Gomes, C., Jesus, C. (2013) Chronic Wounds in Palliative Care. Journal of Aging & Inovation, 2 (2): 03-15
REVISÃO NARRATIVA / NARRATIVE REVIEW
ABRIL, 2013
FERIDAS CRÓNICAS EM CUIDADOS PALIATIVOS CHRONIC WOUNDS IN PALLIATIVE CARE HERIDAS CRÓNICAS EN PALIATIVOS
Autores
Cláudia Gomes1, Cristiana de Jesus2 1Enfermeira,
Hospital Curry Cabral 2Enfermeira, Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
Corresponding Author: claudiapsgomes@gmail.com
“…não é morrer que é difícil; não é preciso talento nem compreensão para morrer. Toda a gente o faz. O que é difícil, é viver, viver até à morte…” (Kübler-Ross, 1985,p.106).
Resumo Este artigo consiste numa revisão da literatura acerca das feridas crónicas em Cuidados Paliativos (CP) e intervenções de Enfermagem no tratamento destas, visando a uniformização dos Cuidados de Enfermagem à pessoa com ferida crónica em CP. As úlceras de pressão e as feridas malignas são as mais comuns em CP. O seu tratamento foca-se no controlo de sinais e sintomas, tendo como objectivos: minimizar o sofrimento físico e psicológico e a promoção da qualidade de vida da pessoa e família. Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Ferida Maligna; Úlcera de Pressão; Cuidados de Enfermagem
Abstract This article is a review of the literature on chronic wounds in Palliative Care (PC) and Nursing Interventions for the treatment of these, aiming at standardization of nursing care to people with chronic wounds in CP. Pressure ulcers and malignant wounds are most common in CP. Their treatment focuses on controlling symptoms and signs, with the objectives to minimize the physical and psychological suffering and promote quality of life of the patient and family. Keywords: Palliative Care; Malignant Wound; Pressure Ulcer; Nursing Care
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1. CUIDADOS PALIATIVOS
apoio específico, organizado e interdisciplinar” (DIRECÇÃO GERAL DE SAÚDE
“Os cuidados paliativos surgiram do sentimento
(DGS), 2004, p.7).
de impotência comum aos profissionais de
Os CP possuem quatro pilares essenciais
saúde face a doentes reconhecidos como
que suportam a sua actuação, sendo estes: o
incuráveis e da sua preocupação em lhes
controlo de sintomas; a comunicação adequada;
prestar cuidados adequados durante o final da
o apoio à família e o trabalho em equipa
vida (…) mesmo após esgotadas as
(TWYCROSS, 2003; DOYLE, 2004; PNCP,
possibilidades de cura de um doente, há ainda
2004; NETO, 2006, p.21).
muito a fazer por ele” (PACHECO, 2002, p.102).
Apesar da clareza da definição dos CP, na
O modelo de “medicina curativa, agressiva,
prática, em termos de cuidados efectivos, ainda
centrada no «ataque à doença» não se coaduna
existe muita subjectividade. O desenvolvimento
com as necessidades deste tipo de pacientes,
médico-científico pode gerar intervenções
necessidades estas que têm sido
terapêuticas desadequadas às necessidades
frequentemente esquecidas” (ASSOCIAÇÃO
reais das pessoas, consideradas como fúteis,
PORTUGUESA DE CUIDADOS PALIATIVOS,
porque adiam a morte e podem levar ao
2006, p.1).
desenvolvimento de sentimentos de agonia
O termo paliativo deriva do étimo latino
(LIMA, 2006).
pallium, que significa manto, capa. Definem-se
“muitos enfermeiros sentem culpabilidade
CP como “ os cuidados activos e totais aos
quando os doentes desenvolvem escaras,
pacientes com doenças que constituam risco de
recriminando-se por não terem sido
vida, e suas famílias, realizados por uma equipa multidisciplinar, num momento em que a doença do paciente já não responde aos tratamentos curativos que prolongam a vida” (TWYCROSS, 2003, p.16).
suficientemente vigilantes para as prevenir. Quando a morte do doente parece inevitável, estes mesmos enfermeiros têm por vezes tendência ao encarniçamento terapêutico sobre as escaras no desejo de se redimirem de uma omissão ou de uma falta. Parecem incapazes de
Os CP, passaram a ser recomendados pela
realizar {apenas} cuidados de
Organização Mundial de Saúde no início da
manutenção” (SOCIEDADE FRANCESA DE
década de 90, tendo esta os definido como “ as
ACOMPANHAMENTO E DE CUIDADOS
medidas activas para doenças não curáveis cujo
PALIATIVOS (SFACP), 1999, p.161).
objectivo é conseguir a melhor qualidade de
A obstinação terapêutica consiste nos
vida possível controlando os sintomas físicos,
procedimentos diagnósticos e terapêuticos
psíquicos e as necessidades espirituais do
excessivos, desadequados e inúteis face à
utente” (NIDO et al, 2006). Estes cuidados
situação evolutiva e irreversível da doença e
dirigem-se aos doentes que “não têm
que podem causar sofrimento acrescido à
perspectiva de tratamento curativo; têm rápida
pessoa e família e transformar a fase final da
progressão da doença e com expectativa de
vida num longo e doloroso processo de morrer
vida limitada; intenso sofrimento e problemas e
(DGS, 2004; LIMA, 2006, p.81). A sua
necessidades de difícil resolução que exigem
ocorrência diária nos cuidados de saúde deve-
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se a negação social da morte, sensação de
modernos de cicatrização não são essenciais,
fracasso médico, sacralização da vida e
pelo que, mais importante é pensar a pessoa
deficiente formação sobre o fim da vida (LIMA,
com ferida.
2006).
Em CP, as feridas resultam, na sua maioria,
De acordo com o Código deontológico de
do avanço da doença e do mau estado geral. As
Enfermagem, mais concretamente o Artigo 82º -
feridas com maior prevalência são as úlceras de
“o enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à
pressão, seguidas das feridas malignas e, mas
vida durante todo o ciclo vital, assume o dever
em menor percentagem, as radiodermatites e
de: (…) recusar a participação em qualquer
fístulas (ALVAREZ et al, 2007, p.1162; NAYLOR,
forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou
2005, p.574).
degradante” (ORDEM DOS ENFERMEIROS, 2009). Por sua vez, a Carta dos Direitos do
Uma Úlcera de Pressão (UPr) é “uma lesão
Doente Internado também cita que o doente tem
localizada na pele e/ou no tecido subjacente,
direito a “ receber os cuidados apropriados ao
geralmente sobre uma proeminência óssea,
seu estado de saúde” no qual nomeia os
como resultado da pressão, ou pressão em
cuidados “terminais e paliativos” e diz ainda que
combinação com deslizamento” (EUROPEAN
estes cuidados “ devem integrar uma
PRESSURE ULCER ADVISORY PANEL, 2009,
componente sócio-afectiva especial que deve
p.7).
ser assegurada por todo o pessoal” (DGS, sd). Segundo o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (1995), quando seja claro que a recuperação não é possível, é ético a interrupção de tratamentos, em particular quando causam sofrimento, ainda que esta interrupção encurte o tempo de vida. A terapêutica fútil deve dar lugar aos CP, de forma que a morte eminente possa acontecer em paz e com dignidade (LIMA, 2006). 2. FERIDAS EM CUIDADOS PALIATIVOS O tratamento de feridas é uma área fulcral no cuidar da pessoa em fase paliativa. Dado o baixo potencial de cura e de esperança de vida, a cicatrização torna-se um objectivo irrealista. Neste âmbito, o tratamento de feridas foca-se no controlo de sintomas relacionados com a ferida e manutenção ou melhoria da qualidade de vida da pessoa. Por vezes, os princípios JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951
Figura nº1: Úlcera de Pressão de Categoria IV na região trocantérica
As UPr “são, no que concerne à pele, o problema com que a equipa de saúde mais frequentemente se debate ao cuidar do doente em fase terminal.” (NETO, 2006, p.348). Estas “constituem um problema frequente em doentes debilitados e imobilizados e são causadoras de
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desconforto importante, de dor e mau cheiro” (GONÇALVES, 2002, p.202). Para Corner (1989), citado por Galvin (2002), o aparecimento de UPr, em pessoas em fase terminal, é inevitável, devido à deteorização da integridade cutânea. A pessoa, apresenta vários factores de risco, que podem levar à perda de integridade cutânea. Esses factores podem ser extrínsecos, como a pressão, o cisalhamento, fricção, a humidade prolongada, provocada pela sudorese e a incontinência; e intrínsecos como a alteração do estado geral, a desnutrição, a desidratação, a perda de autonomia, a astenia, entre outros (SFACP, 1999, p.162). Chaplin (1999) e Henoch e Gustafsson (2003) definiram critérios específicos, que são: estado da pele enfraquecida; idade avançada; imobilidade; diminuição da ingestão de líquidos e sólidos; humidade; alterações sensoriais e mau estado geral (NAYLOR, 2005). As Feridas Malignas resultam da infiltração das células malignas nas estruturas da pele por via linfática, sanguínea ou directamente do tumor primário, com “proliferação celular descontrolada, que é provocada pelo processo de oncogénese” (INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, 2009, p.11). Surgem com maior frequência em pessoas na faixa etária dos 60-70 anos e nos últimos seis meses de vida (IVETIC e LYNE, 1990; HAISFIELD-WOLTE e RUND, 1997 citado por DOWSETT, 2002, p.394).
Figura nº2: Ferida Maligna. (Fonte de: FIRMINO Flávia, ARAUJO, Diva F. e SOBREIRO, Veronica [s.d] – O controlo do odor em feridas tumorais através do uso de metronidazol: um levantamento bibliográfico. Primer Simposio Virtual de Farmacologia del dolor. [Acedido a 28.12.10]. Disponível em: http://www.simposiodolor.com.ar/)
Cerca de 5 a 10% das pessoas oncológicas possuem feridas malignas, decorrentes do tumor primário ou tumores metastizados (FIRMINO, 2005; HAISFIELD-WOLTE e RUND, 1997 citados por DOWSETT, 2002). Segundo Thomas (1992), as feridas malignas surgem, mais frequentemente, em tumores da mama, pele e cabeça e pescoço (CHAPLIN, 2004). A ferida maligna surge como um nódulo que, vai evoluindo, ao longo dos estadios seguintes, para uma lesão ulcerosa, com exsudado abundante, odor intenso, que pode ser facilmente sangrante e provocar dor (POLLETTI et al, 2002). Devido aos factores de crescimento produzidos pelas células tumorais, o tumor cresce e aumenta a sua rede neovascular, provocando pressão sobre os tecidos, levando a um desequilíbrio fisiológico que leva a hemorragia da ferida. A presença de exsudado abundante nas feridas malignas pode dever-se: ao facto do tumor ser muito permeável ao fibrinogénio e ao plasma; de muitos tumores secretarem um factor de permeabilidade
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vascular e ao elevado número de
Em CP, deparamo-nos com o dilema de quando
microrganismos anaeróbios na superfície das
a qualidade de vida e o conforto da pessoa são
lesões, quando infectadas, sendo estes os
prioritários à prevenção e à efectividade do
responsáveis pelo odor (GOMES, CAMARGO,
tratamento (CHAPLIN e MCGILL, 1999;
2004, p.213).
DEALEY, 1999 citada por GALVIN, 2002). Segundo Saunders e Regnard (1989), citados
Estadios
Definição
por Naylor (2005), o “tratamento deve ser realista e aceite pelo utente e cuidadores. Se o tratamento não promover a qualidade de vida ou
I
Ferida fechada
II
Envolve a derme e a epiderme
essencial para a qualidade de cuidados,
Feridas espessas que envolvem o
procurar identificar as expectativas, os medos e
III
IV
tecido subcutâneo Feridas que invadem estruturas anatómicas profundas
Quadro nº 1: Classificação das Feridas Malignas (GOMES e CAMARGO, 2004).
sensação de bem-estar, deve ser mudado.” É
as prioridades da pessoa de forma a envolve-la no tratamento da ferida (CHAPLIN, 2004, p.39). Neste contexto, as metas do tratamento de feridas em CP devem passar pelo controlo de sintomas e promoção do conforto (NAYLOR, 2005, p.574). Moody e Grocott (1993) definiram como objectivos do tratamento de feridas: o
A cicatrização neste tipo de feridas é muito
conforto; a qualidade de vida; o controlo de
improvável, uma vez que está relacionada com
sintomas e a promoção da confiança e uma
a evolução da patologia primária (NAYLOR,
sensação de bem-estar (HAYNES, 2008).
2005).
Alvarez et al (2007) estabeleceram a
As feridas malignas têm um grande impacto na
Mnemónica SPECIAL para os princípios do
vida da pessoa, não só pelas alterações
tratamento de feridas em CP (Quadro nº 2).
significativas que provoca na auto-imagem, como também, na sua vida social e na
S
Stabilize the Wound
(GOMES e CAMARGO, 2004). Por outro lado,
P
Prevent New Wounds
encontram-se muitas vezes associados
E
Eliminate Odor
C
Control Pain
I
Infection Prevention
A
Absorb Exudates
L
Less Dressing Changes
realização das suas actividades de vida diárias
sentimentos como a vergonha, estigma e inutilidade (ALVAREZ et al, 2007; DEALEY, 2001; PIGGIN, 2003). Assim, os cuidados à pessoa com ferida maligna devem incluir o controlo de sintomas e a avaliação dos problemas psicossociais que surgem com a progressão da doença (POLLETTI et al, 2002). 2.1. PRINCIPIOS DO TRATAMENTO DE FERIDAS EM CUIDADOS PALIATIVOS JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951
Quadro nº 2: Mnemónica SPECIAL para os Princípios do Tratamento de Feridas em Cuidados Paliativos (ALVAREZ et al, 2007)
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Naylor (2005) define como os princípios básicos
pensos, como o hidrocoloide e os alginatos
para o modo de actuação de feridas crónicas
podem também levar à produção de odor
em CP: a prevenção do desenvolvimento de
(FLETCHER, 2008, p.15).
feridas ou a sua deteorização; corrigir ou tratar a
Para Grocott (2002), o tratamento do odor
causa subjacente da ferida para promover um
consiste em três elementos: o metronidazol
ambiente propicio à cicatrização e/ou reduzir o
tópico ou antimicrobianos; o metronidazol
impacto dos sintomas; controlo de sintomas;
sistémico e pensos com carvão activado.
utilizar a auto-avaliação; promover um
O carvão activado é uma substância com
acompanhamento psicológico, particularmente
elevada capacidade de absorção de vários tipos
se a ferida altera a imagem corporal e estado
de compostos, pelo que adsorve as moléculas
emocional; promover a independência e a
de odor, impedindo a sua libertação (DRAPER,
qualidade de vida.
2005). O metronidazol gel (0,75%- 0,8%), ou solução tópica aplicado sobre o leito da ferida, actua
2.1.1. CONTROLO DE SINAIS E SINTOMAS
directamente sobre as bactérias anaeróbias, responsáveis pela produção de ácidos voláteis
À medida que o quadro clínico da pessoa se
causadores de odor. Uma vez dentro da célula,
agrava, ocorre uma deteorização progressiva da
pelo processo de captação e activação
ferida, sendo comum, o aparecimento de
intracelular, exerce as suas propriedades
sintomas que podem ser de difícil controlo, tais
citotóxicas, interagindo com o DNA e levando à
como, o odor, elevados níveis de exsudado, dor
morte celular (NAYLOR, 2005, p.575; POLETTI
e hemorragia (NAYLOR, 2005, p.575).
et al, 2002). O seu efeito no leito da ferida está, então, relacionado com a eliminação da
ODOR
infecção causada por microorganismos
Considerado pela literatura como o sintoma
anaeróbios e consequente efeito desodorizante
mais difícil de controlar e com maior impacto
(ALVAREZ et al, 2007). Não deve ser utilizado
negativo na pessoa, despoleta sensação de
com outros geles devido à interacção potencial
enojamentos e de isolamento social (FIRMINO,
com outros produtos (DOWSETT, 2002).
2005).
O metronidazol sistémico é também eficaz,
O odor nas feridas, em CP, pode ocorrer como
contudo o seu uso prolongado pode resultar no
parte do processo normal de cicatrização e
aparecimento de efeitos secundários
deriva do metabolismo bacteriano, que produz
gastrointestinais (náuseas, diarreia, anorexia,
cadeias de ácidos gordos voláteis (HAYNES,
distúrbios epigástricos e dor abdominal) e
2008; FLETCHER, 2008). Segundo Gardner et
neurotoxicidade (tonturas, vertigens e ataxia).
al (2001), não é sinónimo de infecção, mas pode
No entanto, as feridas com mau aporte
indicar a sua presença ou ainda de tecido
sanguíneo podem diminuir a sua eficácia bem
desvitalizado e necrosado, sinus tractus e
como a utilização em simultâneo com outro
fístulas no leito da ferida, acrescenta Wuwhs
antibiótico (NAYLOR, 2005; PIGGIN, 2003).
(2007) (ADDERLEY, 2010). Determinados JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951
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Em CP, os objectivos do tratamento de feridas é
frequentemente hemorrágico e sem vantagens
eliminar o tecido inviável e gerir a carga
reais.”
bacteriana, de modo a reduzir o odor, o
A literatura sugere ainda outros métodos para o
exsudado e a lesão da pele perilesional
controlo do odor, tais como pensos mais
(GROCOTT, 2007). O desbridamento é
oclusivos, que ao permitem menores trocas
essencial no tratamento de feridas, no entanto,
gasosas, diminuem a percentagem de libertação
em CP pode não ser fundamental e “é,
de moléculas de odor e a aplicação de apósitos
frequentemente, nas situações de feridas com
antimicrobianos, tais como pensos impregnados
tecido necrosado que a decisão se torna mais
com prata, iodo e mel (GOMES e CAMARGO,
complexa”: deverá fazer-se desbridamento
2004). Contudo, dado o aumento das doenças
mecânico? Deverá limpar-se até chegar a uma
crónicas e consequentemente dos gastos em
zona tecidular sã? Para que resultados
saúde, é pertinente questionar se é ético gastar
esperados a curto prazo? Existe esperança de
recursos, quando não existe esperanças de
uma melhoria significativa do conforto ou de
cura, ou seja, dado o mau estado geral da
cicatrização à altura do peso dos cuidados
pessoa e a impossibilidade de cicatrização da
empreendidos? (SFACP, 1999, p.164)
ferida em fim de vida, devemos utilizar pensos
Segundo a Agency for Health Care Policy and
antimicrobianos? Quais os custos-benefícios?
Research (AHCPR) “qualquer tecido necrótico
Um dos princípios éticos fundamentais no
observado durante a avaliação inicial ou
contexto de cuidados de saúde é a justiça, a
subsequente deverá ser desbridado, desde que
exigência de equidade universal, que pressupõe
a intervenção seja consistente com os
a existência de recursos disponíveis suficientes
objectivos globais do tratamento e condições
para todos, o que não se verifica na realidade
clínicas do paciente”. Existem algumas
portuguesa (THOMPSON, MELIA e BOYD,
situações em que não é recomendado o
2004). Assim, será justo aplicar a justiça
desbridamento tais como em “feridas
distributiva em CP, mais concretamente, utilizar
isquémicas com necrose seca” e em pessoas
recursos monetários elevados, quando a
“fora de possibilidades terapêuticas que
cicatrização é irrealista? ou deverá o conceito
possuem úlceras com presença de escaras, que
de justiça distributiva ser substituído pela forma
ao desbridar pode promover desconforto, dor, e
equitativa, cabendo a cada profissional de
devido às condições clínicas, não disporá de
saúde cuidar de cada pessoa de forma mais
tempo
justa possível, gerindo os recursos disponíveis?
e
condições
para
a
cicatrização” (BLANES, 2004). A SFACP (1999)
A realização de penso diário é também
acrescenta que, “quando a morte é eminente ou
identificada como uma opção no controlo do
a esperança de vida é curta (...) Os cuidados
odor, uma vez que, previne a acumulação de
prestados são para manter a limpeza local, para
exsudado (NAYLOR, 2005). Mas segundo
favorecer o conforto do doente até à morte e
Dealey (2001), a opção por um tratamento
para evitar uma infecção (…) Para além disso, o
paliativo implica a necessidade mínima de troca
desbridamento mecânico é doloroso,
de penso, dado que o grande objectivo dos CP é minimizar a dor e o sofrimento físico e
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psicológico, a realização frequente do penso
pelo que se sugere a sua diluição (GOMES e
não será uma obstinação terapêutica?
CAMARGO, 2004).
A limpeza da ferida deve ser sempre feita por
Feridas com hemorragia moderada a elevada,
irrigação, podendo ser realizada com água
deve-se optar pela aplicação de pressão local,
potável, em alternativa à solução salina, visto
hemostáticos tópicos ou acido aminocapróico
ser uma opção económica e que não traz efeitos
(NAYLOR, 2005, p.575).
nocivos para a ferida. EXSUDADO HEMORRAGIA
O controlo do exsudado reduz o odor, protege a
A hemorragia capilar pode gerar ansiedade quer
pele perilesional, aumenta o conforto da pessoa
para a pessoa e família, quer para o enfermeiro.
e melhora a sua auto-estima (GOMES e
Primariamente, deve-se prevenir o trauma nos
CAMARGO, 2004; ALVAREZ, et al, 2007). A sua
tecidos presentes no leito da ferida, que resulta
gestão requer um equilíbrio entre a absorção de
em hemorragia dos mesmos, através da
exsudado e a manutenção de um ambiente
humidificação do penso antes da sua remoção,
húmido (NAYLOR, 2005). Como opção, pode-se
da limpeza do leito da ferida por irrigação e da
aplicar pensos absorventes, tais como os
aplicação de pensos não aderentes (NAYLOR,
espumas de poliuretano, hidropolímeros,
2005).
alginato de cálcio, a carboximetilcelulose sódica
Em feridas sangrantes, o alginato de cálcio é o
e o carvão activado.
material de primeira escolha especialmente se
A literatura avança com outra opção, a aplicação
estas se apresentarem exsudativas. Este ao
de compressa nas feridas crónicas em CP. O
absorver o exsudado forma um gel viscoso, em
uso da compressa em feridas é completamente
resultado de um processo físico de troca de iões
contra-indicada, uma vez, que é interpretada
cálcio presentes no penso e iões sódio
como uma plataforma de migração celular pelas
presentes no exsudado da ferida. Durante este
células vasculares endoteliais, e aquando da
intercâmbio, o alginato de cálcio fornece cálcio
sua remoção provoca desbridamento mecânico
ao leito da ferida, possuindo assim propriedades
e deixa resíduos no leito da ferida (factor de
hemostáticas, para além de promover o alívio da
cronicidade) que podem desencadear uma
dor, através da criação de um ambiente húmido,
inflamação prolongada, comprometendo o
que por sua vez, humedece as terminações
processo de cicatrização (GOMES e
nervosas, evitando a propagação de estímulos
CAMARGO, 2004; DEALEY, 2001, p.137). Mas
dolorosos (POLETTI et al, 2002; GOMES e
se a cicatrização é um objectivo irrealista, numa
CAMARGO, 2004).
pessoa em fim de vida, porque não aplicar
O uso de adrenalina no leito da ferida
compressas no leito da ferida? Que
também está indicado (POLETTI et al, 2002;
desvantagens acrescentará à cicatrização da
DEALEY, 2001), contudo de forma cuidadosa,
ferida? Quais os custos-benefícios na aplicação
uma vez que, pode originar necrose isquémica,
de apósitos?
dado tratar-se de um potente vasoconstritor,
Proteger os bordos da ferida e a pele perilesional com um produto barreira, como por
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exemplo o Óxido de Zinco e a película
Na maioria das feridas com sinais de infecção
polimérica, é essencial. Na prática, as pessoas
locais, o uso de antimicrobianos tópicos é
referem menos dor na pele perilesional, uma
suficiente para o seu controlo, devendo a sua
vez que esta se encontra protegida contra os
aplicação ser cessada após o tratamento da
agentes irritantes (FIRMINO, 2005).
infecção (HAYNES, 2008). No caso, de existir sinais de uma infecção sistémica o uso de
DOR
antibioterapia oral ou intravenosa deve ser
A escolha do penso adequado é fundamental,
considerado (MCDONALD e LESAGE, 2006, p.
de forma a reduzir o trauma e a dor na sua
292). Firmino (2005) reforça que se deve
remoção (POLETTI et al, 2002). A aplicação de
instituir-se antibioterapia sistémica quando a
pensos semi-oclusivos criam um ambiente
tópica for insuficiente e a pessoa apresentar
húmido, evitando a sua substituição frequente, e
sinais clínicos de infecção local intensa e
consequentemente a diminuição da dor e do
sistémica. Mas mais uma vez, levantamos
desconforto, uma vez que, humedece as
algumas questões: o uso de antibióticos trará
terminações nervosas, como já foi referido
vantagens para a pessoa? Face aos seus
anteriormente (GOMES e CAMARGO, 2004).
custos e à esperança de vida da pessoa, será
Aquando da realização do penso, deve
importante a sua utilização?
administrar-se previamente um analgésico. O uso tópico de opióides é efectivo em dor
MATERIAL DE PENSO
resultante de úlceras (NAYLOR, 2005, p.577). A
Em CP, o penso não deve ser escolhido apenas
aplicação de morfina tópica e de outros opióides
de acordo com as características físicas da
no leito da ferida é controversa e ainda se
ferida, mas também pelo aspecto e conforto
encontra em estudo, bem como a sua
para a pessoa, conforme já aludido (NAYLOR,
associação com o metronidazol gel e com o
2005, p.572). “O penso adequado é aquele que
hidrogel (GOMES e CAMARGO, 2004;
controla a dor, absorve o exsudado e reduz a
MCDONALD e LESAGE, 2006, p.293).
necessidade de mudança” (ALVAREZ et al,
Adoptar terapias complementares como
2007, p.1175). Realizar um penso efectivo,
técnicas de relaxamento, musicoterapia,
confortável ao utente e esteticamente aceitável
distracção e visualização, acupuntura e hipnose,
torna-se um desafio para a Enfermagem
pode ser uma opção (NAYLOR, 2005, p.577;
(FIRMINO, 2005).
MCDONALD e LESAGE, 2006).
Pensos volumosos devem ser evitados de forma
Em suma, a gestão/controlo da dor requer
a manter a anatomia, a estética e o conforto. O
intervenções cuidadosas, administração de
uso de redes tubulares pode ser uma boa opção
fármacos, monitorização da dor e apoio
para fixar o penso, não só, porque permitem um
psicológico.
fácil acesso à ferida, como também não provocam danos na pele perilesional. O adesivo
INFECÇÃO
deve ser usado com precaução, uma vez, que
A presença de infecção aumenta a quantidade
pode ser um agente causador de dermatites de
de exsudado, o odor e a dor (HAYNES, 2008).
contacto e, a sua remoção pode provocar dor.
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Quando não existirem opções à sua utilização,
consideramos que a cada intervenção de
deve optar-se por adesivos hipoalergicos
Enfermagem em CP, torna-se essencial
(GOMES e CAMARGO, 2004).
questionar: Existe esperança de uma melhoria significativa do conforto e qualidade de vida ou
Características da ferida
de cicatrização face ao peso dos cuidados Material de Penso
empreendidos? Assim, a abordagem à pessoa com ferida
Odor
Metronidazol Tópico Metronidazol Sistémico Carvão Activado Antimicrobianos Tópicos
crónica, em CP, deve passar por cuidados individualizados, que minimizem o desconforto e os problemas sociais, psíquicos e emocionais que podem surgir, e que promovam o bem-estar
Infecção
Antimicrobianos Tópicos
Hemorragia
Alginato de Cálcio
Exsudado
Alginato de Cálcio Carboximetilcelulose Sódica Carvão Activado Espumas de Poliuretano Hidropolímero
Quadro nº 3: Quadro resumo de material de penso
e a melhoria da qualidade de vida.
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1.3. CONCLUSÃO Os princípios do tratamento de feridas, em CP centram-se no controlo de sinais e sintomas nomeadamente do odor, do exsudado, da infecção, da dor e da hemorragia, promovendo a qualidade de vida e o bem-estar da pessoa, em detrimento de medidas agressivas. A pessoa e a família devem ser agentes participativos no cuidar, estando a sua vontade, o seu conforto e auto-imagem na linha da frente. Na literatura, a abordagem de feridas crónicas n a p e s s o a e m C P, n o m e a d a m e n t e a s intervenções de enfermagem são ainda muito vagas, não dando resposta a questões morais,
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