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A cosmovisão do contador
Durante o exercício profissional de auditor e consultor contábil, fui Diretor Adjunto da Deloitte/Revisora e da Campiglia Auditores, oportunidade em que convivi com dois dos maiores pensadores da contabilidade no Brasil, os professores Hilário Franco e Américo Osvaldo Campiglia.
Com o primeiro aprendi, principalmente, o conceito e o porquê de as Ciências Contábeis dividirem em compartimentos estanques os seus registros (direitos, deveres, bens, recursos, receitas e despesas) e também como esses conjuntos se interligam e se juntam para formar um todo, que resulta no balanço e, dele derivado, as funções analíticas e gerenciais assumidas pela Contabilidade moderna.
O segundo me fez ver que os valores contábeis extravasam as comportas das Ciências Contábeis e invadem os campos da Economia, da Administração e da Sociologia, em uma abordagem holística que visa ao entendimento integral dos fenômenos (atos e fatos) endógenos, originados no interior da entidade – a empresa, órgãos governamentais e organismos da sociedade civil.
Aqui está o divisor de águas que separa o antigo guarda-livros do contador do século XXI. Aquele era um profissional que tinha a função de fazer, em livros mercantis, o registro das transações e dos negócios da empresa. Sua função era como as de alguns escreventes de cartório, que apenas registram o que lhes apresentam, eventualmente dando uma “vista d’olhos” sobre o objeto do registro. Atualmente, o contador (não mais o simples guarda-livros) há de ter uma ação mais ampla, que vai além do simples lançamento dos atos e fatos, visando cumprir exigências legais. Não bastar tornar manifesto o estado da organização em determinada data, por muito dos demonstrativos financeiros anuais; uma posição tão estática tal como uma fotografia que capta uma imagem de um determinado momento. Há de ter uma visão dinâmica, gerencial, que evidencie as tendências de caminhos da entidade e apontar os acertos e falhas de sua administração. Para isso faz uso de vários instrumentos da própria Contabilidade e de outras ciências, tal como os indicadores analíticos de alavancagem, endividamento, prazos médios de compra, venda, estocagem e, não menos importante, do Orçamento Empresarial.
Todavia, há obstáculos a serem transpostos. Alguns gestores dessas instituições formam uma das correntes mais fortes, pois não importa seu nível de escolaridade. Entre eles predomina o espírito do voluntarismo empreendedor, do capitão dos negócios, do desbravador de fronteiras da indústria, do comércio e de outros setores. Esses empresários não anteveem a importância das variáveis que a Contabilidade pode lhes indicar. E ainda existem aqueles que pensam que ao setor contábil cabe apenas atender às exigências das Leis fiscais, trabalhistas e societárias. No mais das vezes, a visão desses “empreendedores” ainda veem seus negócios como uma grande aventura, a lá Indiana Jones. E não pensem que são somente os pequenos e micros empresários que ainda assim pensam. Há também dirigentes de grandes organizações que raciocinam desse jeito arcaico e torto. Já tive oportunidade de ter contato com grandes empresas que seguem essa decadente forma de administrar seus negócios – siderúrgicas, construtoras, etc, cujas sedes estão espalhadas por vários Estados do país.
Essa conduta estranha é compartilhada por pessoas de todos os gêneros e cores. Há executivas, afrodescendentes e asiáti- cos que igualmente põem sua vontade pessoal acima dos interesses das empresas que dirigem. Portanto, não há origem social na tipificação desse modo de agir, de se portar. Há, isso sim, um individualismo exacerbado. Um exemplo disso foi o comportamento dos gestores de uma empresa mineira que quiseram alterar meu relatório porque o resultado lhes desagradava.
Aos contadores cabe revidar, propondo e impondo a realidade e a legislação que esteja em conformidade com a natureza de cada empresa, órgão ou instituição.