosofia. As inscrições estão abertas até o próximo dia 10, quinta-feira. Confira a programação completa do evento DIA 16/10/2002 - QUARTA-FEIRA 19h - Credenciamento 20h - Abertura: Prof. Dr. José Ivo Follmann (Diretor do Centro de Ciências Humanas - UNISINOS) 20h15min às 22h - Conferência: "MEMÓRIA ÉTICA: REPRESSÃO E TORTURA”
Conferencista: Prof. Dr. Roberto Romano (UNICAMP) Debatedor: Prof. Dr. Marcelo F. de Aquino (UNISINOS) Coordenadora: Profª. Drª. Cecília Pires DIA 17/10/2002 - QUINTA-FEIRA 14h - Mesa-redonda: "ÉTICA: PRESENÇA E AUSÊNCIA” Debatedores: Prof. MS Paulo Carbonari (MNDH), Prof. Dr. Cláudio Boeira (UNIJUÍ) e Profª. Drª. Maria da Penha F. S. de Carvalho (Rio/Gama Filho) Coordenador: Prof. MS Urbano Scheid 16h30min - Mesa-redonda: "AS INTERFACES DA VIOLÊNCIA: AS LEITURAS DA HISTÓRIA E DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA” Debatedores: Prof. Dr. Inácio Helfer (PPG Filosofia - UNISINOS), Profª. Drª. Berenice Corsetti (PPG Educação - UNISINOS), Profª. Drª. Cecília Pires (PPG Filosofia - UNISINOS) Coordenador: Prof. Ms. Gilberto Kronbauer 20h - Conferência: "ETICIDADE E VIOLÊNCIA” Conferencista: Profª. Drª. Susana Albornoz (UNISC) Debatedor: Prof. Dr. Álvaro Valls (PPG Filosofia - UNISINOS) Coordenador: Prof. Dr. Inácio Helfer DIA 18/10/2002 - SEXTA-FEIRA 14h - Sessão de comunicações 16h30min - Mesa-redonda: "A IRRACIONALIDADE DA TORTURA" Debatedores: Prof. Juan Oscar Gatica (MNDH), Sra. Suzana Lisboa (CDHAL) e Prof. MS Marcelo Beckenhausen Coordenador: Prof. MS Sérgio Trombeta 20h - Conferência de encerramento: "O IMAGINÁRIO DO SOFRIMENTO" Conferencista: Dr. Adalid Contreras Baspineiro (Bolívia) Debatedor: Prof. Dr. Castor M. M. Bartolomé Ruiz (PPG Filosofia - UNISINOS) Coordenador: Prof. MS Celso Cândido
No dia 3 de outubro, no IHU Idéias, foi apresentado o tema O Brasil que vai às eleições. As primeiras eleições presidenciais após a década neoliberal. O palestrante, Prof. Dr. Inácio Neutzling, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos, traçou um panorama da economia atual em relação às administrações presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. O ministrante disse que, assim como as eleições de 1989, com a disputa entre Collor e Lula, definiram a década de 90, as eleições atuais definirão a primeira década do século XXI.
"A discussão foi de extrema importância. É uma pena que foi tão próxima às eleições. Deveríamos ter discutido isso uns três meses antes. Quem sabe alguns colegas nossos pensariam diferente e teriam mudado de opinião". Marilena Vieira, aluna do Curso de Psicologia "Achei muito importante a temática. Estamos diante de um impasse. Há um novo modelo se instituindo e discussões como essa são saudáveis". Jaime Luis Kronbauer, aluno do Curso de Ciências Sociais ONZE DE SETEMBRO: REPERCUSSÕES O IHU Idéias da próxima quinta-feira trará como tema de discussão "Onze de Setembro: repercussões", com o Prof. Dr. Danilo Streck. Prof. Danilo é Doutor em Fundamentos Filosóficos da Educação pela Rutgers - The State University of New Jersey, R.U., Estados Unidos, com tese intitulada John Dewey s and Paulo Freire s view of the educational function of education, with special emphasis on the problem of method. É Mestre em Educação Teológica, pela Princeton Theological Seminary, P.T.S, Estados Unidos, Graduado em Letras pela Unisinos e coordenador do PPG em Educação, do Centro de Ciências Humanas. A exposição será desenvolvida a partir da exibição do vídeo "A Guerra contra os Povos", uma entrevista com Noam Chomsky, realizada pelo sociólogo Attílio Borom, durante o Fórum Social Mundial deste ano. Noam Chomsky é lingüista de renome mundial, ativista político, escritor, ensaísta e professor. Tem uma vastíssima obra publicada, particularmente nas áreas de Filosofia, Lingüística, Ciências Sociais e Humanas. É uma personalidade conhecida pela sua intervenção e participação nos movimentos em prol da paz e da justiça social. O vídeo situa a data de 11 de setembro no contexto do confronto entre o movimento de anti-globalização e a "guerra" contra o terrorismo. Confira a programação do IHU Idéias para as próximas quintas-feiras: 17/10/02 - Apresentação da tema: “Redescobrindo 'Os Sertões' 100 anos depois”. Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte. 24/10/02 – Apresentação do tema: “As plantas medicinais na vida da pessoa humana”. Ms. Virginia Koch. 31/10/02 – Apresentação do tema: “Os sentidos identitários na TV”. Profa. Dra. Suzana Kilpp. O IHU Idéias acontece todas as quintas-feiras, das 17h30min às 19 horas na sala 1C103.
LÓGICA DO NIILISMO. DIALÉTICA, DIFERENÇA, RECURSIVIDADE FRANCA D’ AGOSTINI O livro desta semana é o recém-lançado Lógica do Nihilismo. Dialética, Diferença, Recursividade da autora italiana Franca D’Agostini. O livro foi traduzido e publicado pela Editora Unisinos, 2002. Franca D’Agostini já é conhecida dos leitores e leitoras do IHU On-Line. Pois na edição nº 16 publicamos uma resenha do seu livro Analíticos e Continentais. Este livro foi tema do IHU Idéias no dia 16 de maio de 2002 pela Profa. Ana Carolina Regner da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFGRS. Reproduzimos a apresentação à edição brasileira feita pelo prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino e a Premissa escrita pela autora do livro. Vale a pena conferir. Os subtítulos e o sublinhado são nossos.
AP R E S E NT AÇ ÃO À E DI Ç ÃO B R AS I L E I R A
Por Marcelo Fernandes de Aquino
A reflexão filosófica que se inaugura na Grécia tem por objeto de sua interrogação o ser como conteúdo-significado da linguagem, seja ele o cosmos, a vida, o homem, o divino. A especulação eleática tem por objeto o próprio ser na sua unidade absoluta. Somente a partir do questionamento socrático, a pergunta em torno do ser mostra-se explicitamente como pergunta em torno da acepção existencial do sentido do ser. O primeiro surgir da questão do sentido existencial do ser, no horizonte da reflexão filosófica, está na definição da areté como forma da vida melhor, orientada para o Bem. Ela vem a tornar-se uma das rotas principais do pensamento filosófico do Ocidente. A descoberta platônica do mundo inteligível como verdadeiro objeto do conhecimento intelectual introduz a questão do modo da presença do inteligível no intelecto, ou seja, postula a existência do modo intencional do ser do objeto conhecido corno tal. Com isso, Platão pôs o problema da representação do objeto ou da natureza da sua presença no sujeito. Contudo, em Platão, a representação fica relegada tanto ao plano inferior da doxa ou opinião quanto ao plano do conhecimento sensível ou por imagem (Rep. VI, 509 d 7 - 511 e 6). O problema da relação entre conhecimento e representação desenha-se em Platão, além disso, numa significação ética entendida como direção de vida. A origem desse aspecto do problema pode ser identificada na querela entre Platão e os sofistas. No diálogo Sofista, Platão refuta as duas afirmações de Protágoras: tudo é verdadeiro
(pant'alethe), e o homem é a medida de todas as coisas (panton chrematon metron). A demonstração da possibilidade da proposição falsa como lugar teórico e refúgio do sofista revela a face do não-ser ou do falso oposto ao verdadeiro. No diálogo Teeteto, a refutação de Protágoras pode ser considerada o ponto de partida da trajetória do conceito de medida, que ocupará um lugar fundamental na estrutura do pensamento clássico, dando origem à dialética do mensurante e do mensurado no estabelecimento de um princípio hierárquico de ordem no conhecimento e na ação. Aristóteles foi o primeiro a tratar explicitamente do problema da representação do objeto como uma presença intencional no sujeito (De Anima 11 e 111; Metaphysica 1, 1 e VII, 13; Analytica posteriora 11, 19). Até o limiar da filosofia moderna, a teoria aristotélica da identidade intencional da aisthesis e do aistheton e do nous e do noeton no livro 111 De Anima constitui a matriz inteligível do problema gnosiológico da representação do ser na inteligência sob a forma do conceito universal. A necessária representação do objeto no conhecimento, postulada pela não-identidade física entre cognoscente e conhecido, permanece como elemento subordinado à primazia do ser na gnosiologia antigo-medieval até o século XIII d.C. Essa primazia significa a prioridade da verdade objetiva sobre a sua representação subjetiva. Em outras palavras, a identidade intencional do ato do sujeito e do ato do objeto, expressa no axioma intellectus in actu est intellectum in actu enunciado por Aristóteles, significa a primazia do ser, perdurando até o início do século XIV d.C. Um processo de grandes transformações, em que são postas em questão as estruturas mentais que sustentavam até então o edifício intelectual da cultura antigomedieval, sacode o século XIV. O primeiro episódio dessa revolução intelectual no campo do pensamento filosófico situa-se no campo da teoria do conhecimento. Trata-se da inversão no regime do conhecimento, que passa a dar primazia à representação, a ela submetendo a face objetiva - o ser - do objeto conhecido. O teólogo franciscano Duns Scotus, no início do século XIV, ao pretender explicar o ato intelectivo, substitui pela teoria do ser objetivo (esse objectivum) ou representado a teoria aristotélica, recebida por Tomás de Aquino, que aplica a doutrina das causas e a intercausalidade que entre elas se estabelece à produção do conhecimento intelectual. A teoria scotístico-nominalista da representação confere novo estatuto gnosiológico à representação do objeto ou ao seu ser intencional objetivo na imanência do sujeito cognoscente. Segundo essa teoria, a representação se constitui em termo imediato da intenção cognoscitiva. A partir desse pressuposto, surge o problema da relação, na ordem do conhecimento, entre o sujeito cognoscente e o objeto no seu ser real, que se subordina à primazia da representação na medida em que o ser representado é, em si, primeiramente conhecido. Essa nova matriz de conhecimento redefine e reordena todos os grandes domínios da atividade humana - o noético, o ético, o social, o político, o técnico. A supressão, pelo menos virtual, da distinção aristotélica entre as três grandes formas de conhecimento - o teórico, o prático e o poiético - é um dos efeitos mais importantes da moderna teoria da representação. Na tradição aristotélica, o conhecimento teórico tem como objeto o ser das coisas investigado e contemplado na sua verdade. O conhecimento prático tem como objeto o agir virtuoso segundo o costume, descrito e compreendido na sua bondade. Já o conheci- mento poiético rege o fazer de objetos segundo a sua utilidade. Nesta concepção, que privilegia a representação como sendo o objeto imediato da intenção cognoscitiva, um campo ilimitado de possibilidades de referir-se ao objeto - na sua verdade, bondade ou utilidade - como sendo um ergon, isto é, um produto da atividade poiética do
próprio sujeito, abre-se para o sujeito. O espaço da representação submete o objeto aos procedimentos operacionais definidos e estabelecidos pelo sujeito, inaugurando novo estilo de trabalho teórico. Este novo estilo de trabalho teórico dá origem à nova forma de saber científico, a ciência físíco-matemática, que se revela extremamente fecunda no que diz respeito ao conhecimento da natureza. Dela procede a revolução científica, que transformou profundamente as referências do universo mental do Ocidente, tornando possível a revolução técnica, que criou para os humanos um novo mundo de objetos. As linhas de inteligibilidade com que o homem pensa e interpreta a realidade passam a ser reordenadas em conseqüência da extensão dessa nova forma de saber, essencialmente poiética, ao campo dos antigos saberes teórico ou prático, ou ainda em conseqüência da submissão dos saberes teórico e prático à primazia da representação sobre o ser. Normas, valores e fins passam a ser estabelecidos de acordo com os princípios axiológicos que o homem estabelece e atendem sobretudo à satisfação das suas necessidades naturais ou artificialmente suscitadas. O primeiro capítulo da metafísica da subjetividade, enquanto filosofia própria da modernidade ocidental, é escrito na pauta da completa inversão do sentido do vetor metafísico do conhecimento, orientando-o para a imanência do próprio sujeito, em que se desenrola a laboriosa produção do objeto. Em outras palavras, a Denkform da modernidade ocidental encontra no sujeito sua evidência primeira e o primeiro princípio da sua ordem de razões. A substituição da aparência pelo ser e do simulacro pela verdade é uma constante que sempre retorna no projeto de desconstrução da estrutura ontológica da realidade, encetado pela modernidade. Na esteira desse projeto, o niilismo vem se impondo desde meados do século XIX, perpassando todo o século XX até os albores do século XXI, como sucedâneo da metafísica da subjetividade. Sua pretensão é ser o novo código de leitura das coisas, isto é, a nova gramática da cultura. A dialética do produzir-usar é aquela que rege a corrente de fundo da cultura moderna. A absolutização da práxis, esta, no seu conceito moderno, absorvendo a antiga distinção entre o fazer e o agir, é o núcleo dinâmico da cultura da modernidade. Contudo, o campo das grandezas mensuráveis e calculáveis, em que triunfa a razão matemática, é o do modelo poiético de conhecimento, essencialmente construtivista. Na sua inesgotável fecundidade, esse é o campo da natureza. O campo inteligível da práxis - a liberdade - não é, em si, grandeza rnensurável nem pode ser submetido ao cálculo. A liberdade, quando arrastada para a órbita do modelo poiético de conhecimento, fixa-se no momento inicial, que é o poder de escolha ou livre-arbítrio. Fixada no livre-arbítrio, ela avoca a si o fazer ou a poiesis do sentido existencial do ser. A trajetória desse traço característico da figura do sujeito na modernidade é a trajetória da errância do sujeito nos caminhos abertos pelo avanço dominador da tecnociência. A cultura é urna imensa axiogênese, uma gestação incessante de bens e valores, desde os bens materiais que alimentam a vida aos valores espirituais que exprimem as razões de viver. Na tradição filosófica do Ocidente, o valor é sempre avaliado segundo os fins que orientam o agir humano. Nele está sempre presente um sentido possível a ser dado à vida. A cultura, sendo, pois, uma gestação de valores, é na verdade uma luta pelo sentido - pelos sentidos - que se imporão e prevalecerão na vida dos indivíduos e dos grupos. A obra de Franca D'Agostini, que a Editora Unisinos apresenta ao público universitário brasileiro, pressupõe o cenário histórico-conceitual ora desenhado. Lógica do Niilismo é uma discussão substantiva desse tema maior da cultura contemporânea. A autora tem presente que Hegel inaugurou o século XIX na
filosofia continental européia, e Nietzsche o encerrou. A Editora Unisinos, em discutindo o tema do niilismo, compartilha com o leitor brasileiro a vocação de manter viva a memória do ser. PREMISSA Na tradição que dos riennistes (1)franceses chega a Jacobi, a Turgenev e aos niilistas russos e, por meio de Nietzsche e Heidegger, alcança Deleuze, Severino, Vattimo, o termo "niilismo" remete principalmente a duas configurações problemáticas, muito diferentes entre si, a tal ponto que a primeira dificuldade na interpretação do niilisrno consiste em considerar simultaneamente as duas e compreender a ligação entre elas. DOIS SENTIDOS DO NIILISMO Num primeiro sentido, niilismo é o que se pode definir, com um termo amplamente utilizado na tradição filosófica que se reporta a Heidegger e a Nietzsche, como a teoria da ultrapassagem: mais em particular, a idéia de um ato de transcender que jamais consegue realizar-se realmente, mas permanece sempre ameaçado e hipotizado, ou que se mostra impossível, porque "já desde sempre" realizado'. "Não possuímos a verdade", escreve por exemplo Nietzsche, e essa consciência é o que mais nos caracteriza: mas naturalmente esta é uma verdade que afirma a ausência de qualquer verdade, e a diz com a pretensão de que seja considerada sob todos os efeitos uma verdade, porém negativa, etc. (cf. Primeira parte, cap. 1). A definição nietzscheana do niilismo como instituição de um mundo verdadeiro e sua sucessiva "queda", com a conseqüente queda também do mundo aparente, é um dos pontos de partida canônicos desse tipo de interpretação: mais propriamente, a raiz do tema está em todas essas passagens das obras dos pensadores tardo-modernos (posteriores a Kant) em que se fala de "não poder sair" de algum tipo de instância conceptual (linguagem, pensamento, mundo, história, razão, etc.) e, ao mesmo tempo, da dificuldade de "permanecer dentro": assim o problema em questão, se quisermos, é a crise do imanentismo tardo-moderno. Num segundo sentido, niilismo indica o primado da diferença: a idéia de que não existem ordens nem hierarquias de valores e de sentido, mas a singularidade tem um primado sobre a totalidade, o particular se emancipa do conjunto, a parte salta para fora do todo, e, como escreve Nietzsche, “o todo não é mais todo" (vi, 3, p. 23). Esta é uma imagem que chega a Nietzsche da teoria da décadence de Bourget, e de Nietzsche chega a Deleuze (NP). Pode-se, talvez, dizer que o primeiro significado corresponde a uma linha interpretativa alemã e, de fato, é dominante em Heidegger e nos intérpretes de derivação heideggeriana, o segundo corresponde a uma tendência interpretativa francesa, e é sobretudo Deleuze a acentuar a imagem do niilismo corno pluralismo. É bastante evidente que, em ambos os casos, parece estar implicada certa dissolução da lógica e da antologia (ou pelo menos de certos rnodos “clássicos" de conceber o ser e o logos): no primeiro caso, por força da auto-refutação da verdade (a verdade 1
.- O termo usado provém de ‘rien’ que significa ‘nada’. Assim poderíamos traduzir o termo usado por ‘nadistas’ (nota do IHU On-Line)
de que pela desagregação dispomos, é a ausência de verdade), no segundo, pela desagregação das relações de sentido, pelo instaurar-se de urna metafísica (se assim podemos falar) do irrelativo, da singularidade e da simultaneidade. Em certo sentido, e mais simplesmente: as duas configurações correspondem a duas teorias críticas da verdade: a negativa (a verdade não existe) e a perspectivista (existem muitas possíveis verdades: talvez uma para cada "par de olhos"). Nesse momento, podemos apresentar a pergunta: que razões mantêm unidos os dois aspectos na mesma configuração teórica complexa que normalmente se define corno niilismo, e que evoca outras configurações problemáticas, corno o fim dos valores "supremos", "a redução do ser ao nada", a transfiguração do pensamento moral-metafísico no fundamental imoralismo e formalismo da racionalização, etc.? A hipótese de fundo deste livro é que as duas teses se mostram passíveis de coerência (e em certa medida também ambas legítimas) tão logo se advirta a dimensão fundamentalmente lógico-língüístíca de toda a problemática do niilismo. Noutros termos: as hipóteses que tentaremos demonstrar são: a) o niilismo é um efeito lógico-linguístico, especificamente ligado à natureza matemática da linguagem e à natureza lingüística da matemática (portanto, aos fundamentos da lógica); b) todos os problemas que a isso se ligam encontram uma explicação (se não uma solução) numa perspectiva lógico-linguística. A necessidade de usar a locução "lógico-lingüístico" deriva do fato de a teorização sobre o niilismo pertencer predominantemente a uma época e/ou a um contexto em que lógica, filosofia da linguagem, antologia, filosofia da matemática, não são nitidamente delimitadas e distintas (e essa ausência de limitação tem conseqüências teóricas relevantes). Quanto às modalidades, aos riscos e aos méritos dessa interpretação vagamente neoempirista e aparentemente dissolutiva do niilismo, remeto aos últimos parágrafos da introdução geral. Por agora, antecipando resumidamente o que em seguida tentaremos articular de maneira mais pormenorizada, pode-se logo notar que tanto o recurso (negativo) quanto a pluralização da verdade são muito facilmente remissíveis a dois modos fundamentais de conceber a negação: a negação clássica, que implica a inexistência do terceira entre verdadeiro e falso (pelo que V se não F, e F se não V), e a "pluralização" da negação, que implica uma série de perspectivas não clássicas, do intuicionismo às lógicas polivalentes e vagas (entre verdadeiro e falso existem terceiros, quartos, infinitos valores intermediários) . Como será mostrado, no desenvolvimento da pesquisa, o niilismo - e sobretudo o que os intérpretes "continentais" entendem com o termo - é a natural conseqüência de uma (meta)lógica que articula de vários modos as duas negações (respectivamente também definidas como: negação e diferença), fazendo agir uma sobre a outra, ou uma fora da outra. Neste exato aspecto, na recorrência - ou no recíproco "conter-se" - de negatividade e diferença, confirma-se a natureza fundamentalmente lingüística do problema do niilismo: negação clássica e diferença, de fato, encontram-se alternadamente "fora" ou "acima" uma da outra, porque para dizer a negação é preciso a diferença e para dizer a diferença (sem deixá-la fugir numa pluralidade micrológica indiferenciada) é preciso a negação (ou alguma forma de limitação exclusiva). Na lógica matemática, é bastante difusa a convicção de que a relação entre as duas formas de negação, relativamente à lógica clássica, seja de fato razoavelmente interpretável nos termos de um recíproco, conter-se e sobrepor-se, e isso pode confirmar a idéia - diferentemente sustentada por Nietzsche, Heidegger e outros – de que o niilismo não constitua, de modo algum, um desvio na “lógica”
que guia o Ocidente, mas a sua mais profunda verdade, e ilustre a sua natureza essencial. A tese que aqui tentaremos mostrar é que ele mais propriamente passível de ser situado nos confins da lógica clássica: em alguns clássicos pontos do trabalho lógico no qual a “ciência”, como o escreve o jovem Nietzsche no Nascimento da tragédia, " tendo chegado aos próprios confins, volta-se contra si mesma" e "se morde a cauda" . O objetivo do livro é oferecer um esclarecimento aprofundado, embora preliminar e não formal, dessas conclusões. Na primeira parte, tenta-se um balanço das condições (ontológicas, epistemológicas, metateóricas) de uma consideração lógica do niilismo, mostrando corno as noções-chave de toda a teoria, particularmente: a negação da verdade, a metafórica da "morte de Deus", o primado da interpretação, a “estetização" ou "retorização do theorein, se justificam e se esclarecem notavelmente, quando os situamos no quadro de uma reflexão geral sobre o sentido do "lógico" em filosofia. Na segunda parte, é oferecida urna efetiva interpretação do niilismo no sentido acima indicado, situando o terna da relação negação-diferença no interior do vasto movimento filosófico da lógica depois de Hegel e a partir de Hegel. O niilismo aparece assim como a última hipótese de urna "lógica filosófica" (ou seja, urna tentativa de formalizar ou dar rigor à linguagem natural) pensada depois da dialética, e em termos de prossecução ou transvalorização da dialética hegeliana. O conjunto deveria oferecer também, de passagem, uma visão da teoria da verdade e da práxis argumentativa, próprias de algumas posições filosóficas, ligam tradicionalmente à problemática do niilismo e dos esforços por elas realizados para desenvolver mais ou menos criticamente a perspectiva hegeliana do nexo lógicafilosofia e da negação clássica e diferença (negação não clássica). A longa introdução preposta ao livro antecipa quase todos os ternas e desenvolvimentos argumentativos que se encontrarão em seguida.
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+ O DESCOMPASSO DA RAZÃO: ENTREVISTA COM ALAIN DE LIBERA POR LUIZ FELIPE PONDÉ
Luiz Felipe Pondé é professor de filosofia da pós-graduação em ciências da religião e do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). A presente entrevista com Alain de Libera foi publicada na Folha de São Paulo 22-902. O DESCOMPASSO DA RAZÃO Alain de Libera é uma das principais figuras da filosofia medieval hoje. Professor da Universidade de Paris e de Genebra, sua crítica de medievalista identifica um enorme analfabetismo filosófico-religioso entre nós, descendentes dos preconceitos humanistas de Rabelais (escritor francês, 1494-1553) e naturalistas Bertrand Russell (1872-1970), fato esse que implica uma cegueira sutil. Por exemplo, nossa incompetência em pensar a moral sem confundi-la com "gestão ética de recursos humanos".
Como você vê a atividade de historiador da filosofia medieval hoje? Lamento que, apesar de termos muita pesquisa profunda sobre vários autores, não haja hoje muita gente preocupada em refletir sobre o papel do filósofo historiador, isto é, não se reflete sobre essa nossa função de dialogar com o passado. Penso que fazer história, principalmente em filosofia, é ser agente de perturbação das concepções de mundo nas quais estamos inseridos. O que teríamos a aprender -para além do exercício disciplinado da pesquisa que nos é ensinado na formação acadêmica em filosofia- com um pensamento que peca por ser ao mesmo tempo metafísico e teologicamente orientado? O filósofo norte-americano Richard Rorty há muito tempo sintetizou isso, dizendo que o vocabulário teológico é decadente e sem significado cognitivo. Há muito a aprender com a teologia e a religião intelectualmente articulada, como é o caso do pensamento medieval. Sei que você se refere àquela idéia que normalmente ouvimos de pessoas que se acham inteligentes, como muitos intelectuais e comentaristas de programas supostamente eruditos na TV, que, quando se vêem diante de "barbarismos", soltam aquele lugar-comum "oh, que horror, voltamos à Idade Média!!", no sentido de que, naquela situação "bárbara", apagou-se a luz da razão. Eu diria que, em certas situações, seria melhor que voltássemos à Idade Média, principalmente em se tratando de filosofia. Arriscaria dizer que a filosofia medieval tardia é, de certa forma, o outono da filosofia. Isso significa que hoje é que viveríamos "nas trevas"? Onde mais temos judeus, cristãos e islâmicos dialogando lado a lado, desenvolvendo argumentos que buscam algum consenso lógico? Por exemplo, toda essa discussão sobre o diálogo inter-religioso e o drama do fundamentalismo religioso atualmente é um exemplo claro da ignorância pós-medieval: pensamos que podemos discutir com indivíduos para os quais suas formas de vida são alicerçadas em Deus, unicamente a partir de pressupostos socioeconômicos, psicológicos ou políticos. Obviamente tais pressupostos fazem parte do tratamento intelectual de problemas humanos, mas não há como discutir fundamentalismo religioso sem conhecimento sólido de religião e teologia. É um erro clássico do ocidental moderno pensar que seus argumentos anti-religiosos tenham valor para alguém como um religioso fundamentalista; o terreno da discussão é antes de tudo teológico e filosófico, o diálogo deve ser aberto nesse lugar em que religião e pensamento se encontram. Devemos ser pouco otimistas com o alcance de nossas possibilidades em lidar com os problemas religiosos atualmente, se insistirmos nessa forma de ignorância. O erro estaria em pensarmos que onde há religião não há atividade inteligente e vice-versa? Claro. Podemos perceber essa ignorância com relação ao passado medieval e à espessura de sua atividade filosófica e teológica quando, por exemplo, ouvimos referências ao paraíso "andaluz", porque judeus, islâmicos e cristãos viviam lado a lado em "tolerância religiosa". Normalmente se toma Averróes (1126-98) como esse símbolo andaluz da "tolerância". Não há "tolerância religiosa" na Andaluzia, esse conceito é iluminista, portanto, posterior. Pensar assim é anacronismo. Para falar em tolerância é preciso pressupor a idéia de que não vale a pena, por uma série de razões, discutir os argumentos teológicos do outro.
A idéia filosófica de tolerância dessa forma aparece como um tipo sofisticado de "preguiça" intelectual? Sim. O que temos na filosofia da Idade Média, que é sua característica diferencial, é sua batalha de argumentos; não há tolerância de idéias, o que há é a busca de consenso argumentativo, o que implica necessariamente a idéia de que as partes entendem que é importante compreender logicamente e avaliar as formas religiosas de vida e de pensamento do outro. A pergunta filosófica medieval é: o que autoriza intelectualmente você, a partir do seu livro religioso de referência, a afirmar o que afirma? Averróes, nesse sentido, representa sim o momento anterior a um certo fracasso da filosofia. A modernidade desqualifica a tradição, atitude absurda para o medieval, e com isso mergulha nas trevas. A filosofia medieval tardia é um luto filosófico. Sem apropriação da tradição religiosa e de seu tratamento intelectual, não há pensamento possível. Mesmo a última encíclica do papa sobre fé e razão é triste nesse sentido: se um medieval a lesse, a consideraria "ultrapassada". Mas conceitos do tipo "pecado" e "Mal" podem ser consistentes para as ciências humanas? Um ilustrado afirmaria que o Mal é uma função da sociologia da miséria. Ele pode mesmo "sacar" Bataille e fazer um elogio ao charme da transgressão. Claro que o assalto que o FMI está fazendo a vocês e aos argentinos não pode ser explicado unicamente pelo conceito de Mal. Mas daí a supor que esse tesouro negro, que é a cultura ancestral que reflete sobre o Mal e o pecado, pode ser simplesmente lançado ao lixo é um erro metodológico-científico! Devemos dialogar com esse tesouro negro que em muito nos supera (as ciências refletem mal sobre essas questões), pois nele temos idéias como a de Agostinho, segundo a qual não há "supremo Mal" ou "fundamento do Mal", mas simplesmente um gigantesco parasitismo ontológico da força criativa humana e divina (o Bem). Isso implica que o Mal necessariamente não leva a lugar nenhum, pois não toca nenhum "fundo", sendo um impossível Nada; portanto é, necessariamente, um nômade nas variações da miséria.
+, VIDA DIET E LULA LIGH CONTARDO CALLIGARIS Reproduzimos o artigo de Contardo Calligaris, psicanalista, intitulado ‘Vida diet e Lula light’ publicado na Folha de São Paulo 3-10-02. As crianças são uma dádiva divina, é claro. Mesmo assim, não faltam os anúncios de pacotes de férias reservados aos adultos. É possível, por exemplo, escolher um cruzeiro com a garantia de não haver crianças a bordo. Entendo. Poderia até aconselhar todos os pais a passarem, de vez em quando, um tempo entre eles, sozinhos. Assim como poderia defender os direitos dos celibatários a ficarem na beira da piscina de um hotel sem os gritos e as chuvaradas das crianças pulando na água. De fato, não são os anúncios que chamam a minha atenção, mas a palavra usada para designar esses tempos ou lugares de sossego: "child-free", livre de crianças.
Em inglês, a palavra "free", livre, está se tornando um sufixo corriqueiro. Existem, como disse, cruzeiros e hotéis "child-free", livres de crianças. Existem restaurantes, bares, quartos de hotel, prédios e mesmo cidades "smoke-free", livres do fumo de cigarro. Existem áreas "noise-free", livres de barulho. Há bares, restaurantes e mesmo vagões de trem "cellular-free", livres de celular. Há calçadas "skate-free", livres de skates e patins. Existem alimentos "fat-free", livres de gordura, "sugarfree", livres de açúcar, e "salt-free", livres de sal. Existem a cerveja e o vinho "alcohol-free", livres de álcool. A cada dia, nos EUA, um banco nos promete o dinheiro necessário para que sejamos, enfim, "debt-free", livres de nossas dívidas (claro, à condição de contratar uma grande com eles, mas isso é um detalhe). E todo mundo deseja ter uma vida "hassle-free", livre de problemas. Ora, nossos filhos já cresceram, não fumo mais, como sem gordura, evito o açúcar, tomo refrigerante "light" e gostaria mesmo de não ter dívidas nem problemas. Mas fico perplexo com a sensação de que o bem-estar e a liberdade sejam, cada vez mais, definidos pela negativa -como se imaginássemos a liberdade não como a atividade de quem inventa, decide e atua segundo sua própria decisão, mas como a ausência, o afastamento de coisas que incomodam. Ser livre e feliz seria viver sem barulho, sem poluição, sem criminalidade, sem mosquitos, sem criança chata, sem credores. Ser livre significaria livrar-se dos estorvos mais do que ter autonomia para agir. Com isso, o "diet" alimentar torna-se metáfora de vida. Preferimos uma digestão suave, sem maus hálitos eventuais, a prazeres alimentares que poderíamos lamentar mais tarde. Do mesmo jeito, vivemos "light", pegamos leve para não ficar indispostos. Temos relacionamentos "diet": evitamos comprometimentos excessivos e coabitações difíceis ("melhor morar juntos só nos fins de semana"). Temos separações "diet": evitamos rupturas radicais ("somos separados, mas almoçamos juntos em casa com as crianças a cada dia"). E agora temos escolhas políticas "diet". O Lula 2002 é "light" - deve ser "socialismfree", livre de socialismo. Nenhuma objeção. Há tempos, tornei-me "diet" em política, como na mesa: os extremismos monolíticos me parecem sempre estupidamente assassinos de almas ou de corpos. Mas é curioso que (talvez para muitos) uma escolha política seja autorizada não por sua receita original, mas por ser "diet": Lula é um prato meio forte, mas, acalme-se, desta vez, ele vem sem gordura, sem açúcar e sem sal. De onde surgem tantas precauções? Qual é a "linha" que queremos preservar? Os estóicos e os cépticos, 2.300 anos atrás, idealizavam e perseguiam um estado sereno, em que a alma seria imperturbável, insensível aos reveses da fortuna. Para chegar lá, o caminho era desejar com cautela. A moderação tornaria os homens menos insatisfeitos. Eles chamavam esse estado de "ataraxia", ausência de preocupações. Será que é isso que perseguimos? Será que estaríamos aprendendo a esperar "light" para sofrer menos com a inadequação do mundo a nossos desejos? Receio que não. Nossa vida "diet" não leva a nenhum desprendimento estóico. Ao contrário, renunciamos a morder na vida só porque prezamos absurdamente a incolumidade de nossas bocas e de nossos dentes. Ou seja, nossa ataraxia é narcisista, avara: um regime que proíbe ou inibe qualquer coisa que possa ameaçar
nosso mundo e nossa pessoa. O resultado não é a serenidade, mas a tristeza e uma contradição atormentada. A tristeza nasce porque, quase sempre, os castelos que protegemos se revelam vazios. Quem não se engaja numa relação "para preservar sua liberdade" descobre, no fim, que preservou apenas sua solidão. A contradição atormentada nasce porque a vida "diet" nos frustra. Afastados e protegidos dos outros, somos obcecados por sonhos malucos e arriscados. Na tela dos cinemas, nossos heróis preferidos pulam de aviões e pontes com ou sem páraquedas, atravessam incêndios, desbravam chuvas de balas e sacrificam-se por idéias, projetos e paixões enquanto nós, sentados na platéia, mastigando chiclete sem açúcar ou balas sem gordura, circulamos pela vida de cinto de segurança, de capacete protetor e, caso encontremos alguém, nunca se sabe, de pílula do dia seguinte tomada e camisinha já posta.
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!# NÚCLEO DE COORDENADORES DE CURSOS No dia 30 de setembro, Inácio Neutzling, coordenador do IHU e o prof. Dárnis Corbellini, coordenador do Setor Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade, apresentaram o projeto e o programa do Instituto Humanitas Unisinos aos coordenadores e coordenadoras dos cursos de graduação da Unisinos, durante o encontro do fórum mensal dos coordenadores, na sala 5A108, no Centro de Ciências Econômicas. ÁGUA: BEM PÚBLICO UNIVERSAL No dia 1 de outubro, a coordenação do Simpósio Internacional Água: Bem Público Universal, finalizou a programação do evento que realizar-se-á nos dias 20 a 22 de maio de 2003.
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José Moacir Gomes Pereira é natural de Lajeado e mora Porto Alegre. Casado com Penélope há 31 anos, o casal tem dois filhos, Dimitrius e Lisandra. Atualmente, Moacir é Chefe de Gabinete da Reitoria e professor do Centro de Ciências da Comunicação. Inícios - Nasci em Lajeado, mas, na infância, vivi no município de Rio Pardo. Aos 13 anos, ingressei no Seminário São José, em Gravataí, de onde só saí depois que concluí o curso secundário. Formação - Cursei Filosofia em São Paulo, com os padres redentoristas. O curso de Teologia completei-o no seminário em Viamão. De 1968 a 1971, cursei bacharelado em Comunicação Social com Habilitação Polivalente em Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas, na PUC, em Porto Alegre. Em 1980, fiz um aprofundamento em Marketing na PUC do Rio de Janeiro. Trajetória - Passei por emissoras de rádio e televisão. Trabalhei na Assessoria de Comunicação do Governo do Estado, na gestão de Euclides Triches e no Grupo Sinteko de Gravataí. Durante 14 anos, fui gerente de comunicação e marketing da White Martins do RJ e gerente de comunicação social da Gerdau durante 7 anos. Na Fecomércio, fui diretor executivo e, em 1996, fui consultor do Sebrae. De janeiro de 1996 a novembro de 2001 fui diretor superintendente do Porto Alegre Convention & Visitors Bureau. Também em 1996 ingressei na Unisinos como professor no Centro de Ciências da Comunicação, onde coordenei a Agência Experimental de Relações Públicas até o início deste ano, quando assumi como Chefe de Gabinete da Reitoria. Família - Sou casado com minha "ex-noiva" Penélope há 31 anos e 9 meses. Continuo apaixonado até hoje. Todos os meses comemoramos aniversário de casamento. Tivemos dois filhos: Dimitrius, engenheiro mecânico, e Lisandra, formada em Direito. Considero a vivência e a união familiar fundamentais para o desenvolvimento pessoal, profissional e até religioso. Autor - John Kotter Livro - A Bíblia. É a base de tudo.
Filme - Dr. Givago, de David Lean. Nas horas livres - Ler, praticar exercícios, estar com a família ou passear com ela. Um presente - Livros. Momentos felizes - Os momentos de encarar novos desafios e a integração da família nas datas como o Natal e a Páscoa. Sem falar na passagem de ano, que considero o início de um novo caminho com novas conquistas. Unisinos - Uma instituição que oferece grande oportunidade para trabalhar no meu processo de crescimento pessoal, profissional, familiar e para a qual eu também me sinto em condições de contribuir. O ambiente acadêmico passa um clima construtivo, humano, de amizade. No aspecto físico, ela é destaque com essa natureza que diferencia. Sem falar na seriedade como instituição, sua missão e seus objetivos. IHU - Representa uma área da Unisinos com potencial e perspectivas incalculáveis para a promoção e construção de uma sociedade mais humana e mais cristã. É uma área de fundamental importância para o cumprimento da missão e do planejamento estratégico da Unisinos. Seu papel é insubstituível. Um grande sonho - Cumprir, em tudo, a vontade de Deus.
Aniversários Odelso@hotmail.com 8/10 Prof. José Odelso Schneider Setor Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade 13/10 Profª. Valburga Streck Setor Ética, Cultura e Cidadania
Valburga@bage.unisinos.br
(Atualmente reside em Roma)
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Cartas do Leitor
Sou estudante da UFSC e, através de meu irmão que cursa biologia na Unisinos, tomei conhecimento do jornal. Gostaria de recebê-lo por email, já que percebi a valiosa contribuição de seu material. Atenciosamente, Gizele Zanotto Olá amigos! Sou estudante de Jornalismo da Unisinos e preciso de uma matéria que saiu no IHU, há algumas edições, para fazer um trabalho. Trata-se do artigo sobre o filósofo Peter Singer, sobre as concepções dele de moral animal e o fato de o ser humano não
dever comer carne. Vocês poderiam me enviar esta edição, ou somente o texto, via e-mail? Agradeço sua colaboração Gláucia Civa
Caros editores , sou aluno da Unisinos do curso de Engenharia civil e gostaria de ter acesso a mais este informativo , o IHU On Line , que a universidade nos disponibiliza. Agradeço desde já, Eduardo Tavares. Ao IHU On-Line, "Recebo mais um boletim. Como sempre sumarento. Obrigado. Tenho uma correção e um protesto. No credenciamento da profª. Drª Arlete Arruda não é possível que a mesma seja Doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos, pois, ao que me consta, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas ainda não formou nenhum doutor, salvo que isso tenha ocorrido há alguns dias. Quero protestar, veemente, contra a maneira parcial com que foi conduzida a seleção dos nomes escolhidos para comporem a seção: O voto no Campus: em quem? por quê? Por que foi preciso escolher 4 dos treze entrevistados que manifestam posturas anti PT ou anti Lula? Por que não há nenhuma manifestação anti Serra, ou anti Ciro? Será que deverei rotular o IHU On-Line de ter aderido ao serrismo, como já protestei contra a Folha de São Paulo? Acredito, pelo sentimento que tenho, ao ver os botons e os adesivos nas pastas de alunos e alunas e professoras e professores que poderia se responder a cerca do voto no Campus: em quem? por quê? aqui se votará predominante em Lula, pois indiscutivelmente é aquele que tem as propostas que, entendia, vem o IHU On-Line defendendo. A matéria do IHU On-Line é, no mínimo, tendenciosa. Assim, 'O Brasil que vai às eleições. As primeiras eleições presidenciais após a década neoliberal' deverá servir para trazer um novo modelo para a nação?" Prof. Attico Chassot, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Centro de Ciências Humanas
Sala de Leitura "Li recentemente O anônimo célebre, de Ignácio de Loyola Brandão, lançado em 2002 pela Global Editora, com 379 p. (R$ 39,00 na livraria aqui do Campus). O livro é sobre pessoas preocupadas em se destacar do mundo dos anônimos, procurando a fórmula para a celebridade. A cor do momento, a melhor posição para segurar o copo quando fotografado, como não ser coadjuvante nas legendas, frases inteligentes, a praia a se freqüentar. A tragicomédia do nosso tempo". Prof. Dr. Fernando Jacques Althoff, doutor em Física e Química da Terra, mestre em Geologia e Geoquímica, especialista em Geociências, graduado em Geologia e professor do PPG em Geologia, do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas.
"Estou finalizando a leitura de Freud e Jung - Sobre a Religião, de Michael Palmer. O livro tem 269 páginas e foi publicado em 2001 pela Editora Loyola - SP. Analisa a posição de Freud e Jung sobre a religião. O interessante é que, conforme retratado no próprio livro, a obra é indicada tanto para leitores generalistas como para especialistas".
Profa. Dra. Cleide Rodhen, doutora em Teologia, mestre em Filosofia, graduada em Filosofia e em Psicologia e profa. do Centro de Ciências Humanas.
"O livro que atualmente tenho na minha cabeceira se chama Filosofia da Liberdade: fundamentos para uma filosofia moderna, de Rudolf Steiner, da editora Antroposófica 2000 (São Paulo)- tradução de Marcelo Veiga. É um livro complexo e encantador, da obra de Rudolf Steiner, autor que admiro muito. Este livro trata especificamente da ‘Liberdade’ e do livre pensar. A questão é abordada considerando diferentes opiniões e correntes, dividindo-se basicamente em dois grandes capítulos “A ciência da liberdade” e “A realidade da liberdade”, conduzindo, por fim, a uma visão muito peculiar em que o homem, na qualidade de indivíduo, torna-se senhor de seu destino desde que desperto para a consciência de ser, ele próprio, autodeterminado e, portanto, potencialmente livre". Profa. Dra. Denize Righetto Ziegler, doutora e mestre em Ciências Biológicas (Bioquímica), graduada em Nutrição, vice-diretora e professora do Centro de Ciências da Saúde
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