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Mônica Sarmento Visionária e Corajosa

por Juliana Torchetti Coppick

Recentemente eu tive a oportunidade de acompanhar os treinamentos dos pilotos de combate a incêndios aqui nos EUA e fiquei fascinada pelo tema. A oportunidade não poderia ter surgido em melhor momento pois eu estava justamente iniciando esse artigo sobre a trajetória de Mônica Sarmento. Antes de contar a história da nossa Lenda Viva, quero dizer que dessa vez estou aqui mais como mensageira do que como escritora, visto que boa parte desse artigo foi escrito por ela mesma.

Nascida em 29 de dezembro de 1960, em Itajaí/SC, Mônica é a terceira de cinco filhos de um casal de cariocas, Olga e Fernando Goulart. A profissão do pai, Engenheiro Agrônomo do Ministério da Agricultura, levou a família a se radicar em Botucatu/SP, onde se criou, graduou e pós-graduou. O espírito desportivo integra sua personalidade. Foi nadadora dos 9 aos 21 anos, conquistando vários títulos e recordes. Também jogou vôlei, basquete, handebol, futebol de salão representando a cidade de Botucatu e a sua Universidade.

A afinidade com a agricultura foi despertada na infância quando ela e os irmãos mais velhos, aos finais de semana, acompanhavam o pai que trabalhava na Estação Experimental do Café/MA, na Fazenda Lageado, em Botucatu/ SP. Esse convívio acabou por inspirá-la a seguir os passos do pai.

Mônica Maria Sarmento e Souza é Engenheira Agrônoma, formada em dezembro de 1982, pela FCA - Faculdade de Ciências Agronômicas/UNESP - Botucatu e Mestre em Agronomia com a dissertação direcionada ao estudo da produtividade da aeronave agrícola Ipanema- EMB 201A. Sua dedicação aos estudos lhe rendeu o Prêmio Faculdade de Ciências Agronômicas, por ter se classificado em 1º lugar na turma.

Pouco antes de se graduar e pela falta de um tratorista, Mônica participou de um dia de campo e acabou realizando algumas demonstrações com máquinas e implementos em terrenos de baixa sustentação. Nessa oportunidade foi convidada pelo Dr. Anivaldo Pedro Cobra, então diretor do CENEA - Centro Nacional de Engenharia Agrícola/ MA, a conhecer a instituição, uma referência em ensaios, desenvolvimento tecnológico e treinamento nas áreas de Engenharia Agrícola, além de ser o maior centro de treinamento em aviação agrícola da América do Sul.

Aos 22 anos, deixou a cidade de Botucatu com “o diploma na mão, alguma insegurança, mas muita determinação”, diz Mônica. Ela não fazia ideia do que o futuro lhe reservava.

Em janeiro de 1983 foi recebida no CENEA e passou a ser orientada pelo Dr. José Carlos Christofoletti, Engenheiro Agrônomo, piloto, especialista em aviação agrícola e chefe da Divisão de Treinamento. No mesmo ano, Mônica passou a integrar o corpo de instrutores daquele órgão para os cursos de formação de pilotos agrícolas (CAVAG), coordenadores e executores em aviação agrícola (CCAA e CEAA respectivamente).

Em 1986 concluiu o Curso Latino-americano de Mecanização Agrícola, oferecido pela ONU/FAO e conquistou também o título de Coordenadora em Aviação Agrícola pelo CENEA/MA, passando a atuar como instrutora em outras áreas, notadamente na mecanização agrícola e na conservação do solo e água.

oto de encerramento do primeiro Curso Brasileiro de Capacitação de Pilotos Agrícolas para o Combate Aéreo a Incêndios em Campos eFlorestas, 1º AEROFOGO, Botucatu SP, 2006.

Em 1990, o momento político era de muitas mudanças e o governo Collor decidiu pela extinção do CENEA. Grande parte dos servidores foi demitida e alguns foram cedidos a outros órgãos. Mônica foi cedida ao IBAMA, à FLONA - Floresta Nacional de Ipanema, órgão criado com objetivo de restaurar e preservar os recursos naturais e remanescentes de Mata Atlântica naquela região do estado de São Paulo. Às vésperas da publicação do decreto de criação da FLONA, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –MST invadiram as terras da Fazenda Ipanema. Iniciava-se um período turbulento e de muitas ocorrências de fogo naquela fazenda.

Foi nesse período que despertou em Mônica o desejo de que o Brasil enfrentasse os incêndios florestais com mais tecnologia, contemplando o uso de aeronaves, uma técnica conhecida, mas não consolidada no país. Com o apoio de seus Mestres Dr. Christofoletti e Dr. Marcos Vilela de M. Monteiro, iniciou a busca por mais informações e trabalhos técnicos sobre o combate aéreo aos incêndios florestais.

Em 1994, retornou ao Ministério de Agricultura para integrar a equipe do Serviço de Vigilância Agropecuária Internacional/ MA, no Aeroporto de Guarulhos/SP. Entre os plantões, continuava a se dedicar aos estudos sobre o combate ao fogo florestal e rural.

Mônica Sarmento sobre um dos Ipanemas remanescentes, Fazenda Ipanema, Iperó SP.

Em 1996, por nomeação, retornou à Fazenda Ipanema com o objetivo de viabilizar o processo de retomada de algumas atividades regimentais do MA, paralisadas com a extinção do CENEA.

As boas sementes rendem bons frutos… Graças aos investimentos em centros de pesquisa e tecnologia, o setor agrícola crescia exponencialmente. A produção de grãos atingia números cada vez melhores, não só pela expansão da área cultivada, mas também pelo ganho de produtividade. Proporcionalmente, a frota de máquinas, implementos e aeronaves agrícolas também crescia. A agricultura de precisão se estabelecia no país e a aviação agrícola incorporou essa tecnologia. O emprego do DGPS foi um divisor de águas para o setor. Escolas privadas para a formação de pilotos agrícolas, técnicos executores e coordenadores aeroagrícolas se expandiam pelo país.

Mônica Sarmento durante a coordenação e avaliação dos lançamentos em missões simuladas de combate ao fogo, 1º AEROFOGO, Botucatu SP, 2006.

Mas o cenário ainda era conturbado. Ao retornar à Fazenda Ipanema, Mônica encontrou um cenário desolador: as aeronaves inoperantes, a pista de pouso interditada, os laboratórios parados há quatro anos e a área do aeródromo invadida pelo MST. Servidores remanescentes do CENEA retornaram e integraram esforços para o processo de retomada. Foi preciso criar parcerias para viabilizar os projetos pretendidos. IBAMA, MEC, COPESP/Min., Marinha, DAC, UNESP/ SP, USP/SP, UFV/MG, UFLA/MG, UFPEL/RS, UNIOESTE/PR, UNISO e FATEC/SOROCABA, INMET e INMETRO estão entre os que se uniram nessa empreitada.

Nossa lenda viva é também uma visionária! Quando para muitos a ideia de se combater incêndios com o auxílio de aeronaves parecia absurda, ela já vislumbrava essa nova realidade. Como sempre, o tempo é senhor da razão e hoje vemos a atividade crescer mundo afora.

Mônica Sarmento, Cmte. Astor Schlindwein e Prof. Edson Mitsuya durante o treinamento de pilotos agrícolas no 5º Curso de Combate Aéreo aIncêndios em Campos e Florestas, sede da Americasul, Formosa GO, 2012.

Em 1996 Mônica escreveu a primeira versão do projeto de Brigada Aérea de Combate a Incêndios Florestais, que incluía um curso de capacitação de pilotos agrícolas para esse fim. Desejava reiniciar as atividades de aviação agrícola naquela fazenda com esse treinamento. Outro projeto tinha por objetivo a formação de pilotos instrutores para os CAVAG´s que surgiam em escolas privadas e contaria com a experiência indiscutível dos instrutores Cmte. Deodoro Ribas e Cmte. Moretti.

Por fim, a retomada deu-se com um Curso de Coordenadores em Aviação Agrícola – CCAA, com engenheiros agrônomos do Ministério da Agricultura, para atuarem na fiscalização da atividade. Foi um curso excepcional e contou com a expertise de renomados instrutores e o apoio da EMBRAER que cedeu a aeronave para as práticas. Outros cursos e Encontros Técnicos foram realizados, dando dinamismo à Unidade. Aos poucos foram recuperados alguns laboratórios, hangares e pista de ensaios. Em 1997/98 o Ministério da Agricultura doou 6 de suas aeronaves para algumas universidades, com a finalidade de subsidiar a implantação da disciplina de aviação agrícola como matéria optativa nas grades dos cursos de Engenharia Agronômica e Florestal, além de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento da atividade aeroagrícola no país. Mesmo com todos os avanços, ainda havia muitos entraves a serem superados, notadamente a burocracia e a descontinuidade das políticas públicas.

A primeira palestra ministrada por ela sobre combate aéreo a incêndios ocorreu em 1998, durante o CONAAGRI, em Cachoeira do Sul. Nesse mesmo evento, Mônica recebeu o convite para ir ao Chile, conhecer o trabalho da Forestal Mininco e da CONAF. Em janeiro de 2000, ela aceitou o convite e passou 15 dias acompanhando as operações de combate a incêndios florestais no Chile. Contou que aprendeu muito nessa viagem e que voltou determinada a implantar a técnica no Brasil.

Mônica Sarmento sempre presente nos eventos da aviação agrícola, aqui com o editor da AgAir Update Bill Lavender e Gina Hickmann da AgAirUpdate Brasil.

Em abril do mesmo ano, o Ministério da Agricultura sediou em Ipanema uma demonstração com a Aeronave AT-802F, evento considerado por Mônica como um importante marco para a atividade no país. A aeronave era de matrícula espanhola, em traslado para a Europa após a temporada de incêndios no Chile. O evento contou com a participação de representantes do Ministério da Agricultura, Meio Ambiente, Defesa, DAC, Polícia Federal, Polícia Militar, Florestal e Civil, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, autoridades dos municípios vizinhos e imprensa.

Mônica escreveu alguns artigos para a imprensa local e especializada com boa repercussão e que ajudaram a trazer à luz a problemática dos incêndios florestais no Brasil. Em 2001 Mônica recebeu o convite para participar do Curso Internacional de Operações Aéreas para o Combate a Incêndios Florestais, com os instrutores Bruce Noble, do British Columbia Forest Service/Canadá e Manuel Pavón Anaya, da Junta de Andalucia/Espanha; considerados seus Mestres na área. A partir de então, ela passou a ministrar palestras e aulas em eventos nacionais e internacionais com o objetivo de ensinar sobre o uso de aeronaves no combate a incêndios florestais e rurais.

Em 2002, reuniu-se com os Ministros do STM- Superior Tribunal Militar, Sérgio Xavier Ferolla e Flávio F. da Cunha Bierrenbach. Após essa conversa, Mônica escreveu o Anteprojeto do Sistema Nacional de Prevenção e Combate a Incêndios em Campos e Florestas, encaminhado ao Ministério da Defesa e um programa de treinamento, encaminhado ao DAC.

Entretanto, os objetivos internos da Delegacia Federal de Agricultura de SP mudaram em relação a unidade da Fazenda Ipanema e os projetos relacionados à aviação não poderiam mais ser viabilizados. No final do mesmo ano, Mônica solicitou seu retorno ao Serviço de Vigilância Agropecuária Internacional, dessa vez no Aeroporto Internacional de Viracopos/ Campinas; onde, paralelamente, continuou a se dedicar à aviação agrícola, notadamente ao combate a incêndios. Aqui se encerrou um ciclo que ela mesma considera como “os sete anos mais difíceis de sua vida profissional”.

O ano de 2021 marca os 20 anos da aviação de combate a incêndios no Brasil. A atividade se estabeleceu graças ao esforço conjunto de pessoas, empresas e órgãos públicos, mas ainda há muito a ser feito para melhorar a eficácia dos serviços prestados, enfatiza Mônica.

Os primeiros trabalhos aconteceram em 2001, para o IBAMA nas regiões da Chapada dos Guimarães/MT, Serra das Araras e Pantanal/MT e em Bonito/MS. O único acidente fatal na atividade ocorreu nesse ano. Marcou duramente o setor e despertou em todos a necessidade da continua capacitação dos pilotos.

Em 2003, durante o Congresso Nacional de Tecnologia Aeroagrícola, o Dr. Roberto Rodrigues, Ministro da Agricultura, confirmou o apoio ao projeto de prevenção e combate aéreo a incêndios em campos e florestas. Nesse período, começaram a surgir contratos de prestação de serviço em modelo público-privado, geridos por órgãos públicos e ONG’s, com destaque ao IEF- Instituto Estadual de Florestas/MG- PREVINCÊNDIO, que contou com os serviços prestados pela empresa Americasul.

Somente em 2006 os treinamentos de fato aconteceram através de acordos de cooperação entre o Ministério da Agricultura, o NTA - Núcleo de Tecnologia Aeroagrícola e FEPAF- Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais/UNESP- Botucatu/SP. Além dos 4 cursos brasileiros resultantes dessa parceria, as empresas também começaram a buscar a capacitação de seus pilotos visando o atendimento da demanda crescente da prestação de serviço.

“Atualmente há mais de 250 pilotos capacitados para a atividade e nenhum acidente após o início dos treinamentos”, disse Mônica.

Com propriedade, ela seguiu discorrendo sobre o tema. Alguns aspectos que julga importantes foram abordados e transcritos a seguir.

“É importante sabermos que o fogo é uma das maiores conquistas tecnológicas da humanidade e, fora de controle, torna-se um incêndio, não importando se é em zona urbana, de interface ou em zona rural e florestal.

O combate aos incêndios florestais é uma operação de guerra, onde equipes de terra e de ar devem trabalhar de forma integrada e com o mesmo objetivo: controlar o fogo no menor tempo possível, com o menor dano possível, mas acima de tudo com muita segurança.

Aspectos como: clima reinante; localização topográfica do foco inicial; tipo, disposição e estado fenológico da vegetação permitem prever o comportamento do fogo.

Por outro lado, o tempo de detecção e de resposta ao acionamento; a estratégia de ataque empregada em função dos recursos naturais e artificiais disponíveis e a competência das equipes envolvidas serão determinantes ao sucesso da operação de combate ao fogo florestal ou rural.

A compreensão de como esses fatores interagem, o conhecimento do perfil socioeconômico e cultural da população e o histórico de ocorrências de fogo numa dada região é o que permitirá o planejamento de um sistema eficaz de prevenção e combate aos incêndios florestais, no qual o setor público e o privado, civis e militares, em distintas esferas de atuação e de poder, terão seus papéis definidos em torno de um objetivo comum.

Finalmente, saber que grande parte dos incêndios têm origem no próprio homem, por negligência ou criminosos, cabe a este elaborar um plano consistente e eficaz para prevenir e combater esse problema que se arrasta há décadas, trazendo prejuízos de caráter ecológico, econômico e de saúde pública incalculáveis ao Brasil.”

O trabalho da nossa Lenda Viva é digno de reconhecimento e respeito, afinal em meio ao caos e ao fogo, ela sempre soube enxergar além da fumaça. A história de Mônica Sarmento é parte fundamental da história do combate aéreo a incêndios florestais e rurais no Brasil. Graças à sua determinação podemos hoje contar com essa ferramenta que, além de preservar recursos naturais e econômicos, também trouxe mais desenvolvimento à atividade aérea no país.

Obrigada Mônica por sua coragem e determinação!

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