Conferencia projeto

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Conselho Curador Presidente de honra: Armênio Guedes (In memoriam) Presidente: Alberto Aggio Vice-Presidente: Luiz Sérgio Henriques Secretária: Helena Ladeira Werneck

Efetivos Arlindo Fernandes de Oliveira Caetano Ernesto Pereira de Araujo Ciro Gondim Leichsenring Cleia Schiavo Weyrauch Dina Lida Kinoshita Francisco Inácio de Almeida George Gurgel de Oliveira João Batista de Andrade João Carlos Vitor Garcia José Jorge Tobias de Santana José Regis Barros Cavalcante Lucília Helena do Carmo Garcez Luiz Carlos Azedo Márgara Raquel Cunha Mércio Pereira Gomes Raimundo Jorge N. de Jesus Raul Belens Jungmann Pinto Renata Eitelwein Bueno Renata Cristina Cabrera Sergio Camps de Morais Suplentes Amilcar Baiardi Davi Emerich Ubaldo Dutra de Araujo Ulrich Hoffmann Vladimir Carvalho da Silva

diretoria-executiva Juarez Amorim (Diretor Executivo) Renato Atílio Jorge (Diretor Financeiro) Carmen Emília Bonfá Zanotto Débora Fernanda Pinto Albuquerque Francisco Fausto Matto Grosso Pereira Mauricio Rudner Huertas Sonia Francine Gaspar Marmo



Fotos do miolo: Diego Alves e acervos particulares Foto capa: noturna da baia de Vitória (3ª ponte) – André Sobral Capa: Art-Design Ficha Catalográfica Conferência Nacional Sobre as Cidades. Vitória-ES, 19 e 20/03/2016. Brasília-DF : Fundação Astrojildo Pereira, 2016. 116p. 15,5X23cm 1. Ciências Sociais. 2. Temas urbanos. I. Fundação Astrojildo Pereira. II. Título. CDU 300


sumário

10 Apresentação 28 Governança Democrática 36 Educação 52 Saúde 66 Finanças 76 Mobilidade Urbana 84 Segurança 100 Cultura




Apresentação Acima, o professor ALBERTO AGGIO, presidente da Fundação Astrojildo Pereira. Na página ao lado, o presidente nacional do PPS, deputado ROBERTO FREIRE. Ambos na abertura da Conferência Nacional, em Vitória.


N

os dias 19 e 20 de março de 2016, o Partido Popular Socialista (PPS) e a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizaram, em Vitória (ES), a Conferência Nacional sobre as Cidades. O evento representou a conclusão de todo um processo de discussão, realizado por militantes políticos e especialistas, interessados em estabelecer um conjunto de propostas de caráter democrático e progressista para as cidades brasileiras. O volume que o leitor tem em mãos registra o resultado dos debates desta Conferência, desde sua concepção, que ocorreu aproximadamente um ano antes do evento capixaba. Nesse período, a FAP realizou reuniões preparatórias para selecionar e escolher conteúdos orientadores que pudessem dar sustentação a uma discussão qualificada sobre a vida nas cidades brasileiras, buscando pensá-las tanto a partir de um contexto global quanto dentro da sua especificidade local, regional e nacional. 11


O percurso realizado pelos organizadores e especialistas, até a reunião final em Vitória, foi de muito trabalho e estudo, visando determinar as temáticas centrais da Conferência. Procurou-se abarcar os problemas urbanos mais relevantes, selecionados a partir de critérios analíticos e investigativos exigentes, combinados a uma generosa abertura a ênfases bastante diferenciadas. As reuniões preparatórias, concebidas como “seminários” mobilizaram cerca de 120 especialistas, boa parte deles não filiados ou vinculados ao PPS ou mesmo à FAP. Tais especialistas aceitaram, com imensa generosidade, o nosso convite e, durante os eventos, muitos manifestaram surpresa e uma avaliação positiva dos encontros em razão da qualidade dos debates. Desde a definição da temática geral até as questões específicas da educação, saúde, mobilidade urbana, segurança, finanças públicas e cultura, foram realizadas em diferentes cidades do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Recife). Tal impressão poderá ser comprovada nos capítulos que compõem esta antologia, que registra os pontos fundamentais que sintetizam as discussões e propostas deles decorrentes. Se os encontros preparatórios foram estimulantes para todos aqueles que deles participaram, o evento que finalizou a Conferência das Cidades, em Vitória, reunindo aproximadamente 500 pessoas, entre dirigentes, mandatários, militantes e simpatizantes do PPS e membros da FAP, além de representantes de outros partidos, e, especialmente, de pessoas não filiadas a nenhum deles, foi capaz de emocionar a todos em função do clima geral que se instalou. Foi marcado por uma renovada disposição em se buscar novas formulações para os problemas urbanos das cidades brasileiras e, mais do que isso, tais formulações foram traduzidas para a prática política na localidade em que residem e atuam. 12

Conferência Nacional sobre as Cidades – Governança Democrática


Renata Bueno, da Executiva Nacional do PPS e deputada brasileira no Parlamento italiano

Este livro está composto, portanto, de textos que foram elaborados coletivamente por meio do registro que se fez das discussões nas reuniões preparatórias, bem como da sua rediscussão no âmbito das sessões que tiveram lugar na Conferência de Vitória. Tanto nas preparatórias quanto nas sessões realizadas na capital capixaba houve relatores e redatores para este trabalho, todos eles mencionados nas notas de rodapé de cada um dos textos. Não caberia aqui fazer nenhuma menção particular aos pontos específicos de cada um dos temas aqui tratados, que vão da saúde às finanças públicas, da mobilidade urbana à educação, da segurança pública à cultura. Tampouco caberia fazer uma síntese introdutória de cada um dos textos. Eles são muito densos, embora sintéticos, e merecem ser lidos em sua integralidade. Vale mencionar apenas um único ponto: cada um deles apresenta um conjunto de propostas estimulantes e inovadoras que, abertas em seu caráter e sentido, podem, no todo ou em parte, Apresentação

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Poeta, compositor, cantador... Gonzaga Medeiros, pronunciando-se sobre a questão cultural no Brasil

Prefeito de Mariana (MG), Duarte Junior (PPS), saudando o plenário da Conferência

Fabrício Gandini, vereador de Vitória e presidente do PPS-ES, recepcionando os militantes e convidados


ganhar uma nova versão diante da realidade política e eleitoral local que cada pessoa virá a enfrentar nas próximas eleições municipais. São textos, portanto, de reflexão e de orientação, e não um manual a ser aplicado independentemente das circunstâncias políticas locais. Entretanto, alguns elementos são importantes serem mencionados nesta Apresentação. Os conteúdos se Juarez Amorim, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) reportam a questões políticas tanto de caráter estrutural quanto conjuntural, mas particularmente a problemas de natureza conceitual, notadamente aqueles que tenham relação com a proposta de governança democrática, o eixo teórico-político que orientou a Conferência. Em primeiro lugar, é preciso voltar o nosso olhar para o cenário político geral em que estamos imersos e que, seguramente, estará presente nas eleições municipais que se avizinham. Não resta dúvida que vivemos tempos de mudança. A ideia de mudança tem ajudado os brasileiros a participarem cada vez mais da vida política e tem ensejado um sentimento comum no sentido de se valorizar a construção coletiva da nossa democracia. Desde o chamado processo de redemocratização, já passamos por muitas experiências, algumas bem sucedidas, outras nem tanto. Por um momento, entendeu-se que democracia sigApresentação

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nificava apenas reivindicar do Estado e do poder público. Contudo, os brasileiros vêm compreendendo que isso, embora importante, resulta insuficiente e não gera resultados duradouros. É preciso não apenas protestar, se indignar ou mesmo se rebelar. É preciso que haja organização política de interesses e capacidade de elaboração, mesmo que parcial, mas substantiva, de projetos de reforma e de transformação da realidade. Se formos percebendo essas carências, nessa trajetória também começaremos a dimensionar que a concepção verticalizada da ação política e de governo, que, em geral, vem de cima para baixo, nos satisfaz menos ainda. Este tipo de política, de caráter “gerencial”, carrega invariavelmente um viés autoritário que hoje é rejeitado pela maioria das pessoas – e com toda razão. O tempo de mudança que vivemos exige uma “nova política” porque expressa claramente uma tendência

renato casagrande, presidente da Fundação João Mangabeira (PSB)

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Deputada Distrital Celina Leão (PPS-DF)

no sentido de fortalecer, consolidar e renovar a vida democrática entre nós. Em segundo lugar, é preciso chamar atenção para a situação financeira das cidades brasileiras. A visão de que as pessoas vivem nos municípios e não nos estados ou na Federação é correta, mas é uma meia-verdade. Os problemas das cidades brasileiras não se restringem apenas ao que ocorre cotidianamente nelas. Em nossa ordem constitucional, os municípios são entes federativos, ou seja, nossa Federação é composta de estados e municípios. E o que isso acarreta? Pois bem, as cidades brasileiras vivem sob o influxo de determinações políticas e financeiras dos três entes federativos (municipal, estadual e federal) que compõem o Estado e, como se sabe, uma das principais repercussões da crise atual do Estado brasileiro se manifesta por meio da crescente concentração de recursos no plano federal. Hoje, as finanças públicas dos Apresentação

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Deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC); dep. brasileira do Parlamento italiano Renata Bueno (PPS-PR); dep. federal Rubens Bueno (PPS-PR); dep. estadual Any Ortiz (PPS-RS) e dep. distrital CELINA LEÃO (PPS-DF)

municípios estão esgarçadas, provocando um desequilíbrio crescente que ameaça sua capacidade administrativa. É urgente repensar, portanto, um novo federalismo que estabeleça uma nova divisão dos recursos públicos amealhados dos brasileiros. Nas eleições municipais, esta é uma questão que precisa ser esclarecida para a cidadania, mas não pode servir de álibi para a ausência de inovação dos programas de governo que ­devemos apresentar aos eleitores. Em terceiro lugar, temos que ter em conta que a trajetória recente das cidades brasileiras não é nem um pouco auspiciosa. Elas, apesar do seu grande crescimento, engendram exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social da malha urbana e graves problemas ambientais. Em artigo recente, a

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Deputado Federal Arnaldo Jordy (PPS-PA)

Deputado Rubens Bueno (PPS-PR), Líder da Bancada do PPS na Câmara dos Deputados

socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho1 nos chama atenção para o fato de que, no processo de modernização das últimas décadas, passou-se da “cidade da ditadura”, com seus desastres habitacionais, de mobilidade e ecológicos, para a “cidade financista”, que elevou o mercado como a referência para o redesenho das necessidades urbanas e sociais básicas. O que nos leva a concluir que, no Brasil, a “cidade da democracia”, uma “polis contemporânea verdadeira”, não se tornou entre nós uma construção efetiva. Tal conclusão expressa nosso grande déficit e nos indica que a tarefa que temos pela frente começa nas próximas eleições, mas certamente vai muito além delas. Em quarto lugar, gostaríamos de retomar aqui o nexo entre nossas cidades e o panorama mundial na medida em que as cida1 REZENDE DE CARVALHO, M. Alice. Sobre ‘tudo que está aí’. Política Democrática, n. 44, Brasília: FAP, 2016, p. 143-147.

Apresentação

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des brasileiras precisam ser pensadas de maneira cosmopolita, ou seja, de acordo com as características mais marcantes do nosso tempo. Vivemos hoje a globalização, em que as conexões são on -line, imediatas, e a qual gera imensas oportunidades e também instaura um quadro de grandes tensões, sempre preocupantes. As cidades se globalizam e se tornam expressão desse dramático cenário. Elas necessitam de uma política que não pode deixar de levar em conta essas grandes transformações, especialmente na esfera da comunicação entre pessoas, entre corporações e instituições, públicas e privadas. Entendemos que somente compreendendo essa situação de grande mudança que vivemos, tendo uma visão global para pensar melhor as políticas públicas para as cidades brasileiras, é que pode nascer uma verdadeira política de caráter progressista e democrática. Os textos deste livro abrem um amplo espaço de sugestões para que se aprofunde uma reflexão nesse sentido. Por fim, esse cenário de mudanças profundas, velozes e permanentes, impõe um desafio a todos aqueles que têm a pers20

Conferência Nacional sobre as Cidades – Governança Democrática


pectiva de fazer avançar a esquerda democrática em nosso país. Neste sentido, sem qualquer vacilação, o PPS deve se incorporar plenamente a esse campo político e ideológico e assumir uma perspectiva autenticamente democrática e reformadora no qual importa menos a perspectiva finalística – de uma nova sociedade derivada de um processo de ruptura ou de uma utopia previamente desenhada ou abstratamente desejada – e mais a proposição prática de propostas de enfrentamento de questões concretas da vida da população, tornando-as seus objetivos permanentes. Trata-se assim de se afirmar uma nova identidade ao partido a partir da perspectiva do “novo reformismo”, já presente na sua prática, mas ainda carente de uma definição mais precisa e simbolicamente expressa em termos claros. É nesse preciso sentido que o PPS e seus parceiros e aliados devem estabelecer como o eixo articulador dos programas que apresentarão à cidadania nas eleições de 2016 a ­estratégia política que, tanto na Conferência de Vitória quanto

Senador Cristovam Buarque (PPS-DF)

Apresentação

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neste livro, se denomina como governança democrática. Embora a referência a esta estratégia esteja presente nos textos deste livro, creio ser importante apresentar nesta introdução uma súmula dos seus fundamentos. A ideia de “governança” incorpora a noção convencional de governo e busca ir além. Isto porque, como dissemos, na sociedade atual, que transita do padrão hegemônico industrial para a sociedade do conhecimento, as informações que circulam entre as pessoas, instituições e organizações, públicas e privadas, são cada vez mais instantâneas e generalizadas, exigindo mais transparência e participação da sociedade nas ações de governo. Nas circunstâncias da sociedade contemporânea, a forma tradicional de governo é considerada limitada e insuficiente. Para o sociólogo e urbanista Josep Pascual, a governança é o modo de governar a crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, “que se caracterizam pela intera-

Deputada Federal Carmen Zanotto (PPS-SC) ladeada dos deputados Roberto Freire (PPS-SP) e Arnaldo Jordy (PPS-PA)

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Angélica Lourenço (Coordenação Nacional de Mulheres-SP); Francisco Medeiros, vice-pres. PPS-SC; Elaine Otto (CNM-SC); deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC)

ção de uma pluralidade de atores, por relações horizontais, e pela participação da sociedade no governo”.2 A governança é, portanto, um novo paradigma que visa fortalecer o governo das cidades e deve estar assentado no diálogo, nos acordos com a sociedade, na horizontalidade das ações e no gerenciamento das relações entre os atores públicos e privados com o intuito de envolver a cidadania nas decisões sobre a cidade, a partir de uma visão colaboracionista. Para que essa “governança” seja “democrática” é preciso que haja “capacidade de organização e ação da sociedade, por meio da gestão relacional ou de redes”; é preciso favorecer “a condução do desenvolvimento econômico e tecnológico em função de valores de equidade social, coesão territorial, susten2

PASCUAL, Josep Maria Esteves, Governança democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades. Brasília: FAP, 3. ed., 2016.

Apresentação

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Plenária da Conferência com destaque para o primeiro à direita, FAUSTO MATO GROSSO, diretor da FAP

Raquel Dias, da Coordenação Nacional de Mulheres; da Igualdade Racial e do Diversidade 23

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tabilidade, ética, além da ampliação e aprofundamento da democracia e da participação política”.3 A governança democrática é uma nova perspectiva de atuação dos governos locais, em que a cidade é considerada uma construção coletiva e o governo local se torna um dinamizador e organizador da capacidade de ação da sociedade. Para nós, portanto, a proposição da governança de-

Ibidem.

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ROBERTO FREIRE e LUIZ CARLOS AZEDO, jornalista e dirigente do PPS, idealizador desta Conferência

RENATO ATÍLIO, diretor financeiro da FAP

mocrática se apresenta como uma nova perspectiva de mudanças. Sem desconsiderar a dimensão da gestão e menos ainda a estrutura representativa da cidadania, a perspectiva da governança democrática busca revalorizar a política, no sentido de organizar a ação do conjunto da sociedade, visando objetivos democraticamente compartilhados. Pela via da política, a proposta da governança democrática estabelece o entendimento de que a nossa “cidade futura” não é uma utopia, mas um arranjo produtivo, embora inconcluso, no qual não devem haver nem ganhadores nem perdedores definitivos. Trata-se de uma construção coletiva, compartilhada e aberta, consonante aos ditames do nosso tempo. Alberto Aggio

Apresentação

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Governança Democrática Professor Gonzalo Cáceres

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PUC-Santiago, Chile

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A cidade é a pauta: o século XIX foi dos impérios, o século XX, das nações, o século XXI é das cidades. As megacidades são o futuro do Planeta Urbano. Carlos Leite, em Cidades Sustentáveis

O

Brasil segue a tendência mundial de afirmar-se como parte de um planeta cada vez mais urbano. A população vive nas cidades e essa é uma tendência irreversível. Com ela aumenta a complexidade da sociedade contemporânea. Por essa razão, é preciso pensar as cidades brasileiras a partir de um contexto global, que guarda imensas transformações, conflitos e uma crise que parece ser permanente. As cidades brasileiras vivem sob o influxo dos três entes federativos que compõem o Estado brasileiro: o poder público municipal, estadual e federal. A vida nas cidades não está reduzida ao que difusamente se chama de “poder local”. Uma das principais repercussões da crise do Estado brasileiro se manifesta de maneira dramática nas cidades brasileiras por meio da crescente concentração de recursos no plano federal, o que gera um desequilíbrio econômico-financeiro nos municípios.

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Apesar do seu grande crescimento, em termos de população e riqueza, as cidades brasileiras engendram historicamente exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social da malha urbana e graves problemas ambientais. Questões que não podem deixar de ser enfrentadas pela política municipal, incidindo também sobre as dimensões estaduais e nacionais. As cidades brasileiras devem ser pensadas de acordo com o nosso tempo. Um tempo de crise extensiva e profunda, de caráter antropológico e que necessita de um tratamento político-ideológico progressista e democrático. As cidades brasileiras necessitam de uma política clara que, além de enfrentarem seus problemas setoriais, com a eficiência requerida, como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, habitação e infraestrutura de saneamento básico, se estruture a partir de uma orientação consonante com o tempo de grandes transformações que vivemos, especialmente na esfera da comunicação entre pessoas, corporações e instituições públicas e privadas. No Brasil, as finanças públicas no plano municipal estão esgarçadas e são causadoras de um desequilíbrio catastrófico, ameaçando sua capacidade administrativa. Com o agravante de que tal desequilíbrio possa se acentuar em meio a crise mais geral que o país atravessa. É urgente repensar, portanto, um novo federalismo que reconquiste, no mínimo, a divisão econômicofinanceira dos recursos públicos conforme havia sido ditada pela Constituição de 1988. Faz-se necessário um novo federalismo que reequilibre financeiramente as regiões do país e possibilitem um novo salto qualitativo na vida urbana.

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Selfies de LUIZ CARLOS AZEDO e de SONINHA FRANCINE, tendo ao fundo dirigentes e conselheiros da FAP durante Seminário em São Paulo sobre a Governança Democrática. No destaque abaixo, dirigentes da FAP: Juarez Amorim, Débora Albuquerque, Fausto Mato Grosso, Maurício Huertas, Davi Zaia, George Gurgel, Caetano Araújo, Jorge Espeschit e Carlos Fernandes

Diante da crise ética que assola o país, a participação cidadã deve ser sustentada por um projeto de afirmação da República que incrimine severamente todos os atos de corrupção no âmbito da administração pública. Esse não é um tema exclusivamente local, mas um tema político nacional, de caráter urgente, que a cidadania brasileira deve assumir claramente, no contexto das próximas eleições municipais. Há a necessidade, portanto, de que se estabeleça no país uma mentalidade e uma conduta intransigente – serena e não beligerante –, em defesa daquilo que é patrimônio de todos os brasileiros.

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Para o PPS impõe-se, hoje, ultrapassar a fórmula do “poder local” adotada pelo partido desde o processo de redemocratização do país. A ideia de que o “poder local”, vinculado à noção de “radicalidade democrática”, como um ponto de enfrentamento da crise geral do Estado mostrou-se retórica e limitada e, por outro lado, levou o PPS a vacilar no sentido de adotar a perspectiva de um partido autenticamente reformador no qual importa menos a perspectiva finalística e mais a proposição prática de propostas de enfrentamento de questões concretas da vida da população, tornando-as seus objetivos permanentes. É imprescindível que o PPS faça uma avaliação crítica da política de “orçamento participativo”. A dinâmica efetiva do orçamento participativo, além de lidar com um percentual irrisório de recursos no planejamento do município, gerou ilusões e muitas distorções. Ela não foi efetivamente uma política democrática de participação e acabou cedendo espaço para o paternalismo, o

Alberto Aggio, professor aposentado da Unesp e presidente da Fundação Astrojildo Pereira

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clientelismo e o assistencialismo, impulsionando, mais ainda, elementos extremamente negativos na prática da política municipal. Deve-se considerar, portanto, uma crítica clara ao orçamento participativo, recolhendo experiências mais ricas no sentido de fazer avançar a política democrática em âmbito local. A globalização gera imensas oportunidades e também instaura um quadro de grandes tensões. As cidades se globalizam e expressam esse dramático cenário. As alternativas a esse quadro são diferenciadas conforme o lugar do mundo. As disjuntivas que se apresentam opõem a adaptação ao capitalismo globalizado ou a sua rejeição e, nesse sentido, é frequente a polarização entre naturalização ou resistência. Contudo, em lugares periféricos ou mesmo emergentes do mundo, como na América Latina e no Brasil, as cidades têm procurado melhorar sua inserção nos fluxos globais para superar a distância tecnológica, financeira e econômica dos últimos 30 anos do século XX e, por outro lado, bus-

Luciano Rezende (PPS-ES), prefeito de Vitória

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Ricardo Ismael (PUC-RJ); presidente da FAP Alberto Ággio e Gonzalo Cáceres (PUC-Santiago, Chile)

cam enfrentar o desafio de superarem seus déficits quanto à desigualdade social, cultural e de governabilidade democrática. Recentemente, tais polarizações, infladas por crises políticas e sociais locais, têm exacerbado discursos extremistas e alimentado movimentos de ocupação do espaço público, tais como Occupy Wall Street, os “indignados”, na Espanha, ou as jornadas de junho de 2013, no Brasil. Como resultado dessas manifestações se produziu a ideia de “cidades rebeldes”, que fazem parte de uma difusa visão da “cidade futura”. O certo é que, nos últimos anos, emergiu uma demanda efetiva de participação que aponta para uma “nova cidadania” e para a necessidade de mudanças, mas que ainda espera por uma “tradução” de natureza

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TONINHO BARROS (PPS-ES) e Ricardo Chiabai, vereador do PPS, Vila Velha-ES

política. Essa dinâmica vem acalentando expectativas as mais variadas que se expressam por meio de um conjunto de sugestões identificadoras do futuro, tais como as noções de “cidades tecnológicas” ou “cidades globais”, “cidades inteligentes” ou “cidades sustentáveis”. A ideia de uma “cidade democrática” poderia ser uma síntese dessas formulações, visando enfrentar os atuais desafios urbanos da “cidade futura”. Desse percurso recente deve-se registrar que não há monopólio de nenhuma corrente intelectual e menos ainda de uma força política específica a respeito da complexidade que envolve essa nova realidade das cidades e sua crise. Em função disso, é possível sugerir que a temática da “governança democrática” das

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cidades deva ser pensada como o eixo discursivo da proposta do PPS para as eleições municipais de 2016. Por “governança” deve-se entender “o modo de governar para fazer frente à crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, relações horizontais, pela participação da sociedade no governo e sua responsabilidade de fazer frente aos desafios socialmente colocados”. Para que essa “governança” seja “democrática” é preciso que haja “capacidade de organização e ação da sociedade, por meio da gestão relacional ou de redes, tendo como finalidade o desenvolvimento humano”. Trata-se, portanto, de uma perspectiva humanista de se governar cidades que podem e devem conectar-se, em termos práticos, à trajetória recente de democratização da vida política do país. A “governança democrática” deverá favorecer “a condução do desenvolvimento econômico e tecnológico em função de va36

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lores de equidade social, coesão territorial, sustentabilidade, ética e ampliação, e aprofundamento da democracia e da participação política”. De acordo com J. Pascual, a “governança democrática” pressupõe e caracteriza-se sinteticamente por: 1. uma cidadania ativa envolvida com a solução dos desafios sociais; 2. valores cívicos e públicos; 3. revalorização da política democrática e do governo representativo (o governo representa a cidade frente às suas necessidades e desafios; o governo tem incumbências); 4. construção compartilhada do fortalecimento do interesse geral, entendido como “construção coletiva”; 5. transparência e prestação de contas. Desnecessário, mas obrigatório dizer que “a governança democrática exige e necessita de democracia” (As referências a “governança democrática” são extraídas de PASCUAL, Josep Maria Esteves, Governança democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades. Brasília: FAP, 3. ed., 2016). Diante da caracterização que fazem alguns urbanistas a respeito das cidades brasileiras como “cidades cindidas, desiguais e insustentáveis”, a proposição da “governança democrática” se apresenta como uma nova perspectiva de mudanças. Com ela se poderia efetivamente abrir as portas para a construção da nossa “cidade futura”, uma agregação humana participativa que busque sempre mais eficiência, equidade, fraternidade e felicidade!

Este capítulo, cujo tema é a GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de ALBERTO ÁGGIO.

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Deputado estadual Comte Bittencourt (PPS-RJ), presidente do Diretório Estadual do PPS-RJ e da Comissão de Educação da Alerj


Foto: Conferência Nacional / Diego Alves

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osso país atravessou, na história recente, momentos importantes na evolução do modelo educacional. Desde a emenda João Calmon, que garantiu parcelas do orçamento para investimento em educação, à atual Carta Magna, que a ampliou significativamente, até a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Uma década depois de sua promulgação, cujo esforço nacional ampliou expressivamente a matrícula na década de 1990, atingindo indicadores quantitativos comparáveis aos dos países mais desenvolvidos, culminando com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ambos em 2007. Em que pese todos esses avanços, somente em 2014 o país

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concretizou seu Plano Nacional de Educação (PNE) com as 20 metas e suas respectivas estratégias de implementação. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, a receita do Fundeb projetada para 2016 será de 131,7 bilhões de reais. Deste valor total, cerca de 120 bilhões de reais virão de contribuições de estados, Distrito Federal e municípios e apenas, aproximadamente, 12 bilhões de reais da complementação da União. Soma-se a isso, a constatação de que boa parte dos recursos que o governo federal aloca na função educação é destinada ao Ensino Superior. Os investimentos remanescentes para a Educação Básica, a cargo dos municípios e estados, dependem de transferências voluntárias que pecam em sua sofrível regularidade e baixa participação dos entes federativos na formulação das políticas. Fora isso, convive-se com o novelo burocrático que caracteriza a habilitação e a prestação de contas, aliadas ao sistema de prevenção da inadimplência federal, o Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (Cauc), que acaba por excluir diversas redes públicas, penalizando centenas de milhares de crianças e jovens, que se veem impossibilitados de acesso aos benefícios, por conta de sucessivas gestões governamentais que, a cada dia, mergulham mais fundo no endividamento e na exaustão fiscal. Dois a cada três dos estudantes brasileiros terminam o ensino fundamental sem as condições mínimas de ingressarem no Ensino Médio e o pior: apresentamos uma diferença de quase três anos de proficiência entre o nosso aluno e o estudante de classe média europeia. O país ostenta baixíssimos indicadores na produção científica e tecnológica, de inovação e, portanto, de competitividade neste setor vital para a economia mundial. As empresas brasileiras solicitaram, segundo dados de 2013 da Organização Mundial 40

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de Propriedade Intelectual, cerca de 7 mil registros de patentes contra 200 mil da China e 34 mil da Coréia do Sul. As áreas de alta tecnologia, hoje se constituem na principal fonte de riqueza das nações. Em muitos setores, estamos atrás até mesmo de países pequenos e sem tradição de desenvolvidos. E nossa educação, nossas empresas, nossas universidades não estão preparadas para enfrentar este desafio. Na sociedade do conhecimento, o jovem que não avançou quanto às habilidades de leitura e interpretação de texto, à capacidade de solução de problemas e nem participou de programas de iniciação científica, tem seu futuro limitado, não tem condições de disputar as melhores vagas no mercado de trabalho e nem desenvolver de forma plena as suas potencialidades intelectuais. O Brasil precisa urgentemente mudar seu modelo econômico, hoje voltado para a exportação de produtos agrícolas e minérios ou ainda alicerçado na produção industrial, para sustentar

Deputada estadual Any Ortiz (PPS-RS) e senador Cristovam Buarque (PPS-DF)

Educação

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sua economia no desenvolvimento da tecnologia e da inovação. Essa será a verdadeira revolução que a sociedade brasileira precisa e que somente poderá ocorrer com a educação de qualidade oferecida de forma equânime a todas as crianças e jovens.

Educação integral Diante da absoluta prioridade, definida pelo Partido Popular Socialista, quanto à implantação em todo o território nacional da escola de tempo integral, torna-se primordial o estabelecimento de estratégias para a concretização desse avanço, cuja transformação que acarretará na educação brasileira será sentida no âmbito de toda a sociedade. A organização da prática educativa das escolas de tempo integral será legitimada por meio das decisões, objetivos e metas coletivamente formuladas pela comunidade num projeto político pedagógico, que vai promover o encontro entre as diferenças de identidade da comunidade em que a escola está inserida, permitindo que os processos educativos sejam construídos a partir do diálogo norteador, promovendo em seu planejamento o uso dos novos espaços e a necessidade de uma nova visão temporal que evite a fragmentação de sua proposta educacional. A aprendizagem, no contexto de uma escola de tempo integral, deve basear-se numa ação organizada por projetos incorporados ao cotidiano da escola, que permitirão ao aluno ampliar seu universo de experiências. É preciso considerar quais os interesses dos alunos, suas dificuldades, seus conhecimentos, o mundo em que vivem, para que possam ser motivados e envolvidos nessa prática educativa, que tem como objetivo primordial prepará-los para o exercício pleno da cidadania. 42

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Entendemos, assim, que a dimensão mais elevada da formação integral da criança e do jovem deve ter como cerne, essência e meta fundamental, a compreensão das diferentes culturas e das diferenças étnicas e de gênero, muito além do prisma da igualdade, inserindo-se no entendimento da valorização da diferença identitária e na busca pela igualdade em relação ao exercício de direitos.

A política educacional e a avaliação Não é possível gerir com eficácia sem planejamento. A gestão pública não pode ser realizada sem base em evidências e desconectada de um modelo participativo. Daí a importância de se elaborar os planos municipais de educação, de forma ampla e responsável, buscando articular os diversos setores da sociedade para diagnosticar, planejar, a médio e longo prazos, e, acima de tudo, estabelecer metas, compromissos e direcionar os recursos para sua consecução, sem perder de vista a sua análise e revisão permanente, adequando os mesmos ao dinamismo da sociedade contemporânea. A política educacional, portanto, necessita de uma planificação que articule o trinômio currículo, avaliação e reorientação da aprendizagem. No que se refere às turmas dos anos iniciais do ensino fundamental, além de um programa de leitura estruturado e com amplo acesso ao livro por parte do alunado, deve ser estimulada a iniciação científica com implantação de laboratórios de ciências e a utilização dos espaços fora dos muros da escola, bem como a criação de instâncias de debate sobre cidadania e humanidades. É importante investigar os casos de sucesso na própria rede, na qual professores nas mesmas condições, frequentemente adversas, conseguem alto desempenho em aprendizagem e aprovaEducação

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ção, a fim de adquirir tempo extra de trabalho dos mesmos, para difundir suas práticas e apoiar as iniciativas de desenvolvimento profissional. As redes sociais podem se transformar em poderoso instrumento de reconhecimento e motivação profissional com efeitos de grande impacto no âmbito de cada escola.

Universalização da pré-escola, ampliação da oferta de matrículas em creches A meta três do Plano Nacional de Educação se mostra tão clara quanto improvável de ser atingida: uma cobertura de 50% da matrícula de 0 a 3 anos e da totalidade na pré-escola. Segundo dados do observatório do PNE, embora tenha havido uma considerável evolução nos números, ainda atendemos somente a cerca de 30% das crianças nesta etapa, chegando, todavia a quase 90% de cobertura nos anos finais. A educação infantil, em suas diferentes etapas, pode desempenhar um papel essencial no processo de desenvolvimento cognitivo que dará sustentação a toda a trajetória estudantil da criança, além de apoiar o processo educativo e de bem-estar dos mesmos e de suas famílias em diversas outras perspectivas, como o desenvolvimento social e da saúde, apenas para citar algumas.

Gestão escolar e infraestrutura Aspecto-chave que, por vezes, ganha contornos de grande desafio é dotar as escolas de infraestrutura adequada. O conceito é amplo e compreende algo que se situa além do mínimo e um tanto distante do ideal, este último bem representado pelas unidades que funcionam em turno único, com salas ambiente, com todos os equipamentos culturais, científi44

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cos e esportivos, tão frequentemente presentes nas escolas dos países desenvolvidos. Nossa realidade é muito distante. Para se ter uma ideia, somente 32% das unidades escolares possuem quadra esportiva e apenas 11% têm laboratório de ciências. O quadro, não raro, costuma ser desalentador, com altíssimas temperaturas no verão, infiltrações, rede elétrica e hidráulica muito precárias. As interdições de prédios escolares pela Defesa Civil são frequentes. Para enfrentar o problema de aportar mais recursos ao sistema educacional, sem penalizar o contribuinte, é necessário garantir uma relação de enorme eficiência no gasto público do setor, por meio de intensa fiscalização Polliana Gama (PPS-SP), vereadora de Taubaté quantitativa e qualitativa dos insumos oferecidos à rede pública. O PPS valoriza a transparência como questão programática, e retoma essa questão, no texto base da Conferência Sobre as Cidades, indo além, e propondo a criação de novos modelos de controle, participação e mesmo de gestão dos orçamentos públicos. Ainda sobre este tema, é importante frisar que o PPS valoriza o princípio da governança democrática e, portanto, a gestão participativa da escola deverá ser, cada vez mais, consolidada pelo fortalecimento dos Conselhos Escolares e do processo Educação

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de escolha, por meio de consulta comunitária, dos gestores escolares. Neste sentido, os gestores deverão ser escolhidos pela comunidade escolar, contudo, sendo prioritária a participação em três etapas, ao longo do processo, quais sejam: frequentar um curso de formação sobre a legislação educacional e os eixos gerenciais, administrativos, pedagógicos e financeiros; apresentar bom aproveitamento em uma avaliação para comprovação de competência técnica; e, a seguir, participar do processo de validação de seu nome junto à comunidade escolar.

Tecnologia educacional É absolutamente impensável que a escola contemporânea ainda utilize como principal tecnologia de sala de aula o giz ou a caneta “pilot”. O ser humano está a cada dia mais habituado a receber uma verdadeira enxurrada de informações simultâneas. O desafio que se apresenta está na capacidade do professor em concatenar as novas tecnologias com os saberes curriculares e, assim, realizar a efetiva mudança na prática pedagógica. A introdução das tecnologias em sala de aula permitirá transformar o laboratório de informática em laboratório de idiomas, de ciências, sala de recursos, liberando esse espaço para outras utilizações, tendo em vista que as máquinas devem ser alocadas no dia a dia do aluno. O conceito de lócus tecnológico, hoje, está completamente ultrapassado, e a sala de aula continua sendo o espaço privilegiado para o processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, entendemos ser necessário introduzir a tecnologia no cotidiano das aulas e, para tanto, desenvolver este processo de forma segura e progressiva. A inserção do equipamento tecnológico não pode abandonar o protagonismo essencial do professor e, por isso mesmo, 46

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deve ocorrer em etapas, na medida em que o docente se sinta confortável com a utilização dos recursos.

Magistério: formação e planos de carreira docente A questão da formação dos professores em nosso país tem características nitidamente estruturais. Por isso mesmo, seu enfrentamento demanda lapsos de tempo que extrapolam os períodos de mandato. Além disso, ainda há os interesses corporativos e acadêmicos presentes nas discussões sobre formação e profissionalização, que não podem ser excluídos de uma posição privilegiada no debate que cerca essa temática. Cabe ressaltar que as políticas públicas para a formação, inicial e continuada, e a valorização dos profissionais de educação no Brasil possuem ampla normatização, tanto com atos legislativos de âmbito federal quanto estadual, e até em diversos municípios. Desde a Constituição Federal (CF) de 1988, em seu art. 206, inciso V, a valorização dos profissionais da educação se apresenta como um princípio constitucional. A Emenda Constitucional 53/2006, alterou a redação original da CF, com acréscimos no que se refere à valorização e profissionalização dos professores da educação pública, evidenciando a necessidade e urgência dessa concretização. Em seu inciso V, dispõe que a valorização dos profissionais da educação escolar deve ser garantida por meio de “planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” e, no inciso VIII, traz a necessidade de um “piso salarial nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”. Todavia, os diplomas legais ainda não lograram êxito de se verem integralmente materializados. Educação

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No que se refere aos planos que deveriam estabelecer as condições, os requisitos e a remuneração adequados ao exercício da profissão docente, ainda existem municípios que não instituíram planos de cargos e salários, como também determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 67. Sem contar outros casos em que a legislação municipal se encontra sobremaneira defasada. Portanto, torna-se impensável falar em valorização do magistério sem este decisivo ponto de partida.

Residência pedagógica Entre as possibilidades de rever as condições de ingresso na carreira docente, buscando dar ao profissional recém-concursado mais segurança e apoio em suas ações educacionais, é que se idealiza um programa intitulado Residência Pedagógica. O projeto, que se inspira no modelo de residência médica, prevê aulas compartilhadas em um sistema de articulação docente voltado ao acompanhamento e formação continuada em serviço. Além disso, é importante deixar claro que, uma vez que o projeto de Residência Pedagógica se consolide no sistema, todos os demais professores, independentemente de estarem em estágio probatório, podem beneficiar-se do programa, levando, assim, para a rede, o conjunto de ações formativas desenvolvidas ao longo do tempo. O objetivo é aliar a melhor doutrina com as práticas exitosas de sala de aula e, ambas, a uma articulação docente capaz de formar professores de alto desempenho, habilitados para alfabetizar e letrar nossos alunos com solidez e no tempo certo. Enfim, traçar as bases para a produção de leitores, que entendam e discutam o mundo à sua volta. E é disto que nossas escolas precisam: jovens com domínio pleno da Língua Portuguesa, capazes de traçar 48

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seu próprio destino, navegando pelo conhecimento e saberes, “com livro, régua e compasso”.

Política de inclusão No Brasil, a inclusão ocorreu por força da lei. Em outras palavras, podemos afiançar que não houve um planejamento e uma preparação dos docentes ou mesmo das estruturas das escolas para tal acolhimento. Contudo, o Brasil, apesar de todo o sofrimento e tensão a que foram submetidos diretores de escola, professores e equipes pedagógicas, conseguimos avançar muito nesta área. No entanto, ainda há um enorme caminho a trilhar, fortalecendo as salas de recursos e reconhecendo a carreira do Professor de Atendimento Educacional Especializado, com caráter pedagógico e social, devendo protagonizar a realização de ações afirmativas, mediadoras e formativas. O campo de atuação dos Professores de Atendimento Educacional Especializado são as ações que envolvem a política de inclusão de cada unidade escolar ou sistema de ensino, com primazia no atendimento em sala de aula e na sala de recursos multifuncionais, bem como nos programas de bilinguismo, aos alunos com deficiência ou desvalia, seja de natureza cognitiva, motora ou sensorial, de acordo com laudo médico e o grau de necessidade aferido em cada caso concreto, devendo o atendimento ser modificado na medida em que o estudante apresente maior desenvolvimento que proporcione a sua autonomia. Educação

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É importante salientar a necessidade de articulação das Secretarias de Educação com as de Saúde para promoverem as verificações de acuidade visual e auditiva, além de programas de apoio ao aluno com deficiência, inclusive quanto aos casos hoje pouco assistidos nas redes públicas como a dislexia e o TDAH.

Educação de Jovens e Adultos A Educação de Jovens e Adultos (EJA) deve se basear nas exitosas experiências de aceleração da aprendizagem em curso em nosso país, sem perder de vista a necessidade de articular a educação formal com as habilidades profissionalizantes, ou mesmo, com a educação profissional. Nosso país possui nada menos que 28% dos alunos do Ensino Fundamental II com distorção idade-série, ou seja, com atraso escolar superior a dois anos. Boa parte destes alunos desiste da escola ou conforma-se à postura de jovens que comparecem às unidades apenas para satisfazer as pressões familiares. Na perspectiva de minimizar esses

Prefeito de Vitória Luciano Rezende (PPS-ES); senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e o publicitário JORGE OLIVEIRA

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problemas, o melhor é dar condições pedagógicas e estruturais para se evitar a repetência, tornando a escola um espaço formador com alto grau de efetividade. Todavia, diante da atual conjuntura, faz-se necessária uma política nacional voltada para a EJA, que a agregue à educação formal e a uma maior contextualização, utilizando tecnologia adequada e, ao mesmo tempo, conectada com habilidades profissionalizantes. Atualmente, é possível verificar a decisão política de abrir esta modalidade de ensino no horário diurno, atendendo à legítima demanda das famílias, mas também na perspectiva de contemplar o público mais jovem, ausente do mercado de trabalho, assim como as mulheres.

À guisa de conclusão O financiamento da educação brasileira precisa alcançar patamares mais elevados de aporte de recursos. Não se pode abandonar a ideia de aumentar o gasto em relação ao PIB e, principalmente, ampliar, significativamente, a remuneração do magistério em todo o território nacional. Resta, no entanto, a necessidade de, antes de onerar a população com um aumento da já exaustiva carga tributária, dar certeza à sociedade de que o gasto público no setor está assegurado em padrões confiáveis de eficiência, eficácia e efetividade. Em um país onde quase 14% dos alunos são reprovados nas séries finais do ensino fundamental e outros 5% simplesmente abandonam a escola, podemos afiançar que temos um norte primordial no qual buscar o financiamento para o segmento, antes de majorar a já imensa carga fiscal que recai sobre o setor produtivo e o trabalhador em geral: melhorar os indicadores. Ora, se o Brasil gasta 6,6% do PIB em educação, estamos falando de algo em torno de 360 bilhões de reais todos os anos. Uma quantia considerável, ainda mais se levarmos em conta que com 20% de Educação

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“perda” – como resultado da repetência e do abandono – estamos desperdiçando quase 72 bilhões de reais ao ano, considerando o gasto total. Levando-se em conta que, segundo o MEC, o Brasil possui cerca de 1,9 milhão de professores na Educação Básica, poderíamos, numa aritmética simples, pensar em uma distribuição de 3,2 mil reais a cada mês, em 12 parcelas, de cada ano, a título de valorização. A fonte de financiamento primário do setor deve estar atrelada à melhoria da qualidade do gasto público e, consequentemente, a uma melhor efetividade no tocante aos recursos destinados a todo o sistema. O Brasil só vai dar um salto na educação quando todo o país entender que ela é um instrumento de construção do futuro. Precisamos de um Movimento Educacionista no Brasil de hoje, uma coalizão, um movimento nacional que ponha na frente a educação das crianças, dos jovens, dos adultos e dos analfabetos. Mas esse “educacionismo” não vai acontecer por

JANE CASTRO (PPS-RJ) e ELISEU NETO (coordenador nacional do PPSDiversidade)

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Claudio Mendonça, Secretário de Educação de São Gonçalo-RJ

força de decreto, por simples vontade do governo. Ele precisa vir da própria sociedade, reunindo políticos de todos os partidos, métodos de alfabetização, pessoas com as mais diferentes ambições. O PPS, de forma programática, não esmorece em sua defesa pela aplicação, não de 25%, mas de 30% das receitas tributárias e decorrentes das transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino. O aumento quantitativo dos recursos investidos no setor, aliado à eficiência no gasto, permitirá o enfrentamento dos problemas estruturais que se arrastam há décadas, como a jornada escolar diminuta, a inadequada remuneração do professor, a urgente universalização da pré-escola, a necessária ampliação da oferta de creches, a revitalização da infraestrutura das escolas, o fomento ao desenvolvimento profissional docente e à construção de uma proposta pedagógica planejada, estimulante, contextualizada, inclusiva, cidadã e interdisciplinar.

Este capítulo, cujo tema é a EDUCAÇÃO, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de CLAUDIO MENDONÇA.

Educação

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Saúde 54

Grupo discutindo a situação da Saúde Pública, durante a Conferência de Vitória


O

Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido capaz de se estruturar e se consolidar como um sistema público de saúde de enorme relevância pelos resultados apresentados para a população brasileira, porém, além de enaltecer seus avanços, é forçoso reconhecer que persistem muitos problemas e desafios. Reconhecer que a população tem dificuldades de acesso à saúde e propor outros caminhos para equacionar os problemas, deve ser sempre o motor do discurso de todos que pensam o efetivo funcionamento da área. Pesquisa1 recente apontou que 93% dos entrevistados avaliam os serviços públicos e privados de saúde como péssimos, ruins ou regula-

1 Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM), jul./2014. <http://portal.cfm. org.br/images/PDF/apresentao-integra-datafolha203.pdf>.

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res, e, entre os usuários do sistema 87% declaram insatisfação com os serviços oferecidos. Ao longo dos debates no dia 28/01/2016, no seminário organizado pela Fundação Astrojildo Pereira na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi possível distinguir três dimensões nos problemas que vêm se tornando crônicos na saúde pública em nosso país: a dimensão do financiamento, da gestão e do modelo de atenção. Observamos que tanto na questão do financiamento quanto na gestão temos desafios imensos e grande dependência de que o desenho institucional do SUS só avançará com a mudança qualitativa do equilíbrio federativo. Mais do que ausência de recursos, que é notória e inconteste sob qualquer aspecto de mensuração, vige hoje no país uma grande injustiça fiscal com significativo ônus para os entes municipais.

Deputada Carmen Zanotto, PPS-SC, (ao centro) acompanhada do deputado estadual ANTONIO JORGE ( à sua direita) e de militantes da área da Saúde

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Experiências exitosas que qualificam o gasto neste ambiente de escassez financeira e que se relacionam com inovações na área da gestão devem ser apropriados pelas políticas oficiais e exemplarmente disseminadas. Tanto o debate federativo quanto a incorporação de práticas de governança e gestão que tragam resultados para a sociedade dependem criticamente da luta política e de um grande debate com a sociedade no sentido de qual Sistema Único de Saúde, de fato, a população não só necessita, mas também deseja. O distanciamento progressivo do SUS constitucional com o SUS real é vivenciado cotidianamente por milhões de brasileiros. Precisamos cada vez mais reconhecer os avanços sanitários que o legitima, mas, da mesma forma reafirmar em sintonia com os anseios da sociedade que ainda estamos muito distantes do desejável, especialmente no aspecto assistencial. Considerando a necessidade de se qualificar o entendimento e o discurso sobre a saúde e, considerando ainda a enorme Saúde

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diversidade das obrigações dos municípios nesse setor em função, principalmente, do porte populacional, optamos por um recorte nesta imensa agenda que unifica todos os territórios no que diz respeito ao compromisso da área pública municipal de saúde com seus munícipes: a atenção primária.

Atenção Primária à Saúde A crise global instalada nos setores públicos e privados de saúde desencadeada por transições demográficas, tecnológicas, epidemiológicas, nutricionais e ambientais alteram a situação de saúde tanto de países ricos quanto de países em desenvolvimento. No Brasil, essa situação é agravada tendo em vista a tripla carga de doenças: a predominância das doenças crônicas e seus fatores de risco como tabagismo, sobrepeso, inatividade física, uso excessivo de álcool e outras drogas, além da alimentação inadequada; a presença importante das doenças infecciosas, somadas às causas externas, que representam o terceiro maior fator de morbimortalidade no país. O desafio que encontramos para enfrentar este quadro sociodemográfico e epidemiológico é superar a hegemonia de um modelo de atenção que se apresenta inadequado e ineficaz em sua resposta à sociedade. Nosso sistema público e privado de saúde é organizado para dar respostas às condições agudas, enquanto a nossa carga de doenças demonstra que a maior morbimortalidade, algo em torno de 75%, está nas condições crônicas de saúde,2 situação que necessita, para um cuidado adequado, 2 “As condições agudas são aquelas condições de saúde de curso curto que se manifestam de forma pouco previsível e que podem ser controladas de forma episódica e reativa e exigindo um tempo de resposta oportuno do sistema de atenção à saúde. As condições crônicas são aquelas condições de saúde de curso mais ou menos longo ou permanente que exigem respostas e ações contínuas, proativas e integradas do

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outro tipo de resposta que não é a de sistema fragmentado, atomizado, sem organização que propicie um contínuo cuidado e centrado na atenção médica curativa. A APS nos sistemas fragmentados e nas redes de atenção à saúde

Fonte: Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011

“O SUS deve ser entendido como um processo em construção permanente, que visa, em médio e longo prazos, a uma mudança do paradigma de atenção à saúde”, conforme Eugênio Vilaça. Então, para restabelecer a coerência entre a situação de saúde com transição demográfica acelerada e tripla carga de doenças com predomínio forte de doenças crônicas e um sistema integrado de saúde contínuo e pró-ativo, voltado equilibradamente para a atenção às condições agudas e crônicas, Vilaça propõe a implantação das redes de atenção à saúde (RASs), que são sistema de atenção à saúde, dos profissionais de saúde e das pessoas usuárias para o seu controle efetivo, eficiente e com qualidade” (Wagner EH. Chronic disease management: what will take to improve care for chronic illness? Effective Clinical Practice. 1, p. 2-4, 1998. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação. Brasília: OMS, 2003).

Saúde

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“arranjos organizativos de ações e serviços de saúde integrados por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão”, de acordo com conceito do Ministério da Saúde. Esse modelo virou lei por meio do Decreto 7.508, de 28/6/11, e da Portaria 4.279, de 30/12/10. As Redes de Atenção à Saúde são responsáveis por uma população definida; são organizadas de forma poliárquica (não há hierarquia); por um contínuo de atenção – primária, secundária e terciária –; de forma integral – ações de promoção da saúde e de prevenção, cura, cuidado, reabilitação ou paliação das doenças; coordenadas pela atenção primária à saúde; orientadas para a atenção às condições agudas e crônicas; focadas no enfrentamento sistêmico de condições de saúde ou doenças; organizadas pelas necessidades de saúde da população; e têm incentivos econômicos alinhados aos objeti-

Dep. federal ROBERTO FREIRE (PPS-SP), prefeito de Vitória LUCIANO REZENDE, dep. federal RUBENS BUENO (PPS-PR) e dep. estadual DAVI ZAIA (PPS-SP), secretário-geral do PPS

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vos sanitários. DES, 2011).3

(MEN-

As evidências têm demonstrado que os melhores resultados no enfrentamento do atual cenário epidemiológico acontecem quando o sistema de saúde supera esta organização fragmentada e se organiza em redes de atenção, sendo a APS a ordenadora do cuidado, além de ser a solução para atender em torno de 90% dos problemas que deman- Deputada federal Carmen Zanotto vice-líder do Governo Temer. dam cuidados primários. É im- (PPS-SC), Titular das Comissões portante registrar para os nos- CSSF, CETECSAU, PEC00115, PL162815, PLP25105, CEXCREST, CEXTORNA, sos candidatos que existe farta CEXZIKA, CMMULHER, CDMULHER, literatura científica com evi- SEMULHER, SUBFARMA. dências sobre os expressivos resultados da atenção primária quando implantada com os pressupostos corretos.4 Observa-se: diminuição da mortalidade, re-

3 As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. 4 Starfield (1994); Shi (1994); Institute of Medicine (1994); Bindman et al. (1995); Starfield (1996); Reyes et al. (1997); Saltman & Figueras (1997); Bojalil et al. (1998); Rajmil et al. (1998); Robinson & Steiner (1998); Billings et al. (2000); Colin-Thome (2001); Engstron et al. (2001); Grumback (2002); Starfield (2002); Ansary et al (2003); Macinko, Starfield & Shi (2003); Organización Mundial de la Salud (2003); Atun (2004); Caminal et al. (2004); Docteur & Oxley (2004); Greb et al. (2004); Gwatkin et al. (2004); Health Council Of Netherlans (2004); Health Evidence Network (2004); Jones et al. (2004); Palmer et al. (2004); Rosero (2004); Silva & Valentine (2004); Panamerican Health Organization (2005); Starfield, Shi & Macinko (2005); Macinko, Guanais & Souza (2006); World Health Organization (2008). In: Mendes Ev. revisão bibliográfica sobre a atenção primária à saúde. Belo Horizonte, mimeo, 2008.

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dução do fluxo de pessoas usuárias para os serviços secundários e para os serviços de urgência e emergência, redução dos custos da atenção à saúde, maior acesso aos serviços preventivos, redução das internações por condições sensíveis à atenção à saúde, maior satisfação dos usuários e maior equidade, mesmo em situações de grande desigualdade social, como é o caso do Brasil. O quadro a seguir apresenta a percepção dos usuários do SUS que utilizam os serviços de saúde, demonstrando em pesquisa que, em sua maioria, avaliam como muito bom/bom a estratégia saúde da família, com foco na APS. Gráfico 1 – % das opiniões dos entrevistados a respeito da qualidade dos serviços públicos de saúde prestados pelo SUS, segundo sua utilização e tipo de serviço pesquisado. Brasil, 2010

Fonte: Ipea. Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) 2010.

A Atenção Primária à Saúde (APS) que aqui defendemos, se caracteriza por uma estratégia complexa, altamente resolutiva, com capacidade de coordenar as Redes de Atenção à Saúde e com responsabilidades claras, sanitárias e econômicas, por sua população adstrita. No Seminário, Eugênio Vilaça Mendes apresentou o modelo operacional desta construção cuja aplicação em 62

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algumas experiências nacionais e internacionais tem apresentado resultados positivos. Para tanto, é preciso reforçar o entendimento de que a APS não é básica e sim complexa, deve receber os approaching tecnológicos para uma boa gestão da clínica, deve estar em espaços arquitetônicos específicos e de qualidade, e seus trabalhadores contarem com políticas de gestão de pessoas que valorizem resultados e que estabeleçam carreiras para a fixação dos mesmos. Ou seja, temos que nos contrapor à ideia ideológica e reacionária de que a APS é uma atenção simples que de forma muito nefasta para a sociedade vem sendo apresentada como uma atenção pobre para pessoas pobres. A APS é complexa por se desenvolver em meio a práticas gerenciais e sanitárias, sob forma de trabalho interdisciplinar, destinadas a populações de territórios geograficamente delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinâmica existente no território onde vivem essas populações. Sendo o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde, se orienta pelos princípios da universalidade, acessibilidade e coordenação, vínculo e continuidade, integração, responsabilidade, humanização, equidade e participação social. (MENDES, 2011).5

Importante ressaltar que a Estratégia Saúde da Família já vem sendo disseminada em nosso país desde 1994, tem sido acolhida pelos municípios e, apesar de todos os problemas, vem cumprindo os princípios da APS: ser o primeiro contato da população às ações e serviços de saúde, com integralidade, ao longo do tempo e coordenando os usuários na rede de serviços. 5 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.

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Por seu caráter estruturante, tem provocado um importante movimento de reordenamento do modelo de atenção no SUS. Poderíamos então supor que há uma maior racionalidade na utilização dos demais níveis assistenciais do SUS? Grosso modo, isto não se confirma. A Estratégia Saúde da Família somente será efetiva e desempenhará seu verdadeiro papel, quando estiverem organizadas as redes de atenção e fortalecida a atenção primária como eixo ordenador do cuidado.

Jane Neves (PPS-PA), mestra em Enfermagem, militante da Saúde

Os nossos desafios serão grandiosos frente a este projeto de se fortalecer e implantar a Atenção Primária à Saúde, porque vai em direção contrária à lógica do mercado e em oposição direta à “indústria da saúde”. Vejamos: a Atenção Primária...

• utiliza tecnologias de menor densidade e mais intensivas em cognição; • tende a ser desvalorizada dentro do SUS que a lógica de pagamento é por procedimentos realizados que privilegiam os de maior densidade tecnológica e que oferta mais serviços e não os necessários à população; • a indústria farmacêutica não tem interesse no fortalecimento da APS e muito menos a indústria de equipamentos biomédicos; 64

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• não motiva os prestadores mais organizados e melhor posicionados na arena política de saúde; • rompe com alguns elementos essenciais do modelo atual – curativo com foco no profissional médico, cada vez mais especializado, individualista (como convencer a população que culturalmente vive neste modelo); • apresenta menor visibilidade, tanto material quanto simbólica, para toda a população. Para não retrocedermos e não nos deixarmos levar por este discurso, a informação é pauta importante que deve estar presente junto aos nossos gestores municipais. Daí a necessidade de se convencer, por meio de evidências, que a APS tem importância capital dada a sua natureza de porta de entrada do cuidado, de organizadora e orientadora da atenção e é para a imensa maioria dos nossos municípios o único nível de cuidado. Talvez deva ser este o grande tema dos nossos líderes políticos: pensar a saúde em rede e fortalecer a Atenção Primária com qualidade.

Síntese Diretriz principal A partir da estruturação das Redes de Atenção à Saúde, implantar e fortalecer a Atenção Primária em Saúde, com práticas mais coletivas, contínuas e interdisciplinares, como o autocuidado apoiado e o cuidado compartilhado. 1) Estruturar a ambiência das Unidades Básicas de Saúde, seja construindo, ampliando, reformando e dotando Saúde

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de tecnologia os equipamentos necessários para a atenção à saúde do cidadão. 2) Mudança organizacional (decisão do gestor) envolvendo a modificação do foco na cura e reabilitação para um foco na promoção e prevenção baseada em evidências de resgate da relação profissional-paciente e em tecnologias e multiprofissionais. 3) Mudança na forma de remuneração de médicos e equipes multiprofissionais (saindo do pagamento por procedimentos ou por salários fixos para o pagamento por performance ou desempenho da equipe). 4) Gestão do trabalho: o reforço dos regimes estatutários, a implantação de planos de carreiras, a criação de um fundo de equalização salarial com recursos federais e estaduais, a possibilidade de entes contratadores regionais, abonos de permanência em regiões críticas, a

Cátia Lisboa, funcionária da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória; Diana e Sol Maurício, ambas militantes do Diversidade 23; Irecy Muniz, também funcionária da Semus-Vitória

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focalização da graduação na formação de generalistas, incremento das residências em saúde da família, institucionalização de programas de educação permanente, incremento da educação a distância, dentre outros. (adoção no país do Serviço Civil Obrigatório para os profissionais de saúde). 5) Mudança na qualidade e qualificação dos gestores do SUS, escolhidos pelos prefeitos municipais. 6) Investir fortemente na qualificação dos profissionais que trabalham na APS. 7) Implantação de Diretrizes Clínicas por meio da Gestão da Clínica. 8) Vigilância em Saúde: integrar as ações de vigilância, prevenção, proteção e promoção à saúde, todas coordenadas e integradas entre si e com as demais ações e serviços desenvolvidos e ofertados no SUS, estando presentes no cotidiano de todos os pontos de atenção Saúde

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e, em especial, na APS, com vistas a garantir a integralidade da atenção à saúde da população. Nesse sentido, deve-se buscar compatibilizar os territórios de atuação das equipes; desenvolver o planejamento, a programação, o monitoramento e a avaliação integrados das ações individuais e coletivas e reestruturar os processos de trabalho. 9) Desafio da cultura da Estratégia de Saúde da Família, de não se haver com os problemas agudos. Por que nossas equipes não cuidam dos eventos agudos? A equipe faz a triagem e não retém. A Unidade Básica de Saúde não tem um lugar para atender o agudo de baixa complexidade. 10) Como convencer o cidadão sobre o autocuidado? Tem a informação e não muda o comportamento (pensar estratégias robustas e incorporar tecnologia para apoiar o autocuidado). 11) Implantação de Teleassistência para garantir o apoio diagnóstico aos profissionais de Saúde da Família. 12) Não ao programa Mais Médicos. Diretrizes gerais • Reafirmar o compromisso com as diretrizes constitucionais do SUS de descentralização das ações e dos serviços de saúde, de atendimento integral de toda a população, da universalidade do acesso aos serviços de saúde e da participação social e, com base nesse compromisso, avançar na organização e na implantação de novo modelo de atenção à saúde.

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• Reafirmar a necessidade de uma reforma tributária profunda e eficiente para restabelecer a linha de equilíbrio inerente ao regime federativo mais justo na distribuição da arrecadação e de atribuições, capaz de fortalecer a descentralização, garantindo-lhe condições para a execução das políticas, principalmente ao ente municipal. • Fortalecer os Conselhos Municipais de Saúde para que desempenhem plenamente sua competência legal, visando um trabalho cada vez mais efetivo de participação na governança do SUS, ou pensar nova forma de controle da sociedade. • Mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal a fim de permitir a alteração do artigo que limita os gastos com pessoal da área da saúde. • Mais recursos para o Sistema Único de Saúde: defesa do Projeto de Lei Complementar 321/2013, que define que a União aplique o equivalente a 10% das Receitas Correntes Brutas para Ações e Serviços Públicos de Saúde no orçamento do Ministério da Saúde. • Reforçar a importância da cooperação intermunicipal entre os municípios – Descentralização/Regionalização.

Este capítulo, cujo tema é a SAÚDE, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de ANTONIO JORGE (deputado. estadual PPS-MG).

Saúde

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Finanças 70

André Gomyde, diretor presidente da Companhia de Desenvolvimento da Prefeitura de Vitória (ES), apresentando as resoluções do grupo de Finanças Públicas


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quadro caótico da economia brasileira vem se agravando a cada ano. Particularmente neste ano de 2016, o Brasil vive uma situação atípica, cujas conjunturas política e econômica passam por uma crise sem precedente em sua história. Normalmente, os países vivem suas crises econômicas em um período, e suas crises políticas em outro. Pela primeira vez juntaram-se as duas crises no mesmo período e os resultados são muito ruins para todos os setores. No entanto, devemos lembrar que o atual cenário de degradação financeira do setor público é resultante tanto de escolhas públicas equivocadas, quanto da própria concepção do que seja desenvolvimento e de quais são os meios necessários para alcançá-lo. O Brasil adotou um modelo de desenvolvimento assentado fundamentalmente na exportação de commodi71


ties e no estímulo desenfreado ao consumo, mediante o comprometimento da renda futura das unidades familiares. Essa escolha foi pouco inteligente, pois mobiliza poucos fatores de produção internos, exporta empregos, movimenta pouco a economia, deixa o país sujeito às grandes volatilidades dos preços internacionais, além de gerar poucos impostos. Governar com orçamentos fictícios também gera desequilíbrios fiscais e macroeconômicos, pois eleva-se a despesa sem a contrapartida de receita estável. Como nossa Federação é um sistema de vasos comunicantes, desequilíbrios na União necessariamente impactam os municípios. Portanto, grande parte dos problemas que os municípios enfrentam tem a ver com os desgovernos macroeconômicos provocados pela União que tem impacto direto sobre as receitas e as despesas das cidades e, por consequência, sobre a vida de cada cidadão. É sabido que o país tem um modelo federativo que concentra recursos na União, em detrimento dos municípios. Ocorre que as pessoas vivem nos municípios, pagam seus impostos nos municípios e é nos municípios que elas têm acesso aos poderes públicos. Ninguém consegue ter acesso fácil à União ou aos estados. São os prefeitos municipais e os vereadores que sofrem as cobranças dos problemas do dia a dia das pessoas, sem ter os meios suficientes para resolvê-los. Sabe-se que em um país da extensão do Brasil existem municípios de diversos tamanhos e com os mais variados tipos de problemas. A seguir, apresentaremos sugestões que podem atender a todos, indistintamente, cabendo às lideranças locais fazer os ajustes necessários, de acordo com suas particularidades, sempre contando com o apoio da comunidade na busca das soluções que sejam as mais adequadas.

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Conjuntura econômica O mundo passou por três grandes ondas econômicas e começa a viver sua quarta onda. A primeira foi a da agricultura, quando o homem – que até então era nômade – fixou-se à terra e passou a constituir unidades familiares grandes, porque precisava de pessoas para ajudar no plantio, colheita e criação de animais. A segunda onda da economia mundial começou com a revolução industrial, quando então surgem os sindicatos, a sociedade passa a se organizar e as famílias começam a diminuir de tamanho, porque o custo para manter mais pessoas se torna alto e os chefes de família começam a ter menos filhos. A terceira onda iniciou-se em meados do século XX e estendeu-se até os dias de hoje, com o fortalecimento da inovação tecnológica, o advento da internet, a globalização e, mais recentemente, das redes sociais. As unidades familiares tradicionais deixam de ser um modelo único e novas formas de viver se apresentam: homens que ficam solteiros; mulheres que ficam solteiras; homem que casa com homem; mulher que casa com mulher; casais que não têm filhos; casais que têm apenas um filho; casais que moram em casas separadas; casais que casam e se separam, às vezes os filhos ficando com a mãe, às vezes com o pai etc. E em janeiro de 2016, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, anunciou-se que o mundo começa a viver sua quarta onda da economia, a chamada onda da indústria 4.0, que começa a focar recursos no desenvolvimento da robótica, nanotecnologia e biotecnologia. O Brasil tem sua economia fortemente baseada, ainda, na primeira onda. Nossos principais produtos de exportação são a soja, o café e as commodities minerais, bem como papel e celulose. O país ainda luta pelos avanços da segunda onda: política industrial, desoneração tributária, infraestrutura logística, modernização das leis trabalhistas e reformas de leis que hoje são Finanças

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arcaicas e atrasadas, como por exemplo a Lei 8.666. Somos muito tímidos ainda na terceira onda, o país investe muito pouco em ciência, tecnologia e inovação. O que se dirá da quarta onda da economia! Estamos ainda longe de dar um salto nesses setores. Igualmente, o Brasil vive uma conjuntura econômica de déficit nas contas públicas, com inflação alta, o que obriga o Banco Central a aumentar as taxas de juros, e faz com que os investidores prefiram colocar seus recursos no mercado financeiro especulativo, ao invés de colocar seus recursos na produção. Observa-se que os prefeitos das cidades, independentemente do seu tamanho, vivem uma situação caótica: os recursos que arrecadam não ficam, em sua maioria, na cidade; dessa forma, a saúde financeira delas depende, de um lado, do esforço próprio da gestão pública local que deve ser pautada pelos princípios da responsabilidade e da eficiência, mas, por outro, ela depende fortemente do contexto macroeconômico e do modelo federativo do país. Então, essas duas frentes devem ser simultaneamente enfrentadas. Nas últimas décadas muitos encargos vêm sendo colocados sob a responsabilidade dos municípios, sem o repasse dos recursos necessários, engessando suas administrações e provocando o seu crescente endividamento. As pessoas da cidade hoje têm acesso à informação on -line e on-time (ao vivo e na hora que acontecem); os modos de vida das pessoas são os mais variados, o que dificulta definir políticas públicas gerais que agradem à maioria; e, por fim, estabelecer parceria com o setor privado está mais difícil, posto que seus recursos estão destinados prioritariamente ao capital especulativo.

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O que fazer? Toda e qualquer cidade, independentemente de seu tamanho, apresenta três situações comuns:

a) Estoque de problemas – situações que se acumulam ao longo do tempo e que os prefeitos vão herdando de gestões anteriores e que precisam ser solucionadas, muitas vezes faltando recursos para isso. b) Serviços essenciais – serviços do dia a dia de qualquer prefeitura, como saúde, educação, segurança, limpeza pública, transporte, assistência social etc. c) Desenvolvimento econômico – planejamentos estratégicos que definem projetos de médio e longo prazos que possam desenvolver a matriz econômica do município ou até mesmo substituí-la.

Cabe ao gestor público municipal estruturar sua gestão de uma maneira que consiga ter as três frentes de trabalho atuantes, organizando seus recursos de forma que o peso da aplicação seja na resolução dos estoques de problemas e na eficiência e eficácia da gestão dos serviços essenciais, em detrimento de uma gestão que privilegie a contratação ou manutenção de grande quantidade de funcionários, muitas vezes, desnecessários.

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As pessoas das cidades precisam ser estimuladas ao empreendedorismo e receber do poder público o apoio necessário para desenvolver mercados. É daí que deve vir a geração de renda, e não do empreguismo na esfera pública, que incha a máquina e faz aumentar as despesas em custeio, cujo real gasto se esgota no ato da despesa, mas um real gasto em investimento e empreendedorismo tem a capacidade de se multiplicar por três, quatro, dez vezes, a depender do ramo de atividade, e é isso que faz a economia crescer. Hoje em dia 60,3% dos servidores são estatutários, o que impacta diretamente seus custos fixos, enquanto 10,3% são celetistas e 8,5% comissionados. É nesse contexto que a gestão deve se organizar, também, para desenvolver um plano estratégico de longo prazo da cidade, com foco em seu desenvolvimento econômico, de acordo com suas características e aptidões, voltado para o bem-estar e a qualidade de vida de seus cidadãos. Por conta do desenvolvimento econômico mundial no setor de tecnologia, inovação, biotecnologia e nanotecnologia, e que hoje gira em torno de US$ 1,2 trilhão em negócios, não se pode desprezar a tecnologia como um elemento que deve perpassar todas as matrizes econômicas que os municípios possam desenvolver, cada um com suas características. Hoje, o desenvolvimento tecnológico é o elemento que pode trazer o setor privado para as parcerias que os municípios precisam para se desenvolver e resolver seus problemas financeiros. Por meio de parcerias com entes privados, a exemplo das PPPs (Parcerias Público-Privadas), dos acordos setoriais, das contribuições de melhoria, entre outras, os municípios podem desonerar seus caixas e se financiar com recursos do setor privado. Cabe ressaltar que as PPPs não são feitas exclusivamente para 76

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rodovias, pontes e outras obras de grande porte. Essas devem ficar a cargo dos governos estaduais e federal e de uns poucos municípios de grande porte. Os municípios podem desenvolver PPPs para a gestão integrada dos resíduos sólidos, para a geração de energia, iluminação pública, saneamento, saúde e educação. São áreas que interessam ao mercado e que ajudam a desonerar as prefeituras, bem como melhorar a eficiência na prestação destes tipos de serviços. O problema hoje em dia está no fato de que a legislação de PPPs privilegia os grandes projetos e isso precisa ser modernizado, para que as cidades possam fazer suas parcerias nas mais diversas áreas e com pisos de investimentos que estejam mais de acordo com a realidade financeira da maioria das cidades do país.

O que se deve defender O Partido Popular Socialista, que pretende se modernizar e encontrar um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, respeitando sempre o foco no desenvolvimento das pessoas e inserido no modelo de desenvolvimento do século XXI, deve trabalhar no Congresso Nacional para que a legislação seja aprimorada, primordialmente nesses aspectos:

a) debater a urgente necessidade de um novo modelo de desenvolvimento para o país, que privilegie o empreendedorismo, a inovação e a agregação de valor com foco na geração de emprego e renda para os cidadãos brasileiros. Para isso vamos propor uma mudança na política tributária

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no sentido de desonerar atividades que agregam valor e geram emprego e cobrar mais de quem exporta patrimônio in natura. Hoje, essa relação é inversa; b) reformular a Lei 8.666, adequando-a à realidade atual do desenvolvimento do país, de maneira que o poder público possa destravar a implantação de projetos que são essenciais para o seu desenvolvimento; c) debater uma ampla reforma administrativa e tributária, bem como um novo pacto federativo, que consigam levar o Brasil a alocar mais recursos nas cidades, onde as pessoas vivem e pagam seus impostos; d) alterar a Lei de PPPs, permitindo que projetos de qualquer valor possam ser feitos em parceria com a iniciativa privada (e não somente projetos acima de R$ 20 milhões); aumentar de 5% para 10% o limite de gastos do poder público com as contraprestações das PPPs; e permitir que os recursos vinculados da saúde e da educação possam ser utilizados como garantia das PPPs nestes setores; e) alterar a Lei da Cosip (contribuição para o custeio da iluminação pública), permitindo que estes recursos sejam utilizados também para investimentos em tecnologia nos parques de iluminação, que são a infraestrutura básica para que as demais PPPs sejam feitas com os avanços modernos que o mundo já pratica;

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f) provocar um amplo debate nacional que trate da responsabilização dos órgãos de controle, quando os mesmos paralisam projetos e depois os liberam, por não encontrar nenhuma irregularidade nos mesmos. O Brasil não pode ser o país do controle rigorosíssimo e da punição frouxa; esta lógica precisa ser invertida. É preciso que os agentes públicos possam trabalhar com liberdade, presumindo-se como determina a Constituição a honestidade até prova em contrário, e que sejam punidos rigorosamente quando cometerem irregularidades previstas em lei.

Com estas ações, o PPS estará dando uma grande contribuição para que os municípios brasileiros destravem suas agendas de desenvolvimento econômico, possam resolver seus problemas financeiros e consigam colocar suas cidades na nova era da economia mundial, transformando-as em cidades inteligentes e humanas, com gestões que atendam aos anseios da sociedade, proporcionando-lhe maior qualidade de vida e bem-estar. Este capítulo, cujo tema é FINANÇA PÚBLICA, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de André Gomyde.

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Mobilidade Urbana 80

Seminário de MOBILIDADE URBANA, realizado em Curitiba, PR. O primeiro à esquerda é CARLOS FERNANDES, presidente do diretório municipal de São Paulo, coordenador desta sessão


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videntemente, cada cidade tem suas dificuldades específicas quando se trata dos deslocamentos e viagens de seus munícipes. Ainda que seja um problema geral, cada caso exige seu diagnóstico específico para que as ações necessárias e discutidas com a população possam realmente resolver os problemas de mobilidade. E sempre tendo em conta a Lei da Mobilidade Urbana, que em 13/04/2012 entrou em vigor (Lei nº 12.587/12). Em um número importante de nossas cidades, principalmente as grandes e muitas das médias, vivemos uma verdadeira crise: elas estão literalmente engasgadas e intoxicadas como resultado da preferência pelo transporte individual, o veículo particular. Daí a necessidade urgente de, efetivamente, ser valorizado e priorizado o transporte coletivo e público. A seguir, algumas diretrizes essenciais para o desenvolvimento da mobilidade nas cidades brasileiras. 81


Calçadas • em todas as cidades brasileiras, grande parte dos deslocamentos se faz a pé; • portanto, as calçadas devem ser adequadas, seguras, sinalizadas e iluminadas, não só ao pedestre, como também ao cadeirante e àqueles que possam ter alguma dificuldade de caminhar; • a responsabilidade é da Prefeitura, e, sempre que possível, delegada ao dono do imóvel adjacente; • mas, se o dono do imóvel não o fizer, a Prefeitura o fará e agregará o custo ao IPTU; • as características dessas calçadas deverão ser estabelecidas pela Prefeitura com clareza, e sua aplicação ser fiscalizada. Ônibus • pelo baixo investimento inicial e sua flexibilidade, os ônibus ainda são o principal meio de transporte público nas cidades brasileiras; • na maioria dos casos, a propriedade é privada, mas a gestão é pública; • cada vez mais estão sendo adotados os recursos da moderna tecnologia eletrônica com as seguintes vantagens: (i) bilhetagem – controle mais seguro e cobrança por viagem e não por trecho; (ii) georreferenciamento – cadastramento, operação e fiscalização; (iii) informações ao usuário; (iv) estudos de origem e destino.

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• estas modernas tecnologias já têm hoje custos mais reduzidos e devem ser adotados, pois, por um lado, racionalizam a operação reduzindo seus custos e aumentando a oferta. Por outro, facilitam o controle governamental e social, reduzindo as fraudes. Além do mais, possibilitam, também, uma melhor e instantânea informação ao usuário. Ciclovias • sempre que possível, faixas segregadas, mas onde realmente sejam utilizadas como transporte; • na maioria das vezes tem um caráter complementar e, portanto, devem ser providenciadas as facilidades para sua integração a outros modais como estacionamentos e transporte da bicicleta; • condicionante fundamental em seus projetos: a topografia. Compartilhamento • esta é uma questão importantíssima. Ainda que muitos defendam a segregação dos modais, sabemos o quão difícil isto é na maioria das circunstâncias; • portanto, a saída é compartilhar; • e esta necessidade exige: adequações na infraestrutura; normas adequadas; fiscalização competente; e uma nova cultura.

Mobilidade Urbana

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Metrô • aqui entendido como transporte massivo sobre trilhos em via segregada; • é a solução eficaz e eficiente, e seu altíssimo custo de investimento só se dá quando as iniciativas tardias encontram centros urbanos consolidados e sua implantação é onerada por desapropriações e obras subterrâneas; • faz-se, portanto, necessária a antecipação dos projetos e o uso de vias na superfície. Só assim o metrô poderá cumprir seu importante papel estruturador; • uma política responsável vai exigir investimentos significativos e constantes. Gratuidades • Há, nessa questão, um alto grau de improvisação e de descontrole, acarretando grandes perdas de recursos e casos de injustiça; • por iniciativas de parlamentares e até do Executivo são concedidas gratuidades e facilidades sem a devida contrapartida de recursos. Legisla-se com implicações em perda de recursos sem criar uma fonte de compensação; • e quando se quer fazer integração entre modais e municípios surge um grande problema: as gratuidades e facilidades variam de um para outro; • a solução está na formalização, na transparência e no controle. Faz-se necessário: explicitar todas as gratuidades – todos que têm direito devem exercê-lo por meio de um bilhete ou cartão nominal com foto. Todas as listas de beneficiados devem estar no site; na aprovação 84

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de novas gratuidades devem ser definidas as fontes dos recursos necessários; formalizar nas gratuidades existentes, a fonte de recursos do orçamento. E tudo colocado no site. Só assim a execução orçamentária poderá ser objeto sério de análise e crítica. Conforto e Segurança • os fatores de conforto, higiene e segurança devem estar presentes e fiscalizados nos veículos e equipamentos urbanos, e, por que não, o ar condicionado e a música ambiente; • faz-se necessário que estes fatores estejam presentes desde o início nos projetos e nas licitações dos veículos, equipamentos e vias. As cidades que queremos • não basta apenas analisar o sistema viário que suporta os deslocamentos da população, e alterar o seu uso por meio da expansão de rede. Assim como não basta implantar horários diferenciados para as diversas atividades desenvolvidas na cidade. Com um bom planejamento urbano, muitas viagens podem ser evitadas; • faz-se necessário, então, alterar o perfil da demanda, reduzir as distâncias e planejar seu desenvolvimento; • em nossas cidades, há uma triste tendência a incorporar novas áreas ao solo urbano e simplesmente fazer loteamentos, ao invés de haver projetos urbanísticos; • e aí chegamos a uma questão principal que é o conceito de uso e apropriação do solo urbano. Esta questão só Mobilidade Urbana

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pode ser resolvida por meio de um bem elaborado, e discutido democraticamente, Plano Diretor da Cidade, nele incluído o Plano Diretor de Transportes; • portanto, aqueles que querem ajudar na mobilidade urbana têm que se preocupar também com os Planos Diretores Urbanos e de Transporte, com os Projetos Urbanísticos e com a institucionalização dos canais de participação; • por último, mas não menos importante, está a guerra em que se transformou nossa difícil convivência nos congestionamentos poluidores. Para o trânsito e nossa qualidade de vida é importante uma grande promoção da gentileza urbana. Os recursos necessários • o grande problema do transporte público é o da falta de recursos. Dificilmente as tarifas cobrem os custos; • para reduzir estas dificuldades se faz aqui a proposta de “transformação da Cide federal para municipal”. A Cide é um imposto federal já existente sobre combustíveis em geral; • a proposta é que essa tributação passe a ser feita localmente sobre a venda de combustível (álcool/gasolina) nos postos de combustíveis. Com tais recursos adicionais poderíamos gerar bons resultados para a sociedade, melhorando o transporte público e assim reduzindo os custos dos congestionamentos e da poluição provocada pelos automóveis. Outra parte desta Cide municipal serviria para os municípios investirem em infraestrutura, como corredores de ônibus e terminais, tornando o transporte mais rápido e atrativo;

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• estes recursos deverão ficar vinculados exclusivamente à mobilidade. Transparência • a mobilidade urbana envolve investimentos e gastos significativos, principalmente no que se refere ao transporte público; • para o adequado controle social, toda aplicação de recursos, toda execução orçamentária deve ser disponibilizada pela internet conforme determina a Lei de Acesso à Informação (LAI).

Este capítulo, cujo tema é a MOBILIDADE URBANA, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de Ulrich Hoffmann (PPS-SP).

Grupo de discussão sobre Mobilidade Urbana. Ao microfone o coordenador Ulrich Hoffman (PPS-SP)

Mobilidade Urbana

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Segurança 88

Seminário de SEGURANÇA PÚBLICA, realizado em Recife, PE. Com a palavra Alessandro Carvalho L. de Mattos, Secretário de Defesa Social de Pernambuco. À sua esquerda Luiz Eduardo Soares e dep. federal Raul Jungmann, atual ministro de Estado da Defesa


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s conteúdos dos discursos eleitorais sobre a segurança pública ainda permanecem superficiais e conservadores. Na maioria das vezes, predominam os assuntos de polícia, do sistema prisional e da justiça. Ou seja, prevalece o combate ao criminoso, em nível estadual e no âmbito Judiciário, ao invés das políticas para formação do cidadão, para o incentivo à boa convivência social e prevenção criminal. A rigor, o Brasil nunca teve uma política nacional de segurança pública. Nenhum presidente se dispôs a mexer nesse problema. Falta um Plano Nacional de Segurança Pública, faltam investimento, custeio, inteligência, atuação integrada, tecnologia etc. Não há um “SUS da segurança pública”, um sistema nacional. A maioria dos estados também não dispõe de Plano Estadual de Segurança Pública. As cidades apresentam situação ainda mais pre89


cária, atrasada, contentando-se com a condição de recebedores das políticas estaduais para segurança.

Principais questões de segurança pública relacionadas com os municípios O papel do município na segurança pública É comum acharmos que os problemas de segurança pública são de responsabilidade da polícia e da justiça. Desse modo, a discussão sobre segurança acaba ficando restrita aos governos estaduais e ao Poder Judiciário. Porém, está cada vez mais claro que as prefeituras e as câmaras municipais precisam tomar para si a responsabilidade de mobilizarem e coordenarem as ações relacionadas com segurança pública no âmbito de suas cidades. É no município que as pessoas vivem. Por isso, o município surge como um novo ator, que deve ser incorporado à discussão e à ação em segurança pública. A arquiteta urbanista americana Jane Jacobs escreveu em seu livro Morte e vida das grandes cidades que a segurança pública não se resolve só com polícia e cadeia, porque é uma questão relacionada com a qualidade da convivência entre as pessoas, com a variedade das construções urbanas e das paisagens, com a diversidade econômica e humana das cidades. Está na hora de as prefeituras começarem a coordenar ou mediar o conjunto amplo das ações públicas e da sociedade no tema da segurança. Afinal, é o município que cuida dos bares (horários, música ao vivo, bebidas para menores...) e do trânsito, cuida de iluminação pública, educação, saúde, governança participativa, integração de políticas, planejamento urbano, saneamento, praças, e ainda mobiliza as questões de gênero, juventude, raça etc. 90

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Tudo isso está relacionado em um Plano Municipal de Segurança Pública, em sintonia com as políticas estaduais e federais. Não basta construir uma quadra esportiva na comunidade. Não é só reforçar o policiamento. Tem que haver inteligência na ação e planejamento. Tem que haver diálogo entre as várias secretarias da prefeitura, e tem que haver integração das ações da prefeitura com as ações estaduais e federais. Para haver segurança, é necessário que a cidade seja social e economicamente justa. Não podemos mais fazer a discriminação entre políticas urbanas para ricos e para pobres. Não se pode ter postes de luz com LED na beira-mar e escuridão no subúrbio. Não se pode ter esquadrão antissequestro para os ricos e ronda ostensiva para os pobres. O município tem também um papel fundamental no tratamento das questões de gênero, que desencadeiam a violência contra as mulheres. Também é no nível do município que se pode realizar as melhores ações de educação contra a discriminação do segmento LGBT, raças e religiões. As drogas são um grande vetor do crime no Brasil e outros países, especialmente a pasta-base de cocaína que é um ponto de partida para os mais diversos tipos de crime. Grande parte da droga, que é consumida nas cidades, é distribuída por jovens, entre amigos, no cotidiano ou em eventos etc. Só se produz drogas porque há consumidores, e os consumidores vivem principalmente nas cidades. Se o crime organizado é caso de polícia, o consumidor e o pequeno traficante são problemas do município. As drogas causam o crescimento acentuado da população carcerária, especialmente entre os jovens de baixa periculosidade. Na maioria, são prisões em flagrante pela polícia militar que não decorrem de investigações realizadas pela polícia civil. São delitos de varejo, sem uso de armas e sem confronto. Segurança

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Este pequeno varejo de drogas, praticado por jovens de baixa periculosidade, é agravado pelo sonho de terem um modo de vida urbano baseado numa cultura consumista. Na falta de escolas, de esportes, de saúde, de emprego, de uma cidade agradável para viver, o jovem passa a querer se afirmar por coisas de marca, como o celular. Muitos escolhem se afirmar também pelo heroísmo da marginalidade. É difícil se inserir na sociedade. A tarefa de resgatar esse jovem a partir de outra perspectiva de inclusão é uma missão do poder municipal. Além disso, a construção de uma nova política para segurança pública com foco no município exige iniciativa e criatividade, inclusive na ação policial. Porém, essa criatividade é atrapalhada pelo nosso modelo antiquado militarizado do maior contingente policial, a polícia militar estadual, com sua rigidez disciplinar. É fundamental reformular as polícias do Brasil e engajá-las nas discussões com a sociedade, inclusive em nível municipal. O modelo policial e a questão municipal O sistema policial brasileiro carece de uma reformulação ampla, na gestão e nos propósitos. Antes de falarmos de desmilitarização e de reforma das polícias, comecemos com um exemplo mais simples de redefinição das atividades policiais. Em São Paulo, por exemplo, o Instituto Sou da Paz constatou que grande parte das emergências policiais tem a ver com desentendimentos pessoais, brigas de vizinhança e questões de família. São ocorrências que não precisariam ser resolvidas pela polícia. Esses casos podem ser resolvidos por agentes municipais de mediação de conflitos e por ações de prevenção. Imaginemos o desperdício de deslocar viatura, policiais, tecnologia, para re92

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solver casos banais do cotidiano. Nem tudo pode ser tratado como caso de polícia. É oportuno o país pensar novos conceitos sobre a segurança, como, por exemplo, nos formatos de polícia comunitária mais próxima da população, assim como na participação da comunidade nas discussões sobre segurança. Porém, o formato militar da maior parte do contingente policial ainda inibe a convivência entre a polícia e o cidadão. O policial militar de hoje tem que ser tratado como um profissional especialista em segurança pública. Não pode simplesmente ser submetido a uma disciplina militar. O policial militar trabalha dentro da comunidade, mas está longe das pessoas. A prefeitura precisa trazer as instituições policiais para a discussão com a população, nos bairros, nas comunidades, nas organizações sociais. É comum ouvir nas comunidades que “a PM é a polícia do povão”. No entanto, outro fator de afastamento da população é a falta de recursos disponíveis para equipar a tropa, assim como a polícia civil. Ocorre com frequência um policial ter que comprar seu material de proteção, como uniforme, botas, coletes e usar seu celular pessoal, porque não recebe da instituição. São fatores que desestimulam o policial a buscar envolvimento com as comunidades, porque se sente desvalorizado. Por outro lado, no Brasil permanece o pensamento popular preconceituoso, decorrente do período da ditadura, de que a polícia é uma corporação violenta. Há também uma percepção popular de que a polícia civil é “polícia de rico”. Este preconceito diminui o apoio da sociedade à causa da polícia. Por exemplo, a Constituição Federal de 1988 deixou de fora a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e o piso salarial. O policial é um cidadão comum, um trabalhador. Segurança

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Trazer os policiais do bairro para discussões sobre segurança com a comunidade, com a igreja, com as organizações, é uma tarefa da prefeitura, acabando com os preconceitos contra o policial, ouvindo suas orientações profissionais sobre segurança, discutindo prevenção contra drogas e violência doméstica, combinando ações conjuntas entre a polícia, as secretarias municipais e a sociedade. Atualmente discute-se, no Congresso Nacional e nos órgãos de segurança, a reforma das polícias, principalmente sobre a desmilitarização das polícias militares estaduais e sobre a implantação do “ciclo completo de polícia”. No Brasil, há uma deficiência nas investigações policiais por causa da separação entre as funções da polícia militar e da polícia civil. Por um lado, a polícia militar prende suspeitos em grande quantidade. Por outro lado, a polícia civil tem a função de investigar, mas não consegue apurar a enorme quantidade de delitos de menor complexidade. Não dá tempo e não há recursos. A polícia civil não consegue

Cientista político Luiz Eduardo Soares, professor da UERJ

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nem dar conta de construir processos de qualidade sobre os crimes mais complicados sob sua responsabilidade. A polícia que prende não é a mesma que investiga. São duas polícias separadas, com atividades distintas. A que prende é militar. A que investiga é civil. A que prende não tem atribuição para investigar e a que investiga não tem alcance para prender. O resultado é a falta de qualidade da investigação (inteligência, inquérito, gestão). É possível implantar práticas em que a polícia militar realize etapas da investigação nos crimes simples, nos flagrantes etc. Os municípios sofrem com esta separação completa de papéis. Às vezes a única viatura da PM na cidade tem que se ausentar durante horas para levar um suspeito a uma delegacia em outra cidade para lavrar uma ocorrência. Os municípios precisam se incorporar a essa discussão junto aos deputados e aos governos estaduais para apresentarem suas sugestões e discutirem atividades complementares entre a polícia estadual e as guardas municipais, e outras pastas da administração pública. As guardas municipais também são um instrumento importante das cidades na prevenção do crime, da violência doméstica, da ocupação desordenada do espaço público, da depreciação dos bens públicos. Os guardas municipais podem cumprir funções articuladas com outras secretarias municipais, com as polícias estaduais, com a polícia rodoviária federal etc. Outras dificuldades enfrentadas pelos municípios no tema da segurança pública A falta de recursos e o sucateamento das estruturas policiais vão além das polícias estaduais. Vejamos o caso da Polícia Segurança

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Rodoviária Federal, por exemplo. É normal viajarmos durante horas por estradas federais e não vermos postos e nem viaturas da PRF em funcionamento pleno. A Polícia Rodoviária é importante instrumento de proteção dos municípios, na contenção e repressão ao tráfico, roubo de veículos e de mercadorias, assaltos violentos etc. Já no caso das UPPs no Rio de janeiro, os policiais fazem plantão em containers sem ar condicionado, sem banheiros, tendo que fazer refeições com suas despesas ou contar com a solidariedade da comunidade. As jornadas de trabalho são extensas. Mais uma vez a motivação e o moral da polícia são abalados. O distanciamento entre o policial e a rua, e o bairro, começa pelo desprestígio com que ele é tratado pelo próprio Estado. São exemplos de que o custeio da estrutura policial chega a ser mais significativo do que o investimento, e esse custeio recai sobre os governos estaduais, que não aguentam o volume de gastos. É essencial saber se existem as condições para que uma nova estrutura investigativa se viabilize, e quanto custa essa estrutura eficiente. Não há estudos, por exemplo, sobre as necessidades atuais das polícias civis nem se levantou ainda quanto custa a desejada polícia eficiente (polícia científica, gestão, equipamentos, inteligência, tecnologia, ciclo completo etc.). Ou seja, a eficiência não depende exclusivamente de um modelo de polícia única. Está faltando gestão. O processo de democratização nas polícias militares é recente. Faz pouco tempo que os praças e os cabos conseguiram espaço para opinar, criticar e propor. Mesmo assim, ainda é limitada a participação deste setor na formulação das políticas de segurança pública. Ainda é preciso testar a polícia militar em um novo ambiente, mais democrático, com atuação comunitária. 96

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Não temos garantias de que uma polícia desmilitarizada de ciclo completo por si só terá sucesso. Qualquer modelo deverá passar pelo planejamento e funcionamento com foco na questão municipal e na integração de pastas e de polícias. Contudo, a discussão nacional sobre o ciclo único de polícia (coordenada pelo deputado federal Raul Jungmann, PPS-PE, como relator do tema na Comissão de Constituição Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, em 2015), provocou um acirramento na tensão entre a polícia civil e a polícia militar. Imagine o esforço que deverá ser feito para colocar essas polícias para trabalharem em conjunto, acrescentando-se a isso as organizações populares, as instituições municipais etc. Há também a precariedade dos presídios brasileiros. Não há vagas, não há ressocialização, não há separação por grau de delinquência, não há recursos nem inteligência que nos permitam enxergar uma saída. O Estado perdeu o controle do sistema prisional. O crime organizado age fora dos presídios comandado por presos e a população carcerária é autogovernada. Não basta prender se não julgar, se não ressocializar. Mais uma vez aqui aparece o município como fundamental promotor da reinclusão desses ex-criminosos na sociedade e no apoio a suas famílias. Isso se faz com integração de políticas nos municípios. Sugestões para os municípios Os municípios devem chamar os estados e a União para o debate da segurança pública. Não precisa esperar pela desmilitarização da PM, nem pela unificação desta com a polícia civil. Há muito a se fazer, desde já, integrando-se pastas e políticas relaSegurança

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cionadas com questões que afetem a segurança pública. Cobrar a elaboração dos Planos Estaduais e Federais. No mundo, já existem diferentes modelos de polícia que, mesmo estando baseados na organização militar, já conseguem realizar o ciclo completo. A questão não é simplesmente ser militar ou não. Existe também um conceito novo, o de Justiça Restaurativa, que precisamos estudar e compreender. Trata-se de um processo pelo qual todas as partes ligadas a uma ofensa em particular, se reúnem para resolver coletivamente como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para o futuro. A seguir, alguns programas exitosos nos estados e municípios brasileiros. Em Pernambuco, um bom exemplo é o Pacto Pela Vida, um programa do governo estadual reconhecido pelos resultados. Este programa obteve ótimos resultados por meio da atuação integrada entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, baseada em planos de metas, gratificações por resultados e em um modelo de gestão adotado com sucesso por grandes empresas, no qual as polícias passaram a ser percebidas e ouvidas na formulação das políticas, e recompensadas. A estratégia primordial do Pacto pela Vida em Pernambuco é a integração entre todos os órgãos públicos. A ação integrada vai além das polícias, abrange as outras pastas. Isto pode e deve incluir os municípios, as guardas municipais, a sociedade etc. A prefeitura do Recife implantou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, iniciando uma política de segurança pública baseada no olhar do município. A Secretaria criou o Centro Comunitário da Paz (Compaz), que é um modelo implantado na Colômbia. Integra políticas, atrai a comunidade, educa o jovem. Reúne em um mesmo espaço uma série de serviços públicos, 98

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como esportes, estudos, atendimento a mulheres vítimas de violência, Procon etc. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, a polícia militar já faz o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), realiza ciclo completo para determinados perfis de crimes, com eficiência. Em Sergipe, por exemplo, houve um governo estadual que procurou interagir com a sociedade civil, com as prefeituras, com a igreja etc. As instituições chegaram a ratear custos, se cotizaram para abrigar postos de segurança e até para comprar pneus para viaturas, entre outras iniciativas. O Paraná também programou práticas e modelo de gestão da segurança pública que merecem ser observados e estudados. A prefeitura de Vitória-ES desenvolveu um Plano Municipal, com base na orientação do Programa das Nações Unidas (Pnud), a partir de consultas populares. Foram organizadas 136 ações integradas entre diversas pastas municipais e órgãos estaduais e federais (não só as polícias). Isso permitiu enxergar a diversidade de ações da gestão municipal que guardam relação com a questão da segurança pública. Procurou deixar de lado o modelo de segurança baseado apenas no “combate ao criminoso” e considerou que simplesmente “mais polícia e mais prisão” não resolvem e que a segurança deve ser trabalhada antes de ocorrer o caso de polícia. Atribuiu, por exemplo, à guarda municipal a função de monitorar e prevenir a violência contra a mulher. Também previne o acesso dos jovens ao consumo e ao tráfico de crack. A guarda, ainda, avalia a situação de risco dos locais e atua juntamente com os órgãos de ação social, antes que se chegue à situação de caso de polícia. Age informado de problemas simples da cidade, como iluminação, buracos, calçaSegurança

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das, semáforos, venda de bebidas para jovens, barulho, bares clandestinos, prostituição, saneamento, lixo etc. A prefeitura de Vitória também implantou o programa Escola da Vida para acolher pessoas em situação de rua, reduzindo essa população em 85%. O tratamento é diferenciado, por tipo e por origem da escolha por viver na rua, por exemplo, viciados em drogas, conflitos familiares etc. O Botão do Pânico é um eficiente instrumento de proteção da mulher ameaçada. A guarda municipal pode ser acionada pelas mulheres sob proteção apertando o botão de um aparelho bip quando o agressor se aproximar. A Secretaria de Desenvolvimento da Cidade identifica, monitora e desmantela locais de prostituição e drogas, como hotéis e bares, com o apoio da guarda municipal e de outras pastas. Há um programa de proteção da juventude que utiliza a prática noturna de esportes, a iluminação de praças e ruas, a reforma de praças e quadras. A Câmara de Vereadores de Vitória estuda a proposta de se criar a Frente Parlamentar Municipal Contra a Violência Contra Mulheres. Na cidade de São Paulo, as experiências com as subprefeituras demonstram a aproximação da prefeitura do território. As subprefeituras atuam em conjunto com as polícias e com o governo estadual. Com isso, melhorou muito o conjunto

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de indicadores sobre tráfico, prostituição, ocupação irregular do solo, meio ambiente etc. O Instituto Sou da Paz tem atuado em frentes alternativas, como o estimulo à criação de grêmios escolares e também a capacitação de professores para a mediação de conflitos. Em Contagem-MG, há uma experiência com mediação de conflitos relacionados com a ocupação irregular de terrenos públicos. Essa experiência evoluiu para a mediação de conflitos relacionados com o envolvimento de jovens com as drogas. Em Niterói-RJ, policiais federais criaram um projeto social com voluntários para atender jovens em situação de risco, oferecendo cursos pré-vestibular, esportes, artes marciais, associado também a escolas públicas etc. Centenas de jovens são atendidos; pelo menos 20 jovens já foram tirados do tráfico de drogas. É notório que as polícias não acompanham as mudanças das cidades. Compram dezenas de viaturas para atuar com trânsito congestionado, ao invés de investir em equipamentos de comunicação. É recomendável que as UPPs do Rio de Janeiro substituam a atitude ineficiente baseada na ação de natureza militar e invista na integração das ações das diferentes pastas da administração pública. Os municípios do interior precisam controlar o consumo de álcool entre os jovens, porque ele é a porta de entrada para as drogas. A primeira experiência com drogas se dá na juventude, quando o jovem está bêbado. Policiais federais observam que a porta de entrada para drogas pesadas não é a maconha. É o álcool. Esta tarefa deveria ser de responsabilidade das prefeituras, com suas guardas municipais atuando em conjunto com a educação, a ação social e a sociedade civil. Segurança

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fELIPE SAMPAIO (PPS-PE), coordenador do grupo de Segurança Pública

Ex-guarda penitenciário de Belo Horizonte sugere que se intensifiquem as atividades produtivas nas prisões. Que os presos sejam classificados, de acordo com suas aptidões profissionais anteriores. Que se distingam com uniformes profissionais, como pedreiros, pintores, professores, mecânicos, eletricistas, encanadores. E que sejam designados para trabalhos comunitários em prédios públicos, escolas, praças etc. As prefeituras poderiam auxiliar na ocupação e inclusão desses presos. É importante também as prefeituras apoiarem a preservação do Estatuto do Desarmamento junto aos seus deputados. O porte e a posse de armas de fogo não ajudam na diminuição da criminalidade. Existe, ainda, um conceito novo, o de Justiça Restaurativa, que precisamos estudar e compreender. Trata-se de um processo pelo qual todas as partes ligadas a uma ofensa em particular, se reúnem para resolver coletivamente como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para o futuro. Por fim, é fundamental que se criem fundos de segurança pública, nos níveis federal, estadual e municipal, a exemplo do que já ocorre para a saúde e para a educação. Este capítulo, cujo tema é a SEGURANÇA PÚBLICA, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de Felipe Sampaio.

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Cultura 104

Seminário de Cultura, sessão da Conferência das Cidades, realizado no Rio de Janeiro. Ao centro o cineasta João Batista de Andrade, presidente da Fundação Memorial da América Latina de São Paulo. À sua direta Alberto Ággio e à esquerda Juarez Amorim


E

m primeiro lugar, há que se reconhecer a extrema dificuldade de se produzir um texto voltado para o estabelecimento de “políticas culturais” para as cidades brasileiras. Mais dificuldades ainda seriam agregadas se somássemos as questões do esporte, do lazer e do turismo, que, muitas vezes, aparecem de forma unificada aos organismos de cultura dos municípios. Refletir sobre cultura é uma tarefa de enorme complexidade. Isto porque falar de cultura é o mesmo que falar do homem, um universo de relações e expressões infinitas. Cultura é “um estar no mundo”, é estar vivendo e fazendo o mundo, construindo-o e construindo-se a partir e com as suas circunstâncias, ou seja, aquilo que lhe é dado. A cultura, como esse “estar no mundo”, permeia todos os aspectos da vida cotidiana. Com base nessa premissa, entende-se que pensar a cultura é pensar esse “estar no 105


mundo”, é entender que o mundo necessita de atuação e de ocupação, de entrelaçamento e de orientação em relação a ele. Tanto mais num mundo em permanente mudança, no qual o espaço dos homens deixa gradativamente de ser segmentado pelos Estados nacionais, ganhando crescentemente plenitude global. Não se pode, portanto, entender o homem se não se leva em conta o fato primordial de estar no mundo com suas alternativas e vicissitudes, com suas oscilações e mudanças. Ao se discutir a cultura como “um estar no mundo”, importa reforçar a ideia de que devemos pensar no que significa participar da convivência com as estruturas e os princípios que governam as relações sociais, costumes, usos e aspirações que dominam e produzem a essencialidade da atividade humana. Em síntese, “estar no mundo” é saber que o homem cria e recria – é captá-lo, compreendê-lo e atuar para transformá-lo. Não é só contestar, mas responder a desafios que envolvem ação

Apresentação de grupo capoeirista, durante a Conferência Nacional

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e reflexão, expressão e proposição. São estas as respostas capazes de mudar o mundo e a vida dos homens. A partir destas premissas, considera-se a cultura como um conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, proporcionando ao homem a capacidade de reflexão sobre si mesmo, fazendo-o reconhecer-se como um projeto inacabado e que busca incessantemente uma interlocução com os diferentes atores culturais. “Estar no mundo” é tornar-se sujeito em todo este processo, estratégia essencial no desenvolvimento da sociedade, via preservação dos valores de um povo. O que tem a ver com o conceito de identidade cultural, concebida não como o que nos diferencia dos demais, mas como aquilo que nos une, nos dá sentido de pertença.

Política Cultural As políticas públicas para a cultura, que formam em conjunto o que podemos chamar de “política cultural”, devem ter em vista e guardar uma íntima esperança no sentido de se construir um país mais democrático, com relações igualitárias, remetidas ao princípio da alteridade e da plena liberdade de expressão e de manifestação de todos, visando lhes garantir a possibilidade de produção simbólica do seu “estar no mundo”, independentemente de sexo, etnia, credo religioso e origem. O locus da produção cultural é a sociedade civil. Por isso, enrijecer a política cultural a partir de uma lógica de Estado tem gerado inúmeros problemas e disfunções. Partidos políticos que se fundam nessa lógica estão com os dias contados. No entanto, é preciso levar em conta que a produção de cultura, especialCultura

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mente em países como o Brasil, necessita do apoio do Estado para sua viabilização. Devemos aproximar a cultura da noção de cidadania. Demanda-se cultura como um direito de cada pessoa de usufruir dos benefícios da criação coletiva da sociedade. Em suma, cultura é um direito de cada um de nós. Pela cultura, inserimos as pessoas socialmente. Assim, pode-se compreender a “política cultural” como um conjunto de ações governamentais no sentido de incentivar, promover, proteger e difundir a cultura e a cidadania em todas as suas formas e expressões. Para isso, ela deve contar com a participação efetiva, independente e criadora das populações e de seus agentes culturais, integrando-se ativamente ao que temos chamado de “governança democrática”. Um conceito que temos adotado para buscar estabelecer uma conexão entre as instituições políticas da democracia e a atual “revolução cidadã” que o país vive intensamente, da qual são expres-

Cleia Schiavo e IVAN ALVES FILHO, ambos conselheiros da FAP, professores e ativistas da área cultural e política

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sões as manifestações de rua que atravessaram o país desde 2013 contra o governo Dilma e a presença do PT no governo, e a Operação Lava-Jato, no sentido de frear a força dos grupos econômicos encastelados no Estado e, ao mesmo tempo, afirmar a noção de que as leis valem para todos. Toda política cultural deve se adequar às realidades locais sem perder o vínculo entre cidade e universalidade. A política cultural, a partir dos municípios, deve estimular a liberdade de expressão, de manifestação e de respeito à diversidade. Deve proporcionar o acesso mais amplo possível aos bens culturais, visando a garantir ao cidadão a preservação de seu patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, possibilitar a ele sua elevação e progressão. Em suma, a política cultural que propomos deve fazer jus a uma ideia de que a cultura é uma esfera social e humana que supre e, ao mesmo tempo, gera novas necessidades culturais. O engajamento do poder público municipal no desenvolvimento da cultura, em articulação com os outros entes federativos (estados e União) vem da consciência de que a produção cultural não é capaz de sobreviver a contento numa sociedade predominantemente mercantilizada. Por isso, o impulso e o estímulo à criação artístico-cultural, bem como a sua renovação, devem procurar combinar suas ações, sempre que possível, buscando um equilíbrio com as exigências do mercado. Em essência, a cultura é produzida pela sociedade e ao Estado cabe o papel de ajudar a dar visibilidade a essa produção. Em nossa perspectiva, a legitimidade de uma proposta cultural se assenta na ideia de que, em nosso país, produzimos uma “cultura de fronteira”. Uma cultura que mescla conteúdo popular e caráter erudito. É um grande equívoco estabelecer uma “muralha chinesa” entre essas duas dimensões culturais da nossa formação histórica. Além disso, pode-se dizer que nossa cultura Cultura

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sempre expressou a mescla étnica, sem estabelecer guetos culturais e populacionais, como em outras histórias nacionais. Por fim, deve-se atentar também para o fato de que nossa cultura sempre foi mais criativa quando se abriu e realizou o embate político, sem receio e sem preconceitos, envolvendo, na criação e na crítica, intelectuais e artistas de diversos matizes. As ações culturais, para serem eficazes, devem definir objetivos de curto, médio e longo prazos. Devem estar atentas também aos novos formatos de pobreza na sociedade urbana contemporânea, levando em consideração todas as esferas que cercam o homem que vive na era da degradação da natureza e do convívio virtual. Devem também se preocupar com a massificação, com o mercado dos Mass Media, uma vez que ela influencia a cultura dos guetos, embora essa influência não seja absoluta. As politicas culturais devem enobrecer os laços de solidariedade das regiões de origem da população sem negar os desafios da modernização que devem ser compreendidos como aliados na busca de superação da habitação precária, da mobilidade urbana, da degradação do meio ambiente social pelos diversos tipos de poluição etc. Nossa visão de política cultural supõe e exige imparcialidade, além de uma visão pluralista e democrática de seus gestores. De forma alguma, sugere que a política cultural deva servir de barganha político-eleitoral, como em muitos casos ela é utilizada. A barganha cultural reproduz, mesmo que embalada em maquiagens modernas, uma visão oligarquizada do Estado, nefasta à democracia. Finalmente, uma política cultural de caráter progressista deve estimular o mérito, a qualidade dos produtos culturais com ênfase na possibilidade de colocar nossos artistas em nível de competição internacional.

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Sugestões específicas I.

Nosso país vive não apenas um “apagão” na economia e na ética, mas também na administração da cultura. O PPS, em conjunto, desde seus vereadores e prefeitos, até os deputados e senadores, deve se envolver nas lutas para superar a precariedade na defesa do Patrimônio Histórico e Cultural brasileiro, hoje em frangalhos. Deve desenhar uma política concreta de descentralização que atenda as necessidades urgentes dos museus, entendidos como organismos vivos e pulsantes.

II.

É urgente rever as leis de incentivo à criação artística e cultural, objetivando reestudar critérios e limites na liberação de recursos pelas leis de incentivo federais, principalmente a Lei Rouanet. A lei de incentivos fiscais pode ser uma solução para financiamento de projetos culturais, entretanto, deverá ser revista para poder democratizar o acesso de grande parte dos que fazem cultura (artistas, escritores etc.). As dificuldades de formulação dos projetos, o enquadramento no que a lei pede, a prestação de contas posterior e a escolha dos projetos são pontos a serem analisados, debatidos e reformulados. É preciso incentivar, igualmente, a elaboração de leis municipais de fomento à cultura, as quais devem ser bem mais simplificadas do que algumas leis estaduais.

III.

Urge também formular uma política de articulação de parcerias em todo o país, com estados e municípios, visando os atendimentos regionais e locais, sem unificação de valores culturais e formas de ação.

IV.

O PPS deve recolocar em discussão a necessidade de um melhor relacionamento entre cultura e educação, recriando uma ponte que acabou por ser desarticulada quando se enCultura

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fatizou e se colocou em prática a separação institucional entre Educação e Cultura com o estabelecimento do Ministério da Cultura. Consideramos que cultura e educação não podem ser tratadas de forma separada e que a formação, necessária seja no campo educacional (formal e informal) e no campo cultural, deve ser um ponto de encontro entre as duas áreas (cultura e educação). Tudo indica que é necessário recolocar em discussão a separação do Minc e do MEC ou se repensar uma maior sinergia entre os dois ministérios. No essencial, é preciso unir esforços no sentido de inserir os jovens no mundo do conhecimento e das artes, possibilitando-lhes, inclusive, bolsas de ambiência universitária em faculdades de cinema, educação artística etc., conforme o talento que demonstrarem. V.

A trajetória recente dos chamados Pontos de Cultura, estabelecidos pelos governos petistas nos últimos anos, é, no mais das vezes, vista com muita crítica em função do seu aparelhamento e da sua ideologização. Em tese, trata-se de um projeto positivo, mas que foi deturpado, mal gerido e manipulado. Em contrapartida, há propostas de se rediscutir esse projeto, resgatando-se a ideia de Casas de Cultura nos municípios e o estímulo ao funcionamento autônomo, democrático e representativo dos Conselhos de Cultura.

VI.

Um dos graves problemas existentes na área de defesa e preservação do patrimônio cultural envolve a sua legislação federal. Entendemos que há necessidade de se repensar a legislação que informa a formação de conservadores/restauradores de bens culturais, que trabalham diretamente com o patrimônio cultural. A formação deste profissional não pode ser unicamente delegada ao MEC considerando a importância do Minc na elaboração das políticas públicas para tutela do patrimônio cultural brasi-

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leiro que, pelas dinâmicas da globalização, mas principalmente pela importância da atividade dos artistas brasileiros, é considerado patrimônio da humanidade. Há necessidade de se adotar parâmetros nacionais que definam a figura deste profissional, e estabelecer uma colaboração entre conservadores/restauradores, empresas, entidades de classe e instituições governamentais – Minc, MEC, TEM – para se retomar a discussão sobre a regulamentação da profissão (projeto de lei já aprovado pelo Congresso, mas vetado pela presidente Dilma). VII. Precisamos repensar o papel da atividade cultural na era das indústrias criativas, sustentada na ideia de que criação é também fruição. Na Inglaterra, em plena crise de 2008/2009, que afetou a Europa e o mundo, a indústria criativa foi o único setor a crescer e gerar empregos. Por volta de 2010, as indústrias criativas já representavam, naquele país, que havia sido o berço da Revolução Industrial, cerca de 9% do

Ivan Alves Filho, durante a Conferência Nacional, apresentando os resultados finais do grupo de CULTURA

Cultura

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PIB. Agora, o país vive, como várias outras partes do mundo, uma nova revolução, a do conhecimento e da criação. VIII. Uma ênfase específica importante deve ser colocada na organização de grupos de Canto Coral nos municípios, uma vez que eles promovem solidarismo por sua natureza e ampliam horizontes na medida em que as músicas selecionadas aumentem sua complexidade. O mesmo se pode dizer das bandas de música tradicionais. IX.

A cultura deve também se aproximar das secretarias de Meio Ambiente no sentido de estimular a juventude a plantar e proteger a natureza. Nessa direção, é possível se estimular a criação, nos municípios, de oficinas de mudas nas escolas ou farmácia de ervas, atraindo raizeiros para escolas no sentido de destacar a importância da medicina local.

X.

Torna-se fundamental sensibilizar, envolver e comprometer os parlamentares e gestores do PPS, em todos os níveis, em um desenho concreto de aplicação das nossas diretrizes fundamentais para a cultura.

Este capítulo, cujo tema é a CULTURA, é a síntese das discussões que foram realizadas nas reuniões preparatórias da Conferência, bem como nas sessões da própria Conferência, realizada em Vitória (ES). A coordenação deste tema esteve à cargo de João Batista de Andrade e IVAN ALVES FILHO.

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Cultura

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