Edição 320 - Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA
As tradições que resistem aos ventos de mudança
ENSINO
- PÁG. 02 -
O Canal de Denúncias, o protocolo e a “rede de apoio” em falta na ação da UC perante o assédio. CES suspende relações com instituições académicas israelitas. Coimbra pela Palestina aguarda resposta do reitor da UC desde a acampada.
CULTURA
- PÁG. 04 -
“Dentro do comboio, todos são iguais” no novo espetáculo do Teatrão. “Com que Linha te Cruzas? - Parte 1: À Espera” vai passar pelas carruagens e estações do Metro Mondego em Coimbra, Lousã e Miranda do Corvo.
DESPORTO
- PÁG. 10 -
Os relatos dos Jogos Paralímpicos de Paris pela voz de Diogo Cancela e Telmo Pinão. O percurso dos E-Sports da AAC e o que se segue para a Pró-Secção chegar ao próximo nível.
REPORTAGEM
- PÁG. 08 -
O legado de uma prática em vias de extinção - as colheres de pau de Arganil. A inovação em harmonia com a tradição no Abrantes Atelier. A precariedade como elo de ligação dos artesãos de Coimbra.
CIÊNCIA
- PÁG. 06 -
Depois dos incêndios de setembro a ansiedade e o medo são possíveis sequelas. A saúde mental após desastre é preocupação não só para vítimas, mas entre médicos e bombeiros.
CIDADE
- PÁG. 11 -
Adiamentos marcam o processo de interrupção da linha ferroviária entre Coimbra A e Coimbra B. Sistema de Mobilidade do Mondego deve entrar em funcionamento no início de 2026.
Duarte Nunes
As causas que movem a academia
CES está a negociar saída de consórcio do qual faz parte instituição israelita. Até ao momento, reitor da UC não deu resposta ao grupo Coimbra
pela Palestina.
- POR CAMILA LUÍS -
A7 de outubro de 2023, o grupo terrorista Hamas atacou a Faixa de Gaza e reacendeu a chama de uma guerra que dura há mais de oito décadas. Em 380 dias, o conflito israelo-palestiniano já tirou mais de 42 000 vidas, aponta o jornal Observador. Cientes do palco mortífero, a resposta por parte dos países, organizações internacionais e das próprias academias tornou-se quase inevitável. Por todo o mundo, os posicionamentos estudantis fizeram-se sentir ao longo do último ano, embora uns mais cedo que outros. Segundo o jornal PÚBLICO, as instituições universitárias de Espanha, Irlanda e Noruega suspenderam os acordos com as faculdades e centros de investigação israelitas, enquanto não se der o cessar-fogo do conflito. Já a 28 de maio, a Universidade de Copenhaga descontinuou os investimentos com empresas que têm negócios com a Cisjordânia – território ocupado por Israel desde 1967, avança o jornal PÚBLICO.
Posicionamento do CES
A 25 de setembro, o Conselho Científico do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) aprovou a suspensão de todos os laços de cooperação académica com as universidades e instituições israelitas. Nas palavras de Marta Araújo, vice-diretora do Conselho Científico e investigadora principal do CES, “esta ação visa colocar pressão institucional junto do estado israelita e não penalizar indivíduos que podem ter posições críticas.”
“estão a ser negociados os termos de saída”. A vice-diretora explica que a posição assumida implica uma reorganização do CES e uma maior “proatividade” para impedir envolvimentos em projetos do mesmo tipo. Segundo a investigadora, esta posição conduz a uma “reflexão mais minuciosa sobre os impactos que a investigação pode assumir em situações de desigualdade global”.
Marta Araújo menciona ainda a posição “bastante expressiva dos grupos estudantis”, nomeadamente a acampada protagonizada pelo movimento Coimbra pela Palestina. Para si, as várias ações em prol desta causa não devem ser encaradas como “um esforço isolado, mas de vários setores da sociedade portuguesa”.
Vencer o cansaço
A investigadora, membro do CES há duas décadas, conta que, desde essa época, a instituição está envolvida numa argumentação crítica em torno da Palestina. “O debate foi acontecendo com variantes prioridades institucionais e que nem sempre permitiam aprofundá-lo”, explica. Clarifica ainda que o centro tem desenvolvido ao longo do último ano seminários e mesas redondas sobre o conflito.
De momento, a instituição integra um consórcio com elementos israelitas, no entanto
“Tivemos noites em que parecia um teste para ver até quando é que aguentaríamos”, revela César Sousa, membro do Coimbra pela Palestina. Durante 30 dias, o coletivo realizou a segunda maior acampada da Europa em frente à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (UC) para reivindicar o cessar-fogo em Gaza e o fim da cumplicidade académica. Entre as várias adversidades vividas pelo grupo, o estudante destacou as condições climáticas adversas, a gestão com os projetos pessoais e a manutenção da segurança do grupo. “Chegámos a ter alguns episódios de ameaças e violência dirigida contra nós. Tínhamos de organizar turnos de vigia durante a noite”, recorda.
Os membros do coletivo elaboraram uma petição pública com o objetivo de a Universidade de Coimbra se pronunciar face ao conflito, que reuniu perto de 1000 assinaturas, das quais cerca de 160 eram de professores e investigadores da UC. A entrega do documento foi feita ao reitor da UC, Amílcar Falcão, que recebeu os estudantes juntamente com o vice-reitor da Cultura, Comunicação e Ciência Aberta, Delfim Leão, e a chefe de gabinete Catarina Moniz. Juntamente com o abaixo-assinado, o grupo entregou um documento com uma investigação que “demonstrava que a UC é cúmplice do genocídio que está a acontecer na Palestina”. Na pesquisa são denunciadas as parcerias de investigação científica entre a UC e instituições israelitas feitas no sentido “de favorecer o esforço de guerra”. Ao receber os documentos, o reitor da UC comprometeu-se a averiguar a situação com os Serviços de Gestão dos Projetos de Investigação. Contudo, até ao momento, não foi obtida nenhuma resposta. O 10 de Junho foi também uma ocasião importante para a acampada, pois permitiu que o grupo falasse com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A partir daí, quebrouse “um bloqueio mediático” do qual o coletivo estava a ser alvo.
A falta de resposta por parte da reitoria da UC, da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra e dos estudantes do Conselho Geral da UC foi mais uma barreira enfrentada pelo grupo. Com a convicção de que estavam a fazer o correto, César Sousa refere que as entidades mencionadas queriam “vencê-los pelo cansaço”.
Apesar do cansaço físico e mental que aumentava dia após dia, o “grande alento diário” dos manifestantes foram as mensagens de apoio que recebiam. “Para estarmos do lado certo da história, é necessário realizar ações que produzam resultados que desincentivem Israel a continuar este massacre”, sublinha César Sousa.
Camila Luís
Reportar assédio na academia:“Coragem não é atirarmo-nos de um penhasco”
UC dispõe de Canal de Denúncia Interna e um Código de Boa Conduta para Prevenção e Combate ao Assédio. “Criar uma rede de apoio exigiria análise de todos os estudantes, membros e dinâmicas”, aponta representante da Rede 8 de Março de Coimbra.
- POR IRIS DE JESUS -
Nos corredores da academia de Coimbra ecoam os sons da luta contra o assédio. Em 2022, após o escândalo de abuso que pôs os olhos do país na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o debate nas Instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas generalizou-se. Neste contexto, a 17 de junho de 2022, a Universidade de Coimbra (UC) criou o Canal de Denúncia Interna para estes casos. A 23 de agosto deste ano, a mesma instituição aprovou a revisão do Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio.
O Código define o assédio como a “prática de um comportamento (...) indesejado, inclusivamente por meios digitais com o objetivo (...) de perturbar ou constranger a pessoa (...), afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo”. Além de se dirigir à proteção de docentes e estudantes, o documento visa “todas as unidades e serviços”, bem como, bolseiros e estagiários. O meio preferencial para reportar é o Canal de Denúncia Interna da UC, sendo que as vítimas podem também dirigir-se a órgãos como o provedor de estudante ou o gabinete de atendimento.
Este canal permite efetuar queixas anónimas ou com garantia de confidencialidade. Entre outros crimes, o ‘site’ permite comunicar abuso de poder e assédio sexual e moral, sendo que o denunciante só pode reportar um destes por vez. Deve-se acrescentar uma descrição dos eventos que motivaram a queixa, tendo em conta as circunstâncias, hora e local dos acontecimentos, identidade da vítima e do assediador. Se possível, deve incluir-se provas testemunhais, documentais ou periciais. Apesar de o acompanhamento da queixa ser disponibilizado, o denunciante não tem conhecimento das entidades específicas da UC que a recebem. No sentido de compreender a presença do abuso nas IES portuguesas, em 2022, durante 5 meses, as investigadoras Maria Helena Santos, Carla Cerqueira e Júlia Garraio, entrevistaram 18 mulheres das academias, com idades entre os 40 e os 70 anos. Partindo das Universidades do Minho, Coimbra, Lisboa e Porto, o artigo que compilou a pesquisa intitula-se “Assédio sexual na academia portuguesa na era #MeToo: Testemunhos de mulheres docentes e investigadoras”. As autoras são oriundas do Instituto Universitário de Lisboa, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade
do Minho e do Centro de Estudos Sociais, respetivamente.
A UC foi a instituição que conseguiu maior amostra - foram 6 investigadoras inquiridas. O estudo revela a existência de um padrão na personalização dos assediadores. “Homens com poder superior ao das mulheres assediadas”, clarifica Júlia Garraio. Foram relatados casos de “professores que assediavam alunas de licenciatura ou doutorandas, ou mesmo homens docentes”. Acrescentam-se ainda eventos em que alunos ou funcionários incomodaram professoras e estudantes.
“Coragem não é atirarmo-nos de um penhasco”, contou uma entrevistada a Júlia Garraio sobre a ponderação do tempo de denúncia. A investigadora aponta que “dos casos relatados, poucos foram denunciados e as pessoas optaram por não dar seguimento”. Na academia, estes fatores aliam-se à precariedade laboral, aspeto que potencia o silêncio, uma vez que as vítimas “podem sentir que a denúncia traz represálias e a possível perda de oportunidades” de trabalho.
A precariedade associada às IES é também realçada por Leonor Silva, representante de Coimbra do movimento Rede 8 de Março e estudante do mestrado em Sociologia da Faculdade de Economia. Para si, o ambiente hierarquizado da UC torna “a cultura do assédio parte integral do seu espaço”. Apesar disto, a ativista considera que os mecanismos da instituição
“fazem uma descrição alargada do que é assédio e oficializam os casos como motivo para despedimento e sanções”. Considera, contudo, que os meios falham por “surgirem tarde, em resposta a situações horríveis que podiam ter sido evitadas”.
Leonor Silva vê os mecanismos a ser usados “apenas para punir e pouco para prevenir”, já que não existe foco em “capacitar as pessoas para lidar com as vítimas”. Este aspeto é o reflexo da falta de apoio após a denúncia, e do facto de a UC “não investir numa rede robusta de suporte e combate ao assédio”. Na visão da ativista, colmatar esta infração corresponde a um “compromisso muito maior do que assinar um protocolo que declara que a universidade não tolera casos como estes”.
Uma política anti-assédio da UC “tem de entender os pontos de vulnerabilidade” que podem culminar em abuso, aponta Leonor Silva. “Existe uma luta para que as universidades não sejam espaços de reprodução de desigualdades, mas são, e criar uma rede de apoio exigiria a análise de todos os estudantes, membros e dinâmicas”, acrescenta. Na sua visão, realizar um inquérito à comunidade académica pode ser um primeiro passo para uma política como esta: “é muito importante começar por mostrar às vítimas que não estão sozinhas”.
Após tentativas do JornaL A CABRA não foi possível realizar uma entrevista no âmbito deste artigo com a UC.
Iris de Jesus
Mulheres cantam à sua liberdade no 1º Encontro Nacional de Canto a Vozes
Associação de Canto a Vozes - Fala de Mulheres traz a Coimbra 24 grupos de todo país para dar a conhecer canto polifónico. Segundo Silvia Franklim, Revolução dos Cravos “abriu espaço para que mulheres pudessem cantar e ver seu cantar”.
- POR SOFIA MOREIRA -
Osábado, dia 12 de outubro, começou cedo para as cantadeiras e cantadores. Às 10 horas iniciaram-se as oficinas de canto gratuitas e a programação só parou à noite, depois do espetáculo na Antiga Igreja do Convento São Francisco. Deu-se assim como inaugurado o 1º Encontro Nacional de Canto a Vozes, que, ao longo de um fim de semana, mostrou uma tradição diferente à cidade dos estudantes. Organizado pela direção da Associação de Canto a Vozes - Fala de Mulheres (ACVFM), com apoio da Câmara Municipal de Coimbra, o evento trouxe 24 grupos, de todo o país, de canto a duas, três ou mais vozes. Destes, 19 deram a conhecer a música polifónica a todos que a quisessem apreciar, numa série de concertos entre o Convento São Francisco e a Baixa de Coimbra. Em cinco lugares emblemáticos da cida -
de, os grupos atuaram das 16h30 às 17h50. Começaram no Largo do Romal e, a partir daí, um fiel público formou-se e passou a segui-los pelas ruelas até aos destinos seguintes: o Largo do Poço, o Terreiro da Erva, a Praça 8 de Maio e, por fim, o Arco da Almedina. Em média, atuaram quatro grupos por local, cada um com 10 a 32 membros, a cantar de dois a três temas. Ao fim do dia, todos se juntaram no Convento São Francisco, para uma atuação gratuita dos mesmos conjuntos de canto, desta vez com a acústica da Antiga Igreja. O dia foi encerrado com todas as cantadeiras e cantadores, junto dos participantes das oficinas de canto da manhã, ao som do tradicional tema “Tia Baptista”.
Silvia Franklim, membro do grupo coimbrão Leva-me à Capela e vogal da direção da associação, contou um pouco da história desta
expressão artística e da sua relevância para a cultura portuguesa, particularmente feminina e rural. Mesmo sem se conhecer a época de surgimento da prática, relembrou que as mulheres “sempre cantaram”, sobretudo no domínio do lar. O canto “sempre acompanhou o trabalho doméstico, a encomendação dos mortos e o embalar dos bebés”. As cantadeiras cantavam “resguardadas e em ambientes privados”, antigamente restritas ao lar, mas “sempre juntas”. Apenas com a Revolução dos Cravos se formou oficialmente a “maior parte” dos grupos de canto polifónico, pois foi então que “se abriu o espaço para que as mulheres pudessem cantar e ver o seu cantar”. Assim, passaram a ser capazes de transformar o seu canto em “objeto artístico” e de cantar à sua liberdade em conjunto, para toda a gente ver.
Salão Brazil em festa: sinergia com JACC dura há mais de uma década
Aniversário assinalado com concertos de artistas internacionais. Diretor artístico promete sondar comunidade sobre futuro da sala.
- POR LILIANA MARTINS -
Outubro foi época de comemoração no Salão Brazil. Foi neste mês que, há 12 anos, o Jazz ao Centro Club (JACC) assumiu a gestão do espaço. O aniversário foi celebrado na casa de espetáculos, nos dias 17 e 18 de outubro, com dois concertos que levaram à Baixa de Coimbra o cruzamento entre o jazz e o rock. O diretor artístico do Salão Brazil, José Miguel Pereira, comemorou os anos de coordenação e realçou a importância da sala para a música ao vivo na cidade. A atuação dos Trespass Trio foi a primeira a assinalar a data. Os noruegueses subiram ao palco na noite de 17 de outubro, acompanhados pela trompetista portuguesa Susana Santos Silva. As celebrações continuaram no sábado, pela mão dos Pulverize the Sound. Os músicos estiveram de passagem por Portugal com atuações por todo o país e o espaço quis “aproveitar a presença destes grupos importantes no cenário do jazz”, contou o dirigente.
Embora gerido pelo JACC, nem só de jazz se faz o Salão Brazil. Para José Miguel Pereira, a “programação diversa” é uma das principais características que distingue a instituição no panorama cultural conimbricense. Ao longo de mais de uma década, a sala “tem juntado música pop à tradicional portuguesa e experimental, o que não se encontra noutros sítios”, explicou.
Aliada à programação, também a natureza do ambiente tem desempenhado um papel significativo para a identidade do Salão Brazil nos últimos 12 anos. Quem o diz é o diretor: “mesmo com as características de uma sala pequena, a casa encontrou o seu espaço na cena da música coimbrã”. Assim, em comparação com outros palcos da cidade, o local “tem oferecido propostas artísticas com outros públicos em vista”.
Um dos acontecimentos que marcou a história recente do Salão Brazil foi a aquisição
do seu edifício sede pela Câmara Municipal de Coimbra. Levada a cabo em 2020, a compra veio acompanhada da nomeação do JACC enquanto Entidade Gestora do Espaço Cultural Municipal. De acordo com José Miguel Pereira, tudo isso permitiu salvaguardar os propósitos do salão e “impediu que a casa perdesse a sua dimensão sociocultural”.
Este ano as celebrações terminaram por aqui, mas regressam já em 2026, com o centenário do edifício que alberga o Salão Brazil. A morada, que já foi pensão, panificadora e restaurante, vai comemorar 100 anos e o diretor promete festejos únicos. A par de eventos de cariz artístico, José Miguel Pereira adiantou que vão ser incluídas atividades direcionadas à integração da comunidade coimbrã no debate sobre as potencialidades da sala. “Queremos recolher opiniões que nos permitam perceber o que este espaço pode ser no futuro”, remata.
Histórias que cruzam linhas todos os dias
Teatrão fez nascer espetáculo a partir de memórias populares vinculadas a viagens. Projeto de intervenção artística e cívica assume constrangimentos de uma linha em construção.
- POR FRANCISCA COSTA -
Aespera pela nova mobilidade em Coimbra trouxe às futuras estações do Metrobus o espetáculo “Com que Linhas te Cruzas? - Parte 1: À Espera”. Estreou a 19 de setembro na estação São José, interpretado pelo Teatrão, e foi seguido por mais duas apresentações em Coimbra e uma nas estações da Lousã, Moinhos, Miranda do Corvo e Serpins. Esta primeira parte foi coproduzida com o Metro Mondego e os municípios de Coimbra, Lousã e Miranda do Corvo, em colaboração com a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
A peça retratou episódios singulares, em parte baseados em depoimentos das populações das diferentes vilas, em parte fictícios. Os dois narradores que a interpretaram, apesar de se terem mantido em todas as cenas, assumiram personagens diferentes no seu decurso. Além dos dois atores, um terceiro, o “estrangeiro”, acompanhou o teatro sem falas, apenas com uma guitarra. O coro, com trajes tradicionais, resguardou-se nos cantos das cenas durante as atuações, e entrou quase como se fosse uma transição entre atos. Os temas autorais, interpretados pelos coralistas de cada zona, foram composições do diretor musical, Miguel Cordeiro.
Apresentações de “casa sempre cheia” tiveram como protagonistas o tempo e a linha que, durante longos anos, uniram o interior de Coimbra ao centro da cidade, contou o encenador
do espetáculo, Marco António Rodrigues. A escolha de fazer de palco as próprias estações surgiu de a peça ser um conjunto de “várias experiências comunitárias, reunindo pessoas das diversas localidades”, explicou. O encenador concluiu: “apesar das apresentações terem sido feitas num espaço que não era nosso, de tráfego e longo para o padrão de um espetáculo de rua, o retorno do público foi gratificante”.
“Com que Linhas te Cruzas?” teve por base um passado de forte afluência cívica, de idas e vindas. Para muitos, o caminho pelo qual o espetáculo passou era a única forma de se transportarem dos arredores para Coimbra. Rostos foram se tornando familiares ao longo do trajeto e relações foram sendo construídas. O espetáculo confiou no metro como uma forma de reunir estas pessoas, como nas carruagens dos comboios. Pretendeu dar a conhecer o passado e ensinar a ultrapassá-lo, para que se construa um presente e se crie um futuro próspero, de forma a evitar a estagnação.
Ao longo da dramaturgia foi dito que o comboio era mágico - funcionava como uma máquina do tempo. A primeira história trouxe a palco uma mãe que explicou à filha, num tom irónico, que quando se entra num comboio, “perde-se um ano de vida”. Metaforizada em sete túneis, a narrativa seguinte representou a relação que dois jovens construíram durante este tempo de espera. No primeiro túnel en-
contram-se, no segundo dançam “o vira”, no terceiro a jovem engravida, a criança nasce, o casal separa-se, ela aparece sozinha no comboio e no último túnel reconquistam-se.
O que se seguiu foram episódios que se aproximaram da atualidade e, nesta troca de histórias, a indumentária dos atores foi perdendo camadas. Num diálogo entre um ventríloquo e uma marionete, foi destacada a irrelevância das diferenças dos passageiros dentro das carruagens: “no comboio, todos somos iguais”. Através das interações que se estabeleciam com a audiência, a peça trabalhou a ideia da efemeridade do tempo, revelando que este é indispensável a tudo aquilo que achamos ser importante na vida, como o amor, a saúde e o dinheiro – respostas dadas pelo público.
O espetáculo terminou com um episódio mais atual, no qual um jovem ‘influencer’ documentava uma aventura dentro dos túneis desativados do ramal da Lousã, quando se cruzou com o “Velhadas”, um senhor idoso que esperava junto à linha pelo seu comboio. O jovem via-o como um entrave ao correr dos tempos, até ter conhecimento que outrora foi um dos responsáveis pela luta e avanço daquela ferrovia. Pela voz do coro, ouviu-se o tema “Eu Vim de Longe, Eu Vou p’ra Longe”, de José Mário Branco, e a atuação terminou com o verso “o que eu andei para aqui chegar”, fazendo alusão ao processo do ramal da Lousã, à desativação do mesmo e agora à chegada do Metro Mondego.
Marco António Rodrigues confessou que “não foi um espetáculo simples”, foi um teatro sem teto que implicou a montagem da mesma estrutura em vários lugares, com pessoas diferentes e com uma geografia que também obrigava a adaptações. Para si, o que distinguiu este projeto foi o encontro que se criou com a comunidade: “era como se estivéssemos a construir isto juntos”. Como nota final adiantou que, após o início do funcionamento do metro, a companhia pretende fazer o espetáculo dentro e fora das carruagens, sob o título “Com que Linhas te Cruzas? – Parte 2: A Viagem”.
Cedida
O Espaço está a ficar sem espaço!
Aumento de lixo espacial coloca em perigo futuras missões e comunicações terrestres. “Nós, como humanidade, conseguimos, além de produzir lixo no nosso planeta, poluir também o Espaço”, reflete investigador.
- POR SOLANGE FRANCISCO -
Desde 1957, com o início da era espacial, toneladas de foguetões, naves e satélites foram lançados para o Espaço. Tal gerou detritos espaciais,objetos criados pelos seres humanos que se encontram em órbita à volta da Terra, mas que já não desempenham qualquer função útil. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera que esta situação coloca em perigo futuras missões e as comunicações terrestres.
O lixo espacial forma-se quando as máquinas deixam de funcionar, avariam ou colidem com outros objetos em órbita. Bruno Coelho, membro colaborador do Centro de Física da Universidade de Coimbra (UC), relembra que “o espaço orbital à volta da Terra não é infinito”. A “Carta dos Resíduos Zero”, elaborada pela Agência Espacial Europeia (ESA), é uma proposta com a intenção de pôr fim à criação de mais detritos espaciais a partir de 2030. Ou seja, a partir do momento em que uma empre-
sa coloca um satélite em órbita, tem de ter uma solução “bem elaborada” para o problema. Bruno Coelho recorda que “cada vez que há uma colisão, multiplica-se o número de objetos em órbita”. Isto desencadeia um efeito em cascata, em que “cada nova partícula vai pôr em perigo outros satélites”. De acordo com dados da ESA, desde 1961 ocorreram mais de 560 eventos de fragmentação causados, sobretudo, por explosões devido ao combustível que ainda residia nos foguetes. Esta situação torna a exploração espacial uma atividade mais perigosa e compromete o acesso ao Espaço para as gerações futuras. De acordo com Joel Filho, doutorando na área, a maior dificuldade está nos objetos mais pequenos que, devido a limitações tecnológicas, não conseguem ser vigiados pelos telescópios. Atualmente, estima-se que existam mais de 129 milhões de detritos nesta categoria. Esta situação pode dificultar também as comunicações
terrestres. “Muitas das coisas que temos hoje garantidas, como a internet, as previsões meteorológicas, o tráfego marítimo e terrestre e até o GPS (Global Positioning System) dependem de satélites”, esclarece Bruno Coelho. Todos os investigadores concordam que, para resolver o problema, a preocupação não é informar a população geral, mas levar as empresas a comprometer-se com a causa. Para Joel Filho é “uma questão de consciencializar as empresas produtoras de satélites para o perigo real, para que acabem com a produção de lixo nas suas missões”. Conclui com a constatação de que “para o público geral, fica a reflexão de que nós, como humanidade, conseguimos, além de produzir lixo no nosso planeta, poluir também o Espaço”.
Com colaboração de Ana Raquel Cardoso e Bruna Fontaine.
Na luta contra o cancro mama: da prevenção à investigação
Medicina de precisão no futuro da luta contra cancro da mama. Professora da FMUC defende promoção de literacia na saúde como estratégia para aumentar prevenção.
- POR ANA RAQUEL CARDOSO -
Ocancro da mama é o tipo de cancro que mais afeta as mulheres em Portugal. Por ano surgem, em média, nove mil casos, com uma taxa de mortalidade de cerca de 20%, de acordo com o ‘site’ da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), o cancro da mama aparece quando células mamárias anormais se multiplicam em demasia e formam um tumor.
O carcinoma ductal é o tipo mais frequente, e tanto pode ser invasivo como não-invasivo, explica Margarida Dias, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). Neste último caso, “por definição, [o tumor] não se metastiza” e, portanto, não mata”, elucida. Já dentro dos invasivos, existem quatro categorias, mas a docente considera que, no futuro, a tendência é acabar com estas classificações. O caminho é no sentido de conseguir fazer uma “estratificação dos riscos do tumor” personalizada para cada doente.
Margarida Dias acredita que o futuro da investigação na área assenta na medicina de precisão, que vai permitir estudar a interação tumor-hospedeiro e estratificar os riscos do tumor para cada paciente. A médica explica que, com a ajuda de inteligência artificial, vai ser possível cruzar meta dados biológicos e moleculares do tumor e do hospedeiro. Isto torna possível prever, por exemplo, a probabilidade de surgirem metástases ou o nível de crescimento do tumor. No entanto, acrescenta que a caminhada até à medicina de precisão é longa, já que o cancro da mama é “um dos mais heterogéneos”, comportando-se de maneira “muito diferente” em cada pessoa.
Por outro lado, a docente reforça o papel crucial em consciencializar as pessoas para a importância da prevenção. “Temos uma população ainda muito pouco sensibilizada e conhecedora dos programas de rastreio”, lamenta. O cancro da mama surge cada vez mais em mulheres jovens e os tumores tendem a ser mais
agressivos e resistentes. Na visão de Margarida Dias, estes fatores devem constituir uma preocupação para a sociedade, que precisa de estar mais alerta para os sintomas, bem como para a prevenção.
A professora considera que há uma falta generalizada de literacia na saúde e destaca o papel de entidades como as Instituições de Ensino Superior e autarquias. Além disso, não descura o impacto positivo de uma regulamentação mais adequada, como nos alimentos com componentes carcinogénicos ou nas normas de segurança em profissões que obriguem a uma exposição prolongada a tais agentes. Ainda assim, acredita que o foco principal são as escolas: “no ensino básico há pouco investimento na literacia para a saúde, isso é um problema muito mais profundo, a educação começa nas crianças”. Há que fazer este trabalho contínuo para que as pessoas possam tomar escolhas conscientes e “adotar estilos de vida saudáveis”, reflete a médica.
As cinzas de quem fica
Ligação entre cuidados físicos e psicológicos diminui impactos na saúde mental das vítimas de incêndios. Reflexões e desabafos de grupo são principal apoio para corpo de bombeiros.
- POR BRUNA FONTAINE -
Em setembro de 2024, vários incêndios se alastraram pelo centro e norte de Portugal, resultando em 9 mortes, 175 feridos, danos materiais e repercussões psicológicas. Segundo a Ordem de Psicólogos Portugueses (OPP) e a Direção-Geral da Saúde (DGS), experienciar um desastre natural, como um incêndio, pode ser uma condicionante ao bem-estar psicológico. “É normal ter um conjunto intenso de emoções, algumas que desaparecem rapidamente, outras que persistem durante algum tempo, entre a ansiedade e o medo”, institui o documento “Como lidar com um desastre natural”, publicado pelos órgãos.
“Os cuidados físicos e mentais estão extremamente interligados”, sublinha Henrique Alexandrino, médico e membro da direção da Associação Lusitana de Trauma e Emergência Cirúrgica (ALTEC). Esta conjugação preenche os primeiros cuidados com as vítimas de incêndios, onde as prioridades são “sempre as mesmas”: a ventilação e a circulação das vias respiratórias. Estes cuidados garantem um menor impacto orgânico no doente, e, quando se fala das queimaduras, controlar a perda de fluidos é “fundamental para o controlo da ansiedade”, explica o médico. A falta de atenção na gestão da ansiedade leva ao aumento da frequência cardíaca e, por consequência, a um maior des gaste energético.
A linha de trabalho multidisciplinar nos cui dados com uma vítima de incêndios é o ponto chave para tornar “algo que é traumatizante, menos intolerável”, pontua Henrique Alexan drino. O tratamento da dor é a maior preocu pação nestes casos, segundo o médico, não só para o bem estar do paciente, mas para uma assistência mais eficaz. “Comunicar com o doente e criar empatia é fundamental, algo que fica muito mais fácil com o controlo do sof rimento físico”, elabora. Um doente sem dor vai ter uma melhor capacidade comunicativa e, por isso, o seu tratamento vai enquadrar-se nas suas necessidades particulares.
Hoje, na maioria dos casos, as tecnologias permitem uma boa recuperação da vítima,
uma etapa de um longo processo. No caso das queimaduras, o doente vai perder a sua proteção externa “mais eficaz, a pele, e vai ter que recorrer a múltiplas intervenções cirúrgicas que podem causar infeções”, reitera o médico. Henrique Alexandrino admite que, numa fase inicial, a prioridade do paciente é encontrar a ajuda que precisa, mas os procedimentos que seguem o trauma podem consistir num “impacto muito marcado na saúde mental”. O membro da direção da ALTEC relembra o desgaste que estas situações também desencadeiam à equipa médica: “não conseguimos ficar indiferentes ao sofrimento dos outros e é algo que também necessita de enquadramento”. Médicos do pré-hospitalar ou unidades de queimados podem acabar por absorver a energia “mutilante” desses espaços e situações. No terreno, a segurança das equipas de socorro é também uma preocupação. O sucesso do seu desempenho acaba por ser assegurado pelo grupo de bombeiros. A distribuição de funções pelas diferentes entidades acaba por reduzir os
riscos adjacentes ao desastre.
O comandante na Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra (AHBVC), Ricardo Domingos, admite que o foco na missão é o segredo para moderar o impacto que experienciar o desastre pode causar. “Não estamos a olhar para o que nos pode acontecer, mas para o que vamos fazer”, reflete. Na criação desta “barreira” profissional, o espírito de equipa é destacado pelo bombeiro. Acaba por ser um trabalho “inconsciente e instantâneo” e, por isso, em situações comuns, o comandante acredita que a sensibilidade do psicológico não está tão exposta. Após o desastre é que podem ver possíveis efeitos na saúde mental.
Para o membro da AHBVC, o principal apoio psicológico são as reflexões de grupo pós-incêndios. O comandante explica que, uma vez que se atinge um certo patamar na hierarquia da sede, a formação para gestão de conflitos é obrigatória, mas não há nada no âmbito da psicologia. É no quartel, em equipa e através do ‘briefing’ da ocorrência, que o grupo consegue falar e desabafar. Caso a “relação familiar” promovida entre os bombeiros não seja suficiente, é possível recorrer ao apoio psicossocial da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil ou do INEM (Instituto Nacional de
Pelas palavras da OPP e da DGS, viver um incêndio pode alterar “padrões de pensamento e comportamento, em comunhão com possíveis memórias vividas e repetidas do incêndio”. Ricardo Domingos partilha que entre os profissionais é raro esse tipo de reações, “a não ser quando a desgraça lhes bate na própria porta”. Danos avultados que comprometem o bem-estar social em geral também podem causar “a necessidade de um apoio psicossocial”, adiciona o comandante. Apesar de reconhecer que a maioria dos efeitos são sanados pelas conversas na sede, o bombeiro vê a eventual adição de um psicólogo ao corpo de bombeiros como uma vantagem. Os serviços poderiam impedir o agravar de sentimentos mais profundos e por
Ecos de tradições que resistem ao tempo
Falta de artesãos ameaça continuidade de tradições. “As pessoas não dão valor ao trabalho que isto dá e não querem pagar por este tipo de arte”, sublinha artista Teresa Pacheco.
- POR CAMILA LUÍS -
Esquecida, empobrecida e desvalorizada são as palavras que retratam a realidade de ser artesão atualmente. Uma classe que decresce dia após dia e que transporta fragmentos históricos de gerações passadas. Estas práticas manuais, fruto da natureza humana, encontram-se em risco de extinção, devido à carência de apoios institucionais e ao desconhecimento de fora perante o seu engenho.
As lascas de madeira que enfeitam o solo trazem à memória o aroma característico deste material. Um cómodo recatado que parece menor do que é, talvez pelas paredes estarem repletas de ferramentas. Colheres, facas, garfos e espátulas preenchem caixas de cartão visíveis em qualquer canto que se percorra com
o olhar. É na freguesia de Benfeita em Arganil que fica a oficina de Jorge Costa, testemunha de horas de trabalho sem fim. É pelas suas mãos que o último produtor de colheres de pau mantém viva a tradição da sua região.
Com o artesanato a correr-lhe nas veias, foi com 11 anos que decidiu a sua vocação: confecionar colheres de pau. Assim, após passar uma temporada com o seu padrinho de profissão também ele colhereiro, começou a trabalhar por conta própria. A paixão pelo ofício e a observação de outros profissionais foram os fatores-chave que facilitaram a sua aprendizagem e evolução ao longo do tempo nesta prática.
Para o desempenho da atividade, o colhereiro dispõe de quatro ferramentas: a machada, a
enxó, a faca e a legre. Os curiosos de fora tendem a subestimar a sua profissão, pois desconhecem as etapas que antecedem a produção da colher. “Também existe o tempo despendido para ir buscar a madeira e cortá-la”, esclarece Jorge Costa. É de centímetros a metros que se mede o esforço da sua profissão, pois, conforme o tamanho da peça, o período de execução varia: “tudo depende da colher e da madeira necessária”, esclarece com um sorriso no rosto. Sentado no banco da sua oficina, o artesão, com uma destreza que lhe é natural nas mãos enquanto empunha a machada, prova em silêncio a mestria no seu trabalho. Apoiado sobre a perna direita, com a ferramenta numa mão e um fragmento de madeira na outra, as lascas caem e a concavidade do objeto começa a notarse. Em seguida, é a vez da enxó atuar e aperfeiçoar a parte côncava, em harmonia com a legre que se encarrega do acabamento e, por fim, a faca dá o toque final na colher.
“A tradição vai acabar em mim”
No presente, o artesão de 67 anos, dos quais 56 de atividade, é um monumento vivo do artesanato do concelho. Com o passar do tempo, os interessados em perpetuar este legado desapareceram. “Quando eu comecei éramos 20, agora sou só eu” , lamenta. Após a pandemia do COVID-19, o seu negócio nunca mais foi o mesmo, traduzindo-se, atualmente, em poucas vendas e, por sua vez, lucro. Grande parte dos seus clientes compram colheres todos os anos, embora já as tenham, o desejo de dar continuidade ao legado da terra prevalece.
Dos mais novos, o desconhecimento e desinteresse pela sua prática é o que mais recebe. Segundo o arganilense, “hoje em dia os jovens compram tudo já feito e nem sabem para que serve uma colher de pau”. Acrescenta que, dos jovens da aldeia, não há nenhum que deseje dedicar-se à atividade. “Os meus filhos não quiseram aprender e acho que a tradição vai acabar em mim”, expressa Jorge Costa com desânimo. De modo a promover o ofício, outrora o artesão percorreu anualmente mais de 20 feiras de artesanato de norte a sul do país, contudo estes eventos já não apresentam tantos clientes como antes.
Além destas razões, em 2008 começou a circular o mito de que a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica proibia o uso da colher de pau em restaurantes, o que foi desmentido mais tarde. Contudo, são várias as pessoas que continuam a acreditar nesta falácia, o que se apresenta como outra barreira à atividade de
Miguel Santos
Camila Luís
Jorge Costa. Numa tentativa de reinventar o seu negócio, o artesão passou também a produzir garfos, espátulas, pinças, facas, fisgas e jogos de tabuleiro de madeira.
O peso da idade é cada vez mais visível no trabalho do colhereiro, visto que já não apresenta as mesmas capacidades físicas de outrora. Ao ter um negócio por conta própria, por vezes um horário habitual de oito horas não é suficiente para produzir as suas peças,o que o obriga a passar madrugadas a fio na sua oficina. “Eu trabalho desde manhãzinha até à noite e, às vezes, faço serão até às tantas da madrugada”, revela.
No presente, os apoios institucionais para o artesão levar a artesanato arganilense além concelho “são nenhuns”. Para participar nas feiras de artesanato noutras localidades, as despesas são todas da sua responsabilidade: “se for pedir apoio à Câmara Municipal de Coimbra, eu é que tenho de pagar”, evidencia. Contudo, movido pela autenticidade, desde os materiais à construção da colher, Jorge Costa
dora, a artista já conta mais de 20 anos de experiência no mundo da faiança, trabalhando atualmente no negócio do seu filho. Fascinado pelo engenho e simbolismo da prática aliado ao que já conhecia por ser a área dos seus pais, Hugo Abrantes muniu-se da vontade de se tornar “vanguardista da louça de Coimbra”. O desejo de inovar surgiu, sobretudo, de dar a conhecer uma vertente utilitária a estas peças, além da sua função decorativa. “As minhas chávenas de café são pintadas à mão, as travessas que uso podem ir ao forno e para a mesa”, clarifica a artista.
Em conjunto com o pai, Hugo Abrantes encarrega-se da elaboração dos moldes de barro, colocados em madres nas quais são escorridos e finalizados. Após secarem vão ao forno e, só depois, é que estão prontos para a pintura. No seu lar, que é também o seu local de trabalho, a artesã, entre pinceladas suaves e ponderadas, dá vida a esta arte que tem como principal ingrediente o tempo. Numa mesa branca esta-
não se imagina a desempenhar outra atividade senão a que o fascinou aos 11 anos. Com um brilho nos olhos de quem encontrou a sua vocação, pontua: “é a colher de pau até poder”.
Entre pinceladas, paciência e tradição Conhecida como um dos principais centros de produção de olaria do país, a cidade de Coimbra, no século XVIII, viveu a época áurea da faiança conimbricense, traduzida no aumento de artesãos e produção. Nos dias que correm, conta-se pelos dedos o número de produtores que mantém viva a tradição da louça coimbrã. De modo a evitar que o motor do tempo transforme esta prática numa memória de gerações ancestrais contada de boca em boca, surgem novos projetos como o Abrantes Atelier.
“É uma arte difícil e cada vez menos pessoas sabem pintar”, salienta a artesã Teresa Pacheco. Com a formação de pintora decora-
vam tintas de vidro micronizado das mais variadas cores.
Segundo a artista plástica, o cuidado com as peças após serem tingidas deve ser redobrado, pois “o material é um pó que com o toque de um dedo desaparece facilmente”. Para o desempenho da sua atividade, Teresa Pacheco adapta ainda pincéis à utilidade que lhes pretende dar, pois “uns são para filar, para contornar ou para colorir”, esclarece. Apesar das regras, ordens e critérios que têm de seguir à risca, a liberdade de criação é evidente no jogo criativo que faz nas suas peças. Enquanto para muitos o trabalho é uma obrigação e um dissabor, para a artesã, “é quase um antidepressivo”, pois permite-lhe “dar continuidade à tradição e pintar”, comenta e solta um riso.
Por terem apenas contacto com o produto final, muitos dos que estão de fora são incapazes de compreender a complexidade na elabo -
ração duma peça de faiança. “As pessoas não dão valor ao trabalho que isto dá e não querem pagar por este tipo de arte”, reforça a artista. Além disto, para fazer vida de artesanato é fundamental “um investimento grande” além de “escoar o produto, que demora anos”, o que não é atrativo aos olhos dos mais jovens. O reconhecimento que não encontram no seu país, é compensado além-fronteiras por meio de exposições que encaram o seu trabalho como uma preciosidade, que “quanto mais antigo, mais valioso”.
Teresa Pacheco acredita que, apesar das barreiras existentes, no presente cada vez são mais os interessados neste ofício, e que esta popularidade é resultante de iniciativas como a de que faz parte. A digitalização da sociedade apresenta-se como mais um obstáculo aos artesãos, visto que surgem como uma classe envelhecida que não usufrui das tecnologias, o que “dificulta a divulgação do seu trabalho da forma mais eficaz”. Conclui ainda que é fundamental “modernizar a tradição” e que o próprio artesão se reinvente, ao conjugar “o velho com o novo”.
Reviver o artesanato
A carência de apoios institucionais é uma realidade partilhada por vários artesãos conimbricenses, que numa tentativa de salvar o seu ganha-pão criaram a Associação de Artesãos de Coimbra Roda-Viva. Com três anos de existência, o grupo preza a defesa e valorização do artesanato enquanto património cultural e social e a transmissão das artes tradicionais. Por meio de feiras de artesanato e exposições, o projeto é palco de distintas práticas como a cestaria, tecelagem, cerâmica, bijuteria, joalharia e trabalhos em madeira e ferro.
Além da função comercial destas iniciativas, a presidente da associação, Amélia Machado, reforça o seu papel para “fortalecer a comunidade e promover o intercâmbio de conhecimentos”. O coletivo confronta-se com inúmeras adversidades à sua atividade como a burocracia para obter licenças, autorizações e cumprir com as regulamentações legais, que a dirigente descreve como “complexo e desgastante”. A obtenção de financiamento, divulgação dos produtos e a carência de um espaço adequado para trabalhar, armazenar e expor os produtos são as principais condicionantes apontadas pela diretora.
Contudo, a Roda-Viva desenvolveu algumas estratégias para as ultrapassar, como parcerias com entidades públicas ou privadas, o desenvolvimento de redes de apoio e a promoção de eventos para aumentar a visibilidade do artesanato local. Da parte dos seus produtores, é também notável um esforço de reinvenção do seu trabalho, nomeadamente, na divulgação em perfis nas redes sociais. Com 31 associados nos dias que correm, a Roda-Viva garante vários projetos mensais que pretendem reverter o padrão de desvalorização profissional comum na área e obter o reconhecimento justo dos seus membros.
Camila Luís
Uma viagem a Paris com Coimbra no coração
Foram quatro atletas com ligação ao distrito que fizeram a caminhada para Paris. Diogo Cancela explica como trazer uma medalha para casa enquanto vive em Miranda do Corvo é “uma grande satisfação”.
- POR FRANCISCO BARATA -
Os Jogos Paralímpicos com os melhores resultados para Portugal dos últimos 20 anos tiveram uma marca memorável dos atletas da região de Coimbra. Dos quatro com ligação ao distrito que marcaram presença em Paris, todos tiveram motivos para sorrir. Paris foi um sucesso sobretudo para Diogo Cancela, estudante-atleta da Universidade de Coimbra (UC), que alcançou uma medalha de bronze nos 200 metros estilos na classe SM8. O nadador de 24 anos é um filho da terra de Miranda do Corvo, onde diz ter “todas as condições” para a natação e conta ainda ser de grande satisfação conseguir uma medalha tendo como base Moinhos, a terra onde cresceu. O percurso esteve repleto de incertezas, mas Diogo Cancela reconhece que os atletas “nunca vão estar satisfeitos com o que têm”. Ainda assim, recorda como a certa altura “é preciso fazer escolhas”. O nadador explica que a partir de “Tóquio 2020” passou a dedicar-se muito mais
ao desporto, ao invés dos estudos, que admite ter começado a “deixar de lado” a partir dessa altura.
Na “caravana” para Paris foi também o paraciclista Telmo Pinão, que alcançou um diploma olímpico nos terceiros Jogos Paralímpicos em que participou. O atleta de 44 anos de Montemor-o-Velho é também estudante da UC e teve em Paris a sua última aventura paralímpica, que considera ser o culminar de uma carreira com um sentimento de “dever cumprido”.
Para Telmo Pinão, o seu percurso, não sendo feito de medalhas em Jogos Paralímpicos, tem como grande marca as três presenças na maior competição desportiva do mundo e as medalhas obtidas nos Campeonatos da Europa e na Taça do Mundo em 2021 e 2022. O paraciclista não olha para a carreira com arrependimentos e reconhece que quando não obteve medalhas foi porque “havia alguém melhor” na prova, tendo dado tudo para conseguir o melhor re-
sultado possível.
Falar de Telmo Pinão é falar de alguém cujos conhecimentos na área do ‘marketing’ ajudaram na procura de patrocínios e apoios no campo privado, até entrar no projeto paralímpico, em 2016. Em relação a apoios ao desporto adaptado, Telmo Pinão confessa que “ é cansativo estar sempre a criticar o Estado”. Desde logo, o paraciclista entende que o apoio de entidades privadas “também é importante”, mas admite que “houve uma fase em que o processo foi muito doloroso”.
Não só através de Diogo Cancela e Telmo Pinão se deixou a marca de Coimbra em “Paris 2024”. Beatriz Monteiro, atleta da Associação Académica de Coimbra, alcançou um diploma olímpico em badminton e o estudante-atleta de natação, Tomás Cordeiro, de igual modo conquistou um diploma olímpico na disciplina de 200 metros estilos SM10.
Pró-Secção de E-Sports ambiciona subir de nível
Presidente acredita que este ano é fundamental para desenvolvimento da Pró-Secção. Profissionalização das equipas é principal objetivo.
- POR JOÃO VENTURA -
APró-Secção de E-Sports da Associação Académica de Coimbra (AAC), criada em 2022, encontra-se em período de transição para Secção Desportiva. Apesar de não possuir um espaço no edifício-sede da AAC, o presidente e estudante de Direito, João Nunes, acredita que este vai ser um ano crucial para a profissionalização da equipa, que já conta com três vice-campeões nas diversas modalidades de E-Sports.
O presidente da pró-secção reconhece que muitos dos objetivos iniciais eram “irrealistas” e, por isso, não foram atingidos. Entre eles, destaca-se a ideia de realizar uma competição interna, que não se concretizou devido à falta de interesse e de divulgação eficiente.Ainda assim, o dirigente salienta que a meta de colocar as equipas em competições nacionais foi alcançada e superou as expectativas: “das três equipas, todas alcançaram pelo menos o
pódio.” As equipas de League of Legends, Counter-Strike e EAFC (antigo FIFA) conseguiram resultados expressivos, mesmo com recursos limitados: “dadas as condições precárias dos jogadores, é um resultado fora de série.”
Uma das dificuldades enfrentadas é a falta de um local, que tem prejudicado reuniões e atrasado negociações com potenciais patrocinadores e novos atletas. “Estamos sempre dependentes de haver um espacinho para marcar uma reunião”. No momento, o espaço mais utilizado é a sala de troféus, utilizada também para diferentes atividades da AAC, o que condiciona o funcionamento da pró-secção.
A mudança mais marcante do último mandato de João Nunes foi a aquisição de treinadores e analistas para todas as equipas. O presidente acredita que essa novidade pode elevar a qualidade do desempenho da pró-secção: “esperamos que isso dê um ‘up’ ao nosso ‘game’.”
O objetivo para a temporada é conquistar o primeiro lugar em pelo menos uma das três competições em que participam.
Segundo o dirigente, a manutenção da base de jogadores, aliada à chegada de novos atletas com mais experiência em cenários competitivos, aumenta a chance de atingir esse propósito . “É muito diferente jogar em casa ou num palco, com luzes e pessoas a assistir”, explica o presidente. No momento, a estrutura conta com cerca de 70 a 80 associados e espera consolidar a sua transição para a Secção. Essa transição traria mais recursos e autonomia, permitindo uma atuação “ainda mais significativa” nos E-Sports em Coimbra. Com foco na profissionalização e na expansão digital, a PróSecção de E-sports da AAC espera tornar o fim de 2024 e o início de 2025 marcantes, tanto em resultados competitivos como na construção de uma comunidade envolvida.
Cidade sobre rodas, mas só depois das obras
Metrobus entra em funcionamento na sua totalidade em 2026. CMC pretende melhorar condições do terminal rodoviário municipal.
- POR LEONOR VIEGAS -
Oprimeiro anúncio do encerramento da linha ferroviária entre Coimbra A e Coimbra B marcava o término dos serviços de transporte para julho de 2024. Na sequência dos sucessivos adiamentos, a vereadora responsável pela mobilidade da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), Ana Bastos, aponta a interrupção da ferrovia para o dia 12 de janeiro de 2025. Em relação às restantes empreitadas com vista à implementação do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), a executiva confessa que os prazos inicialmente definidos podem vir a sofrer alterações.
Segundo Ana Bastos, “a ligação entre as duas estações ferroviárias vai ser assegurada de imediato pelo Metrobus”, mas o trajeto ainda não está definido. No entanto, garante que “a frequência dos autocarros e o tempo de percurso vão ser semelhantes ao modelo atual”. No início de 2026, todo o SMM deve entrar em funcionamento, com as novas viaturas que já se encontram em Portugal, esclarece.
Espera-se que as intervenções entre o Alto de São João e a Portagem fiquem terminadas até ao final deste ano, para que possam avançar para a fase de testes do Metrobus, adianta Ana Bastos. Ainda assim, revela que “devido às empreitadas que vão da Portagem a Coimbra B e da Beira Rio até ao Hospital Pediátrico, são esperados mais condicionamentos ao trânsito”. Além das obras na zona do túnel do Choupal, o cruzamento de Celas é uma grande preocupação, confessa a executiva.
Ana Bastos considera que a meteorologia é uma das causas dos atrasos na implementação do SMM, já que a chuva interrompe os trabalhos de pavimentação. Durante as escavações, muitas
vezes, surgem achados arqueológicos ou estruturas não registadas, como tubagens ou cabos. Ao mesmo tempo, relembra que está a decorrer um processo de requalificação dos “sistemas de água, eletricidade, gás, esgotos e telecomunicações”.
Perante as perturbações no decorrer das obras, a vereadora admite a possibilidade de alterações ao orçamento inicial de 43,4 milhões de euros. “Erros, falhas na programação, atrasos na entrega do material ou falta de recursos humanos para cumprir os prazos estipulados têm de ser assumidos pelo empreiteiro”, esclarece. Já as alterações ao projeto realizadas pela CMC, ou imprevistos, como o aparecimento de infraestruturas não cadastradas, podem dar lugar a indemnizações.
No início do mandato, já não era possível fazer alterações ao projeto, mas Ana Bastos aponta algumas situações em que foi necessário haver uma melhoria. Na zona da Solum, as mudanças visavam “manter as árvores, o sombreamento e tornar a ligação entre as paragens direta e funcional”, explica a vereadora. Com o mesmo objetivo, foi demolida parte de um jardim de infância, também na Solum, e de uma divisão do edifício da Casa Aninhas.
Em relação ao destino da estação de Coimbra A, Ana Bastos considera que “a utilização do espaço deve ser multifuncional” e que uma
hipótese é abrir à comunidade um concurso de ideias. A executiva aponta a necessidade de “salvaguardar o seu carácter histórico-cultural” através da criação de um museu ferroviário. Contudo, também defende a abertura de bares e restaurantes, com o intuito de aproximar as pessoas.
No início do mês, o Notícias de Coimbra publicou uma notícia sobre a falta de segurança e conforto da paragem de autocarros operados pela FlixBus. Ana Bastos explica que o terminal rodoviário da Fernão Magalhães não pertence à CMC. Como é um espaço privado, a utilização por diferentes operadoras de autocarros tem de ser aprovada pela Rede Expressos, mas neste caso a autorização foi recusada, clarifica.
Na sequência desta decisão, a FlixBus aceitou utilizar a paragem estabelecida pela autarquia, em conjunto com outras cinco operadoras, revela a vereadora. No entanto, segundo o Decreto-Lei n.º 140/2019 de 18 de setembro (DL 140/2019) “a lei responsabiliza as Câmaras Municipais pela garantia de condições equitativas para todas as operadoras de transportes no distrito”, completa.
Para solucionar o problema, a CMC pretende criar melhores condições para o terminal através da colocação de “uma sala de espera, de um bar e de novo mobiliário como bancos e abrigos”, revela Ana Bastos. A autarquia está a celebrar um protocolo para poder gerir o espaço que pertence à Infraestruturas de Portugal, mas o projeto da obra já está lançado, assegura. De acordo com a vereadora, ainda não existem candidatos à empreitada.
Como as intervenções no terminal são provisórias, Ana Bastos reitera que a estação de Coimbra B vai ser remodelada. Assegura que no plano de intervenção, agendado para 2030, consta que as operadoras de transporte intermunicipais vão ser integradas no novo espaço. A “nova estação de camionagem vai ser integrada num sistema de intermodalidade, com os outros serviços da cidade”, conclui.
Leonor Viegas
Leonor Viegas
No Ateneu de Coimbra “fecha-se uma porta, abre-se outra”
CMC disponibilizou dois edifícios para realojar coletividade. Soluções situam-se na zona histórica da cidade.
- POR INÊS REIS -
Desde 1994 qualquer cidadão pode ir até ao número 8 da Rua do Cabido, junto à Sé Velha, para visitar o Ateneu de Coimbra. No entanto, essa realidade vai deixar de ser possível a partir de fevereiro do próximo ano, uma vez que o proprietário do edifício notificou a coletividade para abandonar as instalações. No seguimento da situação, a Assembleia Municipal de Coimbra aprovou uma moção para defender a instituição e, em conjunto, procuram uma solução de realojamento. Nasceu a 1 de dezembro de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de operários da Alta decidiu juntar-se para
luição da importância das coletividades”, conta o dirigente. Ainda assim, sublinha que “o Ateneu de Coimbra manteve uma grande importância social de encontro das pessoas”. No fim da década de 80, o estabelecimento passou a dedicar-se à solidariedade com a criação de um centro de apoio à terceira idade, que presta serviços de assistência social e apoio domiciliário. A ligação à Revolução dos Cravos manteve-se até aos dias de hoje, bem como o papel nas comemorações, das quais é exemplo a Queima do Facho.
Ao fim de três décadas na Casa do Cabido, a direção recebeu uma notificação do senhorio,
combater os problemas que afetavam a zona. O principal objetivo dos voluntários era “dar conforto às vítimas da escassez de alimentos”, explicita o diretor do Ateneu de Coimbra, Manuel Pires da Rocha. Com o passar do tempo, a instituição tornou-se um espaço de resistência ao fascismo, onde se reuniam nomes como José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Segundo Manuel Rocha, durante a ditadura salazarista, o espaço “tinha uma grande atividade cultural e social”. Destaca a criação de um posto médico que dava consultas gratuitas, quando ainda não existia Serviço Nacional de Saúde.
Após o 25 de Abril de 1974, foram criadas várias instituições culturais, o que levou à “di-
Albano Dias Ferreira, a impor o abandono do edifício. Segundo Manuel Rocha, que frequenta o Ateneu de Coimbra desde criança, “havia uma vizinhança pacífica e agradável”. No entanto, frisa que esta realidade se alterou e os problemas com os proprietários começaram “no momento em que surgiu a necessidade de rentabilizar o espaço para alojamento local”. Apesar de ser uma instituição de utilidade pública, o Ateneu de Coimbra sempre operou em edifícios privados, onde tem de pagar renda. Deste modo, não está protegido do Novo Regime de Arrendamento Urbano, o que o sujeita aos aumentos dos preços do mercado imobiliário. Perante este cenário, o diretor previa
uma ação do senhorio: “devido à importância da Alta na exploração turística, já se expectava que algo fosse acontecer”. Manuel Rocha indica que a carta enviada é “taxativa”, não deixando espaço para qualquer tipo de negociação. O dirigente encara a ação do proprietário como “um mecanismo infelizmente legal” para explorar o potencial turístico do local. Apesar de reconhecer que pode recorrer a “um conjunto de mecanismos” para chegar a um acordo, Manuel Rocha confessa que a falta de obras na sede torna “a estadia pouco agradável”. Neste momento, “há uma situação de grande incómodo e até o edifício começa a dar sinais de decrepitude”, conta. Além disso, o Ateneu de Coimbra nunca rentabilizou as instalações, o que permite que qualquer pessoa possa utilizar os espaços sem pagar. Na visão de Manuel Rocha, que defende que “tem de haver instituições de porta aberta para quem quiser”, este foi um dos aspetos que pesou na decisão de Albano Dias Ferreira.
Descrito como uma “instituição muito prática” pelo diretor, o Ateneu de Coimbra tem agora a missão de encontrar um novo lugar para alojar tanto pessoas, como bens. Manuel Rocha aponta que a “situação não é muito simples”, uma vez que a biblioteca, composta por cerca de cinco mil volumes, exige “algum espaço”. Sob a ideia de que a coletividade “pode ter um papel dinamizador independentemente do sítio onde estiver colocada”, a procura da direção por locais vai além da Alta, mas mantém-se na zona histórica da cidade.
Para solucionar a questão, a Assembleia Municipal de Coimbra aprovou, por unanimidade, uma moção apresentada pela Coligação Democrática Unitária, na qual a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) se disponibiliza para ajudar a instituição. Manuel Rocha adianta que a CMC já colocou “dois edifícios à disposição, um na zona da Almedina e outro na Baixa”. Neste momento, o processo consiste em “visitar os espaços e estudar a viabilidade da deslocação”, explica o diretor.
O dirigente elogia o papel da CMC e da comunidade, que está unida na busca por uma solução, o que “acaba por dar algum conforto”. De acordo com Manuel Rocha, a mudança não significa o fim das atividades e “até pode ser uma oportunidade para renascer”. Termina numa nota positiva: “fecha-se uma porta, abrese outra”.
Inês Reis
ESTATUTO EDITORIAL
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O ópio do povo são palavras
- POR PAULO SÉRGIO -
Qualquer motivo é bom para (re)visitar Galeano. Mas se o motivo é futebol, melhor ainda. “Futebol ao Sol e à Sombra” é a reedição da Antígona de “Futebol: Sol e Sombra”, este editado pela Livros de Areia. Não se trata de uma reedição apenas por motivos editoriais. Galeano, pouco antes de morrer em 2015, atualizou o que é um dos grandes compêndios que fundem literatura e futebol.
Cresci numa cidade onde a Académica era o clube grande, embora já não o grande de outrora. Vi jogos incríveis no antigo Calhabé e depois no gigante vazio de cimento que construíram para o Euro 2004. Muitos anos mais tarde, converti-me ao União 1919, o antigo União de Coimbra. E mergulhei na história da rivalidade entre os dois clubes, o dos estudantes e o do povo. Percorri grande parte do distrito de Coimbra aos domingos, para ver jogos em Soure, Cantanhede, Lousã ou Figueira de Lorvão.
Nesse périplo, confirmei aquilo que tinha começado a sentir anos antes. Que o futebol é muito mais do que aqueles 90 minutos. São as histórias de vida dos jogadores, as memórias dos sítios, o que contam os estádios quando o silêncio preenche o espaço das vozes gritadas. E Galeano, como poucos, é o mestre desses relatos.
Da ponta da sua caneta sai a magia que se pode atribuir à mais fantástica finta. “Chamamlhe porteiro, guardião, goleiro, cérbero ou guarda-trincheiras, mas também podia ser chamado mártir, paganini, penitente ou palhaço das bofetadas. Dizem que no local onde pisa não volta a crescer relva”.
As páginas são lidas em crescendo, como um jogo há muito aguardado e que agora se desenrola perante os nossos olhos. Os minutos passam, deambulando pelas origens do futebol e avançando de forma resoluta pela história futebolística do século XX, descrições de jogos que conhecemos apenas de imagens a preto e branco, mas que foram a cores. Quem torcer o nariz e disser que não vale a pena ler um livro sobre futebol passará ao lado de uma ode à arte de bem escrever. E que poucos (e que sorte termos vivido num mundo com Galeano!) saberiam moldar assim as palavras.
Na contracapa da edição da Livros de Areia lêse: “Um golo perfeito, resgatado de uma longínqua tarde de domingo”. No final, o escritor uruguaio diz que não sabe se este é o livro que ele quis que fosse, mas que agora é nosso. “E eu fico-me com essa inevitável melancolia que sentimos depois do amor e no fim do jogo”.
“GRAND TOUR”
DE: EDUARDO GALEANO
EDITORA: ANTÍGONA
2019
A Quietude e a Vertigem
- POR BRUNO OLIVEIRA -
Grand Tour, de Miguel Gomes, está dividido em duas narrativas. Desenhadas de forma a chocarem uma com a outra, figurativamente e literalmente. Sugiro que se trace outra divisão, além daquela que encontramos no enredo.
O filme mostra a história de dois noivos: Edward, funcionário da coroa Britânica e Molly, a sua noiva obstinada. Como cenário de uma
história que já ouvimos antes, o continente Asiático. A noiva apaixonada pela ideia de casar, assolada pelo medo de perecer em solidão. O noivo que se acobarda perante o compromisso. Evasão e procura. Uma narrativa que transcende um tempo, um lugar ou uma cultura. Uma história que se repete. Uma fatalidade nietzschiana. Que retorna sempre. Simbolizada pela roda que gira no início do filme. Ainda assim, uma história que não entusiasma. Personagens erráticas que parecem retiradas de um delírio causado pela febre. Diálogos desconcertantes que não nos prendem e que embora, DE: MIGUEL
A CABRA aconselha
por vezes, façam rir são esquecíveis. Uma quietude fastidiosa.
Não é pelo enredo que ficamos até ao fim da sessão. As personagens parecem insuficientes perante a técnica que temos pela frente, talvez Ngoc tenha o poder de somar toda a nossa atenção, pela sua beleza e credulidade.
O filme acontece na fotografia, na direção e no choque de cores, não nas personagens-tipo. Neste campo a missão a que Miguel Gomes se propôs parece ter sido cumprida, ainda que, por vezes, a longa-metragem pareça esticada pelas duas horas. Acontece quando saltamos do preto e branco para a cor. Da cidade para os cantos remotos do sudeste-asiático e somos engolidos pela vertigem que esses estímulos provocam. Um trabalho notável de comunicação cinematográfica. A história está na fotografia, tudo o resto parece acessório.
Geração rasca, Geração à rasca e à rasca de uma Geração
- POR GONÇALO
BATISTA E FILIPE AZADINHO - ARQUIVO DA SECÇÃO DE JORNALISMO DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA
Entre 1991 e 1994, “Não pagamos” e “Bolsas sim, propinas não” foram os estandartes levantados pelos estudantes para contestar a política do Governo de Cavaco Silva, que subiu o valor das propinas, inalterado desde 1941. Coincidente à criação d’A CABRA, a direção e os seus colaboradores produziram um conjunto de edições dedicadas à cobertura da luta estudantil, desde a discussão sobre a legitimidade da “Lei das Propinas” até ao modus operandi que a AAC assumiu no Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA): “Não aceitamos discutir propinas, exigimos sim reformas no ensino superior”, como afirmou António Vigário, ex-presidente da Direção-Geral (DG/AAC).
O desenvolvimento do movimento estudantil resistiu graças a dois alicerces basilares: a iniciativa de presidentes da DG/AAC em boicotar o paga-
mento das propinas nos seus mandatos e o papel do reitor Rui de Alarcão em pautar a autonomia da Universidade de Coimbra (UC), fixando um montante mínimo das propinas.
Este “boicouto” da geração rasca, como apelidada num editorial do jornal PÚBLICO sobre as medidas do ministro António Couto dos Santos, foi perdendo a sua força motriz devido à opinião pública positiva face à “Lei das Propinas”. No entanto, enfrentaram outras conjunturas adversas ao estabelecimento progressivo da gratuidade dos graus de Ensino, como consta na Constituição.
A “última grande luta” protagonizada pelos estudantes ocorreu em outubro de 2004, após o reitor, Fernando Seabra Santos, ter proposto aumentar o valor da propina em 389 euros, alcançando o máximo permitido por lei. O então presidente da DG/AAC, Miguel Duarte, alertou para o risco de
uma “invasão ao Senado”. Em entrevista ao Jornal A CABRA, o reitor afirmou que “quem não concorda com este tipo de votação (...) tem de se abster de invadir o Senado, permitindo que a votação se concretize”. Esta afirmação motivou a invasão por parte dos estudantes, que o acusaram de agir “fora da lei”, e na chamada da polícia pela UC pela primeira vez desde o Estado Novo.
A geração à rasca de 2011 foi a última grande demonstração do poder reivindicativo dos estudantes “quintenos-euristas” a uma conjuntura política destoante do seu desenvolvimento profissional. Porém, desta vez, a geração não recebeu o apoio do reitor como se sucedera nos anos 90. Estaremos à rasca de uma geração, afetada pela falta de uma unidade estudantil e de entidades institucionais que prezem por um “Bom Ensino”, ou de uma conjuntura que nos leve a agir?
OBITUÁRIO
- POR CABRA COVEIRA -
Rocket mete pópocket (por mais 2 anus)
Há quanto tempo, Missil? Charles Pocket fez o comeback do ano… até burlou o Fishcall para o fazer. Mas COLEGA, conta-me… quantos gerais é que isso te custou? Gastaste os neuronios todos no Jota Lento até te falta aceleração para mais. Tchillem malta que a AAC tem um afogado, que ajuda nas (y)legalidades. Sa-raiva bro és de direito mas não te ensinaram a interpretar, vírgulas, ou foi o tAA$h0 que t€ s€gou? Por causa disto já se sabe que na keima vai $arrar, dentro da Millaux, movimentando no bit do tut$tut$. Quem pegar pega, quem não pegou não pegará.
Não (me) proCESses primo
Goodventxures tasse a passar pezado. Agora vai proCESsar as vítimas por hablarem os factus desse tarrado? Mas tp 25 de abril sempre fachismo nunca mais, acédio de vez em quando - até que ele brinka com a mão invisivel do market mas eskeces te q a tua não é invisivel (só para a Comição de Acompanhamento). Goodventxures de Santo não tens é nada, ainda bem que não tas em tiologia. Cuidado q ele vota blok… ele é BuE progressista… até progride demasiado rápido, nem preciza de concentimento. És bue finche aki mas se estivesses em órbita no momento da culizão m0rr3rias logo.
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Editorial
- POR FÁBIO TORRES -
Entrei na CABRA há três anos, na altura um caloirinho “burro”, que não sabia onde se estava a meter nem o quão árduo ia ser trabalhar nesta redação. Passado este tempo todo, não trocava esta experiência por nada. Foi aqui que conheci pessoas incríveis, extremamente criativas, e com uma enorme vontade de fazer jornalismo de qualidade. Fiz amizades para a vida, que me deram forças para aceitar estar na posição que estou agora, e que me continuam a apoiar.
Ciente que vou passar por “piroso”, porém sabendo que sou o último da minha geração, quero dedicar este espaço para agradecer a essas pessoas: ao Tomás, à Joana, à Pipa, ao Luís, ao Guedes, à Carina, à Catarina, ao Bruno, à Luísa, ao Simão, às Sofias, à Clara, ao Xeu, à Rach, à Dani… Não prometo o impossível, apenas que o Jornal vai continuar a fazer
aquilo a que sempre se propôs: o melhor jornalismo possível, sem medo de meter o dedo na ferida. Hoje começa um novo ciclo, com uma equipa renovada, com ideias novas, mas com a vontade de trabalhar que sempre caracterizou este jornal. Vamos cometer erros, mas é aqui que os podemos fazer. Por outro lado, poucas coisas mudaram tanto na sexão como na Casa. Continuamos a querer uma AAC reivindicativa, consciente do seu tamanho no panorama nacional e do seu dever de lutar por um futuro melhor para os estudantes. Uma AAC que não olhe só para os feitos do passado, com a sensação de que “está bom”, apesar de parecer satisfeita com isso. Não vamos mudar essa vontade de querer mais, de querer mais esforço e mais transparência.
FICHA TÉCNICA
Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº478319/20
Registo ICS nº116759
Propriedade Associação Académica de Coimbra NIF 500032173
Morada Secção de Jornalismo
Rua Padre António Vieira, 1 3000-315 Coimbra (sede do editor e da redação)
Diretor Fábio Torres
Equipa Editorial Iris de Jesus & Camila Luís (Ensino Superior), Francisca Costa & Sofia Moreira (Cultura), Francisco Barata (Desporto), Ana Raquel Cardoso & Bruna Fontaine (Ciência & Tecnologia), Inês Reis & Leonor Viegas (Cidade), Solange Francisco & Liliana Martins (Online),
Colaborou nesta edição Francisco Barata, Ana Raquel Cardoso, Francisca Costa, Bruna Fontaine, Solange Francisco, Iris de Jesus, Liliana Martins, Sofia Moreira, Camila Luís, Inês Reis, Leonor Viegas, João Ventura
Fotografia e Ilustração Iris de Jesus, Liliana Martins, Duarte Nunes, Santiago Nunes, Camila Luís, Inês Reis, Leonor Viegas
Edição de fotografia Rafael Saraiva
Conselho de Redação Luís Almeida, Francisco Barata, Tomás Barros, Joana Carvalho, Carina Costa, Inês Duarte, Daniela Fazendeiro, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Luísa Mendonça, Margarida Mota, Maria Monteiro, Clara Neto, Bruno Oliveira, Ana Filipa Paz, Sofia Pereira, João Diogo Pimentel, Daniela Pinto, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva, Cátia Susana
Paginação Iris de Jesus, Fábio Torres
Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.
Sede de impressão - Travessa Adriano Lucas 161, 3020430 Coimbra