“É a velha crônica da América do Sul: tentativas de democratização e boicote da democracia pelas grandes classes proprietárias. Este drama está sendo ensaiado novamente no País. O povo escolheu a democracia e está sendo criticado abertamente por meio da propaganda. No marketing do candidato do governo, com uma artista, que tempos atrás foi de esquerda, falando do medo e do terrível diante da mudança” – Roberto Romano em entrevista exclusiva ao IHU On-line.
No País e fora dele, na Universidade e fora dela, ao longo dos últimos e dos próximos dias; o tema é único: eleições. A poucos dias do segundo turno, a edição número 39 de IHU On-Line apresenta uma série de entrevistas, artigos e notas com a intenção de colaborar no debate. Na matéria de Capa o Prof. Dr. Roberto Romano, da Unicamp, que proferiu uma conferência na Unisinos na semana passada, reflete em entrevista exclusiva para o IHU On-Line sobre a possibilidade de uma democracia social no Brasil e a possível reação que tal opção pode suscitar. Roberto Romano, sempre instigador, afirma: “Estão já preparando um golpe, racionalizando-o como ‘contragolpe’ ”. O Deputado Federal Delfim Netto fala sobre a social-democracia, as mudanças no PT e a herança pesada deixada pelo governo atual. E em entrevista à Revista Época, que reproduzimos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso analisa a sua gestão e expressa sua visão sobre os dois candidatos à Presidência da República. Em tempo de eleições, na seção do Livro da Semana, voltamos a falar do interessante livro Em busca de Novo Modelo. Reflexões sobre a Crise Contemporânea de Celso Furtado. Desta vez publicamos a resenha feita por Francisco de Oliveira, professor de sociologia na USP e coordenador do Centro de
Estudos dos Direitos da Cidadania (CNEDIC). Confira também ao longo das próximas páginas os eventos de destaque da semana passada na Unisinos e aqueles que ainda acontecerão nesta semana, além de outras novidades. Entre os eventos, de maneira muito simples, o Instituto Humanitas Unisinos marcou o seu primeiro ano de existência com uma exposição, nos dias 16 a 18 de outubro, no Espaço Cultural.
O BRASIL E A DEMOCRACIA
ENTREVISTA COM PROF. DR. ROBERTO ROMANO-UNICAMP No dia 16 de outubro passado, visitou a Unisinos o Prof. Dr. Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas- Unicamp. O motivo da sua passagem pela Unisinos foi a palestra de abertura do V Colóquio de Filosofia - I Seminário de Ética e Contemporaneidade. Romano abordou o tema Memória, ética, repressão e tortura. Sobre esse assunto e sobre sua visão geral do cenário político brasileiro, o filósofo conversou com IHU OnLine. Roberto Romano é Titular na área de Ética e Filosofia Politica da Unicamp e doutor em Filosofia pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS), Paris França. Roberto Romano é autor do livro, entre outros, Brasil: Igreja contra Estado. Uma crítica ao populismo católico, São Paulo: Kairós, 1979. Trata-se da sua tese de doutorado que quando foi publicada causou intenso debate. Continuando na linha da sua tese de doutorado, recentemente ele retoma as teses do livro no prefácio do livro Jessie Jane VIEIRA DE SOUZA, Círculos Operários. A Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil, Rio de Janeiro: Editora UFRJ – FAPERJ, 2002. Leia, a seguir, trechos da entrevista com o professor Romano, realizada no dia 16 de outubro, no Instituto Humanitas Unisinos. IHU On-Line- O que o Sr. destaca na sua abordagem histórica e ética da repressão e da tortura? Roberto Romano- Pretendo falar da tortura indo até as origens do problema, na Grécia. A tortura, na sociedade grega, pode ser aplicada ao estrangeiro e ao escravo, porque ambos não dominam a palavra, o logos. Se eles não têm o domínio da razão, é preciso arrancar deles, do seu corpo, a verdade. O estrangeiro fala estranho, como se balbuciasse, donde a onomatopéia “bárbaro”, e o escravo foi excluido do domínio de seu corpo. Platão e a Filosofia utilizaram muito a imagem da tortura para pensar a verdade. Isto liga-se ao desprezo pela palavra do homem popular. Assim como o estrangeiro e o escravo não têm o domínio da palavra, o homem comum pode perder o auto-domínio por meio da palavra. Ele pode ser convencido, na demagogia, ou ele fala demais; ele não é prudente. Isso leva à idéia platônica de que o governante pode mentir pelo bem da polis. IHU On-Line- De certa forma, a Filosofia ajudou a legitimar a tortura e o autoritarismo como forma de governo?
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Roberto Romano- O “direito à mentira” governamental foi agudizada num escrito de Plutarco, um neoplatônico. Para ele o governante deve cuidar do povo como o médico. Ele precisa esconder as doenças da cidade. Surge a razão de Estado e, nela, o governante possui todos os segredos, ninguém pode guardar segredo diante dele. A razão de Estado permite que o governante possa tatear, ouvir, olhar tudo na alma e no corpo dos submetidos, mas os governados não têm direito de fazer isso com o governante. Elias Canetti diz que o segredo é alma das ditaduras. Todos esses passos, políticos, retóricos, jurídicos, servem para justificar os procedimentos ditatoriais, entre eles a tortura, como se fossem naturais. Justifica-se a tortura para arrancar do dominado ou do inimigo a verdade que salvaria a república. Canetti diz que a ditadura é valorizada, porque nela não se fala muito, e os problemas são resolvidos. A democracia não é valorizada porque nela todos falam, e nada se resolve. Numa cultura onde a ditadura é admirada, diminui a estima pela democracia. Nesta cultura existe, sempre, a possibilidade da passagem de um golpe de Estado, abrindo portas para os torturadores. IHU On-Line- A eleição de pessoas como Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, pode estar relacionada a essa valorização da ditadura mais do que da democracia? Roberto Romano- De poder autoritário sim. ACM é representante típico dos poderes oligárquicos, acostumado a mandar diretamente, sem a mediação da lei. Ele se relaciona com a população de modo ambivalente, age como bonzinho e como ruim. Esta é a atitude utilizada pelos oligarcas: doce e chicote. IHU On-Line- Recentemente, num artigo, o Sr. comparou o cenário político atual com a possibilidade de retomar a soberania do povo tirada desde o fim da Revolução Francesa. Qual o significado dessa relação?. Roberto Romano- Das Luzes e da Revolução Francesa surgiu a idéia de que soberano é o povo, atenuando-se ao máximo a representação. Na contra-revolução, essa doutrina mudou: soberano não é mais o corpo da cidadania. Esta delega aquela prerrogativa, e os grandes responsáveis pela república são os proprietários. Há um retorno às doutrinas de John Locke, para quem a propriedade é um requisito fundamental da humanidade. Leia-se o artigo de Maria Sylvia Carvalho Franco, “All the world was America” (Revista USP). Quem não for proprietário não tem direito de falar sobre a coisa pública. Os contra-revolucionários, todos eles, saíram dos quadros mais radicais da Revolução Francesa, como prova Alain Badiou em estudo recente. Os jacobinos foram os contra-revolucionários. É comum, na história, os mais radicais se tornarem os mais radicais contra as idéias que defendiam. Os universitários que governam hoje o País, todos saíram da esquerda e renegaram a democracia radical (“Esqueçam o que eu escrevi”). No Brasil, do ponto de vista histórico, e talvez na América do Sul, pela primeira vez em 500 anos, pode acontecer o fato simbólico de um operário de origem chegar à direção de um poder essencial, o executivo.
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IHU On-Line- Como poderia ser o encontro de um governo com origem operária e um país historicamente governado por interesses de elites? Roberto Romano- Em termos simbólicos, é fantástico, mas insuportável para as classes proprietárias e para os que se acostumaram a governar o País com doce e chicote. Para os oligarcas e grande número de pessoas de classe média é uma blasfêmia dar o poder à uma pessoa sem grande nome de família. Lula é da Silva, seu nome não é sonoro. As figuras do Parlamento, do executivo, do judiciário, ostentam nomes de famílias dominantes desde a época da Colônia, como no caso de Humberto Lucena. IHU On-Line- Como o Sr. acha que essas elites reagiriam diante de uma possível vitória de seu oponente? Roberto Romano- Pela primeira vez, teremos a esperança de uma democracia social e política. Tal fato está sendo anunciado como terremoto. As pessoas não se limitam a assustar o povo dizendo que haverá o caos econômico e social, etc. Elas estão já preparando um golpe, racionalizando-o como “contra-golpe”. É a velha crônica da América do Sul: tentativas de democratização e boicote da democracia pelas grandes classes proprietárias. Este drama está sendo ensaiado novamente no País. O povo escolheu a democracia e está sendo criticado abertamente por meio da propaganda. No marketing do candidato do governo, com uma artista, que tempos atrás foi de esquerda, falando do medo e do terrível diante da mudança, é possível constatar o que eu disse antes. Todo governo tem, de um lado, os interesses das massas para satisfazer e de outro os interesses internacionais. O equilíbrio entre os dois é difícil e precário. É uma situação que, embora diferente, lembra a de 1964 no Brasil. Havia um movimento popular fortíssimo exigindo reformas e um governo que tinha origem na ditadura Vargas e pé nas oligarquias. Jango que não conseguiu responder nem aos problemas de uns nem aos de outros; o resultado foi o golpe de Estado. Eu não vejo a impossibilidade de uma tentativa de Golpe de Estado, sobretudo na via civil do golpismo, por meio de artifícios parlamentares com ajuda de setores econômicos e judiciários. Se preciso, mesmo setores militares podem ser usados num “pronunciamento”. Para evitar isto, a população deve ser mobilizada e uma política firme de mudanças (como a reforma agrária) precisa ser definida, sem timidez, pelo governo democrático. ‘PRECISAMOS DE UM GOVERNO MAIS PREOCUPADO COM A FÁBRICA DO QUE COM O BANCO’ ENTREVISTA COM DELFIM NETTO Delfim Netto concedeu uma longa entrevista na página www.lula.org. A entrevista foi amplamente comentada nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil. Pela repercussão e importância da entrevista reproduzimos trechos da entrevista.
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Pergunta - O que o faz saudar o PT como uma força política renovadora? Delfim Netto - O PT não era absorvido pelo processo político brasileiro porque seu programa recusava o capitalismo. Mas o partido fez o curso que as sociais-democracias do mundo fizeram e mudou... Pergunta - O PSDB também se reivindica social-democrata. Até no nome. Delfim Netto - O PSDB é uma falsa social-democracia. Digo isso há oito anos. É uma social democracia de professor e intelectual. Não tem a classe proletária. É uma nova coisa. Uma coisa de novo tipo. Dificilmente resistiria a um processo em que o PT se apresentasse corrigindo os defeitos de seu programa. Foi o que aconteceu. O paralelo que costumo fazer com o PT é o da social-democracia alemã. Ela chegou ao poder quando retirou do seu programa os restos de marxismo de pé-quebrado. O mesmo aconteceu com o Partido Trabalhista inglês. Quando Tony Blair retirou do programa a cláusula quatro, que exigia a propriedade coletiva dos meios de produção, o partido voltou ao poder. A urna – mecanismo de correção do mercado Pergunta - Mas o Blair e o Fernando Henrique seriam justamente a voz da Terceira Via, hoje vista como a desfiguração completa da socialdemocracia. A Terceira Via praticamente se rendeu ao mercado e abdicou da intervenção do Estado em defesa de interesses sociais, não é? Delfim Netto - Na verdade, na verdade, o que é um programa socialdemocrata? É você conservar do mercado a eficiência. Agora, o mercado é compatível com a liberdade, mas não é compatível com a igualdade. Então é preciso um mecanismo de correção para a desigualdade… Pergunta - Qual seria esse mecanismo? Delfim Netto - O maior mecanismo de correção é a urna. Portanto, a Terceira Via é perfeitamente dispensável, porque compor essas coisas de fato é muito diferente de dizer que vai fazê-lo. O PT reproduziu na prática o caminho das sociais-democracias, é diferente. Agora, o que se espera dele, é que use as urnas para reduzir o grau das desigualdades. Esse percurso foi possível graças à ‘Carta de Ribeirão Preto’… Pergunta - O senhor fala da ‘Carta ao Povo Brasileiro’? Delfim Netto - Não, eu me refiro ao atual programa, e digo ‘Carta de Ribeirão Preto’ por causa do Palocci [Antônio Palocci Filho, prefeito licenciado de Ribeirão Preto e coordenador do Programa de Governo da coligação Lula Presidente]. O Financial Times me liga perguntando por essa carta de Ribeirão: — ‘Mas só o senhor tem essa carta?’ Eu me divirto. O PT teve quatro programas. Neste último, coordenado pelo Palocci, você incorporou o instrumento do mercado. Pergunta - O mercado como ferramenta de política econômica… Delfim Netto - Esse negócio de mercado, a favor do mercado, contra ele, parece que o mercado é um ente, um ser. O mercado não é nada. O mercado é um conjunto de regras. Agora, são regras morais também. Se o partido tentar enfrentar essas regras vai ter uma administração ineficiente. Então aquele romantismo de engenharia social, de construir um homem novo etc., sem atentar para essas regras, deu no que deu... Pergunta - A social-democracia é uma contradição em termos? Delfim Netto - A verdade é a seguinte: são três valores relativamente contraditórios. Eficiência, igualdade e liberdade. A dosagem desses elementos depende da ação do governo, e quem decide como vai ser
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feito é a urna. O sufrágio universal eliminou a capacidade antropofágica do capitalismo. Caso contrário, ele teria se comido por inteiro. Se não existisse o poder corretivo do sufrágio, tudo aquilo que o velho Karl Marx colocou no ‘Manifesto’ aconteceria mesmo. A existência dessas duas instituições, o mercado e a urna, é que vai produzir a tal da sociedade razoável. Pergunta - Onde deu certo essa social-democracia que compatibiliza igualdade com mercado? Delfim Netto - Ela está funcionando no mundo inteiro. É assim que progride a economia francesa, a alemã, a espanhola, a austríaca... Este jogo entre o mercado e a urna é que civiliza a economia. Os erros do governo FHC Pergunta - A vitória do PT no primeiro turno indicaria a demanda por algo semelhante… Delfim Netto - O governo FHC levou oito anos de insistência no mercado. Produziu desigualdades monstruosas — e, note: sem que produzisse nenhum crescimento. Gerou um endividamento formidável e um desemprego assustador. Então, obviamente, não tem outro remédio a não ser a urna corrigir isso. É o que estamos assistindo. Pergunta - Agora o candidato oficial diz que não se deve olhar o passado, mas pensar o Brasil para frente... Delfim Netto - Bem, é uma estratégia eleitoral. Você tem que convencer o sujeito que está desempregado, há cinco anos, que fique esperando mais cinco anos porque o dia dele vai chegar. Agora, queira ou não queira, Serra é o herdeiro do que está aí. Pergunta - Qual foi o maior erro do governo FHC? Delfim Netto - O governo FHC tem muitos méritos. O Fernando é um homem inteligente, é um intelectual importante, deu uma dimensão internacional ao Brasil. Ponto. Mas a sua obra terminou em 1995. Foi quando se fez o Plano Real de estabilização. Foi tal o sucesso, de tal modo espantoso, que ele interditou o debate a seguir. O agricultor reclamava, o Fernando dizia com sua retórica dura: ‘esse é um caloteiro’. O industrial reclamava ele respondia: ‘isto é um homem da avenida Paulista, querendo mamar nas tetas do governo’. O outro dizia, ‘o câmbio está errado’, ele retrucava: ‘este é um jurássico, não gosta do Brasil, nós estamos aumentando a produtividade’. Quer dizer, ele conseguiu errar durante os quatro anos seguintes ao Plano Real. E, por obra e graça de sua retórica, provar que estava certo, graças ao eco dos editoriais de grandes jornais. Quer dizer, é uma das coisas mais espantosas que já aconteceram neste país. Então, quando a política econômica explodiu em 98, as pessoas não conseguiam entender o que tinha acontecido. Por quê? Porque não foram informadas. E até hoje ainda não sabem direito o que houve. FHC interditou o debate com algo que é 90% ideologia de mercado e 10% de uma teoria econômica. Pergunta - Qual a margem de manobra de um novo governo que tenha como ênfase o social? Delfim Netto - O Brasil será entregue por FHC com uma situação muito difícil. Você tem uma vulnerabilidade externa importante e um acordo com o Fundo Monetário Internacional. Agora, o problema não é o Fundo, não. Problema é um governo que foi três vezes ao Fundo. Esse é o ponto: como é que um governo pode convencer a gente de que, tendo ido três vezes ao FMI em quatro anos, foi uma administração virtuosa? E ainda vai deixar o Fundo para o próximo! Pergunta - Esse é o divisor de águas que impede o Serra de debater o tal passado?
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Delfim Netto - Olha, a diferença entre Serra e Lula não é nem nas pessoas. O fato é o seguinte: o Serra está mobilizando o velho; o Lula está mobilizando o novo. É isso, acabou, não adianta. Mais ‘fábrica’ e menos ‘banco’ Pergunta - Uma dos maiores trunfos de Lula é sua capacidade de negociação social. Um entendimento desse tipo envolveria contrapartidas, ainda que futuras. O senhor vê espaço para elas no atual cenário? Delfim Netto - Eu não diria contrapartidas. Esse governo, haja o que houver, tem que ser um governo mais preocupado com a fábrica do que com o banco. Onde é que nós empobrecemos? Nós empobrecemos porque abandonamos o parafuso. Então só vai fazer algo razoável quem se preocupar com o parafuso. O Lula é essa possibilidade do novo. O outro é a mesma coisa. Pergunta - Lula terá o seu voto no segundo turno? Delfim Netto - Ainda vou estudar isso com muito cuidado. Se ele persistir como tem sido até agora, afirmativo nesses pontos a que me referi antes, sim. Na minha opinião não há nenhuma razão para que a coisa dê errado.
PRESIDENTE EM CAMPANHA
ENTREVISTA COM O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO/ REVISTA ÉPOCA Quando faltam menos de três meses para o fim de seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu ir à luta. Em entrevista a ÉPOCA, 16-10-02, na biblioteca do Palácio da Alvorada, FHC saiu em defesa da candidatura de José Serra ao Planalto. O presidente também acusou o PT de estar mudando de pele sem fazer um balanço das idéias anteriores. Aos 71 anos, Fernando Henrique prepara-se para deixar o governo com aprovação de 35% da população. É uma situação estranha quando se recordam as dificuldades para Serra chegar ao segundo turno com 23% dos votos - apenas a metade da soma dos votos obtidos por Lula. A seguir, trechos da entrevista. ÉPOCA - Por que o senhor critica a atuação do PT na campanha? Fernando Henrique Cardoso - Não sei se o PT está se escondendo ou se a pele mudou. Eles não querem ainda mostrar a nova pele. Eles mudaram de posição sem falar aquilo que no passado se chamava de autocrítica. Essa é a astúcia. Faz de conta que mudou, mas ninguém sabe o que mudou. Outro dia José Dirceu disse uma frase ótima: ' Quero mudança com segurança' . É o slogan de Serra. ÉPOCA - Vai ver que é porque ele anda conversando muito com o senhor. FHC-(Risos) ÉPOCA - O que o PT ainda não mostrou? O partido diz que já deixou tudo claro. FHC - Precisa falar o que vai fazer com o Brasil. ÉPOCA - Por exemplo? FHC - Ele diz estar contra o que está aí. Mas vai reestatizar? Vai reestruturar a dívida? De que maneira vai baixar os juros? Como vai compatibilizar o aumento de salário proposto com o controle da
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inflação? A reforma agrária passou em brancas nuvens. Lula disse que vai negociar tudo, mas não explicou o quê. Lula vai negociar a partir do quê? Qual é sua posição? Nós estamos indo para uma eleição em que as pessoas estão votando em imagens, mas não em políticas. Não podemos saber em que direção estamos indo. ÉPOCA - O senhor admite que o PT mudou. Por quê? FHC - Com a pele que ele tinha, não dava para andar. Só que não querem reconhecer que nós colocamos o novo em prática antes. O PT fala hoje aquilo que nós dizemos há mais de dez anos. ÉPOCA - Essa mudança é sincera? FHC - O PT está beijando a cruz. Lembram quanto eu apanhei por causa da aliança com o PFL? E a aliança com ACM? Agora eu dou risada. É fantástico. ÉPOCA - Mas qual é o risco dessa postura? FHC - O risco é operar mal o sistema. Ainda que com a melhor das boas intenções. Não significa dizer que, se Lula ganhar, vai mostrar que é o lobo em pele de cordeiro. Ou, quem sabe, um cordeiro em pele de lobo. Não é isso. Não estou acusando Lula de insinceridade. É mais grave. É incompreensão porque faltou a autocrítica. Eles não sabem direito qual é o rumo. Vai ter gente que vai achar que eles, do PT, estarão enganando, traindo. ÉPOCA - Tanto Serra como Lula defendem uma política industrial que é, de certa maneira, a defesa de maior intervenção do Estado. FHC - Depende de como. Lula nunca explicitou nada. Serra tem explicitado mais. Aconteceu uma mudança radical no sistema produtivo no Brasil. O BNDES não atuou nisso? Não esteve presente na siderurgia, na exportação de aviões, na celulose, na petroquímica, na mineração? O Estado nunca deixou de ter um papel. E algumas pessoas - não é o caso de Serra - ficam pensando no velho papel dos anos 60 e 70, incompatível com o mundo presente. O ideal para essas pessoas é o governo militar. ÉPOCA - O senhor está falando daquele comentário de Lula sobre o regime militar? FHC - Mas não só de Lula. Os industriais paulistas também se beneficiaram do governo militar. Eles gostariam de ter de novo um BNDES que desse empréstimos a juros privilegiados para grupos específicos. Não é que não haja uma política industrial. Há outra política industrial. Eu não sou partidário de um Estado inativo. O que eu fiz foi reativar o Estado, mas tratando de readaptá-lo às condições do mundo presente. Isso não significa que o Estado não tenha um papel na economia. Mas é um papel diferente do que tinha antes. Quando você aprofunda essa discussão, vê que do outro lado ninguém tem solidez para sustentar qual é o modelo alternativo. Peguem-se, por exemplo, as privatizações. Alguém está propondo a reestatização da economia? Não vejo ninguém. Ou das ferrovias? Ou da siderúrgica? Ou da petroquímica? Falam em aumentar o Estado? Alguém quer, então, aumento de impostos? Ninguém está dizendo nada, só palavras vagas. ÉPOCA - Mas existe a sensação de que o governo está inativo. Que sensação é essa?
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FHC - Na luta ideológica, os formadores de imagem, que são os intelectuais, ficaram com olhos e valores voltados para o passado. Nossas universidades melhoraram muito. Mas muitos intelectuais pioraram. Já apareceu Copérnico e as pessoas ainda são ptolomaicas. Já se sabe que a Terra gira em redor do Sol, e não o Sol em redor da Terra, mas muita gente continua dizendo que a Terra é o centro do sistema solar. ÉPOCA - Quem são esses formadores de imagem? FHC - Os padres formam opinião, os líderes sindicais, os professores, os intelectuais, os jornais... Tentei várias vezes sentar com a CNBB, mas eles dizem coisas que não têm cabimento. Agora mesmo fizeram o plebiscito sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). E disseram que a Alca é alienação de soberania. Mas nem há Alca ainda. Ninguém sabe como será. Outro dia tive uma conversa com um líder importante do PT. Disse a ele para não perguntar sobre a Alca a mim, mas aos produtores de aço, têxteis, sapatos, aviões... Eles são a favor. Sabe por quê? Porque querem vender mais e isso é bom para o país. ÉPOCA - No primeiro turno o senhor elogiou Lula várias vezes. FHC - Lula tem uma coisa muito forte, ele é símbolo. Ele é símbolo do Brasil reivindicante e isso é positivo. Mas isso dá ao líder uma responsabilidade maior. Ele tem de dizer como vai reivindicar para poder ser líder. Ele vai reivindicar o social. Mas como? O que gera inquietação não só nos mercados, mas até na população, é que nós não estamos sabendo qual escolha está sendo feita. Pela primeira vez, o único partido estruturado, orgânico, que é o PT, deixou de botar na frente suas propostas. Está havendo uma junção, que vai dos líderes sindicais às oligarquias nordestinas. Quando você vai apertar, os líderes dizem: não é isso, mudei. Mas vai fazer o quê? ÉPOCA - O senhor nunca mudou de pele? FHC - Eu sempre explicitei isso. Se você for ler o que eu disse há 30 anos, estará lá a defesa da aliança. Minha divergência com o pessoal que fez o PT sempre foi a questão da aliança. Eu levei Lula para conversar com Ulysses Guimarães por causa disso. Nós queríamos que ele assumisse o movimento sindical do MDB. Mas a esquerda daquele tempo era contrária ao MDB. Há 30 anos, eu digo essas coisas. Eu não disse isso para virar presidente, eu penso isso, escrevi isso. Sempre vêm com essa história de que esqueci o que escrevi... Mentira. Nunca reneguei nada. Assumo tudo o que escrevi, levando em conta o tempo de cada escrito. Sempre briguei contra essa visão, que eu chamo de fundamentalista. É uma visão estática, não dialética. ÉPOCA - O que é política? FHC - É processo e convencimento. E, claro, é poder. Poder democrático. Você não tem de dizer eu sou bom e ele é mau. Quando você diz isso, faz pregação e vira fundamentalista. Faz política, mas uma má política. Você tem de tentar convencer o outro. Aliás, eu não faço outra coisa a não ser pedagogia. O fato de ser um contra o outro não quer dizer que você tenha de ficar estático. Você pode ter uma síntese. Eu continuo dialeta. ÉPOCA - O PT está mudando na mesma direção do PSDB?
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FHC - A diferença é que no PT a batalha não se deu. As reformas foram feitas no Brasil porque eu era presidente da República e tinha o poder. Não foi o sentimento do partido. Se você for ler o programa do PSDB, aquele foi um momento em que um grupo de intelectuais disse a verdade, verdade mesmo. Foi a primeira vez que se falou em capital estrangeiro e privatização... ÉPOCA - Quem eram esses intelectuais? FHC - Eram muitos. Hélio Jaguaribe, Winston Fritsch, José Serra, Edmar Bacha, André Lara Resende, Bolivar Lamounier. Essa gente disse: o mundo vai para essa direção, temos de manter a democracia como valor, o Estado não pode ser burocrático. ÉPOCA - Lula, Ciro e Garotinho somam 70% de votos de oposição ao governo. O senhor não se sente rejeitado? FHC - Eu não sou candidato. Dante de Oliveira tinha uma aprovação de 80% e perdeu uma eleição para senador. A apreciação sobre o governo não tem muito a ver com voto. Não há uma relação direta. Quando você está votando, entram muitos fatores. Numa eleição como a nossa, votase na pessoa. Acho muito divertido quando dizem nos jornais que certa esquerda avançou. ÉPOCA - Pode dar os nomes, presidente? FHC - Pegue o PPS, Ciro Gomes. Se pegar Brizola, ele é de esquerda, mas aquela que nos anos 50 nós já combatíamos. A visão dele era nacional-estatizante, não era internacionalista. Não levava em conta a questão de classe social, como nós dizíamos. Eu gosto de ver a composição do PPS de São Paulo. Chamar aquilo de esquerda é complicado. Essas coligações que existem hoje são a confusão total. Posso ter feito mais ou menos uma coisa parecida, mas agora sim é geléia geral. É preciso ter caminhos definidos. Quando Tony Blair ganhou na Inglaterra, propôs um caminho. Lionel Jospin fez o mesmo na França. Quando votaram em mim sabiam no que estavam votando. Eu disse que iria privatizar, fazer uma política de abertura de mercado e modernizar o Estado. Eu disse o caminho. Serra não precisa avisar, porque ele vai nessa linha. Mas quem vai em outra linha tem de dizer o que vai fazer. ÉPOCA - Por que nesta eleição as pessoas estão olhando mais para dentro do país? FHC - Elas não sabem em que mundo estão vivendo. A opção terceiromundista, que está implícita no programa do PT, não existe mais. Essa realidade não existe. A cabeça é terceiro-mundista. Você pode ser muito culto, preparado, inteligente, honesto, mas, se seu paradigma está errado, não tem solução. Não adianta. Vejo tantas pessoas cultas, inteligentes, honestas que estão olhando um mundo que não é o atual. ÉPOCA - Em sua opinião, qual é a grande injustiça que cometem contra o senhor? FHC - Não acho que cometam injustiça. Mas, quando vejo o debate na televisão, eu mesmo digo: ' Vou votar contra o meu governo' . Ciro diz que há 50 anos o Brasil não tem uma taxa de crescimento tão baixa. É mentira. Crescemos mais do que a média dos últimos 12 anos anteriores a meu governo. O outro diz que eu fechei a Sudene e fiz um grande mal. Não é verdade. Eu simplesmente moralizei a Sudene. E a
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Sudam também. Criamos as agências e tiramos o controle das mãos burocráticas e oligárquicas. Essa visão reiterada cria a imagem de que o Brasil vai de mal a pior. No conjunto, o país está melhorando. ÉPOCA - As pessoas perderam emprego... FHC - O desemprego é um problema mundial. A noção de emprego mudou e ele se tornou mais instável - o que é pior do ponto de vista de cada um. Você tem ocupação, mas não tem emprego. É mais variável. O grau de tecnologia aumentou muito. Poucos países têm uma taxa de desemprego mais baixa que a nossa. Uma coisa é a realidade. A outra é sensação. ÉPOCA - O senhor chegou a se sentir sem força diante da atual crise na economia? FHC - Nós conseguimos atuar. Nós somos titulares em crise financeira. Nunca um governo na história do Brasil teve tantas crises. Foram cinco crises em oito anos. É um recorde de crises que não foram nossas, foram geradas. ÉPOCA - Em alguma dessas crises, o senhor viu a possibilidade de o Brasil quebrar? FHC - Em 1999. Já tínhamos corrigido antes o câmbio, ä mas no dia 29 de janeiro, uma sexta-feira, durante a passagem de Chico Lopes pela presidência do Banco Central, vi a possibilidade de quebra. Eu estava em São Paulo, participando de uma inauguração. Foi a primeira vez que senti isso: gente na rua, população tensa. Começaram, então, a circular boatos de que haveria confisco de poupança. Fui três vezes à televisão, ao vivo, para dizer: ' O que é isso? Aqui não é o governo Collor' . Ali, eu achei que tudo iria para o espaço. No sábado, Pedro Malan pediu demissão. Mas resolvi substituir o presidente do Banco Central, Chico Lopes. Ele achava que tudo estava bem e não me informou de nada. Do ponto de vista técnico estava correto, talvez, mas não sentiu o pulsar das ruas, não me informou. ÉPOCA - Em 2002 estamos pagando pelo erro de o Banco Central deixar muitos vencimentos para o período eleitoral? FHC - O Banco Central espichou os vencimentos. Agora está em 32 meses. A dívida é grande e há sempre novos vencimentos. Quando o investidor tem certeza de que o próximo governo vai honrar, ele ganha juros rolando a dívida. Quando ele fica com medo, aí temos um problema. Aqui o Brasil tem uma vantagem grande. O sistema financeiro é nosso, denominado em real. Vejo analistas que dizem que 25% da dívida interna é em dólar, mas eles se esquecem de dizer que ela é paga em reais. É o valor do dólar pago em real. Não dependemos do dólar. No limite, você pode monetizar a dívida. Mas aí pronto: vem também uma inflação brutal. ÉPOCA - Mas existe essa saída? FHC - Tem essa saída. Você pode encurtar prazos, o país tem muitos mecanismos e não está em uma situação de estrangulamento. Esse estreitamento se deve às expectativas. Alguns especulando e outros porque têm essas percepções que misturam as coisas do mundo com nossas eleições.
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ÉPOCA - Acredita em pesquisas que dizem que o senhor tem aprovação em torno de 37% a 40% da população? FHC - Sei que não há uma polarização nem negativa nem positiva. No momento de Collor, ele tinha uma polarização negativa. Isso não existe. Eu vou à rua, como fui a São Paulo agora. O povo não está nessa de ficar contra. Mas acho perigoso ter uma atitude conformista em relação às pesquisas. Política é propor. Se fosse pelo conformismo do marketing, não se faria nada. Eu não teria privatizado. As pesquisas também são a favor da pena de morte. ÉPOCA - O senhor ficou fora do programa de Serra porque está com a popularidade baixa? FHC - Isso não é verdade. As pesquisas demonstraram que a campanha estava discutindo os candidatos. Não era o governo que estava em causa. O que está em causa são as qualidades dos candidatos. Não há interesse meu de colocar em causa a questão se é a favor ou contra o governo. O debate é outro: meu caminho é esse. O seu qual é? O senhor vai entrar na campanha? ÉPOCA FHC - Na campanha, não, mas sempre gostei de debater, gosto da polêmica. Não digo sim para tudo, e minha vida foi sempre de briga. Briga intelectual. Eu sempre fui pessoalmente polido, mas intelectualmente sou briguento. Toda vida briguei contra as maiorias. Eu gosto de discutir e de ganhar, se possível. ÉPOCA - Qual é o legado que o senhor deixa? FHC - O que eu gostaria de dizer é que mudei o Brasil. Não eu. Durante meu governo foi possível mudar o país. Mas isso eu não posso dizer. Tenho de deixar o tempo passar para ver. Criamos uma série de coisas. A reforma agrária avançou. As instituições ficaram fortalecidas e a liberdade é imensa. Nunca permiti nenhum arranhão à democracia. ÉPOCA - E o terceiro mandato? FHC - Isso não está em minhas cogitações. Para governar o Brasil, é necessário ter muita mobilidade, energia. Você é chefe de governo, chefe de Estado e chefe de partidos. É necessário muito controle e energia física. Daqui a quatro anos, eu terei 75. Chega um momento em que é preciso renovar.
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Em comemoração ao primeiro ano de existência do Instituto Humanitas Unisinos, ocorrido no mês de setembro, aconteceu nos dias 16, 17 e 18 de outubro a exposição IHU 1 Ano – em busca de ousadia e criatividade no Espaço Cultural do Centro de Ciências Humanas. Os visitantes puderam conhecer o Instituto Humanitas Unisinos através de cartazes explicativos, fotos, exposição das publicações do IHU e dos eventos já promovidos ao longo deste ano. Entre as publicações estavam as 38 edições do IHU On-Line, os exemplares dos Cadernos Cedope e as edições do periódico Perspectiva Econômica. Foi exposto o material informativo das 24 edições do evento IHU Idéias, O ciclo de debates semanal iniciado em abril deste ano e promovido pelo IHU. Além disso, foram apresentados os vídeos dos dois simpósios promovidos pelo Instituto Humanitas Unisinos: o Simpósio Internacional Ensino Social da Igreja, que gerou a publicação de um livro com uma coletânea dos textos das conferências e oficinas, e o Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade por uma ética na economia e na política do Brasil. A exposição retomou um seminário que convocou todos os membros do Instituto no último dia 23 de agosto. Na ocasião avaliou-se a caminhada e foram lançados os novos desafios. A mostra abriu também um espaço para lembrar um evento promovido pelo IHU que marcou este segundo semestre. Trata-se do Ciclo de Debates sobre a Alca, ocorrido no mês de agosto, em preparação ao Plebiscito Nacional da Alca e o Próprio Plebiscito. Fazendo uma avaliação da Exposição IHU – 1 ano em busca de ousadia e criatividade e também da caminhada do seu primeiro ano, a coordenadora adjunta do Instituto Humanitas Unisinos, Profa. Ms. Vera Regina Schmitz, concedeu uma breve entrevista ao IHU On-Line. Confira: IHU On-Line - Qual foi o propósito da exposição? Vera Regina - Pensamos em fazer uma retomada deste primeiro ano de atividades. Mostrar em termos práticos as ações do IHU, dando visibilidade à comunidade acadêmica, em termos, do que é e o que faz o Instituto Humanitas Unisinos. IHU On-Line - De que forma a exposição apresentou o IHU para o meio acadêmico? Vera Regina - No decorrer deste ano, o Instituto Humanitas Unisinos realizou várias atividades. O título da exposição, usando os termos ousadia e criatividade mostrou o perfil das ações que realiza. Foi a retomada de uma organização que começou com humildade, mas com audácia, realizando
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atividades dentro de uma proposta definida. A idéia é de que se vá além disso. O planejamento para o ano II é de ampliação das ações, com mais abertura de espaços e a certeza de que ainda temos muito a fazer. IHU On-Line - Como você avalia a exposição de primeiro aniversário do IHU? Vera Regina - O propósito de dar visibilidade ao IHU foi atingido. É claro que não conseguimos mostrar tudo o que se fez neste ano, mas colocamos como começou e como é hoje. Foi um espaço leve, "clean", aberto, onde as pessoas eram convidadas a entrar, olhar e interagir informalmente. Confira o depoimento de integrantes da comunidade acadêmica que visitaram a exposição: “A idéia de organizar uma exposição como essa é muito válida, principalmente em função do pouco tempo de existência do Instituto Humanitas Unisinos. Este espaço divulga com clareza a idéia do IHU para o meio acadêmico”. Marli da Silva Wandelbruck, auxiliar administrativa da Direção do Centro de Ciências Humanas. “A exposição passou uma visão do que é o IHU. Gostei muito da apresentação do Power Point na parede. Achei tudo bem legal”. Patrícia Souza dos Santos, aluna do curso de informática dinamizado pelo Programa de Ação Social na Zona Sul de São Leopoldo. “A explicação dos setores e a exposição das fotos da equipe de trabalho do Instituto Humanitas Unisinos retratou com fidelidade seu papel. O título da exposição, IHU – 1 ano em busca de ousadia e criatividade, expressa o que é o IHU, principalmente em função da palavra criatividade. Os centros de ensino na Universidade são muito rígidos e não permitem essa criatividade. Qualquer idéia passa pela censura. O IHU não entra nos trâmites acadêmicos repletos de regras. As idéias que não têm lugar nos centros, encontram um aqui no IHU. Quando eu explico isso para pessoas de fora da Unisinos, todas acham muito interessante. Uma universidade tem que ser assim”. Prof. Dr. Pe. José Roque Junges, professor do Centro de Ciências da Saúde e do Centro de Ciências Humanas
Ao mesmo tempo em que acontecem os festejos do primeiro ano da existência do Instituto Humanitas Unisinos e um olhar avaliativo dirige-se ao passado, prepara-se com grande expectativa os maiores projetos de 2003. Um deles é o Simpósio Internacional da Água que já conta com a sua programação completa. Como os leitores lembram, o Simpósio Internacional Água: bem público universal foi lançado durante o evento IHU Idéias, no dia 27 de junho de 2002, no Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade - por uma ética na economia e na política do Brasil. O evento faz parte do projeto da Universidade, sugerido pelo Reitor ao Instituto de organizar um grande Simpósio Internacional a cada ano, abordando diversos assuntos relacionados ao
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Bem Comum. O Simpósio acontecerá de 20 a 22 de maio de 2003, no Anfiteatro Pe. Werner. Além de Conferências maiores na parte da manhã e da noite, o evento conta com oficinas e minicursos na parte da tarde. Os minicursos são oferecidos pelos Centros de Ensino da Universidade. Nos próximos dias será distribuído pelo Campus um cartão, em formato de postal, com uma primeira e breve divulgação do evento. Confira, a seguir, as principais conferências e os respectivos conferencistas do evento: Riccardo Petrella: A água como direito humano universal fundamental; Washington Novaes: A crise da água no mundo; Carlos Eduardo Morelli Tucci: Alterações climáticas na Bacia do Prata. Aziz Ab’Sáber: A paisagem da água no Brasil; Aloísio Ruscheinsky: Os novos movimentos sociais na luta pela água como direito humano universal; Vandana Shiva: O planeta água e a emergência da vida. No decorrer das próximas edições do IHU On-Line serão trazidas novas informações sobre o Simpósio Internacional Água: bem público universal. Não deixe de acompanhar.
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Inicia hoje a II Mostra de Vestes e Livros da Liturgia Católica. O evento acontece no Espaço Cultural, no Centro de Ciências Humanas, com o nome Companhia de Jesus: de onde viemos? e se estende até o dia 1º de novembro. Promovida pelo Instituto Anchietano de Pesquisas, a mostra apresenta peças que foram utilizadas até a mudança litúrgica provocada pelo Concílio Vaticano II, cujo 40º aniversário acaba de ser celebrado. Casulas, capas, fotos de estátuas missioneiras e missais em latim são alguns dos objetos da exposição. Segundo o Dr. Pe. Pedro Ignácio Schmitz, diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas, o objetivo do evento é mostrar a memória da obra jesuítica em São Leopoldo. O Instituto Anchietano já realizou esta mesma mostra quatro anos atrás também no Espaço Cultural. Visitaram-na, na época, duas mil e quinhentas pessoas ao longo de duas semanas. O Instituto Anchietano é a memória antiga dos jesuítas em São Leopoldo. Nele se encontram a totalidade das peças expostas, além dos originais das estátuas que são mostradas em fotografias e muitas outras peças. O material mais antigo da exposição é um Missal de 1857, um ano antes de os jesuítas começarem um trabalho forte em São Leopoldo. Entre 1913 e 1956, funcionava onde hoje é a Antiga Sede da Unisinos, o Seminário Nossa Senhora da Conceição, com os cursos de Filosofia e de Teologia para formação do clero diocesano e do clero religioso do Brasil. Todo o material litúrgico, além de móveis, livros e outros objetos, que foram abandonados após a saída do Seminário, foram resgatados pelo Instituto Anchietano e recebem um cuidado especial que os mantém em bom estado até hoje, já que eles encerram parte da memória dos séculos XIX e XX da cidade. Mais informações no site: http://www.anchietano.unisinos.br/exposicao/
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Na atual situação de miséria e fome, a solidariedade vai fazendo com que diversas iniciativas se ponham em movimento. Uma delas, em âmbito nacional, foi a da CNBB do Mutirão Nacional contra a Miséria e a Fome. Mas não é a única. Um grupo de estudantes da Unisinos está realizando um movimento de solidariedade com essa mesma finalidade. O projeto, denominado Solidários em Ação, consiste em uma rede de solidariedade, pensada e iniciada em maio de 2002. As pessoas que nela se integram, se comprometem, por um ano, a doar mensalmente um quilo de alimento. A doação arrecadada é destinada a almoços para crianças e adolescentes dos bairros Duque de Caxias e Santa Tereza, de São Leopoldo, preparados na Escola Estadual Amadeo Rossi, em conjunto com mães e jovens voluntários dos próprios bairros. A iniciativa surgiu porque alguns estudantes que freqüentam esses bairros, notaram que diversas crianças não faziam nenhuma refeição por dia. Mais de 150 crianças já se beneficiaram com o projeto. O grupo procura trabalhar juntamente com as famílias que, muitas vezes, também passam fome, entre outras necessidades. No momento da entrega do alimento, o solidário recebe um cartão. Para cada quilo doado, é anexada ao cartão uma “dica”, que, além de indicar o que deve ser entregue na próxima remessa, aconselha como viver a solidariedade no diaa-dia. Ao todo são oito dicas recebidas. Na terceira, a pessoa é convidada a participar de um almoço na escola e, a partir da quarta dica, já pode distribuir cartões para amigos que queiram ser solidários também. Os almoços são oferecidos às crianças e adolescentes do bairro, às mães solidárias e àquelas que acompanham seus filhos. Membros da comunidade que querem almoçar encontram as portas abertas, porém devem comprometer-se a fazer algo pelo projeto. A equipe comenta o caso de um senhor de idade muito pobre que apareceu para almoçar em um dos sábados e imediatamente comprometeu-se no projeto, oferecendo-se para cuidar do jardim da escola. Como ele, há outros casos, tanto de moradores quanto de estudantes, nos quais a solidariedade provoca mudanças de vida e atitudes. Atualmente, são mais de 230 solidários em ação de diversos cursos da Unisinos e 200 em escolas e em outras cidades que aderiram ao projeto. A participação semanal nos almoços é de 60 pessoas. No início, não houve divulgação, e a idéia se espalhou nos grupos de amigos e colegas. O projeto está buscando formas de divulgação e colaboração e para isso elaborou um distintivo, um botton com o nome do projeto que é vendido na Universidade pelos alunos que fazem parte do projeto. Na Universidade, o objetivo não é somente a doação de alimentos. É gerar um novo estilo de vida que seja de partilha, que se torne um ideal para os jovens e movimente o meio acadêmico. O grupo parte da constatação de que o mundo da fome e da miséria não faz parte da vida dos universitários. Portanto a meta do projeto é, além de ajudar os que mais necessitam, abrir suas vidas e a universidade para uma visão mais humanista. São questionadas pelos membros do projeto as suas próprias formas e as dos seus amigos de investir o tempo, o dinheiro e a maneira de pôr em prática sua responsabilidade social por meio da profissão para a qual estão se preparando. IHU On-Line conversou com alguns solidários que participam do projeto: "Sou da primeira turma de solidários. Entrei no projeto, porque ele apresenta uma forma fácil de modificar a vida de alguém. Não é tudo, mas já é alguma
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coisa. É algo completamente viável, que envolve apenas pessoas de boa vontade, que querem fazer algo pelos outros. A gente passa a enxergar as pessoas, olhá-las nos olhos, e não a passar por elas com indiferença. Solidários em Ação me faz crescer, deixando de lado meu individualismo. Me ensina a partilha do afeto". Maile Lopes, aluna do curso de Pedagogia "Ser solidário é muito mais do que doar algo material. É se colocar no lugar do outro e dedicar ao próximo o que temos de melhor. Acreditamos que ainda há muito o que fazer. Através do projeto, constrói-se a consciência de que há muitas pessoas precisando de ajuda, de todo o tipo de ajuda (afetiva, social, financeira, espiritual). Começamos com o atendimento das necessidades básicas não supridas (como por exemplo, a alimentação), mas pensamos que as pessoas precisam muito mais do que isso, precisam de perspectivas de futuro. Ao entregarmos os alimentos, entregamos muito mais do que um simples "quilo", estamos, sim, nos doando". Jones Quadros da Silva, funcionário da DSI no cargo de administrador de rede de computadores da Unisinos e sua esposa Karen Gregory Mascarello, psicóloga da empresa Amazonas Os interessados em integrar ou colaborar no projeto podem entrar em contato com Giselle Mello 5904839 ou 96840052.
# De 1º a 6 de outubro, o Prof. Dr. Pe. Hilário Dick, do Programa Grupos Geracionais: Juventude, do Instituto Humanitas Unisinos, esteve ministrando um curso sobre Pastorais Específicas de Juventude, em Honduras. O curso foi promovido pela Pastoral da Juventude do país. Participaram 50 pessoas de todas as dioceses de Honduras e representantes de El Salvador, Panamá e Nicarágua. O evento foi realizado no Centro de Formação de San Pedro Sula. Segundo o ministrante, há, na América Latina, necessidade de se fazer um trabalho diferenciado com a juventude. Foi a essa necessidade que o evento tentou responder, dividindo os participantes em cinco grupos de trabalho: operários, camponeses, estudantes, excluídos socialmente e integrantes de grupos paroquiais. Cada grupo elaborou um documento da sua identidade, pedagogia, assessoria, organização e espiritualidade características. O Pe. Hilário Dick aplicou esta metodologia pela segunda vez. Ela foi apresentada pela primeira vez em Quito, no Equador, em setembro deste ano, com agentes pastorais da Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, República Dominicana, México, Venezuela, Paraguai e Brasil. Este foi o Encontro de Pastorais Específicas de Juventude, organizado pela Conferência Episcopal Latino-Americana, CELAM. O assunto Pastorais Específicas de Juventude também foi abordado pelo Pe. Hilário no Encontro Regional de Assessores da Pastoral da Juventude do Rio Grande do Sul, em junho deste ano. De 17 a 19 de outubro, a Unisinos foi a anfitriã de alguns pesquisadores da área da Juventude da América Latina. A visita teve como finalidades: a realização de uma pesquisa sobre o fenômeno juvenil urbano da periferia, vivendo mudança de valores; a conformação de uma rede de investigadores sobre juventude; o
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encaminhamento de um Curso de Pós-Graduação sobre Juventude em âmbito latino-americano; bem como a implementação de um observatório sobre juventude.
O Grupo temático Trabalho do Setor II - Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade- fez uma reflexão sobre o tema “As diferentes formulações sobre Economia Solidária e seu caráter alternativo”. O encontro ocorreu no passado dia 2 de outubro, na sala de reuniões do IHU, e estiveram presentes professores e alunos, num total de 12 pessoas. O tema é resultado do projeto apresentado no PPG em Ciências Sociais Aplicadas, pela mestranda Aline Mendonça dos Santos e com orientação do professor Luiz Inácio Gaiger. “O trabalho tem como finalidade compreender o caráter alternativo da Economia Solidária (ES) no Brasil, uma vez que aparece com forte incidência nos últimos tempos em resposta à questão social, suscitando análise e observação atenta de estudiosos, órgãos públicos e instituições de fomento a programas sociais. O caráter alternativo da ES ainda é muito questionado, neste sentido, seus desdobramentos serão objeto de estudo deste trabalho”, afirma Aline.
ONZE DE SETEMBRO: REPERCUSSÕES Na quinta-feira, dia 10, o Ciclo de Debates IHU Idéias teve como palestrante o Prof. Dr. Danilo Streck, que desenvolveu o tema Onze de Setembro: Repercussões. Em recente viagem aos EUA, o Prof. Danilo pôde constatar a diversidade de leituras que, dentro e fora dos Estados Unidos, se faz sobre os ataques terroristas um ano após o ocorrido. Durante o evento, foi exibido o vídeo A Guerra contra os Povos, uma entrevista com Noam Chomsky, realizada pelo sociólogo Attílio Borom, durante o Fórum Social Mundial de 2002.
"É interessante discutir o assunto. Significa um estado de alerta diante do momento histórico que estamos vivendo, especialmente, de uma possível retomada mais profunda da hegemonia norte-americana. Só não podemos levar ao negativismo". Profa. Dr. Maria Clara Bueno Fischer, doutora e mestre em Educação, graduada em Pedagogia e professora do Centro de Ciências Humanas, do PPG em Educação "Considero importante a temática, porque o mundo é uma aldeia global, como dizia Marcuse. Os fatos, em qualquer lugar do mundo, nos atingem, os acontecimentos de outros países, muitas vezes, causam efeitos no nosso bolso, economicamente falando. Para manter nossa cultura, precisamos analisar essas coisas. Prof. MS Luiz Carlos Thomas, mestre e especialista em Filosofia, especialista em Psicologia Educacional, bacharel e licenciado em Filosofia, graduado em Letras Clássicas e em Teologia e professor do Centro de Ciências Humanas
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REPENSANDO "OS SERTÕES" Na última quinta-feira, dia 17, o IHU Idéias contou com a explanação da Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte sobre o centenário da primeira edição da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. O título da palestra foi Repensando 'Os Sertões' 100 anos depois. A professora fez uma análise da obra, sob o ponto de vista literário, embasando-o com o contexto histórico. Márcia Lopes Duarte é professora do Centro de Ciências da Comunicação, doutora, mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. IHU OnLine conversou com a palestrante a respeito da obra IHU On-Line - Como podemos classificar a obra Os Sertões? É uma obra histórica, literária ou sociológica? Márcia Lopes - Os Sertões é um livro que até hoje não se conseguiu definir. Se a gente quisesse enquadrá-lo num gênero, seria um ensaio, em última instância, sobre a questão da nacionalidade brasileira. Porém, é um texto em que podemos perceber tanto a questão histórica, como a questão sociológica, até a questão antropológica, e também, de modo muito claro, a questão literária. Ele tem todas essas faces, mas a questão da literatura está muito presente, muito clara. É por isso que se trabalha com este texto em Literatura. IHU On-Line - Alguns vêem na obra o surgimento da denominação Povo, ao invés de Público, considerando a atuação da população em protesto à situação imposta pelo Estado. Você acredita que atualmente há uma inversão e que o Povo voltou a ser Público? Márcia Lopes - Sim. O que acontece hoje é que as pessoas não têm mais essa interação, essa ação, como se propunha na época do livro. Realmente há uma inversão nesse sentido. Seria importante resgatar o papel da obra para poder novamente trabalhar com essa acepção de povo e de agente. IHU On-Line - Euclides da Cunha conjuga em sua obra ciência e arte. Essa era uma busca deliberada do autor? Márcia Lopes - Não sei se ele buscava essa junção, mas acabou fazendo-a. Os elementos científicos que ele traz ficaram desgastados com o tempo. São questões que, para nós, hoje, parecem anacrônicas, questões que evoluíram ao longo desses cem anos e que hoje podem parecer até absurdas. O que torna o texto dele perene, é justamente a transformação num objeto artístico, num texto literário, o que garantiu a sua permanência. Se não concordamos com muitas das concepções científicas do autor, acabamos tendo que concordar com a concepção artística. Há muita gente que pretende fazer literatura, mas não consegue, e outros que, como o Euclides da Cunha, conseguem sem querer. A intenção dele não era produzir uma obra artística, mas um documento daquela realidade. O que ele acabou fazendo foi mais um texto esteticamente bem trabalhado - e que acabou permanecendo por isso - do que propriamente um documento. IHU On-Line - Você atribui a permanência da obra apenas pelo bom trabalho estético-literário ou haveria um outro motivo? Márcia Lopes - Ele conseguiu, até de repente sem querer, criar um objeto de arte. E a arte é perene, é permanente. Algumas das idéias podem até nos parecer obsoletas, mas o texto em si permanece, porque ele se transformou em arte. IHU On-Line - A Revolta de Canudos se deu pela interpretação por parte do Estado de que os Conselheiristas (povo sertanejo seguidor de Antônio Conselheiro) eram uma ameaça para a implantação da Nova República no País.
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No seu ponto de vista, o grupo era mesmo uma ameaça, ou não havia necessidade da invasão do Exército? Márcia Lopes - Uma ameaça efetiva eles não representavam, até porque era um bando de sertanejos lá num lugar no "fim do mundo" de que ninguém ouvia falar. Era um momento em que não havia a disseminação da informação que há hoje. Para as pessoas ficarem sabendo do que estava acontecendo lá em Canudos levava uns 10 anos, mais ou menos. Eles, porém, representavam a possibilidade de construir uma coisa que fugia do normal. Essa possibilidade, o fato de eles tentarem uma coisa nova, isso sim, representava uma ameaça, porque as outras pessoas que estavam na mesma situação daqueles sertanejos podiam pensar que, assim como eles, elas poderiam conseguir também. E aí poderiam surgir novos focos de resistência, em vários lugares. Não que eles atentassem contra a república, mas poderiam disseminar essas idéias, que eram bastante revolucionárias, como "vamos tentar fazer por nós o que o Governo não faz". IHU On-Line - Na obra Os Sertões, os sertanejos buscavam, na figura de Antônio Conselheiro, uma fuga da repressão da Igreja. Haveria alguma relação entre esse episódio e a multiplicação de grupos religiosos hoje? Márcia Lopes - A grande motivação dos seguidores de Antônio Conselheiro era fazer alguma coisa diante da miséria em que viviam. Eles estavam numa situação em que não recebiam a atenção de ninguém, tinham uma vida completamente miserável, sem nenhum tipo de perspectiva e procuraram buscar um caminho. O único possível era o da crença, do misticismo, daquilo em que eles podiam acreditar. Ainda não estavam em um momento para acreditar em idéias políticas. Era uma comunidade com idéias muito restritas ainda. O caminho da religião é o que eles tinham como possibilidade. O que acontece hoje é muito similar. As pessoas não têm perspectivas. Não é simplesmente falta de dinheiro e não poder adquirir coisas. É olhar para a frente e ver que não há como construir coisa alguma. Não há como construir a própria identidade. Isso faz com que as pessoas busquem um caminho alternativo. Ao entrar em uma destas seitas ou religiões, a pessoa passa a ser alguém dentro do contexto. Pode ser que seja tudo muito absurdo, mas a pessoa adquire identidade. O interessante é que esse tipo de seita alternativa surge sempre em momentos de crise. IHU On-Line - Euclides da Cunha criou com esta obra um novo estilo literário? Márcia Lopes - Certamente Euclides formou uma escola na Literatura Brasileira. Não é à toa que uma das grandes obras nacionais, senão a grande obra, é o Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, que segue o mesmo viés. É o sertão retrabalhado, transformado, com uma linguagem tortuosa, difícil, que procura abarcar esse sertão. Nesse sentido, ele inaugura a vertente da literatura que vai falar sobre o sertão de uma maneira que é parecida com o próprio sertão. Essa fusão da linguagem com a própria matéria do texto é, certamente, um dos filões da literatura brasileira até hoje.
"Achei a discussão sobre a obra muito interessante. Pretendo comparar as personagens de Antônio Conselheiro e de Jacobina no Trabalho de Conclusão do meu curso. Gostaria de ter, inclusive, a Profa. Márcia Lopes como minha orientadora. Me interessei pelo tema, porque estou voltada para essa questão".
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Jane Engel Correa, aluna do Curso de Letras.
"Considero interessante observar como a Universidade pensa esse tipo de encontro interdisciplinar. Acredito que a Literatura deve fazer parte da formação de todos os cursos. Esse tipo de discussão dá um olhar mais abrangente às situações, é uma forma de humanização". .
Profa. MS Maria Helena Campos de Bairros, professora de Literatura
CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DO IHU IDÉIAS PARA AS PRÓXIMAS QUINTAS-FEIRAS DE OUTUBRO
PLANTAS MEDICINAIS NA VIDA DA PESSOA HUMANA Nesta semana, o IHU Idéias contará com a apresentação do tema: “As plantas medicinais na vida da pessoa humana”, feita pela pesquisadora da Unisinos MS. Virginia Koch. Virginia é mestre em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, com dissertação intitulada Fitotecnia, especialista em Ecologia Humana pela Unisinos e graduada em Ciências Biológicas também pela Unisinos. SENTIDOS IDENTITÁRIOS NA TV
No dia 31 do outubro acontecerá, no IHU Idéias, a apresentação do tema Os sentidos identitários na TV pela Profa. Dra. Suzana Kilpp. Suzana Kilpp é a primeira Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos, com tese intitulada: Ethicidades televisivas. Sentidos identitários na TV: moldurações homológicas e tensionamentos. Mestre em História pela PUCRS, Suzana é especialista em História da Cultura Brasileira, também pela PUCRS, e graduada nos cursos de Farmácia; Farmácia e Bioquímica e Administração pela UFRGS. Suzana Kilpp é professora dos Cursos de Comunicação na Unisinos e autora dos seguintes livros: Apontamentos para uma história da televisão no Rio Grande do Sul. 1. ed. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000. v. 1. 124 p.e Os cacos do teatro: Porto Alegre, anos 70. 1. ed. Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre, 1997. v. 1. 192 p. Ana Quaresma. Porto Alegre: Movimento, 1992 (romance). O IHU IDÉIAS ACONTECE TODAS AS QUINTAS-FEIRAS, DAS 17H30MIN ÀS 19 HORAS NA SALA 1C103.
! EM BUSCA DE UM NOVO MODELO- CELSO FURTADO O livro da semana: Celso Furtado, Em busca de Novo Modelo. Reflexões sobre a Crise Contemporânea, São Paulo: Paz e Terra, 2002
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1.- Na vigília do segundo turno das eleições presidenciais voltamos a falar do livro de Celso Furtado já apresentado no IHU On-Line, Nº 21, p12 Nesta semana reproduzimos a resenha do livro elaborada por Francisco de Oliveira, professor de sociologia na USP e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (CNEDIC). A recensão foi publicada no Jornal de Resenhas, Folha de S. Paulo, 12-10-02. Publicamos igualmente o artigo de Celso Furtado ‘Paradoxo chamado Brasil’, publicado na revista Carta Capital 9-10-02.
- LUCIDEZ INCANSÁVEL FRANCISCO DE OLIVEIRA “Na capa deste pequeno grande livro deveria constar: "Leitura obrigatória para políticos, especialmente presidenciáveis". Em sete pequenos artigos e uma apresentação, Celso Furtado resume sua vasta e profícua obra, com uma largueza de pontos de vista, abrangência e generosidade que confirmam, de forma insofismável, seu lugar na cultura brasileira. Trata-se de uma espécie de testamento que, por isso mesmo, torna-se leitura obrigatória, ainda que continuemos a esperar dele, como de Antonio Candido, Raymundo Faoro e poucos outros, que continuem a enriquecer a reflexão sobre o Brasil e o mundo. O tema da nação, sua construção em um mundo desde o começo internacionalizado, nossa capacidade de nos afirmar sem recusar a modernidade, constitui o "leitmotiv" de sua obra, reapresentado nesta nova contribuição. Sua preocupação maior - tal como à época em que ajudou a forjar, junto com Raúl Prebisch (a quem é dedicado o 6º capítulo do livro), o conceito de subdesenvolvimento e a travar as batalhas contra a teoria tradicional do comércio internacional, a âncora ricardiana maior da teoria do crescimento econômico - é rejeitar o "pensamento único", hoje expresso na tese que apresenta a globalização como inevitabilidade. Tal como ontem, cabe construir nossa especificidade que, na teoria, deve corresponder e sustentar a luta da cidadania pelo seu lugar na nação, e desta no mundo. A atualidade desse esforço teórico não precisa ser exagerada. CAUSAS DA POBREZA Por meio de comparação com a Índia - cujas dimensões continentais, de pobreza, de desigualdade, cuja industrialização e diversificação produtiva notáveis autorizam o paralelo conosco -, Furtado procede a uma dissecação das causas da pobreza e da desigualdade no Brasil. Encontra-as na baixa taxa de poupança e sua combinação com a elevadíssima propensão a consumir das elites e classes médias enriquecidas, donde resulta que, se o nível de pobreza é mais contundente na Índia, as desigualdades são maiores no Brasil. Furtado volta a explorar um tema que lhe é muito caro, especialmente tratado nas obras dos anos 70, ou seja, a denúncia do consumo supérfluo e obscenamente (o termo é meu) ostentatório das elites brasileiras, que esteriliza a já baixa poupança nacional. Talvez ele pudesse ter posto um acento mais grave na nova contradição entre o persistente aumento da produtividade do trabalho no Brasil, os baixos coeficientes de investimento e o alargamento das desigualdades. Mas isso está implícito todo o tempo: assim é a globalização na periferia. QUE FUTURO NOS AGUARDA?", O segundo capítulo, "Que Futuro Nos Aguarda?", é um mergulho vertiginoso talvez um dos mais completos e complexos do livro - nos dilemas e
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perplexidades, contradições e oportunidades de afirmar a nação em um mundo crescentemente mundializado, ainda que esta seja a característica central da expansão capitalista desde a época das grandes navegações e, subseqüentemente, do colonialismo moderno. Repassando as descobertas e invenções teóricas de que foi co-autor junto com a Cepal (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe) e com Raúl Prebisch, vale dizer, a oposição à onipresente e onisciente teoria do comércio internacional e sua filha fraca, a teoria do desenvolvimento, Furtado introduz uma crítica quase frankfurtiana, e certamente devedora do marxismo, ao modo autoritário e passivo (terá frequentado Gramsci agora?) da industrialização brasileira. SOÇOBROS NA DECADÊNCIA Há até mesmo ecos de Walter Benjamin: "Que é o nosso subdesenvolvimento senão o resultado de repetidos soçobros na decadência?". E põe o acento, para tentar corrigir essa espécie de atavismo do capitalismo na periferia (ele, que é reconhecido como o grande economista brasileiro de todos os tempos), na... política. O que pode parecer estranho à maioria de seus leitores e seguidores, mas não é nada surpreendente nesse discípulo de Max Weber - um dos maiores entre nós, junto com Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. A elaboração de uma interpretação do Brasil, em que história e teoria se dão as mãos, aparece aqui como sua grande vantagem sobre os antigos liberais ("ma non troppo"), Eugênio Gudin e Roberto Campos, e os novos neoliberais, que nem sequer merecem menção - minha , não da parte de Furtado, que continua sendo muito elegante -, pois não têm estatura teórica nem cívica para medir-se com ele. "As Raízes da Globalização" é um intermezzo para anunciar um ensaio de maior fôlego. Aqui, nosso autor repassa brevemente não o processo histórico em termos das ondas da mundialização, mas as tendências mais profundas da dinâmica capitalista, a saber, a secularização da idéia religiosa de progresso. Com mestria, reúne keynesianismo, suas leituras de Marx e de Weber e, o que não é tão novo nele - vale rever o seu "O Mito do Desenvolvimento Econômico" -, um tom adorniano de crítica à ilusão iluminista do progresso. CHAVE WEBERIANA "As Duas Vertentes da Civilização Industrial" talvez seja o capítulo mais luminoso deste livro tão luminoso. Como um mestre flamengo, Furtado mistura em sua palheta contribuições de clássicos já consagrados com novos clássicos (Habermas, entre eles), a fim de decifrar o código da civilização industrial capitalista. A chave-mestra é, sem dúvida, weberiana. Trata-se de estabelecer como a modernidade é grávida de racionalidade substantiva e racionalidade instrumental, e de como esta, se apossando da produção e reprodução do sistema, termina se impondo sobre a primeira. De como a acumulação de capital abarca e subordina os valores culturais e os transforma em bens culturais. De novo, uma sugestão bem próxima dos frankfurtianos, a velha dialética entre fins e meios. Destaque dado à periferia, onde a subordinação colonial e posteriormente imperialista - o termo é meu sufocou a criatividade política, que se reproduz como mimetismo das elites e mandonismo local. RESPONSABILIDADE DO ECONOMISTA Em "A Responsabilidade do Economista", Furtado revê seus próprios passos, desde os tempos do doutoramento na França, no imediato pós-guerra (na qual esteve como tenente voluntário da FEB; voluntário, aqui aparece outra vez uma das faces de sua profissão de fé republicana) até sua entrada na Cepal. É quase
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uma etnografia da formação de um economista na periferia: de como inicialmente uma suspeita, um desconforto com a inadequação dos modelos clássicos e neoclássicos frente ao presente da América Latina se transforma na produção de uma teoria forjada pela união com a história, esteio de uma original contribuição à economia política de nosso tempo, a teoria do subdesenvolvimento. Se ainda há jovens - que são insistentemente presentificados pela indústria cultural e tornam-se descartáveis em sua juventude - e se ainda há jovens que querem ser economistas, e mais, cidadãos, aqui está a lição para o futuro. CENTENÁRIO DE RAÚL PREBISCH "O Centenário de Raúl Prebisch" é nostalgicamente benjaminiano. Furtado rende homenagem àquele que exerceu provavelmente a maior influência em sua vida. Mas discretamente, como é de seu feitio, quase escondendo a emoção. Revê os dias iniciais da Cepal, em Santiago do Chile, onde se localizaria até o golpe militar que derrubou Salvador Allende, à época da empreitada política mais audaciosa da América Latina, juntamente com Cuba, forjando uma efervescência cultural que iluminou todo o continente. Naquela Santiago suave, aos pés do monumento dos Andes, onde o futuro parecia se desenhar, um pequeno grupo - todo o staff da Cepal, em 1948, não passava de dez funcionários - lutava contra o já poderoso império norte-americano, legitimado pela vitória na Segunda Guerra Mundial. A liderança brasileira, com Vargas, foi decisiva para evitar o sufocamento da Cepal, em seus dias iniciais, pelos EUA, que já controlavam a Organização dos Estados Americanos, verdadeiro "ministério das colônias" norte-americano. Lição que o novo presidente ou os ainda presidenciáveis devem aprender. O economista argentino aparece com a aura de um refinado cavalheiro, aristocrático - tinha uma das maiores adegas de Santiago do Chile, num país produtor de excelentes vinhos -, heterodoxo, rebelde e... republicano. Permitome reproduzir a lição de ética de Raúl Prebisch, citada por Furtado como resposta à sua indagação sobre por que não conseguira um bom emprego depois de sua demissão da direção do Banco Central argentino: "Que emprego? Eu havia sido durante anos diretor-presidente do Banco Central, conhecia a carteira de todos os bancos, pois havia ajudado a saneá-los, a ponto de poder administrar o redesconto pelo telefone. Quando me demitiram, muitos grandes bancos me ofereceram altas posições, mas como podia colocar meus conhecimentos a serviço de um se estava ao corrente dos segredos de todos? Preferi reduzir meu padrão de vida ao de um professor, o que não era muito". Essa também é a ética de Furtado. Ninguém nunca o viu oferecendo seu conhecimento das entranhas do Estado brasileiro ao setor privado, tendo sido ministro de Estado por duas vezes, diretor do BNDE e superintendente da Sudene. Que diferença com a promiscuidade de hoje, a venda de informações, o mapa da mina das privatizações, a formação de fortunas repentinas, a geração de novos banqueiros ex-funcionários! OS SERTÕES O sétimo e último capítulo é talvez o mais inesperado. "O Que Devemos a Euclides da Cunha" -celebra o centenário do livro que Furtado considera a mais importante contribuição para o conhecimento do Brasil - revela um autor dominando uma vasta paisagem que inclui o melhor da literatura brasileira. O que ajuda a responder a uma indagação que correu mundo quando Furtado foi ministro da Cultura no governo Sarney: por que aceitara aquela função? Por sobre o anacronismo do estilo euclidiano, vazado num cientificismo positivista e numa antropologia de fatura colonialista, Furtado recupera o que houve de inovador na abordagem euclidiana: nasce uma interpretação anti-racista, que
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aposta nas "raças tristes" como portadoras de futuro. Essa virada fará escola com os "demiurgos" da geração de 30, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda. Seu próprio itinerário é euclidiano: do meio da escória da teoria do comércio internacional de extração ricardiana e malbaratamento neoclássico, Furtado faz sair uma interpretação original, em que se combinam história e teoria. Resumir este pequeno grande livro teria a desvantagem da mera repetição que não pode competir com o original. Tratei apenas de apontar aos leitores seus principais pontos. Não há, propriamente, nada de novo no livro de Furtado. O que ele mais provoca é espanto, com sua atualidade e com a atualização do autor, que incorpora novos autores que não estavam em seus textos clássicos, ampliando seu horizonte de observações e elaborações, trabalhando com mestria as conexões de sentido entre campos aparentemente tão distintos. Quando esta resenha for publicada, os candidatos ao segundo turno já estarão se preparando para enfrentar um novo e definitivo julgamento das urnas. Mas é então que será preciso ler este livro. A cidadania e a democracia brasileira precisam dele.
O PARADOXO BRASIL CELSO FURTADO O PARDOXO CHAMADO BRASIL
Reproduzimos na íntegra a crônica do economista Celso Furtado - um dos economistas mais respeitados do Brasil que aos 82 anos continua pensando o país -, publicada na Carta Capital, 9-10-02. Os subtítulos são nossos.
“Não é fácil decifrar o paradoxo que encobre o acontecer histórico deste país chamado Brasil. Tudo no disfarce lembra o mundo de sombras que ocultavam a realidade aos habitantes da caverna platônica. Quem observa o Brasil comprova de imediato a existência de enorme potencial de recursos naturais, se bem que, digamos de passagem, usados predatoriamente. Também é certo que a concentração em poucas mãos da riqueza e da renda nacionais não encontra similar em todo o mundo. Esse quadro assustador de disparidades contrasta com a quase inexistência de conflitos sociais. A tolerância da maioria da população pode ser aferida pelo nível abusivo do consumo supérfluo da minoria de privilegiados. O FUTURO GOVERNO E A SOBERANIA NACIONAL Mas a verdade é que este país paradoxal está fadado a desempenhar um papel histórico no entrechoque de forças que definirá o novo perfil da carta política do século que se inicia. Com efeito, como conceber o desenho dessa carta do futuro sem ter em conta o destino que será dado ao potencial de recursos de solos, hídricos e outros, renováveis e não renováveis, de que dispõe o Brasil? Certo, devemos partir da percepção que os próprios brasileiros e seus governantes têm do papel que lhes caberá desempenhar num processo histórico mundial crescente dominado pelo poder do avanço tecnológico. A esse respeito, gostaria de chamar a atenção para um ponto muito sensível com que se defrontará brevemente o governo saído destas eleições. Trata-se da soberania nacional. Este é, conforme sabemos, um conceito difícil de precisar, mas que exerce enorme fascinação e cimenta a consciência de cada um de nós de pertencermos a um corpo político. A luta pela conquista da soberania constituiu a saga nacional de todos os povos, e quase sempre se confundiu com a montagem do arcabouço cultural que os individualizaram. ALCA – DERROGAÇÃO EXPLÍCITA DE SOBERANIA
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No Brasil não foi diferente, mas aqui a conquista da soberania nacional apresentou peculiaridades. Nosso país formou-se a partir de um conjunto heterogêneo de populações, submetidas a um sistema de dominação política forjado na era colonial. Apesar das diferenças regionais e culturais, decorrentes dos aportes populacionais diversos, e apesar — acima de tudo — do injustificável atraso social resultante, mas só em parte, de três séculos de escravidão, mal ou bem formou-se um país, com surpreendente grau de integração quando se tem em conta a vastidão de seu território. Ora, essa é uma construção ainda frágil em muitos aspectos, e pode estar ameaçada por decisões políticas que o futuro governo terá de tomar levando em conta uma pauta de compromissos já assumidos pelo governo que finda seus dias. Refiro-me às negociações do Tratado da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), iniciativa tomada pelo governo norte-americano visando uma integração das economias do hemisfério. Este é um tratado que comporta dissimetrias notórias, e que implica derrogação explícita de soberania. AS OPÇÕES BRASILEIRAS Uma das primeiras tarefas do novo governo será a de definir a posição do Brasil a respeito. Cabe indagar se temos plena consciência do alcance das conseqüências dessa decisão. Sem lugar a dúvida, o que vier a ser decidido pelo futuro governo brasileiro não deixará de influenciar os rumos da construção nacional. Ou estaremos dando início a um perigoso processo de desmontagem do sistema nacional de valores — processo que ao longo da história dos povos tem assumido formas variadas, mas todas marcadas pela perda da capacidade de inovar — ou, ao contrário, poderemos estar ingressando num período de mudanças políticas positivas. Neste caso, o Brasil escaparia à ilusão de, numa paródia ao personagem clássico, fazer história sem o saber”.
AINDA CONTROLAMOS A PRODUÇÃO CULTURAL Traduzimos e reproduzimos na íntegra a entrevista de Nestor García Canclini. Argentino de nascimento, Canclini vive desde 1976 no México e é um dos mais importantes estudiosos da cultura latino-americana. Autor de vários livros, entre os quais destacamos, Consumidores e Cidadãos, Ed. UFRJ, 1995 e Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, Ed. Edusp, 1997. Acaba de publicar Latinoamericanos buscando lugar en este siglo. Clarín, 08-09-02. A tradução foi feita pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – de Curitiba, PR. Clarín – A proximidade da ALCA é uma oportunidade para repensar essa estratégia? Canclini – Os Estados Unidos estão tratando de promover, através da ALCA, a liberalização total dos investimentos nas indústrias culturais. Há anos que o fazem a partir da Organização Mundial do Comércio, mas sem êxito graças à resistência de alguns países europeus e do Canadá. Mas, se nós não produzirmos leis, formas de defesa e apoio preferencial ao que se produz nos países latinoamericanos antes de 2005, depois estaremos perdidos. Vamos ficar presos num sistema transnacional que não só implicará uma perda econômica, mas o fim de decidir nós mesmos quem somos. Outros se apropriarão e moldarão nossa identidade, nossa imagem. O Canadá e a França souberam proteger-se. Por exemplo, 12% dos filmes veiculados nos cinemas franceses terão que ser
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nacionais. Há ações estatais, decisões políticas e econômicas que fortalecem e dão continuidade ao que um país é. A pergunta é se conseguiremos construir redes de pressão social, na Argentina e nos outros países da América Latina. Clarín – O Mercosul poderia ser para isso uma excelente plataforma. Canclini – Talvez, depois das eleições na Argentina e no Brasil. Neste momento é impossível porque tudo está travado pela incerteza sobre quem vão ser os novos presidentes ou que relação de forças vai ter em cada país. Clarín – Mas, os grupos acadêmicos o podem ir pensando antecipadamente... Canclini – Venho do Brasil e se sente o peso das travas, das frustrações. Clarín – Compactuar com um país que desconhece abertamente as leis mundiais e diz que só respeita as suas, não é suicida? Canclini – Não temos porque compactuar com os Estados Unidos. Há outras regiões, como a Ásia, onde poderíamos buscar outro tipo de repercussão, intercâmbio e de jogo mais diversificado. Clarín – Mas a ALCA é com os Estados Unidos? Canclini – Mas se continuamos pensando que temos que assinar onde Washington diz e carecemos de política de relações exteriores e de defesa de nosso patrimônio tangível e intangível, desde já tudo se vai agravar. Um dos problemas é que não temos agenda. É preciso reconstruí-la sem cair na armadilha de que é só econômica e finalmente redutível ao financeiro. O econômico inclui muitos outros aspectos: educação, indústrias culturais, pesquisa científica. Isso forma parte do que temos que negociar e desenvolver para 2005. Desde já, dentro da América Latina há diferenças, importantes. O Brasil e o México são dois países que mantiveram uma continuidade nas políticas de desenvolvimento, de pesquisa e de inovação tecnológica. A maioria dos outros países nunca teve uma política de desenvolvimento industrial ligada à ciência, à educação e à cultura. Clarín – A Argentina já a teve, mas o que falhou? Canclini – A Argentina foi a precursora, por isso exportou tantos profissionais, técnicos, cientistas. Mas houve processos de grave decomposição interna. Às vezes o discurso anti-neoliberal ou antiglobalização fica nas causas econômicas do desmoronamento. Eu penso que não atendemos suficientemente à decomposição interna nacional de tipo político-socio-cultural da qual a Argentina é um exemplo. O patrimônio acumulado estrategicamente pela Argentina foi dilapidado durante a última ditadura militar e em seguida durante o menimismo. Estes são fatores decisivos para a catástrofe atual. Clarín – Um saque similar ao econômico. Canclini – A ditadura e o menemismo não só privatizaram irresponsavelmente, mas produziram uma corrupção generalizada no país, desintegrando as redes sociais, destruíram o aparelho político e sindical certamente com um certo grau de consenso em amplos setores da população, não em toda. Se não se julgam delitos tão graves como os que ocorreram aqui (e não só nos direitos humanos com os desaparecidos, mas em outros campos), se um ministro pode orgulhar-se de ter roubado e dizer que se deixássemos de roubar por dois anos, talvez arrumaríamos o país, e certa imprensa o festeja, então há algo mais que está acontecendo nesta sociedade. Isto, convém ressaltar, não é um fenômeno exclusivamente argentino. Por isso digo que é preciso ponderar não só os efeitos econômicos, mas também os sócio-culturais que o neoliberalismo produziu. Clarín – E como se repara isso? Julgar esses delitos seria um primeiro passo?
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Canclini – Em dezembro passado houve alguém que propôs julgar delitos não só econômicos. Reverter esses atos que destruíram o país. Depois a proposta caiu no vazio. Dalperín Donghi, disse há cerca de 5 anos, que é impossível pensar em julgar todos os corruptos, mas que seria importante eleger alguns casos exemplares, os mais graves, e julgá-los para criar ao menos a sensação de que não há impunidade total. A impunidade se converteu numa característica em toda a América Latina, e na sociedade cresce a sensação de que a única forma de sobreviver neste meio é corromper-se. Clarín – Ou refugiar-se na indiferença, no descompromisso. Na Argentina, os intelectuais, salvo algumas exceções, se retiraram, deixaram de criticar, se apagaram. Canclini – Como disse, entre outras coisas, houve uma perda de agenda do país. Não esqueçamos que a Argentina chegou a ter o nível que teve graças a um desenvolvimento educativo de primeira ordem. No final da década de 50 e começo dos anos 60 o país aproveitou seu desenvolvimento científico não só para ter vários prêmios Nobel, mas também para que muitas equipes de pesquisadores, reconhecidos internacionalmente, gerassem inovações para o país. A Argentina era um país capaz de vincular a ciência com o desenvolvimento industrial e social. Hoje isto se vê nos países do Sudeste asiático. O impressionante salto que deram nas décadas de 80 e 90, essas conquistas que alcançaram e que surpreenderam o mundo requereram um alto investimento em educação, ciência, tecnologia e cultura. Nós a soubemos ter há muitas décadas e perdemos a perspectiva do lugar importante que isso tinha. Pensamos que podíamos ser alegres consumidores daquilo que se havia acumulado. Hoje temos uma prioridade absoluta: recuperar essa agenda e ver, nas novas condições da globalização, do desenvolvimento tecnológico, com os gravíssimos atrasos que agora temos, o que é que se pode fazer. Clarín – E como se recupera essa agenda com uma crise econômica tão aguda? Canclini – É preciso deixar de ter de alguma maneira a agonia da dívida. Já a pagamos. Pessoas que sabem bem mais do que eu, como Joseph Stiglitz, disse que os países latino-americanos não teriam que pedir mais ao FMI para saldar dívidas com o FMI, mas pedir ajuda a outros organismos de crédito que apóiem a produção e o desenvolvimento endógeno. Uma possibilidade de pensar isto é que nos estão levando à solução que deveríamos ter tomado há cinco anos: não pagar, porque não podemos. É preciso exigir que se reconheça o que já foi pago, que é muito mais do que se deve. Clarín – Essa decisão requer coragem e vontade política. Não pode haver represálias? Canclini – É preciso ver onde temos nossa força e onde nossa fragilidade. É preciso calcular até onde as crises argentinas afetam ou não a ordem mundial. Nestes últimos anos tivemos múltiplas provas de que o capitalismo mundial pode funcionar com suas regras deficientes sem que a Argentina pague o que deve da dívida, sem que se mantenha o nível de consumo nem o nível dos salários. Ou seja, a Argentina pode entrar na catástrofe em que entrou e o capitalismo mundial continuar funcionando. É certo que podem tratar de asfixiar o país. Há interesses muito poderosos, não só dos Estados Unidos, mas da Espanha que pressionaram, como sabemos, duramente, sobre os últimos governos para conseguir prebendas: o que ficava da YPF, da luz, da água. Mas, o que temos? A maior parte dos produtores culturais continua vivendo no país, não foi embora. O que permanece do pouco que se investiu nas últimas décadas em pesquisa científica e tecnológica aí está. O que me preocupa é que não o estamos usando e que as novas gerações estão indo embora massivamente...
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Clarín – Os jovens são os que mais migram. Canclini – E estamos perdendo uma vez mais os investimentos em educação que o país fez. Apesar da deterioração, a Argentina continua tendo um nível de egressos do nível secundário e da universidade bastante alto, bastante competitivo a nível internacional. Mas em vez de usá-los aqui dentro estamos abastecendo de rapazes os restaurantes de Barcelona ou os centros turísticos do Primeiro Mundo. Clarín – Se existe um bom nível acadêmico, como se pode reorientar essa produção de conhecimento para construir políticas que beneficiem o país, algo como os “think tank” dos Estados Unidos?d Canclini – Parece-me que descritivamente não é assim que funcionam e se renovam as sociedades. Os “think tank” não surgem do nada e não operam no vazio, mas no sistema educativo, em programas de desenvolvimento industrial e tecnológico. Então, por um lado necessitamos de novas idéias e novos modos de investigar a crise e os processos históricos e sociais e culturais do país, mas por outro necessitamos também renovar o conjunto do sistema educativo. Necessitamos que os professores, inclusive desde a escola primária, voltem a formar parte de um processo de recuperação do país. Necessitamos indústrias culturais que se recomponham, que produzam outro tipo de televisão... Não se trata só de ter elites super-esclarecidas mas capacidade de reorganizar e de relançar todo um sistema educativo e cultural. Também os intelectuais, acadêmicos e educadores ou pesquisadores temos tido responsabilidade. Não soubemos às vezes inserir-nos nos lugares estratégicos. Mas, penso que é em grande medida uma enorme incapacidade do sistema institucional público e privado para aproveitar esse capital cultural e social. Clarín – Não é só um assunto da competência do Ministério da Educação... Canclini – É do Ministério da Educação e dos outros, em especial, o da Economia. Nos últimos 20 ou 30 anos foram os economistas que decidiram quase todas as medidas importantes no campo da educação, da ciência e da cultura. Eles cortam os orçamentos de acordo com as recomendações dos organismos internacionais. Eles estabelecem impostos que encarecem os livros ou a produção musical, rebaixam os salários dos acadêmicos. São eles que tiram a nutrição básica do sistema científico para que possa se reproduzir. Isto é coerente com um plano de gestão da função pública que entregou a responsabilidade da economia ao setor privado transnacional e que não tem planos de desenvolvimento. Clarín – Em seu livro(1) você insiste em que não desenvolver a própria indústria cultural não é só perder lucros multimilionários, mas permitir que outros se apropriem e modelem nossa identidade, que outros formatem, a seu gosto e conveniência, a imagem do “latino-americano”. Canclini – Isto não se arruma só com a questão da dívida externa e interna, mas é preciso lançar novos programas de desenvolvimento que incluam formas de co-produção e co-participação em escala internacional. Hoje as grandes editoras ou empresas fonográficas transnacionais estão se apropriando do nosso patrimônio sem que a partir da América Latina se adotem políticas de proteção da produção nacional. Na Argentina, antes se dizia que as elites intelectuais só olhavam para a Europa, mas agora o que está em jogo não é a admiração simbólica das metrópoles, mas o fato de ceder espaços ao controle e à gestão econômica das condições que nos 1
.- Trata-se do livro que acaba de publicar: Latinoamericanos buscando lugar en este siglo.
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permitiriam produzir e fazer circular o que a nossa sociedade requer ou produz. E isto é verdadeiramente preocupante. É algo estrutural. Muitos dos editores, diretores de cinema, produtores de discos latino-americanos em vez de promover uma indústria nacional passaram a ser gerentes locais dos planos transnacionais que compraram seus fundos editoriais, cinematográficos ou musicais. Isto aconteceu no Brasil, no México, na Colômbia. Na Argentina, apesar das políticas erráticas do menemismo e do delarruismo no campo cultural houve iniciativas muito valiosas e avançadas internacionalmente: a lei do livro, a lei do mecenato, a lei do cinema. Umas ficaram travadas em brigas mesquinhas entre deputados e senadores, outras entre o Congresso e o Executivo. Houve pressão dos lobbies internacionais para que a lei do cinema não saísse e as distribuidoras norte-americanas pudessem invadir sem empecilhos o mercado interno. Isso aconteceu também no México. Iniciativas ocorreram. A sociedade se mobilizou, mas os legisladores foram em geral bastante irresponsáveis e o Executivo enterrou as iniciativas e cortou os fundos.
" PE. VAZ E BORNHEIM FILÓSOFOS BRASILEIROS Sob o título acima, Leandro Konder, filósofo, radicado no Rio de Janeiro, autor de inúmeros livros, publicou no Jornal do Brasil, 28-9-02 um belo artigo fazendo a memória de dois filósofos recém-falecidos: Padre Vaz, jesuíta mineiro e Gerd Bornheim, gaúcho. O IHU celebrou a memória do Padre Vaz. Com a publicação deste artigo queremos celebrar, ainda que tardiamente, a vida e a obra, igualmente, de Gerd Bornheim. “Existe uma filosofia brasileira? Essa pergunta tem provocado muitas discussões. A filosofia, por si mesma, é uma busca vital de universalidade. Os filósofos refletem (do latim re flectere, debruçar-se outra vez) sobre questões extremamente abstratas, tais como ' ' quem somos nós' ' ,' ' de onde viemos' ' ,' ' para onde vamos' ' . As questões filosóficas nos desafiam a pensá-las do ângulo da humanidade (embora, de fato, nós as pensemos do ângulo da nossa cultura particular). A grande dificuldade está em criarmos uma tradição na nossa cultura para o exercício da reflexão filosófica. Já chegamos lá? Ou ainda temos muito caminho pela frente? Só nos interessa a teoria aplicada, ' ' útil' ' , ou já se criou na nossa cultura um espaço significativo para a especulação filosófica, capaz de ir além da mera serventia? Alguns críticos dizem que as condições históricas periféricas em que nos encontramos têm dificultado muito o desenvolvimento de características nacionais no nosso modo de pensar. Outros, porém, observam que mais periférica do que o Brasil atual era a Alemanha de 1800, onde viviam Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Sem a pretensão de resolver a controvérsia, podemos dizer que, se existe uma filosofia brasileira, ela - com certeza - sofreu recentemente duas graves perdas. Com um intervalo de poucos dias, faleceram, recentemente, Gerd Antonio Bornheim e Henrique Cláudio de Lima Vaz. Lima Vaz, jesuíta, era mineiro, nascido em Ouro Preto, em 1921. Gerd Bornheim era gaúcho, nascido em Caxias do Sul, em 1929.
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Ambos tiveram uma formação tomista, em instituições católicas; familiarizaram-se com os clássicos, aprenderam latim e grego. Em fins dos anos 50, ambos se interessaram pelas idéias que estavam na época entusiasmando o movimento estudantil. Eram, sem dúvida, muito diferentes, nas motivações, nas opções vitais, no estilo, na personalidade. No entanto, ambos se interessaram pela dialética e pela filosofia de Hegel. Gerd Bornheim é o autor de um livro intitulado Dialética: teoria práxis. Quando era meu orientador, no doutorado, ouvi-o falar da dialética como pensamento libertador. Para o padre Vaz, a dialética tinha uma função muito importante no esforço para responder à pergunta: ' ' Como encontrar um lugar para a liberdade no universo da razão?' ' . Nenhum dos dois teve qualquer envolvimento efetivo, prático, com organizações políticas postas na clandestinidade. Porém o fato de terem influído com suas idéias em jovens que atuavam na resistência à ditadura militar foi suficiente para que eles fossem considerados em alguns círculos como ' ' subversivos' ' . Na onda de repressão que se seguiu ao golpe de 1964 e se agravou no final de 1968, com o AI-5, ambos foram ameaçados em inquéritos policiais. Gerd Bornheim foi influenciado por Heidegger, admirou muito Sartre, interessou-se por arte (especialmente por teatro), escreveu um livro sobre Brecht. Nestes últimos anos, pretendia escrever sobre as antinomias do real. O padre Vaz procurava incansavelmente conexões entre a filosofia, a teologia e a antropologia. Citando Santo Agostinho, dizia que queria entender para crer e precisava crer para entender melhor. Estive com ele uma única vez, durante um seminário, mas foi para mim uma conversa inesquecível. Seus Escritos de filosofia estão sendo publicados numa série de livros; sete volumes já saíram. A morte aproximou esses dois pensadores tão diferentes e essa aproximação me fez pensar nos pontos de contato que existem, afinal, entre os caminhos que eles trilharam. E me fez pensar na existência de uma filosofia brasileira, já que os dois, decididamente, não podem ser considerados meros repetidores de filósofos estrangeiros e, embora muito distintos em suas reflexões, tinham, a meu ver, algumas preocupações e alguns temas em comum (dialética, liberdade). Se entendermos que já existe, de fato, uma filosofia brasileira, devemos admitir que ela, no mês passado, perdeu dois campeões. E se insistirmos em negar que já exista essa ' ' maneira' 'brasileira de filosofar, o que nos cabe dizer é que a filosofia, como tal, em escala mundial, sofreu dois golpes dolorosos, de graves conseqüências. Por uma razão muito simples: porque, pela qualidade e pelo nível do trabalho que realizavam, Henrique Cláudio de Lima Vaz e Gerd Bornheim não ficavam nada a dever a seus colegas mais conhecidos, filósofos estrangeiros contemporâneos, em geral”
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As eleições e a revolução de 1930 “Em termos de "circulação de elites", a onda petista talvez só tenha paralelo histórico na substituição da camada governante em 1930. O tempo dirá se a aproximação é tão exagerada como parece. Diferentemente de 30, no entanto, o processo atual não passa por um golpe armado, mas por um processo lento, gradual e seguro de osmose sócio-política” – Otávio Frias Filho, no artigo “Descontrução”, publicado na Folha de S. Paulo, 10-10-02.
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FHC e a CNBB: dizem coisas sem cabimento! “Tentei várias vezes sentar com a CNBB, mas eles dizem coisas que não têm cabimento. Agora mesmo fizeram o plebiscito sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). E disseram que a Alca é alienação de soberania. Mas nem há Alca ainda. Ninguém sabe como será” – Fernando Henrique Cardoso, Época, 16-10-02. Oscar Niemeyer: João Pedro Stédile para presidente “Quando a eleição se aproximava, eu dizia que meu candidato seria o (Leonel) Brizola (PDT) ou o (João Pedro) Stédile (MST). O mundo escureceu e o vencedor precisa ser um homem de luta. Ele não terá como problema apenas organizar as finanças do País, mas terá de enfrentar um mundo de guerras, massacres, violência. Eu achava que era necessário um presidente mais afeito a essas coisas, como o Brizola ou o Stédile” – Oscar Niemeyer, arquiteto, IstoÉ, 16-10-02.. O PT entre a rua Wall de NY e as ruas brasileiras “Se o PT quiser agradar mais à rua Wall de Nova York do que às ruas brasileiras, vai quebrar a cara. A menos que consiga provar que é possível combinar a ortodoxia defendida pela rua Wall com a mudança votada pelas ruas tupiniquins (se 76% votaram na oposição, não é, obviamente, para manter as coisas como estão, certo?)” – Clóvis Rossi, jornalista, na coluna “Entre a rua Wall e a rua”, Folha de S. Paulo, 12-10-02. A economia neoliberal “Gasto com pobre é déficit público. Gasto com rico é fortalecimento keynesiano da economia” – Luís Nassif, jornalista, no Caderno MAIS dedicado às “Novas Doutrinas - Folha de S. Paulo, 13-10-02. “Pobre desempregado é o indivíduo pouco competitivo no mercado laboral” Luís Nassif, jornalista, no Caderno MAIS dedicado às “Novas Doutrinas” Folha de S. Paulo, 13-10-02. “Quem dá a siderúrgicas falidas empresta a Deus. Quem dá a pobre, adeus” Luís Nassif, jornalista, no Caderno MAIS dedicado às “Novas Doutrinas” Folha de S. Paulo, 13-10-02.
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Sociologia e Moral “Não é possível a neutralidade moral em sociologia. Quem sustenta esta neutralidade mente para si mesmo” – Zygmunt Bauman, sociólogo, em declaração ao Il Corriere della Sera, 13-10-02. “Pela primeira vez na história o imperativo moral e o instinto de sobrevivência caminham na mesma direção. Por milênios para seguir a moral devias sacrificar alguns dos teus interesses. Hoje os objetivos coincidem: ou cuidamos da dignidade de cada um, no planeta, ou morreremos todos juntos” - Zygmunt Bauman, sociólogo, em declaração ao Il Corriere della Sera, 13-10-02. Zoellick, Alca e o PT "O que queremos fazer é a primeira oferta à região. Mas se eles decidirem ir em outra direção, se quiserem fazer comércio mais ao sul, com a Antártida, nós olharemos para o Leste e o Oeste”- Robert B. Zoellick, secretário americano do comércio exterior (USTR), O Estado de São Paulo 15-1002.
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Lula será um Fox ou um Mandela? O Brasil quer mudança!
“O mercado quer no Brasil um Fox, que subordine compromissos sociais à ortodoxia econômica. Os governos do Atlântico Norte querem um Mandela, que mova mundos na oposição, mas que no poder se resigne às desigualdades, do país e do mundo. O Brasil, porém, quer mudança” – Roberto Mangabeira Unger, Folha de S. Paulo, 15-10-02.
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!# Cooperativismo, Solidarismo e Competitivismo No dia 10 de outubro, Inácio Neutzling, coordenador do IHU, participou do Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de Ensino Superior Comunitárias, em Florianópolis, SC. Ele participou como debatedor da mesa intitulada “Extensão e Ação Comunitária: Perspectivas e Contraposições entre Cooperativismo, Solidarismo e Competitivismo”. Sociedade do Conhecimento: Novos desafios universitários Nos dias 17 e 18 de outubro, Inácio Neutzling participou, em São Paulo, do Seminário ‘Sociedade do Conhecimento: Novos Desafios Universitários’ promovido pelo Centro Universitário da FEI, através de seus cursos de Engenharia, Ciência da Computação e Administração. O coordenador do IHU foi o debatedor da conferência “A Pirâmide, a Teia e as Falácias. Sobre a modernidade industrial e desenvolvimento social” proferida pelo Prof. Dr. Roberto Bartholo, da COPPE – UFRJ e participou do painel “O papel da Universidade na Sociedade do Conhecimento”, juntamente com o prof. Dr. Abraham Benzaquen Sicsú, da UFPE e do NEAL- UNICAP e com o prof. Osvaldo Soares, da PUC-SP. Avaliação e Planejamento No próximo dia 1º de novembro, acontecerá uma reunião de articuladores (as) dos grupos temáticos e dos coordenadores (as) dos programas do IHU. O objetivo é a avaliação e o planejamento das atividades do Instituto Humanitas Unisinos para o ano de 2003. O evento se realizará na parte da manhã, na sala 1C103 e terá encerramento com um almoço no restaurante da Unitec. Além desta reunião, a coordenação do IHU vem se reunindo para o planejamento do ano 2003. A meta é dar continuidade a algumas das atividades deste ano e buscar inovações, trazendo outras propostas ao IHU.
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Castor Mari Bartolomé Ruiz é professor no Centro de Ciências Humanas, no PPG em Filosofia. Nascido na Espanha, veio para o Brasil aos 28 anos. Castor é casado com Jacira há 10 anos e é pai de Castor Tiaraju, de 9 anos. Origens - Nasci no Norte da Espanha, em Castañanes de Rioja, uma província de La Rioja. Pastoral Social - Aos 28 anos, vim para o Brasil. Cheguei ao sertão baiano, às terras de Antônio Conselheiro. Fiquei uns seis ou sete anos atuando na Pastoral Social de educação popular com base no Evangelho. Esta foi minha opção de vida, uma opção de fé. Formação - Cursei Filosofia e Teologia na Espanha. Fiz o Mestrado em Teologia Bíblica em São Paulo e o Mestrado em História na UFRGS, em Porto Alegre. Concluí o Doutorado em Filosofia na Espanha, voltando às raízes. Profissão - Na época em que eu estudava na UFRGS, era professor de Filosofia do Ensino Médio no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, e no Lasalle, em Canoas. Quando concluí o Mestrado em História, coloquei meu currículo aqui na Unisinos. Fui chamado para ser professor de Humanismo e Tecnologia. Aos poucos, fui me integrando na Filosofia. Hoje trabalho no PPG. Autor: Miguel de Unamuno. Livro: Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Filme: Urko, de Akira Kurosawa. Nas horas livres: Encontrar-me com os amigos, caminhar e nadar. Um presente: Livros. Nós, professores, somos viciados neles. Momentos felizes: O nascimento de meu filho Castor Tiaraju, a minha infância e os encontros com os amigos. Unisinos: Lugar de produção do conhecimento, espaço de inter-relação, trampolim de divulgação do modo de ser e pensar, possibilidade de criar alternativas na sociedade. IHU: Espaço de busca do sentido humano do ser e do fazer da sociedade de hoje. É uma referência para buscar a dimensão profunda da prática tecnológica e científica do mundo. Tem como desafio a criação de alternativas pessoais e sociais para a realidade contemporânea. Um grande sonho: A mudança social no país. O Brasil merece uma sociedade mais justa. A situação é gritante e essa mudança é urgente. Há sofrimento demais, e muitas pessoas são humilhadas. Faz tempo que isso acontece. Não podemos ser indiferentes. Eu tenho a certeza de que o Brasil pode fazer isso.
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Aniversários
20/10 Vanderlei Backes
Vanderlei@poa
Ramal 4126
28/10 Vera Regina Schmitz
Verasc@poa
Ramal 1176
20/10 Ana Maria Formoso
Ihulitur@poa
Ramal 4122
Setor Teologia Pública
Coordenadora adjunta IHU Teologia Pública
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Sala de Leitura "O livro que indico é Modernidade e Ambivalência, de Zygmunt Bauman. Esta obra, abertamente desafiadora e escrita por um dos principais pensadores sociais da atualidade, faz um balanço inovador das questões levantadas pelo debate modernidade/ pós-modernidade. Com reflexões que vão de Kant a Derrida - passando por Freud, Marx, Simmel, Adorno, Horkheimer, Kafka, Foucault, Lyotard, Rorty e outros -, propõe-se a analisar sociologicamente a polaridade entre ordem e caos, ou seja, as conseqüências das drásticas alterações econômicas, políticas e culturais a que se deu o nome de "modernidade". Alexandre Kieling, professor do curso de jornalismo na Unisinos e diretor do Complexo de Teledifusão e Tecnologia Educacional, TV Unisinos
"Estou lendo o livro do jurista norte-americano Ronald Dworkin, Life´s Dominion, 1993, em versão espanhola de R. Caracciolo e V. Ferreres, El dominio de la vida (Barcelona: Ariel, 1998, 359 páginas). O autor trata de temas como o da sacralidade da vida humana e do problema do aborto e da eutanásia. Entende que a vida humana é sagrada, por dois fundamentos: o investimento nela feito por Deus, ou a natureza (para os não crentes), e o investimento humano. De acordo com a importância que as pessoas dão a este ou àquele fundamento da sacralidade, vão se posicionar a favor ou contra o aborto e a eutanásia. O autor defere às pessoas na situação concreta o julgamento moral do aborto e da eutanásia, compreendida esta em sentido amplo, que inclui o suicídio (assistido ou não) e o cancelamento de tratamentos e suportes vitais (p. 279). Salta aos olhos que as teses do autor são criticáveis severamente. As razões a lhe serem contrapostas, porém, não cabem neste espaço". Prof. Dr. José Nedel, professor do PPG em Filosofia, do Centro de Ciências Humanas, doutor e mestre em Filosofia, graduado em Filosofia, Letras Clássicas e Ciências Jurídicas e Sociais.
"O livro de que mais gostei, neste ano, foi o de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, publicado em São Paulo pela Companhia das Letras, em 1999. Apaixona, porque leva-nos a repensar, no mínimo, três mundos: aquele em que vivemos, a grande maioria, como videntes; o mundo interior, que tem uma parte cheia de porões, sombras e escuridões; e o mundo do outro, no caso, o cego, que não sendo o nosso, nos situa frente a quem somos. Para início, a própria capa já é uma experiência fantástica, que intuitivamente, nos leva a tatear e adentrar na história por meio de nossos olhos. Depois, um cotidiano que se descortina, cheio de frestas, de cegos, sem nomes, anônimos, como, cada vez mais, somos numa sociedade que tira nossa visão, que nos obriga a uma experiência de ver o que não queremos enxergar e de enxergar o que não podemos mudar.
Cecília Irene Osowski, professora do PPG em Educação, do Centro de Ciências Humanas, pós-doutora, doutora e mestre em Educação e graduada em Filosofia.
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