Adesão terapeutica doentes mentais

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Ramos, A., Fonseca, C., Santos, V. (2012) Psychiatric Patient and Treatment Adhesion. Journal of Aging & Inovation, 1 (4): 71-76

REVISÃO NARRATIVA / NARRATIVE REVIEW

JULHO, 2012

O DOENTE PSIQUIÁTRICO E A ADESÃO TERAPÊUTICA PSYCHIATRIC PATIENT AND TREATMENT ADHESION EL PACIENTE PSIQUIÁTRICO Y ADHESIÓN AL TRATAMIENTO

Autores

Albano Ramos1, César Fonseca2, Vítor Santos3 1

Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Pós-Graduado em Gestão de Unidades

de Saúde,

2

Enfermeiro CHLN*, Investigador UI&DE*, Mestre em Ciências da Comunicação, Doutorando em Enfermagem

Universidade de Lisboa, 3 Enfermeiro Especialista, MsC, Centro Hopitalar Oeste Norte (CHON) Corresponding author: albano-ramos@clix.pt

RESUMO Na doença mental, a adesão à terapêutica constitui o factor determinante do êxito ou falência da terapêutica e do consequente prognóstico do doente. A adesão à terapêutica é pois o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da toma da medicação nos doentes mentais. Contudo, é possível alterar comportamentos e melhorar a adesão dos doentes mentais à terapêutica, através de um investimento específico dos profissionais de saúde e consequente participação activa dos doentes no seu próprio plano terapêutico. O médico/enfermeiro deve tentar perceber quais os factores que funcionam como obstáculo para uma completa adesão e procurar meios para os ultrapassar. Palavras chave: Adesão, Terapêutica, Doentes Mentais

ABSTRACT In mental illness, adherence to therapy is the key to success or failure of therapy and subsequent prognosis. Adherence to therapy is the true "Achilles heel" of taking the medication on mentally ill. However, you can change behaviors and improve adherence to treatment of the mentally ill through a specific investment of health professionals and consequent active involvement of patients in their own treatment plan. The doctor / nurse should try to understand the factors that serve as obstacles to a full membership and find ways to overcome them. Keywords: Adhesion, Therapy, Mental Illness

Introdução

os tratamentos que lhe são prescritos (Haynes,

A adesão, definida como «(...) o grau em que o

Taylor & Sackett).

paciente adere ao tratamento prescrito ou o

Ao abordarmos a problemática da adesão no

grau em que o comportamento da pessoa

contexto da doença mental temos de tomar

coincide com o conselho ou a prescrição

consciência da sua verdadeira importância e

médica» (Davidson; Turk & Meichenbaum: 424),

amplitude, visto que se exige a estas pessoas

é um dos problemas centrais da medicina

uma adaptação rápida a um diagnóstico que

actual, calculando-se que pelo menos um terço

afecta totalmente o seu projecto de vida, e uma

dos utentes não seguem a rigor ou na totalidade

série de mudanças profundas e simultâneas que levam o indivíduo a alterar determinados comportamentos sociais, alimentares, hábitos,

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dependências, rotinas sociais e profissionais, e

Segundo Poças (www.aidscongress.net in

a introduzir no seu plano de vida as idas

Internet), Marques (1999), Casquilho e Castro

regulares à consulta e as tomas diárias de

(2000), existem diversos factores identificados

terapêutica (que para além de ser complexa,

como limitativos da adesão de um sujeito com

pode levar ao aparecimento de efeitos

doença mental a uma dada terapêutica, que

secundários) (Marques 1999).

podemos dividir em:

Segundo Marques (1999), face à necessidade

Factores relacionados com o sujeito;

de mudança de comportamentos enraizados,

Factores relacionados com a doença;

verifica-se por parte destes indivíduos a

Factores relacionados com a relação equipa de

existência de resistências, manifestando-se através da negação da doença e da não adesão

saúde/doente; Outros factores, tais como a distância

à medicação prescrita.

geográfica entre o serviço de saúde e o local de

Assim, na doença mental, doença muitas vezes

habitação do doente; as dificuldades no acesso

de carácter “crónico”, a adesão constitui o factor

à consulta (face à falta de médicos, ao grande

determinante do êxito ou falência da terapêutica

número de doentes inscritos e às numerosas

e do consequente prognóstico do doente, factor

listas de espera); e o grande espaçamento do

esse que é limitante à difícil decisão de

período de tempo entre as diferentes consultas,

prescrever ou não a terapêutica (Poças

que funcionam como limitativos e/ou impeditivos

www.aidscongress.net in Internet), uma vez que

da adesão do doente à consulta e à terapêutica.

as estimativas de não adesão à mesma estão

Também as características do serviço de saúde

relatadas «entre uma média de 35 e

funcionam como estímulo para o doente a ele se

50%» (Eldred et al.; Giofford et al.; Singh et al.,:

deslocar e para a adesão deste aos tratamentos

276).

e à terapêutica. Assim, é extremamente importante que estas estejam adequadas à

Factores limitativos da adesão à terapêutica

realidade das necessidades dos utentes e da equipa multidisciplinar, que permitam a

Sendo este grupo de doentes considerado de

existência de um ambiente fidedigno e

menos aderente que os restantes, é importante

confidencial, de um atendimento personalizado

os profissionais de saúde não os designarem de

e que haja articulação condigna entre ao

aderentes e/ou não aderentes, podendo esta

diferentes serviços inter e extra institucionais, de

dicotomização «(...) ser em simultâneo,

forma a que se prestem cuidados com

estigmatizante e precipitada» (Poças

qualidade, atendendo sempre às necessidades

www.aidscongress.net in Internet), uma vez que

do doente/família.

os indivíduos, podem apresentar distintos comportamentos de adesão em diferentes

A intervenção das equipas de enfermagem

momentos e circunstâncias da sua vida,

na adesão à terapêutica em doentes mentais

condicionados pela influência de numerosos factores (Castro, 2000).

A adesão à terapêutica é pois o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da toma da medicação

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nos doentes mentais. Contudo, é possível

objectivos e, as novas necessidades do utente e

alterar comportamentos e melhorar a adesão

das equipas multidisciplinares.

dos doentes mentais à terapêutica, através de

Com vista a tornar realidade essa

um investimento específico dos profissionais de

reestruturação e reorganização desenvolvem-se

saúde e consequente participação activa dos

nos diferentes serviços algumas actividades

doentes no seu próprio plano terapêutico.

realizadas pelos enfermeiros, tais como:

Assim, ao aferir a existência de diversas

Recepção e acolhimento do utente/família;

dificuldades ao nível da adesão, a equipa

Estabelecimento de relação de ajuda empática;

multidisciplinar dos serviços de apoio aos

Promoção da integração do utente no serviço;

doentes portadores de doença mental, deve

Estabelecimento de ambiente terapêutico;

contribuir para melhorar a conduta do sujeito

Prestação de cuidados de enfermagem de

nesta área, recorrendo «(...) a técnicas

acordo com as necessidades do utente,

específicas que ajudem o doente concreto a

atendendo à prescrição médica (administração

desenvolver e a consolidar a sua capacidade de

de terapêutica, realização de exames);

auto-domínio» (Marques, 1999: 32). Convictos de que adesão é da responsabilidade

Preparação e administração de terapêutica, consoante prescrição médica;

do doente, do médico e do sistema de saúde,

Colaboração em equipa na realização de

surge um aumento da preocupação dos

exames e sempre que necessário programação

profissionais de saúde com a qualidade de vida

de novo tratamento e/ou exame;

e com a prevenção da doença e uma necessidade de humanização dos cuidados de saúde e promoção da qualidade dos serviços de

Elaboração de registos correctos e adequados em folha própria; Elaboração e preenchimento do guia de

saúde prestados.

colheita de dados em processo próprio,

Também os enfermeiros, como elementos

demonstrando confidencialidade dos dados

activos e participativos das equipas

colhidos;

multidisciplinares, encontram-se convictos das necessidades destes utentes, associadas aos múltiplos e complexos problemas, que têm com

Avaliação e registo de sinais vitais e dados antropométricos; Identificação dos conhecimentos do doente

estas doenças e todos os que com eles vivem e

sobre:

deles cuidam.

A sua patologia;

Assim, para prestar cuidados a estes indivíduos,

Efeitos colaterais da medicação;

sãos ou doentes, ao longo do ciclo vital, e ao

Importância da toma da terapêutica prescrita.

grupo social onde se encontram integrados, de modo a manter, a melhorar, ou a recuperar o seu estado de saúde, ajudando-os a atingir um nível elevado de qualidade de vida, as diversas equipas de enfermagem têm necessidade de reestruturar e reorganizar as suas actividades

Distribuição de panfletos de ensino específicos à sua patologia; Esclarecimento das dúvidas manifestadas pelo doente/família; Ensinos ao doente/família sobre a necessidade de terapêutica e seus benefícios;

de acordo com a nova realidade, os novos JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951

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Reforço dos ensinos efectuados ao doente/ família;

A elaboração de ensinos sobre as necessidades, benefícios e efeitos secundários

Promoção do encaminhamento e da

da terapêutica, com o intuito de antecipar a

continuidade dos cuidados de enfermagem após

eficácia do tratamento prescrito;

a alta;

A conversa informal, para avaliar e discutir com

Sensibilização da família para a continuidade dos cuidados a prestar ao utente;

o doente o impacto potencial da sua doença, e posteriormente com ele definir as estratégias

Participação nas acções de formação em serviço.

seguintes, tendo em vista a obtenção de comportamentos de adesão ao tratamento e terapêutica por parte deste;

ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO DE

A elaboração de ensinos sobre auto-

ENFERMAGEM

administração de terapêutica, de forma a

NA

ADESÃO

À

TERAPÊUTICA

encontrar com o doente a maneira mais fácil de tomar a medicação, e mais compatível com a

Actualmente é importante que cada Unidade/

sua vida social e laboral, verificando para tal:

Serviço instaure um programa de adesão à

Se o doente tem como suporte social algum

terapêutica, sendo necessária a colaboração de

amigo ou familiar, incentivando-o a colaborar

todos os elementos da equipa multidisciplinar.

neste processo, de forma a apoiar/ajudar o

Assim, os enfermeiros como elementos desta e

doente.

preocupados com a implementação e

Realização de reuniões com a equipa

continuidade destes programas cuja finalidade é

multidisciplinar para a definição de estratégias

minimizar ou solucionar a problemática da não

de intervenção comuns face à realidade de cada

adesão terapêutica por parte dos doentes

doente.

mentais, consideram fundamental o

Reestruturação de panfletos informativos

envolvimento da enfermagem, como

existentes nas Unidades/Serviços e elaboração

colaborador activo entre toda a equipa na

de outros, nomeadamente sobre a terapêutica

negociação e estabelecimento de estratégias

TOD – toma da medicação controlada a todos

eficazes a esta adesão.

os doentes. Elaboração de uma brochura que estimule a

Estratégias de Intervenção de Enfermagem a

adesão à terapêutica, podendo ser utilizadas as

implementar:

características e efeitos secundários dos fármacos de uma forma pedagógica e com

O acolhimento do cliente/família na unidade;

humor.

A elaboração de ensinos sobre a patologia, cuidados a ter, reforçando a comunicação

Este projecto de intervenção tem a finalidade de

médico/doente, com o objectivo de ajudar o

incentivar o doente a aderir na totalidade aos

doente a compreender e a acreditar no

tratamentos e terapêuticas prescritas, com o

diagnóstico;

objectivo de promover a Qualidade de Vida dos Doentes. A intervenção de Enfermagem neste

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projecto não deverá permanecer só ao nível do

atitude, e que desta pode depender o curso da

doente durante o internamento, tornando-se

sua doença e consequentemente o seu bem-

mais globalizante e inter accionista, actuando

estar.

também ao nível dos cuidados de saúde primários, das instituições de apoio a utentes

ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR A ADESÃO

mentais, comunidade, da família. Assim: A articulação de cuidados de enfermagem entre

A adesão é responsabilidade do doente, do

os Serviços e os Centros de Saúde/Unidades de

médico e do sistema de saúde. Idealmente a

Apoio deve ser feita mediante contacto

equipa que trata os utentes com patologia

telefónico e Carta de Transferência/Alta, com o

mental deve ser multidisciplinar, incluindo o

intuito de se aferir os cuidados a prestar ao

Médico, o Enfermeiro, o Psiquiatra, o Psicólogo

cliente e de esclarecer dúvidas

e o Assistente Social, o Terapeuta Ocupacional,

A intervenção de enfermagem junto dos

o Auxiliar.

familiares ou elemento de referência deve ser

Algumas das estratégias utilizadas pelos

sempre feita com o conhecimento e a

diversos elementos da equipa multidisciplinar

autorização do doente. Consiste na informação

para melhorar a adesão têm sido as seguintes:

da situação de saúde do utente, no ensino

- Informação adequada do doente em relação à

pormenorizado sobre a mesma e dos cuidados

doença, à eficácia terapêutica dos esquemas

a ter, é ainda solicitado um contributo especial

utilizados, efeitos laterais potenciais dos

da família na colaboração e vigilância da toma

fármacos, interacções medicamentosas,

da terapêutica, sendo para tal efectuado ensino

consequências da má adesão.

especifico.

A informação é fornecida ao doente pelo médico durante a observação, sendo complementada

Com isto tudo verifica-se que para a eficácia de

pelos enfermeiros.

qualquer tratamento é importante a adesão do

- Esquema terapêutico fácil e o mais adequado

doente. Por comportamentos de adesão

possível ao doente, tendo em conta o seu perfil

entende-se o conjunto de comportamentos

psicológico e o seu ritmo de vida diário. O mais

relacionados com o envolvimento activo,

eficaz método de promover a adesão é a

voluntário do doente e de acordo com a

simplificação do esquema terapêutico.

prescrição médica (Rogado, Trindade, Carvalho

Cumprimento de TOD a todos os doentes.

Teixeira, 1997).

Procurar integrar o esquema nos horários do

Assim, perante o aparecimento destas doenças

doente, nomeadamente tendo em conta a hora

é necessário um reajuste no estilo de vida

das refeições, de acordar e de ir para a cama.

mediante uma mudança de atitude do doente,

- Identificação de doentes de risco para não

que deverá estar motivado para todo o processo

adesão, nomeadamente, casos de consumo de

terapêutico tendo um papel activo, quer na

drogas ou álcool ou ausência de suporte familiar

aquisição de informação, quer no cumprimento

e / ou social.

do tratamento, adquirindo a consciência que a

A comunicação entre os vários elementos da

adesão terapêutica depende sobretudo da sua

equipa de trabalho é contínua, numa tentativa

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de identificação destes problemas e sua

obstáculo para uma completa adesão e procurar

resolução.

meios para os ultrapassar.

A ligação com Instituições Sociais de apoio torna-se necessária e muitas vezes essencial,

BIBLIOGRAFIA:

tendo em conta que uma grande percentagem

Castro, (2000) (....);

dos doentes mentais tem problemas sociais

Davidson M., (1982),

graves.

approach, (....)

- Maior investimento para o desenvolvimento de

Turk & Meichenbaum, (1991), Essay on

uma boa adesão durante as primeiras semanas

adhesion to therapy, Journal of Mental Health

do tratamento, pois o nível de adesão na fase

Eldred et al., (1998) How pass over this?,

precoce de terapêutica é preditiva da adesão a

Journal of Mental Health

longo prazo.

Haynes, Taylor & Sackett, (1979),

- Demonstrar disponibilidade e ausência de

Patients Approach, Clinical Psychiatry

juízos de valor em relação à adesão. A

Marques N., (1999), Saude Mental em Revisão,

confiança e um bom relacionamento com a

(desconhecido);

equipa de saúde são factores importantes na

Poças, www.aidscongress.net in Internet;

promoção de uma adesão adequada. Uma das

Rogado T., Carvalho T. (1997), Terapia no

formas de avaliação do grau de adesão é

doente mental, Quarteto, Coimbra.

Strategies on therapy

Mentally ill

simplesmente inquirir o doente sobre esta, sem o pretender julgar ou fazer sentir culpado. Um factor importante para a adesão é a percepção que o indivíduo tem da sua doença, assim como a correcta informação das consequências, a curto e a longo prazo, do não cumprimento da medicação. É da responsabilidade do médico e dos outros profissionais de saúde fornecer a informação adequada para que o doente faça o seu julgamento e fundamente as suas opções. Muitas vezes a complexidade técnica desta informação leva a que rapidamente seja esquecida. Cabe aos profissionais de saúde torná-la o mais simples e objectiva possível. Mesmo com a informação adequada e interiorizada muitos doentes podem continuar não aderentes. O médico/enfermeiro deve tentar perceber quais os factores que funcionam como

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