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A gráfica transformada

Lancei o livro Gráfica: uma indústria em transformação em 2018. Esse livro é uma coleção de artigos que escrevi e publiquei, a imensa maioria deles aqui mesmo, neste espaço. Só que no livro eles fo‑ ram ordenados por assunto e completados com outros feitos especialmente, como os quadros de tendências e sobre a indústria de impressão.

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A ideia central do livro foi a de apresentar as transformações pelas quais a nossa indús‑ tria estava e está passando, principalmen‑ te com o impacto da digitalização das coisas, da comunicação digital, do crescimento gra‑ dual das tecnologias habilitadoras da Indús‑ tria 4.0 e das mudanças do mercado consumi‑ dor e suas consequências para os clientes das gráficas. E como a gráfica deveria absorver e se integrar nesse novo mundo digital.

Passado esse tempo e depois de todo o impacto de pandemia poderia se imaginar que o livro tivesse ficado obsoleto. O interes‑ sante é ver que as tendências não só se mantive‑ ram como se aceleraram. E apesar de alguns ar‑ tigos do livro serem de 9 ou 10 anos atrás, ainda permanecem atuais.

Não escrevo isso para buscar méritos. Não é esse o sentido. Na verdade, sempre escrevi e escrevo pensando no que chamo de ponto fu‑ turo. Um horizonte para onde devemos olhar, entender as tendências e posicionar nossas empresas nesse rumo, nesse caminho. É sem‑ pre o algo a ser buscado, o que devemos ser mais adiante.

Em se entendendo isso, avaliar onde esta‑ mos e como estamos e buscar fazer nosso pla‑ nejamento no sentido de preenchermos essas lacunas que nos levam ao futuro. Que sempre construímos hoje, por sinal.

Pois bem. Nossa indústria foi claramen‑ te impactada por toda a comunicação e pelo mundo digital. Muitos produtos foram afeta‑ dos, muitas gráficas de porte fecharam. Não somente pela substituição de produtos, senão pela inadequação aos novos tempos que exigem muita flexibilidade de produção, respostas rá‑ pidas, criatividade no atendimento e, acima de tudo, no bom entendimento das reais necessi‑ dades dos clientes, suas novas demandas e suas questões de custos, desenvolvimento de produ‑ tos e bom suporte de fornecedores que os aju‑ dem também nas transformações e adaptações.

Mas, o mais interessante de se ver na prática é que o material impresso continua importante e cada vez mais integrado com o mundo digital.

O início da pandemia e a rápida digitaliza‑ ção de tudo levantou uma questão que assus‑ tou todo mundo: passada a pandemia, vai voltar o consumo de impressos? Como vai ser o novo normal? As empresas, que se articularam ra‑ pidamente para se adaptar a um mundo quase virtual, com as pessoas trabalhando em casa, sem interações em lojas, bares, restaurantes, eventos, vão voltar a usar material impresso?

Como sabemos, a resposta foi bem melhor até do que supúnhamos. Há uma busca pelo ma terial impresso sim, e ele é cada vez mais inte rativo e integrado com o mundo digital. O que se mencionava como tendência há alguns anos, se mostra cada vez mais real agora.

Me lembro bem de uma palestra que fiz no Senai há muitos anos em que falava dessa intera ção e a terminei mostrando meu cartão de visita que já tinha um QR code que levava, a quem bai xasse um aplicativo, aos meus dados. E que es tariam sempre atualizados mesmo que os dados do cartão já não mais estivessem.

No final da palestra formou se uma grande fila de pessoas que queriam ver e obter meu car tão para saber como isso funcionava. Se olhar mos hoje, vemos como o QR Code se populari zou tanto que está presente em carros, outdoors, televisão e material impresso de todos os tipos. Claro que essa popularização se ampliou com o acesso automático pelos smartphones. O que também vai acontecer com as aplicações de Rea lidade Aumentada. É só esperar pela profusão do metaverso onde, em propagandas, embala gens, cartazes ou para onde quer que se olhe, va mos receber mais informações interativas. Seja por óculos inteligentes, ou pelos próprios fones.

Mas, voltando ao declinio da pandemia e suas consequências, o que não contávamos era com a escassez de matéria prima e o forte au mento nos custos pelo desarranjo das cadeias globais de suprimento, greves em fábricas de pa pel na Europa, a guerra Rússia Ucrânia, proble mas com a energia, fretes internacionais e ou tros. E como isso viria a prejudicar, e ainda está prejudicando, uma parte da demanda.

O mais importante, no entanto, como já fa lei, foi ver que a procura por material impresso em papel, especialmente, e em outros substra tos, permanece. Ela não foi engolida pelo digi tal, ao contrário. Mostra se integrada e como um importante ponto inicial do fluxo de in formação ao receptor. Do impresso ao digital, do digital a uma comunicação personalizada e, muitas vezes, voltando ao papel para reforçar desejos e intenções.

Claro, sabemos bem que a demanda não é geral, ampla e irrestrita. Há produtos com au mento de consumo e outros, nem tanto. O seg mento comercial/promocional foi um dos mais afetados, principalmente com a questão dos aumentos de preço do papel e outras matérias primas. Acabo de ver uma nota, de 18 de agos to, da BVDM associação alemã de impressão e meios , em que apontam uma séria ameaça à indústria gráfica alemã pela redução do con sumo de diferentes materiais gráficos devido ao aumento de custos e fazem um apelo aos fabri cantes de papel para manterem a indústria den tro de uma condição razoável, pois seus clientes não aguentam mais tanta elevação de preços. Não está fácil!

Por outro lado, uma excelente surpresa foram os livros, que so bressaíram no segmento editorial, enquanto revistas e jornais sofre ram. Os livros impressos já foram dados como mortos há muito tem po, especialmente quando foram lançados os primeiros ebooks. Mui ta gente graúda na área digital pro fetizou sua morte com estardalhaço, tomando como base o que o IPod e o

ITunes fizeram com os CDs. Mas se esqueceram que ler livros é diferen te de se ouvir música e que a con centração da leitura também está relacionada com o meio.

A última bienal do livro em São Paulo e a reação do público na busca e compra de livros deixou uma agra dável surpresa, não só pelo enorme interesse dos jovens e das pessoas em geral, mas pela compra também. Uma avidez de consumo entusiasmante.

O mais importante foi ver que a procura por material impresso não foi engolida pelo digital, ao contrário. Mostra-se integrada e como um importante ponto inicial do fluxo de informação ao receptor. Do impresso ao digital, do digital a uma comunicação personalizada e, muitas vezes, voltando ao papel para reforçar desejos e intenções.

E tendências se confirmam. O mundo da impressão das coisas, como chamo todas as aplicações de impressão funcional e industrial, é cada vez mais pujante. Basta ver o crescimen to da impressão na área têxtil, na impressão de roupas, na de calçados. O uso do 3D, a im pressão de eletrônicos, de cerâmicas, de mó veis, vidro e tudo o mais. Uma realidade concre ta que reforça que estamos em uma indústria de impressão, mais do que simplesmente uma indústria gráfica.

Aliás, aproveito para deixar aqui registrado que sugeri à Abigraf no ano passado que passas se a se chamar Associação Brasileira das Indús trias de Impressão. Isso abre horizontes, abarca diversos outros mercados e cria novas oportu nidades de serviços e integração com segmen tos hoje afastados. É um pensamento estraté gico. Quem sabe ainda venha a ser uma ideia posta em prática. A ver.

O grande mercado em crescimento, a embalagem, hoje tem uma função estratégica cada vez mais importante para as marcas. Cada vez mais, ela assume funções que ultrapassam as de transportar e conservar produtos. É um canal de diálogo entre a marca e seus clientes, uma geradora de vendas e de posicionamento.

Rótulos, etiquetas, embalagens de cartão, de ondulado e flexíveis são cada vez mais os segmentos predominantes da indústria gráfi ca global, já respondendo por mais de 55% da produção gráfica mundial. Há uma corrida de muitas gráficas de material promocional e co mercial em se estabelecerem também nesse seg mento. O que não é fácil dada a concorrência já existente, a experiência necessária para estar de acordo com normas e procedimentos e a venda técnica requerida para isso.

Mesmo assim, é o grande mercado em cres cimento e a embalagem hoje tem uma função estratégica cada vez mais importante para as marcas. Cada vez mais, ela assume funções que ultrapassam as de transportar e conservar produtos. É um canal de diálogo entre a mar ca e seus clientes, uma geradora de vendas e de posicionamento.

Recentemente, atendendo a uma grande em presa gráfica fora do Brasil, que pertence a um grande grupo econômico, fui perguntado pelo presidente desse grupo: há futuro para esse ne gócio? Vale a pena para um grupo diversifica do como o nosso manter uma planta de produ ção de embalagens? Respondi: não sei quanto ao retorno de seus outros negócios, mas verifi que porque grandes empresas de investimento internacionais estão apostando em converte dores e grandes empresas produtoras de em balagem. Por quê, por exemplo, a McKinsey mantém uma área voltada a embalagens e tem grandes clientes nessa área? Porque embalagens hoje é chave em marketing. Resposta que não só os manteve no negócio, mas já iniciam um novo ciclo de investimentos buscando agora automação e produtividade.

É dentro desse quadro de automação e pro dutividade também que as coisas estão avan çando. Nunca a Heidelberg e a Koenig & Bauer venderam tanto, nas Américas e no mundo. Há uma boa corrida atrás da automação pro porcionada pelas novas máquinas. E isso vai ser cada vez mais essencial. A automação de proces sos, o uso da Inteligência Artificial em tudo, os princípios da Indústria 4.0 estão aí. Em todos os processos. Nas novas flexos e nas impresso ras digitais, que sempre tiveram esse sentido de redução de fluxos, redução de prazos, persona lização e baixas tiragens. Ter essas opções con jugadas já não é mais uma possibilidade. É uma realidade provada e comprovada.

Sempre falo também da questão de serviços além da impressão. Aqueles que o fornecedor gráfico oferece a seus clientes para reduzir cus tos de seus processos e lhes permite que usu fruam de sistemas que facilitem sua vida: lo gística, redução de inventários, distribuição de seus materiais, bases de dados, design, desen volvimento de projetos, criação de kits, redução de tempo para chegar ao mercado e por aí vai. Mas tem também as plataformas digitais, em que, através do sistema do fornecedor grá fico, uma editora, por exemplo, não precisa dei xar seus livros esgotados fora do catálogo, pois são impressos ao serem vendidos, assim como fornece à Amazon em pequenos lotes de impres são, ou mesmo um a um, que entrega direto aos compradores. Plataformas com as quais tam bém grandes empresas gerenciam suas filiais de marketing ou sua franquia, e mais, muito mais. A chamada economia das plataformas que, alia das a plataformas de produção, complementam o material impresso e lhe dão ainda mais valor.

Por fim, quero ressaltar algumas conversas no Ondas Impressas, feitas junto com a Tânia Galluzzi, com o Arnaldo Perez, diretor comer cial da Neoband, e, em outra entrevista, com o Fabio Gabriel, da Leograf. Que mostraram a adaptação dos vendedores gráficos hoje nessa nova era digital e pós pandêmica, especialmen te nas vendas técnicas, onde a gráfica e o ven dedor se colocam à disposição para ajudar o cliente, a buscar novas soluções que suplantem a falta de material ou que tragam uma nova ex periência ao cliente do cliente. Envolver se com o problema, buscar soluções, encontrar alterna tivas, fazer o melhor trabalho, se evidenciou mais agora e isso é essencial. O futuro de qual quer gráfica está em seus clientes. Estar com ele, entendê lo, ver o quê e para onde ele está olhando é passo fundamental na venda de valor. Ressaltei todos esses pontos, alguns já mais batidos, porque referenciava o livro. Cada um desses tópicos e vários outros, estão lá. Para mostrar onde transformar a gráfica. Então, pos so dizer que muitas delas estão no ponto cer to dessa transformação. E para muitas delas já podemos dizer: essa é uma gráfica atual, flexí vel, vibrante, ágil e transformada. Fica aqui a minha pergunta; onde está sua gráfica hoje nesse processo de transformação? Pense nisso.

Hamilton Terni Costa hterni@anconsulting.com.br é diretor da AN Consulting, www.anconsulting.com.br, e diretor para América Latina da APTech (antiga NPES)

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