Edição 239

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31 de Janeiro de 2012 • ano XXi • n.º 239 • QUinZenal GratUito diretor Camilo soldado • editores-eXeCUtivos inês amado da silva e João Gaspar

eduardo melo

acabra

Em entrevista, o ex-presidente da DG/AAC faz o balanço do mandato

Jornal Universitário de Coimbra

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Maioria das secções contesta estatutos e pede alteração

Rafaela CaRvalho

Dirigentes do desporto da AAC sentem grandes dificuldades em aplicar os novos estatutos Após a aprovação, em 2011, dos novos estatutos da AAC, todas as secções da casa são obrigadas a ter uma maioria absoluta de sócios efectivos. Apesar de esta norma ter sido elaborada com o intuito de aproximar os estudantes à academia e apresentar um período de adaptação de dois

anos, grande parte dos dirigentes das secções desportivas contestam a imposição destes estatutos, apelando à alteração dos mesmos. Também em cultura, a Secção Filatélica alerta para a possibilidade de fechar portas, caso os estatutos se mantenham. Pág. 2 e 3

Da Academia ao Poder As nomeações para o governo da coligação confirmam a tendência de ascensão ao poder de ex-presidentes de associações académicas Pág. 10 e 11

Coimbra: Cultura 2012

futebol

Programação cultural Rivalidade no de Coimbra em risco futebol de Coimbra 2012: ano de cortes e asfixia monetária. A redução de gastos é importante e o alvo do Estado é, novamente, a cultura. Mas como é que, no meio do profundo marasmo em que se encontra, a cultura poderá encontrar meios para sobreviver? Os agentes culturais lutam pela manutenção da sua programação mas, de facto, nem sempre têm sucesso, procurando alternativas aos cortes da DGA. Pág. 6

O despique antigo entre União de Coimbra e Académica teve como último protagonista o então jogador Nuno Miranda. A troco de sete atletas, o jovem formado nos futricas recorda como foi, a custo, parar ao clube dos estudantes. Um “contrato de palavra” foi o derradeiro capítulo de uma história com muitos anos. Pág. 7

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Mais informação em

acabra.net

Bombeiros Voluntários fazem apelo aos conimbricenses Com poucos recursos, instalações degradadas e desatualizadas, os BVC pedem mais financiamento camarário e apoio dos cidadãos. Queixam-se, também, de o seu trabalho não ser devidamente reconhecido pela cidade. Pág. 8


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dEstAqUE

A

quase um ano da entrada em vigor dos novos estatutos da Associação Académica de Coimbra (AAC), aprovados no dia 3 de Fevereiro de 2011, não há consonância nas vozes das secções. A revisão extraordinária, que se iniciou a 26 de Janeiro de 2010, pretendia, entre outros pontos, regularizar a situação da Rádio Universidade de Coimbra (RUC) com a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), a definição de um procedimento sancionatório para o Conselho Fiscal da AAC (CF/AAC) e a revisão da composição da direcção-geral da AAC. No entanto, a falta de consonância que agora se verifica prende-se, em maioria, com o descontentamento de algumas secções culturais e desportivas com alguns dos pontos dos estatutos. O foco de maiores críticas cinge-se ao artigo 118º que obriga, agora, a que os órgãos sociais de todas as secções da AAC sejam compostos por uma maioria absoluta (50 por cento mais um) de sócios efectivos – estudantes matriculados na Universidade de Coimbra (UC). Anteriormente, apenas era requerido que estes constituíssem um terço da direcção de secção e da mesa do plenário. Todavia, os dois anos para adaptação que foram dados pela assembleia de revisão de estatutos parecem não ser suficientes para muitas secções. As dificuldades ora se prendem com a captação de estudantes, ora estão ligadas ao possível afastamento de sócios seccionistas (não estudantes da UC), que assumem parte importante na administração de secções, onde a experiência e tempo de dedicação são, em alguns dos casos, quase requisitos obrigatórios. Apesar do artigo dos estatutos aqui referido ter sido implementado com o objectivo de aproximar os estudantes à AAC e às secções da casa, o mesmo, segundo a maioria das secções contactadas, não atenta às especificidades e singularidades de cada secção. Enquanto que algumas secções não apresentaram quaisquer dificuldades na adaptação a estes novos estatutos e concordam com a aplicação das novas regras, outras assumem não res-

peitar os estatutos e, por conseguinte, encontrarem grandes complicações na aplicação da nova norma e na redacção de um regulamento interno que entre em conformidade com os estatutos da AAC.

Desporto critica estatutos As vozes que se erguem mais alto vêm dos dirigentes do desporto da AAC, onde estes mesmos estatutos parecem ter um maior impacto do que nas secções culturais. Das 19 secções contactadas pelo Jornal A CABRA, 14 apresentaram-se contra os novos estatutos, mais especificamente contra o artigo 118º, que obriga à maioria absoluta de sócios efectivos nos órgãos da secção. As críticas, que representam quase 75 por cento dos dirigentes ouvidos, ganham, em certos casos, tons bastante exaltados, como é o caso do presidente da Secção de Ténis da AAC, Tiago Fidalgo: “os estatutos são uma aberração e foram elaborados por pessoas que não sabem o que é a AAC”. A desinformação como causa para o resultado final dos estatutos é uma crítica elaborada também por outros seccionistas. Jaime Carvalho, que apesar de no papel ser secretário da mesa do plenário assume-se como presidente oficioso da Secção de Rubgy, ataca sem recorrer a eufemismos. “A AAC está entregue a miúdos incompetentes que querem fazer carreira política”, considerando que a

“Não podemos deixar a casa morrer por uma regra”, diz Nuno Cardoso da Secção Filatélica mesma transformou os estatutos “num documento que não vale nada”.

Realidades diferentes Enquanto secções como a de Patinagem, Ginástica, Futebol ou Desportos Motorizados não apresentam grandes reparos aos

estatutos, por terem facilidade em ter uma maioria absoluta de sócios efectivos nos órgãos sociais, outras sentem dificuldade na captação de estudantes, quer para a participação no dirigismo associativo, quer para captação de novos sócios. A Secção de Pesca Desportiva é, talvez, o caso mais alarmante, em que a direcção é apenas composta por não estudantes da UC [ver caixa]. Neste período de adaptação, que termina em Janeiro de 2013, muitas das secções desportivas, passado um ano desse mesmo período, ainda não apresentam uma direcção composta, maioritariamente, por estudantes. O presidente da Secção de Bilhar, Ricardo Salgado, lembra a dificuldade que a sua secção tem em constituir órgãos sociais com uma maioria de sócios efectivos, sendo que apenas cumpre os antigos estatutos - um terço da direcção composta por estudantes. O mesmo avança, ainda, que “quase nenhuma das secções desportivas está a cumprir a nova norma”. Para além do obstáculo que algumas sec-

ções possam ter em captar novos sócios, a questão mais premente, segundo Ricardo Salgado, sublinhada também por outros dirigentes desportivos, reside na grande responsabilidade que se impõe nas direcções de algumas secções desportivas. Ricardo Salgado, também membro indigitado pelo Conselho Desportivo da AAC para a revisão dos estatutos, dá o exemplo do basquetebol quando afirma que o desporto é para praticar e não para dirigir: “um atleta que treina quatro vezes por semana, depois de um treino quer é ir para casa estudar ou descansar, e não para tratar de encargos administrativos”.

Necessário rever estatutos Portanto, segundo o dirigente, “o sócio efectivo deve primeiro preocupar-se com os estudos, depois com o desporto e só por último com o dirigismo associativo”. Ricardo Salgado considera então que a responsabilidade das direcções de algumas secções “não se coaduna com a experiência que um estu-

dante agrega em dois ou três anos de passagem pela secção”. O presidente da secção de Bilhar lembra também a componente de formação que está muito presente no desporto da academia, acrescentando ainda mais exigência à gestão destas secções. Solução? De acordo com Ricardo Salgado, esta apenas pode passar por uma nova revisão dos estatutos, que deverá acontecer ordinariamente em 2013, alterando a medida que entrou em vigor em 2011. Se isso não acontecer, na óptica do dirigente, o desporto pode passar para algo “residual e sem interesse”, desagregando-se do “ecletismo e prestígio do desporto da AAC”, se os presentes estatutos vigorarem. O presidente da Secção de Andebol, António Sousa, apresenta o caso do organismo que dirige para reforçar a necessidade de rever os estatutos. “Nos últimos anos a secção teve valores bem superiores a 51% de sócios efectivos na direcção e estes foram os anos em que se verificou o afundamento da mesma, levando-a quase à sua extinção”,

Secções criticam estatutos e

A um ano do fim do período de adaptação aos novos Estatutos da AAC, são muitas as secçõe causa dos protestos, que ganham maior voz nas secções desportivas. Uma alteraç SeCção de PeSCa deSPortiva e SeCção FilatéliCa: exemPloS daS diFiCuldadeS Na adaPtação Belisário Borges e Nuno Cardoso pertencem, respetivamente, às secções de Pesca desportiva e Filatélica. embora a primeira seja desportiva e a segunda cultural, ambas as secções são exemplos ilustrativos das dificuldades que muitas delas, independentemente da sua tipologia, estão a atravessar para chegarem à adaptação plena dos novos estatutos da aaC. No caso da Pesca desportiva, a situação está longe do que é agora exigido: nenhum dos cargos de direção é ocupado por estudantes, pelo que o funcionamento da secção tem sido assegurado por sócios seccionistas. “Ninguém aqui está agarrado aos lugares. Como é sabido, nenhum de nós é remunerado”, clarifica. “estou aqui há 30 anos. tenho dado o meu melhor, bem como os meus colegas, mas, neste momento, não temos estudantes suficientes para integrar uma direção”. o presidente assegura também que nunca se fechou a secção aos estudantes: “pelo contrário, desejamos que eles venham”. Belisário Borges afirma até conhecer alguns pescadores desportivos dispersos pelas faculdades “mas que não têm intenção de deixar os clubes em que estão, às vezes por razões de ligação afetiva”. Na direção da Secção Filatélica, a situação é idêntica: nos órgãos da secção, só um sócio é efetivo. Nuno Cardoso, tesoureiro da secção, afirma que, com eleições dentro de dois meses, a secção está “a perguntar a outras pessoas se querem fazer-se sócias. No último mês arranjámos mais um”. “Pessoas com vontade de trabalhar há”, assegura – “não há é estudantes suficientes”, lamenta Nuno Cardoso, que acrescenta que, se mesmo “havendo pessoas para trabalhar, a secção fechar por causa de uma regra, é grave”. Belisário Borges remata: “isto vai traduzir-se numa quebra substancial da capacidade desportiva da nossa secção e levar ao efeito contrário daquilo que todos queremos, que é uma académica cada vez mais forte”.


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dEstAqUE Rafaela CaRvalho

“os estudantes pouco fazem nas direcções”, recordando que, antes do estatuto de estudante-atleta, “os sócios efetivos assumiam cargos ou para cumprir percentagens ou para usar o estatuto de dirigente que dá direito a época especial de exames”.

Vozes das secções

“Apesar de concordar com os estatutos, para as Na Cultura, Filatélica é secções mais profissionais pode ser complicado” quem mais sofre

atesta. O dirigente reforça que há uma exigência de dedicação diária por parte da direcção da sua modalidade, lembrando que durante a época de exames, os sócios efectivos não comparecem nas reuniões de direcção nem sequer atendem os telemóveis. “Quem resolve então os problemas? Temos 9 equipas a participar nas provas nacionais, quem acompanha as equipas? Quem trata da logística?”, pergunta António Sousa, questão retórica que é repetida, segundo o mesmo, por outras secções desportivas que apresentam as mesmas exigências administrativas e de gestão. Para além da questão da disponibilidade, para Adilson Brito, dirigente da Secção de Lutas Amadoras, relembra a necessidade de experiência para o exercício de funções nas direcções dos organismos desportivos: “é necessário conhecimento para exercer estes cargos”. Também Alexandre Brás, da Secção de Halterofilismo, considera que os “estudantes precisam de ganhar calo para poderem estar na direcção”.

O presidente da Secção de Patinagem, João Rodrigues, apesar de considerar que a exigência de mais de 50 por cento pode trazer dificuldades no futuro, concorda com os estatutos e lembra que, quando pela primeira vez integrou a lista para a direcção, acabou por depois nem ser convidados para as reuniões da mesma, situação que o mesmo assegura ter mudado, frisando a necessidade de os estudantes participarem activamente nas decisões das secções em que são sócios.

A possibilidade de desregulação “Os estatutos apresentam normas contraproducentes ao desenvolvimento do desporto da academia”, aponta Vítor Graveto, presidente da Secção de Voleibol, apesar da sua secção apresentar 4 estudantes em 7 membros da direcção. O mesmo critica a falta de divulgação da revisão de estatutos, lembrando também que esta medida pode “pôr em causa a viabilidade de algumas secções”. Mário Rui Ferreira, da

Secção de Atletismo, vai ao encontro das declarações de Vítor Graveto, lançando um aviso: “as direcções das secções desportivas não podem viver de estudantes universitários, senão correm o risco de morrer”. Bruno Pais, que preside à direcção da Secção de Xadrez, apesar de admitir que o organismo que dirige não apresentar dificuldades na

ricardo Salgado considera que o desporto é para praticar não para dirigir adaptação aos estatutos, põe em causa o controlo da aplicação desses mesmos estatutos. Jaime Carvalho vai mais longe, atestando que “em 90 por cento das secções as pessoas que são dirigentes não têm sequer o nome no papel. Não há qualquer controlo. É tudo tretas”. O dirigente do Rubgy considera que

A redacção dos novos estatutos teve em conta, num dos seus principais objectivos, normalizar a situação da RUC face à ERC, visto que deles não constava o princípio de radiodifusão, exigência da entidade para que se renovasse o contrato de licença. O presidente da RUC, José Santiago, admite que a redacção do novo regulamento interno desta secção deveria ter sido feita em 2011; contudo, adianta que ainda este mês a rádio vai entregar o regulamento ao CF/AAC. Segundo José Santiago, a RUC vai continuar, de acordo com o regulamento proposto, a apenas aceitar sócios mediante aprovação no curso. A maior parte das secções culturais não apresenta as mesmas críticas que se lançam do lado do desporto, sendo que as dificuldades observadas prendem-se com a redacção e posterior aprovação de novos regulamentos internos, para que estejam em conformidade com os novos estatutos. Contudo, a maior parte dos dirigentes contactados observam que os mesmos não apresentaram entraves ao normal funcionamento das secções. Apesar de a direcção da TV-AAC estar em conformidade com os estatutos, Tiago Cerveira, presidente deste organismo, considera que, no futuro, a exigência da maioria absoluta pode colocar obstáculos ao normal funcionamento da secção, visto que a TV-AAC tem “muitos alunos do politécnico”, sendo considerados, através dos estatutos, sócios seccionistas. Todavia, o caso mais grave acaba por ser o da Secção Filatélica, em que na direcção apenas um em cinco dos membros é estudante [ver caixa]. Nuno Cardoso, tesoureiro da Secção Filatélica, deixa um aviso: “não podemos deixar a casa morrer por uma regra”. com Inês Amado da Silva

Nuno Baía Secção de Badminton

“A adaptação a estes estatutos foi bastante fácil” Cátia Morais Secção de Desportos Motorizados

“Os estatutos não impedem de continuarmos, mas podem causar dificuldades” Rui Fonseca Secção de Judo

“Cada secção tem a sua realidade específica” João Pereira Secção de Futebol

“Gosto de identificar a secção como sendo de estudantes” Igor Pereira Secção de Defesa dos Direitos Humanos

“Secções menos dinâmicas podem ter problemas em arranjar estudantes” João Nogueira CIAAC

“Os estatutos não deveriam ser um peso, uma medida” Tiago Santos CEC

“Os estudantes devem fazer parte das secções, mas isso não deve ser uma condicionante” Miguel Abrantes Secção de Natação

s e pedem uma nova revisão

ções que vociferam contra os mesmos. Uma maioria absoluta dos estudantes nas direcções é a ração da norma em 2013 é vista, por alguns, como a única solução. Por João Gaspar Falta de CoNSeNSo deNtro da aSSemBleia de reviSão mesmo dentro da própria assembleia de revisão dos estatutos, o consenso nunca foi encontrado entre os membros, embora, lembra o aluno da FduC, luís rodrigues, os estatutos tenham sido aprovados por larga maioria. apesar de reconhecer que o processo é “longo e complexo”, o membro da assembleia diz achar que “deve ser assim porque somos uma associação de estudantes”. também eleito pela FduC para a assembleia, andré Costa é perentório em afirmar que sempre defendeu a percentagem de estudantes que ficou consagrada. “Para aquilo que é a renovação das secções e a sua continuidade no futuro, 50 por cento de estudantes é pertinente”, afiança, pois defende que a realidade “mais determinante” da aaC “é ser uma associação que representa estudantes”. andré Costa lamenta ainda que algumas secções reclamem a falta de auscultação durante esta revisão, ressalvando o período de audição pública, “que durou um mês e que até terminou com um debate realizado na Cantinas dos Grelhados, no qual não participou nenhuma secção à exceção da ruC”. Já eduardo melo declara que tanto o seu voto como o de miguel Portugal, à altura presidente da dG/aaC, foi contra a obrigatoriedade da fórmula “50%+1” “por causa das secções desportivas, onde há uma grande dificuldade de se ser estudante, atleta e dirigente ao mesmo tempo”. eduardo melo lembra também a oposição dos conselhos desportivo e cultural – “até porque a aaC é mais do que uma associação de estudantes, sendo que existe uma envolvência com a comunidade que é muito importante para o seu funcionamento”. de acordo está o presidente da assembleia de revisão dos estatutos, diogo Pereira, que assegura que “qualquer pessoa que viva e saiba como funcionam as secções da aaC sabe que é impossível o número exigido”. também o membro da assembleia eleito pela FeuC, dino alves, declara que “até ao final de 2013 teremos, talvez, que fazer uma alteração desta alteração para salvar outras secções em risco de extinção”.


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EnSinO SUpERiOR

Não atualização da propina e respetivo congelamento são reivindicados camilo soldado

Com a atualização à taxa média de inflação a propina máxima passa a ser de 1.036 euros anuais. Reitor da UC já garantiu que não aumenta o valor atual Inês Balreira De acordo com a Lei do Financiamento do Ensino Superior (ES), a responsabilidade de fixar o valor anual da propina, que é indexado à taxa média de inflação do ano anterior, cabe às instituições de ensino superior (IES). Assim sendo, a partir de setembro de 2012 um estudante que frequente uma licenciatura numa IES vai passar a pagar 1.036,6 euros de propina máxima, ou seja mais 36.9 euros que no ano anterior. Estes 36.9 euros acrescidos são o resultado da taxa de inflação média, que em 2011 se fixou nos 3,7 por cento, ditando assim o maior aumento da década. No entanto, as IES têm autonomia para, no próximo ano letivo, manter o valor atual da propina, ainda que ele seja atualizado à taxa média de inflação. Ainda assim, e tendo em conta o corte no financiamento das IES ditado pelo orçamento de estado de 2011, prevê-se que muitas instituições definam a propina máxima no próximo ano letivo.

Dirigentes estudantis contestam atualização Face a esta previsão e tendo em conta a situação socioeconómica do país, o movimento associativo estudantil aprovou no último Encontro Nacional de Direções As-

sociativas uma moção que propõe o congelamento do valor da propina máxima em aplicação (ENDA), por um período de dois anos, mas ainda uma revisão na lei do financiamento que a propina deixe de ser atualizada à taxa de inflação média. No entanto, o secretário de estado do ES, João Queiró, afirma que “o limite máximo das propinas é automaticamente atualizado à taxa de inflação” e que o “governo não intervém na fixação da propina nas instituições”. “Existe uma lei de 2003 que estipula esta atualização”, acrescenta. Porém, o presidente da DireçãoGeral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Ricardo Morgado vê esta proposta aprovada em ENDA como “inovadora”, uma vez que “obriga a uma alteração na lei do financiamento”. “Achamos que a propina não pode ser aplicada à taxa de inflação. 36 euros pode parecer pouco mas têm de sair de algum lado”. Também o presidente da Associação Académica da Universidade de Aveiro, Tiago Alves vê esta medida como “importante”, tendo em conta “a crise em que o país está envolvido e os problemas nos apoios sociais”. “Deve haver pelo menos um mecanismo que trave aquilo que poderá ser o aumento das propinas”, defende. O dirigente considera ainda que o aumento derivado da indexação à taxa de inflação não é um “aumento gigante”, mas que ainda assim ultrapassa a barreira dos 1000 euros, “o que começa a assustar naquilo que é o dia a dia dos estudantes”. O presidente da Federação Académica do Porto, Luís Rebelo, afirma que nos próximos tempos a “reivindicação dos estudantes deve esforçar-se junto das reito-

rias e Conselhos Gerais (CG) e das presidências dos politécnicos”, no sentido de impedir o aumento do próximo ano. O dirigente considera ainda que esta é uma questão delicada: “alterar a forma de financiamento é como abrir uma caixa de Pandora”.

Propina praticada na UC deverá manter-se

Na tomada de posse da DG/AAC o reitor garantiu não aumentar as propinas

Caso a propina seja atualizada na Universidade de Coimbra (UC), a medida permite arrecadar mais de 800 mil euros. Contudo, o reitor da UC, João Gabriel Silva, garantiu aquando da tomada de posse da DG/AAC que “as propinas mantêm-se como estão, não vão sofrer aumentos”, uma vez que “não é por aí” que a universidade vai conseguir colmatar o défice no orçamento. O membro do CG da Universidade de Coimbra (UC) e docente na Faculdade de Economia, João de Sousa Andrade defende, a par dos estudantes o congelamento da propina e a não indexação à taxa de inflação. “A medida de atualizar a propina à taxa de inflação é uma medida errada. Há estudantes e famílias que não têm condições para pagar as propinas”, afirma. O docente vai ainda mais longe, considerando que a postura do governo “revela uma insensibilidade social muito grande”, uma vez que com o sub-financiamento das instituições “as universidades são empurradas pelo governo para colocar a propina no valor máximo”. João de Sousa Andrade vê com bons olhos e “aplaude” a decisão do reitor, mas lamenta que tenham de ser “as IES a olhar para os estudantes e para as suas famílias”. “Quem deveria ter uma política social não é a universidade, mas o governo”, critica.

Lavandaria encerra devido a problemas infraestruturais Os problemas na estrutura do edifício estão na base do fecho da lavandaria dos SASUC, contudo a falta de financiamento também foi um fator para a decisão Inês Balreira Desde o dia 2 de janeiro que a lavandaria dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (SASUC) se encontra encerrada. De acordo com o administrador

dos SASUC, Jorge Gouveia Monteiro, esta decisão baseou-se num relatório de um instituto de peritagens a estruturas, que concluiu que a construção e estabilidade do edifício onde se encontra situada a lavandaria estão comprometidas. “Tínhamos tido uma advertência relativamente à vibração das máquinas de lavar e o relatório de peritagem é bastante preocupante em termos de prossecução daquele tipo de atividade. Assim, não se podia manter aquele tipo de atividade no local”, justifica o administrador. Ainda assim, Gouveia Monteiro afirma que a falta de financiamento teve influência no encerramento da lavandaria, admitindo que “a re-

tração económica dos serviços de ação social (SAS), conjugado com a estabilidade do edifício”, levou ao fecho do serviço. Também o estudante representante do primeiro e segundo ciclo no Conselho Geral (CG), Luís Rodrigues, aponta para a “insuficiência financeira” como fator responsável para o encerramento do serviço em causa. “Com o corte no orçamento de estado para os SAS, têm de ser aplicadas algumas medidas adicionais de contenção de despesa”, explica. No entanto, o presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, Ricardo Morgado, alerta para a necessidade de se restabelecer este serviço: “Coimbra é uma cidade de estu-

dantes deslocados e a lavandaria dos SASUC era um serviço prestado a centenas de estudantes e também à própria AAC, nomeadamente às secções desportivas”. Porém, Gouveia Monteiro não considera que o serviço de lavandaria seja “uma daquelas missões que é absolutamente crucial manter em funcionamento”, uma vez que “existe um vasto circuito comercial de lavandarias” na cidade.

Dirigentes associativos atentos ao problema De acordo com Luís Rodrigues, “os dirigentes não estão a dormir”, encontrando-se “atentos a este problema e a trabalhar para uma solução”. Nesse sentido, o membro

do CG revela que se está a estudar uma possibilidade: “uma vez que a lavandaria continua a funcionar para o pessoal de serviço dos SASUC, está-se a estudar a hipótese de a lavandaria estar aberta pelo menos um dia por semana, com acesso a toda a comunidade académica”. Também Ricardo Morgado assegura que a nova DG/AAC “está disponível para colaborar com os SASUC quando os seus interesses forem os interesses dos estudantes”. Porém, Gouveia Monteiro afirma que “apenas se as condições melhorarem, tanto a nível financeiro como em termos de instalações”, é que haverá condições para retomar os serviços de lavandaria.


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Ensino supErior eduardo melo • presidente cessante da dg/aac

“O meu trabalho foi dificultado por pessoas que têm interesses na AAC” Rafaela CaRvalho

Inês Balreira Camilo Soldado Depois de um ano à frente da direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Eduardo Melo faz um balanço positivo do mandato. O agora ex-presidente considera que fez da ação social uma prioridade e fala das iniciativas que levou a cabo para reivindicar um melhor regulamento de atribuição de bolsas. Melo abordou ainda a relação com a reitoria e com a tutela e reconhece que logrou a aproximação à cidade. O antecessor de Ricardo Morgado comentou ainda as várias demissões da sua equipa.

Rafaela CaRvalho

Que balanço fazes do mandato? Faço um balanço positivo. Foi um ano que marca por aquilo que tínhamos defendido em campanha eleitoral, uma postura mais reivindicativa por parte da Associação Académica de Coimbra, como o 24 de Março ou a greve de zelo. Marca-se pela realização dos campeonatos nacionais universitários mas também pela diferença que proporcionámos no relacionamento com as secções. Ao longo do mandado lidaste com dois ministros. Que impressão tens do atual ministro? Tive um contacto muito breve, portanto, não tenho uma opinião muito formada. Tivemos alguma dificuldade de diálogo com a secretaria de estado do ES. Reunimos com esta secretaria de estado duas vezes: âmbito do processo de construção do novo regulamento de atribuição de bolsas e no encontro nacional de direções associativas extraordinário, em que não houve grande espaço de discussão. Falaste de uma dificuldade de diálogo entre a DG e a tutela. Uma vez que continua a haver injustiças e atrasos no processo de atribuição de bolsas, não seria o papel da AAC tomar uma posição mais forte no sentido de pressionar a tutela? Fizemo-lo com diversas iniciativas e muito recentemente com o Natal Negro no ES. É necessário que haja uma postura mais agressiva, mas todas as ações políticas se fazem tendo em conta o momento e o contexto em questão.

“Algumas pessoas pretendem trazer para a academia os maus vícios da prática política e preferem o ataque pessoal ao invés do debate de ideias”

Consideras que a contestação é o caminho a seguir? O caminho da contestação e da reivindicação não é uma verdade absoluta. É impossível fazer contestação sem trabalho de gabinete, nenhuma das duas vias tem sucesso sozinha. Num mandato marcado pela ação social, que avaliação fazes do trabalho da tua direção nesse sentido? Conseguimos obter duas pequenas vitórias: abrir o novo período de candidatura à bolsa e concluímos a retirada das bolsas de estudo do decreto-lei 70/2010. As questões do ensino superior têm vindo a revelar-se uma grande derrota para os movimentos associativos, muito pelo facto de não se entender o ensino superior como uma prioridade nacional.

Relativamente à greve de zelo, não se viu uma divulgação abrangente e, para quem foi à universidade nesse dia, parecia um dia quase normal. O que te levou a considerar um sucesso? Estranho seria não parecer um dia de aulas normal. Nós queríamos que as pessoas estivessem nas faculdades e departamentos, pelo que é difícil contrastar o que seria um dia de greve e o que é um dia de aulas comum. Por outro lado, há outras situações que é preciso avaliar e estranhei que algumas aulas tenham sido mudadas nesse dia para outras salas e que tenham havido menos problemas nesse dia. Como avalias a relação que mantiveste com a Reitoria? Tem sido uma relação positiva com abertura para discussão, o que é algo que a AAC e a UC necessitam. Tivemos oportunidade de ter o reitor ao nosso lado no 24 de março, e não só na ASE, mas na questão do financiamento. Preparaste a tua candidatura durante dois meses. Uma vez que houve vários abandonos na tua equipa ao longo do mandato, 2 meses não deviam ter ajudado a uma escolha mais criteriosa? É impossível prever, em qualquer equipa, se tudo correrá bem. Prova disso é o facto de só me lembrar de uma DG em que não houve nenhuma demissão. É algo que acontece todos os anos, mas que assumiu proporções mais mediáticas devido a algumas pessoas que pretendem trazer para a academia os maus vícios da prática política e que preferem o ataquem pessoal ao invés do debate de ideias. Consideras que o teu trabalho foi dificultado por algum grupo de pessoas ou por alguma pessoa propositadamente? O meu trabalho foi dificultado por algumas pessoas que têm interesses na AAC. Quando assumi esta responsabilidade não pretendia ter uma postura indiferente a algumas más práticas que se verificam na AAC e percebo que, em alguns momentos, feri as suscetibilidades de pessoas que não gostam de perceber que a AAC deve presidir uma postura total de transparência e clareza. E quem são essas pessoas? Não preciso de particularizar. Disseste que só

conhecias

“as questões do eS têm-se revelado uma derrota para o associativismo” uma DG em que não tivesse havido nenhuma demissão, ainda assim houve um número maior que o normal. Consideras que as demissões ao longo do teu mandato condicionaram a forma de atuação da DG? Não. Acho que valorizaram o seu trabalho desta equipa e tornaramna cada vez mais determinada em cumprir este mandato com excelência. A dada altura não te preocupou a imagem que poderia deixar transparecer para o exterior? Nunca trabalhei em função da imagem mas sim em função daquilo que eu acho que é do superior interesse da DG/AAC. Para quem considera que ficou alguma coisa por esclarecer, gostarias de dizer ou de aclarar algumas das situações?

Já tive oportunidade de falar em vários momentos publicamente. Acho que as situações foram claras, apesar de não as poder esclarecer totalmente algumas porque dependem exclusivamente da vontade pessoal dessas mesmas pessoas. No início do mandato disseste que no final do mandato gostarias de ver a AAC com mais gente a participar nas secções, “a fervilhar”. É essa a perceção atual? Ainda não é mas acho que é nesse caminho que estamos. Quais foram os pontos negativos do teu mandato? Foram as demissões e o mediatismo que se formou em torno da DG, não do seu trabalho mas em questões acessórias.

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Entrevistas na íntegra em

cabra net


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cuLturA daniel silva

cultura por

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“in between” De freDerico AzeveDo foToGrafia fnac coiMbra Todo o dia • EnTrada

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Exposição casa da EsQuina • 15h00 às 18h30 EnTrada liVrE

daniel silva

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“oS AfricAnoS eM PortugAL: hiStóriA e MeMóriA (Séc. Xv-XXi) Exposição biblioTEca Joanina Todo o dia Até

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cicLoS “eSPeLho”, “SAntA cruz” e “negro” Do cAPc Vários

locais

Exposição • Todo o dia EnTrada liVrE

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SPooKyMAn Música cc doM dinis • 21h30 EnTrada liVrE

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“converSAS Sobre o SenSo coMuM” orgAnizAção: ceS dEbaTE GalEria bar sanTa clara QuinTas-fEiras • 21h00 EnTrada liVrE

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cicLo “AS ArteS no coLégio” confErências coléGio das arTEs 14h30 • EnTrada liVrE

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“LugAr à PoeSiA”

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dEclaMação cc doM dinis • 21h30 EnTrada liVrE

FEV

“LArAnjA MecânicA” De StAnLey KubricK cinEMa fila K aMscaV • 21h30 EnTrada liVrE

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“oreSteiA: eM buScA Do teAtro PoLítico” c/rui MADeirA oficina TEaTro EsTúdio ciTac Todo o dia 25 Euros (suJEiTo a inscrição)

Por Rafaela Carvalho

instituições procuram, no marasmo cultural, alternativas para conseguir manter uma programação original e consistente

Cultura austera em Coimbra 2012 é um ano pautado por grandes cortes de orçamentos e sacrifícios. Mais uma vez, a cultura é um dos principais alvos da austeridade implementada no país, e que não olha a quem dela depende, obrigando os agentes culturais a reestruturar toda a sua programação. Por Daniel Alves da Silva e Ana Duarte

“A

cultura sempre esteve habituada a ser maltratada” é uma afirmação que podia ser enfatizada por qualquer pessoa ligada à atividade cultural e que disso faz vida. Podia? Podia e é. Cortes orçamentais, aumento de IVA e, mais grave, o fim de um ministério – estas são as vicissitudes com que os agentes culturais se confrontam diariamente e para as quais procuram soluções de sobrevivência. O membro da direção da associação cultural marionet, Mário Montenegro, é o autor da frase acima referida, que sintetiza a opinião geral das instituições ligadas à cultura da cidade. Desde o teatro à musica, dança e exposições, o país tem vindo a sofrer uma estagnação brutal daquilo que foi, em tempos, profícuo. As falhas apontadas remontam sempre ao mesmo: o desconhecimento total, da parte dos governantes, daquilo que é a cultura em Portugal e o que esta significa para as pessoas. Uma questão de financiamento A Direcção Geral das Artes (DGA), principal financiador de projetos e eventos culturais, representa a falta de estima que o Estado providencia à cultura. Filipa Alves, membro da

direção da Casa da Esquina, lamenta o panorama, alegando que o que se tem praticado é “uma política de desinvestimento, que realmente não ajuda nem os agentes culturais, nem as pessoas que usufruem dessas produções”. A ela se juntam outros tantos. A diretora artística do Teatrão, Isabel Craveiro, vai mais longe e, em tom jocoso, admite não perceber qual tem sido a postura do Secretário de Estado da Cultura, Franciso José Viegas. Atribui-lhe, ainda, “um discurso bastante perigoso, em certa medida, um bocadinho populista” no que toca às declarações referentes à necessidade de aumentar as audiências nos espetáculos. A suposta ajuda que as instituições culturais da cidade deveriam receber foi, num espaço de um ano, gorada. Mediante um contrato plurianual assinado entre a DGA e algumas dessas instituições, como o caso da marionet, da Escola da Noite, o financiamento previsto foi reduzido significativamente (corte geral de 38%) no segundo ano. Esta redução viola o acordo previamente estabelecido. Pedro Rodrigues, membro da administração do Teatro da Cerca de São Bernardo, expõe os números, sem tabus: “dos 200 mil euros estipulados, apenas recebemos 124 mil”. Este corte abrupto

obrigou a Escola da Noite, bem como a marionet, a reestruturar toda a programação prevista para este ano, chegando ao ponto de recusar parcerias com companhias ou até mesmo cancelar algumas atividades. Nas restantes instituições, a problemática foi igual e houve a necessidade de efetuar um reajustamento na escala de eventos e produções.

Em 2 anos, o financiamento previsto aos agentes culturais foi reduzido para os 38% Alternativas: quais? Porém, em tempos de profunda crise económico-financeira e, até, de valores, a cultura pode ser facilmente reinventada. O diretor do Teatro Académico de Gil Vicente, Fernando Matos de Oliveira, elucida para a “enorme capacidade de ajuste estratégico” que se pode aplicar à atividade cultural. A partir daí, há a necessidade de criar alternativas para dar continuidade à boa oferta de espetáculos, que, na opi-

nião da vereadora da cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Maria José Azevedo, é ainda muito grande. A criação de alternativas e de soluções passa, em grande parte, pela “ originalidade para poder divulgar e desenvolver novos produtos, atraindo público”, adianta a programadora do Centro Cultural Dom Dinis, Rosa Marques. Mas quando há oportunidade para tal, a aposta pode cair sobre o mecenato. Matos de Olivera critica a dificuldade que há, na sociedade portuguesa, de “fazer avançar a agenda do mecenato privado”, visto que “a lei do mecenato é imperfeita e pouco ambiciosa”. O diretor artístico da Bonifrates, João Maria André, conclui que a cultura “tem sido claramente despromovida na atuação do novo governo”, que “adota uma lógica meramente financeira e economicista na gestão dos assuntos culturais”. A derradeira solução será “não fechar as portas”, afirma Isabel Craveiro, que, na instituição que representa, O Teatrão, assume uma “postura de luta”. Lança, ainda, um apelo aos restantes agentes culturais: “ temos de tentar, naquilo que nos diz respeito, modificar as coisas e contribuir para uma mudança de mentalidades no país. É essa a nossa responsabilidade”.


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DeSPorto FUtebol eM CoiMbra

Coimbra de rivalidades entre futricas e estudantes os despiques já lá vão, mas as histórias ficam. gerações de coimbra viveram a relação entre o união e a Académica. Medo e coragem eram indispensáveis para ir, nos anos 70, ver a bola. Sobra a saudade do sobe e desce de divisão e de jogos que, até a feijões, faziam suar a camisola. Dentro e fora de campo. Por fernando Sá Pessoa

O

s futricas e os estudantes, alguém se lembra? Nuno Miranda sim…e como não? O “Sola-Rota” divide as recordações de futebolista pelos golos no União de Coimbra, “a alegria de quem corre atrás de uma bola”, e ano e meio de Académica. Em toda a história, apenas dois podem falar disso, ele e Ribeiro, jogador de fausto bigode que atuou na década de 70. A última razão de rivalidade entre o União e a Briosa disfarça mal um sorriso de quem, pese embora tenha acabado a carreira prematuramente, foi alvo de uma disputa digna de outros tempos. O ex-jogador vai ao pormenor e conta como se chegou a um acordo alcançado madrugada dentro. No então bar da associação académica, os valores ficaram num guardanapo de papel e o contrato na palavra. Isto, embora o presidente Fernando Coroa oferecesse “apenas” sete jogadores à troca, ao passo que a Naval abanava com notas. Escusado será dizer qual a preferência dos unionistas, que tinham os olhos afastados da proposta do rival. Mas Nuno Miranda “queria mesmo era jogar na Académica”. E assim seria. Com o calor dos trópicos que uma pré-poca estudantil, no Brasil, se

fazia prometer, a exigência de saída junto da casa em que nasceu valerlhe-ia a expulsão da sede. Aos olhos da Académica, na Arregaça viviam os “solas-rotas”. E “Sola-Rota” ficaria Nuno Miranda, mesmo de preto estudante. O então chefe do departamento de futebol da Académica, Fernando Pompeu, explica o negócio que, durante duas semanas, entregou o jogador às insónias. “Era alguém muito querido pela massa adepta do União e eles não o iam deixar sair facilmente. Daí o secretismo das primeiras conversações”, revela. Longe vai o tempo em que as picardias atingiam dimensões de outra ordem, onde a capa e batina podia levar a vias de facto. “Vi-me aflito no meio dos adeptos do União, onde era o único estudante”, confessa Pompeu. A “coragem” de usar a capa negra causou o desconsolo nalguns. E mais negros são os contornos da história se lhe acrescentarmos que se tratava de um jogo de infantis. Como que importadas da América do Sul, cenas mais polémicas chegaram às rivalidades conimbricenses em tempos de segunda divisão. Após “três golos da Briosa”, relembra Pompeu o jogo que valia a subida, eis que o União, condenado

a rumo inverso, faz o tento de honra. O suficiente para um adepto futrica que, bandeira azul-rubra em riste, invade o campo. “Eram jogos que tinham sempre um colorido muito interessante”, afirma o ex-dirigente. Episódio idêntico traz José Viterbo, antigo treinador das camadas jovens da Académica, que encontrou nos jogos da casa do União, o campo da Arregaça, “situações de grande dificuldade”. Na hora de escolher o momento da carreira, Nuno Miranda hesita

“Já não há o que havia entre a gente da alta e da baixa”, lamenta Fernando Pompeu entre a subida dos estudantes, em 2001/2002, à primeira divisão, e os tempos de formação no União. Uma vitória sobre a Académica na Taça Idemitsu (de cariz amigável), com dois tentos assinados, valeram-lhe o “salto”. Todavia, se uma juventude deveria açambarcar as memórias de um atleta, os aplausos que saltavam quando entrava num res-

taurante, em clima de Queima, partem-no ao meio. “Subir de divisão pela Académica é algo inédito. É inédito.”

Duas cidades Durante o tempo que um chá leva a beber, Miranda solta as palavras como soltava a bola. Todavia, fá-lo com alguma mágoa. A de quem deixou o futebol aos 25 anos por causa de lesões sucessivas. No entanto, ainda no trabalho de hoje, esses tempos podem ser relembrados. Depois de uma carreira que teve fim abrupto, fez-se às “bifanas e aos cachorros” do café Santa Cruz, de que hoje é dono, na baixa da cidade. Curiosidade, era café frequentado por adeptos do União de Coimbra, passavam-se os anos 60 e 70. Ali se “juntavam para cascar nos outros”, diz entre risos, e ali continuará a trabalhar, “enquanto as pernas assim o permitirem”, ironiza sobre os joelhos fustigados. De outro modo, conta que cafés como o Arcadia e a Briosa estavam tradicionalmente mais ligados à Académica. “Agora já não há o que havia entre a gente da baixa e a alta, estudantes e futricas”, lamenta Pompeu. Com a equipa sénior extinta, o União mal se vê. Mas as camadas jovens ainda cheiram a outros tempos. fotos Cedidas por nUno Miranda

ProlongaMento fu T s a l

Em casa, os estudantes conseguiram o resultado expressivo de 8-4 sobre o Loures. Na partida que completou a 17ª jornada do Campeonato Nacional da 1ª divisão, a equipa treinada por Tó Coelho mantém, assim, a nona posição da tabela. Os jogadores da Briosa somam 22 pontos, os mesmos do SL Olivais e do AD Fundão, que se encontram nos dois lugares acima. Já no próximo dia 18 de fevereiro, a Académica disputa os oitavos de final da Taça de Portugal de Futsal contra o SL Olivais. r u Gb Y

A equipa de rugby da Associação Académica de Coimbra (AAC) defrontou o Clube de Rugby de Arcos de Valdevez (CRAV), no passado sábado, 28. No Estádio Sérgio Conceição, em Taveiro, os estudantes conseguiram o resultado de 22 – 10. Com 44 pontos em 14 jogos, a Briosa encontra-se na quarta posição do Campeonato Super Bock. Para além do campeonato, a equipa da AAC vai disputar, no início de fevereiro, dia 4, uma eliminatória da Taça de Portugal. b a s Q u E T Eb o l

A Briosa foi à Madeira vencer o Clube Amigos do Basquete (CAB) por 84 – 82, no passado sábado, 28. Este resultado, com uma margem de escassos dois pontos, contribuiu para manter a Académica no sétimo lugar da tabela, que conta agora com um total de 20 pontos. CAB e Académica disputam ambos os acessos aos Playoffs e, apesar do clube madeirense ter sido apontado como favorito, a Briosa acabou por levar a melhor nesta partida.

h Ó Qu Ei E M p a T i n s

A equipa sénior feminina de hóquei em patins atingiu o 1º lugar isolado do Campeonato Nacional Feminino, no passado domingo, 29. Após a vitória por 63 frente ao Vila Boa do Bispo, adversário direto no campeonato, os três pontos valeram às atletas de Coimbra o provisório lugar cimeiro do campeonato. Mariana Gonçalves, umas das atletas em destaque na equipa, foi mesmo convocada para ingressar no estágio nacional de hóquei em patins. Por Ana Morais

nuno Miranda, que diviviu a carreira entre o União de Coimbra e a académica, lembra hoje as rivalidades de outros tempos


8 | a cabra | 31 de janeiro de 2012 | Terça-feira

CidAdE

rafaela carvalho

Sem condições, os Voluntários lá permanecem Homens que de forma voluntária estão sempre prontos a responder aos perigos da cidade não se sentem reconhecidos pela população de Coimbra. Com parcos recursos e instalações degradadas, pedem mais apoios e mais sócios. Enfim, uma Coimbra mais consciente da importância do seu trabalho. Por Ana Morais

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ostumam ser eles a ajudar, mas agora são eles que precisam de ajuda. Os responsáveis dos Bombeiros Voluntários de Coimbra (BVC) fazem um apelo aos habitantes da cidade, pedindo auxílio para que possam desenvolver o seu trabalho com condições dignas. “Merecíamos mais e melhor” são palavras constantes no discurso do comandante dos BVC, Fernando Nobre. Situados na Avenida Fernão de Magalhães, um sítio estratégico devido à sua proximidade às zonas de risco (a Baixa e a Alta), o quartel dos BVC encontra-se degradado e desatualizado. O presidente da Associação Humanitária dos BVC, João Silva, não se inibe: “precisamos que nos ajudem, os BVC devem ser uma obra coletiva”. Segundo o presidente, os BVC padecem de duas grandes dificuldades: o financiamento que se tem agravado com o aumento do custo de vida e com a escassa presença de sócios, e as instalações que “são uma questão urgente a resolver”. O financiamento dos BVC baseia-se num subsídio mensal atribuído pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC), no apoio dos sócios e no transporte de doentes. Contudo, o comandante Fernando Nobre considera o financiamento camarário “reduzido” e João Silva expõe que apenas 4% da população de Coimbra é sócia desta instituição, aca-

bando por se traduzir numa ajuda pouco significante. Segundo o comandante, a fatia maior do apoio da CMC vai para os Bombeiros Sapadores de Coimbra, mas Fernando Nobre considera que não há diferenças no trabalho desempenhado pelas duas corporações: “somos tão profissionais como eles, mas os sapadores têm melhor equipamento”, atenta. Ainda assim, lembra que “os Bombeiros Sapadores, sozinhos, não fazem tudo”. “Os subsídios são muito baixos e podia haver bom senso dos conimbricenses para ajudar”, insiste Fernando Nobre.

“Consenso com a CMC” O presidente da associação aponta para o “consenso” que se conseguiu com a CMC para manter o espaço e reestruturar o quartel. Segundo João Silva, o município já deu o aval para que o quartel se mantenha no local. Todavia, o que falta é o financiamento e a elaboração do projeto que “custa muito dinheiro”. Houve já dois projetos para a reforma do edifício dos BVC que envolviam terrenos equacionados, e até o lançamento de uma primeira pedra, mas, de acordo com João Silva, “essas soluções foram postas em causa”. O comandante explica também que a melhor solução é manterem-se na Avenida Fernão de Magalhães, pois consideram “absurda” a descentralização deste tipo de servi-

ços. Quanto às instalações, o quartel encontra-se sediado num edifício construído em 1956, sendo que as condições são visivelmente fracas para uma companhia de bombeiros. As camaratas não têm aquecimento, os balneários não apresentam condições de higiene e não há qualquer espaço de lazer, o que faz com que “o rendimento dos bombeiros seja prejudicado”, alerta Fernando Nobre. O mesmo acrescenta que, muitas vezes, cidadãos que aparecem para se candidatar a bombeiros voluntários “acabam por não ficar devido às

condições” oferecidas. Contudo, o comandante declara que empresas de segurança e higiene vão “regularmente ao quartel e consideram as normas de segurança cumpridas”. “É com grande amor à camisola que os bombeiros passam cá as noites, a dormir em condições que não são as melhores”, sublinha várias vezes Fernando Nobre. Paulo Almeida, bombeiro chefe, está nos BVC há 30 anos e conta que “com as dificuldades, acabamos todos por ajudar. Foi o pessoal que pintou a fachada, se não ainda estava pior”. O cumprimento de regras, o

rafaela carvalho

rafaela carvalho

espírito de camaradagem, a união e a coragem são caraterísticas fundamentais para se pertencer a “esta família”, conta Fernando Nobre. “Isto é uma disciplina voluntária”, reitera o comandante, para alertar que a população reconheça o trabalho dos seus homens. O comandante expõe que a sua “preocupação fundamental é dar formação e arranjar mais pessoas”, mas explica que este é um serviço exigente, semelhante ao exército, em que a formação “é essencial”. Afirma que “é cada vez mais difícil encontrar jovens que cumpram as regras e se mantenham”. Porém, faz questão de alertar para o facto de pessoas sem espírito de sacrifício que se dirigem ao quartel para se tornarem bombeiros, com segundos interesses: “vêm cá estudantes para não pagar propinas”, acusa.

Futuro com soluções sólidas João Silva mostra que é vontade dos BVC “avançar para o futuro com soluções sólidas”, mas diz que “tecnicamente há prazos que são precisos, o projeto anda mais depressa ou mais devagar consoante o financiamento”. Assim, insiste: “estes bombeiros são voluntários que estão ao serviço desta cidade e merecem mais”. Paulo Almeida equaciona: “se cada habitante de Coimbra desse um euro já era muito bom”. com Joana Magalhães


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CiênCiA & TECnOlOgiA

Dieta Mediterrânica previne cancro Os antioxidantes da dieta mediterrânica previnem o cancro, mas devem ter um controlo mais rigoroso em suplementos alimentares e nos cosméticos Filipe Furtado Os pais dizem às crianças que para crescerem e ficarem fortes têm de comer muitas frutas e legumes, a ciência encarrega-se de perpetuar a ideia. A equipa internacional de investigadores, liderada por Maria Paula Marques, da Unidade de “Química-Física Molecular” da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (FCTUC), identificou compostos mais benéficos na prevenção do cancro da mama e do melanoma, existentes nos produtos da dieta mediterrânica, como azeite e outros fitoquímicos. Conhecidas as relações benéficas entre a prática de uma dieta mediterrânica e uma menor incidência de vários tipos de cancro ou de doenças cardiovasculares, a investigação pretendia avaliar quais os compostos com maior número de antioxidantes e por que motivos. O resultado do estudo é “aprofundar os conhecimentos que já existem, mas a nível molecular, cada composto per si”, afirma a docente sobre o trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos oito anos. De forma a determinar a capacidade antioxidante e quimiopreventiva, a equipa de investigadores identificou e isolou algumas dezenas de agentes no azeite e tentou “identificar um efeito para cada composto”, explica a docente. Não é possível definir quais os melhores fitoquímicos, “porque a maior parte deles tem um efeito benéfico”, apenas são diferentes, uns surtem mais efeito, outros menos, aclara.

rafaela carvalho

Suplementos alimentares e cosméticos Um dos aspetos cruciais para a prevenção do cancro ocorre ao nível da dosagem, dado que a partir de uma certa concentração os compostos exercem uma ação nociva. “Geralmente, há aquele mito que o natural é sempre bom e nunca faz mal, isso não é verdade”, alerta Maria Paula Marques, ao falar sobre os suplementos alimentares e cosméticos. A docente fala da impossibilidade de ingerir quantidades perigosas ao consumir apenas vegetais, pois consiste numa mistura de compostos. O problema reside na utilização inversa dos suplementos alimentares, isto é, “nos países ricos, as pessoas têm uma dieta equilibrada e ainda consomem suplementos”, nos países pobres onde estes fazem falta, “não há dinheiro” para os comprar, adverte a investigadora. O uso de suplementos é aconselhável em situações de stress ou excesso de trabalho, mas “sob vigilância médica”. “Se for a um hipermercado e vir o rótulo desses produtos, se lá estiver o nome de todos os compostos já é uma sorte”, denuncia Maria Paula Marques, que garante que o mesmo acontece com os cosméticos que as pessoas usam anos a fio. O estudo “mostra que é urgente a criação de normas reguladoras da utilização de suplementos alimentares, tal como acontece com os medicamentos. Se consumidos indiscriminadamente podem ter efeitos indesejáveis, ao não especificarem a dosagem de antioxidantes presentes”, acrescenta a docente da FCTUC. Os oito anos de projeto contam com a colaboração da Faculdade de Ciências do Porto e do Instituto Português de Oncologia e também com o apoio de investigadores do Rutherford Appleton Laboratory, em Oxford, no Reino Unido. O “IPO funciona como consultor”, faz a ponte entre a investigação e a parte clínica: “não somos médicos,

os compostos dos alimentos mediterrânicos são usados em suplementos alimentares e também em cosméticos muito menos oncologistas e convém ter sempre esse background de um clínico”, refere a especialista. Maria Paula Marques avalia a colaboração com os investigadores britânicos como “fundamental”. Depois da preparação dos agentes é necessário caracterizá-los. O la-

boratório Rutherford Appleton utiliza espectrocopias Raman que permitem “saber informações acerca dos agentes a estudar, é como tirar uma fotografia do nosso agente”, utilizando neutrões. A próxima fase da investigação passa pelos testes in vivo, com a colaboração da Faculdade de Farmá-

cia do Porto. Maria Paula Marques destaca as “verbas muito elevadas” necessárias para “manter animais”, que “não podem ter outros parâmetros que afetem a sua resposta biológica”: não podem estar sob stress e precisam de permanecer em condições ideais – o que “fica muito caro”.

Ciência da FCTUC para todos na RTP2 Ainda sem data prevista de estreia, programa de divulgação de ciência da UC aposta no 3d, para a simplificar aos olhos de miúdos e graúdos Paulo Sérgio Santos Com as filmagens iniciadas em setembro do ano transato e a estrear nos próximos meses, o programa televisivo "República do Saber" afirma-se como uma

aposta forte da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), em parceria com a RTP, para “revelar a ciência, a tecnologia, a transferência de conhecimento e como as ideias nascem”, afirma Cristina Pinto, assessora de imprensa da UC e responsável do projeto. Foi há dois anos que surgiu a oportunidade, através do programa COMPETE - Programa Operacional Factores de Competitividade. “Soube-se dessa candidatura e apresentou-se o projeto. Na altura, fazia assessoria de imprensa só para a FCTUC", lembra Cristina Pinto, que terá falado com o então diretor da faculdade e atual reitor, João Gabriel Silva, fazendo

avançar uma candidatura. Desde que foram conhecidos os valores envolvidos, 6100€ por cada um dos 60 programas, têm sido várias as polémicas levantadas. A assessora de imprensa da UC faz questão de esclarecer a questão, ao sustentar que “este programa é financiado em 70% pelo COMPETE e os restantes 30% são pagos através do Orçamento de Estado, via Ciência Viva.” Ou seja, “a Universidade, para ter este programa, tem custo zero”, realça a responsável pelo projeto. Se a data de estreia ainda está em segredo, o formato já tem uma estrutura bem definida. “Será um programa com uma duração de 15

minutos, com uma rubrica para captar a atenção dos mais novos para a importância da ciência, que durará um minuto, e reportagens com investigadores de todas as áreas da FCTUC, passando pelos seus 11 departamentos”, explica Cristina Pinto. A grande diferença, em relação a outros programas do género que já foram realizados no passado, está na estrutura profissional, que foi contratada e está a montar “um programa dinâmico, que aposta muito no grafismo e no 3D”, finaliza. Nem a propalada privatização da RTP que pode levar a possíveis reorganizações na grelha de programação do segundo canal esta-

tal preocupa a responsável do projeto, que sustenta que “a RTP é uma instituição de bem. Assumiu o compromisso, tenho a certeza de que o irá honrar”. Uma segunda temporada também ainda não está prevista. “Neste momento, estamos focados nestes 60 programas que foram contratualizados”, declara Cristina Pinto, acrescentando que é um programa “para que quem está em casa saiba o que se faz na UC, em que é que os nossos investigadores estão a trabalhar para melhorar a nossa sociedade e, quanto mais não seja, para saberem onde é gasto o dinheiro que todos nós, contribuintes, pagamos”.


10 | a cabra | 31 de janeiro de 2011 | Terça-feira

NomeAçõeS GoverNAmeNTAIS

Da Academia para o p As nomeações efetuadas pelo governo e tornadas públicas na Internet revelam uma tendência que não é exclusiva da atual coligação: a escolha de jovens ligados a juventudes partidárias e a associações académicas para integrar os quadros do governo. Será a passagem pelo movimento associativo determinante para chegar ao poder? Por Inês Balreira e Camilo Soldado

“A

29 de julho de 2011, o governo de Passos Coelho, cumprindo uma promessa eleitoral, publicava no seu portal online a lista completa das nomeações para cargos a desempenhar nos seus ministérios. Nos dados publicados, o governo disponibilizava o cargo a desempenhar e o salário que a auferir. Discriminado por ministério e secretarias de estado, das quase oito centenas de nomeações que tiveram lugar até agora, pode verificar-se que perto de 40 são de jovens com menos de 30 anos. Dos 40 jovens nomeados como assessores e especialistas, três deles são mais conhecidos do movimento associativo nacional. André Pardal, Tiago Sá Carneiro e Ricardo Morgado têm em comum a passagem pela presidência de uma associação ou federação académica. Para o sociólogo e investigador do Centro de Estudos Sociais Elísio Estanque, “estes exemplos comprovam as oportunidades efetivas de benefício pessoal que o protagonizar a liderança de uma direção geral traz na prática”, independentemente das intenções. Eleito em maio de 2007 primeiro presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL), cargo que viria a abandonar em dezembro do mesmo ano, André

Pardal foi nomeado, em julho de 2011, especialista no gabinete do Secretário de Estado da Juventude e Desporto. Agora com 29 anos, André Pardal afirma que, apesar de a experiência como dirigente associativo lhe ter “servido e enriquecido como homem, pessoa e a nível político”, o ex-presidente da AAUL garante que nunca esteve no movimento associativo estudantil com a perspetiva de benefício pessoal.

André Pardal, Tiago Sá Carneiro e Ricardo Morgado têm em comum a passagem pelo associativismo Apesar de ter sido nomeado para um governo de coligação entre o Partido Social Democrata (PSD) e Partido Popular, André Pardal garante que, na altura em que era presidente da AAUL, “era simpatizante do PSD”, mas só depois de deixar o associativismo se tornou militante da Juventude Social Democrata (JSD) e do PSD. Contudo, o especialista considera que nem o facto

ter sido dirigente associativo, nem o facto de estar ligado ao PSD, “foram determinantes para ter sido nomeado”. A investigadora no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Maria Luísa Veloso, encara este fenómeno com normalidade: “se olharmos para a história dos nossos políticos, há, de facto, alguma associação entre os perfis de liderança enquanto jovens e os perfis de liderança enquanto líderes políticos”. Para o ministério da Educação e Ciência também foram nomeados Tiago Sá Carneiro e Ricardo Morgado, ex-presidentes da Associação Académica da Universidade de Trásos-Montes e Alto Douro (AAUTAD) e da direção da Federação Académica do Porto (FAP), respetivamente. Tiago Sá Carneiro foi eleito presidente da AAUTAD em janeiro de 2008, tendo deixado o cargo em junho de 2009. Nomeado assessor no gabinete do ministro da Educação e Ciência em novembro de 2011, considera que a experiência como dirigente associativo “teve e vai ter um impacto em qualquer profissão que possa vir a exercer na vida profissional”. Com 27 anos, o antigo estudante de engenharia civil considera que não foi só a experiência que adquiriu nos três anos passados pelo as-

sociativismo académico que fez com que fosse nomeado. “Fiz também parte da elaboração do programa do PSD e era um dos únicos jovens com menos de 30 anos que estava ligado ao associativismo jovem no gabinete de estudos desse partido na área da educação”, afirma Sá Carneiro. No entanto, o antigo dirigente garante que “a JSD tem quadros muito bons e esses são os principais pontos por que as pessoas são escolhidas, pela sua competência e qualidade para

“A JSD tem quadros muito bons e é por isso que as pessoas são escolhidas”, diz Tiago Sá Carneiro ocuparem os cargos”. Apesar de não duvidar das competências e conhecimentos técnicos nas áreas em que exercem a atividade enquanto assessores e consultores, Elísio Estanque levanta a questão: “alguma vez os respetivos partidos lhes dariam a oportunidade se não tivessem passado por esta experiência de liderança das associações académicas?”. Maria Luísa Veloso não vê qualquer sinal de promiscuidade ao considerar que depende daquilo que os assessores irão fazer nos órgãos ministeriais

e que estes são nomeados “em função do mérito pessoal”. Mas para o sociólogo do CES a questão está relacionada com o fenómeno do caciquismo. “Se o jovem quadro conseguiu ser eleito e conseguiu dominar um certo conjunto de votos e de vontades junto da juventude, a interpretação que o líder do partido faz é que aquele indivíduo tem um potencial eleitoral”, examina. Tiago Sá Carneiro discorda. “É o meu primeiro emprego, mas não são as juventudes partidárias que formam as pessoas, eu tenho provas dadas”, afirma. Também André Pardal garante que nunca deixou “que os partidos e juventudes partidárias se intrometessem no dia-a-dia” enquanto ocupava o cargo de presidente da AAUL e encara esta nomeação como “uma oportunidade de dar o meu contributo para o país neste momento tão difícil”.

“Período de nojo” Com 24 anos, Ricardo Morgado é dos mais jovens a ser nomeado. Eleito presidente da FAP em 2010, cessou funções em janeiro de 2011 para poucos meses depois, em julho do mesmo ano, ser apontado como assessor


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Nomeações GoverNameNtais

poder no gabinete do secretário de estado do ensino superior. Elísio Estanque acredita que um tão diminuto hiato temporal entre a liderança de um movimento estudantil e a nomeação para o governo é um sinal de promiscuidade. “Devia haver pelo menos um período de luto, um período de nojo”, aclara. No entanto o sociólogo não generaliza e não encontra ”uma relação direta de causa - efeito”. “Depende da estatura moral e do caracter de cada um”, mas Estanque realça que, se quem está no associativismo académico tem um vínculo direto e formal a uma estrutura partidária, “faz muito mais sentido pensar nas consequências e no risco dessa promiscuidade”. O investigador do CES considera que quando a distância temporal entre contestação e poder é tão curta “permite que o observador mais atento possa estabelecer uma correlação entre o trabalho enquanto dirigente associativo e a sua nomeação para o poder”. Se enquanto presidente de uma associação académica “o estudante optou por um alinhamento absolutamente incondicional com as estruturas partidárias e a recompensa é chegar a um alto cargo”, trata-se de “um exemplo de uma perversão completa da democracia”, alerta o sociólogo. Depois de se formar, André Pardal estagiou e trabalhou como advogado durante quatro anos, tempo que o antigo presi-

dente da AAUL considera “ser suficiente para haver um distanciamento entre o que é o associativismo e o que é o governo”. Até ao fecho da edição, o Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA tentou, sem sucesso, contactar o ex-presidente da FAP, Ricardo Morgado.

Condição salarial Os antigos dirigentes associativos que foram recentemente nomeados para cargos nos ministérios e secretarias de estado vão receber entre os 2300 e os 3000 euros mensais. No entanto, Tiago Sá Carneiro garante que o seu ordenado “não chega nem de perto nem de longe” aos 2000. “O valor que está no sítio do governo é um valor bruto”, explica. Maria Luísa Veloso sustenta que, “se pensarmos em termos do custo de vida em Portugal e na União Europeia, não é um salário assim tão elevado”. Também André Pardal considera que o montante que aufere é “completamente justificável para o nível de responsabilidades e de complexidade” do trabalho que desempenha. Pelo contrário, Elísio Estanque considera que, tendo em conta a atual situação socioeconómica do país, estes salários são dificilmente compreensíveis e exemplifica: “qualquer recém-licenciado que seja forçado a aceitar um trabalho num call center ou numa caixa de supermercado porque não teve padrinhos e amigos, nas estruturas dirigentes dos partidos, que os convidassem, com certeza que vai sentir-se indignado com estas situações”.

A queSTão CoiMbRã A academia de Coimbra não está imune a esta relação com o poder. Ao analisar os nomes que presidiram a direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) desde a crise de 69, encontram-se cerca de 15 ligados ao poder central e local. Começando em Alberto Martins (que desempenhou várias funções na política, de deputado a ministro) pode verificar-se que os líderes da AAC vieram a exercer os mais variados cargos políticos: de assessores a deputados, passando por secretários de estado e ministros. Segundo Elísio Estanque, é desde os anos sessenta que, devido “sobretudo ao prestígio e à aura de irreverência, de debate cultural, de formação cívica e política”, a AAC dá “ainda mais visibilidade”. Emídio Guerreiro, presidente da DG/AAC entre 1990 e 1991, ocupa desde 2005 um assento na Assembleia da República (AR), na bancada parlamentar do PSD. O agora deputado social-democrata revela que estar à frente da Académica abriu-lhe portas “a todos os níveis” e dá como exemplo a experiência de ter 53 funcionários da AAC com três semanas de salários em atraso quando foi empossado. “Não é propriamente uma situação a que um estudante esteja habituado”, relembra. Mas tal experiência não terá sido determinante para chegar à cadeira parlamentar. “Se tivesse sido eleito dois ou três anos depois poderia haver uma relação mais direta do que aquela que há”, explica. O deputado laranja garante que, apesar de à época já ser militante da JSD, este facto não teve qualquer influência no seu desempenho enquanto presidente da DG/AAC. Zita Henriques ocupou posições ligadas ao poder antes de Emídio Guerreiro. A presidente da DG/AAC em dois mandatos – 1995 e 1996 – seria mais tarde adjunta do ministro da educação Júlio Pedrosa e vereadora da Câmara Municipal de Penacova. Até ao fecho da edição, o Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA tentou entrar em contacto com Zita Henriques, sem sucesso. Também Vítor Hugo Salgado foi deputado na AR depois de passar pelo número um da Padre António Vieira. Presidente da DG/AAC entre 2002 e 2003, Vítor Hugo Salgado foi deputado socialista, adjunto do ministro do trabalho e da solidariedade social e também do ministro da economia entre 2005 e 2010. O ex-presidente considera “inegável” que ser presidente da DG/AAC “acaba sempre por ajudar a abrir as portas do meio político nacional”. Mas tal como a direção geral abre as portas do meio político, Vítor Hugo acredita que “uma atividade dentro da AAC acaba por abrir as portas na sua área de intervenção, como é o caso d’ A Cabra ou da RUC”. O agora vereador da Câmara Municipal de Vizela confessa que aprendeu muito mais ao longo do período em que esteve na AAC do que no período em que estudou na universidade. Apesar de ter sido deputado socialista, Vítor Hugo Salgado assegura que nunca teve qualquer tipo “de envolvimento em qualquer estrutura partidária antes de sair da AAC”. O último presidente da DG a envolver-se em cargos políticos é André Oliveira, que liderou a academia de2008 até janeiro de 2009. Militante da Juventude Socialista (JS) desde os 14 anos, André Oliveira garante que suspendeu todas as suas funções na JS quando integrou a DG. O antigo dirigente é assessor da comissão de economia na AR desde fevereiro de 2010. No entanto, André Oliveira entende que a experiência que teve na AAC, “enquanto escola de vida e cidadania”, constitui “uma base extremamente importante para o futuro profissional” mas em nada tem que ver com a obtenção do atual cargo. “Apesar de ser um emprego na AR, relacionado com a política”, está mais virado para aquilo que foi a sua “formação académica na área da economia” e aquilo que tem vindo a ser a “militância numa juventude e num partido político”, considera. Já relativamente ao cargo de deputado no município de Coimbra, o mais recente ex-presidente a enveredar por um caminho ligado à política concorda que a visibilidade que a AAC lhe deu “foi relevante”. Elísio Estanque acredita que a aura que Coimbra herdou da década de 60 se está a perder. O investigador lamenta que “esses valores democraticamente genuínos” não estejam a “prevalecer nas dinâmicas do associativismo estudantil”. Para o futuro, Estanque considera que o “primeiro passo é reconhecer que o fenómeno existe” e o segundo “discutir abertamente em torno dele”, para que “futuras lideranças olhem com olhos de ver aquilo que se passa à nossa volta”.


12 | a cabra | 31 de janeiro de 2012 | Terça-feira

País

Atualização da lei da cópia privada à procura de reunir consenso Ponderar compensações pela reprodução de cópia privada já está previsto na lei portuguesa desde 1998. Os tempos mudam e a atualização da mesma entra agora em cena. Criação, autores, sociedades que gerem a cópia e consumidores digladiam-se por um consenso que tenha em conta todas as partes Por Liliana Cunha LILIana Cunha

“O

s autores não consideram que não tenham sido ouvidos”. O administrador da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), Pedro Campos, classifica desta forma, a posição que os autores assumem perante o projetolei nº118/XII, onde a lei da cópia privada tem por vista uma atualização. Contudo, é preciso pensar quem é o autor e quem faz cópia privada da sua produção. Sendo um projeto, é passível de ser submetido à discussão em especialidade. Todos votaram a favor, à exceção do Bloco de Esquerda (BE) que contrariou o consenso. Em sede de discussão parlamentar pela comissão de educação, ciência e cultura da Assembleia da República, a deputada do BE, Catarina Martins acredita que a diretiva cria “mais problemas que soluções”. Daí, vai contra à opinião proferida pelo administrador da SPA alegando que “todas as pessoas têm sido excluídas das audições”. Como membro da comissão, acredita que a lei da cópia privada “não tem qualquer sentido”. Remontando ao ano de 1998, o primeiro decreto de lei (62/98) previu a imposição de uma compensação devida aos autores pela pós-reprodução e gravação da sua obra. Esta medida estendia-se materialmente aos suportes analógicos como cds virgens, e, “quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eletrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras”. Por meio de uma taxa, a cobrança era da responsabilidade do fornecedor dos suportes. O que se verifica é que os tempos são outros e a chegada dos materiais digitais traz a necessidade de alteração de paradigma. A proposta de revisão deste mesmo decreto vem à tona no presente ano. Com a mesma matriz, transpõe-se a diretiva europeia que permite aos titulares de direitos autorais a possibilidade de “colocar medidas de proteção tecnológica nas obras digitais”, explana uma representante da associação de software para fins educativos Ensino Livre, Paula Simões. Assim, objetos como pen drive, discos rígidos externos, e dispositivos de armazenamento não volátil como sejam “integrados em aparelhos e que permitam o armazenamento em massa”, estão configurados no projeto-lei nº118/XII apresentado pelo Par-

soa coletiva (pública ou privada) “cujo objecto de actividade seja a comunicação audiovisual ou produção de fonogramas e de videogramas, exclusivamente para as suas próprias produções”. Desta forma se cita o projeto lei, que apenas inclui esta isenção a par de uma outra - que se prende com a produção como “objecto de actividade para o apoio a pessoas portadoras de diminuição física, visual ou auditiva”.

Petição contra o projeto lei Circula, desde a semana passada, uma petição contra o projeto, que conta já com mais de 4200 assinaturas até à data de fecho do jornal. Os criadores do abaixo-assinado online afirmam que o projeto lei “apresenta contradições lamentáveis e um texto apenas produzido por alguém que desconhece a evolução do mercado das novas tecnologias e porventura, prefere ignorar o estado atual da economia portuguesa.” Deste modo, quem for signatário da petição pretende revogar a revisão que consideram ser “ilógica e injusta”.

Ameaça para novos projetos

Dispositivos de armazenamento são os novos suportes contemplados no projeto lei nº118/XII tido Socialista.

Duas formas de ver a taxação Atualizar a proposta poderia consubstanciar duas vertentes. A primeira foi o modelo escolhido por Portugal, que “cria uma taxa sobre os suportes” e põe em foro de discussão “o valor da mesma”, de forma a encontrar uma “compensação justa”, afirma o diretor do

gabinete de planeamento e avaliação da secretaria de estado da cultura, Nuno Gonçalves. O também formulador do projeto-lei apresentado no mandato da anterior ministra Gabriela Canavilhas, acrescenta a segunda forma “minoritária, mas adotada em Espanha”. Passaria pelo assumir “do próprio Estado do pagamento negocial” abarcado no processo entre entidades de gestão coletiva de di-

reitos e os artistas e produtores. Disponibilizar-se-ia uma “verba global”. É inexistente a exceção para profissionais da cultura. Estes teriam, segundo a forma primária do projeto, de pagar a taxa. Aquando da aquisição dos equipamentos para produzir, mesmo recebendo a posteriori a compensação pela cópia, os autores só têm isenção enquanto pes-

A criação de novos projetos artísticos está em dificuldades. “O que resolve é o investimento público, não a taxa”, afiança a deputada do BE. A mesma pensa que a lei é uma medida que “pretende passar diretamente para os consumidores o pagamento de uma parte da produção do setor”. A construção da lei “está errada desde o início”, conclui. Já o diretor de Marketing da editora discográfica Vidisco, João Azeitona, é mais cauteloso e confirma que “os novos talentos têm mais dificuldades”. Vaticina que há “ferramentas como há muito não existiam e, independentemente deste projeto-lei ir para a frente ou não, é um ponto de partida”. “Um mundo que cada vez mais confunde a fruição e a própria produção cultural”. Catarina Martins considera que tal foi fruto “do avançar tecnológico”, e que todos são criadores de obras em “última análise partilhadas”. A carência de atualização da lei tem de se pensar, segundo a mesma, e é por tal que ouvir todas as partes interessadas se torna premente ao invés da audição de “determinados setores”.


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MuNDO Espanha: lEi da mEmória histórica

“Um abrir de feridas e memórias antigas” Desde 2007 que é permitido aos cidadãos exilados a reaquisição da nacionalidade espanhola através da Lei da Memória Histórica. No entanto, com o abrir de feridas antigas, surgem algumas dúvidas face à lei, ao que a concebe e à possibilidade da sua conversão. Por Maria Garrido e Mariana santos Mendes

A

partir da guerra civil espanhola e posterior instauração do regime franquista, milhares de espanhóis viram-se obrigados a abandonar o país e a renunciar à sua nacionalidade. Em 2007, com o governo socialista de José Luis Zapatero, é aprovada uma lei que permite aos descendentes de emigrantes exilados recuperar a nacionalidade espanhola. Denominada Lei da Memória Histórica, esta veio gerar, até agora, quase meio milhão de “novos espanhóis” por todo o mundo. Para o professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Jónatas Machado, a referida lei traduz-se numa “maneira de Espanha poder confrontar a sua própria história e de alguma forma corrigir e repensar certas situações que foram muito desagradáveis e violadoras dos direitos humanos que aconteceram no tempo da guerra civil.” “O que a lei concebe é o direito de a pessoa adquirir a nacionalidade espanhola como uma compensação, uma recompensa que teve de ser reconhecida”, confere Beatriz Padilla, socióloga do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do

Instituto Universitário de Lisboa. O também professor da FDUC, João Moreira, que rege a cadeira de Direito Internacional Público, vai mais longe, lembrando a intenção do Partido Socialista Operário de Espanha (PSOE) de Zapatero de querer “agradar ao seu eleitorado”, propondo “a sua própria visão” da história espanhola em forma de lei. “É um legislar sobre a sua visão da

“Espanha já tem questões de  identidade  suficientemente  complicadas” História, usando essa capacidade legislativa para transferir uma certa ideia daquilo que aconteceu em Espanha e criar ou retirar direitos ao cidadão espanhol e aos seus descendentes”, assevera. “A aquisição da nacionalidade num enquadramento desta lei da memória histórica está vinculada com o reconhecimento político”, confirma Silvia Maeso, socióloga e co-coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito do

Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra. Quanto aos benefícios que esta lei traz aos cidadãos requerentes da nacionalidade espanhola, as opiniões convergem no mesmo sentido. A questão da “mobilidade, da flexibilidade e de um conjunto de opções” proporcionada pelo usufruto de mais do que uma nacionalidade “pode ser vantajoso”, diz Jónatas Machado. “Os benefícios para estes novos espanhóis são imensos”, acredita João Moreira acrescentando que esta pode ser “uma oportunidade magnífica, pois vai permitir às pessoas trabalhar e viver, não só em Espanha, como em qualquer país da União Europeia”.

Pedir nacionalidade em consciência A Lei da Memória Histórica prendese com a intenção de retribuir a identidade aos homens e mulheres que podiam, hoje, ter nascido em terras de Juan Carlos. No entanto, é importante, primeiro, entender o que é isto de sentimento de identidade neste contexto. Segundo Beatriz Padilla, o sentimento de identidade tem que ver com a nacionalidade: “é preciso distinguir entre a múltipla pertença que a pes-

soa possa ter em relação ao que é chamado de identidade”. Ao mesmo tempo, importa ainda saber se as pessoas conhecem realmente ao que concerne a lei e se as que requerem a nacionalidade têm alguma conexão para com Espanha. “Depende dos casos. Haverá pessoas na diáspora espanhola que terão ainda alguma ligação, ainda que não muito concreta”, realça

O PSOE quis “agradar ao seu eleitorado”,  propondo “a sua  própria visão da  História” João Moreira.

Análise de processos Outro aspeto a considerar é a questão da análise dos processos que levam à obtenção da referida nacionalidade. Beatriz Padilla crítica a reduzida velocidade das respostas, atribuindo às embaixadas espanholas e aos próprios consulados a incapacidade de responder aos pedidos, que podem ficar pendentes por vários anos.

D.R.

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Em 2007, o governo de José Luis Zapatero aprova a Lei da Memória histórica. hoje, a lei cai nas mãos do Partido Popular de Mariano Rajoy

Além disto, sabe-se que é estabelecido um prazo (o último terminou no passado dia 27 de Dezembro) para a solicitação da nacionalidade. A justificação reside, diz João Moreira, no “evitar de um alargamento demasiado amplo da atribuição”, uma vez que esta “afeta também países da União Europeia”. Pondo isto, o professor considera que a forma como a lei está construída, é “razoavelmente restritiva”.

Divergências internas, uma lei “Quantos são, não se sabe. O que significa também não”. Quem o diz é Beatriz Padilla sobre a vaga de potenciais espanhóis que acorre a esta lei. Num país onde se acentuam “algumas polarizações e tensões importantes”, como por exemplo “entre republicanos e monárquicos, direita e esquerda, a questão basca e catalã”, Jónatas Machado considera que Espanha já se encontra com questões suficientemente complicadas de identidade, mesmo sem se considerar a Lei da Memória Histórica. Pondo isto, o professor adota uma posição de especulação: “vamos lá ver como é que a sociedade espanhola consegue digerir esta lei e as suas implicações”. O facto de a lei ter aspetos “bastante problemáticos, designadamente no sentido de recuperar toda a memória da guerra, ou seja, um abrir das memórias antigas”, Jónatas Machado expõe a possibilidade de conversão da lei por parte do atual governo espanhol, o Partido Popular (PP). “Este revisitar da história, recuperar a memória, responsabilizar o próprio Estado é mais problemático, pois, no sentido atual, a tendência é responsabilizar todos aqueles que estejam envolvidos em crimes contra a humanidade”, sublinha. “Também é verdade que a pacificação da sociedade é mais difícil de se atingir quando se abrem todas essas feridas. É uma equação difícil, para a qual não há nenhuma solução matemática, nem consenso na generalidade das pessoas”, remata o professor da FDUC. Por sua vez, João Moreira deixa em aberto uma questão: “algo que estou curioso em saber é como vai agora o PP reagir no governo. Se vai ou não alterar aquelas que foram as decisões do PSOE”. Uma questão pertinente, uma vez que, lembra Silvia Maeso, além desta lei ter nascido como um compromisso político de diversos partidos que têm lugar no parlamento espanhol, o Partido Popular sempre teve uma atitude ou de abstenção ou contrária à aprovação da lei.


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Cinema

ArTeS

os descendentes ”

“o

DE AlexAnder PAyne COm GeorGe Clooney, ShAilene Woodley, AmArA miller 2011

Complexo de insularidade

ver

CRítICA DE JOÃO tERênCIO

L

eonel Vieira (“a Selva”, “Julgamento”) é um confesso admirador de tarantino, e parece ter sido essa a principal mensagem que quis passar com “arte de roubar”. do início ao fim são demasiado notórias as colagens do estilo tarantinesco. está lá tudo. a banda sonora de influência mexicana, a divisão da narrativa por capítulos, as personagens de tiques exagerados e, obviamente, o sangue. É-nos contada a história de dois ladrões sem grande talento, Chico Silva (ivo Canelas) e Fuentes (enrique arce), que dividem o seu tempo entre grandes golpes invariavelmente falhados e as noites na clássica boîte de beira de estrada pouco recomendável.

s meus amigos do continente acham todos que, por viver numa ilha, a minha vida é só descontracção, ir à praia e beber mojitos. Será que eles não imaginam que a vida custa tanto como em outro lado qualquer?”. a frase não pertence a alberto João Jardim. Sai sim da boca de George Clooney e é o mote para o último filme de alexander payne, realizador que tinha proposto em “Sideways” um road-movie solarengo e cativante e que, n’“as confissões de Schmidt” mostrou de novo uma sensibilidade particular no retrato da condição humana, numa etapa mais avançada da grande viagem. em “os descendentes” encontramos Matt King (um desconcertado Clooney), advogado no Havai, que se depara com a mulher elizabeth, projectada de um barco de corrida para um coma, e com duas filhas que viu crescer mas não conhece. tem também sobre os ombros o peso de decidir a venda de um bocado do

paraíso, pertencente à sua família e cujo destino terá significativo impacto na região - e no saldo bancário dos seus dezasseis primos, que aguardam o desfecho com impaciência. Falando de descendentes directas, a filha alexandra, adolescente, é um retrato sem rugas da mãe e com a mesma voragem pelo abismo. Bebe, tem a boca demasiado perto do coração (e do vernáculo) e problemas com a autoridade – acaba, apesar disso, por revelar-se um importante suporte do pai. a mais nova, a púbere Scottie, parece querer seguirlhe as pegadas. presenças notadas são também as do castrador sogro desempenhado por robert Forster e a de Sid, amigo da filha mais velha (como que um jovem Jack Black que ainda não percebeu se está a rodar uma comédia ou um drama), inconveniente sempre que a ocasião o permite. a dado momento da trama, Matt descobre que a mulher com quem partilhou a vida tinha um amante. a

narrativa acaba então por ser guiada pelo seu masoquismo, que o impele a procurar Brian, o patético agente imobiliário por quem elizabeth estava disposta a deixá-lo - uma alusão demasiado óbvia a “Beleza americana”. a fotografia escolhida faz-nos reviver as novelas da Globo e o guardaroupa tropical ajuda a composição. Há ainda uma guitarra xaroposa que acompanha quase toda a narrativa. aliás, o filme balança entre os conceitos de novela e telefilme. a primeira pela disparidade entre tempo diegético e de filme – muito pouco se passa que requira tantos megabytes de rodagem - o último, porque há uma lógica ponto a-ponto B, acompanhada por uma estética de drama familiar caseiro, com pequenos episódios que alternam entre o constrangedor e o despropositado, sem nunca se mostrarem indispensáveis. no fim nem tudo é inconsequente n’“os descendentes”. o título assenta bem aos momentos de carreira do realizador e a parte do elenco.

Arte de Roubar ” É lá que entram em contacto com augusto (nicolau Breyner) e este lhes propõe o assalto à mansão onde trabalha, como represália contra à patroa por tê-lo deixado de fora do testamento após décadas de fiel serviço. o trabalho parece simples: Silva e Fuentes têm apenas de forçar a entrada na casa e levar um original de Van Gogh no valor de 5 milhões de euros. no entanto, quando a hora do crime chega, os dois tornam-se as presas de um desconcertante e perigoso jogo. É de destacar o esforço de Leonel Vieira por enveredar por um estilo com pouca expressão no panorama cinematográfico português, dominado mais pela contemplação do que pela acção. Há momentos de inegável valor, que aliam a componente tarantino

às idiossincrasias portuguesas (a sequência na praça de touros, por exemplo). Mas são sol de pouca dura e, na sua maioria, pouco há de inovador ou atractivo para quem já tenha visto alguma coisa de tarantino ou de robert rodríguez. “arte de roubar” junta, para além da panóplia de clichés retirados do inspirador de Leonel Vieira, elementos que causam alguma perplexidade. por exemplo, apesar de o elenco ser constituído por actores nacionais, não há uma só fala em português. igualmente, ainda que se perceba que a acção decorre no sul do país, causa estranheza a quantidade de paisagem tipicamente desértica, da qual o alentejo pouco se aproxima. JOÃO RIBEIRO

filme

De LeoneL Vieira eDitora independente

2008

artigo disponível na:

Tarantino com bacalhau


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FeiTAS oUvir

ler

the Coimbra Concert”

O terceiro Gémeo”

e

d

urante três noites no final da primavera de 2010, durante as afterAfter-hours hours da oitava edição do “Jazz ao Centro”, os Mostly other people do the Killing assentaram arraiais no Salão Brazil e aí fizeram a festa. a música gravada nas últimas duas noites deu origem a este “the Coimbra Concert”, Cd duplo editado no âmbito da parceria entre a editora lisboeta Clean Feed e o Jazz ao Centro Clube, parceria esta que já ultrapassou a dezena de edições. ao lado de Moopa elliot, contrabaixista e mentor dos MopdtK estão peter evans, uma das pessoas que mais tem DE contribuído para expandir as moSTly oTher PeoPle do The fronteiras do possível no que ao KillinG trompete diz respeito, Jon irabagon, saxofonista e detentor de EDItORA um conhecimento enciclopédico CleAn Feed da história do jazz e um tipo na bateria (Kevin Shea) que afirma 2011 ter animal, dos “Marretas”, como principal influência... o resultado é uma banda que vê os mais de cem anos da história do jazz como um parque de diversões. aqui um ragtime, ali um walking bass frenético a remeter para o período áureo do be bop. as mudanças de tempo são alucinantes, há lugar para licks do arco da velha, daqueles que os “freaks” do jazz estão sempre a tentar sacar nos solos das luminárias. Se até aqui a descrição parece revelar um disco do qual se deveria guardar uma distância de segurança, o que é certo é que existem nestes dois cd's abundantes momentos de execução irrepreensível, nomeadamente com alguns solos de peter evans e Jon irabagon a fazerem esquecer o que de mais discutível pode haver na paixão pelo absurdo que parece mover os MopdtK. o “Coimbra Concert” é o jazz a olhar para si mesmo... e a desatar a rir!

JOsé mIGuEl PEREIRA

irmãos “in vitro”

DE Ken FolleTT EDItORA berTrAnd ediTorA 1996

m 1996 foi clonado o primeiro mamífero, uma ovelha chamada dolly. num ano em que as questões da bioética começavam a surgir, Follet escreve o terceiro Gémeo, um romance que só por incidir na clonagem humana, já se revelava um sucesso mesmo antes da sua publicação. Será que a nossa personalidade é definida pelo nosso dna ou pela nossa educação? Somos fruto de um fenómeno puramente orgânico, ou são as nossas escolhas que definem quem somos? Jeannie é uma jovem cientista que procura dar a resposta a esta questão, estudando se os criminosos nascem programados para o serem ou se tal pode ser condicionado pelas escolhas que tomam ao longo da vida. na sua pesquisa, descobre Steve, um gémeo que não sabe que o é. ele é importante para Jennie. não tem cadastro, é um cidadão exemplar. Já o seu suposto irmão está preso, classificado como um perigoso psicopata. porém, estranhos percalços parecem impedir que a investigação de Jeannie prossiga, e Steve é acusado de violação, crime que não cometeu. Uma série de eventos levam à descoberta de que Steve era um dos oito clones implantados nos úteros de mulheres que desconheciam ter sido usadas como cobaias. por detrás de tudo isto, estão

três poderosos homens, um deles candidato à presidência dos eUa, que tinham como objetivo a criação de uma raça perfeita americana, uma espécie de visão hitleriana, mas mais subtil e moderna. Follett juntou o que é preciso para criar uma boa história – o suspense, controvérsia e a perversidade política. elementos que fazem nascer best-sellers mas que nem sempre constituem o dna da boa literatura. na verdade, não há nada de novo nesta obra, ou talvez tenha sido tardiamente publicada em portugal. Uma cientista atraente e um jovem bem-parecido fundam o par ideal para qualquer ficção. a inexistência de rigor científico ou de explicações acerca do que lemos – mesmo que seja apenas ficção – torna tudo excessivamente irreal, de difícil credibilização. Constantemente somos lembrados da improbabilidade do enredo. os clones humanos são tratados levianamente como se a sua concretização fosse fácil. apesar do uso desta poderosa temática, o autor decidiu antes colocar em evidência a grande tensão sexual existente entre as duas personagens principais. em resumo, a história não nos persuade. É sem dúvida comercial, feita com a intenção de vender o maior número de cópias. nICOlE InáCIO

JoGar

Batman: Arkham City”

“Predador”

GUerra DaS CaBraS a evitar Fraco podia ser pior Vale a pena a Cabra aconselha a Cabra d’ouro PlAtAfORmA xbox 360 e PS3 artigos disponíveis na: EDItORA eidoS 2011

Q

uem nunca desejou encarnar o seu super-herói preferido de infância? pois bem, Batman: arkham City é o jogo que pretende fazer exactamente isso. desde planar de telhado em telhado a desarmar potenciais inimigos, a arriscar tudo numa luta aberta. podemos fazer tudo o que o morcego consegue, mas sem sofrermos nem um arranhão. a história começa com o rapto do multimilionário Bruce Wayne, durante um protesto a incitar o encerramento da recentemente aberta arkham City. esta trata-se de uma zona da cidade de Gotham, muralhada para albergar os residentes do infame asilo arkham e da prisão Blackgate, num esforço para combater a sua sobrelotação. assim começa a narrativa que age como fio condutor deste jogo: Bruce contrata alfred, o seu fiel mordomo, que se apressa a entregarlhe o uniforme de Batman para que este possa patrulhar as ruas desta instituição, povoadas por alguns dos mais carismáticos vilões do universo deste herói. a mecânica é simples e intuitiva: usamos um gancho para nos movermos de localização em localização, podendo-nos servir da capa para planar momentaneamente, de maneira a optimizar a mobilidade. as ruas são variadas e detalhadas, baseando-se no estilo gótico

que já é imagem de marca desta personagem. Mas no que toca à jogabilidade, o que chama realmente a atenção é o sistema de combate. este divide-se em duas vertentes principais: o combate, a luta com punhos desarmados, e o modo predador, no qual temos de recorrer às diversas ferramentas do morcego, para eliminar cada inimigo rápida e silenciosamente. a luta tem uma das mecânicas mais apuradas alguma vez vistas num Beat'em up (atenção, não é suposto este jogo ser um beat'em up, mas essa sua faceta está tão bem executada que me atrevo a chamar-lhe assim) - baseia-se num sistema simples de ataques e contra ataques suplementados por animações fluidíssimas e uma profundidade impressionante, que lhe conferem um carácter extremamente viciante. no modo predador existe, em vez, uma componente estratégica, oferecendo ao jogador uma variada panóplia de ferramentas para usar em determinada situação. Graficamente estonteante e dotado de uma narrativa que vai pôr os fãs na ponta do sofá, para além de impressionar mesmo o jogador mais casual, arkham City é assim um dos melhores títulos dentro do seu género e um dos melhores jogos do fim do ano passado. RAfAEl PIntO


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SOLTAS

ana FRancisco

umA IDEIA PARA O ENSINO SuPERIOR ANTóNIO GOmES mARTINS • PROFESSOR DA FACuLDADE DE CIêNCIAS E TECNOLOGIA DA uC

TOmAI E COmEI

INoVAção CoNTRA A sUbVERsão

COmmE CI…

Com snacks fechados, amarelas a fazer fila para os dois e quarenta de um gratinado de pescada, e as baguettes a sorverem quase todos os restantes que torciam o nariz àquele peixe de ultracongelados, os grelhados apelavam a um ‘back to basics’, sem gratinados herdados da cuisine française, nem peixe do bom que sai bem. Rumou-se então ao palco de magnas, contudo, toda uma diferente unidade de queimados se insurgiu. Lá veio a ementa a escolher. Com a costeleta a tentar salvar-se no meio de uma poça de molho, a espetada pareceu melhor opção, acompanhada da batata frita e do arroz, habitués que se rezam por poucas surpresas. Também no tabuleiro veio a sopa e, para colmatar a experiência, uma tarte de maçã para que o arroz doce não se tornasse em pai-nosso de cada dia. E com isto de tentar fugir a baguettes e ao gratin, veio a brochette e a tarte tatin. Com tanta gíria de coisas que parecem mais complicadas do que são, poderíamos nós pensar que estávamos por França e de volta da haute cuisine, não fosse o homem que se encontrava ao leme da grelha a afinar o seu bigode, como quem está a hastear a bandeira nacional. A brochette, vulga espetada, safou-se no meio de batatas e arroz. Apesar de um ligeiro sabor a chamusco, a carne de lombo valeu pelo ponto de cozedura, mas os bocados de entremeada, com o sebo da gordura a fazer as vezes da carne, não receberam tanta aprovação das papilas. Já o chouriço foi um comme ci comme ça, um én em português de ombros encolhidos. A sopa, que era de grão, mas também de dois ou três cotovelos de massa de origem desconhecida, escapou de represálias graças à fome inicial e a tarte tatin foi a pièce de résistance, esquecendo a malograda espetada. Uma refeição que vale por isso mesmo, fazendo saudades da coqueluche desta casa de repasto social: a feijoada, sem ci nem ça.

Por João Gaspar

A história não se repete mas há movimentos mais ou menos pendulares, ao longo dos tempos, de predominância de pensamentos dialeticamente opostos. A autonomia universitária é um valor intrinsecamente democrático, atributo pelo qual se lutou durante décadas de contestação ao regime de Salazar. Depois de 1974, foi preciso fazer um longo caminho para que as instituições de ensino superior (IES) conseguissem ver reconhecidos por lei alguns traços de autonomia de gestão que lhes permitiram, apesar de muitos sobressaltos na aplicação das leis, cumprir melhor a missão de serviço público de contribuir para a formação de quadros superiores, para o avanço do conhecimento e ainda para contribuir para a inovação nas empresas e na economia em geral. Desde há alguns anos, porém, o pêndulo iniciou o movimento contrário. Por causa do rolo compressor das medidas cegas das austeridades que todos os últimos governos afanosamente aplicam ao ensino superior, apesar da sua elevadíssima eficiência média, a autonomia é quase letra morta. A abordagem moderna é cínica: não se revoga a legislação que consagra alguns traços sobreviventes de autonomia (RJIES) mas, na prática, impõem-se medidas que a denegam nos instrumentos essenciais. Hoje em dia pode dizer-se sem qualquer mistificação que as IES, cuja dependência, apenas para as políticas gerais, deveria ser só do Ministério da Edu-

“TRISTEZA E ALEGRIA NA VIDA DAS GIRAFAS” • TAGV • 19, 20 E 21 JANEIRO

A AVENTURA DA MENINA CHAMADA GIRAFA

N

a peça “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas”, de Tiago Rodrigues, uma menina de nove anos começa por nos descrever determinadas circunstâncias através de sons que vão sendo emitidos: o som do pai a bater na porta da casa de banho enquanto ela está a cantar, o som da decisão e da oportunidade no momento em que conta ao urso de peluche que eles vão ter uma aventura, o som do metro a passar... Quando a sua mãe ainda estava viva, ela deixou códigos como “sétima palavra, página 53” no pequeno almoço da menina. O urso “com tendências suicidas”, que diz palavrões constantemente, vira viril no momento da decisão, da partida, como também no momento em que percebe que “isto é lindo, estamos mesmo perdidos!”. Enquanto tentam arranjar dinheiro suficiente para pagar o “Discovery Channel” para toda a vida, a menina tem vários encontros (o pantera negra etc.) que a fazem pensar no que mais deveria mudar, para além de uma lei

cação e da Ciência, estão de facto sob a tutela do Ministério das Finanças. Já no governo anterior ficaram sujeitas, com a conivência do CRUP, a obedecer a um despacho de um mero secretário de estado do Ministério das Finanças. Despacho este que cativou 20% do dinheiro pago pelos estudantes a título de propinas. Já nem se fala do que está em curso este ano. De modo que é fácil, neste contexto, inovar. Basta parar o pêndulo e imprimir-lhe o movimento que ele tinha antes. Por exemplo, pedese às IES que se auto-financiem cada vez mais mas, depois, cativa-se-lhes uma parte importante do financiamento que elas mobilizam. Pior do que isso, em boa parte dos casos as IES consentem. Pois inove-se: deixe-se de fazer isto. Ou force-se que isto deixe de ser feito. Subverta-se a subversão, porque de subversão se trata quando se castram as IES da sua autonomia. A minha proposta é como segue. Em cada IES o dirigente máximo tem que fazer um reporte trimestral à sua instituição esclarecendo que medidas tomou e que resultados obteve para garantir em pleno a autonomia consagrada na lei. A comunidade de cada instituição pronuncia-se de-

mocraticamente sobre o valor que atribui ao conteúdo do reporte. Três apreciações negativas seguidas ou cinco interpoladas obrigam o Conselho Geral a analisar o problema da falta de adesão da comunidade à forma de tratar a questão da autonomia, com fundamentação obrigatória e exposição de razões à comunidade, por escrito e em sessão pública explicitamente organizada para esse efeito. Em próximo episódio, havendo lugar, posso apresentar as minhas propostas concretas para desencadear um forte movimento de cooperação científica interdisciplinar entre as IES nacionais, tirando partido da experiência concreta da Universidade de Coimbra, para conferir ao nosso país uma real capacidade competitiva para a captação de financiamentos para a ciência. Mas pareceu-me indecoroso fazê-lo no atual quadro de subversão que alapou sanguessugas ávidas ao corpo das instituições.

D.R.

ARTE.PONTO cynthia Dias

que legalizasse os assaltos de bancos (isto porque precisa de 83.057 moedas para poder pagar o “Discovery Channel”). No fim da aventura da menina, o primeiro ministro Pedro Passos Coelho já tinha aprovado a lei como ela queria; no entanto, ao perceber que a sua mãe nunca mais iria voltar, constatou que essa nova lei já não fazia sentido. Neste teatro há também o apelo à reflexão sobre o proprio teatro como exemplos disso tem-se o primeiro ministro a perguntar “está alguém a filmar?”, assim como a menina que, antes de sair de casa, coloca a possibilidade de gravar a aventura pelo MP4 da mãe. O pai da menina sofre com o facto de, entre outras coisas, não conseguir pagar a conta da televisão. Contudo tenta convencer-se que o segredo está em vez de ver o copo meio vazio vê-lo na prespectiva de meio cheio, e que mesmo em tempos de crise “tudo vai correr bem!”. “O mundo é tudo o que uma criança consegue ver por detrás do

vidro do autocarro”; a personagem da menina permite-nos ver o mundo pelos olhos de uma criança: o prazer de ver o pai (“como se eu nao existisse”) na sala, durante a noite, a ler os livros que a mae enquanto viva tinha escrito; e as conversas com o urso de peluche, que ninguém mais conseguia ouvir. Numa reflexão sobre o próprio teâtro, há um encontro com o dramaturgo russo Anton Tschekhov. Este oferece um copo de champagne à menina e pede-lhe que expresse aquilo que lhe vem primeiro à cabeca quando o prova: “Explosão!”. A menina regressa a casa, com o vestido da mãe todo sujo da aventura e decide que está na hora do seu urso de peluche morrer. Num ambiente de luz azul e fria, ela mata-lo. No final da peça percebemos que a pergunta principal é a de o que que realmente importa na vida. Pode ser que neste momento seja a tristeza e a alegria na vida das girafas, ou pode ser que não. Por Lioba Huerter


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SOLTAS REGISTOS DO APOCALYPSE

mICRO-CONTO

Por Paulo Condessa

O

h grande Eminência Pardha, apraz-me reportar: o sortilégio foi finalmente convertido em sacrylégio. Aquele que ousou cometer o cryme régio, aquele que ousou cruzar o incruzável, que enfim furou os campos estanques: foi finalmente identificado e punido e enverga agora o manto dos proscrytos. Os três noticiários da ocorrência são os seguintes: 1. Para gáudio dos Guardiões do Bafyo: Pêdro Pêra Patacôa permanece como o mais desconhecido dos cientistas contemporâneos. Como se A Korporação o tivesse pintado em tinta transparente, PPP avança de esquina em esquina, de escavação em escavação, de célula em célula, permanecendo invisível aos olhos da maioria dos quotidianos. Motivo: toda a sua investigação aponta em direcção à profunda raíz umblical da raça humana. A própria espiral com que a barriga engole o tempo foi por si relatada até à digestão das estrelas. Uma via absolutamente láctea sobre as papilas, sobre as meninas que os olhos transparecem ao microscópio do infinito. 2. Para gáudio dos Guardiões do Bafyo: Pêdro Pêra Patacôa permanece como o mais ignorado dos artistas contemporâneos. Os registos da RezistênciA confirmam que a A Korporação o apanhou entre esquinas. E nessa posição fragilizada foi metodicamente borrifado com laivos de invisível. Motivo: a sua in-

vestigação convida as tangentes que a dança impõe ao corpo selvagem. Motivo: solicita a expressividade dos núcleos a cortejar o plasma durante as piruetas sensíveis. Motivo: O movimento do corpo que investiga sobre os palcos reproduz e amplia todas as suas correntes internas, todos os fluxos vitais em Primavera. 3. Para gáudio dos Guardiões do Bafyo: Pêdro Pêra Patacôa permanece como o mais vampirizado dos teólogos contemporâneos. A Korporação finalmente rasgou a página que os planetas reservam aos Cavaleiros da Nova Ordem. E assim: PPP não encontra o espaçotempo onde emergir por entre os pares. Apesar das suas rigorosas sintonizações celestes, apesar das suas iluminadas transfusões terrestres. Apesar da sua sensibilidade extrema aplicada ao estudo da vibração particular da cor na retina dos amorosos. As conclusões pseudo-obituárias respeitam os procedimentos. O cruzante cientista-em-litúrgia-artística Pêdro Pêra Patacôa foi, digamos, reprocessado. Após ter sido captada a essência do seu movimento de investigação tripartido, foi possível fazer rotações verticais e horizontais sobre as pirâmides que o constituem. Nem corpo nem alma nem espírto escaparam à reconversão dos circuitos. De modo que tudo está bem quando está para lá do próprio

mONumENTAIS PANADOS SOCIAIS

mal. Finalmente: aquele-queousou-furar-os-campos-estanques foi punido com o-manto-invisíveldos-proscrytos. Fosse PPP uma trindade inoculada com o bacylo oficial dos Guardiões do Bafyo: e não haveria registos da tradução truncada das letras da Realidade. Fosse PPP uma trindade correctamente dividida nas especializações que A Korporação contempla: e não haveria a destruição das portas da lyberdade: fosse cada P apenas um vértice de cada P e não um vórtice mortífero a semente de uma lança capaz de reconverter a

unidade primordial das trilogias e nenhuma consciência poderia despertar ao som da cabeça a rebater nos sinos cósmicos. Fosse PPP apenas uma trindade espartilhada no devoto Monsegneur Patacôa, ou no analítico Doutor Pêra, ou no conceptual Cool Pêdro: todos os Autarcas aprovariam a estética imaculada dos processos. Mas, mas, mas nenhuma estrela nenhum mar poderia reclamar o direito à flor primordial e nenhum poeta, nenhum cientista nenhum homem em pleno estudo das suas capacidades divinas poderia reclamar a sua inteireza sem pulverizar os laços que unem a estrutura poética da sua natureza com a simplicidade da sua beleza funcional.

Paulo condessa, 51 anos Publicitário. Músico. Publicitário. Jornalista. Performer. escritor. Paulo condessa, nascido em 1961, licenciou-se e fez a sua pós-graduação em ciências da comunicação na universidade nova de lisboa. Frequentou inúmeros cursos e workshops, científicos, artisticos ou terapêuticos. É desde há vários anos dinamizador de várias oficinas de processo e escrita criativa, percorrendo o país "para explorar as capacidades intrínsecas do ser Humano a partir de sensações, palavras e sinestesias corporais". Já publicou três livros e outras tantas peças de teatro, ganhando uma delas o prémio nacional artes do espectátuclo maria joão fontainhas. É autor também de um disco, "Música Falada". o escritor compara a escrita e a leitura a “escafandros” que mergulham na relação entre o “eu e os outros”, onde se exploram “cada vez menos significados, cada vez mais sentidos”, para que um dia os seres humanos não estejam “separados, fatia por fatia."

Daniel Silva

ilustRação poR tiago Dinis

CADERNOS ELEITORAIS – LIçãO N.º3: AuTO-AVALIAçãO

Por Doutorando Paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd

E

ste é o último fascículo dos cadernos eleitorais. O tema a tratar nesta crónica é o mais oportuno possível – o dia das eleições, e o que é que é decisivo no dia das eleições? O cacique. É tão ou mais oportuna esta discussão porque coincide com dois artigos do Professor Elísio Estanque sobre o fenómeno. Outra particularidade que esta crónica partilha com os artigos de Elísio Estanque é o facto de surgir inteiramente a destempo, o que a torna ainda mais inócua. Proponho uma análise por faculdade da acção do cacique no dia das eleições.

FCDEF – lá os estudantes têm por hábito votar massivamente num mesmo candidato. Vá-se lá saber porquê. Por falar em massa, num passado não muito longínquo, os delegados da urna de Desporto, por falta de cantinas no Estádio Universitário, de lá se deslocaram para as cantinas centrais com a urna debaixo do braço. Antes sozinha que mal acompanhada. FCTUC - Pólo I e Pólo II são dife-

rentes como o dia e a noite. No pólo I é de aproveitar as urnas refundidas onde ocasionalmente votam altas percentagens de estudantes sem razão aparente. No Pólo II o segredo está no bar. Já dizia o outro que pela boca morre o peixe. FDUC – os senhores que inventaram isto tudo. Da porta férrea à entrada da faculdade parece um campo minado. A única hipótese de flanqueamento é o auditório, que é as termópilas dos que estão em desvantagem na faculdade. Aqui a táctica é a dos exércitos populares na Ásia – strenght in numbers. FEUC – seguem de perto os ensinamentos dos colegas de Direito. À falta de reflexão sobre teoria económica, é da autoria dos caciques locais a famosa cartilha da “ética do cacique”, que determina o princípio do “first-come, first-served”. FFUC - o farmaquistão é controlado historicamente por um antibiótico de largo-espectro. É preciso ouvir os delegados de propaganda médica e não andar por aí a comprar genéricos. FLUC – Um dos microclimas mais

joão gaspaR

suis generis da academia coimbrã. Com elevado sentido de independência, os estudantes de letras sempre se pautaram por assumirem opções políticas só pelo prazer de ser diferente. Inventaram o conceito de “sala 0”, que é uma sala que não existe. O cacique faz-se nas barbas das estátuas dos clássicos gregos. FMUC – Nos HUC é fazer-lhes o cerco que eles não têm por onde

fugir. No pólo I a coisa é mais equilibrada, uma vez que vários elementos exteriores podem intervir na contenda, em dentária também parece que há uma urna mas nunca a vi. FPCEUC – num agradável enquadramento patrimonial, a primeira linha de cacique apruma-se no hall de entrada. Lá dentro, o cacique móvel faz o seu trabalho ao redor

dos claustros. Este trabalho é indispensável, porque quando a fila para votar é extensa o estudante dispersa-se pelo bar – tem de ser novamente conduzido ao redil. Há ainda dois elementos fundamentais a considerar na acção do cacique. Primeiro o “caderninho”, onde à falta de iphones e blackberrys, o cacique congrega todas as informações relevantes dos estudantes da sua faculdade. Recolhe-os durante a praxe logo no primeiro ano, e entre números de telemóvel, vai batendo a lista, colocando vistos em frente dos nomes, de cada vez que cai um voto. Segundo, o delegado da Comissão Eleitoral, com quem o cacique mantém uma dança complexamente coreografada. Ele finge que se preocupa com o cacique e o cacique finge que se preocupa com as consequências das suas acções. E assim se vai andando, cantando e rindo. Fim de colecção.


18| a cabra | 31 de janeiro de 2012 | Terça-feira

opinião Cartas ao Diretor elísio estanque* «Cacique garante votos nas eleições da AAC, considera Elísio Estanque», A Cabra, 13/12/2011 Senhor Diretor,

Decidi insistir junto do Jornal a Cabra para que o meu artigo chegasse de qualquer modo aos estudantes, tendo sido decidido a sua publicação na versão online do jornal

Tendo o vosso jornal publicado, no seu último número, um artigo intitulado «Cacique garante votos nas eleições da AAC, considera Elísio Estanque», decidi escrever um texto de opinião para esclarecer o sentido das minhas declarações, nomeadamente a noção de «cacique» e a forma como interpreto os contornos do fenómeno na academia de Coimbra. Infelizmente, a redação apesar de considerar o tema “bastante pertinente”, recusou a sua publicação (na versão em papel do jornal) porque saiu no jornal Público um artigo de opinião meu, de conteúdo semelhante.

Ora, embora seja verdade que saiu um texto sobre o tema no jornal Público (15/01/2012), discordo desta justificação visto que: primeiro, porque esse texto, apesar de tratar o mesmo tema, abordou-o sob outra perspetiva; segundo, porque neste caso tratase de um artigo mais pedagógico e explicativo do tema (e do próprio conceito de «cacique»), dirigido aos estudantes da UC; e, terceiro, porque a grande maioria dos leitores do jornal universitário – sendo principalmente estudantes da Universidade de Coimbra – mais facilmente lê os artigos do jornal universitário do que num diário generalista. Assim, como levo muito a sério a minha relação com o meio estudantil de Coimbra e me orgulho de, mesmo assumindo sempre abertamente a minha visão crítica do associativismo e da cultura

académica (nomeadamente a trilogia tradição praxista/ caciquismo/juventudes partidárias) entendo que os estudantes e dirigentes da AAC e dos núcleos das faculdades da UC merecem ter acesso a uma tal reflexão, porque acredito que ganharão com isso, tal como eu próprio ganharei se o debate se alargar e envolver o maior número possível de estudantes. Nesse sentido, decidi insistir junto do jornal A Cabra para que o meu artigo chegasse de qualquer modo aos estudantes, tendo, na sequência, sido decidido a sua publicação na versão Online do jornal. Apesar de discordar da vossa decisão, não duvido que, para bem da AAC e da UC, o jornal universitário é (e espera-se que continue a ser) um jornal de qualidade, autónomo e imune às

lógicas perversas que impedem a juventude estudantil de desenvolver o seu espírito crítico e exercitar a sua cidadania ativa. Em suma, para além do acesso a esse texto na versão Online (http://www.acabra.net/artigos/o-caciquismo-como-negaoda-democracia ), aproveito também para vos convidar todos/as os/as estudantes a visitar o meu site pessoal, onde o referido texto de opinião está disponível (bem como o artigo que saiu no Público, e outros textos de sociologia sobre os mais diversos temas): http://www.elisioestanque.blogspot.com.

*Professor da FEUC e investigador do CES

INÊS AMADO DA SILVA

Cartas ao diretor podem ser enviadas para

acabra@gmail.com PUBLICIDADE


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OpiniãO João Gaspar

editOrial O priNcípiO da iNcerteza

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Na tomada de posse do novo presidente da direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Ricardo Morgado, o reitor da Universidade de Coimbra (UC), João Gabriel Silva, garantiu que não iria fixar a propina máxima depois de o governo atualizar o seu valor à taxa de inflação. Em primeiro, esta medida é de aplaudir, para depois se lamentar que sejam as instituições de ensino superior (IES) a ter consciência social quando o governo não o faz há muito. Já vai longa a jornada de sufoco financeiro das famílias e o aumento, aparentemente insignificante, de 36 euros, que faz com que a propina ultrapasse a barreira psicológica dos 1000 euros, vai contribuir ainda mais para a redução de oportunidades no acesso a um ensino superior público que se idealiza universal. O congelamento da propina afigura-se, assim, como uma excelente notícia. Não obstante, a história diz-nos que, quando a propina tem um teto, esse valor vai ser atingido. Tal como existiu o congelamento do preço do prato social (este indexado ao salário mínimo nacional), que com a atualização passou dos 2.15 para os 2.40. É uma questão de tempo para que a atualização seja feita. Depois, apesar do anúncio do congelamento, importa verificar quantos aumentos de propinas de segundo e terceiro ciclos são fixados anualmente pelo Conselho Geral da UC. Esta “fixação” passa ao lado da maioria dos estudantes, mas tem influência direta no bolso daqueles que prosseguem os estudos para lá da licenciatura. Se as universidades sofrerem mais cortes por parte do financiamento proveniente do Orçamento de Estado, é racional avaliar que a Universidade de Coimbra recorrerá a estas verbas.

O congelamento da propina afigura-se, assim, como uma excelente notícia. Não obstante, a história diz-nos que, quando a propina tem um teto, esse valor vai ser atingido

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Um ano volvido, o resultado da revisão de estatutos da AAC está longe de gerar consenso. Para os redatores do artigo 118º, este veio constituir uma forma de obrigar as secções a fazer um maior trabalho de captação de sócios, numa lógica de renovação de quadros. Para a maioria das secções desportivas e algumas culturais, o artigo, que define uma obrigatoriedade de maioria absoluta de sócios efetivos nas direções das secções, é castrador no sentido em que vai obrigar a que as secções “enfiem” jovens nas direções apenas para cumprir os estatutos. As secções serão dirigidas no papel por sócios efetivos e na realidade pelos sócios que serão afastados das direções com estes estatutos, isto nas secções que farão por cumprir o artigo 118º. Está em vigor uma norma transitória que dura até 2013 e, supostamente, dá às secções tempo para se adaptarem. Mas numa realidade em que os jovens se afastam cada vez mais do associativismo – um fenómeno que não é exclusivo da AAC – é de questionar a utilidade da medida. Esta crise no associativismo é agravada pela entrada em vigor do processo de Bolonha que veio reduzir o tempo que os estudantes dispensam para atividades extra curriculares. Espera-se que, em 2013, a revisão ordinária dos estatutos corrija estes erros e seja sensível às especificidades das secções da casa. Por Camilo Soldado

Secção de Jornalismo, Associação Académica de Coimbra, Rua Padre António Vieira, 3000 - Coimbra Tel. 239821554 Fax. 239821554 e-mail: acabra@gmail.com

Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas Multimédia Ana Francisco, Catarina Gomes Editores Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando Sá Pessoa (Desporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido (Mundo) Paginação Inês Amado da Silva, João Miranda, Rafaela Carvalho Redação Daniel Alves da Silva, Fábio Santos, Joana de Castro, Mariana Santos Mendes, Paulo Sérgio Santos Fotografia Ana Francisco, Daniel Alves da Silva, Camilo Soldado, Cynthia Dias, Inês Amado da Silva, João Gaspar, Liliana Cunha, Rafaela Carvalho Ilustração Tiago Dinis Colaborou nesta edição Joana Magalhães Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, João Valadão, José Afonso Biscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos, Luís Luzio, Nicole Inácio, Pedro Madureira, Pedro Nunes, Rafael Pinto, Rui Craveirinha Publicidade João Gaspar 239821554; 917011120 Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, António Gomes Martins, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Paulo Condessa


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SPAutores

Compensar o autor pela sua produção em Portugal pode vir a incluir os equipamentos digitais como discos externos, mp3 e dispositivos de armazenamento que já se tornaram mais do que comuns. Será justo toda e qualquer pessoa pagar uma taxa por uma reprodução de cópia privada que podem nem sequer realmente fazer? A Sociedade Portuguesa de Autores, criou há um ano um abaixo-assinado que veio a lume por estas alturas. Pinho Vargas diz que não assinou, e, no entretanto ,é feita uma contra proposta, uma petição que vai contra a revisão do projeto lei nº118/XII. Quem beneficiará? O autor, o consumidor ou aquele que pretende protegê-lo? L.C.

Ass. de Revisão dos Estatutos

A Assembleia de Revisão de Estatutos (ARE) formulou os novos estatutos da AAC que entraram em vigor em 2011. Contudo, apesar dos estatutos terem sido aprovados por larga maioria, grande parte das secções desportivas apresentam-se contra os mesmos, por estes imporem uma maioria absoluta de estudantes nas direcções. Na cultura, a Secção Filatélica lembra que os estatutos podem pôr em causa a existência deste organismo. A captação de novos sócios e grande carga administrativa são a base das críticas. Numa ARE que supostamente conhece a sua casa, porque quis generalizar no meio de tanta especificidade? J.G.

O nOssO lugar por felipe grespan

Eduardo Melo

Após o término do mandato várias são as conclusões que se podem tirar da atuação da DG/AAC dirigida por Eduardo Melo. Indubitavelmente, a sua presidência ficou marcada pelo rol de demissões, começando pelo, na altura, secretário-geral da Queima das Fitas e terminando com a demissão do tesoureiro por altura da Latada. Uma mais bem explicadas, outras nem por isso. Alguns intitularam-no de “pior presidente na história da academia”, mas a verdade é que aderiu a uma greve-geral, comemorou o dia do estudante como há muito não se via na Academia e a AAC foi a primeira no Desporto Universitário Europeu. I.B.

200 x 100 É uma sorte estar vivo no começo do século XXI, pois sabemos com maior clareza científica o nosso lugar na Terra. Somos parte da natureza, e não maiores que ela. Compomos uma só espécie, dentre mais de 3 milhões de outras já classificadas e, juntos, vivemos num planeta com recursos naturais finitos. Evoluímos, como qualquer outro ser vivo, para vencer na competição e deixar a maior quantidade de descendentes. Entretanto, temos a singular característica de perseguir objetivos éticos que, na maioria das vezes, podem entrar em conflito com o objetivo da nossa competição reprodutiva. Ter a capacidade de escolher os nossos objetivos é o que nos diferencia mais radicalmente dos outros animais.


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