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Monterio, C., Monteiro, M., Terras, M. (2014) Unidades de Psicogeriatria: Uma Realidade Necessária…, Journal of Aging & Inovation, 2 (4): 27-32
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ARTIGO DE OPINIÃO / OPINION PAPER
DEZEMBRO / JANEIRO, 2014
! UNIDADES DE PSICOGERIATRIA: UMA REALIDADE NECESSÁRIA…
! Autores
Carlos Monteiro1, M.ª do Céu Monteiro2, Maria de Jesus Terras3
1,2,3
Enfermeiros
Desde os primórdios da história que o
nas sociedades ocidentais, contribui para que a
Homem ambiciona viver o mais possível e luta
idade avançada seja encarada como um
para adiar a hora de morrer. Nós, profissionais
problema social e familiar. Como refere
de Saúde, temos consciência que contribuímos
GIDDENS (2000:171) “Numa sociedade que
para o aumento da esperança de vida. “A
valoriza a juventude, a vitalidade e a aparência
população idosa mais que duplicou nos últimos
física, os idosos tendem a tornar-se invisíveis”.
quarenta anos (INE,1999:8). Contudo, a
Que lugar ocupam os idosos na família? Será
longevidade de vida coloca-nos perante uma
que a família estará preparada para acolher a
questão fulcral e urgente: contribuímos para dar
senescência (4 ª idade)? A institucionalização
anos à vida, mas será que damos vida aos
será o último recurso das famílias? “À medida
anos?
que aumenta a idade, a proporção de idosos a A população portuguesa na chamada
viver (…) [em instituições] cresce
“terceira idade” é cada vez mais expressiva no
significativamente” (INE,1999:20). Será que
conjunto do tecido social, um fenómeno
este facto se deve ao esgotamento familiar e
motivado essencialmente pelo duplo
à falta de ajuda por parte dos técnicos de
envelhecimento, expressão utilizada por alguns
saúde? Como poderá ser feito o apoio aos
autores como NAZARETH(1988); FERNANDES
familiares, dada a escassez de recursos
(1997) e COSTA(1999). Ao longo do tempo, o
externos? Esse apoio é considerado crucial
aumento do número de idosos tornou mais
para cuidar do idoso com este tipo de patologia,
relevante o peso destes na sociedade. “A
como alerta BRITO(2001:19): “Cuidemos dos
velhice representa a fase da vida em que as
cuidadores, pois, com generosidade e
capacidades e resistências físicas vão
competência, e todos teremos a ganhar com
gradualmente diminuindo” FERNANDES
isso”. Cuidar de familiares idosos doentes é algo
(1997:1), reduzindo-se assim a capacidade
árduo e exigente, desgastante em termos físicos
produtiva do idoso.
e emocionais, pelas múltiplas alterações que
A esta fase estão associadas
provoca na vida das famílias. A saúde destes
representações negativas como a pobreza, a
familiares, por mais vontade que tenham em
doença, a solidão e a morte que, conjugadas
cuidar dos seus idosos, acaba por se ressentir,
com a pensionalização da velhice e com uma
sendo frequentes situações de depressão e
alteração da estrutura das relações familiares
ansiedade aumentada.
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A família, na maioria dos casos sem preparação,
Com a reformulação das politicas de
vivencia situações de sobrecarga, geradoras de
saúde mental, há um aumento do número de
angustia e culpa (LIBERMAN e LIBERMAN,
doentes com perturbações mentais a viver com
2003). Cuidar de familiares idosos doentes é algo árduo e exigente, desgastante em termos
a família, que passa a estar assim potencialmente sujeitos a uma sobrecarga psicológica significativa. (CNRSSM, 2007).
físicos e emocionais, pelas múltiplas alterações
O envelhecimento é um processo
que provoca na vida das famílias. A saúde
complexo em que intervêm factores biológicos,
destes familiares, por mais vontade que tenham
socio-económicos e culturais, num sistema de
em cuidar dos seus familiares idosos, acaba por
relações constituído pelo indivíduo, a sociedade
se ressentir, sendo frequentes (cerca de 50%)
e o meio ambiente. Esta fase da vida sempre
situações de depressão e ansiedade
constituiu uma preocupação da humanidade,
aumentada, estando sujeitas por um lado a uma
mas o crescente número de idosos na
sobrecarga objectiva (impacto das modificações e limitações impostas pela doença de um indivíduo nos seus familiares (Ex: disrupção doméstica, restrição das actividades sociais, dificuldades laborais e financeiras) e por outro a uma sobrecarga subjectiva ( conjunto de sentimentos decorrente da vivência destas limitações (perda, culpabilidade, tensão relacional intra-familiar, preocupação com o futuro, medo da violência, entre outros) (SEQUEIRA, 2007; SERRA,2002; BRITO,2001). Há uma crescente atenção a esta problemática em vários países ocidentais, nomeadamente por parte dos profissionais de saúde. O sucesso da família no apoio ao doente psicogeriátrico depende de suportes adequados na comunidade, e da capacidade, por parte dos profissionais, de perceberem a experiência da família do ponto de vista desta, e de serem capazes de irem ao encontro das necessidades por ela identificadas. Entre técnicos e família é crucial a solidez de uma aliança que se move para um objectivo comum: promover a autonomia e minimizar a dependência do idoso com problemas psicogeriátricos.
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sociedade actual despertou maior interesse para o assunto. É um processo contínuo e irreversível, mas nem sempre a longevidade significa qualidade de vida, pois, em muitos casos, os idosos perdem a sua autonomia, tornando-se assim dependentes da ajuda de terceiros. Paralelamente ao aumento do número global de idosos há outro fenómeno que deve ser considerado: a existência em número cada vez maior de pessoas muito idosas. A orientação política actual consagra a família como instituição privilegiada para a integração social dos idosos. A este respeito SERRA(2002:535) alerta-nos para alguns factos: “Devido à evolução sociocultural, às formas de emprego, ao crescimento da urbanização e da industrialização, à necessidade de gerir o tempo de maneira diferente, certas funções, tradicionalmente cumpridas pela família, foram transferidas para agências exteriores (...) Contudo embora a família tenha sido expoliada de algumas obrigações antigas, mantém ainda cinco funções importantes: económica, educacional, reprodutiva, sexual e afectiva”.
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A velhice é um fenómeno normal, mas
poderá tornar instável quando confrontado com
leva a um aumento da fragilidade e da
novas exigências” PIMENTEL(2001:37). Quanto
vulnerabilidade. Qualquer agressão, ainda que
a este propósito PINTO(1999:23) refere que “em
mínima à sua integridade, representa o risco de
consequência do stress permanente, a que os
provocar um desequilíbrio global e irreparável.
cuidadores estão sujeitos, verifica-se nestes, em
Como refere CORDEIRO (1999:55), “cada
cerca de 50% dos casos, descompensações
situação é única. O limite entre a normalidade e
psiquiátricas importantes”. Para
a patologia, ou entre um comportamento
HARTFORD(1982), citado por SHANDS e
aceitável e inaceitável, nunca é preciso. Acresce
ZAHLIS(1995:126), “as necessidades de
que as doenças crónicas, sendo as mais
dependência do doente, muitas vezes, não
frequentes no idoso, têm diferentes
deixam ao prestador de cuidados tempo para si
repercussões, em diferentes pessoas e em
próprio”.
diferentes idades”. Com a idade, aumenta a
Quando um dos membros da família se
probabilidade de desenvolverem, em
confronta com problemas psicogeriátricos, é
simultâneo, várias patologias degenerativas e
uma situação nova que contribui para
de evolução prolongada, que se potenciam
descontrolar a dinâmica familiar. Como refere
entre si, originando a instalação, com o decorrer
MARQUES(1991:105), “o confronto com uma
do tempo, de alguma dependência de carácter
doença grave constitui para o doente, assim
físico, mental ou social.
como para a família e amigos, um
A demência constitui uma clara fonte de
acontecimento de vida indutor de elevados
stress para o indivíduo mas também para a sua
níveis de stress. (...) susceptíveis de provocar
família. As perturbações originam sequelas mais
um forte impacto emocional, alterações
ou menos prolongadas e implicam importantes
comportamentais, podendo mesmo surgir
mudanças, que geram ansiedade, necessidade
q u a d r o s p s i q u i á t r i c o s ” . Ta m b é m p a r a
de adaptação e resistência. Quando alguém é
MORVAL(1986), citado por SERRA (2002:531)
afectado, as repercussões para toda a família
“uma família é um grupo de indivíduos em
são grandes. O impacto faz-se sentir pois todos
interacção.O que acontece a um dos membros
os membros da família podem ter que assumir
(seja uma doença grave, a aposentação, ou o
novas responsabilidades e alterar o estilo de
simples recomeço do ano escolar) repercute-se
vida, tornando-se extremamente difícil (física e
nos restantes”.
emocionalmente) dependendo do grau de
Acresce ainda que nas modernas
envolvimento e do nível da incapacidade do
sociedades ocidentais o estatuto social do idoso
doente.
é muitas vezes desvalorizado. Devemos,
PAÚL(1997:137) desperta-nos para o
portanto, interrogarmo-nos: será que a família
seguinte facto “Ao contrário do que se passa
está preparada para acolher o
com o cuidar das crianças, [no cuidar de um
envelhecimento normal de um dos seus
idoso], a dependência é crescente” Contudo, “a
membros? Se neste caso a resposta já tenderá
família constitui um núcleo com um equilíbrio
a ser negativa, naturalmente que a situação se
próprio, por vezes difícil de manter, e que se
agrava quando nos colocamos perante
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episódios de envelhecimento patológico,
Na opinião de VIEIRA (1995:22), há
envolvendo, por exemplo, quadros de demência.
imensas razões que justificam a necessidade de
A escolha pela institucionalização ou
criar serviços psiquiátricos para os idosos, como
não nem sempre é uma decisão fácil de tomar
“problemas de diagnóstico (...); o problema das
por parte de quem é cuidado (“idoso”) assim
patologias múltiplas de que em regra sofrem os
como de quem cuida (“família”). A preocupação
velhos (...)” [e a] ausência de condições físicas
de não recorrer à institucionalização é uma
adequadas na maioria dos Serviços de
constante, como refere HESPANHA(1993)
Psiquiatria”. O autor defende a criação de
citado por PIMENTEL(2001:33): “a família,
Unidades Gerontopsiquiátricas, tendo em
mesmo nas piores condições, organiza-se para
consideração a experiência internacional, e a
assumir o que considera a sua obrigação:
importância de haver uma colaboração
retribuir o sacrifício dos pais.”
institucional com todos os serviços de apoio
Para KAHANA (1989), citado por PAÚL
comunitário e social, sendo fundamental uma
(1997:29), a “institucionalização ocorre
boa articulação com os Centros de Saúde da
geralmente na sequência da incapacidade
zona. VIEIRA(1995:22) alerta-nos ainda que “a
funcional, combinada com a ausência ou
assistência Gerontopsiquiátrica em Portugal,
insuficiência de apoios sociais”. Quando surge
efectuada de forma organizada, tem vindo a
um diagnóstico de demência na família, a
processar-se através da criação de Consultas
garantia de determinados cuidados pode ser
de Gerontopsiquiatria nos Hospitais Escolares,
tornar-se factor gerador de um esforço elevado
por iniciativa de psiquiatras interessados nesta
e uma sobrecarga acrescida que a família não
área”.
estava preparada para acolher.
Lisboa têm já uma unidade de psicogeriatria
O Centro Hospitalar Psiquiátrico de
Quando a família está perante o
respectivamente que, à luz de outras, assenta
envelhecimento patológico de um dos seus
num trabalho desenvolvido por uma equipa
membros, o acompanhamento e a prestação de
m u l t i d i s c i p l i n a r, p a r a d a r r e s p o s t a à s
cuidados podem ser problemáticos e nem
necessidades dos idosos e cuidadores,
sempre a manutenção do idoso em casa é a
prevenindo a deterioração física, psíquica e
melhor solução. Sobre este assunto, PIMENTEL
social do idoso, visando a
(2001:74), alerta-nos que “ é necessário
satisfação do idoso e família. Este tipo de
ponderar vários factores, como o grau de
serviço pretende por um lado, diminuir a
dependência do mesmo, o tipo de cuidados de
ansiedade e o stresse dos cuidadores, por outro
que necessita e as possibilidades da família em
lado, que cuidadores adquiram competências
termos de recursos materiais e de tempo.
para lidar com o doente idoso.
autonomia e
Embora, por vezes, os filhos estejam dispostos
Em suma, defendemos que o
a fazer todos os possíveis para apoiar os seus
envelhecimento deve ser encarado como algo
pais idosos, isso pode não ser, de facto, realista
natural, como mais uma etapa da nossa vida.
e praticável; por vezes, o internamento em
Porém, não deve ser esquecido que esta fase
instituições especializadas responde de forma
implica um declínio das nossas potencialidades
mais adequada às suas necessidades”.
e condição física. A família e a própria
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sociedade desempenham um papel essencial
FERNANDES, A. A., Velhice e Sociedade:
no suavizar dos aspectos nefastos dessa
Demografia, família e políticas sociais em
decadência. Por outro lado, os profissionais de
Portugal, Oeiras, Celta, 1997.
saúde devem estar despertos para as
FERNANDES, A. A., Quando a vida é mais
dificuldades dos cuidadores informais, de modo
longa...os impactos sociais do aumento da
a ajudá-los a promover e garantir o apoio aos
longevidade, in O Sentido das idades da vida,
idosos. Dessa colaboração, dessa ajuda
col. Gerontologia social, Editora CESDET, 2004.
depende em muito a capacidade de os idosos
GIDDENS, A ., Sociologia, Lisboa, Edição da
poderem viver um envelhecimento digno, em
Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
qualidade (mesmo que do foro patológico)
Instituto Nacional de Estatística, As Gerações
beneficiando do insubstituível aconchego
Mais Idosas, Lisboa, Série de estudos
familiar. Paralelamente, ao sentirem-se
nº85,1999.
apoiadas, as famílias adoptarão uma outra
LIBERMAN, D.B e LIBERMAN, R. P. – Involving
atitude quando confrontadas com esta
families in rehabilitation though behavioural
circunstância, deixando de temer e dramatizar o
family management. Psychiatric Services,2003,
envelhecimento dos seus elementos mais
54.
chegados e para que possam afirmar que: “não
MARQUES, A.; SANTOS, G.; Reacções à
tenho medo de ter um familiar a envelhecer ! ”
doença grave: como lidar, Coimbra, Clínica
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Psiquiátrica HUC, 1991. NAZARETH, J.M. -
Unidade e diversidade da
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PAÚL, M. C., Lá para o fim da vida, Coimbra,
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Livraria Almedina, 1997.
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PIMENTEL, L. , O lugar do idoso na família:
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COSTA, M. A., O idoso – Problemas e
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enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951
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Página 32
Coimbra: editora quarteto. ISBN 989-558-083-5. SERRA, A. V. -
O stress na vida de todos os
dias. Coimbra: Ed. Autor, 2 ª edição, 2002. VIEIRA, C.R. A unidade de gerontopsiquiatria, Geriatria, Lisboa, Dezembro de 1995, nº80, pp. 22-27. Monteiro, M. C. ; TERRAS, J., O Impacto dos problemas psicogeriátricos na família, as percepções da sobrecarga sentida pelos cuidadores informais, Lisboa, E.S.EM.F.R. , 2003.
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JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951
Volume 2. Edição 4