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Arrisca teus passos por caminhos pelos quais ninguém passou; arrisca tua cabeça pensando o que ninguém pensou. O convite, feito por algum militante anônimo, em maio de 1968, pintado nas paredes do teatro Odéon, em Paris, pode resultar muito expressivo para homens e mulheres que, oriundos do mundo inteiro, se encontram nestes dias, em Porto Alegre, em janeiro de 2003, para se arriscar a

pensar um outro mundo possível. Esta edição especial de IHU On-Line retoma este pensamento que constitui uma referência constante de nossa publicação e do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), porque os desafios da atual crise cultural nos exigem o mesmo tipo de audácia.

IHU On-Line é a publicação semanal do Instituto Humanitas Unisinos, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O boletim, que nasceu eletrônico, e já conta com uma versão impressa, busca ser um espaço para olhar o nosso tempo com realismo e esperança. Nesta edição especial, você acompanha quatro editorias. Em Apresentação, conhece um pouco mais o Instituto Humanitas Unisinos, seu objetivo, suas linhas de trabalho e seus projetos. Acompanhe algumas entrevistas sobre os principais temas que orientam o trabalho do IHU. A profª Adela Cortina fala sobre Ética Cívica, o Prof. Dr. Inácio Neutzling,


2 sobre Trabalho e Sociedade Sustentável e o Prof. Dr. Roque Junges, sobre Teologia Pública. A editoria Unisinos no Fórum lhe permite conhecer e participar das diversas atividades do IHU e da Unisinos no II Fórum Mundial da Educação e no III Fórum Social Mundial. Acompanhe as entrevistas com Prof. Dr. Euclides Redin sobre os modelos de universidades, com a Profª MS Marilene Maia sobre políticas sociais; com Roberto Malvezzi, sobre a questão da água e com o Prof. Dr. José Ivo Follmann sobre o diálogo inter-religioso. A editoria IHU Eventos traz as atividades mais relevantes que o Instituto Humanitas Unisinos oferece ao longo de 2003, de maneira especial o Simpósio Internacional Água: bem público universal. A editoria Em debate abre um espaço para que Michael Hardt e Eduardo Galeano, entre outros nos ajudem a compreender o contexto no qual acontece o III FSM, a conjuntura nacional e internacional que estamos vivendo. A versão eletrônica de IHU On-Line circula toda segunda-feira, ao meio-dia e é enviada de forma gratuita a todos aqueles que o solicitam, através do e-mail ihuinfo@poa.unisinos.br.

! Instituto Humanitas Unisinos

UMA INICIATIVA PARA RESPONDER COM OUSADIA AOS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS. O Instituto Humanitas Unisinos (IHU) surgiu em setembro de 2001, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, em São Leopoldo, RS - Brasil, da constatação da urgência de forjar um novo paradigma civilizacional, capaz de resgatar as dimensões da vida humana e do cosmos, especialmente dos seres vivos mais fragilizados. Este desafio está, necessariamente, na agenda de todos(as) aqueles(as) que buscam saídas para a crise epocal que vivemos. No nome do IHU, Humanitas designa a abertura a novas questões e busca de respostas aos grandes desafios da nossa época, a partir do humanismo social cristão, participando, ativa e ousadamente, do debate cultural em que se configura a sociedade do futuro. A idéia da criação do Instituto Humanitas Unisinos emerge da necessidade de focalizar a produção científica e a conseqüente geração de conhecimento da Universidade, nas suas diferentes áreas e nos seus diferentes projetos de pesquisa, de maneira orgânica e transdisciplinar, levando em consideração o Ensino Social da Igreja e a Missão da Companhia de Jesus. A sinergia do serviço da fé com a promoção da justiça e o diálogo cultural e interreligioso traça a rota a ser percorrida pelo IHU.

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A Unisinos, como todas as Universidades da Companhia de Jesus, propõe-se a ser espaço de formação de homens e mulheres para os demais e com os demais, formados e formadas na solidariedade, capazes de assumir responsabilidades pelo mundo real. Procura ser fiel, ao mesmo tempo, ao substantivo ‘universidade’ e ao adjetivo ‘jesuíta’. Por ser uma universidade lhe é pedida dedicação à investigação, ao ensino e aos diversos serviços derivados da sua missão cultural. O adjetivo ‘jesuíta’ requer da universidade harmonia com as exigências do serviço da fé e a promoção da justiça, estabelecidas pela CG 32, Decreto 4. O Instituto Humanitas Unisinos quer alinhar-se com todas as demais atividades da Universidade, para que ela seja uma força social e, como universidade da Companhia, possa assumir esta responsabilidade de ser uma força em favor da fé e da justiça. Ele quer contribuir de maneira significativa, para que os e as estudantes da Unisinos, no período da sua formação, deixem entrar em suas vidas a realidade perturbadora deste mundo, de tal maneira que aprendam a senti-lo, a pensá-lo criticamente, a responder aos seus sofrimentos e a se comprometer com ele de forma construtiva e quer favorecer para que aprendam a perceber, pensar, julgar, optar e atuar em vista dos direitos de outros, especialmente dos sem-vantagens, dos oprimidos. Neste sentido, o Instituto se propõe a interagir com os diversos Programas de PósGraduação da Universidade, com os quais procurará, contínua e sistematicamente, a interlocução. Com isso, ele quer facilitar para que todo o trabalho de pesquisa da Unisinos tenha uma maior intervenção social. Para tanto, procurará criar condições mais propícias para a integração da pesquisa, do ensino e da extensão. Assim, o IHU quer contribuir pró-ativamente, para que a opção pelos pobres, a promoção da justiça, a defesa dos direitos humanos e a ecologia, que são a referência fundamental do interesse social da nossa universidade, juntamente com a excelência acadêmica e a gestão inovadora dos seus recursos, seja parte essencial do projeto pedagógico e da imagem pública da Unisinos na sociedade.

SETORES DO IHU Arraigado na história viva da Unisinos, o Instituto Humanitas Unisinos busca fomentar, desenvolver e articular projetos que envolvam pesquisas, estudos, reflexões, análises e serviços, com ousadia e criatividade, em três grandes áreas de concentração, concebidas como amplas áreas de convergências temáticas. Estas áreas de concentração são espaços facilitadores da elaboração de atividades transdisciplinares. Os três setores (ou áreas de concentração) do Instituto Humanitas Unisinos são: 1) 2) 3)

Ética Cultura e Cidadania; Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade; Teologia Pública. Cada um destes três setores (ou áreas de concentração) se articula com grupos temáticos e por eles é alimentado. Os grupos temáticos são impulsionadores e

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4 geradores das atividades do Instituto Humanitas Unisinos. Como nós de uma rede, eles se concretizam na forma de fóruns abertos de interessados e especialistas em determinada área temática.

A PROCURA DE UMA NOVA ÉTICA

Pesquisar uma ética para os novos tempos, necessária e possível, é a tarefa do Setor Ética, Cultura e Cidadania do IHU. O maior paradoxo que caracteriza a crise epocal é o vazio ético no qual se dá a mutação socioeconômica, propiciada, em grande parte, pela revolução tecnológica em curso. Na medida em que o capitalismo global apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, libertando-a de amarras metafísicas e orientando-a única e exclusivamente para a criação de valores econômicos, aumentou a concentração de renda e da exclusão social, o perigo de destruição do "habitat" humano por contaminação e por manipulação genética que ameaça o patrimônio comum da humanidade. O ser humano percebe-se cada vez com mais poder e, ao mesmo tempo, cada vez mais impotente e frágil (Hans Jonas).Ou seja, o ser humano tornou-se perigoso para si mesmo, constituindo-se, agora, em seu próprio risco absoluto. Na verdade, um claro paradoxo se instala nas sociedades pós-modernas. Ao mesmo tempo que elas se libertam das amarras dos valores de referência, a demanda por ética e preceitos morais parece crescer indefinidamente. Pesquisar uma ética para os novos tempos, necessária e possível, que possa introduzir o dever onde tudo é poder, é o desafio do Instituto Humanitas Unisinos. Este desafio exige estar atento e ser perspicaz para apreender a necessidade de elaborar uma antropologia capaz de superar o antropo e o androcentrismo, compreendendo a pessoa humana como inter e retrorrelacionada e responsável pelas gerações que estão por vir. A exclusão social é uma das características da arquitetura de uma sociedade que erigiu o econômico como autônomo em relação às outras esferas da vida social, passando a colonizá-las. A ousadia de pensar uma sociedade em que o econômico seja subordinado à política e servidor da sociedade, é o desafio que professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras, articulados e articuladas nos grupos temáticos do IHU se propõem como objetivos. Os grupos temáticos deste setor são três: Ética e Antropologia; Cidadania e Exclusão e Cultura e processos midiáticos. A ética é o eixo articulador dos grupos temáticos. Tendo no horizonte alguns dos desafios que a ética apresenta a este setor e a todas as pessoas e instituições que se deixam interpelar por eles, reproduzimos, a seguir, alguns trechos da entrevista com a filósofa espanhola Adela Cortina concedida ao IHU On-Line durante sua visita à Unisinos para participar do evento IHU Idéias,no dia 20 de novembro de 2002, e publicada na íntegra na edição 44 de IHU On-Line, no dia 25 de novembro de 2002. Adela Cortina é doutora em Filosofia, professora catedrática de Filosofia Jurídica, Moral e Política da Universidade de Valência, Espanha. É autora de inúmeros livros, entre os quais citamos Razón comunicativa y responsabilidad solidaria, 1985; Ética mínima, 1986; Ética sin moral, 1990; La moral del camaleón, 1991. O seu penúltimo livro, Alianza y Contrato. Ética, Política y Religión, Editora Madrid: Trotta, 2001, 184p, foi resenhado na edição 27ª deste boletim, páginas 11-12. Seu livro Ética Civil e Religião está editado em português: São Paulo: Paulinas, 1996.

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5 Os seus últimos livros estão sendo traduzidos para o português pelas Edições Loyola. Adela Cortina acaba de publicar o livro Por una ética del consumo, Madrid: Taurus, 2002.

Ética Cívica

Entrevista com a Profª Drª Adela Cortina IHU On-Line- Uma das definições mais freqüentes sobre Adela Cortina é a de "ativista ética". Por quê? Adela Cortina- Sou uma pessoa comprometida com a ética e penso que a humanidade seria bem melhor, se o nível ético das sociedades subisse. Dizia Ortega que o importante, em relação à ética, é falar de pessoas ou sociedades em que a moral é elevada ou das que estão desmoralizadas, e que é muito importante as pessoas e as sociedades terem moral elevada, pois assim enfrentam os problemas vitais com interesse, com vontade e estão à altura do humano. Mas, quando se está desmoralizado, não se tem vontade de dar solução aos problemas ou se encontram más soluções, e é muito importante elevar a moral das pessoas e das sociedades, porque seria muito melhor. Por isso sou considerada uma ativista da ética. IHU On-Line- Historicamente, o que tem baixado a moral das pessoas? Adela Cortina- Estafas econômicas, por exemplo, que, nos últimos tempos, têm aumentado muito. As pessoas perdem a confiança nas empresas, nas instituições, nas pessoas. Outro elemento que baixa a moral, é as promessas que os políticos fazem e não cumprem, desmoralizam a sociedade, porque se rompe essa base de confiança entre as pessoas. Os profissionais, quando não cumprem sua profissão com excelência, que é o que deveria fazer um profissional, também se desmoralizam. Muitos estão preocupados em agir no limite, para que não sejam presos, e não em agir corretamente. Creio que também se desmoralizam algumas instituições civis que, em vez de cumprir sua tarefa como deve ser, agem de maneira escusa, elevando suspeitas com respeito às demais organizações civis, e as pessoas começam a generalizar a idéia de que, em relação às organizações civis, “nem tudo o que reluz é ouro”. Todas essas atitudes que não são as que se poderiam esperar dos empresários, dos políticos, das organizações civis baixam a moral da sociedade, e isso prejudica a todos. IHU On-Line- Que elementos ajudariam a levantar a moral dos povos? Adela Cortina- Em primeiro lugar, algo tão elementar como nos dar conta de que nos convém levantar a moral, inclusive com um interesse egoísta de mera conveniência. Kant dizia que até um povo de demônios se daria conta de que lhes convém o estado de direito, a paz, a concórdia, muito mais do que a guerra, o conflito, etc. Até por cálculo matemático isso nos convém. Uma sociedade sem grades, sem guarda-costas, é muito mais agradável. O problema é que há gente empenhada em viver assim e acumular mais dinheiro, mais prestígio ou coisas do estilo. Este é o momento de explicar às pessoas que devemos fazer a experiência de viver de outra maneira, e elas sentirão como é muito mais prazeroso viver com a cooperação do que com o conflito, que seremos muito mais felizes. E aí entra também o tema da justiça. Uma pessoa não pode se sentir pessoa no pleno sentido da palavra, mais ainda no século XXI, estando contente e feliz, sabendo que existe

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6 gente que não tem assistência sanitária, que não pode comer, que não tem educação. Seres humanos não podem ficar contentes e tranqüilos, quando esse nível de injustiça é tão evidente. Além disso, sabemos que problemas como esses podem ser resolvidos, porque hoje há meios para isso, antes não. Falta a vontade de colocar esses meios a serviço de todas as pessoas. Temos que convencê-las de que lhes convém ter um sentido da justiça e que o contrário é inumano e muito menos prazeroso. IHU On-Line- E qual seria o papel da religião nisso tudo? Adela Cortina- Nas sociedades pluralistas, como em muitas onde vivemos, há o que eu gosto de chamar de distintas éticas de máximos. Distintas propostas de vida feliz religiosas ou não religiosas. No pluralismo, essas propostas convivem, porque compartilham nos mínimos de justiça, que todos crêem devem ser cobertas. O pluralismo moral consiste em saber articular as distintas éticas de máximos de uma ética cívica mínima compartilhada. A ética cívica mínima não é rebaixar a ética ao mínimo, e sim resgatar os valores em comum, como justiça, igualdade, solidariedade. As religiões são propostas de vida feliz, e a mim me parece que seria muito bom se as religiões recuperassem essa idéia originária de fazer propostas de felicidade, de vida plena, auto-realizada. Para uma sociedade, é muito importante que essas propostas sejam feitas, porque as exigências de justiça são muito maiores, quando as propostas de felicidade são muito mais plenas. Numa sociedade em que ninguém faz projetos de felicidade, as exigências de justiça são muito menores. Quando o que buscamos é estar bem, a justiça nos importa pouco, quando o que buscamos é ser feliz no pleno sentido da palavra, a justiça importa muito. Então as religiões seguem tendo esta tarefa de fazer propostas de felicidade e têm de recuperá-la. É a idéia do Evangelho. Há uma boa notícia. A boa notícia é que a felicidade é possível para todos os seres humanos. Essa proposta tem que ser feita, porque estamos muito carentes de propostas de felicidade. Acho que as religiões têm ido muito pelo Direito Canônico e muito pouco pelos projetos de felicidade IHU On-Line- Como vê o cristianismo, cansado, com vitalidade...? Adela Cortina- Um pouco cansado, porque as propostas cristãs de dignidade humana têm sido assumidas nos direitos humanos, na importância da comunidade, do meio ambiente, da igualdade, em movimentos que lutam por certos direitos. As grandes propostas humanas que, em determinado momento, eram quase exclusivas do cristianismo, agora se implantaram na vida cotidiana, de tal maneira que pertencem à ética cívica e dá a sensação de que o cristianismo ficou sem uma mensagem específica. IHU On-Line- E qual seria a especificidade do cristianismo hoje? Adela Cortina- Segue sendo a do amor. O amor é o nível maior do que se pode exigir da justiça. Às pessoas se lhes pode exigir que protejam os direitos de outros, mas há um lugar importantíssimo que não é o dos deveres e direitos nem o da justiça. É o que eu gosto de chamar de obrigações. A palavra obrigação vem de ligação, de vínculo. Quando eu descubro que tenho um vínculo com outro, me sinto obrigada, embora ninguém me obrigue. Não é um dever que me impõem nem algo que me dizem, e sim eu que noto esse vínculo e então me sinto “ na obrigação”. E quando alguém se sente obrigado a outros, ligado com outros, então se dá conta de que há necessidades que não podem ser reclamadas como um direito nem consideradas como um dever. Todo o mundo necessita de consolo, esperança, sentido, ilusão e nenhum governo tem o dever de dar essas coisas. Esse é o papel

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7 das religiões. Elas devem dar consolo em tempos de cansaço, ajuda em tempos de vulnerabilidade, sentido quando as pessoas se perguntam se as coisas valem a pena, sonhos, projetos... Esse é o grande papel das religiões, que quase nenhuma está cumprindo agora. Por isso estamos numa sociedade um pouco triste. São obrigações de gratuidade, e não exigências de justiça. As pessoas que podem dar sentido ou ilusões é porque também os têm e porque falam disso em abundância. As religiões devem plenificar o coração e fazer com que existam coisas que se compartilham por essa abundância do coração.

UMA ARTICULAÇÃO ENTRE ECONOMIA E HUMANISMO O Setor Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade aposta na possibilidade de uma organização econômica participativa e includente. A crise epocal que vivemos, se caracteriza também pela crise da sociedade do trabalho. O trabalho assalariado, submetido e subjugado ao sistema produtor de mercadorias, está em crise, a qual se manifesta no desemprego crescente, que não é meramente conjuntural, resultante do fenômeno da reestruturação do mundo do trabalho, caracterizada, entre outros elementos, pela terceirização e flexibilização das relações de trabalho. A economia solidária e o cooperativismo, na medida em que apostam na possibilidade de uma organização econômica participativa e includente, superando a busca do lucro como único motor, emergem com vigor como uma possível resposta a esta crise. Apontam para a necessidade de novos paradigmas produtivos, capazes de gerar solidariedade entre os seres humanos e destes com a natureza, o cosmos e o universo, visando a fazer deste mundo um lugar em que todas as pessoas humanas, da nossa e das futuras gerações, possam viver bem e com segurança. O Setor Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade trabalhará intensamente, para que haja uma interface cada vez mais orgânica entre a Economia Solidária, o Trabalho e o Cooperativismo, os três grupos temáticos que alimentam esse setor, a partir do eixo articulador que é o trabalho. O tema do trabalho será o enfoque e a ênfase específicos da pesquisa, do estudo e da análise deste setor. O Instituto Humanitas Unisinos, especialmente por meio deste setor, quer contribuir, de maneira especial, como facilitador e qualificador da ação social da Universidade e da possibilidade de reinventar a articulação da economia com o humanismo. Assim, ele buscará fortalecer o intercâmbio e a articulação dos professores e professoras que, nos diferentes Centros e Programas de PósGraduação, trabalham os temas de Economia Solidária; Trabalho e Associativismo e Cooperativismo. Para dar uma visão geral dos desafios do mundo do trabalho que o Setor deve enfrentar, o IHU On-Line entrevistou o Prof. Dr. Inácio Neutzling. Ele é doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália, Mestre em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, professor e pesquisador do Programa da Pós-Graduação de Ciências Sociais Aplicadas, da Unisinos, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos e pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, de Curitiba, PR. Autor de vários artigos sobre o tema das mudanças do trabalho. Esta entrevista foi feita a partir do artigo “Sociedade do trabalho e sociedade sustentável. Algumas

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8 aproximações” publicado no livro O Ensino Social da Igreja e a Globalização, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002, p. 37-82.

SOCIEDADE DO TRABALHO E SOCIEDADE SUSTENTÁVEL Entrevista com Prof. Dr. Inácio Neutzling

IHU On-Line- O Sr. tem falado em “sociedade do trabalho”, o que isso significa? Inácio Neutzling- Sociedade do trabalho é a sociedade onde as pessoas são definidas e descritas na sua cidadania pelo trabalho assalariado que possuem. A crise da sociedade do trabalho assalariado se caracteriza por uma crescente “brasilianização”, conceito usado, entre outros, por Ulrich Beck. Mas em que consiste esta brasilianização? A década de 1990 é paradigmática para o mundo do trabalho no Brasil. O emprego formal acumulou um déficit estimado em 3,2 milhões de postos de trabalho, assim como o desemprego alcançou índices nacionais sem paralelo desde a década de 1930. Entre 1989 e 1999, a quantidade de desempregados ampliou-se de 1,8 milhões para 7,6 milhões, com aumento da taxa de desemprego aberto, passando de 3% da PEA para 9,6%. No entanto, apesar deste aumento do desemprego, nos anos 1990, a quantidade de trabalhadores, com jornada de trabalho superior à oficial de 44 horas duplicou, passando de 13,5 milhões para 26,7 milhões de pessoas ocupadas. Isso significa que cerca de 4,9 milhões de novas vagas deixaram de ser criadas no país. Ou seja, cerca de 2/3 do total do desemprego aberto no país poderia ter sido reduzido com a forte redução do sobretrabalho. Essa brasilianização na década de 1990, no Brasil, se caracteriza pela desestruturação do mundo do trabalho. Ela consiste fundamentalmente no crescente e elevado desemprego aberto, no desassalariamento, no sobretrabalho, no aumento do trabalho informal e na geração de postos de trabalho precários. A ‘brasilianização’ do mundo do trabalho parece indicar que saímos da sociedade de trabalho sem substituí-la por nenhuma outra. IHU On-Line- Que sinais apontam para essa saída da sociedade do trabalho? Inácio Neutzling- De um lado, o trabalho foi declarado como o fundamento da sociedade onde tudo, e todos, e todas giram ao redor do trabalho, ou seja, têm o trabalho como ponto de referência, enquanto, por outro lado, tudo é feito para tornálo raro. Por exemplo, o aumento da produtividade, por definição, significa sempre, simultaneamente, eliminação do trabalho humano. A brasilianização é uma manifestação da mutação do mundo do trabalho, impulsionada com mais vigor pela indústria pós-fordista. Ela é a ponta de lança de uma transformação profunda “que abole o trabalho, abole o assalariado e tende a reduzir a 2% a parte da população ativa capaz de assegurar a totalidade da produção material”. Ou seja, “a economia cada vez menos necessita do trabalho. Objetivamente, o trabalho perde a sua ‘centralidade’”. IHU On-Line- Poder-se-ia dizer que a sociedade do trabalho só existe no imaginário das pessoas? Inácio Neutzling- Sim, porque todas as forças estabelecidas se opõem a reconhecer esta perda da centralidade do trabalho e tudo o que ele implica, pois o poder sem entraves que o capital conquistou sobre o trabalho, sobre a sociedade e sobre a vida de todos visa precisamente a isto: que o "trabalho" conserve na vida e na

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9 consciência de cada um, a sua centralidade, ainda que ele seja massivamente eliminado, economizado e abolido em todos os níveis da produção. A glorificação teórica do trabalho resultou na efetiva transformação de toda a sociedade numa sociedade de trabalhadores, numa ‘sociedade operária’. Ao fazer isso, ela passou a entender o trabalho como emprego, isto é, o trabalho só é "trabalho", quando é pago. Assim, todos, desempregados e precários em potencial, são incitados a se bater por este "trabalho" que o capital aboliu. Cada passeata, cada cartaz que exige "Nós queremos trabalho" proclama a vitória do capital sobre uma humanidade subjugada de trabalhadores que não são mais, e que não podem ser, outra coisa”. Eis, portanto, o centro do problema e o núcleo do conflito: trata-se de desconectar do "trabalho" o direito de ter direitos e, especialmente, o direito ao que é produzido e produzível sem trabalho, ou com cada vez menos trabalho. Trata-se de reconhecer que nem o direito a um rendimento, nem o direito à cidadania plena, nem a realização e a identidade de cada um podem mais ser centradas no emprego e depender de ter um emprego. Trata-se, conseqüentemente, de mudar a sociedade. IHU On-Line- Qual seria o primeiro passo para essa mudança? Inácio Neutzling- Se o "trabalho" não perder a sua centralidade na consciência, no pensamento, na imaginação de todos, este conflito não será solucionado. E é precisamente isso que todos os poderes estabelecidos e todas as forças dominantes se empenham em impedir, com o auxílio de especialistas e ideólogos que negam que o "trabalho" esteja em processo rápido de eliminação. O lugar do trabalho na imaginação de todos, na imagem deles mesmos e do futuro possível é o início de um conflito profundamente político: de uma luta pelo poder. O muro que eles colocam sobre os fatos, toda transformação da sociedade supõe a capacidade de pensar de outra forma ou, simplesmente, de formular o que cada um experimenta. IHU On-Line- Como influencia no mundo do trabalho a crise ecológica atual? Inácio Neutzling- Há um conflito entre a reprodução da Humanidade e da Terra. A terra suporta cada vez menos o nosso crescimento, enquanto nossas sociedades têm cada vez mais necessidade dele. Para gerar emprego, renda é necessário mais consumo que, por sua vez, gera mais produção que gera mais renda do trabalho e de novo mais consumo e assim vai se constituindo o círculo vicioso da economia. No entanto, o consumo mundial se desenvolveu a um ritmo sem precedentes no decorrer do século XX. A dinâmica consumo-pobreza-desigualdade-degradação ambiental se acelera. Se não houver uma redistribuição entre os consumidores de alta e baixa renda, se não se abandonarem os produtos e procedimentos de produção poluidores, se não se favorecerem as mercadorias que são necessárias para os pobres e se o consumo ostentatório não deixar espaço à satisfação das necessidades essenciais - os problemas colocados, hoje, pela relação entre consumo e desenvolvimento humano se agravarão. IHU On-Line- Estaria em risco a sobrevivência da espécie humana? Inácio Neutzling- A esperança de garantir a sobrevivência da humanidade como espécie assim como a esperança de que, em algum momento do futuro, uma parte razoável dos seres humanos possa atingir uma qualidade de vida semelhante ao atual padrão do cidadão médio norte-americano ou europeu, duas esperanças que alimentam os sonhos de grande parte da população, são seriamente questionadas. Não há nenhuma segurança sobre essas hipóteses. A primeira dependerá de um enorme esforço conjunto de toda a raça humana. A segunda tem toda a chance de ser uma falsa premissa. Ou seja, elevar ao nível médio norte-americano a qualidade

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10 de vida da população atual da Terra já exigiria os recursos naturais de mais dois planetas iguais ao nosso. Nos mesmos níveis de consumo e desperdício, mesmo que apenas uma parte das nações fosse bem-sucedida nesse intento, o choque ambiental decorrente liquidaria a vida humana. IHU On-Line- Então a própria crise ambiental é um elemento fundamental de crítica ao modelo industrial de trabalho? Inácio Neutzling- A crítica do trabalho, a partir da crise ecológica, implica a crítica radical da submissão da sociedade à racionalidade econômica. Emerge aqui a discussão dos limites. A necessidade de pensar os limites necessários a serem impostos ao mercado são ‘conditio sine qua non’ para evitar a desagregação da sociedade e a destruição da biosfera. A delimitação dos limites dentre os quais a racionalidade econômica deve operar é, aliás, o problema central da sociedade capitalista desde o seu início. A subordinação do econômico à sociedade, isto é, a atividade econômica a serviço dos fins que a superam e fundamentam a sua utilidade, dando-lhe um sentido, eis o núcleo da crítica que emerge da crise da sociedade do trabalho e da crise ecológica. IHU On-Line- Como orientar o desenvolvimento da economia e a própria concepção de trabalho, para que, em vez de colocar em risco, ajude na preservação do ecossistema e da humanidade? Inácio Neutzling- Para isso há que mudar radicalmente o estilo ocidental moderno de consumo que obstaculiza a auto-limitação das necessidades que poderia nos levar à auto-produção e à livre escolha do tempo de trabalho. A autolimitação das necessidades deve ser vista e percebida pelas pessoas como reconquista da autonomia dos seres humanos, graças ao reorientamento democrático do desenvolvimento econômico, com redução simultânea do tempo de trabalho e a extensão das possibilidades de autoprodução cooperativa e associativa. Pois uma sociedade que define o bem como a satisfação máxima pelo maior consumo de bens e serviços industriais do maior número de pessoas, mutila, de modo intolerável, a autonomia do indivíduo. Um tempo de trabalho cada vez mais reduzido e flexível pode possibilitar a criação de uma esfera crescente de vida comunitária, de cooperação voluntária e auto-organizada, de atividades autodeterminadas sempre mais extensas. Somente por este caminho se evitará que a redução do volume de trabalho necessário ao sistema econômico se transforme em desemprego, desintegração e ‘brasilianização’ da sociedade. IHU On-Line- Como seria possível a sociedade sustentável? Inácio Neutzling- Em primeiro lugar, libertar o pensamento e a imaginação dos lugares comuns do discurso social dominante, ousando pensar as potencialidades de outras experiências exemplares que apostam, efetivamente, em outros modos de cooperação produtiva, de troca, de solidariedade, de vida. Trata-se de alargar ao máximo os espaços e os meios que permitem a produção de socialidades alternativas, de modos de vida, de cooperação e de atividades que se subtraem aos dispositivos do poder do capital e do Estado. Assim, novos direitos e uma nova liberdade emergem como possibilidade, como por exemplo: o direito de cada um de ganhar a vida trabalhando, mas trabalhando menos e melhor, recebendo por inteiro a sua parte da riqueza socialmente produzida. Um outro direito seria o de trabalhar de modo descontínuo, intermitente, sem perder durante estas pausas a renda plena, de modo que possa abrir novos espaços às atividades sem fim econômico e reconhecer a estas atividades uma dignidade e um valor eminente, seja para os

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11 indivíduos, seja para a sociedade no seu conjunto. Para isso, o desafio é articular um conjunto de políticas que tendam a garantir a todos e todas uma renda suficiente, a combinar a redistribuição do trabalho e controle individual e coletivo do tempo e a favorecer o florescimento de novas socialidades, de novos modos de cooperação e de troca pelos quais os laços sociais e da coesão social possam ser criadas para além do assalariamento.

TEOLOGIA PÚBLICA Um projeto ético mundial, planetário, capaz de forjar um novo contrato social universal, pode ser impulsionado e dinamizado pelas grandes religiões. Ante a crise paradigmática que vivemos, muitos estudiosos (filósofos, cientistas, sociólogos, teólogos, etc.) apostam na necessidade de recuperar e aprofundar as grandes intuições presentes nas grandes religiões, como capazes de apontar saídas para o século XXI. É esta a intuição que move muitas iniciativas no mundo, hoje. A busca de um projeto ético mundial, planetário, capaz de forjar um novo contrato social universal, pode ser impulsionado e dinamizado pelas grandes religiões, nas quais se inclui, evidentemente, o cristianismo com a sua teologia e a sua espiritualidade. Contribuir na busca de saídas para os grandes desafios que a humanidade hoje enfrenta é o serviço que o Instituto Humanitas Unisinos quer prestar por meio do Setor Teologia Pública, alimentando-se em quatro grupos temáticos, cujo eixo articulador é a Teologia. Os grupos temáticos são: Religiões; Teologia; Experiência Inaciana e Pastoral. Para compreender o conceito de Teologia Pública, IHU On-Line conversou com o Prof. Dr. José Roque Junges, professor no PPG em Saúde Coletiva na Unisinos e participante do grupo temático Teologia do Instituto Humanitas Unisinos. Doutor em Teologia, pela Pontificia Universita Gregoriana, PUG, Itália, mestre em Teologia, pela Pontifícia Universidade Católica de Chile, UC, especialista em História, pela Unisinos e graduado em Filosofia, pela PUCRS. Junges é autor dos seguintes livros: Ecologia e criação – Resposta Cristã à crise ambiental. São Paulo: Loyola, 2001; Evento Cristo e Ação Humana: Temas fundamentais da Ética teológica. São Leopoldo (RS): Unisinos, 2001e Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.

LUGAR DA TEOLOGIA NA UNIVERSIDADE Entrevista com o Prof. Dr. Roque Junges

IHU On-Line- Por que a necessidade de pensar a Teologia dentro da Universidade? Roque Junges- Hoje, fora algumas universidades católicas, cujos cursos de Teologia visam à formação de seminaristas e pessoas da Igreja, as universidades em geral, e muito menos as estatais, não têm Teologia. Esse fato deve-se, em parte, ao processo de laicização próprio de quase todos os países do mundo. Os países germânicos e anglo-saxões, países mais protestantes, muitas vezes, incluem a

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12 Teologia nas universidades laicas e estatais. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a Teologia foi assumindo a forma de Ciências da Religião. Talvez foi a única maneira de a Teologia encontrar o seu lugar em universidades não confessionais e numa cultura pluralista. Na Alemanha, ao contrário, as universidades estatais continuam a ter Teologia propriamente dita. Hoje, no Brasil, a teologia é uma subárea de conhecimento, reconhecida pelo CNPq. Para o teólogo luterano Jürgen Moltmann, o conceito de Teologia Pública responde à pergunta sobre o papel da Teologia numa universidade que precisa lidar com os desafios contemporâneos (J. Moltmann, Dio nel Progetto del mondo moderno: Contributi per una rilevanza pubblica della Teologia. Brescia: Queriniana, 1999). IHU On-Line- A Teologia, então, poderia ter um outro viés que não seja o de formar quadros eclesiásticos? Roque Junges- Geralmente quando se fala em Teologia imediatamente se associa com duas idéias específicas. A primeira, uma Teologia mais Eclesiástica, visando à formação de quadros para a Igreja. Em segundo lugar, uma Teologia com um controle externo, pois, na definição da Teologia Eclesiástica, o Bispo tem um papel importante. Daí a importância, segundo Moltmann, de distinguir entre Teologia Eclesiástica que forma quadros para a Igreja e Teologia pública que quer ser uma presença no mundo acadêmico. IHU On-Line- E qual seria a especificidade da Teologia Pública? Roque Junges- Teologia Pública seria a presença da fé cristã, dentro da universidade, em dois sentidos. Por um lado, uma Teologia que se deixe questionar pelos desafios da ciência, pois a universidade é o lugar por excelência para deixarse questionar por esses desafios, como por exemplo, os lançados pela biologia, a genética, etc. Para discutir essas questões, ela necessita de liberdade acadêmica. Não pode simplesmente repetir o que sempre foi dito, mas tentar novas compreensões e interpretações. É claro que ela precisa seguir o estatuto epistemológico próprio da Teologia, tendo como ponto de partida a revelação e a tradição, mas com uma abertura para repensar esses dados na resposta aos desafios atuais. Um segundo sentido dessa presença da Teologia Pública é que ela seja uma presença crítica. Uma visão humanista que enfrente criticamente os pressupostos do paradigma da modernidade presente na ciência e na sociedade. Portanto a Teologia Pública, por um lado, deixa-se desafiar pelas ciências atuais e, por outro, também desafia criticamente as ciências em seus pressupostos. A Teologia, nesse sentido, é pública por querer marcar presença no espaço público; em outro sentido, ela é eclesiástica por ser realizada no espaço da Igreja. IHU On-Line- Por que a Teologia nas universidades tende a se diluir em outras disciplinas como Ciências da Religião, por exemplo? Roque Junges- A Teologia Pública, ou seja, a presença da Teologia cristã no espaço público da Universidade é algo novo, necessita de coragem e criatividade, por isso é mais difícil, mas muito mais interessante. Isso vale principalmente para uma universidade confessional cristã. No Brasil, não existe algo nessa linha. Moltmann defende enfaticamente essa presença, não transformando a Teologia nem em Filosofia da Religião nem em Ciências da Religião. Essas formas podem ser válidas, mas não podem querer substituir a Teologia. No mundo pluralista, as Ciências da Religião têm seu valor como incentivo para o diálogo inter-religioso. Mas para não cair num puro irenismo e desenvolver um verdadeiro diálogo interreligioso, a identidade religiosa de quem entra no diálogo precisa ser consistente,

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13 para poder dialogar de coração aberto e sem temores. Para isso a Teologia ajuda. O desafio é não mercantilizar a religião. A sociedade tende a mercantilizar tudo, transformando até a religião num supermercado de diferentes produtos à escolha. Moltmann critica essa mercantilização presente na tendência pós-moderna de colocar a Teologia de escanteio. Sem estatuto acadêmico, possibilitado pela Teologia, a fé cristã torna-se obsoleta, porque não tem nada a dizer sobre os desafios enfrentados dentro da universidade, transformando a religião e a fé em algo exótico a ser apenas estudado. IHU On-Line- O que a Teologia Pública traria de novo para o próprio cristianismo? Roque Junges- Ela ajuda a repensar o papel do cristianismo na sociedade atual e aprofundar a identidade cristã em novos moldes. Nas universidades, existem pessoas que convivem e acompanham diariamente os desafios da ciência, mas não aprofundam a sua fé cristã diante desses desafios. Elas estão avançadas em relação à ciência, por meio de pesquisas, leituras, especialização, doutorado, etc. Mas na sua fé pararam na catequese da vovó. É compreensível que considerem os conteúdos aprendidos, quando crianças, como algo infantil e ultrapassado diante dos conhecimentos científicos adquiridos. O problema é que a concepção da fé não se reduz ao que viram como crianças. A compreensão intelectual da fé não acompanhou o crescimento da compreensão cientifica. Esse desnível esvazia a fé de seu significado. O problema é como dar aos intelectuais de inspiração cristã uma visão mais adulta e consistente de sua fé. A Teologia tem um papel fundamental nessa tarefa. IHU On-Line- E o que traria de novo para a sociedade civil? Roque Junges- Sendo pública, a Teologia estaria interessada nas esferas política, social, cultural, econômica, ecológica de uma sociedade, pois nelas vai acontecendo o Reino de Deus. Portanto, ponto de referência da Teologia pública, segundo Moltmann, não é a Igreja mas o Reino de Deus. Assim ela tenta assumir uma perspectiva profética na sociedade. Para Moltmann, a Teologia pode contribuir com três tarefas: interessar-se e despertar o senso do bem comum na sociedade; analisar criticamente os valores religiosos presentes na sociedade; interessar-se pelos valores morais do ethos social.

" A Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos está presente no II Fórum Mundial da Educação e no III Fórum Social Mundial com um estande Institucional. Ele está no estacionamento do Ginásio Gigantinho, junto aos estandes das entidades promotoras dos dois eventos. O estande tem o objetivo de divulgar as ações e promoções da Universidade, enfatizando o compromisso social que a Unisinos tem com a comunidade. A mostra será feita através da exibição de vídeos da TV Unisinos, da exposição e venda de livros da Editora Unisinos, e uma mostra dos projetos da área social da Universidade, entre outros. O trabalho e a proposta do

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14 IHU também serão evidenciados no espaço, através da exposição dos exemplares já publicados de IHU On-Line e da divulgação do Simpósio Internacional Água: Bem Público Universal, que acontece em maio deste ano. O estande pretende ser um ambiente agradável e um ponto de encontro, que possibilite o intercâmbio entre os participantes dos eventos e a Unisinos.

A UNIVERSIDADE FRENTE AOS NOVOS DESAFIOS Unisinos coordena mesa de debate para apresentação de diversos projetos no II Fórum Mundial de Educação. A Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos é uma das 84 instituições promotoras do II Fórum Mundial da Educação, além de fazer parte também dos patrocinadores do evento. Responsável pela décima das 39 programações simultâneas, a Universidade está organizando uma mesa de debate, que acontece no dia 20 de janeiro, às 14h, na sala 209 da Usina do Gasômetro e sua organização está sendo coordenada pelo prof. Euclides Redin, do PPG em Educação da Unisinos. O título da atividade da Unisinos é Novas Idéias para a Universidade Frente aos Novos Desafios da Humanidade. Farão parte da mesa: Riccardo Petrella, da Universidade do Bem Comum, da Bélgica; Xavier Gorostiaga, da Associação de Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América Latina (Ausjal), da Guatemala; Francisco Mazzeu, da Unitrabalho, do Brasil; Michel Brie, da Fundação Rosa de Luxemburgo de Berlim, Alemanha; José Clóvis de Azevedo, Reitor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs); Inácio Neutzling, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos; Euclides Redin, do PPG em Educação da Unisinos; José Ivo Follmann, diretor do Centro de Ciências Humanas da Unisinos e coordenador da mesa. O objetivo do debate é comparar as diferentes propostas de universidade, buscando alternativas e tentativas no contexto de cada uma. O tema geral do Fórum Mundial da Educação deste ano é Educação e Transformação. Estão previstas no FME três grandes conferências, cerca de 800 apresentações de trabalhos (pôsteres) e 39 programações simultâneas. A expectativa é de que o evento conte com 20 mil participantes. Será a segunda edição do maior evento na área da educação do mundo. Além das 84 instituições promotoras, colaboram com FME a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o Governo do Estado.

UNIVERSIDADE E TRABALHO Ainda no II Fórum Mundial da Educação, fazendo parte dos grupos temáticos Educação e Trabalho, o Prof. Darnis Corbellini, coordenador do setor Trabalho, Solidariedade e Sustentabilidade do IHU, estará apresentando o tema O trabalho na virada do milênio. O professor falará sobre a experiência vivida pelo núcleo da Unitrabalho na realização do curso de extensão O trabalho na virada do milênio, ministrado a trabalhadores ligados a sindicatos, ONGs, etc. O curso tem por objetivo fornecer aos participantes uma qualificação sociopolítica.

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15 IHU On-Line conversou com Euclides Redin a respeito dos principais desafios da Universidade que serão abordados na mesa. Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, pela USP, mestre em Educação, pela PUC-RJ, Euclides Redin é, junto com Danilo Streck, autor do livro Paulo Freire: Ética, Utopia e Educação. São Leopoldo - RS: Vozes, 1999.

PENSANDO A UNIVERSIDADE Entrevista com Prof. Dr. Euclides Redin IHU On-Line- A mesa pretende debater modelos alternativos de universidades, que modelos são esses? Euclides Redin- São quatro propostas diferentes. Em primeiro lugar, Riccardo Petrella apresentará a Universidade do Bem Comum (UBC). Trata-se de uma idéia nova e desafiadora. Uma universidade não apenas do conhecimento, mas que tenha o bem comum como horizonte desse conhecimento. Um segundo exemplo será o da Unitrabalho: Como é uma universidade que tem em vista o mundo do trabalho, da pobreza? Uma universidade com uma relevância social muito maior. Em terceiro lugar, será o exemplo da Uergs, um exemplo surpreendente, porque a tendência do Estado é a de privatizar, e as universidades públicas são cada vez mais esquecidas. E em quarto lugar, as universidades jesuíticas da América Latina, a AUSJAL, cuja novidade é a integração, porque a tendência das universidades é a autonomia. Nas PUCs, por exemplo, não há nenhuma integração de umas com as outras. Assim, essa integração das universidades jesuíticas na busca de uma identidade, numa época em que a universidade está em crise de identidade, é muito significativo. IHU On-Line- A Uergs está, de alguma forma, dependendo da sociedade civil, a tal ponto que o novo Governo do Estado não possa alterar o projeto, se fosse esse seu desejo? Euclides Redin- O projeto já está sendo alterado, já que o Reitor e os Pró-Reitores, nomeados por 4 anos já foram substituídos. Apesar das manifestações contrárias que houve na própria universidade, no estatuto da Uergs diz que eles podem ficar no cargo “até” quatro anos e esse foi o argumento usado pelo novo governo estadual do RS para trocar as autoridades da Uergs. O novo governo quer assumir a linha política da universidade. As universidades públicas estão sendo cada vez mais sucateadas e desestimuladas, o Estado se desresponsabiliza. No RS, foi o inverso, através do Orçamento Participativo se decidiu criar uma universidade pública, gratuita, social, voltada para interesses populares, onde se criam cursos voltados para as necessidades locais, a partir dos apelos da região. No futuro, veremos por onde vai caminhar. IHU On-Line- Em que consiste a crise de identidade das universidades? Euclides Redin- Um fato que ilustra muito bem essa crise foi, por exemplo, no ano passado, quando universidades federais fizeram 60 e até 90 dias de greve e não houve nenhum protesto. Ou seja, com ou sem universidade, a sociedade caminha. O que a universidade faz não responde ao que a sociedade necessita. Tanto que as pesquisas que, de fato contam na sociedade, não são produzidas na universidade, e sim em Institutos de Pesquisa Estatais como a Nasa nos Estados Unidos ou nos laboratórios das grandes empresas. As empresas de medicamentos, por exemplo, têm seus pesquisadores, cujas descobertas são patenteadas e publicadas só quando

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16 estão envelhecidas. A pesquisa nas universidades praticamente não serve para nada. Há uma perda de identidade. Por outro lado, a universidade está muito dependente do mercado. Ele diz de que profissionais necessita e nós os formamos, além do que as universidades, especialmente as públicas, financeiramente se sustentam com convênios com muitas dessas empresas. IHU On-Line- A proposta da OMC de transformar a universidade em “serviço” de certa forma, então, já está acontecendo? Euclides Redin- Sim. Um serviço pode ser terceirizado e qualquer um pode fazer. IHU On-Line- Como o atual modelo de universidade influencia na escolha da profissão por parte dos estudantes? Euclides Redin- Se a universidade não preparasse para o mercado – embora nisso há um engano, porque “prepara”, mas os estudantes se formam e não há vagas para eles - e fosse um lugar no qual se cultivasse o pensamento, onde a vida, a existência, o País, a história fossem pensados; se fosse o lugar onde fazer arte, cultura, onde viver uma experiência de cidadania plena em um nível ótimo; se fosse o lugar que desse todas as condições, para que os estudantes pudessem pensar na transformação da sociedade, do trabalho, etc, os alunos teriam também outras demandas, surgiriam outros cursos ligados, por exemplo, à dança, à poesia, à arte. O modelo atual leva necessariamente a uma contradição. Por exemplo, em Portugal, a redução da natalidade vai diminuindo o número de jovens e, de um lado, nas universidades estão sobrando vagas, de outro, está faltando gente para trabalhos pesados e trabalho braçal, quem tem uma profissão não quer assumir essas tarefas... A universidade não deve se adaptar a esta sociedade, e sim, nesse impasse, pensar uma outra sociedade. IHU On-Line- Como o II FME pode ajudar nesse processo? Euclides Redin- Vale pelo encontro e a discussão dessa problemática toda. Há temas urgentes em todas as áreas. Será uma tempestade mental que animará o trabalho. Não haverá conclusões ou resoluções a partir dele, mas sim uma fecundação de idéias. Também será, para os educadores, uma experiência de levantar a auto-estima. O fato de ver que não estamos sozinhos e que a educação é muito mais que transmissão de informações, será importante. Se fosse só transmissão de informações, a internet faz isso muito bem, e o educador ficaria obsoleto. Mas, a educação é muito mais do que isso.

UM NOVO PROJETO SOCIETÁRIO Unisinos na promoção do II Seminário Mundial de Políticas Sociais O II Seminário Mundial de Políticas Sociais será realizado nos dias 24 e 25 de janeiro de 2003, no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Desde o I Fórum Social Mundial (2001), diversos militantes, preocupados com a questão das políticas sociais, participaram de reuniões de aprofundamento sobre temas relativos ao assunto, seja em relação aos segmentos populacionais (crianças e adolescentes, mulheres, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, etc), seja em torno da diversidade de setores e/ou áreas implicados (assistência social, educação, saúde, etc). Ao final do evento, um grupo de agentes indicou a possibilidade de realizar, no II Fórum Social Mundial, um espaço comum de aprofundamento do que

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17 consideraram um novo e complexo tema/campo: as políticas sociais. Esta perspectiva reforçaria o aprofundamento da questão do desenvolvimento social, que, na primeira edição do Fórum, foi apenas tangenciado. Surgiu assim o I Seminário no II FSM, nos dias 1º e 2 de fevereiro de 2002, no Clube Farrapos, em Porto Alegre. Aproximadamente mil pessoas participaram deste evento, que contou com a contribuição de painelistas como Boaventura de Sousa Santos, Aldaíza Sposatti, Pedro Picolli, Alain Lipietz, Helio Mattar e Maria da Glória Gohn. Ao final do Seminário, foi elaborada a Agenda Mundial das Políticas Sociais, que foi publicada em 5 idiomas. Dos desafios do Primeiro Seminário surgiu a necessidade de um segundo, no próximo FSM, nos dias 24 e 25 de janeiro, das 8h30min às 12h30min, na PUCRS com o tema A sociedade civil e a construção de políticas sociais no cenário mundial. O encontro terá dois subtemas: Projetos societários e políticas sociais e O protagonismo da sociedade civil na implementação da Agenda Mundial das Políticas Sociais PROGRAMAÇÃO do II Seminário: Dia 24/01/2003 8h30min - Acolhida, memória e retomada da Agenda Mundial das Políticas 10h - PAINEL: PROJETOS SOCIETÁRIOS E POLÍTICAS SOCIAIS Inácio Neutzling (UNISINOS/Brasil), Eric Decarro (Sindicato Suíço de Serviços Públicos) e Maria da Gloria Gohn (UNICAMP/Brasil) 11h30min - Debates 12h30min - Encerramento Dia 25/01/2003 8h30min - Acolhida e memória do Primeiro Seminário 9h30min - O PROTAGONISMO DA SOCIEDADE CIVIL NA CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS - Relato de 3 experiências: José Antonio Moroni (Brasil), Odalys, González (Cuba) e Francesco Rubino (Itália). Debatedora: Vini Rabassa da Silva (UCPel/Brasil). 10h45min - Debates 11h30min - AGENDA MUNDIAL DAS POLÍTICAS SOCIAIS - Revisão e ampliação 12h30min - Encerramento

Sobre este evento, IHU On-Line entrevistou a Profª. MS Marilene Maia, professora do Centro de Ciências Humanas, na Unisinos, mestre em Serviço Social, pela PUCRS e doutoranda em Serviço Social pela mesma universidade. Marilene trabalhou na Cáritas do RS por 17 anos, onde dedicou parte de seu trabalho à Constituição de Conselhos de Direitos e Políticas Sociais. Foi conselheira do Conselho Estadual da Assistência. No ano passado, a professora esteve na organização e coordenação do I Seminário Mundial de Políticas Sociais, representando o Conselho Regional de Serviço Social. Marilene é, também, membro do Fórum Estadual das Políticas Sociais, espaço articulado de discussão que conta com 34 entidades co-promotoras. IHU On-Line- Qual foi o maior aporte trazido pelo I Seminário Mundial de Políticas Sociais do II FSM? Marilene Maia- O principal produto do seminário, além da construção de novas idéias em torno das políticas sociais como mediação para uma estratégia de um novo tipo de desenvolvimento, foi a potencialização da Agenda Mundial das

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18 Políticas Sociais. Ela se constituiu numa ferramenta para ter um referencial comum do que são as políticas sociais ou do que pretendemos que elas sejam, já que há diversas formas de defini-las. Os agentes que implementam políticas sociais, são diferentes e as colocam como uma mediação de projetos societários diferentes. IHU On-Line- Qual a definição que o I Seminário deu de Políticas Sociais? Marilene Maia- A idéia mais enfatizada é que as políticas sociais sejam mediações instrumentais por uma lógica de desenvolvimento societário que articule a questão social, o desenvolvimento econômico, político, cultural e não sejam políticas voltadas para cada grupo, os pobres, a mulher, etc. As políticas sociais são uma das formas de viabilizar um processo de organização societária onde todos passem a ter garantidos os direitos, sociais, econômicos, políticos, de primeira, segunda, terceira, quarta geração. E por isso elas têm de sair desse cunho assistencial, paternalista, para ser mediações de uma outra lógica de relações sociais. IHU On-Line- A quem compete a instauração do modelo societário? Marilene Maia- No ano passado, o seminário garantiu uma discussão entre os três agentes que hoje se colocam co-responsáveis: o Estado, a sociedade civil e as políticas sociais. O estado de bem-estar social, que era o único responsável pela questão das políticas, hoje não existe e está longe de existir. Por outro lado, vivemos hegemonicamente um modelo neoliberal que determina que o Estado não seja um agente protagonista nesta história e responsabiliza a sociedade civil para isso. No nosso entendimento, as políticas sociais se constituem numa ação articulada com os outros dois setores, e entendemos que o Estado ainda tem uma responsabilidade primeira no sentido de viabilizar e articular os processos. Entendemos que a sociedade civil tem uma responsabilidade muito forte no sentido de indicar as demandas e as necessidades para viabilizar essas políticas. Então, na verdade, não é o Estado que diz: "Olha, vocês estão precisando disso ou daquilo", e sim a sociedade civil, especialmente a sociedade civil organizada, escutando o povo que não está organizado e tentando perceber suas reais necessidades. IHU On-Line- Isso quer dizer que há uma distância entre as reais necessidades e os direitos? Marilene Maia- Há, sim, uma distância muito grande entre as necessidades sociais e o que se constitui em direitos. Na verdade, é seguida a lógica de uma sociedade de classes, em que existe uma desigualdade. Os direitos sociais devem estar numa perspectiva, de eqüidade, de igualdade, de justiça social. Então, nós estamos desafiados a fazer uma releitura disso. IHU On-Line- Houve unanimidade na elaboração da agenda, no ano passado? Marilene Maia- Este ano o seminário iniciará por uma avaliação da agenda aprovada. Quando a elaboramos, tivemos algumas questões polêmicas. Por exemplo, a agenda teria de discutir a questão do contrato social, o pacto social, e os agentes sociais teriam de se posicionar a respeito disso, até porque trabalham com políticas sociais, que foi um dos pacotes tratados pelo pacto. Não conseguimos fazer essa discussão, que ainda é muito frágil. A proposta é que possamos melhorar a agenda, porque reconhecemos que o Brasil tem muitos avanços legais em relação às políticas sociais que outros países do mundo não têm. Existe também a perspectiva de que possamos estar constituindo uma agenda comum para fazer o enfrentamento à fragmentação, à polarização que existem entre as políticas. E isso é uma disputa. Quem trabalha com criança e adolescente acha que todo mundo tem

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19 de trabalhar com criança e adolescente, porque é a prioridade. Outro trabalha com índio, e eles realmente estão morrendo, então todo mundo tem de trabalhar com índio, porque o índio é a prioridade. Ao invés disso, devemos identificar e somar o que é comum, que realidade é essa que determina que mulheres, crianças, índios, etc, tenham características específicas - sempre garantindo a identidade própria de cada segmento populacional - , mas ao mesmo tempo nós temos que trabalhar por uma perspectiva com bandeiras de luta muito fortes que façam enfrentamento à lógica societária instituída. IHU On-Line- Que coisas precisam mudar entre os próprios defensores de novas políticas sociais? Marielene Maia- Uma mexida na cultura da grande maioria dos agentes sociais que tem uma cultura ainda de “fazer o bem”, de “ajudar”, e não compreende as questões sociais como refluxo de um processo, de um projeto societário, tanto de Estado como de mercado, como de sociedade civil. Enquanto os agentes sociais não se conceberem como protagonistas também dessa história de desenvolvimento, não há como mudar. IHU On-Line- O que vai ser focalizado em cada dia do seminário? Marilene Maia- No primeiro dia, queremos botar na roda projetos societários que estão em disputa em construção e/ou desconstrução e, dentro desses projetos, ver as perspectivas de políticas sociais que são construídas. Como estão sinalizadas na prática e implementadas políticas sociais nesses diferentes projetos societários. Por exemplo, no neoliberalismo existe um modelo, um projeto societário construído que é excludente, é gerador de políticas sociais que reforçam a exclusão. Para o segundo dia do seminário, estamos seguindo uma proposta do ano passado de podermos aprofundar um pouco as experiências potenciais de políticas sociais e, por isso, teremos uma experiência de Brasil, já que, em termos jurídico-legais, ele está muito mais avançado do que muitos países da Europa. Queremos resgatar isso e, ao mesmo tempo, problematizar esse avanço dos limites na prática. Teremos a exposição sobre Cuba, trazendo toda a experiência do Estado como responsável pelas políticas sociais e garantidor delas. Vamos analisá-la e perceber que limites existem em torno disso. Virá também um representante mais da Europa, da Itália, que ainda tem um refluxo do estado de bem-estar social, que está findando, mas que tem uma história e um acúmulo que não pode ser negado e que deve servir como referência para alavancar novos estágios de construção do projeto. A partir dessas experiências, poderemos problematizar a agenda que construímos no ano passado para podermos alavancar políticas sociais que realmente possam indicar a nova sociedade, o novo mundo, que o Fórum Social encaminha.

ÁGUA: BEM COMUM, QUESTÕES E ESTRATÉGIAS A Universidade Do Bem Comum - UBC promoverá, junto com a Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, dentro da Programação do Fórum Social Mundial 2003, o Seminário Água: Bem Comum, Questões e Estratégias. O Seminário tem como objetivo: reforçar a tomada de consciência das grandes questões e desafios que envolvem a água (sua propriedade, seus usos, sua gestão, sua conservação) para o conjunto da sociedade mundial e a centralidade do direito à vida para todos, como um dos eixos fundamentais da construção de um "outro mundo". O Seminário procura, também, desenvolver os fundamentos teóricos e os conhecimentos operacionais necessários para uma maior participação dos cidadãos, além de

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20 proporcionar a participação dos "estudantes" na definição das prioridades de ação necessárias e indispensáveis para garantir o direito à água para todos em todo mundo, até 2020-2025. Programação: Dia 24/01/2003 (sexta feira, das 15h às 18h30min) Primeira Sessão: Conhecimento, Cidadania, Bem Comum e Água Painelistas: Vandana Shiva (Índia), José Ivo Follmann (Brasil), Mehdi Lahlou (Marrocos), Riccardo Petrella (Itália e Bélgica) Dia 25/01/2003 (sábado, das 9h30min às 12h30min) Segunda Sessão: Água, Bem Comum Painelistas: François Martou (Bélgica): "Concepções, políticas e práticas do Bem Comum"; Larbi Bouguerra (Tunísia): "Água na história dos seres humanos e da vida sobre o Planeta"; Sylvie Paquerot (Canadá): "O Direito e a água". No mesmo dia 25 (sábado, das 15h00min às 18h30min), ocorrerão três oficinas simultâneas, envolvendo o "mercado da água", "regulações internacionais", "direito mundial da água". À noite do dia 25/01/2003, prevê-se um espetáculo com o tema da água. 26/01/2003 (domingo, das 9h30min às13h) Terceira Sessão: Usos, Regulações e Poderes Painelistas: Dieter Wartchow (Brasil) e Chan Ngai Weng (Malásia): "Os Usos da Água"; Rosário Lembo (Itália) e Emílio Molinari (Itália): "As regulações da água"; Bernard Maris (França): "A emergência das grandes multinacionais privadas da água". 27/01/2003 (segunda-feira, das 9h às 12h30min) Quarta sessão: Encerramento e conclusão Questões e Estratégias (com três oficinas de trabalho: Estratégias dominantes; Estratégias alternativas locais e mundiais; Perspectivas no horizonte 2020-2025) Conclusões: Riccardo Petrella (UBC).

Para conversar sobre a questão da água, IHU On-Line entrevistou Roberto Malvezzi, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que é graduado em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, São Paulo, e em Teologia pelo Instituto Teológico de São Paulo. Foi educador popular e assessor de movimentos populares na região de Juazeiro da Bahia e membro do Conselho Nacional dos Pescadores. Desde 1998, é membro da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra. Malvezzi é autor de Império do Sol, Editora Paulus, 1985 e Os Sete Pecados do Capital, Editora Paulus, 1982.

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O VALOR DA ÁGUA

Entrevista com Roberto Malvezzi IHU On-Line- O que há de verdade e o que há de mentira em relação à crise de água? Roberto Malvezzi- A verdade é que existe realmente uma “crise da água”. Só que esta crise é fruto da mão humana, num sentido duplo: contaminação e poluição dos mananciais, o que resulta numa escassez qualitativa da água. Segundo, a eliminação de mananciais, que resulta numa escassez quantitativa em várias regiões do Planeta. Por outro lado, o que há de falso nessa realidade é afirmar que a água é um recurso naturalmente escasso. Não é. Nosso Planeta tem 70% de sua superfície coberta por água. Embora 97% das águas do Planeta sejam salgadas, apenas 3% são água doce, nunca faltou água para todas as formas de vida, sejam aquelas que dependem da água doce, sejam aquelas que dependem da água salgada. Na verdade, ao decretar a escassez da água, o que se quer é transformá-la em negócio. A própria ONU, que a princípio lidou com o conceito de escassez, em Johannesburgo já afirmava que é melhor pensar em um bom gerenciamento do que em escassez. IHU On-Line- Qual tem sido a estratégia do setor privado para chegar a privatizar a água no Brasil? Roberto Malvezzi- O Brasil, durante o governo anterior, preparou em surdina a privatização das águas brasileiras. Como do ponto de vista constitucional nossas águas não podem ser privatizadas, então inventou-se a privatização dos serviços. A partir daí se afirma que, embora a água não seja privatizável, faz concessão de uso (outorga) a uma empresa privada para que explore determinados serviços, seja de abastecimento, saneamento, etc. Essas outorgas podem chegar a 35 anos. Combinando outorga e valor econômico da água, na verdade se instala o comércio da água. Vale a pena ressaltar que o setor privado interessado em nossas águas é todo internacional. Fala-se numa oligarquia internacional da água, um restrito e poderoso grupo de empresas transnacionais que querem se apoderar dos maiores mananciais de água em todo o Planeta. Assim, quem está interessado na Empresa de Águas da Bahia (Embasa), por exemplo, é uma multinacional da água que vem da Alemanha, a R.W.E. A ponte entre a empresa e o governo da Bahia é feito pelo Banco Mundial. Fica claro que estão conseguindo um “jeitinho brasileiro” de privatizar o que não pode constitucionalmente ser privatizado. IHU On-Line- Como avalia a lei existente de recursos hídricos? Roberto Malvezzi- A lei 9.433, de recursos hídricos brasileiros foi concluída em 97. Ela incorpora todo o discurso da “oligarquia internacional” da água. Em seus fundamentos, estão conceitos como “valor econômico da água”, “escassez da água”, assim por diante. Essa lei tem que ser revista urgentemente. Ela prepara o caminho para a entrada das empresas transnacionais. Embora tenha aspectos positivos – como a questão dos Comitês de Bacias – sua lógica é neoliberal e acaba transformando a água em mercadoria. Esse é um desafio que teremos de enfrentar. IHU On-Line- Que medidas poderiam acontecer no Governo Lula para “democratizar” a água? Roberto Malvezzi- Essa questão é chave. Na verdade, também não sabemos como o governo Lula encara a questão das nossas águas. Na verdade, além de revisar a lógica de nossas leis, eu gostaria de ver esse governo desenhar uma estratégia de longo prazo para a utilização de nossos recursos hídricos, de nossas águas. Não

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22 basta a gestão bacia por bacia. É preciso uma visão, uma estratégia de conjunto. O Brasil é o país mais rico em água doce do Planeta, nossos ecossistemas, como a Amazônia e o Pantanal são cobiçados pelo mundo inteiro, entretanto se permite que um Reverendo Moon adquira 10 milhões de hectares no Pantanal e concentre nessas áreas praticamente todas as nascentes daquele exuberante ecossistema. Enfim, vamos tentar colocar a discussão na mesa e ver qual será a reação do governo Lula. IHU On-Line- Como avalia a criação da Secretaria de Pesca do novo governo? Roberto Malvezzi- Uma intuição fantástica, mas que exige cuidados. A atividade pesqueira tem relação de causa e efeito com o meio ambiente. Sem saúde ambiental, não há pesca. Nossos rios estão sendo depredados, assim como nossa belíssima costa oceânica. Se essa secretaria tiver essa visão de conjunto, poderemos ter abundância de peixes e estaremos conservando nossas riquezas de rios e mares. O Ministério do Meio Ambiente devia estar nessa discussão com a Secretaria da Pesca. IHU On-Line- O que pode aportar o FSM em relação à questão da água? Roberto Malvezzi- No FSM passado, a questão da água já esteve bem mais presente. Espero que esteja no lugar que precisa estar dessa vez. Porém, ainda não tenho uma visão de conjunto desse Fórum para saber como será tratada a questão da água. IHU On-Line- Em que países se avançou mais nesta luta? Roberto Malvezzi-: A Europa já está há mais tempo atenta a essa questão. Os europeus têm muito mais problemas de água que nós. Depredaram primeiro, estão reagindo depois. Nós vamos a reboque. Mas está na hora de nos apropriarmos dessa fábula de riqueza que temos de forma muito mais consciente. No Planeta, as regiões mais problemáticas de água são a Ásia e a África, além daquelas que têm problemas crônicos, como o Oriente Médio. IHU On-Line- Qual seria “a mística da água”, assunto que o Sr. abordará no Simpósio Internacional Água: bem público universal, em maio próximo, na Unisinos? Roberto Malvezzi- A mística da água repousa principalmente na “defesa da vida”. Não se conhece uma única forma de vida que dispense a água. Nós somos água. O corpo de um adulto é, aproximadamente, 70% água e o de um bebê, aproximadamente, 90% água. Nesse sentido, a mística da água é universal, interessa a todas as pessoas e independe de suas convicções. Basta ter amor à vida. Essa dimensão vital ganha valores mais profundos em muitas religiões. Não é possível aqui entrar em detalhes, porém, para os cristãos, Jesus prometeu “rios de água viva”. Entrar na dimensão religiosa e simbólica da água é, "literalmente”, mergulhar em águas profundas e nos mistérios da vida.

ENCONTRO DE CAMINHOS ESPIRITUAIS PELA PAZ

Unisinos é parceira na promoção de evento inter-religioso durante todo o III FSM. O Instituto Humanitas Unisinos, através de seu programa Gestando o Diálogo Interreligioso e Ecumenismo (GDIREC), está promovendo a realização do Encontro de Caminhos Espirituais pela Paz, em parceria com o Centro Ecumênico de

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23 Evangelização, Capacitação e Assessoria (Ceca); Centro de Estudos Bíblicos (Cebi); Pastoral Popular Luterana (PPL); Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (Asett); Igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (Conic); Associação Zen de Porto Alegre; Associação Brahma Kumaris; Universidade La Salle; Caritas; Religião Baha’i. O Encontro é uma proposta de presença inter-religiosa articulada durante o Fórum Social de 2003, em Porto Alegre, como testemunho de unidade das religiões, a favor de um Novo Mundo. Baseado nos princípios de solidariedade e inclusividade espiritual, o conjunto de religiões, unidas em torno desse evento, pretende criar um espaço de vivência espiritual fraterna, como um dos pilares indispensáveis para uma nova sociedade. A partir da experiência, vivida no FSM 2002, através do Seminário Inter-religioso, e na continuidade do diálogo, o grupo de Porto Alegre, constituído como Comitê inter-religioso do Fórum Social Mundial 2003, buscou ampliar a vivência pelo seu caráter democrático, respeitoso e inclusivo como meio de contribuir para a construção de uma nova sociedade. Desse grupo participam pelo menos nove tradições religiosas: afro-brasileiros, bah’ais, bramanistas, budistas, cristãos, indígenas, judeus e mulçumanos. Reunindo-se com freqüência e construindo laços de convivência e ação, o grupo quer ocupar esse espaço e dar ao universo do Fórum uma contribuição plenamente identificada com seus princípios. O Encontro de Caminhos Espirituais pela Paz consistirá numa presença permanente durante todo o período do FSM. Haverá uma tenda, instalada na PUCRS, na qual acontecerão celebrações, reflexão e ação. O espaço será coletivo, mas cada grupo terá uma pequena tenda e partilhará suas tradições, com uma programação conjuntamente preparada. Na tenda, predominará a comunicação não-verbal, além de quatro pontos chaves: acolhida, motivação, testemunho e comprometimento. Não é um espaço para apelos proselitistas por parte de nenhuma das religiões participantes. No evento, cada tradição religiosa exporá obras, artigos, objetos sagrados, experiências, literatura e outros elementos que traduzam sua maneira de ser, de pensar e de agir. Os painéis, oficinas e celebrações inter-religiosas levarão em consideração a relação dos assuntos mística e sociedade, na busca de uma compreensão da conjuntura e as respostas que a essa conjuntura podem oferecer as tradições religiosas. Haverá relatos de experiências de pessoas de diferentes partes do mundo sobre seu engajamento em causas sociais, a partir de suas motivações religiosas. No evento, também serão confeccionados 10 mil lenços brancos com a palavra “Paz”, escrita em diversas línguas e cores. Para compreender melhor a relevância do assunto nos tempos atuais e no III FSM, IHU On-Line entrevistou o Prof. Dr. José Ivo Follmann. Follmann é Doutor em Sociologia pela Universite Catholique de Louvain, U.C.L., Bélgica, que é mestre em Ciências Sociais, pela PUC-SP, Especialista em Teologia Pastoral, em Cooperativismo e em História Contemporânea, pela Unisinos. Atualmente, é diretor do Centro de Ciências Humanas da Unisinos, professor do PPG em Ciências Sociais Aplicadas e responsável pelo Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e Ecumenismo, GDIREC, do Instituto Humanitas Unisinos.

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RELIGIÃO, IDENTIDADE E DIÁLOGO

Entrevista com o Prof. Dr. José Ivo Follmann IHU On-Line- Qual a importância da presença inter-religiosa no III FSM? José Ivo Follmann- O Kairós será um grande espaço de diálogo e partilha entre as diferentes religiões, e o Fórum é um espaço para a diversidade cultural, política, e a diversidade religiosa não pode estar ausente na hora de pensarmos um mundo mais humano, mais justo, que defende a vida. Quem lidera essa luta, em muitos lugares, são as religiões. Elas têm muito a dizer nessa questão, porque as religiões lidam com a vida. IHU On-Line- Tantas propostas religiosas juntas não pode se tornar num mercado de ofertas religiosas? José Ivo Follmann- Justamente essa presença dialogante é o que descaracteriza o mercado inter-religioso. O mercado não se caracteriza pelo diálogo, e sim pela competição. IHU On-Line- Todos os grupos religiosos tendem ao diálogo? José Ivo Follmann- A tendência é o diálogo, a re-ligar, a buscar o transcendente, se não faz isso está se negando como religião. Evidentemente, há feridas históricas mal saradas. Dentro de cada religião, há grupos minoritários que tendem a romper com esses limites e passar por cima das distâncias que a história traçou. Houve muitas iniciativas e esforços internacionais durante o século passado para incentivar tanto o Ecumenismo (diálogo entre Igrejas cristãs que se reconhecem mutuamente como tais) quanto o diálogo inter-religioso, que alguns chamam de macroecumenismo. Em ambos se avançou bastante. IHU On-Line- Por que hoje acontece um diálogo entre as religiões que era impensável trinta anos atrás? José Ivo Follmann- As pessoas se sentem mais legitimadas a se dizer diferentes. Há um ambiente cultural favorável a se reconhecer diferente. Ninguém se sente condicionado a se dizer de determinada religião. Isso é muito bom, porque faz crescer as identidades, inclusive as das religiões que se consideravam únicas. IHU On-Line- O diálogo implica uma identidade religiosa definida? José Ivo Follmann- Com certeza. Um diálogo autêntico precisa de identidades que dialoguem. Quando dialogo, o faço com uma proposta e com a possibilidade que outros exponham suas sugestões. Se não for assim, é sincretismo, é sopa de religiões. IHU On-Line- O que mais é essencial para o diálogo acontecer? José Ivo Follmann- Colocar-se em pé de igualdade. Não dialogamos com alguém que é melhor, mais forte ou mais experiente. IHU On-Line- Mas, nem todos os grupos religiosos têm uma proposta antiglobalização, que seria o cerne do Fórum Social Mundial? José Ivo Follmann- Nem todos os grupos têm uma proposta semelhante à do Fórum,mas sim todas sonham em determinada direção, e nem sempre têm muito claro esse sonho. Mas não estamos num momento de estabelecer projetos de trabalho, e sim de celebrar o reconhecimento do diferente. Por isso a idéia da

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25 grande tenda chamada Kairós; um espaço de contato com o diferente, está longe de ser um minimercado religioso. IHU On-Line- Qual a maior dificuldade para o diálogo entre aqueles que já estão dialogando? José Ivo Follmann- Uma dificuldade insuperável é que cada grupo é uma instituição. O campo religioso está ocupado por instituições religiosas que brigam por um espaço para garantir sua sobrevivência, porque, para sobreviver, devem exercer sua influência sobre as pessoas. De alguma maneira, há uma competição.

SEMINÁRIO ABORDA ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO NO FÓRUM O Prof. Dr. Armand Mattelart, da Universidade Paris III, dentre outros importantes nomes da Economia Política da Comunicação, estará em Porto Alegre, participando do Seminário Comunicação, hegemonia e contra-hegemonia: pulsar e pensar ações, que acontece nas tardes dos dias 24 e 25 de janeiro, no âmbito do III Fórum Social Mundial. O evento vai analisar os atuais sistemas tecnoburocráticos de circulação cultural-informacional e a produção da comunicação midiática internacional. O seminário, que tem coordenação executiva do Prof. Dr. Valério Brittos (Unisinos), é realizado pela Rede de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação (EPTIC), que reúne pesquisadores latino-americanos e europeus da área, e co-realizado pela União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura (ULEP-ICC), Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul e World Association for Christians Communication (WACC), com apoio do Centro de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Instituto Humanitas Unisinos e Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp). Além de Mattelart e Brittos, também estarão palestrando no seminário os seguintes professores doutores, César Bolaño (Universidade Federal de Sergipe – UFS), George Yudice e Toby Miller (New York University – NYU), Regina Festa (Conselho de Comunicação Social – CCS), Othon Jambeiro (Universidade Federal da Bahia – UFBA), Anita Simis (Universidade Estadual de São Paulo – Unesp), Alain Herscovici (Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes), Guillermo Mastrini (Universidade de Buenos Aires – UBA) e Attilio Hartmann (Unisinos). A partir da Economia Política da Comunicação, o espaço vai debater o papel dos meios comunicacionais e das novas tecnologias no capitalismo global, detendo-se na sua relação com os capitais em concorrência e questionando suas potencialidades, como abertura para novos agentes, com projetos não-hegemônicos. A Rede EPTIC e a ULEP-ICC promovem o intercâmbio e a análise acadêmica dos fenômenos comunicacionais numa perspectiva crítica, em eventos presenciais e virtuais, a partir do portal EPTIC, cujo endereço na Internet é <www.eptic.com.br> e disponibiliza vários conteúdos científico-acadêmicos.

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O PRESBÍTERO E A CIDADANIA

Oficinas discutem identidade e cidadania dos padres e partilham experiências de engajamento político e social. O Prof. Dr. Pe. Inácio Neutzling, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos, estará coordenando a oficina Espírito associativo: identidade e cidadania a ser realizada no Fórum Social Mundial. A oficina acontece no dia 24 de janeiro, das 15h às 17h e é promovida pela Associação Nacional de Presbíteros do Brasil (ANPB). Segundo Pe. Alirio Bervian, presidente da ANPB, entidade com dez anos de existência, os presbíteros no Brasil são 17 mil, e há tantos outros na América Latina e no mundo, além de outros que estão casados ou que, por diversas razões, estão à margem do processo eclesial. “É importante conseguir um espaço, para que todos possamos nos colocar diante da conjuntura sócio-econômico-político-eclesial e abrir novos horizontes para uma identidade de presbitério local, regional, nacional e internacional e, ao mesmo tempo, cristão, presbítero e cidadão”, afirma o Pe. Bervian em entrevista ao IHU On-line. A ANPB estará, também, no dia 25 de janeiro, com uma segunda oficina, na qual serão partilhadas experiências de padres com engajamento como cidadão-político. Padres comprometidos em áreas como educação, política partidária (padres que foram eleitos nas últimas eleições), nos Meios de Comunicação Social, em ONGS e com diversos grupos da sociedade, como indígenas, negros, agricultores, menores de rua, presos, periferia, intelectuais, etc. Entre os apresentadores estão confirmados, entre outros, o Pe. Roque Zimmermann, ex-deputado federal e atual secretário do Trabalho e Bem-Estar do Paraná e Frei Sérgio Gorgen, deputado estadual no Rio Grande do Sul.

# SIMPÓSIOS INTERNACIONAIS A Unisinos organiza a cada ano um evento internacional com temas relacionados ao bem comum. Em setembro de 2001, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, através do Instituto Humanitas Unisinos promoveu, como parte de sua missão de formação da pessoa humana, o Simpósio Internacional: o ensino social da Igreja e a globalização: limites e possibilidades. Em junho de 2002, voltou-se a repetir a experiência, desta vez em pleno ano eleitoral. O evento foi Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na Política e na Economia. Para 2003, está previsto, mais uma vez, um evento de alcance mundial: Simpósio Internacional Água: bem público universal, a ser realizado de 20 a 22 de maio, na Unisinos. Esses eventos foram impulsionados especialmente pelo Reitor da Unisinos, Prof. Dr. Pe. Aloysio Bohnen, que sugeriu à coordenação do Instituto Humanitas Unisinos a realização de um evento anual que abordasse temas sobre o bem comum e sobre a Doutrina Social da Igreja, já que o solidarismo é a alma dessa doutrina. Em

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27 entrevista ao IHU On-Line na edição Nº 23, do dia 24 de junho de 2002, o Reitor insiste na necessidade de que a universidade deve debruçar-se sobre o bem comum e aposta que o IHU tem um lugar especial nessa tarefa. “As minhas expetativas são que estes eventos se tornem um chamado para as pessoas despertarem para a responsabilidade e a co-responsabilidade. Disso depende o futuro da própria humanidade, e o IHU foi instituído para refletir e discutir os grandes temas da atualidade que afetam a cosmovisão e a antropovisão, por isso ele está buscando respostas para todos estes novos desafios”, disse. Sobre o evento a ser realizado em 2003, Aloysio Bohnen antecipa que o tema Recursos hídricos será visto, necessariamente, sob o prisma do bem comum, o que é indispensável para a qualidade de vida. “E por isso a sociedade precisa se organizar e defender esse bem, para que não seja, irresponsavelmente, entregue a interesses particulares com o perigo de poluir esse recurso”, alerta.

O ENSINO SOCIAL DA IGREJA E A GLOBALIZAÇÃO Unisinos lança livro com as palestras do primeiro Simpósio Internacional. O Livro O Ensino Social da Igreja e a Globalização. Cecília Osowski & José Luiz Bica de Mélo (org.). São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002 foi lançado no dia 26 de junho, durante o Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na Política e na Economia. O livro trata das temáticas apresentadas no Simpósio Internacional, realizado em setembro de 2001, apresentando os seguintes capítulos: Riccardo Petrella: “A urgência de um contrato social mundial face aos desafios da mundialização atual: para além das lógicas bélicas”; Inácio Neutzling: “Sociedade do trabalho e sociedade sustentável: algumas aproximações”; Henri Madelin: “A crise civilizacional e os desafios para o Ensino Social da Igreja”; Marcelo Fernandes de Aquino: “O serviço da fé e a promoção da justiça no ensino universitário da Companhia de Jesus no Brasil”.

SIMPÓSIO INTERNACIONAL ÁGUA: BEM PÚBLICO UNIVERSAL De 20 a 22 de maio, acontecerá no Anfiteatro Pe. Werner, na Unisinos, o Simpósio Internacional Água: Bem público universal. O evento tem diversos objetivos: desde uma descrição científica da realidade dos recursos hídricos no mundo e, especialmente, no Cone Sul da América Latina, até a discussão do acesso aos recursos hídricos como um direito humano fundamental, a partir da luta dos movimentos sociais. Além disso, o Simpósio se propõe, também, a analisar as dimensões antropológicas e místico-religiosas da água, a partir das grandes tradições religiosas da humanidade, aprofundar o conceito de bem público universal como princípio e instrumento operacional concreto capaz de discutir eticamente o acesso à água e, finalmente, apontar saídas para um consumo mais racional da água. O Instituto Humanitas Unisinos e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos em cooperação com a Universidade do Bem Comum – UCB são os promotores do evento. O Simpósio recebe o apoio de diversas instituições, como: Cáritas Brasileira Regional/RS; CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; CPT/RS - Comissão Pastoral da Terra/RS; FAPERGS -

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28 Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do RS; OEA - Organização dos Estados Americanos; PHI - UNESCO - Programa Hidrológico Internacional; CEPATCentro de Pesquisas e Apoio aos Trabalhadores; CIAS/IBRADES - Centro de Investigação e Ação Social/ Instituto Brasileiro de Desenvolvimento; SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. PROGRAMAÇÃO Dia 20 de maio - Terça-feira 8h30min – Credenciamento e abertura 9h30min - Conferência: A água como direito humano universal fundamental - Prof. Dr. Riccardo Petrella. Dr. em Economia - Universidade Católica de Louvain Bélgica. Secretário Geral do Comitê Internacional para o Contrato Mundial da Água. Coordenador da mesa: Prof. Dr. José Ivo Follmann. Dr. em Sociologia e Diretor do Centro de Ciências Humanas, Unisinos. 11h às 12h – Debates 14h às 16h30min - Oficinas: 1 - A crise no abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo: escassez ou má gestão de recurso natural disponível – Esp. João Paulo Ribeiro Capobianco, Esp. em Educação Ambiental Sócio-Coordenador do Instituto Socioambiental /SP. 2 - A emergência das multinacionais privadas da água – Dr. Dieter Wartchow, Dr. em Engenharia Sanitária e Ambiental. 3 - Contexto, luta e propostas do MAB frente ao atual modelo energético – Ricardo Montagner, agricultor Membro da Direção do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB/RS - Erechim/RS, e Marco Antônio Trierveiler, engenheiro agrônomo Membro da Direção Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB/RS - Erechim/RS. 14h às 16h30min - Minicursos: 1 - Sistema Nacional de Recursos Hídricos - Prof. Gustavo de Moraes Trindade, advogado, professor na Unisinos. 2 - Como proteger a água subterrânea, no campo e na cidade - Arnoldo Giardin, hidrogeólogo, geólogo da CORSAN, Presidente do Núcleo RS da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS). 3 - Abordagem quali-quantitativa da água no planeta Terra - Prof. Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen ,Dr. em Engenharia Civil na área de Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental Professor na Unisinos. 4 - O uso da fauna de peixes como bioindicadores na avaliação da integridade biológica de riachos - Prof. Dr. Uwe Horst Schulz, Dr. em Ciências Naturais Professor na Unisinos.

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29 18h às 19h30min- Atividade cultural - Sempre às terças 20h às 22h- Conferência: A crise da água no mundo Conferencista: Jornalista Washington Novaes, advogado, jornalista e supervisor geral do Programa Eco, da TV Cultura. É um dos responsáveis pela sistematização da Agenda 21 Brasileira - bases para a discussão. Coordenador da mesa: Prof. Dr. Inácio Neutzling, Dr. em Teologia, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos. Dia 21 de maio - Quarta-feira 8h30min - Conferência: Alterações climáticas na Bacia do Prata Conferencista: Prof. Dr. Carlos Eduardo Morelli Tucci, Dr. em Recursos Hídricos, chefe do Setor de Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH/UFRGS, Vice-Presidente da IAHS - International Association of Hydrological Sciences. Coordenadora da mesa: Profa. MS Silvia Costa Dutra, MS em Engenharia, professora na Unisinos. 10h – Intervalo 10h30min – Intervenção dos Debatedores: Prof. Dr. Leonardo Maltchik, Dr. em Ciências, professor na Unisinos, e Prof. Dr. Demétrio Luis Guadagnin, Dr. em Ciências Biológicas, professor na Unisinos. 11h15min às 12h – Debates 14h às 16h30min - Oficinas: 1 - Usos e abusos da água no Brasil - Prof. Dr. Heraldo Campos, Dr. em Ciências, professor na Unisinos. 2 – Estratégias de sobrevivência das comunidades ribeirinhas no semi-árido brasileiro - Prof. MS Cleto Batista Barbosa, MS. em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/UFPB, biólogo e professor na Universidade Federal do Acre - DCN/UFAC, e Prof. Dr. Leonardo Maltchik, Dr. em Ciências, professor na Unisinos. 3 – A água nos Textos Sagrados das religiões mundiais – Prof. Dr. José Ivo Follmann, Dr. em Sociologia e Diretor do Centro de Ciências Humanas, Unisinos. 14h às 16h30min - Minicursos: Monitoramento biológico de ecossistemas aquáticos - Prof. Dr. Demétrio Luis Guadagnin. 2- A gestão das águas - Profa. Dra. Ana Luisa Vietti Bitencourt, Dra. em Geografia Física, professora na Unisinos. 3- Os caminhos da água na indústria de alimentos - Profa. Dra. Neila Silvia Pereira dos Santos Richards, Dra. em Ciência e Tecnologia de Alimentos, professora na Unisinos. 4 - Poços como fonte alternativa de abastecimento de água: cuidados e manutenção - Carlos Alvin Heine, geólogo da CORSAN, membro da Diretoria do Núcleo RS da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS).

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17h às 18h30min - Atividade cultural 20h às 22h - Conferência: A paisagem da água no Brasil Conferencista: Prof. Dr. Aziz Ab’Saber, Dr. em Geografia, professor do Instituto de Estudos Avançados - IEA/USP, um dos autores do Projeto FLORAM (Reflorestamento). Coordenador da mesa: Prof. Dr. Heraldo Campos. Dia 22 de maio - Quinta-feira 8h30min - Conferência: Os novos movimentos sociais na luta pela água como direito humano universal – Conferencista: Prof. Dr. Aloisio Ruscheinsky, Dr. em Sociologia - US, professor da Fundação Universidade do Rio Grande – FURG. Coordenadora da mesa: Profa. MS. Cornélia Hulda Volkart, MS. em Psicologia Social e da Personalidade, professora na Unisinos. 10h – Intervalo 10h30min - Intervenção dos Debatedores: Profa. MS. Clair Ribeiro Ziebell, MS. em Educação, professora na Unisinos, e Prof. Dr. José Luiz Bica de Melo, Dr. em Sociologia, professor da Unisinos. 11h15min às 12h - Debates 14h às 16h30min - Oficinas: 1 - Experiências de comitês de bacias hidrográficas do RS – Viviane Nabinger, arquiteta, sec. executiva do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – COMITESINOS, integrante do Colegiado Coordenador do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas. 2 - A mística da água - Roberto Malvezzi, Teólogo, filósofo, educador popular e assessor dos Movimentos Populares de Juazeiro/BA, membro da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT. 3 - Agroecologia e água – Sérgio Görgen, assessor dos Movimentos ligados à Via Campesina, Deputado Estadual/RS, e MS João Hélio Pes, MS em Integração Latino-Americana – UFSM. 14h às 16h30min - Minicursos: 1- Currículo e compromisso político-educativo com a água: da linguagem poética a ações egogenocêntricas - Profa. Dra. Cecília Irene Osowski, doutora em Educação, professora na Unisinos. 2- Sistema jurídico e o recurso natural do próximo milênio: a água - Prof. MS. Delton Winter de Carvalho, advogado, MS em Direito, professor na Feevale. 3- - Hidrelétricas de velocidade variável: novas tecnologias em busca do aumento de eficiência e redução dos impactos ambientais - Prof. Dr. Christian Roberto Kelber, Dr. em Engenharia Elétrica, professor na Unisinos. 4- As águas na Constituição brasileira de 1988 - Prof. Dr. Anderson Orestes Cavalcante Lobato, Dr em Direito, professor na Unisinos, coordenador adjunto da comissão de ensino jurídico da OABRS.

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17h às 18h30min - Celebração da água 20h às 22h - Conferência: O planeta água e a emergência da vida Conferencista: Dra. Vandana Shiva, Ph.D. em Filosofia da Ciência - Índia, fundadora do Instituto Independente - Research Foundation for Science, Tecnology and Ecology- New Delhi - Índia. Coordenador da mesa: Profa. Dra. Valburga Schmiedt Streck, Dra. em Teologia Prática, professora na Unisinos. 21h30min às 22h - Encerramento IHU IDÉIAS IHU Idéias é um evento do Instituto Humanitas Unisinos que acontece todas as quintas-feiras, das 17h30min às 19h, na sala 1C103 da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Trata-se de um espaço interdisciplinar para a discussão de assuntos da atualidade, apresentações de teses doutorais, pesquisas, lançamento de livros e outros temas de interesse universitário, ligados à pesquisa e à sociedade e pertinentes às áreas atuantes do IHU. Ao longo de 2002, foram apresentados temas como O impasse globalizado: a Rio + 10 em Johannesburgo; O homem cordial: raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; Analíticos e continentais, de Franca D´Agostini; Panorama atual das eleições no Brasil; Redescobrindo Os Sertões"100 anos depois; ALCA: impactos positivos e negativos sobre o Rio Grande do Sul, etc. Destacaram-se as presenças de personalidades, que enriqueceram o evento, como a do antropólogo e teólogo Paulo Suess, de São Paulo, o Prof. Esp. Luis Osvaldo Leite, da PUC/RS, o Deputado Estadual Raul Pont, a filósofa espanhola Profª Drª Adela Cortina, entre outras tantas. ABRINDO O LIVRO Ao longo de 2003, o Instituto Humanitas Unisinos estará promovendo o evento Abrindo o livro. Trata-se de encontros mensais nos quais serão apresentados livros estrangeiros, de difícil aceso, que ajudem a iniciar discussões sobre grandes temas da vida social. O primeiro livro a ser discutido será Império de Michael Hardt e Antonio Negri. REALIDADE LATINO-AMERICANA De 6 a 10 de outubro de 2003, o Instituto Humanitas Unisinos estará promovendo o evento Realidade Latino-Americana cujo objetivo é dar continuidade aos debates sobre a Alca, que foram promovidos pelo IHU durante 2002. O encontro deve perpassar grandes projetos econômicos, sob uma abordagem socioeconômica, política, ambiental, etc. ÉTICA, RELIGIÃO E PÓS-MODERNIDADE O Instituto Humanitas Unisinos, em parceria com o Centro de Espiritualidade Cristo Rei (Cecrei), estará promovendo o Ciclo de Estudos Ética, Religião e PósModernidade. O evento abordará temas, como as grandes rupturas da crise civilizacional contemporânea; os desafios para a construção de uma sociedade sustentável; Bíblia e Sociedade Sustentável; a reinvenção da Teologia da Criação; desafios da Ética Ecológica e Cristianismo e Sociedade Sustentável. O evento será

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32 realizado em módulos, durante alguns finais de semana, no período de 14 a 21 de setembro de 2003. CICLO DE ESTUDOS SOBRE O BRASIL O Instituto Humanitas Unisinos estará promovendo, de abril a outubro de 2003, o Ciclo de Estudos sobre o Brasil. No evento, serão abordados textos clássicos de autores como Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala; Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil; Caio Prado Junior, Formação do Brasil Contemporâneo; Florestan Fernandes, A Formação Burguesa no Brasil; Celso Furtado, A Formação Econômica do Brasil; e Euclides da Cunha, Os Sertões. Uma programação audiovisual e musical acompanhará todo o ciclo de estudos. IV ENCONTRO DE ESTUDOS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO O Instituto Humanitas Unisinos estará promovendo, de 16 a 18 de junho de 2003, o IV Encontro sobre o Mundo do Trabalho com o tema Memória e trabalho.O evento reúne conferências, palestras e apresentações de trabalhos. Paralelamente acontecerá o I Colóquio Internacional da Cátedra Unesco. GEOPOLÍTICA DA FOME A UNISINOS, através do Instituto Humanitas Unisinos, participará do Mutirão Nacional contra a Fome e a Miséria de várias maneiras. Uma das quais será a promoção de um ciclo de estudos sobre o clássico livro de Josué de Castro, Geopolítica da Fome. A iniciativa é uma promoção conjunta do Instituto Humanitas Unisinos com professores e professoras do Centro de Ciências da Saúde e com o curso de Engenharia dos Alimentos do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas.

$ Nada melhor que o Fórum Social Mundial para visualizar em traços, roupas, costumes e idéias diferentes que somos diferentes e vivemos em um mundo em permanente mudança. Que vozes se debatem na arena do FSM? Que visões de outros mundos possíveis estão em jogo? Michael Hardt nos ajuda a responder essas perguntas, fazendo uma análise do II FSM. Ao mesmo tempo, a América Latina e o Mundo, que foram o pano de fundo do II FSM, não são os mesmos de hoje. Novos e decisivos fatos traçaram um outro cenário. Eduardo Galeano tenta percorrer esse novo cenário. A América Latina vive um tempo de crise e mudanças. Para nos aproximar de uma leitura da nova realidade latino-americana, reproduzimos, nesta editoria, alguns artigos publicados no jornal argentino Clarín que abordam o assunto.

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FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: O ‘CONFLITO’ QUE NÃO APARECEU Traduzimos e publicamos na íntegra o artigo de Michael Hardt, retirado da revista alemã Jungle Word, n. 11, 11-03-02. Hardt participou do II Fórum Social Mundial, de 31 de janeiro a 05 de fevereiro deste ano, em Porto Alegre. Ele é, co-autor com Toni Negri, do importante livro Império, publicado pela Ed. Record (RJ) em 2001. Os subtítulos e grifos são nossos. O texto foi traduzido e publicado no boletim CEPAT Informa no. 82, abril de 2002, p. 48-53. Bandung 1955 e Porto Alegre 2002 “Contrapor algo à ordem mundial vigente, essa perspectiva revelado pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre soa muito mais como eco distante da Conferência histórica de Bandung, na Indonésia do ano de 1955, do que como pólo oposto ao Fórum Econômico Mundial de Nova York. Para a conferência de Bandung a ordem mundial vigente era a do colonialismo e da confrontação repressiva na guerra fria, para Porto Alegre ela é o predomínio da globalização capitalista. Também as diferenças caem diretamente na vista. A conferência de Bandung reuniu basicamente estadistas asiáticos e africanos, desnudando a dimensão racista da ordem colonialista mundial. O autor Richard Wright descreveu essa divisão do mundo por meio da Color Curtain [Cortina Racial]. Porto Alegre, no entanto, é sobretudo branca, relativamente poucos participantes são oriundos da Ásia ou África, e as diferenças das Américas estão representadas apenas em pequena escala. Isso remete para a tarefa que se apresenta aos que se reúnem em Porto Alegre: globalizar os movimentos, em todas as sociedades e simultaneamente com alcance mundial. O Fórum como tal é apenas um passo. Porém, enquanto a Conferência de Bandung foi objeto de envolvimento de um grupo bastante restrito de políticos, Porto Alegre reúne um sem-número de ativistas e congrega uma rede de movimentos. Essa ‘multidão’ é a grande inovação do Fórum. Porto Alegre: riqueza de presenças e encontros A impressão primeira e dominante do Fórum Social Mundial se deve a sua extraordinária magnitude. Na verdade é menos o número de participantes – os organizadores falam de 80 mil – mas acima de tudo a abundância de eventos e encontros, de todas as coisas que acontecem. O programa oficial das conferências, discussões e oficinas, cuja maioria acontece na universidade, possui diariamente o formato de um tablóide, porém rapidamente se descobre que há incontáveis outros encontros informais e manifestações por toda a cidade, que são divulgados por cartazes e panfletos ou pela propaganda pessoal. O Fórum não pode ser classificado, ele é caótico e dispersivo. E essa imensidão cria em todos, mergulhados no mar de pessoas de todos os quadrantes da terra, o entusiasmo para trabalhar de forma homogênea contra a globalização capitalista da atualidade. O encontro aberto constitui o momento mais importante do Fórum Social. Ainda que Porto Alegre em certo sentido apresente limitações, por exemplo, geográficas e sociais, a cidade sem dúvida oferece uma oportunidade para globalizar adiante o ciclo de lutas de Seattle até Gênova.

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34 Primeiro passo: reconhecimento dos pontos comuns Até o presente se pode encontrar, em maior ou menor grau, uma rede de movimentos em ambos os lados do Atlântico Norte. Ainda que esses movimentos enfoquem politicamente numerosos pontos que também são tomados por outras partes como objeto de controvérsia, por exemplo, o protesto contra a atual forma capitalista de globalização ou contra formas institucionais específicas como a política do Fundo Monetário Internacional, os próprios movimentos permaneceram limitados. Reconhecer os pontos em comum do próprio projeto com os de outras partes do mundo representa o primeiro passo para ampliar a rede de movimentos sociais ou interligar diversas redes. A descoberta de pontos em comum é favorecida pelo clima entusiasmado e descontraído do Fórum. Passo seguinte: como poderão se transformar? Contudo o encontro não visava apenas dar visibilidade a alvos e intenções comuns, mas também explicitar as diferenças dos envolvidos, diferenças que são heterogeneamente devidas a condições materiais e orientações políticas. Os diversos movimentos mundo afora não chegarão à coesão simplesmente assim como são, porém no encontro eles poderão modificar-se mutuamente. Ativistas norte-americanos ou europeus, por exemplo, terão de reconhecer as diferenças em relação ao Movimento Sem Terra (MST), cujo contexto são as condições do trabalho rural e a pobreza camponesa no Brasil. A pergunta é: que tipo de transformação os movimentos de protesto europeus e norte-americanos, bem como os movimentos latino-americanos precisam percorrer, não para se igualar ou unificar, mas para constituir e ampliar uma articulação entre si? O Fórum oferece a oportunidade para admitir diferenças e levantar esse tipo de questões, pelo menos para aqueles que se dispõem a ouvi-las. Contudo não cria as condições para solucionar os problemas. Precisamente os momentos dispersivos e trasbordantes do Fórum, que geram o sentimento eufórico da luta conjunta, deslocam o terreno no qual seria possível trabalhar esse tipo de diferenças e conflitos. Estados nacionais ou Estado global? Nesse aspecto o Fórum Social Mundial talvez seja entusiasmado demais, descontraído demais, e não suficientemente disposto para o conflito. Uma diferença política muito crucial que perpassa todo o Fórum se refere ao papel da soberania de Estados nacionais. Uma política que reage às forças atualmente dominantes da globalização conhece fundamentalmente duas posições possíveis: ou se pode trabalhar para estabilizar a soberania do Estado nacional, a fim de empregá-lo como freio contra o controle pelo capital global, ou se pode procurar por uma alternativa à forma atual da globalização que não seja nos moldes do Estado nacional, mas sim global. A primeira posição aposta analiticamente sobretudo na categoria neoliberalismo, ou seja, ela se identifica como inimiga da atuação global do capital, que é desenfreada por causa de Estados nacionais fracos. A segunda posição é mais claramente anticapitalista, independente de o capital ser ou não regulado pelo Estado. A primeira chama-se com razão de posição antiglobalização, porque para ela a soberania do Estado nacional serve, também quando estiver conectada com solidariedade internacional, para represar e regular as forças da globalização capitalista. Por isso a libertação nacional continua sendo norteadora para essa posição. Isso a liga às antigas lutas anticolonialistas e antiimperialistas. A segunda posição, no entanto, rejeita qualquer resposta de fortalecimento do Estado nacional e, em troca, visa uma globalização democrática.

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35 Vozes da defesa da soberania do Estado nacional Os defensores da soberania do Estado nacional ocuparam o espaço público durante o Fórum Social Mundial. Sua posição é defendida nas sessões plenárias, os oradores oficiais do Fórum a repetem e a imprensa informa a respeito. Essa posição é a adotada pela liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, que como partido no governo em Porto Alegre e no Estado se apresenta como anfitrião. O PT tira proveito do prestígio internacional do evento, integrando-o em sua estratégia eleitoral. A segunda voz significativa em favor do Estado nacional pertence à liderança francesa da Attac, que articula sua atitude nas páginas do Le Monde Diplomatique. Nesse aspecto a liderança da Attac está muito próxima de alguns políticos franceses, dos quais provavelmente o mais conhecido é Jean-Pierre Chevènement(1), e que consideram o fortalecimento do Estado nacional como o remédio para as enfermidades da globalização atual. O PT e a Attac dominaram o cenário do Fórum Social, tanto para dentro quanto para a mídia. Vozes da globalização democrática Em contrapartida a posição que não propugna pela soberania é minoritária no Fórum, porém não numericamente, e sim com vistas à sua representação. Fazem parte dela os diversos movimentos que sustentaram os protestos de Seattle até Gênova e cuja orientação via de regra não é o Estado nacional. A estrutura centralista da soberania estatal se opõe diametralmente à forma das redes horizontais, como as desenvolvidas por esses movimentos. E também os movimentos na Argentina, que surgiram com a atual crise financeira e organizaram os conselhos e reuniões de delegações em seus bairros e cidades, têm uma atitude antagônica similar diante da soberania do Estado nacional. E finalmente também na base dos partidos e das organizações presentes no Fórum o clima é predominantemente contrário ao Estado nacional. Isso vale sobretudo para a Attac, essa organização híbrida, cuja cúpula (sobretudo na França) mexe com a política tradicional, enquanto a base está solidamente ancorada nos movimentos. O confronto entre os dois grupos não apareceu em Porto Alegre Entre ambas as posições se poderia imaginar uma controvérsia no velho estilo. Por exemplo, a primeira posição poderia acusar a segunda de fazer o jogo do neoliberalismo, para solapar a soberania estatal e abrir caminho para o avanço da globalização. A política, porém, como se poderia continuar argumentando, carece do espaço e das instituições do Estado nacional. E a segunda posição poderia replicar que regimes nacionais e as formas da soberania, corruptas e repressivas como são, tão somente atrapalham a trajetória da democracia global. Essa confrontação, no entanto, não acontece em Porto Alegre, por um lado, porque a característica do evento torna impossível o conflito, por outro, porque os defensores da soberania estatal ocuparam os principais espaços do Fórum. Razão da não confrontação Uma razão essencial para a não-ocorrência da confrontação, porém, reside nas formas organizacionais de ambas as posições. Partidos tradicionais e organizações 1

.- Candidato a presidente da França, Chevènement foi ministro do socialista Mitterand e renunciou quando este se aliou aos EUA na guerra contra o Iraque. Ele teve uma modesta atuação no Fórum Social Mundial de Autoridades, realizado em Porto Alegre por ocasião do Fórum Social Mundial. Por exemplo, na questão da dívida externa, ele defende não somente que esta seja anulada pelos países ricos, mas também que devolvam, em forma de projetos de desenvolvimento, os juros pagos pelos países devedores.

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36 centralistas têm porta-vozes que as representam e defendem sua posição. No entanto, ninguém fala por uma rede. Movimentos organizados em redes dispõem de um poder que não se efetiva do dia para a noite. Na configuração da rede dois nós nunca ficam frente-a-frente sem estar em relação com um terceiro, quarto ou um número indeterminado de outros. Durante os acontecimentos em Seattle subitamente grupos, dos quais se pensava que se encontrassem num dissenso objetivo – ecologistas e sindicalistas, grupos de igrejas e anarquistas – trabalharam em conjunto, criando uma rede de multiplicidade. Os movimentos funcionam como um espaço público que permite diferentes modos de expressão. Isso não significa que redes fossem passivas. Redes postergam discordâncias e geram uma espécie de mudança de atmosfera que faz com que posições fechadas se movimentem. A força das redes se alimenta de correntezas subterrâneas. A luta política na era dos movimentos de redes A própria ‘multidão’ é excessiva. É importante perceber as diferenças que separam os movimentos e os políticos congregados em Porto Alegre. Porém ao mesmo tempo seria equivocado interpretar as diferenças de acordo com o parâmetro tradicional do conflito ideológico de duas posições opostas. A luta política na era dos movimentos de redes não funciona mais dessa maneira. Aqueles que se projetaram ao centro e dominaram o Fórum podem se evidenciar como perdedores, apesar de sua flagrante força. Porque talvez os representantes dos partidos e das organizações centralistas em Porto Alegre se assemelhem demais aos estadistas em Bandung – Lula, do PT no papel do anfitrião Achmed Sukarno, e Bernard Cassen, da Attac, no do convidado de honra Jawaharlal Nehru. Estadistas podem promulgar resoluções e defender a soberania nacional na mesa de negociações, porém, não dispõem do poder democrático dos movimentos. Um dia há de varrê-los a multidão, que é capaz de transformar os elementos rígidos e centralistas em nós de ligação de sua rede em processo de expansão”.

MANICÔMIO

Por Eduardo Galeano Matéria publicada pelo jornal argentino Página 12, 22-12-02. No artigo, Galeano fala do mercado como o maior dos terroristas e comenta alguns de seus principais atentados. O artigo foi traduzido por nós e os subtítulos são nossos. Mercado e terrorismo Tempos do medo. Vive o mundo em estado de terror, e o terror se disfarça: diz ser obra de Saddam Hussein, um ator já cansado de tanto trabalhar de inimigo, ou de Osama bin Laden, assustador profissional. Mas o verdadeiro autor do pânico planetário se chama Mercado. Este senhor não tem nada a ver com o entranhável lugar do bairro onde a gente vai em busca de frutas e verduras. É um todo-poderoso terrorista sem rosto, que está em todas as partes, como Deus, e crê ser, como Deus, eterno. Seus numerosos intérpretes anunciam: “O Mercado está nervoso”, e advertem: “Não há que irritar o Mercado”. Seu frondoso prontuário criminal o faz temível. Tem passado a vida roubando comida, assassinando empregos, seqüestrando países e fabricando guerras.

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37 Para vender suas guerras, o Mercado semeia medo. E o medo cria clima. A televisão se ocupa de que as torres de Nova York sejam derrubadas todos os dias. O que ficou do pânico do antrax? Não só uma investigação oficial, que pouco ou nada averiguou sobre aquelas cartas mortais: também ficou um espetacular aumento do orçamento militar dos Estados Unidos. E os milhões que esse país destina á industria da morte não é "fichinha". Apenas um mês e meio desses gastos bastaria para acabar com a miséria no mundo, se não mentem os numerozinhos das Nações Unidas. Cada vez que o Mercado dá a ordem, a luz vermelha da alarme pisca no perigosímetro, a máquina que converte toda suspeita em evidência. As guerras preventivas matam pelas dúvidas, não pelas provas. Agora é a vez de Iraque. Outra vez esse castigado país tem sido condenado. Os mortos saberão compreender: o Iraque contém a segunda reserva mundial de petróleo, que é justamente o que o Mercado anda precisando para assegurar combustível para o esbanjamento da sociedade de consumo. EUA: único país que tem usado armas nucleares Espelho, espelhinho: quem é o mais temido? As potências imperiais monopolizam, por direito natural, as armas de destruição massiva. Em tempos da conquista da América, enquanto nascia isso que agora chamam Mercado global, a varíola e a gripe mataram muitos mais indígenas que a espada e o arcabuz. A exitosa invasão européia teve muito a agradecer às bactérias e aos vírus. Séculos depois, esses aliados providenciais se converteram em armas de guerra, em mãos das grandes potências. Um punhado de países monopoliza os arsenais biológicos. Há um par de décadas, os Estados Unidos permitiram que Saddam Hussein lançasse bombas de epidemias contra os curdos, quando ele era um mimado do Ocidente, e os curdos tinham má imprensa, mas essas armas bacteriológicas haviam sido feitas com cepas compradas de uma empresa de Rockville, em Maryland. Sob o aspecto militar, como em tudo o mais, o Mercado prega a liberdade, mas da concorrência ele não gosta nem um pouquinho. A oferta se concentra em mãos de poucos, em nome da segurança universal. Saddam Hussein mete muito medo. Treme o mundo. Tremenda ameaça: o Iraque poderia voltar a usar armas bacteriológicas e, muito mais grave ainda, poderia chegar a ter armas nucleares. A humanidade não pode permitir esse perigo, proclama o perigoso presidente do único país que tem usado armas nucleares para assassinar populações civis. Haverá sido o Iraque que exterminou os velhos, as mulheres e as crianças de Hiroshima e Nagasaki? Bolsa, inflação e insegurança Paisagem do novo milênio: gente que não sabe se amanhã encontrará o que comer, ou se ficará sem teto, ou como fará para sobreviver se ficará doente ou sofrerá um acidente; gente que não sabe se amanhã perderá o emprego, ou se será obrigada a trabalhar o dobro em troca da metade, ou se sua aposentadoria será devorada pelos lobos da Bolsa ou pelos ratos da inflação; cidadãos que não sabem se amanhã serão assaltados na volta da esquina, ou terão suas casas arrombadas, ou se algum desesperado lhes meterá uma faca na barriga; camponeses que não sabem se amanhã terão terra para trabalhar e pescadores que não sabem se encontrarão rios ou mares ainda não envenenados; pessoas e países que não sabem como farão amanhã para pagar suas dívidas multiplicadas pela usura. Serão obras de Al-Qaida estes terrores cotidianos?

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Os atentados que não saem nos jornais A economia comete atentados que não saem nos jornais: cada minuto mata de fome doze crianças. Na organização terrorista do mundo, que o poder militar custodia, há um bilhão de famintos crônicos e seiscentos milhões de gordos. Moeda forte, vida frágil: o Equador e El Salvador têm adotado o dólar como moeda nacional, mas a população foge. Nunca esses países haviam produzido tanta pobreza e tantos emigrantes. A venda de carne humana ao estrangeiro gera destruição, tristeza e divisas. Os equatorianos, obrigados a buscar trabalho em outra parte, têm enviado a seu país, em 2001, uma quantidade de dinheiro que supera a soma das exportações de banana, camarão, atum, café e cacau. Também o Uruguai e a Argentina expulsaram seus filhos jovens. Os emigrantes, netos de imigrantes, deixam para trás famílias destroçadas e memórias que doem. “Doutor, me romperam a alma”: em que hospital se cura isso? Na Argentina, um concurso de televisão oferece, cada dia, o prêmio mais cobiçado: um emprego. As filas são longuíssimas. O programa elege os candidatos, e o público vota. Consegue trabalho o que mais lágrimas derrama e mais lágrimas arranca. Sony Pictures está vendendo a exitosa fórmula em todo o mundo. Que emprego? Qualquer um. Por quanto? Pelo que seja e como seja. O desespero dos que buscam trabalho, e a angústia dos que temem perdê-lo, obrigam a aceitar o inaceitável. Em todo o mundo, se impõe “o modelo Wal Mart”. A empresa número um dos Estados Unidos proíbe os sindicatos e estica os horários sem pagar horas extras. O Mercado exporta seu lucrativo exemplo. Quanto mais doídos estão os países, mais fácil resulta converter o direito trabalhista em papel molhado. E mais fácil resulta, também, sacrificar outros direitos. Os pães do caos vendem a ordem. A pobreza e a desocupação multiplicam a delinqüência, que difunde o pânico, e nesse caldo de cultivo floresce o pior. Os militares argentinos, que muito sabem de crimes, estão sendo convidados a combater o crime: que venham nos salvar da delinqüência, clama a gritos Carlos Menem, um funcionário do Mercado que de delinqüência sabe muito, porque a exerceu como ninguém, quando foi presidente. Desastres “naturais” ou provocados? Custos baixíssimos, ganâncias mil, controles zero: um barco petroleiro se parte pela metade e a mortífera maré negra ataca além das costas da Galícia. O negócio mais rentável do mundo gera fortunas e desastres “naturais”. Os gases venenosos que o petróleo lança no ar são a causa principal do buraco de ozônio, que já tem o tamanho dos Estados Unidos, e da loucura do clima. Na Etiópia e em outros países africanos, a seca está condenando milhões de pessoas à pior fome dos últimos vinte anos, enquanto Alemanha e outros países europeus acabam de sofrer inundações que foram a pior catástrofe da última metade do século. Além disso, o petróleo gera guerras. Coitado do Iraque!

AMÉRICA LATINA ENTRE A CRISE E A MUDANÇA Matéria publicada pelo Clarín, 22-12-02 – no suplemento dominical Zona -, analisa o processo de mudanças políticas pelo qual vem passando a América Latina, particularmente o Brasil, o Equador e a Venezuela. O artigo foi traduzido por César Sanson do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – de Curitiba, PR. Os subtítulos são nossos.

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A vitória de Lula A alegria é brasileira. As lágrimas de Lula foram o desfecho de uma emoção esperançada da qual partilham não apenas os 52 milhões de brasileiros que nele votaram, mas sim milhares de latino-americanos. Nascido no interior pobre de um estado pobre, Pernambuco, é um homem a quem a vida não deu nenhuma vantagem. Entretanto vai presidir a segunda nação mais importante do continente com uma legitimidade e um orgulho que muitos poderosos mundiais não têm: ganhou por maioria em eleições amplas e democráticas. Foi votado por um povo acostumado a brutais diferenças sociais, mas que crê que um país mais justo é, sem dúvidas, um país melhor. A vitória de Gutiérrez Os equatorianos também têm seus próprios sonhos: que voltem à pátria os amigos e os filhos; que haja trabalho; que a vida não se consuma, dia após dia, buscando-se comida ou estratégias apenas para amargar a morte. Sonhos mínimos mas inacessíveis num país duramente assolado pela corrupção governamental, pela ineficiência da classe política e, nos últimos dois anos, arrebentado pela dolarização. Nesse clima, o coronel ‘afastado’ Lucio Gutiérrez, político sem experiência, se viabilizou eleitoralmente por defender a causa indígena no levante de 21 de janeiro de 2000 e foi eleito por quase três milhões de equatorianos (54,5%). O novo enfrenta adversidades Ainda que se trate de dois países e duas histórias partidárias muito diferentes, convergem em um destino histórico comum: seus Presidentes foram eleitos tendo construído seu poder a partir dos setores de esquerda, e por encarnarem necessidades de mudança que se manifestam cada vez mais em toda a América Latina. Desde o primeiro dia de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva, e a partir de 15 de janeiro, Gutiérrez, terão sua oportunidade no jogo da construção de uma nova hegemonia. Para Lula está claro: “Graças ao Partido dos Trabalhadores, a esquerda latino-americana é agora uma opção democrática”, disse para aqueles, que da direita e da esquerda, não acreditavam nesse caminho para se chegar ao poder. “Hoje todos os partidos de esquerda têm possibilidade de conseguir esse triunfo como Gutiérrez no Equador”. Mas como a realidade nunca é simples, estes dirigentes chegam ao poder num cenário em que o novo se enfrenta com frentes adversas. “É um momento internacional de estratégias de guerra e de condenação a tudo o que seja dissidência ao pensamento do livre mercado”, sintetizou à Zona, o politólogo equatoriano Francisco Hidalgo Flor, diretor da revista Espaços. A isso se soma a reduzida margem de manobra doméstica dada pela situação econômica de ambos os países e a crise da Venezuela que, ainda que não tenha relação, salpica e poderá ser usada por setores opositores como uma arma de desprestígio contra os novos governos. A Venezuela

A crise venezuelana está carregada de fanatismo e medo. Intelectuais independentes, alguns deles não venezuelanos (que pediram anonimato) disseram à Zona que preferiam não dar entrevistas, porque, em ambientes acadêmicos, lhes advertiram que, em caso de triunfo da oposição, poderia haver represálias. Os que opinaram, o fizeram a partir de posições radicalizadas que pouco ajudam à compreensão de uma crise tão complexa. A figura de Chávez é certamente

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40 complexa: por um lado foi um fiel cumpridor na região dos acordos com o FMI, sem por isso deixar de ser uma referência da mudança. “Hoje os setores populares se identificam com uma opção que recupera o direito à rebelião e ao protesto”, explica Hidalgo. Chávez e Gutiérrez são figuras que aparecem questionando os sistemas institucionais, mas se subordinam ao jogo democrático. Lula é visto como um lutador e defensor das reivindicações populares. O ocaso da ‘era’ neoliberal Como se chegou a este momento histórico latino-americano? Por esgotamento: os partidos políticos tradicionais perderam toda a credibilidade e representação (Equador e Venezuela) e – coincidem os especialistas consultados – o ocaso da era neoliberal se instalou em toda a região. “Passamos dez anos aprisionados por um rótulo, uma receita chamada Consenso de Washington. Agora estamos nos liberando dela por força da realidade. Sem dúvidas, é um etapa de transição na qual não apareceu todavia o que a sucederá e, em matéria de receitas, estamos à deriva”, opina a politóloga brasileira Mônica Hirst. Para ela, a palavra ruptura está fora do léxico. É um momento de “revisão e redirecionamento” em que há que se pensar no que se salva (‘a estabilidade, entendida como o controle dos processos inflacionários’) e o que se muda: “obviamente o custo social, o rebaixamento que terminou comprometendo a eficácia das políticas públicas”, acrescenta Hirst. Quem é Gutiérrez? Gutiérrez, como Lula, nasceu em uma família pobre de uma província pobre (Tena). Seu triunfo, além do rechaço ao modelo neoliberal, expressa uma profunda crise de hegemonia da oligarquia equatoriana e o fracasso dos partidos tradicionais. Campeão do pentatlo militar, melhor formando em Engenharia Civil, edecán (ajudante de ordem) de dois presidentes equatorianos, Gutiérrez tem um terrível ‘defeito’ para a orgulhosa oligarquia vernácula de descendência espanhola: seu aspecto indígena. “Para as elites tradicionais, Gutiérrez não é suficientemente branco nem suficientemente parecido com a figura de um presidente”, disse ao ser entrevistado em Buenos Aires, Adrián Bonilla, diretor da Flacso no Equador. “É mais distante que Toledo, porque para as elites, o presidente peruano ao menos estudou em Havard e foi burocrata em um organismo internacional”. Gutiérrez tem ademais outra debilidade: “Não é militante orgânico nem tem sustentado um projeto político ao longo de toda a sua vida como Lula, que é um símbolo vivo do PT e das organizações sindicais brasileiras”, acrescentou Bonilla. Gutiérrez – como Chávez – criou um partido (a Sociedade Patriótica 21 de Janeiro) somente para poder apresentar-se como candidato. Ganhou. Será a primeira vez na história do Equador que os indígenas formam parte de um governo (e a segunda vez para a esquerda, a primeira foi em 1944 na segunda presidência de Velasco Ibarra). Porém o Congresso será opositor, nas eleições legislativas ganharam os partidos orgânicos da burguesia. Piadas racistas

“Basta a idéia de que haja indígenas que possam ser Ministros para que se revolva a consciência coletiva de uma sociedade como a equatoriana muito estratificada, racista e excludente”, diz Bonilla. A mais rasteira, sutil e freqüente máquina de desprestígio – a piada racista – já funciona a todo vapor no Equador: “Sabes que agora o governo vai mudar algumas teclas do computador? O enter vai ser substituído pelo dentre e o esc pelo lluschi (expressão indígena para sair)”. Nina Pacari, a deputada do partido indígena Pachakutik, sondada para o cargo de

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41 chanceler, é o centro predileto dessas operações vergonhosas. “Sabe como irá Nina às Nações Unidas? De alpargatas”, propagam os piadistas. Os desafios de Gutiérrez Neste clima, o dilema é se Gutiérrez assumirá os desafios políticos que significou o voto rebelde que o levou ao poder e que implicam: 1) liderar a mudança cultural incipiente de que necessita o Equador e integrar as classes historicamente excluídas; 2) fazer frente à grave situação econômica perante o ‘grito’ eleitoral de maior equidade e justiça social; 3) pensar em um projeto de desenvolvimento nacional em um contexto mundial adverso. Certamente o discurso de Gutiérrez, como o de Lula, foi mudando com o tempo. Para Hidalgo “a resposta às demandas populares não virão de cima. Vai fazer falta a mobilização da cidadania que obrigue o presidente a definir-se sobre temas chaves. Gutiérrez é vacilante. Suas posições políticas têm sido pendulares. Ademais, o processo equatoriano tem suas próprias limitações”. Para Bonilla, “a iniquidade e a concentração no Equador são tão extremas que, sem ter projetos sociais extraordinários, apenas o império da lei e a construção de um estado de direito já seria um triunfo para Gutiérrez”. O diretor da Flacso não é otimista: crê que o novo Presidente somente pode aspirar a governar e não cair. “Os setores empresariais foram elementos desestabilizadores no passado e poderiam provocar a caída de outro Presidente”, explicou. A Alca e o Plano Colômbia Em sua relação com Washington, os especialistas crêem que Gutiérrez será muito cuidadoso, mesmo porque não tem outro ‘remédio’. No que diz respeito à Alca, “à diferença do Brasil, onde há setores importantes do empresariado que querem um projeto regional diferente, no Equador, as elites não apostam no nacional. As classes dominantes e os setores empresarias têm seu dinheiro nos Estados Unidos e não no país, assim, não vão apoiar um projeto de desenvolvimento interno” (Hidalgo). No coração da Alca, palpita ainda o Plano Colômbia. Por isso, como se explica adiante, para alguns especialistas, qualquer agenda dos governos do Brasil, Equador ou Venezuela, estará ‘atravessado’ por esse problema. Brasil: transição democrática se consolida O grau de consenso e coesão interna é, em qualquer caso, crucial. O Brasil conseguiu. Enquanto no resto da região os partidos políticos tradicionais mergulham no desprestígio e as interrupções institucionais rodeiam, os brasileiros amadureceram sua democracia e fortaleceram seus partidos. “Hoje há uma nova elite política, com renovação de quadros e uma nova direção feminina muito forte em todos os partidos”, confirma Hirst. A partir da Argentina, o politólogo e professor da Universidade Di Tella, Sergio Berenstein pensa que o Brasil, com o triunfo de Lula, completou sua transição democrática. “É a primeira vez que há uma alternância séria no poder. Fernando Cardoso foi uma continuação do velho PMDB. Com Lula ganha ainda um partido que tem boa relação com os militares e que integra uma coalizão policlassista e policultural, com um vice-presidente que é um empresário têxtil multimilionário e que pertence a uma igreja que não é a oficial. Tudo isso revela que as regras do jogo político, no Brasil, estão muito consolidadas. Isso não significa afirmar que a gestão de Lula será fácil, uma vez que enfrentará sérios obstáculos macroeconômicos, sociais, etc., por resolver”. Há outros dois

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42 aspectos que sublinham a vitória petista. Um está vinculado ao processo de maturação democrática. À diferença de Gutiérrez e de Chávez, nada indica que Lula encontrará ‘pedras’ em seu caminho colocado pelos próprios compatriotas. O segundo se refere à clareza política de Lula em relação ao novo papel da esquerda na América Latina. Com lucidez, o PT busca se distanciar da idéia que enquadra o seu triunfo como algo excepcional, porque, se assim o fosse, não poderia se repetir, ou alguém poderia vê-lo como um ‘desvio’, o qual é preciso corrigir. Pelo contrário, Lula considera sua vitória como um processo natural da história brasileira e regional. O entorno de Lula e as quatro ‘visões’ A poucos dias da posse de Lula, Hirst descreve da seguinte forma o entorno que espera o novo Presidente. “Há quatro visões diferentes. Duas privilegiam a idéia da continuidade. A primeira é a dos cardosistas: tratam de criar uma ponte muito forte entre o que foi o governo anterior e o de Lula. Há, inclusive, uma identificação dele próprio, Cardoso, com o que promete fazer o novo governo. São os que tratam de diluir a mudança que se apresenta no novo horizonte político do Brasil”. A segunda versão vê continuísmo a partir de uma visão crítica. São pessoas do próprio PT. “É a extrema esquerda decepcionada. Dizem: Pôr um representante do Banco de Boston no Banco Central: não foi nisso que votamos. Esse enfoque é preocupante e constrói um território de oposição virtual, de descrença". As outras duas visões vêem o governo a partir da perspectiva da mudança e de maneira positiva. Uma surge do próprio governo que vê a possibilidade de trabalhar novos valores, novas prioridades: uma nova agenda social que não ponha em risco a governabilidade, mas que transforme estruturalmente as situações de injustiça, de desigualdade, de assimetrias. “Não vai ser nenhuma transformação da noite para o dia, nem vai resolver o problema da pobreza, mas pode resolver o da miséria e da indigência”, continua Hirst. O quarto grupo vê o projeto de Lula do mesmo ponto em que se encontrava a social-democracia em 1994, mas que, a partir de agora, vai procurar equilibrar melhor o campo dos interesses (do capital e do trabalho). É uma visão dos que querem a mudança e deram seu voto, porém com uma dose bastante forte de realismo. “Para mim, conclui Hirst, essas quatro visões aparecem em todos os casos, de uma maneira mais ou menos hegemônica, em toda a América Latina. O que há neste momento, no Brasil é, talvez, um equilíbrio maior por um consenso já construído sobre essas diferenciadas visões. Ao contrário, quanto menos consensuadas estão essas opções políticas, mais exacerbadas e polarizadas serão essas visões. É o caso da Venezuela”. A Venezuela e o contexto internacional Uma das questões mais controvertidas do conflito é a ansiedade opositora em não concordar com Chávez e com a oposição oficial de que é preciso esperar até agosto de 2003, quando, já pela lei, se poderia, através de um referendum revogatório, reduzir o mandato pela metade. “Há uma armadilha que o chavismo inventou”, protesta o professor Alfredo Ramos Jiménez, da Universidade dos Andes. “Levarse-ia dois meses para contar as assinaturas do referendum. E, mesmo assim, assumiria seu vice-presidente. A Constituição foi feita à medida de Chávez”. Sua posição é a mesma da maioria dos antichavistas. “Não querem referendum, porque perdem”, retrucam os chavistas. Edgardo Lander, professor da Universidade Central da Venezuela, aporta outra visão: “Chávez teve sua culpa pelo tom dos seus discursos iniciais. Mas o que realmente irrita é a sua luta contra o latifúndio e sua política petrolífera diferente. Os setores tradicionalmente donos do país sentem que

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43 seu monopólio está ameaçado. Trabalho na filial venezuelana do ‘Observatório Global dos Meios’ e aqui observamos que a imprensa privada é antichavista e dá informações parciais. Além da liberdade de expressão, está o direito do cidadão em obter informações verdadeiras e sérias. Com menos paixão e a partir de uma perspectiva geoestratégica, o equatoriano Hidalgo vê o tema sob outra perspectiva. “Há uma íntima conexão entre a Alca e o Plano Colômbia. E, assim como para Washington, é fundamental que o exército equatoriano se envolva na luta colombiana (coisa que Gutiérrez, suponho, não aceitará), também necessita, creio eu, que na Venezuela não esteja Chávez, porque sua política não guarda relação com o controle regional que implica o Plano Colômbia. Novamente o contexto internacional será determinante para uma América Latina que busca mudanças. O consenso, e não a divisão, será, sem dúvida, a melhor bússola para tempos de tormenta imperial. AMÉRICA LATINA OS PARTIDOS POLÍTICOS NA ‘ERA’ NEOLIBERAL Clarín, 22-12-02 A consolidação democrática na América Latina e a crise de representação tradicional na região são os dois processos a partir dos quais Marcelo Cavarozzi e Juan Manuel Abal Medina (argentinos), organizadores do El asedio a la política. Los partidos latinoamericanos en la era neoliberal (O ‘cerco’ à política. Os partidos latino-americanos na era neoliberal), observam a situação paradoxal pela qual estão atravessando os partidos políticos tradicionais no subcontinente. Editado pela Homo Sapiens, o livro contém artigos de dezenove politólogos, sociólogos e economistas latino-americanos. Como explicam Cavarozzi e Esperanza Casullo na Introdução, a idéia, que atravessa todos os trabalhos, é explicar como “a aparente estabilidade dos partidos convivem com uma aguda crise de representação”. Nesse sentido, alguns autores – como o peruano Martín Tanaka – sustentam que “já não é possível falar de crise, mas sim de destruição do sistema” de partidos políticos, o que daria lugar a uma “refundação partidária”, entretanto outros – como a mexicana Soledad Loaeza, o colombiano Andrés Dávila e o boliviano Fernando Mayorga – apontam a “coexistência de estabilidade e crise” que estão experimentando um bom número de países latino-americanos. OS NÚMEROS DA EXCLUSÃO NA AMÉRICA DO SUL Clarín, 22-12-02 Os fatores que ajudaram a consolidar o novo mapa da América Latina a nível dos consensos sociais – crises de legitimidade dos partidos políticos tradicionais, o fracasso do modelo neoliberal e a aparição de novas figuras que se apresentam nos processos eleitorais como “solução” – têm seu correlato numérico nos dados estruturais do subcontinente. Assim se depreende do Balanço Preliminar das Economias da América Latina e Caribe 2002, publicado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). O desemprego na região É sabido que entre os elementos que geraram ceticismo e desesperança nas novas gerações se encontra a tendência mundial ao desemprego, do qual a América Latina é, provavelmente, o caso mais contundente, e a precarização do trabalho como

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44 conseqüência da flexibilização do trabalho. O informe do CEPAL indica que, neste último ano, a taxa de desemprego na região se elevou de 8,4% da força de trabalho ao recorde histórico de 9,1%. Nos países que atualmente protagonizam um redirecionamento político na região – Venezuela, Equador e Brasil – o índice do desemprego seguiu a tendência regional: na Venezuela chegou aos 16% (três pontos percentuais a mais do que o ano passado) e no Brasil chegou a 7% (um ponto a mais que em 2001). Não obstante haver passado por um ano eleitoral e não haver obtido ainda a tão apreciada estabilidade econômica que supostamente veria com a dolarização, o Equador conseguiu diminuir seu índice de desemprego de 10% no ano passado para pouco mais de 8% durante 2002. A informalidade explode O crescimento das economias informais é outro vértice do fenômeno da extinção do que, em alguma época, foi o projeto econômico e social do pleno emprego. Um dos países com maior incidência do setor informal é a Venezuela, onde 50% da população economicamente ativa se ‘vira’ por fora do sistema oficial do trabalho. Mas é, sem dúvida, a Argentina, o país que maior crescimento experimentou no setor informal de sua economia, como conseqüência da crise. Uma pesquisa realizada pelo governo portenho indica que o número de cartoneros (catadores de papel) cresceu 67% no último ano. Esta quantificação do fenômeno – somada à campanha oficial para se colocar ‘papéis’ e resíduos orgânicos em diferentes lixos – é uma das primeiras tentativas do país em institucionalizar atividades informais frente a uma situação que excede às autoridades. É um exemplo do que, em maior escala, fez Hugo Chávez na Venezuela, mediante a concessão de pequenos créditos aos vendedores ambulantes e a outros trabalhadores informais. Crescimento pífio Outro dos dados priorizados pelo informe da CEPAL é aquele que estima que a atividade econômica regional cairá 0,5% durante 2002. No contexto desse cenário, se encontram as economias argentina, venezuelana e uruguaia como as mais afetadas, enquanto os demais países mostram um estancamento em seu PIB. O crescimento por habitante foi negativo em 2002, indica o informe: na Argentina, foi de 12%, na Venezuela, de 9% e no Equador, de 1,5%. O crescimento total da América Latina foi de 2%. América Latina: 214 milhões de pobres Porém a pobreza segue sendo a variável da análise mais dramática. O Panorama Social da América Latina 2001-2002, também da CEPAL, assinala que, entre 1997 e 2001, o número de pobres na região aumentou em mais de dez milhões: há cinco anos, havia 203 milhões de latino-americanos pobres, em 2001, a cifra ascende a 214 milhões, sobre um população total ao redor de 508 milhões. Entre os países com maiores índices de pobreza, se encontram Honduras (80%), Paraguai (64%), Bolívia (63%), Equador (60%), Colômbia (55%), Venezuela (51%) e a Argentina (ao redor de 50%). Justamente um dos desafios que Lula assumiu foi o de priorizar, no Brasil, a luta contra a fome. A fome, outra das tendências latino-americanas, outra conseqüência da ausência do Estado.

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