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Callado A. (2020) Emotional Labour In Pediatric Nurse, Journal of Aging & Innovation, 9 (2): 18- 29 Revisão Integrativa: Callado A. (2020) Emotional Labour In Pediatric Nurse, Journal of Aging & Innovation, 9 (2): 18- 29

 Revisão Narrativa da Literatura

Trabalho Emocional Na Enfermagem Pediátrica Trabajo Emocional En Enfermería Pediátrica Emotional Labour In Pediatric Nurse Ana A. Póvoa Callado RN, CNS, a exercer Funções de Chefia na USF Ribeiro Sanches – ACES Amadora, Lisboa; Assistente Convidada na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa Corresponding Author: anapovoacallado@gmail.com Resumo As emoções são parte integrante da profissão de enfermagem, elas são sentidas e orientam o agir do enfermeiro. Como profissão, a enfermagem está ligada ao conceito de cuidar, implicando interação entre o cuidador e o alvo dos cuidados, ou seja, o contacto com emoções intensas e perturbadoras. Da mesma forma, no cuidar da criança/ família, o trabalho de enfermagem é caracterizado muitas vezes por tensão e emoções intensificadas. Assim, as instituições de saúde esperam que os seus funcionários consigam regular as suas emoções, especialmente aquelas com forte impacto negativo. Este conceito pode ser entendido como trabalho emocional. Este requere a transmissão ou a não transmissão de emoções/ sentimentos com a intensão de produzir um determinado resultado nos outros, nomeadamente a sensação de estar protegido, num lugar seguro. Reconhecer que os profissionais de enfermagem devem ser competentes na regulação das suas emoções é uma verdade incontornável. Uma revisão narrativa da literatura poderá ser um valioso contributo para melhorar o nosso conhecimento sobre que estratégias utilizam os enfermeiros na sua prática clínica em pediatria, como forma a manter a qualidade dos cuidados prestados. Para tal realizámos em pesquisa em bases científicas e analisámos artigos de relevante interesse. Os resultados evidenciam a necessidade de se regular as emoções no processo de cuidar, recorrendo os enfermeiros à reflexão, partilha com os seus pares, e o desenvolvimento de competências emocionais, a par das técnicas, como estratégias que precedem a realização de trabalho emocional. Palavras-chave: Trabalho Emocional; Cuidados de Enfermagem; Pediatria.

Abstract Emotions are an integral part of the nursing profession, they are felt and they guide the actions of the nurse. As a profession, nursing is connected to the concept of caring, implying interaction between the caregiver and the care target, i.e. contact with intense and disturbing emotions. Similarly in child/family care, nursing work is often characterized by an intensification of emotions and stress. Thus, health institutions expect their employees to be able to regulate their emotions, especially the ones with a strong negative impact. This concept can be understood as emotional work. It requires the transmission or the non-transmission of emotions/feelings with the intention of producing a particular result in others, namely the feeling of being protected in a safe place. The recognition that nurses should be competent in their emotional regulation is an inescapable truth. A narrative review of the literature can be a valuable contribution to improve our knowledge about which strategies nurses use in their clinical practice in pediatrics, in order to maintain the quality of care provided. To this end, we carried out research on scientific bases and analyzed articles of relevant interest.The results show the need to regulate emotions in the caring process, leading nurses to reflection, sharing with their peers, developing emotional skills, along with the techniques, as strategies that precede the performance of emotional work. Keywords: Emotional Labour; Nursing Care; Pediatric.

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INTRODUÇÃO

As emoções são a base da nossa vida. Elas funcionam como um filtro de perceções, afetando as nossas decisões conscientes e, muitas vezes, levam-nos a tomar decisões que não sabemos justificar. Por vezes, sentimos emoções que não conseguimos conter, o que nos pode colocar em situações difíceis de gerir. Estas variam de acordo com a cultura, sexo e idade (Lazányi, 2010). As emoções são parte integrante da profissão de enfermagem, são inerentes ao seu desempenho profissional, o que justifica que seja necessário tomarmos consciência delas quando estabelecemos uma relação com os utentes de quem cuidamos. As emoções são sentidas e orientam o agir do enfermeiro, pelo que se torna importante perceber com os enfermeiros perspetivam e desenvolvem a experiência humana do ‘sentir’, enquanto instrumento de cuidados (Diogo, 2006). Reconhecer que os profissionais de enfermagem devem ser competentes, no que respeita a lidar com as suas emoções e as dos outros, é uma verdade incontornável, pelo que se torna, então, importante compreender como gerem os enfermeiros as suas emoções, sabendo que cuidar provoca, necessariamente, nos enfermeiros emoções e sentimentos intensos e muito diferentes. A enfermagem como profissão está desde o seu início ligada ao conceito de cuidar, incitando nos seus profissionais uma necessidade constante de desenvolver competências nesta área com vista à prestação de cuidados de excelência. Para Mercadie (2004), cuidar implica interação entre o cuidador e o alvo dos cuidados, significa, portanto, o contacto com todo um conjunto de emoções intensas e perturbadoras, também elas suscitando emoções e sentimentos no profissional que cuida do binómio criança/ família. A existência de profissionais de saúde emocionalmente competentes pode mesmo afetar os doentes, criança e família, na forma como estes se encaram assim como à sua doença, ou mesmo interferir no processo de cura (Lazányi, 2010). Assim, as instituições de saúde esperam que os seus funcionários consigam gerir as suas emoções, especialmente aquelas com forte impacto negativo, ou que consigam abstrairse dessas emoções “deixando-as à porta” do trabalho. Ainda segundo Lazányi este conceito pode ser entendido como trabalho emocional. O trabalho emocional surge como uma exigência em muitas profissões e, de acordo com Hoschschild (1983), consiste na gestão das emoções para que estas não sejam transmitidas com a face e na linguagem corporal, de forma a corresponder às expectativas do trabalho (Smith & Gray, 2001; Henderson, 2001). Este requere a transmissão ou a não

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transmissão de emoções/ sentimentos com a intensão de produzir um determinado resultado nos outros, que seria neste caso o sentimento de sentir-se cuidado e de estar num local seguro. Este tipo de trabalho, segundo a autora, requere uma coordenação muito grande entre a razão e sentimentos. Foi com Smith, em 1992, que o conceito de trabalho emocional foi aplicado na enfermagem. Smith refere, após analisar testemunhos de enfermeiras e estudantes de enfermagem, que se espera que elas (enfermeiras) consigam suprimir os seus próprios sentimentos, sejam capazes de estar sempre alegres e que consigam lidar com sentimentos muito diferentes, independentemente de quais são os seus próprios sentimentos (Henderson, 2001). Durante os atos de cuidar na enfermagem, surgem emoções individuais como resposta às circunstâncias do contacto com o outro, da relação que se estabelece entre ambos. Este estado emocional individual pode ser atenuado pela personalidade, expectativas ou por características pessoais. A vontade de se aproximar aos doentes pelas enfermeiras parece também estar relacionado com a oportunidade e o encorajamento fornecidos pelo local onde exercem, desenvolvendo estratégias para lidar com as emoções (Henderson, 2001). Trabalho emocional e aprender a cuidar permanecem implícitos nos serviços de saúde. Frequentemente o trabalho emocional não é totalmente reconhecido e é reduzido a outra categoria de cuidados em enfermagem (Smith & Gray, 2001). Como consequências do trabalho emocional, o trabalho emocional melhora a eficiência no trabalho, reduz a necessidade direta de controle e diminui os conflitos interpessoais (Lazányi, 2010), sendo estes aspetos apreciados pelas organizações. Porém, este restringimento da espontaneidade dos trabalhadores acarreta-lhes problemas negativos, com consequente manifestação somática ou psicológica (Lazányi, 2010). Após esta análise sobre o conceito de trabalho emocional e a sua relevância para a pratica clinica da enfermagem pode concluir-se que, apesar de ter nascido na área da Sociologia, o conceito de trabalho emocional pode ser entendido como o aspeto humano do cuidar na enfermagem (Huynh, Alderson & Thompson, 2008), uma vez que este cuidar é considerado a essência da profissão. No contacto com crianças doentes e com a sua família, o trabalho de enfermagem é caracterizado muitas vezes por tensão e emoções intensificadas. No modelo de cuidar transpessoal de Watson (1996), o cuidador respeita a sua subjetividade, o seu mundo interior, o seu “self”, assim como respeita essa mesma subjetividade, mundo interior e o “self” do outro, criando

condições

para

prestar

cuidados

humanizados.

Pode

dizer-se

que

a

transpessoalidade caracteriza este modelo teórico. No momento do cuidado, através de intencionalidade e da presença, há uma ligação entre quem cuida e quem é cuidado, para JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, AGOSTO, 2020, 9 (2)  ISSN: 2182-696X  http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i2-2

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que se desenvolva um cuidado global, que possa contemplar o ser na sua totalidade – mente, corpo, espírito – conduzindo ao bem-estar e à harmonia. O processo de cuidar é considerado, assim, um processo relacional, uma forma de comunicação e promove a libertação de sentimentos humanos (Watson, 2002a). Esta teórica considera importante o envolvimento pessoal, social, moral e espiritual dos enfermeiros no processo de cuidar. Assim, o cuidar gera a partilha de emoções, sendo que esta interação evoca nos próprios enfermeiros diversas e intensas emoções. No cuidar em pediatria, Diogo (2012) refere que os enfermeiros são “pais à disposição”, pois desenvolvem práticas de contar histórias com o intuito de minimizar o sentimento de solidão e medo nas crianças, utilizam o toque suave/ carícias para desenvolver nas crianças sentimentos de confiança no enfermeiro, modelam a voz com tons suaves e alegres enquanto a cuidam para que esta se acalme, acreditam que proporcionar divertimento aumenta a sensação de bem estar e que o brincar lhes dá a possibilidade de expressar medos, de libertar energias e de se relacionar com os outros. Neste sentido, o enfermeiro confronta-se de forma inevitável com sentimentos, tendo que lidar com a emotividade das situações de cuidados, sendo expectável que consiga colocá-las em segundo plano (Diogo, 2006). Na opinião de Watson (2002b), será importante que os enfermeiros se questionem sobre as experiências vividas e as singularidades dessas experiências, desenvolvendo conhecimentos relacionados com o cuidar humano, capacitando-se para melhor conseguirem estabelecer a relação de cuidar. Tendo em conta esta reflexão sobre a Teoria do Cuidado Transpessoal, a relação que os enfermeiros conseguem estabelecer com o outro dependerá de sua capacidade de compreender e detetar as emoções no outro e em si mesmo. Assim, propusemo-nos a realizar esta revisão narrativa da literatura com o objetivo de identificar que estratégias utilizam os enfermeiros durante a sua prática clínica em pediatria, de forma a manter a qualidade dos cuidados prestados.

METODOLOGIA

A pesquisa realizou-se nas bases de dados de dados científicas disponibilizadas na plataforma EBSCOhos: CINAHL Plus, MEDLINE e PSYCHOLOGY AND BEHAVIORAL SCIENCES COLLECTION, através dos termos descritores de pesquisa: “criança”, “cuidados de enfermagem”, “pediatria”, “trabalho emocional”, em texto completo e escritos em português, espanhol ou inglês. Consultámos ainda autores de enfermagem significativos sobre o tema, tais com Watson, Benner e Diogo. JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, AGOSTO, 2020, 9 (2)  ISSN: 2182-696X  http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i2-2

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Através da metodologia comparativa, descritiva e compreensiva, foi-nos possível analisar os artigos selecionados, identificando as estratégias de trabalho emocional utilizadas pelos enfermeiros.

RESULTADOS

Da leitura e análise de vários artigos que tiveram os enfermeiros como participantes sintetizamos os resultados que apresentamos seguidamente. De acordo com Maunder (2008) o grau de envolvimento dos enfermeiros com as crianças e suas famílias está relacionado com a experiência e a competência que esses enfermeiros já desenvolveram, dando assim maior importância ao envolvimento emocional com na experiencia de cuidar o outro. O autor identifica a existência de uma cultura comum de equipa, onde o sentimento de partilha e de pertença se tornam um suporte para as questões da emotividade no trabalho, dando suporte, encorajando e identificando áreas de fragilidade e que necessitam de intervenção em cada elemento da equipa. No seu artigo, Warner (2006) refere a importância do autoconhecimento, sendo que para a aplicação terapêutica do “self” será necessário que o enfermeiro tome consciência de si, analise os seus sentimentos, valores, atitudes e que reflita sobre as suas experiências passadas. Reforça que o desenvolvimento de competências inclui reconhecer as suas limitações, tornar-se consciente de si e assertivo e partilhar a emotividade vivenciada com os colegas. Sugere a importância da supervisão clínica como a estratégia que proporcionará manter a qualidade dos cuidados prestados em situações de emotividade elevada Também Hilliard e O´Neill (2010) abordam o impacto do trabalho emocional para os enfermeiros. Segundo os autores, promover uma relação de confiança com a criança canalizando as suas emoções no seu cuidar e dar suporte aos pais, permite manter o bemestar emocional dos enfermeiros. Os autores identificam os colegas como sendo habitualmente o suporte de cada um dos elementos da equipa, sentindo-se encorajados a partilhar as suas experiências. Sugerem, ainda, a importância da aprendizagem e o desenvolvimento de competências, sendo esta aprendizagem guiada pelos colegas mais experientes, sendo estes valorizados e servindo de modelo para os mais novos. Para O´Connell (2008), é de relevante importância o estabelecimento da relação terapêutica com o doente pediátrico. Para tal, é fundamental que os enfermeiros conheçam as suas crenças e valores, assim como o desenvolvam a capacidade de estabelecer relações. Esta relação é sustentada por uma comunicação eficaz, baseada na verdade e no compromisso. Identifica a utilização da reflexão e da supervisão clínica como as estratégias

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que podem facilitar o desenvolvimento da inteligência emocional necessária à manutenção destas relações com os doentes. Por outro lado, Ong (2005) considera relevante para o trabalho emocional dos enfermeiros a diminuição da diminuição da ansiedade das crianças internadas e da importância da comunicação estabelecida com a criança e sua família. Considera, ainda, importante privilegiar a prestação de cuidados emocionais, para além dos cuidados físicos, como tendo impacto na satisfação profissional do enfermeiro. Para Wallace (2010) é importante deixar que os familiares nos “ensinem” como desejam ser cuidados, adotando uma comunicação adequada, cuidando em parceria com os pais, envolvendo-os e não os substituindo. O autor considera fundamental o o cuidado emocional como competência dos enfermeiros. Pearson (2010) considera a importância da relação empática, baseada na verdade, através da qual o enfermeiro deve dar resposta às necessidades da criançae sua família. Refere que uma das redes de apoio mais importantes são os colegas, pois poder desabafar com alguém que partilha as mesmas experiências é muito benéfico. Por outro lado, é importante que os enfermeiros desenvolvam competências emocionais, a par do desenvolvimento das competências técnicas. Para tal, a autora estimula ao pensamento critico, à reflexão e ao debate sobre o cuidar de crianças em fim de vida. Por último, para Diogo, Vilelas, Rodrigues e Almeida (2015), consideram que a regulação emocional dos enfermeiros está ligada à experiência profissional e à perícia desenvolvida, sendo os enfermeiros peritos os que mais tendem a envolver-se emocionalmente com a criança e sua família, sendo, por isso, de grande relevância o desenvolvimento de uma prática de cuidados cada vez mais holística.

DISCUSSÃO

Com a análise dos artigos selecionados podemos constatar a importância da regulação emocional dos enfermeiros para que se mantenham capazes de prestar cuidados de enfermagem de qualidade, num contexto profissional pautado pela intensa e profunda carga emotiva a que estão expostos constantemente. Assim, trabalho emocional e cuidar em enfermagem caminham lado a lado. Efetivamente, vários são os artigos analisados que se referem aos sentimentos negativos dos enfermeiros, resultantes da prestação de cuidados á criança e sua família (Wallace, 2010; Maunder, 2008; Hilliard & O´Neill, 2010; Person, 2010; Diogo et al., 2015).

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A este respeito, Rispail (2003) considera que durante o processo de Cuidar em Enfermagem, por vezes, é-se confrontado com situações extremas onde os limites físicos e psicológicos, dos enfermeiros, são difíceis de gerir. Partindo desta constatação, são muitos os autores, dos artigos analisados, que consideram fundamental o estabelecimento de uma relação verdadeira, genuína, empática, terapêutica (Maunder, 2008; Warner, 2006; Hilliard & O´Neill, 2010; O´Connell, 2008; Pearson, 2010). A par do estabelecimento desta relação próxima e profunda, é referido o cuidar emocional como algo imprescindível no cuidar (Maunder, 2008; Wallace, 2010; Pearson, 2010; Diogo et al., 2015), como estratégia para minimizar o impacto negativo da doença/ internamento na criança e na sua família. Concordando com esta posição, Leeson (2010) refere que cuidar de crianças envolve um grau particularmente alto de envolvimento emocional. Este envolvimento profundo com a criança e sua família produz uma prática de cuidados holísticos, tentando suprir todas as necessidades da díade, atendendo de igual forma às necessidades emocionais e físicas. Devemos, então, desenvolver a capacidade de detetar as pistas emocionais dos outros, muitas vezes expressas na linguagem corporal e interagirmos com eles, agirmos de forma coerente, demonstrando que os entendemos, incluindo a capacidade de ouvir, o que demonstra aos outros que nos preocupamos com eles (Goleman, 2003). Por outro lado, encontramos referencia a que o grau de envolvimento com as crianças e sua família depende da experiência e da competência desenvolvida pelos enfermeiros (Maunder, 2008; Diogo et al., 2015). Também Benner & Wrubel (1989) referem que os enfermeiros peritos que tendem mais a se envolver com aqueles de que se cuida. Assim, para que os enfermeiros possam utilizar o seu “self” na relação com as crianças/ família, aspeto focado por Warner (2006) e O´Connell (2008), é imprescindível que desenvolvam o autoconhecimento de si, dos seus sentimentos, das suas crenças, dos seus valores e da sua capacidade para estabelecer a relação empática. No modelo de cuidar transpessoal de Watson (1996), o cuidador respeita a sua subjetividade, o seu mundo interior, o seu “self”, assim como respeita essa mesma subjectividade, mundo interior e o “self” do outro, criando condições para prestar cuidados humanizados. Pode dizer-se que a transpessoalidade caracteriza este modelo teórico. No momento do cuidado, através de intencionalidade e da presença, há uma ligação entre quem cuida e quem é cuidado, para que se desenvolva um cuidado global, que possa contemplar o ser na sua totalidade – mente, corpo, espírito – conduzindo ao bem-estar e à harmonia. Só com este conhecimento profundo de si, o enfermeiro será capaz de sentir empatia pela família, no seu sofrimento, mesmo quando esta canaliza contra si a sua angústia (Hilliard & O´Neill, 2010).

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A empatia é, então, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, sentirmos o que ele sente sem estarmos na sua situação (Goleman, 2003). Também Diogo (2012) refere que o enfermeiro deverá estar disponível para partilhar o sofrimento dos outros dando assim respostas adequadas e com sentido. Refere, ainda, que este processo de envolvimento entre os intervenientes do processo de cuidar permite partilhar experiências. Esta capacidade surge da autoconsciência que temos de nós, quanto mais abertos estivermos às nossas emoções, mais capazes nós seremos de ler os sentimentos dos outros (Goleman, 2003). O enfermeiro deverá, então, melhorar a compreensão de si próprio, “dos seus receios, tomar consciência dos seus mecanismos de projecção e de defesa, a fim de adquirir uma autenticidade e um certo nível de confiança que lhe permitirão melhorar a qualidade dos cuidados que presta” (Rispail, 2003, p. 2). Por outro lado, o estabelecimento desta relação empática com a criança/ família expõe o enfermeiro a vulnerabilidades emocionais (O´Connell, 2008, Diogo et al., 2015). Na realidade, tomar consciência do sofrimento do outro implica uma experiência de dor e sofrimento para o enfermeiro (Diogo, 2012). Mas, na opinião de Benner (2001) este envolvimento emocional pode constituir-se útil para o próprio enfermeiro, uma vez que permite enfrentar melhor a experiência emotiva que o processo de cuidar pode provocar em ambos, quem cuida e quem é cuidado. Por outro lado, o envolvimento emocional no processo de cuidar promove a libertação de sentimentos, tornando-se o enfermeiro capaz de perceber os sentimentos do outro, tornando-se capaz de os detetar e sentir, levando o outro a conhecer mais profundamente esses sentimentos e a libertar-se deles (Watson, 2002), assim como produzir o processo reflexivo. Assim, algumas estratégias são identificadas como facilitadoras da realização do trabalho emocional. Maunder (2006) refere que os mais conscientes de como o seu comportamento afeta os outros e seque esforçam por atender às suas necessidades globais da criança/ família, estão mais sensíveis para a realização do trabalho emocional. Por outro lado, Hilliard e O´Neill (2010) referem que, no seu estudo, os enfermeiros participantes consideraram importante manter o próprio bem-estar emocional e, entre outras estratégias, referem envolver a criança nos cuidados. Também Wallace (2010) refere que deixar que a criança e os seus familiares nos “ensinem” conduzem a melhores praticas de cuidados. A comunicação com a criança e a sua família (O´Connell, 2008; Wallace, 2010) e o cuidar em parceria (Wallace, 2010) são referidos como significativos. A este respeito Alderson e Thompson (2008) referem que as consequências positivas da realização de trabalho emocional ocorrem ao nível individual, assim como no estabelecimento de uma relação profunda com o doente. Outros dos aspetos referidos como benéficos é a nível da satisfação

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profissional (Schofield, 2005), pois quando os enfermeiros se sentem comprometidos com o seu trabalho, será mais provável que realizem trabalho emocional (Huynh et al., 2008). A evidencia refere como estratégias para a regulação emocional dos enfermeiros a utilização da reflexão (Warner, 2006; O´Connell, 2008; Pearson, 2010). A reflexão tem aqui um papel fundamental pois, como refere Rispail (2003), aprender a conhecer e a reconhecer as nossas emoções, a forma das suas manifestações, o escrever e descrever o que nos sobressalta é uma forma de progredir no nosso autoconhecimento e no autodomínio. A partilha de experiências com os colegas foi apontada por vários autores (Mauder, 2008; Warner, 2006; Hilliard & O´Neill, 2010; Pearson, 2010). Também a supervisão clínica foi identificada como promotora da realização do trabalho emocional, desenvolvendo o pensamento critico e permitindo o desenvolvimento de competências emocionais (Warner, 2006; O´Connell, 2008; Pearson, 2010). Também foi referido a cultura de equipa pois fomenta o sentimento de pertença, valorizando as necessidades emocionais, suportando, encorajando e identificando as fragilidades individuais de cada elemento da equipa, e em que cada um se identifica com os restantes elementos (Mauder, 2008; Warner, 2006; Hilliard & O´Neill, 2010), completado com a ideia de que os colegas mais experientes facilitam a aprendizagem e servem de modelo para os mais novos (Warner, 2006). Corroborando estes achados, Halligan (2006) refere que o processo de reflexão e a supervisão clínica podem ajudar os enfermeiros a identificar as suas barreiras culturais, ideias estereotipadas, e preconceitos que podem condicionar o cuidar. O mesmo autor refere que os enfermeiros devem ter acesso continuo a conhecimento e desenvolvendo competências que lhes permitam realizar o trabalho emocional, tornando os profissionais mais competentes (Halligan, 2006). Por outro lado, vários são os autores que consideram que no contexto da prática clínica em enfermagem, a realização do trabalho emocional é precedida e influenciada pela experiência profissional, pelo que é mais provável ser realizado por enfermeiros peritos (Staden, 1998; (Huynh et al., 2008). Ainda, outros autores referem ser necessário competências interpessoais desenvolvidas e a identificação do profissional com as regras de trabalho emocional da sua classe profissional, mais do que com as regras de regulação emocional do local de trabalho (Henderson, 2001; Huynh et al., 2008). A análise produzida permitiu-nos concluir que os enfermeiros têm uma posição privilegiada para atuar em situações de perturbações emocionais dos doentes, sendo de vital importância que os enfermeiros possuam uma consistente capacidade para estabelecer uma relação de ajuda e também uma boa capacidade de superar eventuais transtornos emocionais causados pelas situações a que diariamente estão sujeitos (Mercadier, 2004). Assim, para além de sólidos conhecimentos científicos, técnicos e práticos, um conjunto de capacidades bem desenvolvidas são necessárias pois, se não conseguirem JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, AGOSTO, 2020, 9 (2)  ISSN: 2182-696X  http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i2-2

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trabalhar as próprias emoções, como conseguirão cuidar efetivamente do outro. É fundamental que os enfermeiros estejam despertos para as suas emoções, o impacto delas na sua prática e no seu processo de cuidar do outro. Existem muitos enfermeiros que não tem a consciência da importância do trabalho emocional na sua pratica, pelo que caberá aos enfermeiros mais experientes, peritos, especialistas, ajudar os colegas que mais precisam, sabendo que o trabalho em equipa também passa por aqui e só assim será possível atingir e manter, ou até melhorar, a qualidade dos cuidados que se prestam, assim como a satisfação no trabalho por parte de todos.

CONCLUSÃO

Através desta revisão narrativa da literatura, foi nossa intensão aprofundar conhecimentos que dessem resposta ao nosso objetivo. Pretendemos também mostrar a pertinência e a atualidade do estudo, assim como incentivar o debate sobre a importância do trabalho emocional na prática clínica da enfermagem pediátrica. A temática da gestão emocional é pouco explorada em trabalhos de investigação sobre enfermeiros, o que corrobora a literatura encontrada onde se entende que o trabalho emocional se encontra desvalorizado, por um lado, e por outro, considerado como fazendo parte do processo de cuidar, invisível mas ao mesmo tempo inerente e integrando todo o processo. Urge, então, dotar os profissionais de estratégias que os tornem capazes de realizar o trabalho emocional, para que estes se possam envolver adequadamente com as crianças e suas famílias, numa relação transpessoal de si para com o outro, e capaz ela mesma de promover o healing, que permita honrar a condição humana do cuidar assumindo-o de forma consciente e intencional. Os resultados encontrados mostram como os enfermeiros fazem a sua regulação emocional sustentada pela relação empática estabelecida com a criança/ família com base numa abordagem holística e tendo por base a pessoa nas suas várias dimensões, assim como a reflexão e o apoio e suporte da equipa de pares se mostra facilitadora de todo este processo que culmina na satisfação própria pela profissão e pelo cuidar do outro, mas também na melhoria dos cuidados prestados à criança e sua família.

Implicações para a prática clínica

Os resultados encontrados com esta revisão sistemática da literatura mostram-nos a complexidade do trabalho emocional pelos enfermeiros que trabalham com a criança/ família. JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, AGOSTO, 2020, 9 (2)  ISSN: 2182-696X  http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i2-2

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Pensamos poder dizer, após a realização deste estudo secundário, que os serviços de saúde deveriam estar mais atentos à necessidade de os seus profissionais, nomeadamente os enfermeiros, pela carga emocional que o cuidar provoca em quem presta cuidados de forma global, envolvendo o seu “self” nesse processo, realizarem de forma efectiva trabalho emocional. Temos, agora, uma melhor compreensão sobre o fenómeno em estudo. Consideramos que mais estudos sobre esta problemática são necessários para promover a discussão e a reflexão sobre a sua pertinência. Considerando a competência geral do enfermeiro especialista como um promotor da gestão e da qualidade de cuidados da sua equipa, o enfermeiro especialista em saúde infantil e pediátrica poderá ter um papel essencial na realização do trabalho emocional, estando especialmente atento à forma como cada um dos seus colegas regula as suas emoções, incentivando e dando suporte a que a emotividade própria do cuidar em pediatria não adquira uma conotação negativa conduzindo ao burnout do enfermeiro, e por outro lado, não interfira na qualidade dos cuidados prestados no serviço.

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