Valente, C., Carreira, J. (2018) A Qualidade dos Cuidados de Saúde e a Cultura de Segurança no Bloco Operatório, Journal of Aging & Innovation, 7 (2): 98- 103 REVISÃO CRÍTICA: Valente, C., Carreira, J. (2018) A Qualidade dos Cuidados de Saúde e a Cultura de Segurança no Bloco Operatório, Journal of Aging & Innovation, 7 (2): 98- 103
Revisão Critica
A Qualidade dos Cuidados de Saúde e a Cultura de Segurança no Bloco Operatório The Health Care Quality and the Safety Culture in the Operative Room La calidad de los cuidados de salud y la cultura de seguridad en el bloque operativo Catarina Valente 1, Joaquim Carreira 2 1, 2
RN
Corresponding Author: valente.catarina@gmail.com RESUMO A prestação de cuidados de saúde revela-se uma área de grande complexidade, sendo o Bloco Operatório um local de elevado risco de ocorrência de erros clínicos. São vários os fatores que predispõem à ocorrência destes erros, revelando-se preponderante a implementação de uma cultura de gestão de risco que promova o estudo dos eventos adversos através da sua notificação e análise, assim como implementação de estratégias de prevenção e mitigação dos riscos, promovendo a segurança dos cuidados. Neste artigo pretende-se alertar para a importância da gestão de risco, tendo por base o artigo de Fragata (2010a), “Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte”, concluindo-se que existem estratégias transversais implementáveis no Bloco Operatório, assim como nos demais serviços das instituições de saúde que promovam a qualidade e a segurança dos cuidados prestados. Palavras-Chave: Qualidade, segurança, bloco operatório
ABSTRACT The health care is an area of great complexity, and the Operating Room is a place of high risk of occurrence of clinical errors. Several factors predispose to the occurrence of these errors, and the implementation of risk management culture that promotes the study of adverse events through its notification and analysis, as well as the implementation of risk prevention and mitigation strategies, with promote the safety of care. This article intends to alert to the importance of risk management, based on the article by Fragata (2010a), "Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte", concluding that there are transversal strategies that can be implemented in Operating Room, as well as in the other services of the health institutions that promote the quality and safety of health care. KeyWords: Quality, safety, operative room
INTRODUÇÃO De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Comité de Saúde do Conselho da Europa, a segurança do doente é um dos pilares da qualidade dos cuidados em Saúde e responsabilidade dos vários envolvidos no processo de cuidados. Em cirurgia o número de complicações conhecidas é exorbitante, sabendo-se que cerca de metade dos eventos adversos ocorridos são evitáveis (OMS, 2008), urgindo a necessidade
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de se diagnosticar dificuldades e de se implementar práticas que promovam a segurança e previnam erros, cuja dimensão pode ser devastadora, dado tratarem-se de seres humanos. Tendo isto em consideração, este tema assumiu uma grande relevância nos últimos anos, tendo a Direção Geral da Saúde (DGS), em Junho de 2010, emitido a Circular Normativa n.º 16/DQS/DQCO de 22/06/2010, que determinou a implementação do programa Cirurgia Segura Salva Vidas, em linha com OMS, em todos os Blocos Operatórios (BO) do Sistema Nacional de Saúde. Para a realização desta revisão, optamos por analisar um artigo do Professor Fragata (2010a), que tem como título “Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte”, que aponta para aspetos fulcrais na prevenção de erros e acidentes que possam acontecer no BO, sendo o objetivo deste artigo alertar para a importância de uma cultura de gestão de risco. Assim, primeiramente iremos apresentar o resumo do referido artigo, seguido da abordagem dos aspetos importantes deste relacionando com a evidência científica mais atual.
1. RESUMO DO ARTIGO Este é um artigo de revisão do estado da arte sobre os erros e acidentes que ocorrem no BO onde prevalência destes é elevada, sendo abordados os eventos adversos mais comuns, os mecanismos de ocorrência, formas de os evitar ou de minimizar as suas consequências. Para isso, o autor começa por identificar as áreas de atividade do BO em que os erros acontecem com mais frequência (anestesiologia, ato cirúrgico e complicações cirúrgicas), os mecanismos de ocorrência (cirurgia errada, no doente errado, no órgão errado e no lado errado, corpos estranhos deixados, infeção cirúrgica e trombose venosa, embolia pulmonar), e a sua origem (fatores humanos e de equipa, fatores organizacionais, a complexidade das tarefas, as influências do ambiente e o puro acaso). Perante cada situação identificada, o autor propõe estratégias preventivas de ocorrência de erro, como por exemplo a estandardização de equipamentos, definição de dinâmicas da equipa, adoção de protocolos e checklists.
2. DESENVOLVIMENTO A prestação de cuidados de saúde revela-se uma área de grande complexidade e em constante transição, em particular porque se trata de um sistema sociotécnico onde interagem múltiplos "atores" (Serranheira, Sousa, & Sousa, 2010), tal como o BO, estando por isso associado ao risco de segurança do doente, com um carácter multifatorial. Em consonância, no artigo em análise, Fragata (2010a, p.18) refere que a atividade desenvolvida no BO
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“envolve tarefas complexas, plenas de variação e incerteza, exercidas em condições ambientais dominadas pela pressão e pelo stress”. O Erro Clínico é definido na literatura como o erro que ocorre durante a prestação de cuidados de saúde, que pode dar origem a um evento adverso, entendido como um dano efetuado por um profissional de saúde, que pode originar o prolongamento da estadia hospitalar (Abreu, 2015). Segundo Charlles Vincent (2003), citado por Fragata (2010b), os fatores que condicionam ao erro podem ser classificados em humanos (individuais ou equipa), do sistema (instituição), da tarefa (complexidade, pressões), do ambiente (condições locais), e do acaso (variação aleatória). James Reason diz-nos que não há uma causa única para um evento adverso, mas sim uma multiplicidade de fatores conjugados que propiciam o erro, defendendo ainda que as falhas humanas são propiciadas por defeitos do sistema, embora estatisticamente 60% das falhas terem origem humana (Fragata, 2010b). No que toca à caracterização dos fatores que predispõem ao erro, no artigo em análise, o autor refere a forte dependência da atuação individual, os fatores de equipa, os fatores organizacionais e, finalmente, o acaso, que confere um fator inesperado ao resultado, mesmo quando tudo se fez bem. Sabendo à partida que a atividade humana envolve uma margem de erro, tal como nos cuidados de saúde, revela-se cada vez mais preponderante para a segurança do doente e, consequentemente para a qualidade dos cuidados, a Gestão do Risco, nomeadamente, estudar os eventos adversos através da sua notificação e análise, assim como desenhar/estabelecer estratégias de prevenção e mitigação dos riscos, criando uma cultura de preocupação pela segurança (Rodrigues, 2015). A gestão do risco constitui uma ferramenta essencial nas instituições de prestação de cuidados de saúde, permitindo gerir o grau de exposição ao risco, implementar metodologias que possibilitem reconhecer, avaliar, reduzir e até mesmo eliminar riscos tanto nos doentes como nos funcionários, como a nível da estrutura organizacional e material da instituição (Lima, 2011). Estas afirmações estão espelhadas ao longo de todo o artigo analisado, em que Fragata (2010a) define o contexto, identifica, analisa e avalia os riscos e propõe estratégias para os evitar. Desta forma, identifica categorias de erro possíveis no BO, evidenciando os “erros relacionados com a Anestesiologia”, “erros relacionados com o ato cirúrgico” e “complicações cirúrgicas decorrentes de erros”. Concomitantemente, é importante que sejam disponibilizados Sistemas de Notificação de Eventos Adversos para que se possa realizar uma gestão de risco eficaz e eficiente, com resultados benéficos para os envolvidos (Lima, 2011). Mas não basta que o sistema esteja disponível, deve-se ter em conta, segundo Lima (2011) citando Lage (2010), que “poucos profissionais registam os seus erros e menos ainda são os que analisam, o que dificulta a
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aprendizagem e a prevenção de ocorrências semelhantes no futuro”, pelo que é crucial desenvolver uma cultura institucional neste sentido. “A Cultura tem uma dimensão no grupo e organização mas implica uma interiorização em cada membro atuante” (Fragata, 2010b, p. 569). No que concerne a estes sistemas, o artigo analisado corrobora esta falta de registos,
referindo ser “menos divulgados na aplicação e com impacto menos certo”. Existindo uma cultura de gestão de risco, importa atuar perante os riscos identificados. Podem ser adotadas várias estratégias para mitigar o erro apontadas por diversos autores, como por exemplo a implementação de processos de trabalho, simplificação de regras e procedimentos, implementação de checklists, evitar fármacos com rótulos semelhantes, ou ainda a dupla confirmação na administração de medicação, entre outros (Carneiro, 2010; Fragata, 2010b). Perante a agregação dos erros no BO, o autor do artigo analisado sugere medidas a adotar que incidem sobre os sistemas e equipamentos (estandardização de processos, redução da variabilidade
de
equipamentos,
entre
outros),
sobre
os
fatores
humanos
(conhecimento e preparação, treino para lidar com situações de crise, consciência do erro, entre outros), sobre a equipa (liderança adequada, comunicação, trabalho em equipa, entre outros). Apesar de existir já uma cultura de segurança nas instituições, esta ainda não é uma constante. Por isso importa envolver toda a equipa multidisciplinar para que se consiga implementar estratégias de segurança, uma vez que o sucesso da mudança depende, em larga escala, das pessoas envolvidas, neste caso, os profissionais de primeira linha, ou seja, aqueles que prestam cuidados diretos aos doentes. De igual forma, Fragata (2010a) refere a introdução da metodologia de briefings no BO de Cirurgia Cardiotoráxica do Hospital de Santa Marta, no qual todos os membros da equipa estão envolvidos.
CONCLUSÃO Este artigo veio reforçar a ideia de que é importante debruçarmo-nos sobre a cultura de segurança no BO uma vez que a probabilidade de ocorrência de erros e eventos adversos é muito elevada e uma constante no BO, sendo a sum promoção transversal aos demais serviços das instituições de saúde. Relembrou a importância de um conjunto de medidas, tais como as cheklist de materiais e procedimentos, a necessidade de criar briefings pré-operatórios adequados a cada tipo de cirurgia e, por sua vez, instituir, de forma regular, de-briefings como uma metodologia de análise
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retroativa do desempenho dos profissionais. Importa assim, manter e reforçar um sistema de relato de eventos a par de uma metodologia de observação em equipa que se foque na liderança e gestão, trabalho de equipa e cooperação, e perceção de situações, para que todos possam trabalhar que nem um “relógio suíço” – on time by time. Recomendamos a leitura deste artigo a todos os profissionais que desenvolvem a sua atividade em BO, de forma a promover a cultura de segurança como um método de desenvolvimento pessoal e profissional, na implementação de cuidados de saúde baseados na evidência, promovendo a qualidade dos cuidados. Consideramos também importante a leitura deste aos gestores para que, a par com os demais profissionais, promovam o desenvolvimento da organização no sentido do controlo, avaliação, melhoria, garantia e gestão da qualidade da instituição. Só conhecendo in loco as dificuldades e a realidade de cada serviço/unidade, é possível atuar em conformidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Direção Geral da Saúde. (2010). Circular Normativa da DGS n.º 16/DQS/DQCO "Cirurgia Segura Salva Vidas". Lisboa, Portugal: Direção Geral da Saúde.
Fragata, J. (2010a). Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte. Revista Portuguesa de Saúde Pública, Temático(10), pp. 17-26.
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Rodrigues, P. (2015). Gestão do Risco Clínico e Segurança do Doente. Dia do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo: Antares Consulting.
Serranheira, F., Sousa, A., & Sousa, P. (2010). Ergonomia hospitalar e segurança do doente: mais convergências que divergências. Revista Portuguesa de Saúde Pública, Temático(10), pp. 58-73.
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