10 de julho de 2012 • ANo XXI • N.º 249 • QuINZeNAl GRATuITo dIReToR cAmIlo soldAdo • edIToRes-eXecuTIVos INês AmAdo dA sIlVA e joão GAspAR
Anselmo Borges, uma voz crítica dentro da Igreja
acabra
Perfil Pág. 14
joRNAl uNIVeRsITáRIo de coImbRA
Encerramento de mais uma cantina no Polo I para o ano Os SASUC, em articulação com a Universidade de Coimbra, pretendem adequar a oferta à procura dos estudantes. A contenção de custos continua a ser tema central e pode gerar dificuldades
C
omeçam-se a conhecer as mudanças que a ação social comportará no próximo ano letivo. O fecho da segunda cantina no Polo I é uma certeza e há também alterações nos
serviços médicos, bem como na lavandaria, que se encontra por enquanto encerrada. Assim, a racionalização da oferta, dado o corte no financiamento, faz com que estejam em cima da mesa even-
tuais parcerias com a Administração Regional do Centro e a suspensão de especialidades médicas que não sejam tão procuradas. Está assim em aberto a mudança do estatuto dos serviços médicos. Para as
residências, a alteração do regulamento de modo a atender às especificidades de cada uma quer trazer um novo equilíbrio. A punição por gastos desnecessários na água, luz e gás também é uma realidade.
Quanto à lavandaria chegará, ao que tudo indica, no início do próximo ano, com uma nova configuração de modo a conceder outros serviços aos estudantes Pág. 5
O que resta das grandes indústrias de Coimbra Não são só os edifícios que caem com o passar dos dias. Também ao abandono ficaram cerca de dois mil trabalhadores ao longo de dez anos. A história contada por quem lá trabalhou. Pág. 14,15 ,16 e 17 ProjeTo “LAdo A LAdo”
20 ANos de ProPiNAs
TiroTeio 1970
BALANço desPorTivo
BAirro de CeLAs
Duas décadas de propinas
Confrontos entre estudantes e polícia
Gastos controlados, mas o nível mantem-se
Um espaço de reunião Uma entreajuda benéfica entre gerações
Em 1992 era promulgada a lei 20/92 que introduzia as primeiras propinas no ES. Esta nova lei foi a alavanca para o início de uma vaga de contestações por parte do movimento estudantil que, não ficando indiferente, se debateu ao longo dos anos por um ensino gratuito. No ano em que assinalam vinte após a introdução desta lei, o Jornal A CABRA, em jeito de resenha histórica, recorda os marcos mais importantes desta luta estudantil, desde a maior manifestação de estudantes do ES às invasões do Senado. Pág. 4 e 5
As memórias não se podem perder. Os acontecimentos da noite de 9 de maio de 1970 estão pouco relatados na bibliografia, normalmente reduzidos a algumas linhas. Jorge Seabra, membro da DG/AAC, em 1970, foi uma das pessoas presentes nesses incidentes sucedidos na zona do TAGV. Os episódios, originados nas clivagens ideológicas da época, resultaram numa das maiores repressões policiais de sempre contra estudantes, com balas verdadeiras a tomarem o lugar das de borracha. Pág. 6
Apesar das dificuldades económicas, as secções da academia tiveram, no geral, uma época positiva. Três títulos coletivos e dois vice-campeonatos, a juntar a diversos títulos individuais, fazem a soma das vitórias do balanço desportivo universitário. Manter o nível e aumentar o número de títulos é o que espera o coordenador geral do pelouro do desporto da AAC, Nuno Lopes, ao elogiar o dinamismo e variedade de apostas das equipas da casa.
Durante cerca de três anos, Celas foi palco para um dos mais emblemáticos movimentos que se viveu na cidade: o punk. Não descurando outros como o hardcore e o rockabilly, Coimbra surgiu no panorama musical nacional, em boa parte através de bandas como os Tédio Boys e Émasfoi-se. Jovens e idosos conviviam num espaço típico de uma associação recreativa, com um concerto punk como fundo.
Pág. 2 e 3
Pág. 10 e 11
Lançado em 2009 pela Associação Académica de Coimbra, em parceria com o Centro de Acolhimento João Paulo II, o projeto “Lado a Lado” tem como objetivo fornecer aos estudantes uma alternativa para alojamento, e, ao mesmo tempo, garantir às pessoas mais idosas companhia e ajuda. O feedback tem sido positivo, apesar de não haver muitos estudantes a candidatarem-se a esta iniciativa. Pág. 19
@
Mais informação em
acabra.net
2 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
editoriAl
Um mUseU de lUtAs pAssAdAs
C
om o decorrer de um austero ano, o Jornal A CABRA encontrou na situação socioeconómica da população estudantil o móbil para dissecar uma palavra que, por tão repetida, se vulgariza e perde significado semântico nos números que são anunciados diariamente. É ela a crise, apresentada pelos media em forma estatística, numeral, matemática, nem sempre como uma estória ou rosto por trás. De quem se vê obrigado a desfazer-se do que ainda possuiu para se alimentar, da forma como a crise afeta os estudantes psicologicamente, de quem espera anos no banco do Centro de Emprego, de quem recorda com saudade a Reforma Agrária, das diferentes vertentes do trabalho que nem sempre é emprego. Modos distintos de abordar um tema que urge humanizar. O produto da ruína industrial de Coimbra está aqui, em rostos que se descobrem por entre a densidade dos números que o desemprego encerra. Os edifícios fantasmagóricos das antigas grandes indústrias nos arredores da cidade parecem querer metaforizar o retrato de uma nação: a estabilidade momentânea de outrora que acabou em estado de súbita degradação. Mas é no centro de Coimbra, no meio do aglomerado urbano, que se faz notar a diminuição do nível de vida e o aumento da indigência. Os “novos demais para a reforma e velhos demais para um novo emprego” escondem a realidade dramática da qual a classe política está desligada. Ao que governos chamam flexibilização do mercado de trabalho é, para uma larga franja da população, sinónimo de desemprego e precariedade. Social-democracia ou Socialismo constituem meros elementos ornamentais na palavra Partido, que administra o Portugal do pós-Abril. Apartados da realidade e da dura vivência de uma larga maioria, a minoria não tem como se aproximar, ao encontrar a sua subsistência em ciclos de poder fechados. E é da comodidade desses ciclos que apelam à saída da zona de conforto. É então nesta dicotomia estranha que se desenvolve a carreira política (iniciada de preferência num ambiente de propício debate e discussão, como é o exemplo das associações académicas e de estudantes) à qual a academia de Coimbra não está
Secção de Jornalismo, Associação Académica de Coimbra, Rua Padre António Vieira, 3000 - Coimbra Tel. 239821554 Fax. 239821554 e-mail: acabra@gmail.com
“
A lei que impôs o pagamento de propinas funcionou como um primeiro momento agregador da vontade dos estudantes em liberdade. (...) Vinte anos depois, algum amorfismo levou a que as propinas sejam já encaradas como uma inevitabilidade e, hoje, não se imagina o financiamento do ensino superior sem elas.
imune. Tal repercute-se de forma decisiva nas ações levadas a cabo pela sua direção geral que se foram suavizando gradualmente. A lei que impôs o pagamento de propinas funcionou como um primeiro momento agregador da vontade dos estudantes em liberdade. Em 1992, as motivações por detrás do “Contrato Social” fazem com que o título do documento seja irónico quando comparado à obra homónima de Rosseau. Vinte anos depois, algum amorfismo levou a que as propinas sejam já encaradas como uma inevitabilidade e, hoje, não se imagina o financiamento do ensino superior (ES) sem elas. Seguiu-se a implementação de medidas que resultaram numa profunda alteração do ES. Bolonha veio apenas fazer com que, depois da redução do número de anos necessário para completar a licenciatura, as entidades empregadoras passassem a exigir o grau de mestrado. Mas a frequência no ensino superior levanta hoje diversas interrogações. Para quê estudar se a consequência provável será o desemprego ou a precariedade? Governantes dizem que, quanto mais habilitações, maior é a probabilidade de empregabilidade. No entanto, quando vemos que muitos dos estudantes que saíram para o mercado de trabalho com uma licenciatura ou mestrado nos últimos anos têm poucas perspetivas de vir a trabalhar na sua área de formação ou, se trabalharem, a lógica irracional de mercado leva a que o seu exercício se torne penoso, esse argu-
mento capitula. Com a soma destas incertezas, é profundamente devastador verificar que todos os anos as condições de frequência no ensino superior pioram afetando sempre o elo mais desprotegido da cadeia: o estudante. Neste aspeto, é lamentável ver sucessivas direções gerais reclamar para si meias vitórias que não passam de demagogia, com o objetivo final de assegurar a continuidade no poder e a perpetuação dos seus quadros. A Associação Académica de Coimbra corre o risco de funcionar como museu, como memória histórica das lutas passadas e perder qualquer relevância. Camilo Soldado
“
É profundamente devastador verificar que todos os anos as condições de frequência no ensino superior pioram, afetando sempre o elo mais desprotegido da cadeia: o estudante.
Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas Multimédia Ana Francisco, Catarina Gomes Editores Carlota Rebelo (Fotografia), Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando Sá Pessoa (Desporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido (Mundo) Paginação Carlota Rebelo, João Miranda Redação Andreia Gonçalves, Daniel Alves da Silva, João Valadão, Paulo Sérgio Santos Fotografia Carlota Rebelo, Douglas Rabelo, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, Stephanie Sayuri Paixão Ilustração Ana Beatriz Marques, Tiago Dinis Colaborou nesta edição António Cardoso, Emanuel Pereira, Fábio Rodrigues, João Martins, Miguel Patrão, Rafaela Carvalho, Tiago Gonçalves Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, João Valadão, José Afonso Biscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos, Luís Luzio, Nicole Inácio, Pedro Nunes, Pedro Leitão, Rui Craveirinha Publicidade Inês Amado da Silva 239410437 Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Luís Reis Torgal
10 de julho de 2012 | terça -feira | a
cabra | 3
Cortes iminentes na ação social da UC Na sequência da racionalização e de melhor aproveitamento dos recursos existentes, os SASUC estão a desenvolver uma mudança na sua génese dado o aperto financeiro. Reduzir a oferta, buscar parcerias e a adaptação à nova realidade estudantil vão obrigar a ação social a cortar e a redefinir-se. Por Liliana Cunha
O
próximo ano letivo prevê algumas alterações nos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (SASUC). Certas especialidades dos serviços médicos vão ser suprimidas, há mais uma cantina que fecha e a lavandaria voltará a funcionar no início do ano e noutros moldes. “Tudo isto segundo uma perspetiva: de reestruturação, de sustentabilidade e de racionalização das escolhas”, defende a vice-reitora para o planeamento e finanças, Margarida Mano. “O que nos garantiram é que iam fechar duas cantinas, as verdes, e a outra não nos disseram qual”, admite a funcionária da cantina dos grelhados, Emília Carvalho. A confirmação de que mais uma cantina encerra é certa, só não se sabe “exatamente quando e não está definida qual”, afirma Margarida Mano. No entanto, a funcionária dos grelhados suspeita que é a sua cantina: “os grelhados
“Choca-me a ideia de dispersão de locais e de serviços cuja lógica um estudante não conhece”, renova Margarida Mano
estão na baila, mas não sei se realmente é”. A nova diretriz dos SASUC, marcada pela nomeação da nova administradora, Regina Bento, veio introduzir a necessidade de realizar mudanças estruturais, dado o corte em quase dois milhões de euros no financiamento dos serviços, neste ano letivo. A racionalização das escolhas e da adequação da oferta originou já o encerramento de uma cantina - as verdes: “tivemos um aumento na população estudantil de 15 por cento e uma redução em termos de refeições no Polo I de 30 por cento”, garante a vice-reitora. Há o “rumor de fechar os grelhados”, afiança a coordenadora geral do pelouro da ação social da direçãogeral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Rita Andrade. A prova de que mais uma cantina encerrava não era alheia à coordenadora – “já nos garantiram, mas nós mostrámo-nos completamente contra”. Já o presidente da DG/AAC, Ricardo Morgado, adianta que ainda não tem “confirmada a decisão”. Quanto à possibilidade de fechar mais do que duas cantinas, a vice-reitora é clara: “só uma, tudo farei para isso e tem de encerrar neste contexto para oferecer aos estudantes algo que não oferecíamos antes”.
Novos serviços A tónica de conceder algo diferente aos estudantes marca o objetivo do novo plano da ação social. Pautará os serviços médicos, os alojamentos, a creche e o jardim-de-infância, e como já referido, o plano das refeições. “Temos que ter uma resposta diferente para um estudante que chega ou que está cá e que precisa de apoio a vários níveis”, avança a vice-reitora.
arquivo © leandro rolim
Essa resposta poderia tomar consistência num “espaço de acolhimento e de resposta”, reitera a mesma. “Choca-me a ideia de dispersão de locais e de serviços cuja lógica o estudante não conhece”, renova Margarida Mano. Também Rita Andrade compartilha da ideia de que “muitos alunos nem fazem ideia que há o apoio psicológico, o apoio à creche e a existência dos serviços médicos gratuitos”. O objetivo da DG/AAC passará por uma maior divulgação em articulação com os SASUC, já no início do próximo ano letivo. “Para incutir este conhecimento desde o início”, garante a coordenadorageral. Os serviços médicos também vão ver o seu estatuto alterado. “Vão apresentar um novo estatuto dos serviços médicos, mas ainda não sei nada concreto, foi-nos dito em contexto informal”, assegura Rita Andrade. “Na reestruturação foi decidido que os serviços médicos se mantinham”, determina Margarida Mano. Todavia, a lógica de adequar o número de especialidades à procura estudantil, vai levar ao desaparecimento de especialidades menos requisitadas. No que toca à transição recente do serviço de psicologia para o S. Jerónimo “foi decidido que tudo o que era serviços de apoio psicopedagógico ou psicológico aos estudantes, tinha de ser concentrado”, afirma a vice-reitora. “Os serviços médicos têm aí um papel que não há no Serviço Nacional de Saúde (SNS) nada que os substi-
tua”, atesta Margarida Mano. O papel de exceção reside na procura pelos estudantes de mobilidade que acorrem aos serviços. Em teoria, para a vice-reitora, o objetivo é ter uma alternativa ao SNS “interessante”. Para isso, há em cima da mesa a negociação de uma parceria com a Associação Regional de Saúde (ARS), ou até mesmo com os hospitais da UC. “Gostaríamos muito de ter uma unidade de saúde primária em articulação com a ARS. Seria fantástico para nos ajudar a financiar um serviço”,
“Vão apresentar um novo estatuto dos serviços médicos, foi-nos dito em contexto informal” assevera Margarida Mano. Ricardo Morgado afirma que veria com bons olhos esta ligação se esta “melhorar o serviço e a oferta ao estudante e a sua qualidade”. Porém, a alteração da génese não está prevista, só o cofinanciamento para aliviar o fardo dos SASUC.
Residências e lavandaria A UC terá de cobrir neste verão obras de cariz urgente em algumas residências e cantinas. “A lógica de construção de residências que existiu há bem pouco tempo agora está fora de causa porque o financiamento não existe
nem para a manutenção”, explica a vice-reitora para o planeamento e finanças. A questão da sustentabilidade vem de novo ao de cima para os gastos energéticos nas residências universitárias. A possibilidade de cobrança aos residentes de 25 por cento nas despesas com água, luz e gás é descartada mas, “vamos ter de ter mecanismos de controlo dos custos e penalização dos desperdícios”, garante Margarida Mano. Interpõe-se assim a mudança de regulamento das residências. Conhecer muito bem as situações e especificidades de cada residência é essencial para “depois procurar uma alteração do regulamento que traduza um equilíbrio diferente”, admite a mesma. São tudo assuntos que estão a ser refletidos pela pasta e pela administradora dos SASUC. Por agora muita coisa está a ser pensada e ponderada. A lavandaria tinha o aval da reitoria para reabrir no início do próximo ano letivo, mas sabe-se que poderá ser em outros moldes e num outro lugar, com uma empresa que suporte o serviço. Talvez contenha ainda “costura e a junção de mais serviços”, certifica Rita Andrade. O diálogo tem-se procurado constante, entre reitoria, SASUC, e DG/AAC. Para Ricardo Morgado, o objetivo é “tentar que a reestruturação salvaguarde sempre os interesses dos estudantes”. Com Inês Amado da Silva e Inês Balreira
4 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
PROPINAS: 20 anos de protestos E irreverência Aplicadas em 1992 pela primeira vez, a verdade é que, 20 anos depois, as propinas estão cá e estão para ficar. Fruto da sua aplicação, os boicotes e manifestações multiplicaram-se ao longo de várias gerações, opondo governo e estudantes. Por Inês Balreira, Tiago Gonçalves e João Martins
P
agar propinas no ensino superior (ES) nem sempre foi uma realidade entendida como é atualmente. Até ao ano letivo de 1992/1993, o valor pago pelo estudante era de 1200 escudos - seis euros na moeda atual - valor que era encarado como uma taxa de matrícula, uma vez que o pagamento era feito em ato único aquando a inscrição do estudante. Foi pela mão de Diamantino Gomes Durão, que assumiu a
que se gera em torno da possibilidade de aumentar as propinas leva à demissão do ministro, sendo substituído pelo então ministro-adjunto e dos assuntos parlamentares, António Couto dos Santos. Em abril de 1992, Couto dos Santos recupera a proposta do seu antecessor. No sentido de perceber a opinião dos estudantes da Universidade de Coimbra (UC) sobre o aumento das propinas, a direçãogeral da Associação Académica de
dia, ocorrem manifestações no Porto e em Lisboa. No final do mês, a lei era aprovada na Assembleia da República e publicada em Diário da República sob a designação de lei 20/92 em agosto, estabelecendo as normas relativas ao sistema de propinas. A propina é aumentada de seis para 250 euros no ano letivo de 1992/1993. O reitor da UC na altura, Rui Alarcão, recorda que “a lei das propinas suscitou no meio universitário uma grande oposição”.
ção da altura. O contrato surgia como um rebuçado para aprovar as propinas e, como não achámos isso correto, a AAC não aderiu”, afirma o antigo presidente da DG/AAC. António Vigário acrescenta que “um ano depois a maior parte das associações que subscreveram o pacto tinham saído porque perderam as eleições”. Ainda em 1992, dez mil estudantes juntaram-se em Lisboa para contestar a lei do aumento das propinas e as medidas educa-
pasta do Ministério da Educação do governo liderado por Cavaco Silva, em 1991, que foi aplicada a lei das prim e i r a s propinas no sistema de ES público em Portugal. A contestação estudantil
Coimbra (DG/AAC), liderada por António Vigário, realiza um referendo, onde participaram “mais de 50 por cento dos estudantes da academia”, relembra o dirigente. Dos resultados apurados, 74 por cento mostra-se contra as propinas, 20 por cento defende que não devem ser aplicadas enquanto não forem dadas garantias de melhoria do ES e cinco por cento vota a favor das propinas.
“O Senado Universitário de Coimbra pronunciou-se unanimemente pela decidida contestação à lei das propinas, no quadro da legalidade democrática”, afirma o antigo reitor. No decorrer dos protestos, Mário Soares, então Presidente da República, pediu a fiscalização da constitucionalidade da lei ao Tribunal Constitucional. “O Tribunal Constitucional não decretou a inconstitucionalidade da lei, mas estabeleceu uma certa interpretação equilibrada e que, de alguma forma, continha os limites das propinas”, relembra Rui Alarcão. A 27 de outubro de 1992, o governo e várias associações de estudantes assinam o “Contrato Social”, documento que, tendo como pressuposto a implementação das propinas, visava dar algumas garantias às universidades e aos estudantes. “A maior parte das associações, que na altura eram dominadas pela Juventude Social Democrata, subscreveram o pacto com o ministro da educa-
tivas seguidas pelo governo. “Alugaram-se dois comboios que foram cheios de estudantes de Coimbra para Lisboa”, lembra António Vigário. Nesse mesmo ano, os estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, também em forma de protesto, ridicularizam a figura de Couto dos Santos. Ao simular um julgamento em tribunal universitário, o ministro era representado, simbolicamente, na figura de um burro. Couto dos Santos era acusado de “propinar e ter praticado má educação”. A sentença por parte dos estudantes foi clara: “enforcamento, empalamento e cremação em frente à reitoria da universidade”. A partir daqui, as manifestações passaram a ser parte constante da vida dos estudantes. Em 1993, os cerca de mil estudantes que se dirigiam para São Bento foram recebidos à bastonada pela polícia de choque. A carga policial sobre os estudantes permitiu que, ainda nesse ano, a contestação extrava-
O flagelo da lei 20/92 A 14 de maio desse ano, o Conselho de Ministros aprova a proposta que instaura a lei das prop i n a s . N e s s e
sasse as faculdades, pondo na rua, a 7 de dezembro, mais de 20 mil pessoas, incluindo estudantes do ES, do ensino secundário, professores e cidadãos solidários com a causa. No seguimento da vaga de protestos, Coutos dos Santos é demitido, dando lugar a Manuela Ferreira Leite. A nova ministra revoga a lei 20/92 e institui uma nova lei para as propinas, que se baseava numa taxa única, ao contrário da revogada, que funcionava por escalões de IRS. A lei postulava ainda que as receitas provenientes da propina serviriam para financiar a ação social escolar. No final de 1995, 16 mil estudantes não pagavam a propina em Coimbra, tendo-se institucionalizado o boicote.
Muda o governo, mas as propinas mantêm-se António Guterres é eleito primeiro-ministro, em 1995. Um ano mais tarde, tal como havia prometido em campanha eleitoral, revogou a lei das propinas, passando estas a ser reguladas pela lei de 1941, que previa um valor de 1200 escudos. A medida vigorou durante dois anos. Mais tarde, em junho de 1997, surge a ideia de indexar a propina ao valor do salário mínimo nacional, através da polémica lei-quadro do governo. O documento visava o estabelecimento de uma propina única, que desta vez não se baseava em escalões de IRS, como ainda o conceito de estudante elegível, que introduzia a possibilidade de, em determinados casos, o estudante suportar o custo total da sua fre-
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 5
CRONOLOGIA DA Propina 1992 Agosto fixação da lei 20/92, que aumenta a propina de seis para 250 euros
1992 Outubro várias associações de estudantes assinam o “Contrato Social”. A AAC fica de fora
1993
dantes”. quência no ES, podendo chegar a pagar até três mil euros. A par desta nova lei surge ainda um outro diploma legislativo, que confere o grau de licenciatura aos Institutos Politécnicos. Depois de várias manifestações e até mesmo da realização de um acampamento em Lisboa, o governo desiste da aplicação do conceito de estudante
elegível. Um outro marco da luta estudantil contra as propinas no ano de 1997 foi o rapto, em Coimbra, da mascote da Expo’ 98, o Gil, que se encontrava na cidade para a promoção do evento. Tempos depois, a mascote aparece abandonada na Alta Universitária, com uma placa onde estava inscrito: “antes quero desaparecer que pagar propinas”. Em 2002, Durão Barroso sobe ao poder, conferindo a pasta da Ciência e do ES a Pedro Lynce. O novo governo acaba com a lei de indexação do valor das propinas ao salário mínimo e incumbe a
responsabilidade de fixar o valor da propina às universidades. Vítor Hugo Salgado, presidente da DG/AAC, entre 2001 e 2003, afirma que “as despesas correntes deixaram de ser pagas pela transferência do orçamento do estado e passaram a ser pagas pelas propinas”. “Se a universidade não fixasse propinas suficientes para pagar as despesas correntes, não tinha orçamento para funcionar”, acrescenta. De entre os protestos de Coimbra contra a nova medida, contam-se “o fecho da ponte de Santa Clara, com cerca de três mil estudantes, vários encerramentos da universidade e o leilão da UC na abertura solene das aulas”. Vítor Hugo Salgado recorda ainda que um dos protestos foi “a entrega do valor das propinas em papel higiénico ao ministro, porque era um dos gastos onde ia ser utilizado o dinheiro das propinas dos estudantes”. A nível nacional, ocorre uma manifestação de estudantes do ES, em Lisboa, que nas palavras do antigo dirigente foi “a maior manifestação de estudantes de sempre, com 14 mil estu-
A invasão do Senado No dia da referida manifestação, o Senado Universitário de Coimbra aprova, à revelia dos estudantes, a aplicação da propina mínima para o ano letivo de 2003/2004, de 463 euros, aumentando, no ano letivo seguinte, para o seu valor máximo, fixado nos 852 euros. Nessa mesma sessão, cerca de meia centena de alunos, incluindo os representantes dos estudantes com assento no Senado, invadiram a sala em sinal de protesto. Em resposta à indignação estudantil, no ano letivo seguinte, Seabra Santos, reitor na altura, decide recorrer ao voto por correspondência, de maneira a evitar novas ações contestatárias. Neste seguimento, a DG/AAC interpõe uma providência cautelar que pretende impedir os efeitos desta votação. Apesar de o tribunal ter dado razão aos estudantes, a votação por correspondência não se chegou a realizar. Face à ameaça de os estudantes boicotarem de novo a votação presencial, a 20 de outubro, Sea-
bra Santos convoca a sessão do Senado, excecionalmente, para o Polo II. Com vista a impedir a fixação do valor da propina, agora em 880 euros, os estudantes tentam uma nova invasão. O protesto acaba por originar confrontos com as forças policiais, chamadas ao local pelo reitor em questão. Mais tarde, os estudantes exigiram a demissão de Seabra Santos. O diálogo entre estudantes e reitoria cessa, sendo apenas retomado três anos e meio depois.
A realidade da propina atualmente Já no próximo letivo, a propina volta a aumentar, nas universidades que assim o decidirem, fruto da atualização ao valor da taxa de inflação. Um estudante vai passar a pagar agora 1.036,6 euros anuais na frequência do primeiro ciclo de estudos, o que corresponde a mais 36,9 euros em relação a este ano letivo. Este é o maior aumento desde 2003, altura em que a responsabilidade de fixar as propinas foi entregue às universidades e o seu valor passou a ser indexado à taxa média de inflação do ano anterior. O atual presidente da DG/AAC, Ricardo Morgado, considera que esta atualização “passa a barreira psicológica dos mil euros, que era algo que se esperava que nunca acontecesse” e que “o aumento da propina não é solução para a questão do financiamento ES”. Analisando o atual modelo de financiamento das universidades, Ricardo Morgado conclui que “se não houvesse propinas o ES neste momento não funcionava”. “Isto é triste de se dizer, mas chegou-se a este ponto”, acrescenta. Contudo, o dirigente valoriza as lutas travadas contra as propinas: “a verdade é que a AAC, ao longo destes 20 anos, de diversas formas, lutou contra a propina e o seu aumento. Mas a verdade é que não saímos vencedores desta batalha”.
a lei 20/92 é revogada por Manuela Ferreira Leite, ministra da educação da altura. A nova lei das propinas é baseada numa taxa aplicada de acordo com os escalões de IRS
1995
o governo de António Guterres revoga a lei das propinas, que passam a ser reguladas pela lei de 1941 .
1997 uma nova lei de propinas entra em vigor, anexando o valor da propina ao salário mínimo nacional
2002 o governo liderado por Durão Barroso incumbe a responsabilidade de fixar a propina às instituições de ES
2004 20 de outubro os estudantes tentam invadir o Senado, envolvendo-se em confrontos com a polícia
2012 O valor da propina máxima passa a barreira dos mil euros
6 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
FotograFias cedidas pelo museu académico
As balas não podem perder-se nas memórias Num contexto que muitos erradamente consideram pós Crise Académica, dá-se uma das repressões mais violentas sobre uma manifestação estudantil de que há memória na cidade dos estudantes. Da carga da polícia, sem ordens para tal, acaba por resultar um estudante baleado. Por Paulo Sérgio Santos
C
oimbra, 9 de maio de 1970. No seguimento da estreia da peça “O Livro de Cristovão Colombo”, representada pela Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra (OTUC), geram-se confrontos no exterior do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). Entre estudantes de esquerda e a polícia houve disparos por parte das forças de autoridade, que acabaram por ferir com gravidade um estudante de Engenharia, Fernando Seiça. Torna-se importante fazer uma pequena ressalva histórica. Jorge Seabra, antigo estudante da Universidade de Coimbra (UC) e membro da direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) de 1970, começa por dizer que “estranhamente, para quem a viveu, a história da Crise acaba em 1969”. No entanto, na sua opinião, continua em 1970, ano em que nos situamos, e prolonga-se ainda em 1971. Em fevereiro de 1970 há a eleição de um novo reitor, vindo da Faculdade de Medicina, o Professor Gouveia Monteiro. Nas palavras de Jorge Seabra, era “muito apoiado pela academia” por ter dito ser o reitor da academia junto do Governo e não o contrário.
A génese de 9 de maio Em abril, começa o prólogo que haveria de despoletar os acontecimentos da noite de maio. A OTUC, criada em 1966 e ligada à fação estudantil nacional-revolucionária, estabelece a encenação da obra de Paul Claudel para o mês seguinte, no TAGV. Embora a OTUC tivesse tido algum destaque no ano anterior, devido a conflitos com a DG/AAC de 1969, poucos eram os estudantes que a conheciam. “Todos pensavam que eles nunca tinham feito teatro”, afirma Jorge Seabra, secundado por Vítor Lamas, também ele antigo estudante
da UC, que completa: “e em Coimbra nunca fizeram”. Este anúncio da OTUC foi, então, encarado como um ato desafiador. “Foi uma situação absolutamente provocatória, para quem viveu o clima da altura. A direita estava completamente marginalizada, tinha inclusive manifestações clandestinas”, refere Jorge Seabra. A DG/AAC analisou a situação e, percebendo que se tratava de uma provocação, decide não convocar nada, não fazendo sequer um protesto.
Início da manifestação Naqueles anos de plena Crise Académica, difícil era que não acontecesse nada. Perante “uma manifestação do regime, planeada com nomes da direita mais radical, críticos de Marcelo Caetano, imagem de uma liberalização muito contestada”, conforme explica Jorge Seabra, gerou-se uma situação tensa, na noite de 9 de maio. Vítor Lamas exemplifica: “havia muitas pessoas, que se espalhavam pela Praça da República e pelas áreas circundantes. Em frente ao TAGV estavam sentadas no chão e mandavam uns piropos cada vez que chegava um fascista”. Entretanto, o reitor chega a Coimbra vindo de Lisboa e desloca-se diretamente para o Convívio (atuais Cantinas Monumentais), onde, num ambiente escaldante, “os estudantes exigem, coletiva e absolutamente, que o TAGV seja desocupado”, recorda Jorge Seabra, que esteve envolvido diretamente nas conversações com o reitor. Este, de seguida, desloca-se para o TAGV, a fim de interromper a peça. Do sucedido no interior do Teatro, há pouca informação, apenas o descrito no livro de Riccardo Marchi, “Império, Nação, Revolução”. Marchi relata que o reitor se “apresentou no hall vindo da assembleia estudantil, ordenando ao presidente
da OTUC, Cavaleiro Brandão, para interromper imediatamente o espetáculo”. A sala ganhou, imediatamente, uma efervescência e “o reitor foi insultado, chamado inclusive de judeu”, completa Jorge Seabra. Cá fora, o ambiente começa a descontrolar-se. O rastilho que precipita a carga policial é fonte de alguma controvérsia. Vítor Lamas fala numa “pedra que é atirada à fachada do TAGV”, não se sabe por quem.
A dimensão da violência A investida da polícia apanha de surpresa o próprio comandante, que não havia dado qualquer ordem. «Só o ouvia gritar ao meu lado “Mas o que
é que se passa?”», adianta Jorge Seabra. “A zona onde estávamos ficou praticamente deserta por causa do gás lacrimogénio lançado e, então, começaram-se a ouvir tiros”, remata. O grosso dos confrontos passa para a Rua Dr. Oliveira Matos, para as escadas das cantinas, com pedras a voarem contra as forças policiais. «Eu tinha subido as escadas com um colega. Só o ouvia gritar “São de borracha, não tenham medo.” Ao outro dia é que vi lá as marcas e percebi que alguém se deve ter esquecido de trocar as balas verdadeiras», relata Vítor Lamas. Em consequência, é ferido com gravidade um estudante, Fernando Seiça. “Mas apenas mais
tarde nessa noite, através da Rádio Universidade de Coimbra, que tinha só circuito interno, é que isso se soube”, relembra o antigo estudante. Jorge Seabra considera que estes acontecimentos “não se devem perder no tempo”. Pois estes foram, na sua opinião, marcantes por duas razões: “nunca uma manifestação, ligada a questões políticas, havia sido reprimida com tanta violência” e porque foi uma viragem na relação com o reitor, “que não se demarcou face à atitude da OTUC”, conclui. A Cabra tentou chegar à fala com Manuel Cavaleiro Brandão, presidente à data da OTUC, que se escusou a prestar quaisquer declarações.
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 7
UM ANO DE DESPORTO NA AAC
Andebol
Atletismo
Basquetebol
Bilhar
Seniores poderão não competir pela primeira vez
Futuro incerto
Devolver a Académica aos tempos de glória do passado
Bons resultados superam dificuldades
A atravessar um período menos bom da sua história, a Secção de Andebol conseguiu manter-se na segunda divisão. António Sousa, presidente, relata que “nas equipas juniores e seniores houve uma continuação”. A nível das camadas jovens, o presidente enaltece os resultados conseguidos, nomeadamente dos escalões de formação de juvenis para baixo. Com um futuro ainda incerto equaciona-se a hipótese dos seniores não competirem no próximo ano, apesar de, na época que se avizinha, a secção comemorar 75 anos de existência. O dirigente afirma que se “ vive um momento de indefinição devido aos problemas financeiros ”. A aposta nas camadas jovens é o grande objetivo.
Mário Ferreira, presidente da Secção de Atletismo, critica a direção geral da AAC (DG/AAC) e o Conselho Desportivo. Afirma que “a situação da AAC na área desportiva está um caos em termos financeiros ”, o que levou a que a equipa de atletismo faltasse aos campeonatos nacionais de ar livre. O melhor da época foi a continuação na primeira divisão nacional, na qual a secção se classificou no sétimo lugar em pista coberta. Quanto ao futuro, várias reticências se levantam, como declara Mário Ferreira: “não tenho nada definido para a próxima época, já pusemos em cima da mesa a possibilidade de desistir da competição e ficar só com os escalões de formação”.
Com uma nova direção, presidida por Carlos Gonçalves, a Secção de Basquetebol conseguiu o feito de atingir a final da taça em seniores masculinos, que acabou por perder. A nível feminino “foi campeã distrital em todos os escalões”. A formação conimbricense conseguiu ainda o terceiro lugar em masculinos no nacional de desporto universitário. Os objetivos passam pela aposta na formação, a subida de seniores femininos à primeira divisão, a construção de um plantel competitivo nos seniores masculinos e conseguir um pavilhão próprio. Como afirma o presidente, “a Académica é um gigante adormecido que só com muito trabalho, será possível de acordar.”
Com a temporada a chegar ao fim, o presidente, Ricardo Salgado, assegura que “todos os objetivos foram atingidos”. A secção garantiu a presença na fase final de todas as competições que disputou e alcançou a vitória no campeonato distrital de equipas. A habilidade dos jogadores levou também à conquista do quinto lugar nacional de snooker inglês de equipas e o terceiro lugar nacional individual, na mesma modalidade. A época mostrou-se favorável a uma das mais recentes secções da AAC, ainda que esta sofra de “graves dificuldades financeiras”, como ressalta o dirigente. Para o próximo ano, a conquista de um título nacional é o grande objetivo.
Badminton
Basebol
Boxe
Cultura Física
O melhor resultado de sempre
Secção reativada
Boas prestações
O badminton conseguiu alcançar um inédito terceiro lugar em equipas mistas no campeonato nacional. Além desse feito, Celso Baía, tesoureiro, enaltece outras conquistas como ”grandes resultados a nível nacional, em individuais e pares”. Destaque para o segundo lugar individual em seniores masculinos. Mas a grande prova está a ainda para chegar, os Europeus Universitários começam dia 13 deste mês. No entanto, as escolas de formação podem terminar antevê. “Podemos deixar de ter escolas, devido à falta de espaço para treinar”, lamenta o tesoureiro. Este foi o ponto mais negativo da época levando inclusive à perda de alguns treinos.
Depois de um ano sem atividade, o Basebol está de volta. Patrick Alves, novo presidente, afirma que há “grandes expetativas” com a tentativa de “reunir antigos e novos jogadores de forma a participar nos jogos da federação”. “Ainda temos de tratar algumas questões, para depois podermos competir como deve ser”, afirma o dirigente. A aposta inicial será no basebol (seniores masculinos e femininos) e no softball (juniores femininos).Com um historial vasto e com o regresso de alguns ex-jogadores, a esperança da secção em obter bons resultados na próxima época aumenta, contudo como diz Patrick Alves, “ainda é preciso muito trabalho”.
Grande preparação para o mundial
O desporto continua a ser uma parte integrante da vida académica coimbrã. Embora em tempos de crise e apesar das dificuldades, a Associação Académica de Coimbra (AAC), mantém um nível elevado e as conquistas acumulam-se. Um balanço da época. Por Emanuel Pereira, João Valadão e Miguel Patrão
A Secção de Boxe teve boas prestações nesta época. Na vertente de kickboxing, alcançou “bons resultados no campeonato de Portugal, com 14 medalhas”, afirma o treinador Paulo Nogueira. Também é importante referir a conquista do segundo lugar em equipas. Na modalidade de boxe não houve competição nacional. “Participámos em duas galas e ganhámos quatro medalhas”, explica. A Secção é composta por 90 por cento de atletas universitários, e as frequências de final de ano não permitiram uma maior participação nestes eventos. Mesmo assim foi uma “época muito positiva”, declara o técnico. Para o futuro fica também o seu desejo de “conseguir mais algumas tacinhas”.
A época da Secção de Cultura Física foi dominada pela preparação para o Mundial de Powerlifting que vai decorrer em Las Vegas, Estados Unidos de 6 a 11 de Novembro. O presidente, Eduardo Cabrita, afirma que, na preparação para este campeonato foi feito “um trabalho que permitiu verificar onde era preciso «afinar a máquina» ”. No mundial esperam-se boas classificações, sobretudo a nível da categoria de supino. A competição da secção só termina em dezembro. “A nível da representação nacional, está dentro das nossas expetativas, sobretudo a nível da academia de juniores ”, afirma o dirigente.
8 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
Desportos Motorizados
Desportos Náuticos
Halterofilismo
Judo
Maior divulgação
Vitórias além fronteiras
Feitos sucedem-se
Para além da participação nos campeonatos nacionais, a secção esteve envolvida em diversas atividades de divulgação. “O balanço é positivo, para além do número de pilotos ter aumentado, participámos em diversas exposições e encontros de demonstração”, afirma Cátia Morais, presidente da secção. A nível competitivo, saúda-se o segundo lugar obtido na categoria de quad cross. Com os campeonatos a decorrer, mais títulos são esperados. A lamentar, “ a falta de envolvimento da comunidade universitária”, declara. Para o futuro, a dirigente pretende que a secção “mantenha o nível” e continue a ser procurada “para participar em atividades”.
A comemorar o trigésimo aniversário, a Secção de Desportos Náuticos da AAC, teve um ano marcado por conquistas. Seis títulos nos escalões seniores e juniores, quatro nos escalões de remo jovem, a participação em três regatas internacionais, com dois primeiros lugares na regata Holland Becker, são os pontos de destaque. ”Apesar de a secção atravessar uma situação financeira muito complicada, houve investimento na manutenção do material desportivo”, declara Ricardo Reis, presidente. Eventos como o Open Day permitiram a promoção do remo junto da comunidade. A substituição do técnico principal e uma aposta mais forte nas camadas jovens permitirá melhores resultados futuros.
Rumo às competições internacionais O campeonato nacional de halterofilismo, realizado em Coimbra, deu à Académica dois novos campeões femininos, um campeão masculino e ainda dois vice-campeões. O presidente da secção, Bruno Almeida, afirma que a época se revelou “bastante positiva”. A temporada ficou também marcada pela aposta na modalidade de Powerlifting, onde a conquista do primeiro e segundo lugar no campeonato nacional assegurou a qualificação para o campeonato do mundo. Apesar de não enfrentarem grandes dificuldades, Bruno Almeida lamenta ser “difícil angariar novos atletas”. Os objetivos passam por manter o nível de qualidade e assegurar os campeonatos conquistados.
Depois das taças de Portugal em seniores masculinos e femininos, as conquistas do judo da Académica continuaram a aumentar. “Possivelmente, a melhor época de sempre” afirma Gonçalo Órfão, presidente da secção. O ponto alto da temporada ocorreu com a conquista do campeonato nacional de seniores femininos, sendo que os masculinos obtiveram o terceiro lugar, algo considerado “um feito histórico”. “ O top a nível nacional está aqui ”, enaltece o dirigente. Vários pódios individuais e camadas jovens muito promissoras são outros motivos de destaque. Continuar com os excelentes resultados e tentar colocar, pelo menos, um atleta nos Jogos de 2016 são as ambições.
Futebol
Ginástica
Karaté
Lutas Amadoras
Académica cumpre serviços mínimos
Acabar a temporada em grande
Camadas jovens brilham
Ano de recuperação
A equipa de seniores masculinos da Secção de Futebol da Académica terminou em oitavo lugar no campeonato distrital. Rui Pita, presidente da secção, explica que, nos seniores os objetivos foram alcançados até dezembro. “Estávamos em primeiro, mas a ponta final foi mais fraca”, relata. A taça distrital foi outro objetivo que escapou, assim como o campeonato nacional universitário. As camadas jovens não conquistaram qualquer título mas, como diz o dirigente, “tivemos bons resultados e para o ano esperamos melhorar”. Para a temporada que se avizinha Rui Pita sabe que vai ter um campeonato nos seniores complicado e difícil.
Com “vários campeões nacionais a época foi muitíssimo positiva ”, menciona João Castelo, tesoureiro da secção. Para além das conquistas, destaca-se a presença de atletas nas equipas nacionais e nas provas internacionais mais importantes. “Somos o único clube a colocar na seleção atletas nas três vertentes da ginástica”, enaltece o dirigente. A época termina com a realização do Eurogym, festival de demonstração que decorre em Coimbra, de 15 a 19 de julho, algo que espalhará a ginástica pela cidade. Preservar o nível de resultados e continuar a desenvolver o trabalho são as ambições para o futuro.
Foi um ano bastante produtivo para a Secção de Karaté da AAC. José Arlindo, presidente da secção, afirma que “foi bastante positivo sobretudo a nível das camadas mais jovens, até aos cadetes juniores pois obtivemos bons resultados a nível nacional, tanto nos campeonatos nacionais oficiais como nos particulares”. Outro destaque da época foi a participação no torneio da Queima das Fitas 2012. O dirigente espera que a próxima época “venha a ser melhor e que os jovens estejam mais bem preparados para obter melhores resultados ”. A um nível menos positivo o dirigente lamenta: “o pavilhão podia estar melhores condições ”.
A Secção de Lutas Amadoras não conseguiu revalidar nenhum título do ano precedente. Contudo o presidente Adilson Brito afirma que “um dos principais atletas, Francisco Rodrigues, estava lesionado e já começou a competir, tendo ido a algumas provas”. O dirigente deixa assim o repto para a próxima época, onde a principal pretensão é a reconquista dos troféus perdidos. A formação não é descurada, estando a secção “a tentar formar atletas”. Apesar de os atletas “ainda não estarem preparados”, Adilson Brito garante que “o futuro passará por aí”. O dirigente lamenta o facto de existirem poucas equipas na zona centro, o que dificulta a rodagem dos lutadores.
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 9
Natação
Patinagem
Taekwondo
Ténis
Vitórias com homenagem
Objetivos conseguidos e patinagem artística de volta
Bons resultados obtidos
Época a sério está prestes a começar
“Foi uma época muito boa em termos desportivos”, esclarece Miguel Abrantes, coordenador geral da secção. No polo aquático a briosa alcançou a subida à segunda divisão nacional em seniores masculinos. No triatlo, a Académica brilhou, sobretudo através de José Estrangeiro, que conquistou provas e o apuramento para o mundial. A nível da natação, a secção teve “uma época brilhante com 11 pódios individuais, títulos nacionais e atletas nas selecções ”, enaltece o dirigente. Todas estas conquistas são dedicadas a Jorge Costa, presidente falecido em abril. Miguel Abrantes lamenta o facto de a comunidade universitária não “querer nadar”.
Apesar das dificuldades financeiras, a secção conseguiu atingir as metas delineadas. João Rodrigues, presidente, assevera que, ”ao nível dos seniores masculinos, com uma equipa composta por novos elementos e treinador” a Académica conseguiu “manter-se na segunda divisão”. A nível feminino, as patinadoras de Coimbra melhoraram a classificação no nacional e disputaram a ´final four` da taça de Portugal. No desporto universitário, tanto em masculinos como em femininos a AAC alcançou o segundo lugar. Um ponto a salientar foi a reativação da patinagem artística. Na próxima temporada, o dirigente espera melhorar os resultados.
Pesca Desportiva
Radiomodelismo
“Ainda há muita água para pescar”
“A secção está bem e recomenda-se”
Enquanto a maioria das secções encerra a sua época, a Secção de Pesca Desportiva inicia a sua atividade. O começo foi agridoce, com “resultados individuais positivos”, embora “os coletivos nem tanto”, comenta o treinador, Belisário Borges. A secção, que de momento se encontra no nono lugar no campeonato, procura recuperar as posições de topo. No campeonato de veteranos, Belisário Borges alcançou o quarto lugar, qualificando-se para os nacionais. A taça, ainda longe, disputa-se no final do ano. Com poucas provas realizadas a nível individual e coletivo, torna-se prematura uma antevisão. Aliciar os estudantes para a modalidade é o grande desafio.
A Secção de Radiomodelismo destaca-se no campeonato europeu na modalidade de 1:8 TT, com Miguel Matias e Carlos Durães a terminarem em oitavo e décimo segundo lugar, respetivamente. O tesoureiro, Carlos Lobo, lembra que a nível nacional “ainda está tudo em aberto”, por ainda estarem a decorrer provas nas diversas modalidades. Dados os custos elevados da modalidade, as dificuldades passam pela aquisição de atletas. Contudo, segundo o tesoureiro, “o problema vai estar no dirigismo da próxima secção”, pois faltam pessoas jovens. Manter os títulos e “ver se há malta nova” são os objetivos, ressalta Carlos Lobo.
Rugby
Nas palavras de Ana Lopes, presidente da Secção de Taekwondo da AAC, “a equipa de competição teve ótimos resultados a nível nacional e nas provas internacionais em que participou ”. Um dos títulos que se salienta foi a conquista da taça distrital em seniores masculinos. A formação dos treinadores foi também um ponto relevante desta temporada e contribuiu para “ uma excelente época”, como explica a dirigente. “A nível económico está difícil, apesar de todo o apoio”, afirma Ana Lopes. Para o futuro esperam-se mais e melhores resultados continuando a aposta na formação dos técnicos.
A competição da Secção de Ténis da AAC começa verdadeiramente em julho e agosto. Eduardo Cabrita, presidente, refere a estadia da secção no campeonato nacional sub-16 e sub-14 em femininos, no escalão de sub-16” e tem “grandes expectativas de conquistar o primeiro lugar”. Um facto que constata é a obtenção de melhores desempenhos a nível feminino. Ainda assim, a AAC tem equipas masculinas presentes em três divisões. “Economicamente não está famoso”, mas o dirigente tem em mente a realização de provas inovadoras como um jogo de ténis em cadeiras de rodas, um jogo de pádel e ainda um torneio associado aos 125 anos da AAC.
Tiro com Arco
Voleibol
Faltam atletas universitários
Um ano plenamente concretizado
Análise
Conquistas marcam a época
As equipas da Secção de Rugby da AAC obtiveram desempenhos positivos nas competições em que participaram. Segundo o presidente, Jaime Carvalho, “a ‘final four’ foi atingida em todos os campeonatos”. Destacam-se ainda a vitória na Taça de Portugal em sub-21 e a presença na final sénior da Taça, em masculinos. Nos campeonatos universitários a Académica conquistou o campeonato nacional em seniores femininos. Jaime Carvalho salienta ainda “o aumento do número de atletas e a colocação de alguns deles nas seleções”, número que pretende aumentar na próxima época.
Nuno Lopes, coordenador geral do pelouro do desporto da AAC, afirma que “a nível geral foi uma época positiva, apesar de todas as dificuldades financeiras”. O dirigente deixa elogios às secções: “ todas se mostraram bastante dinâmicas, promoveram diferentes atividades desportivas e conquistaram títulos”. A nível do desporto universitário, saldam-se três títulos coletivos e dois vice campeonatos a juntar a diversos títulos individuais. ”A AAC tenta ajudar ao máximo todas as secções, mas não podemos ajudar em tudo o que pretendem pois tem que haver uma contenção”, relata. Manter o nível e se possível aumentar o número de títulos são os desejos.
Manuel Silva, presidente da Secção de Tiro com Arco da AAC, lamenta que “a adesão por parte dos estudantes universitários tenha estado aquém das expectativas”. A secção participou no campeonato organizado pela Federação de Arqueiros e Besteiros de Portugal, onde conquistou o primeiro lugar em equipas, bem como alguns prémios individuais. O ponto mais negativo foi “a falta de participação no campeonato de tiro de precisão”, confessa Manuel Silva. Quanto ao futuro, as aspirações passam por “continuar a treinar” uma vez que “tem chegado material novo e até algum pessoal”, salienta o dirigente.
Segundo Manuel Leal, vice-presidente da secção, “a época correu bem” e foram “atingidos todos os objetivos”. As equipas seniores, conseguiram a manutenção na segunda divisão nacional. Nos escalões de formação, duas equipas conseguiram ir à segunda fase do campeonato nacional. “ O maior feito da época foi a conquista do campeonato nacional universitário no sector masculino ”, destaca o dirigente. O equilíbrio financeiro conseguido contrasta com a dificuldade em arranjar atletas masculinos em idade jovem. Manter o nível, melhorar condições de treino e captar mais jovens são as ambições para a próxima temporada.
Xadrez AAC no pódio Apesar de Bruno Pais, presidente da Secção de Xadrez da AAC, salientar o “eterno problema de faltas de verbas”, afirma que “os objetivos da secção foram cumpridos ”.“ Em todas as divisões acabámos no pódio, ganhámos diversos torneios individuais e tivemos um vice-campeão nacional em sub-12 ”, esclarece. Para a próxima época, o dirigente aponta para a conquista do único título que falta, a Taça de Portugal.
10 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
Celas: é mas foi-se! O bairro de Celas foi um dos espaços de música alternativa na cidade. O espírito de comunidade juntava-se gerações em concertos peculiares. Por António Cardoso, Ana Duarte e João Gaspar
C
havalos, calças de ganga justas, com Doc Martens nos pés, uns com brincos, casacos de cabedal, uns de cabelinho com brilhantina, outros góticos. Cabia tudo no Centro de Trabalhadores de Celas. Concertos por 300 escudos, muito fumo, sala à pinha, há quem espreite pela janela, há quem vá fumar umas ganzas para os pátios detrás do centro, há quem beba tinto com os velhos do bairro. Durante pouco mais de três anos foi
mundo”, explica Luís Martins, antigo baterista dos DK Hard Jazz. José Mota, ex-vocalista dos Toomates Noise, também foi na onda: “foi aquela coisa da rebeldia. Mas depois acaba por ser um marco”. José Mota sobressaía na altura com a crista: “começa-se com um piercing, corta-se o cabelo, depois compram-se umas botas”. E lá em casa a relação com os pais tornava-se complicada. “Com as botas não me punham problemas, com tudo o resto
lhadores”, lembra Cláudia Abreu, frequentadora dos concertos. De Celas, passava-se para o States, e daí ainda se parava na Cave das Químicas, “onde já estava tudo a gregar”. Depois, ainda se esgueiravam às traseiras das padarias, para o belo do pequeno-almoço. “Procurou-se o sítio, não sei se aquele foi o primeiro”, afirma Francisco Correia, na altura dos Fetos Enlatados. Mas foi o que ficou. “Passou de 40 a 50 pessoas por lá para 150 e com um visual terrível”, conta Bráulio Alexandre, antigo membro dos Toomates Noise. Dum momento para o outro, Coimbra tinha um espaço alternativo para concertos – isto, num centro recreativo, com uma pequena sala onde se destacava um mural com uma imagem-postal de Coimbra, e um bar onde a malta mais velha jogava (e ainda joga) sueca e dominó.
“era uma guerra que se tinha em casa”. “Quando íamos a qualquer sítio pensavam logo ‘lá vêm estes que só causam problemas’, quando na realidade isso não acontecia”, afirma Luís Martins. O aparecimento de bandas de garagem foi repentino – especialmente no seio da José Falcão, com Mansons manhosas e combos de 20 watts. “Uma das grandes dificuldades era arranjar sítio para tocar. Mas ainda demos um concerto na José Falcão, com bandas que foram aparecendo”, diz André Leitão. “Foi assim que surgiu o Centro de Trabalhadores de Celas”. Carlos Dias, membro dos Subway Riders, conta que este sítio
“foi a necessidade de arranjarmos alguma coisa” onde pudessem tocar. Mas o ponto de partida foi nos Pirilampos – Centro Desportivo de Celas. Os Tédio Boys foram lá tocar, que antes, por falta de espaço, desenrascavam concertos ao lado do sítio onde ensaiavam. Também no centro desportivo tocaram os Foragidos da Placenta. Despertaram o interesse de Carlos Dias: “faziam um hardcore bem feito”. Já conhecia André Leitão, das suas idas à loja de música A Fuga, onde trabalhava, e sugeriu ser manager da banda. Aceitaram e começaram a procurar um espaço para tocar. Surgiu o bairro de Celas. “Os concertos eram nos sítios mais pobres e populares. O centro de trabalhadores de Celas era um lugar de gente humilde, e os Pirilampos era praticamente a mesma coisa”, explica Carlos Dias. Os Foragidos da Placenta deram lá um concerto em 93, sem muita gente, mas “as pessoas gostaram do espírito”, d i z
André Leitão. Chegou o verão, e o guitarrista dos Foragidos foi tra-
s ERa a l e C e d dores sim”. André Leitão, a h l a b a r o de t a s s i m . antigo guitarrista dos Foragidos “O centr“Íamos até à praça, ao Moçam- da Placenta, recorda que bique, mas depois batíamos todos p a r a s Dias o l r a C no centro de traba, ” e umild h e u s a r t n e g e d r a umas Doc Martens na altura g u um l
“Era uma festa um bocado particular”, Ávila
O punk em Coimbra Putos na José Falcão. O movimento punk surgia em força. Dead Kennedys, Ramones, Clash, X-Ray Spex trocavam-se em cassetes, rodavam-se fanzines e mandavam-se vir vídeos do estrangeiro. “A idade era propícia – achávamos que p o d í a m o s mudar o
balhar para Aveiro. Lá, conheceu os Inkisição, banda punk, e teve o primeiro contacto com as zines anarco-sindicalistas e metaleiras. Quando voltou para Coimbra, chegou a um ensaio da banda e sugeriu que se devia organizar um concerto e trazer bandas de fora. Sérgio Cardoso, que também era dos Foragidos, dá umas ideias a André Leitão e decidem criar uma promotora – a Arame Farpado para divulgar bandas de garagem. Decidido a andar com o projeto para a frente, vai até ao bairro de Celas e fala com a direção: “lembra-se de mim? Somos daquela malta que esteve aqui há uns meses a tocar, podem fazer um preço porreiro?”. Aceitaram e vie-
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
pedia a Sérgio para desenhar os cartazes, e o resto da malta ajudava a espalhá-los pela cidade até às 4 da manhã. “Depois arranjava meia dúzia de subsídios, das rádios que nos divulgavam, e um patrocínio de cinco contos dos meus pais para as fotocópias dos cartazes”. Com as zines que André tinha lido no verão, em Aveiro, começa a ter mais contactos e põe um anúncio numa zine a divulgar as promotoras. “Começaram a chover cassetes e demo tapes de tudo o que era banda”.
“Hav i
a pe
sso al
“Cinco litros que nem duravam cinco minutos”
Já José Mota, ex-vocalista dos Toomates Noise, recorda-se mais vivamente de momentos com “pessoal mais velho, alguns pais ou avós de malta da nossa idade”. “Acabávamos por ir para as traseiras do clube, a comer presunto e queijo e a beber um tinto deles. Esses até foram os melhores momentos – a aceitação da diferença”. Luciano, o bombo da banda das marchas do centro de Celas, 84 anos, lembra-se de dar ao pessoal que por lá passava um garrafão de vinho. “Cinco litros que nem duravam cinco minutos”. Em 95, os concertos em Celas começaram a acabar, com uma tentativa posterior de reativação, mas sem sucesso. E não há cá analogias de morcegos de “momentos que passam, saudades que ficam”. “Teve o seu
à de L Ideologiasparte,e divisões o Centro isbo a qu de Trawan balhanab e er dores de Celas é e e, c h am u relembrado eios será sempre ns caricade cpelos episódios por lá inismtos que acono”, T teceram. orp Francisco Correia edo recorda “o concerto dos X-
Saudações nazis e provocações “Era uma festa um bocado particular”. Nuno Ávila, frequentador assíduo dos concertos de Celas, descreve assim o que viveu. Victor Torpedo, ex-membro dos Tédio Boys, afirma mesmo que “era ótimo chegar lá ao final da tarde. Já não se veem hoje em dia concertos assim, com montes de pessoas na rua. E isso era fenomenal, era o espírito do Bairro de Celas”. Torpedo lembra-se bem de um dos concertos dos Inkisição onde “eram cinco minutos de paleio e um minuto de música” e a ideologia sobrepunha-se ao resto. “Falavam que os fascistas andavam atrás de nós, mas não havia fascistas, só fantasmas. Eu estava com o Carlos Dias, à frente, ele mete a mão para cima [saudação nazi], e eu sigo-o, como quem diz ‘vocês é que são os nazis’”, em jeito de provocação.
Conflitos ideológicos
ram os Inkisição tocar a Coimbra. “Metemos nessa noite umas 180 pessoas, não houve problemas, apanhou-se uma bebedeira, fumou-se uns charros e pronto. No outro dia, vim à praça e disseram-me que devia continuar”. A partir daí, começam a surgir os concertos com mais regularidade em Celas. Contratos verbais com estadia, transporte, alimentação e cervejas pagas. “Aquilo era tudo feito por amigos, alguém falava com a mãe para fazer uma panelada de comida, iam uns dormir a casa de outros. Sem grandes protagonismos, nem gente a ser tratada como estrela. Estávamonos todos nas tintas para isso”, conta Bráulio. André Leitão comprava a cola,
Francisco acha que foi o pessoal de fora, essencialmente de Lisboa, que “acabou por estragar tudo”. “Começaram a dividir as pessoas, vinham com ideias muito radicais. E aqui era mais festa do que propriamente a consciência, que existia, mas não daquela forma”, explica, lembrando que pela ideologia começou a haver “conflitos políticos”. “Havia pessoal de Lisboa que eram uns wannabe, cheios de cinismo, e isso começou a fartar, já nem era tão entusiasmante marcar ensaios”, confessa André Leitão. “A primeira parte do clube de Celas foi interessante, mas nos últimos concertos, aquilo já começou a tornar-se enfadonho, porque era pregar o sermão aos convertidos. Estava tudo cheio de palavras de lei – pensa assim, não faças isto, não podes comer carne... tornouse ridículo”, conta Torpedo.
Acto, uma banda straight-edge, que foi interrompido para aí umas 30 vezes porque eles eram contra a violência” e o pessoal andava ao moche. Lá desistiram de apelar à não violência, porque senão o concerto não acabava. Victor Torpedo, lembra de um concerto “muito importante” dos Tédio Boys. “Decidimos pôr uma rede à frente do palco, à americana, gastou-se não sei quanto dinheiro naquilo e depois, à primeira música, veio logo abaixo. Esse concerto foi uma balburdia do carago. Foi daqueles bons”. Cláudia fala de um episódio, em que “andava no meio do palco toda bêbada e desliguei a guitarra do Vitinho dos Tédio Boys”.
cabra | 11
tempo e o seu espaço”, reitera Luís Pinheiro, que filmou muitos dos concertos que por lá passaram, mas só das bandas nacionais: “nas estrangeiras pousava a câmara e ia curtir eu”. Hoje, o centro de Celas faz-se de uns jogos de sueca, assiste-se ao futebol e surgem “os praticantes do copo”, conta António Mendes, 95 anos, que por lá passa todos os dias. Uns prémios ganham pó nas prateleiras e na sala onde antes se davam os concertos, hoje estão umas mesas de ping-pong para os jantares da banda das marchas e no palco lá continua a imagem-postal de Coimbra, sem resquícios dos concertos a 300 paus.
12 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
douglas rabelo stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 13
stephanie sayuri paixão
avidadooutroladodorio M
ais do que o Portugal dos Pequenitos, os Mosteiros de Santa Clara e a Praça da Canção, o outro lado do rio também tem pessoas. Devido à proximidade com a Universidade, a maioria dos estudantes vive na margem direita e naturalmente permanece mais tempo deste lado. Muitos chegam a formar-se sem nunca ter conhecido bem a margem esquerda. Quando se pensa em Coimbra, uma das primeiras ideias que vem à mente é a clássica imagem da Torre da Universidade. Vista e fotografada perfeitamente da mar-
gem esquerda. Mas, na prática quando se chega a Coimbra, poucos são os que vão lá ver com os próprios olhos a imagem dos postais. Porém, há quem contrarie este padrão e passe muito mais tempo do outro lado. Ao explorálo um pouco mais é possível sentir facilmente a simplicidade e simpatia dos que lá vivem: crianças a brincar na rua, senhores e senhoras a conversar à porta das suas casas. Longe da agitação da margem direita, deste lado caminhase no silêncio e nos sons. O silencioso som das ruas tranquilas e iluminadas. Stephanie Sayuri Paixão
@
Fotorreportagem completa em
acabra.net
stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
stephanie sayuri paixão
14 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
Perfil
A voz que a Igreja não cala Anselmo Borges é um eclesiástico também já chamado de anti-padre. O pensamento moderno que incomoda a Igreja, projeta-o como uma figura polémica das televisões e jornais. Um homem reservado que procura na religião e em Deus a resposta às suas dúvidas. Por Filipe Furtado e Maria Garrido
“E
le não tem propriamente feitio de monge”, troça Marinho Borges do irmão que sai para almoçar, jantar e beber uns copos fora do seminário. Marinho fala de um homem que aproveita os momentos que lhe oferecem acreditando que as pessoas foram feitas para viver com alegria a própria vida. “Foi nascido” em 1944, segundo o que lhe disseram, em Resende. Anselmo Borges, teólogo, padre e filósofo, foi criado no seio de uma família cristã em tempos que eram outros. O facto de ter um irmão mais velho também padre, diz, não teve influência na escolha que fez: “fiz-me padre para anunciar a boa-nova de Jesus dando sentido à existência dos homens e das mulheres aqui e para lá da morte”.
Refletir sobre a fé Enveredar pelo caminho da fé foi a resposta encontrada às questões fundamentais que o habitavam: o que é o homem? Qual o fundamento de tudo? Qual o sentido último da existência? Interrogações às quais, acredita, as ciências exatas não dão resposta. Respostas, essas, que residem antes na teologia, na filosofia e no compromisso com Deus. Padre Nuno Santos, atual diretor do Instituto Justiça e Paz de Coimbra, conheceu Anselmo ainda nos tempos de estudante. Isto há cerca de 13 ou 14 anos, a propósito de um convite para falar da morte. A forma como se relaciona com Deus é entendida pelo Padre Nuno como uma missão intelectual. Pensar Deus, torná-lo pensável e dialogável e ajudar um conjunto de meios e contexto a refletir sobre as suas perguntas, é a forma como Anselmo Borges encara a sua missão. Padre Nuno define o colega como um “buscador de Deus que nos faz perguntas sobre Ele, para nos ajudar no caminho.” Anselmo Borges é conhecido dos jornais e das televisões onde assume a posição pela qual é polémico contra alguns dos princípios da Igreja. Ao defender abertamente o uso do preservativo, ao encarar o debate sobre
a eutanásia sem tabus e a apoiando a despenalização do aborto, aquando do referendo de 2007, Anselmo facilmente ganhou as críticas da Instituição, cada vez mais, política no sentido da hierarquia. “Nós não acreditamos no Vaticano, não acreditamos no Papa, não acreditamos nos bispos, nos padres. Nós acreditamos em Deus, no Deus de Jesus que é bom, que é força de libertação”, explica. A Igreja já o tentou calar, mas a sua posição assumidamente consequente não deixou que qualquer superior lhe baixasse a voz. Por volta de 1970, um bispo acusou-o ao diretor, da instituição onde lecionava, de dizer heresias e que por isso deveria ser afastado. No entanto, esse diretor, um homem que respeitava, disse ao bispo: “primeiro o senhor vai escrever as heresias que ele disse, a seguir vamos ver se efetivamente são heresias e, então depois, agiremos em consequência”. Se não fosse padre, o Direito seria a área do saber pela qual teria optado, por ter a ver com o contacto com as pessoas. Não é por acaso que escolheu também ser professor. Profissão ou vocação? Tudo depende daquilo que se entender por uma profissão, diz. Se se pensar em profissão, professor, profissional, tudo isso vem do latim de profiteri que significa ‘ter uma mensagem para entregar’. “Nesse sentido sim, ser Padre é uma profissão”, aclara. No entanto, no sentido vulgar, ser padre não é propriamente uma profissão: “para se ser padre tem de se ter uma base, uma vocação, um apelo profundo e uma resposta”, explica Anselmo.
O jovem Anselmo Ainda gaiato, o filósofo já dava mostras do seu espírito crítico e justo. O irmão conta uma história da qual o próprio Anselmo se recorda. Uma das primeiras lembranças da infância. “Uma vez caiu uma colher ao chão e o meu pai mandou-o apanhála. Ele disse que não apanhava, porque não tinha sido ele o culpado. O meu pai agarrou nele e, mesmo assim, não conseguiu que ele apa-
nhasse a colher e a pusesse em cima da mesa”, conta Marinho. “Não tinha sido eu quem a tinha deitado ao chão, mas o meu pai imaginou que sim”, recorda Anselmo. O padre lembra-se de reivindicar, da teimosia ou da autonomia e também de alguma justiça. Lembra-se, mais tarde, que uma vida exclusivamente a obedecer seria uma vida que não era interessante. “Sempre tive a ideia de que devíamos ser nós autónomos e iniciadores de algo de novo no mundo”. Ivo é um dos sobrinhos de Anselmo. Estudante, em Coimbra, partilhou conhecimentos com o tio, sentado num dos grandes auditórios da Faculdade, do lado da audiência. A ideia de frequentar as suas aulas era uma forma de tentar entender como este seria a lecionar. No entanto, a relação de sanguinidade ficou em segredo. “No início ninguém sabia, ele nem falava comigo durante as aulas”, diz Ivo. E desengane-se quem possa pensar que a relação o poderia favorecer de alguma forma. “Se há alguma coisa que eu fui, foi desfavorecido”, brinca. Entre os alunos, era conhecido
como o “anti-padre”, uma denominação curiosa. “Ele falava muito contra os padres e por isso ninguém fazia ideia de que ele próprio seria padre, porque lá na ficha aparece como Doutor não sei quê”, conta o sobrinho. O tio, diz Ivo, é reservado. Anselmo e os irmãos foram criados segundo uma educação diferente, o que faz com que o padre e o professor não exteriorize diretamente os seus sentimentos. Por vezes, escreve livros que dedica aos sobrinhos. Ivo só sabe quando o volume chega à caixa do correio. Pode ler um qualquer texto de Ivo mas expressa a sua apreciação ao irmão, pai do sobrinho: “sei que ele está atento, que gosta do que faço e que tem orgulho mas não é uma pessoa que me ligue a dizer”, explica Ivo Borges.
Conhecer além de reconhecer Apesar do lado provocador e muito crítico dos seus comentários publicados nos jornais, para conhecermos melhor Anselmo Borges “temos que o ler nos livros”, destaca Nuno San-
Pensar Deus, torná-lo pensável e dialogável, é a forma como Anselmo Borges encara a sua missão
tos. Nas palavras do Padre Nuno, o padre Anselmo é um teólogo, logo não é a única, nem a última voz da Igreja: “os teólogos não são a voz final, os teólogos são os buscadores que vão à frente a abrir caminho, as pessoas que vão a rasgar ideias e a ver as possibilidades”. As melhores recordações do padre, diz, têm a ver com a experiência da beleza e a música que é o divino do mundo. “Um pôr-do-sol sobre o mar, na praia, uma porta em pé do resto da casa. Tive ali um arrebatamento, tudo me pareceu perfeito. Já não havia sujeito e objeto, tudo estava no seu lugar e a eternidade tocou o tempo.” Nuno Santos cita o teólogo Rui Ambrósio na melhor forma que encontra para resumir Anselmo: “eu sinto-me cá dentro, a empurrar as margens, para que as margens fiquem maiores, para que haja mais gente dentro ”. “Acho que é essa a posição do Anselmo. Alguém que está dentro e que ama a Igreja e que também ama a Teologia e o pensamento. Procurou toda a vida com liberdade e integridade ir alargando as margens”.
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 15
~ ´ A industria sem chAO Desolação e angústia são os sentimentos dominantes daqueles que, em tempos, fizeram parte das grandes indústrias a laborar em Coimbra, assombradas agora de vazio. Uma afeição ganha ao longo de anos de dedicação e a incerteza de quem, lançado no desemprego, se sente sem chão nem amparo. Por Inês Amado da Silva
Inês sIlva
16 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
carlota rebelo
carlota rebelo
J
inês balreira
osé Pena mostra-nos a pastinha em que guarda alguns documentos – um contrato antigo, entre eles. Uma folha azul gasta e redigida a máquina de escrever. Ao exibi-la, percebe-se que essa folha velha, com traços de grafia antiga, encerra um significado maior. É o seu primeiro contrato de trabalho, datado de 1981. O contratado tem 16 anos, diz a folha, e fez a quarta classe. Marcava o início de um conjunto de memórias de 27 anos passados na Ceres – Cerâmicas Reunidas SA, que José Pena guarda tão bem quanto a pasta dos documentos. Mas recorda ambos com tristeza. Na mesma secção que José trabalhava Joaquina, a prensadora, enquanto ele lidava com o forno. Das tantas noites de trabalho não esquece também as horas a mais, que fazia quando era preciso, e nem sempre eram pagas. “Não faltava trabalho, até para Angola”, conta, perplexo. “Gostei muito [de trabalhar na Ceres]” é, no entanto, a afirmação que permanece, apesar de todo o sacrifício. O desalento vem depois. Já não vive em Torre de Vilela, onde morou nos anos de trabalho na fábrica. Sabe de cor o dia em que cessou contrato: 17 de dezembro de 2006, ano em que a fábrica de cerâmicas sucumbe.
Sente “falta de ir ter com os colegas” da fábrica, e seis anos já correram desde o encerramento. José Pena tem agora 47 anos, o cabelo grisalho acusa-o. Foi sacudido para o desemprego durante os dois anos que se seguiram, e tudo o que consegue desde aí resume-se a parcos recibos verdes e trabalho temporário. Cai novamente no desemprego. Reside agora numa terra diferente, subsistiu sem qualquer apoio de familiares ou amigos. No sentido Coimbra-Aveiro, quem viajar de comboio poderá admirar parte da grande fachada da Ceres, ou do que dela resta. A paisagem é decadente: o letreiro mantém-se, moribundo, e as plantas selvagens engolem, pouco a pouco, o esqueleto que sobra de tempos áureos. Mas os tempos são outros, e o declínio das indústrias conimbricenses projetou perto de dois mil trabalhadores para o desemprego entre 2000 e 2010, segundo dados do memorando da CGTP de Coimbra, em novembro de 2011. Não sabemos se se conheciam, mas Joana Cabido, residente na Lousã, trabalhou na mesma fábrica. Tal como José, sabe o dia do início e do fim da sua estada – e os anos, que foram 24. “Nunca na minha vida pensei em sair da Ceres sem ser reformada”, repe-
Dominó para a insolvência As paisagens são largas em cada uma destas fábricas – paisagens de largo abandono. A ferrugem cobre os esqueletos metálicos, os estilhaços desdobram-se debaixo dos pés. Os pequenos barulhos dos pombos, único sinal de movimento, assustam como fantasmas. Ceres; Cerâmicas Estaco; fábrica têxtil Ideal; Triunfo e Triunfo Rações; Real Cerâmica e Poceram: um rol de nomes que é, na verdade, muito mais extenso que esta enumeração, um dominó que foi empurrando uma por uma para a insolvência. Fábricas que antes fizeram o florescimento da cidade e que desenham agora uma linha de vazios na sua cintura industrial. O declínio destas grandes referências afigura-se um ato contínuo desde os anos 80, começado muito antes do encer-
ramento da Ceres, e talvez queira dizer muito mais do que aquilo que aparenta. A sul de Coimbra, ao longo da Estrada Nacional Nº1, vai-se constituindo a zona industrial de Antanhol, outra das frações da cintura industrial da cidade. A última fábrica desta sucessão é a Poceram, nome exibido ainda bem visivelmente pelo seu grande letreiro azul, por cima de um segmento espelhado da fachada. Otília Veiga, 44 anos, passou 23 na fábrica que se dedicava exclusivamente à produção de mosaico e azulejo, e pertenceu aos cerca de 150 trabalhadores mandados para a rua. Parada desde abril de 2009, a unidade atravessou um processo de liquidação arrastado por mais de um ano. “Disseram-nos que era por causa das encomendas, mas nós sabíamos que era mau, que estavam a mentir”, afirma Otília Veiga, garantindo que a fábrica tinha “muito trabalho, até para o estrangeiro. Deixámos lá muito material quase pronto”. A Poceram, tal como a Ceres, foi um império de família, construído de raiz e descuidado pelas gerações posteriores. Otília aponta a má gestão dos sucessores de Marques de Almeida, o fundador, como a razão fulcral da falência. Do que sente mais falta, porém, é das relações que por lá criou. “Agora até já está a passar, mas ao
! INDUSTRIA
tindo o “nunca” seis vezes. Nas viagens de comboio até ao trabalho encontrou amizades e alguma ajuda para descobrir emprego, que não encontrou desde o encerramento da fábrica. “Têm-me ajudado com muita coisa. Que eu nos primeiros dias [depois do encerramento] quase que nem me levantava da cama. Chorava, chorava…”. São rostos perplexos, os destes trabalhadores, perante a ruína daquelas que foram também as suas empresas.
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
início custou-nos muito: era uma coisa boa, porque ao fim do dia gostávamos do que estávamos a fazer”. “23 anos não é nenhuma brincadeira”, lembra: “ainda agora me custa passar e olhar para lá”.
“Foi tudo ao Deus dará” Teoriza-se, no mundo do trabalho, que os 45 anos definem a linha em que a entrada do trabalhador no mercado começa a enfrentar sérias dificuldades. António Acácio e a esposa representam o paradigma de velhos de mais para ingressar no mercado, e novos de mais para a reforma. Tal leva, muitas vezes, a um pedido de reforma antecipada, num padrão verificado em trabalhadores com nível baixo de qualificações e que dedicaram grande parte da vida a determinado emprego. António Acácio, 54 anos, trabalhou desde 1973 na Ceres, até ao seu encerramento. Também a esposa trabalhava na mesma fábrica. Hoje, António está reformado por invalidez, não tendo encontrado outro emprego. A esposa pediu a reforma antecipada. Precisaram até da ajuda dos filhos, já casados. De nada lhes valeu a experiência acumulada de tantos anos. De nada valeram também as tentativas de reabilitar estas indústrias – caso da Ceres, reaberta em maio de 2009 e re-encerrada logo em 2010. A todos há um
cabra | 17
fator comum: salários em atraso e indemnizações por receber. Apesar dos recheios já vendidos, os trabalhadores de ambas as fábricas continuam na espera de receber os dividendos a que têm direito. José Pena recebeu, pela última vez, 1500 euros, em 2007, esfumados no pagamento de dívidas acumuladas. Mas volta ao passado com nostalgia, recordando sempre uma empresa “que era muito boa, como ainda hoje não há nenhuma em Coimbra”. A perplexidade volta ao seu rosto: “foi tudo ao Deus dará”. Num modelo industrial que se afunda cada vez mais, o terreno não é fértil para a indústria em Coimbra. Aquilo que antes era terreno firme faz agora crescer a imundície que devora as armações dos edifícios. O seu chão já não os sustenta. Na Poceram “até já roubam as janelas”, lamenta Otília Veiga. Há pigmentos coloridos virados e espalhados pelo chão, contrastando com a decadência sépia envolvente. Mas “o chão já não era deles [proprietários], já tinham até vendido o terreno”, conta Otília. “É ver que está tudo a acabar aqui na nossa zona, o que é triste”. Porque não há chão que sustente tamanha ausência. Nele, apenas se mantêm de pé grandes carcaças vazias daquela que já foi a grande indústria de Coimbra. Com Camilo Soldado
carlota rebelo
“Nunca na minha vida pensei em sair da Ceres sem ser reformada”, repetindo o “nunca” seis vezes - Joana Cabido
18 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
inĂŞs balreira
carlota rebelo
carlota rebelo
inĂŞs silva
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 19
Casa por companhia São gerações diferentes, com estilos, hábitos, experiências e perspetivas de vida díspares, mas entrelaçam-se num espírito de ajuda mútua. Os estudantes ganham casa, os idosos ganham companhia. Eis o projeto “Lado a Lado”. Por João Gaspar
“H
á muito mais a ganhar do que a perder”, diz Teresa Sousa, técnica superior de serviço social do Centro de Acolhimento João Paulo II, sobre o projecto “Lado a Lado”, lançado em 2009 pela Associação Académica de Coimbra (AAC), em parecia com o centro. De um lado, a casa fica menos vazia, ajudase na toma dos remédios, numa ida ao centro de saúde, ou até numa fonte de conselhos. Do outro, oferece-se residência, mas também dois dedos de conversa e experiência de vida. Apesar do projeto contar já com três anos, ainda só teve nove estudantes envolvidos. “Já tivemos o feedback dos estudantes que participaram e só ouvimos coisas boas”, conta a coordenadora do pelouro de Ação Social da direção-geral da AAC (DG/AAC), Rita Andrade.
Silêncio quebrado Exemplo disso é Ana Filipa Miranda, de 25 anos, finalista de Direito, que se virou para o projeto “Lado a Lado” quando perdeu a sua estadia numa residência universitária. Em perigo de abandonar o ensino superior por não poder pagar um quarto, foi a casa de dona Rosinha, na rua do Brasil, que lhe deu a possibilidade de
continuar a estudar. Rosinha, senhora de 83 anos, baixa e de cabelo curto, amável, recebeu-a há dois anos atrás, através do projeto. O início, a medo, custou um pouco. Foram duas semanas de alguns silêncios e timidez de parte a parte. “Ia com o receio de que não desse certo”, confessa. Contudo, Rosinha pô-la à vontade, e passadas duas semanas, a estudante de Direito já se sentia em casa. “Contava-me as histórias dela de quando era mais nova, dos seus namorados, e eu contava as minhas, fartávamonos de rir as duas”, recorda. Rosinha passou a ser a família de Ana Filipa em Coimbra, mas também sua amiga. “Quando estava indecisa em determinados pormenores da minha vida, pedia-lhe conselhos e muitas vezes fez-me olhar para outros lados”. Ana Filipa lembra-se que um dia chegou a casa e Rosinha não estava lá. Apenas um bilhete a dizer que
Ana Filipa Miranda admite que preferia a companhia de Rosinha à residência universitária
tinha tido um problema na perna e que estaria nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). “Fiquei tão aflita que fui a pé de casa, na Rua do Brasil, até aos HUC, e depois esperei que ela tivesse alta para a trazer para a casa. Foi um dos episódios em que reparei que também eu era útil para a Rosinha e não só ela para mim”. Contudo, o problema na perna complicou-se e Rosinha teve que ir para um lar de idosos. “A primeira vez que a fui lá visitar foi muito triste – chorámos as duas. De certeza que gostava mais de morar comigo do que no lar”, afirma Ana Filipa Miranda, que admite que preferia também a companhia da Rosinha à residência universitária, onde voltou agora, depois de ter estado na casa de outra senhora através do projeto “Lado a Lado”.
O “mandado” Também Júlio de Santos participou no projeto, mas de forma excecional. Em vez de lhe ser facultada residência, pagaram-lhe as propinas na troca da sua ajuda a Maria de Lurdes, já falecida. “Acompanhava-a a atividades que tinha, comprava-lhe medicamentos, levava-a ao hospital ou ao centro de saúde, ou ia ter com ela só para conversar”, explica Júlio, estudante de Direito proveniente de Guiné-Bissau. “A vida vai-te correr bem”, dizia Maria de Lurdes a Júlio, no meio de lamentos que lançava de quando em vez. Quando Júlio levava umas amigas até à casa de Maria de Lurdes, a senhora não evitava lançar alguns pareceres de gente com experiência: “aquela deve ser boa para ti”,
dizia-lhe. Júlio aborda esta experiência no projeto de uma forma muito natural: “se há idosos que não têm família, ou que a família não tem disponibilidade, porque não arranjar um tempo de passeio com eles?”. Lembra-se que o que cá é institucionalizado, na Guiné-Bissau é uma questão cultural. “Na Guiné há o mandado, que é uma pessoa que faz recados aos mais velhos. Sente-se orgulho em ajudar os vizinhos ou uma senhora que precisa de companhia. É a nossa segurança social”, explica. “A ajuda que dás às pessoas vai levar a que alguém te vá ajudar depois”, afirma Júlio, convicto. Venisa de Pina, 18 anos, estudante de Engenharia do Ambiente, também compreende Júlio, visto que vem de Cabo Verde, onde ajudar os mais velhos é também tradição. Inscreveuse há dois meses no projeto e, em princípio, para o ano, estará completamente integrada. “É difícil pagar a estadia, e esta iniciativa vem ajudar”.
Aposta na divulgação Teresa Sousa considera que a fraca participação pode residir na falta de conhecimento do projeto: “para além de ajudar alguém que está sozinho, há o fator económico. E, em tempos
As idosas “entendem, sabem que há festas e que eles são jovens. Há compreensão” de crise, pergunto-me, onde é que estão os que passam tão mal?”. Quanto a barreiras geracionais, Teresa pondera que os estudantes possam ter medo que lhes seja cortada a liberdade, mas avisa que isso não acontece. “Elas entendem, sabem que é Coimbra, que há festas, que eles são jovens. Há compreensão nesse sentido, apenas querem ter alguém com quem conversar, que esteja alerta em situações de doença e
de apoio em pequenas atividades”. A coordenadora do pelouro de Ação Social da DG/AAC coloca o grande entrave deste projeto na “má divulgação”. “Embora a AAC tenha usado mais meios ultimamente, com mandatos de um ano, não chega a haver estabilização – quanto estamos mais à vontade com a iniciativa, estamos quase a dizer adeus”. Contudo, Rita Andrade avança que no início do próximo ano letivo, a DG/AAC vai apostar numa forte divulgação, acreditando que tal vá “aumentar o número de participantes”. Neste momento, quando há seis idosas em lista de espera, só uma pessoa é que está a participar - Margarida Leão, estudante a tirar especialização em Pedopsiquiatria em Coimbra, mas a morar no Porto. Quando teve conhecimento do projeto, interessou-se imediatamente, visto que faz muitas viagens entre Porto e Coimbra. Fernanda Antão estava disponível e, duas vezes por semana, fica em casa dela, desde 16 de abril deste ano. “Adaptámo-nos um bocado uma à outra. Depois do trabalho, é bom chegar aqui e ter alguém com quem falar”, diz Margarida. Ouve com atenção as histórias de Fernanda Antão, que, segundo Margarida, “basta-se a si própria”. Falam das notícias que aparecem no Diário de Coimbra, da juventude, do que surgir. Fernanda ficou logo rendida à jovem médica, quando esta calçou umas galochas e ajudou no seu jardim e quintal, quintal esse que, dantes, com as limitações físicas de Fernanda, estava um pouco descuidado. “É complicado encontrar uma menina da idade dela que faça dessas coisas. Houve logo empatia”, conta Fernanda. “Ao final do dia, quando chega aquela hora, já sinto que venho para ter este bocadinho de conversa e a dona Fernanda já está à espera”, explica Margarida, que já considera Fernanda a sua “avó adotiva” – “é uma relação que já se estende para lá do projeto”. Uma começa a frase, a outra completa-a, e sorriem entre elas, lado a lado, nas escadas da casa da dona Fernanda.
20 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
CinEma
aRteS
oPeRaÇÃo SKyfall
aqui jaz James bond?
Woody allen, uM docuMentÁRio
T
empos houve em que James Bond era um homem com classe. Do excelso sibilar de Sean Connery, ao charme intemporal de Roger Moore, passando pela fleuma de CoM Pierce Brosnan. Momentos que passam, bondgirls RobeRt PattinSon que ficam, aos magotes aos pés do espião britânico, Paul giaMatti incapazes de resistir ao compêndio de raros atribuSaRah gadon tos e qualidades de Bond, James Bond.O ano de 2006 marca o fim de James como o conhecemos. As luzes acendem-se e não mostram mais do que um corpo esculpido que balbucia com dificuldade meia dúzia de frases. Ao ponto de não estranharmos se um dia se der a substituição do etéreo shaken, not stirred por um hasta la vista, baby. Poder-se-á argumentar que Bond é Bond. Quiçá se trate de uma daquelas questiúnculas envolvendo meros gostos que são pessoais e, como tal, diz-se, indiscutíveis. Contudo, quem não apreciar a encarnação protagonizada por Craig pode tomar consolo no facto de não estar sozinho (danielcraigisnotbond.com). Es te verão teremos nova aparição de James, desta feita envolvido na Operação Skyfall, onde terá de salvar não só o mundo, como o próprio MI6 que se vê a braços com uma eminente ameaça. No campo da realização, uma estreia no mundo do 007, com Sam Mendes (Beleza Americana, Máquina Zero) a apontar para uma quase impossível tarefa: impedir Sir Ian Flemming de continuar a dar voltas na tumba. fábio roDriguez De david cRonenbeRg
s
De RobeRt b. Weide
um génio desmistificado
“M
uito do que se tem dito sobre mim ao longo dos anos tem sido completamente mitológico, exaCoM gerado… ou completamente ScaRlet JohanSSon, mentira”. Depois de 50 anos de carreira e cerca de oWen WilSon 70 filmes, o peculiar Woody Allen aparece num reMaRtin ScoRSeSe trato único. “Wody Allen, Um Documentário” é o resultado de seis entrevistas ao cineasta sob a direção de Robert B. Weide. Inigualável, estupendo, idiota, adolescente, hipocondríaco, maluco, coração de manteiga. São algumas das caraterísticas mais curiosas apontadas por algumas personalidades do mundo cinematográfico que convivem de perto com o génio. Até que ponto a imagem cómica de Woody corresponde à sua personalidade complexa e invulgar? Ao mergulhar na intrincada carreira do cineasta, Robert B. Weide tenta encontrar uma resposta a este paradoxo. Para os eternos seguidores deste génio, eis que chegou a oportunidade para distinguirem os mitos que se têm dito sobre Allen. Para os que não nutrem muita simpatia por este dinossauro, esta é também uma boa hipótese para descodificarem a lenda. Com a promessa de ser um retrato fiel da vida de Woody, este documentário apresenta, no entanto, algumas falhas ao evitar episódios mais polémicos, como a não referência à relação com Mia Farrow, antiga musa e companheira. AnA MorAis
outras sugestões the daRK Knight RiSeS
oSlo, 31. auguSt
la PRinceSSe de MontPenSieR
De chRiStoPheR nolan
De beRtRand taveRnieR
De JoachiM tRieR
CoM chRiStian bale, liaM neeSon, anne hathaWay
CoM Mélanie thieRRy, laMbeRt WilSon, gRégoiRe lePRince-Ringue
CoM andeRS danielSen lie, hanS olav bRenneR, ingRid olava
VER coMPRÁMoS uM Zoo! reAlizADor caMeRon cRoWe CoM Matt daMon ScaRlett JohanSSon 2012
Para uma tarde de sofá
oS JogoS da foMe
C
ameron Crowe, realizador do aclamado Elizabethtown, serve-nos agora uma comédia dramática familiar. O elenco destaca-se pela presença de estrelas de Hollywood - Matt Damon e Scarlett Johansson partilham o ecrã num filme para uma boa tarde de domingo. Um homem tenta recuperar um antigo jardim zoológico, mas o sonho tem como obstáculo a doença da mulher e árdua tarefa de educar os filhos. O filme mostra-nos outra faceta de Matt Damon, que interpreta o papel de um pai viúvo. Uma película que até se saiu bem nas críticas é um trabalho que cruza sonhos e emoções. O realizador prende-se agora com duas hipóteses: ou se dá bem na produção deste tipo de filmes tão apreciados pelo público norteamericano, ou subverte-se às tendências comerciais da sétima arte e perde-se, não só economicamente mas na sua essência. A obra não se espera grande, mas com um elenco que até pode dar frutos e um bom argumento, Cameron Crowe tem a oportunidade para se destacar como um importante realizador. Ainda sobre o elenco, ficam os fãs de Scarlett à espera do ressuscitar de um ídolo, que ultimamente se tem mostrado apagado. João vAlADão
reAlizADor gaRy RoSS CoM JennifeR laWRence JoSh hutcheRSon lAnçAMento 18 de agoSto
Migalhas que não alimentam ninguém
D
epois de uma passagem pelas salas de cinema apimentada mais pelas acusações de plágio do que pelo valor artístico, “Os Jogos da Fome” chegam em DVD. Os aficionados da saga podem juntar o filme ao livro de Suzanne Collins. Num futuro pós-apocalíptico o Estado totalitário de Panem força os seus jovens a participar num jogo de sobrevivência transmitido em horário nobre. Os “tributos” são sorteados para representarem o seu distrito numa competição em que a derrota significa a morte. A primeira reacção à estreia de “Os Jogos da Fome” foi a de comparar com o filme de Kinji Fukasaku “Battle Royale”. Num Japão onde os jovens, depois de terem perdido todo o respeito pela tradição e costumes nipónicos, são enviados para uma ilha onde têm que lutar até à morte. Deixo à consideração do leitor a procura pelas diferenças. Polémicas à parte, mesmo deixando de lado as gritantes semelhanças, “Os Jogos da Fome” aparece como um exercício forçado de imaginação, com pouco rasgo e que em nada deve à profundidade de outras distopias. De louvar, apenas a estética impressa por Gary Ross na caracterização das cerimónias dos jogos, bastante inspirada nos rituais dos Estados totalitários, mas pautada com a inovação tecnológica do “futuro”. João ribeiro
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 21
feitaS OUViR
“espaço às emoções”
leS étudeS De lang lang eDitorA Sony MuSic lAnçAMento outono 2012
LER
N
a grande competição do disco, ter a ousadia de editar Les études de Chopin é actualmente arriscado, mas nem as inúmeras interpretações assustam o pianista chinês Lang Lang. Depois de o ouvirmos, em 2009, com a Polonaise No. 6 in A flat major, Op. 53 'Héroïque' ou ainda Étude Op. 25 No. 1 in A flat major 'Aeolian Harp' não restam dúvidas de que poderíamos ter previsto este próximo trabalho. Onde as facilidades técnicas continuarão a ser evidentes através da mão esquerda, sempre presente, com dramatismo e expressão. O pianista chinês deixou de usar o rótulo Deutsche Grammophon em 2010 e passou a assinar com a Sony Music com Live in Vienna e é com esse carimbo que iremos conhecer Les études de Frederic Chopin. Esperemos que continue a partilha de sensibilidade e dinâmicas com a mesma intensidade que nos abre progressivamente espaço às emoções. lígiA AnJos
N
a verdade, o disco deste Verão chegará em Outubro. A banda australiana, liderada por Kevin Parker, levou-nos de volta ao fim dos anos 60, e devolveu-nos um pouco de rock psicadélico, num mundo cada vez mais electrónico. Desde 2010, os Tame Impala têm percorrido todo o mundo em tour, colaboraram com os Flaming Lips e remisturaram os Daft Punk. Do segundo disco, Lonerism, já se conhece uma faixa, e espera-se mais um single para meados de Agosto. Como no primeiro registo, o álbum foi escrito pelo vocalista no seu quarto em Perth e trabalhado depois pelo resto da banda. Espera-se um disco que soará a Verão, para não nos esquecermos dele durante o Inverno. luís luzio
“escuta obrigatória”
Son of yvonne De Ma dooM eDitorA fat beat RecoRdS
A
loneRiSM De taMe iMPala eDitorA ModulaR RecoRdS
É
“outeiro”
outeiRo De luíS vicente tRio eDitorA Jaac RecoRdS
O
romance A conquista do Sertão promete enaltecer a peculiar beleza das terras africanas. Contudo, o seu enredo parece assumir contornos idênticos a todos os romances que tomam Angola como De guilheRMe ayala MonteiRo palco. Pedro Costa é um jovem abastado que se despede da cidade de Lisboa, com o fim de deixar a vida boémia que o eDitorA iludiu, e toma como destino Angola. Aqui as facilidades cicaSa daS letRaS tadinas estão ausentes, mas é isso que permite enrijecer o espírito do jovem, que trilhará pelo agreste sertão africano DAtA De lAnçAMento e testemunhará acontecimentos históricos à luz do encanto 10 de Julho africano. Torna-se num verdadeiro homem e define os seus objetivos de vida. Apesar das adversidades, demonstra uma perseverança digna de qualquer figura romanesca. O sonho de deter uma fazenda de cultivo de algodão e café só se realiza no final da vida de Pedro e, ironicamente, é depois da sua morte que esta prospera. A obra poderá ter sido inspirada pela paixão que o autor desenvolveu por África, durante a sua estadia em Joanesburgo como cônsul. O enredo aparenta pouca originalidade, pelo que esperamos que a escrita de um autor que passou pelos caminhos do jornalismo seja capaz de tornar a obra mais apelativa. niCole ináCio a conQuiSta do SeRtÃo
a fronteira de urbano
U
rbano Tavares Rodrigues não quer desvirtuar o seu trabalho. Nesta compilação de duas novelas, permanece dentro do âmbito literário e do espectro dos espaços e elementos a que nos habituou, pelo menos, desde o De uRbano tavaReS RodRigueS princípio da chancela da D. Quixote. “Solidões em Brasa” explora a esfera recorrente da tensão sexual perante a figura simbólica do amor. Sob as suas mais variadas coneDitorA figurações, o sexo surge como elemento central das relações, ora d. QuiXote completamente desconexo, que se mostra violento, frio e egoísta, ora perfeitamente alinhado, quando se mostra mais impetuoso e, 2012 sobretudo, fortuito. Elemento que constrói a viagem e a narração de duas personagens, ao mesmo tempo prolonga-se nas interrogações éticas e existenciais da própria diegese. A outra novela, “Escutando o rumor da vida”, arrisca transgredir o espaço de conforto de Urbano. Se os elementos e a temática central não extrapolam o comum do autor, a narrativa e o ambiente ultrapassam o convencionalismo neo-realista, para um imaginário, onde a percepção dos sentimentos se sobrepõe à mera apreensão do real e do palpável. E onde o rocambolesco impera sobre a lógica da acção. Não deixando, contudo, de suscitar a mesma problemática existencial. Não existe grande espaço para pausas, nem indagações prolongadas. Tudo é descomplicado e directo. Para que não sobrevivam grandes irresoluções. João MirAnDA "eScutando o RuMoR da vida",
Seguido de "SolidõeS eM bRaSa"
dura a escolha de um álbum para este Verão. Os meses mais ricos em edições são, sem dúvida, Julho e Agosto. De entre rumores e confirmações oficiais, há um disco de escuta obrigatória: “Son Of Ivonne” de MA DOOM. Estarão os amantes de Rap mais sedentos, na expectativa da mais recente colaboração de Masta Ace e MF DOOM. Uma das mais reputadas figuras da cena nova-iorquina decidiu juntar as trouxas com o experimentalismo britânico, que outrora abraçara projectos com nomes tão reputados como Madlib ou Danger Mouse. Como aperitivo para este disco, estão disponíveis alguns ‘singles’ na web, mas quase que vão tendo um papel obsoleto, uma vez que, não é novidade a obrigatoriedade de escuta do início ao fim do disco, para certificar a qualidade a que MF DOOM nos habituou. CArlos brAz
expectativa em torno do disco de estreia de Luís Vicente deriva, sobretudo, do trabalho que este trompetista tem vindo a realizar nos últimos anos. Liderando também um quarteto, Vicente não tem somente interesse no jazz, mantendo um projecto no âmbito da electrónica exploratória (com Jari Marjamaki), participando nos Farra Fanfarra e colaborando activamente na cena improv de Lisboa. Acompanhado pelo percussionista Oori Shalev, alemão de fortes raízes judaicas, e pelo contrabaixista Francesco Valente, Luís Vicente produziu o seu disco de estreia fazendo uso de múltiplas fontes, sempre com uma forte ênfase no groove e no “folclore imaginário” que une os povos da bacia mediterrânica. José Miguel PereirA
lonerism [Modular]
Sonho africano
JOGaR
neat cry
É
no dia 29 de Novembro que chega às prateleiras europeias o tão aguardado Far Cry 3, faR cRy 3 mais uma vez sob a alçada da Ubisoft. Após o sucesso relativo ao segundo capítulo da PlAtAforMA saga (principalmente quando comparado com a verPS3, XboX, Pc dadeira revolução que foi o primeiro Far Cry), muitas questões se levantam em relação ao novo título. eDitorA Até agora, pouco de realmente novo se sabe: o setubiSoft ting regressa a uma ilha paradisíaca (após a incursão pela savana do segundo jogo), o motor gráfico aprelAnçAMento senta-se bastante promissor. E revelam-se alguns de29 de noveMbRo talhes interessantes no que à narrativa diz respeito. Dúvidas sobre a sanidade dos habitantes da ilha, viagens proporcionadas pela ingestão de cogumelos mágicos, npcs excêntricos e misteriosos - muito foi mostrado nos diversos trailers divulgados, mas não existem ainda respostas concretas para um título que, como os antecessores, se fará de exploração livre e descoberta. Resta-nos esperar para saber se é desta vez que Far Cry se volta a afirmar como o FPS/Survival/Free Roam por excelência. Sabendo de antemão que a concorrência vai ser muito forte. PeDro leitão
“uma amálgama de compromissos”
“R
esident Evil” é a série ideal para entender o ReSident evil 6 dilema das produções nipónicas. Referência máxima do seu género, por praticamente soPlAtAforMA zinho ter definido os seus códigos e coordenadas estilísticas, Pc encontra-se em crise desde 2005. “Resident Evil 4” inaugurou um novo sub-género de terror mais orientado para a acção, e eDitorA “Resident Evil 5” seguiu nesse novo caminho com ímpeto. caPcoM Essa direcção acabou por fragmentar a sua identidade estética e consequentemente o seu público, ao ponto de já não haver lAnçAMento saída glória possível para a série. “Resident Evil 6” dá corpo fí2 de outubRo sico à esquizofrenia que reina dentro das mentes da Capcom. Foi dividido em 3 personagens, cada uma com registos lúdicos díspares: os segmentos de Leon respeitam a linhagem clássica da série, Chris entra num pastiche de shooter militar entre “Gears of War” e “Call of Duty” e um novo personagem, Jake, entra em cenários cinemáticos reminiscentes de “Uncharted”. Corroída a sua integridade, “Resident Evil” tornou-se uma amálgama de compromissos entre aquilo que os seus autores pretendem explorar e o que o mercado exige. Já não é possível vender jogos de tensão puramente psicológica; nem por acaso, o registo mais atacado nas previews do jogo é o de Leon. rui CrAveirinhA
22 | a cabra | 10 de julho de 2012 | terça-feira
soltAs carlota rebelo
umA ideiA PArA o eNsiNo suPerior luís reis torgAl • ProFessor cAtedrático APoseNtAdo dA Fluc e coordeNAdor de iNvestigAção No ceis20
tomAi e comei
QUE UNIVERSIDADE?
PrAto sociAl, Amor em temPos de Fome
Oh prato social, paladino dos porta-moedas esfomeados, alva circunferência delimitando universos de deleite gastroeconómico. Ninguém te aprecia, prato social, atiram-te insultos: és mal confeccionado, mal cozinhado, falta carne, falta uma pitada de sal. Falta. Por isso esconde-te, como te tens escondido, que cada vez menos telha te alberga e menos porcelana se preenche. Noutros tempos, foste farto. Rios de molho suculento sulcavam planícies de arroz, desaguavam em nacos de tenra carne, reflectindo a luz mortiça que descia do tecto das cantinas. Antes, quinta-feira não era só mais um dia. Trazias um etéreo feijão que escondia chispe e orelha, se envolvia numa calda espessa e insinuante, sussurrando confidências às papilas gustativas, eram juras de amor eterno. Separaram-nos, prato social. Hoje, somos como estranhos com um passado que nos esmaga. Nas mesmas cantinas que foram leito de nossas núpcias, a luz continua mortiça, mas olhas-me envergonhado. Desconfiei durante a sopa, durante a água morna que fazia lembrar sopa e agora, enquanto me refaço do primeiro choque, estendes-me, da tua loiça branco-sujo e já riscada, meia dúzia de pedaços de salsicha Top Budget abraçados por mais uns quantos fios de esparguete. Nada mais. Nenhum de nós teve culpa. Foram outros que nos distanciaram, os mesmos outros que romperam o abraço das nossas línguas, os mesmos outros que te despiram violentamente o traje de gala. Mas tu não mudaste a tua essência. Ainda hoje, com o teu fato de treino coçado, esperas pacientemente pela minha visita, e eu vou, porque nenhum de nós mudou, somente, tudo mudou à nossa volta. Somos a prova, prato social, que, por vezes, mesmo quando a culpa morre solteira, há amores condenados ao fracasso.
Num excelente discurso, na cerimónia de 10 de Junho (dia de Portugal, de Camões e das Comunidades) deste ano de 2012, o reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, fez considerações sobre a falta de estruturação do nosso país, já assinalada pela geração de 60-70 do século XIX (ou ainda antes). Considerou, no entanto, que Portugal, nesta altura de crise e de austeridade, possuía, pela primeira vez, capital científico, cultural e profissional formado pelas nossas universidades, capaz de levar a efeito essa estruturação, capital esse que não era devidamente aproveitado. Em parte estou de acordo com o meu colega e amigo de Lisboa, cuja tese de doutoramento, Le temps des Professeurs, fui consultando ao longo dos meus estudos. Todavia, não apoio completamente o seu juízo. Com efeito, considero que também a Universidade ou o ensino superior (que possui uma dualidade institucional: universidades e institutos politécnicos), em conjugaç ã o
Por Fábio Rodrigues
“North AtlANtic” de BerNArdo NAscimeNto • YoutuBe • Até 13 de julho
ONDE O céU mERgUlhA NO OcEANO
E
ra mais uma noite normal para Hugo (Francisco Tavares), um simples controlador aéreo. Um tabuleiro de xadrez em compasso de espera, uma guitarra para tocar “sem pensar” e um radar repetindo o vazio. Lá fora, ao largo dos Açores, uma noite silenciosa que aconselha a ficar em terra e a deixar o céu e o mar à vontade do temperamento dos deuses. Porém, como sempre, nem tudo corre como planeado e é assim que nascem as histórias. As histórias que valem milhões. James (Clive Russell), o piloto de uma princesa do ar, perdeu-se sob o céu estrelado, bem acima do negro Atlântico e agora não é mais do que um ponto verde intermitente sem tempo para regressar e com tempo mais do que suficiente para encontrar a paz interior. E assim nasce uma amizade, no constrangimento da incapacidade perante o destino. Na impossibilidade de alterar as linhas escritas
com as más políticas dos nossos vários governantes, é responsável pela crise do ensino, que faz parte, afinal, da crise mais ampla em que se encontra mergulhado o país. É responsável por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque as universidades e os institutos politécnicos criaram cursos de licenciatura (hoje diríamos de 1.º ciclo) muito especializados, alguns de concepção ridícula e completamente inúteis, que quando muito se justificariam como cursos de pós-graduação ou como mestrados (agora 2.º ciclo) ou doutoramentos (3.º ciclo) — nisso dou razão a um interessante artigo de Vasco Pulido Valente (Público, 16 de Junho de 2012), com quem muitas vezes não estou minimamente de acordo; e, em segundo lugar, porque também alguns dos seus professores — e não apenas a demagogia regionalista, como acusava VPV — foram cúmplices e actores no processo de formação de muitas instituições de ensino superior públicas e particulares e de cursos que nelas surgiram (20 cursos de Direito!, como exemplificava VPV). Portanto, poderei concordar que há uma elite formada nas universidades e nas unidades de investigação dependentes da Fundação para a Ciência e a Tecnologia que não é devidamente aproveitada — parte dessa elite vai resistindo com sucessivas bolsas e empregos científicos provisórios, até que vai procurar outra vida em Portugal ou no estrangeiro. Todavia, a grande maiod.r.
ria dos diplomados constitui uma “massa acrítica” (não uma “massa crítica”, conceito que se generalizou nesta nova nomenclatura) que anda por aí e que é vítima de uma miserável situação de desemprego ou subemprego. “Eles que se lixem!”, como exclamava VPV, dando este título ao artigo citado. Outros, porém, são “gente de sucesso”, sobretudo políticos profissionais, a maioria das vezes medíocres, que vêm buscar às universidade privadas (sendo estas coniventes), com a maior brevidade possível e sem grandes canseiras, o canudo de “dr.” ou de “engenheiro”, só para se sentirem numa situação mais confortável e importante. Fazendo concessões e dando “liberdades”, numa lógica neoliberal (palavra que tem todo o sentido), e massificando o ensino superior, em vez de o procurar democratizar, o que implica estruturação e exigência, o Governo, as universidades e os institutos politécnicos acabaram por contribuir para a crise, à qual se opõe agora (agravando a situação) um autoritarismo de austeridade, de dependência e de burocracia, dificilmente integrável numa lógica de democracia, que supõe, com exigência de competência e rigor, a ciência, a cultura e a formação profissional. E assim se foi tirando a professores e a estudantes aquilo que é (ou deveria ser) o mais significativo na universidade — o espírito crítico. Que ideia para a universidade? Pergunte-se primeiro: Que universidade? Ou que ensino superior? Teremos de começar por aí. Depois voltaremos a falar.
Arte.PoNto d.r.
do Fado. A partilha de duas horas de ondas de rádio, de confissões, de uma conversa entristecida pelas circunstâncias. Tudo isto com a certeza que na madrugada seguinte já não estará lá. “North Atlantic” leva-nos a pensar, a sentir e a perguntarmo-nos: como reagiríamos perante a quase certeza da morte horas antes de a enfrentarmos? Ou como falar com alguém que não podemos salvar, mesmo que pareça tão irreal a certeza do fim? Esta é a história, contada em menos de quinze minutos, de dois homens nascidos no meio do mar que dedicaram as suas vidas a ganhar asas e cruzaram as suas rotas na noite mais negra das suas vidas. Na noite em que um deles retorna às origens. “North Atlantic” é a primeira curta de Bernardo Nascimento e também a sua primeira realização. Com um elenco bem composto entre atores reconhecidos internacionalmente e atores na-
cionais em ascensão, esta produção luso-britânica entra este mês nos 50 finalistas da competição do Your Film Festival, o festival de curtas do Youtube. Uma curtametragem que surge num momento em que o cinema português está mais vivo do que nunca e arrecada prémios pelo mundo. O vencedor tem presença garantida no Festival de Veneza (a decorrer entre 29 de agosto e 8 de setembro) e um prémio de 400 mil euros a ser entregue por o realizador Ridley Scott e o ator Michael Fassbender. Na competição destaque ainda para “The Telegram Man”, do australiano James Frances Khentie, “Cortometrage Teta y Sopa”, do espanhol Alberto Gómez e a série “El Provenir”, do mexicano Manuel Alejandro Anell. As votações decorrem até 13 de julho no canal do festival no Youtube, onde todos os filmes a concurso podem ser vistos na íntegra. Por Rafaela Carvalho
10 de julho de 2012 | terça-feira | a
cabra | 23
soltAs moNumeNtAis PANAdos sociAis
requiem AeterNAm doNA eis.
Por doutorando Paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd
É
assim: se este jornal aguentar mais um ano, então nunca mais acaba! Dura para sempre! E eu tenho dons premonitórios – lembram-se quando eu avisei que iam fechar mais cantinas? E que o dj coiso e tal vinha à queima? E aquela do processo no conselho de veteranos ao gajo das praxes violentas não dar em nada? Isto pode parecer prosa ressabiada mas não é nada disso. Alguém vai ter de pagar pela decisão que anúncio a seguir: É com profundo pesar que me cabe informar-vos que o contrato do cronista Paulo Fernando não será renovado para a próxima temporada. É mais uma vítima da precarização laboral. Foi ameaçado com a “prateleira” (da Maria) em alternativa ao pagamento à peça. Mas Paulo Fernando parte antes de se vergar, e assim reuniu os seus pertences: cópia das 34 edições a que tinha direito, dois números do
Escorraçado como um candidato derrotado às eleições para a Direcção Geral. Podem os velhos do restelo da academia soltar os fogos, e podem correr abertas as bicas de cerveja da Padre António Vieira.
jornal do exército, um busto do Sá Carneiro e um pisa papéis em forma de busto do Sá Carneiro, um galhardete da freguesia de Santa Cruz, uma camisola amarela de malha polar, um CD da Sharon Stone and The Gipsy Kings e uma tamparuere de açorda de bacalhau que dizia “João Gaspar – Segunda-feira” e partiu estrada fora, ao abrigo da lei Bosman, com o contrato na mão (o qual pode ser negociado directamente com o meu agente FIFA em 239410437). Por isso, desejo aos responsáveis por esta ignomínia decisão coisas extremamente desagradáveis - ao nível do regresso dos velhos à secção em noite de fecho, as três ultimas horas de uma festa da Cabra ou partilhar uma refeição nas cantinas com o Tanaka, muitos processos no fiscal e que a malta da RUC descubra a pas-
sword do wireless para vos voltar a roubar a internet toda. Além disso, deixo aqui também um aviso aos leitores que para o ano correm o risco de chegar a esta página e ler uma coisa sem piada nenhuma - tipo metade do espaço que esta crónica ocupa poderia estar preenchido por um conto do Fernando Alvim, vejam bem a sorte que têm! Provavelmente vão arranjar alguém sem o mínimo de habilitações para escrever aqui, um bolseiro de investigação ou algo pior, todo precário e tudo. Não quero parecer melodramático mas acho que é um perigo real. Mas pronto, eles é que sabem. Esta malta nova tem a mania que é fera e que quer mudar as coisas – não aprenderam nada com o Paulo Bento. Agora entra aquela parte que é meio testamento meio exaltação do génio artístico: >Sobre a minha passagem por este espaço só tenho a agradecer aos leitores. Foi bastante agradável chegar aos extintos grelhados e ver alguém de Cabra aberta a aspergir caldo verde recém-ingerido sobre os demais convivas, e constatar que a costeleta só com arroz e salada era acompanhada por uns Panados Sociais. E aquele grupo de sete professores que iam dissertar ao almoço de terça-feira para as azuis, sobre o estrato morfossintáctico das minhas crónicas? Nem eu sei o que isso é mas acho impecável. São eles a raison d’être deste espaço. E acreditem que tanto enche o ego ser citado numa Assembleia Magna ou no Facebook, como ser vilipendiado num blogue. Depois, deixar aqui o elogio aos directores que com uma sagacidade intelectual invejável compreenderam que a existência deste cantinho de febra e pão ralado constituía uma mais-valia inegável para a qualidade jornalística do jornal universitário, a eles Rafaela Carvalho e Camilo Solnado desejo muitas felicidades pessoais e profissionais, e que quando forem estagiar no Jornal de Negócios se lembrem do quão aprazíveis e coerentes eram as opiniões do bom velho doutorando quando comparadas com as do Camilo Lourenço. Este é o meu adeus à LusaAtena. O meu exílio forçado. Escorraçado como um candidato derrotado às eleições para a Direcção Geral. Podem os velhos do restelo da academia soltar os fogos, e podem correr abertas as bicas de cerveja da Padre António Vieira. Por esta altura do ano os murais do Facebook estão cheios de declarações lamechas de amor eterno à cidade do conhecimento, odes bacocas ao companheirismo etílico e recordações patéticas de
Sobre a minha passagem por este espaço só tenho a agradecer aos leitores. Foi bastante agradável chegar aos extintos grelhados e ver alguém de Cabra aberta a aspergir caldo verde recém-ingerido sobre os demais convivas, e constatar que a costeleta só com arroz e salada era acompanhada por uns Panados Sociais.
experiências partilhadas sobre o vaso sanitário, roubadas a baladas e poesia praxista à la carte – a austeridade também chegou à criatividade. No meu mural, por sua vez, está uma sondagem onde com apenas um clique podem salvar o doutorando e reverter esta decisão, tão injusta e inaceitável como a retirada da feijoada das cantinas ao almoço de quarta-feira, e ainda estarão a doar dois euros para abrir um poço biológico em África e adoptar um gatinho paraplégico – vocês sabem o que têm que fazer. Os verdadeiros fãs destas crónicas não deixarão sem dúvida de enviar hate-mail para a redacção, à razão de duas cartas de amor pelo doutorando por cada três de ameaças veladas à direcção de secção, uns pacotes bomba contendo comida das máquinas de vending fora da validade, e pelo menos três telefonemas diários, fingindo ser um ministro-adjunto, a intimidar e coagir um editor. Uma última referência aos meus coleguinhas de redacção: segredos vossos levo comigo para a vida, por isso vamos lá ver o que é que vão por aí dizer a meu respeito – I will backtrace you and consequences will never be the same. Shame on news. Agora vou escrever um blogue. *A minha verdadeira identidade está oculta num anagrama nesta crónica. Podem usar a sequência Fibonacci para a descobrir.
mIcRO.cONtO Ao contrário do habitual, a rubrica “micro.conto” não se realizou esta edição por motivos alheios à direção do jornal. depois de confirmada a colaboração com o autor, esta não se realizou. Aos leitores o nosso pedido de desculpas.
Mais informação disponível em
Redação: Secção de Jornalismo Associação Académica de Coimbra Rua Padre António Vieira 3000 Coimbra Telf: 239 41 04 37
acabra.net
e-mail: acabra@gmail.com Conceção e Produção: Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra
Jornal Universitário de Coimbra PUBLICIDADE
PUBLICIDADE PUBLICIDADE
Movimento Estudantil
Há 20 anos era implementada a famigerada lei que instituía as primeiras propinas, constituindo a maior ameaça ao ensino superior português desde o 25 de Abril e contrariando os pressupostos da Revolução. Porém, a resposta do movimento estudantil esteve à altura do problema. Pelo caminho, ministros caíram e subiram ao poder, nunca revogando as propinas de vez, mas os estudantes jamais se mostraram conformados. Contudo, é triste verificar que duas décadas volvidas a garra do movimento estudantil não seja a mesma para lutar por um ensino público, gratuito e de qualidade. I.B
Projeto “Lado a Lado”
O projecto “Lado a Lado” assenta em bons valores, conjugando a dificuldade de alguns estudantes em pagar residência e o isolamento na terceira idade. Tal iniciativa, criada pela DG/AAC em parceria com o Centro de Acolhimento João Paulo II, é de louvar, conseguindo mostrar que, com poucos recursos, se pode fazer a diferença. Apesar do projecto intergeracional assentar em boas práticas, peca pela fraca adesão até hoje. Apenas 9 estudantes participaram em 3 anos de existência. A divulgação foi fraca e naquilo que podia ser um projecto ambicioso, tornou-se algo residual. Esperemos que a situação se inverta. L.C.
Universidade de Coimbra
Cortes, cortes, cortes. Já todos sabemos do aperto sintomático do financiamento, mas o facto de mais uma cantina fechar pode não ser tão viável quanto se pensa. A proporção de alunos da Universidade de Coimbra aumentou nos últimos anos, mas, com esta reestruturação, perdem-se refeições. O que tem acontecido nas duas últimas semanas é exemplo disso, com as amarelas entupidas e as cantinas monumentais abertas, porém sem prato social. O bolo já não é grande, mas a decisão de fechar mais uma cantina pode vir a não ser a única. Quem sabe se uma terceira a fechar não estará também em questão. Só o tempo e a afamada reestruturação o dirão… L.C.
A voltA pArA cAsA por Stephanie Sayuri paixão
200 x 100 Já passou tanto tempo, que saudades. Eu não queria voltar para um bom momento, para algo importante que me aconteceu. Não queria viajar no tempo, só queria voltar para casa. Aqui está tudo ótimo, a primavera ficou para trás e o calor finalmente deu o ar de sua graça. Mas o cansaço já começa a dizer alguma coisa e a saudade não para de gritar dentro de mim. Apanho o autocarro e começo o meu caminho, a cada minuto mais perto, a cada quilómetro que me aproximo a saudade diminui. É o alívio de estar a caminho. O caminho consola, acolhe, parece ser o primeiro abraço de tantos que tenho esperado durante todo este tempo. Olho para o lado e no reflexo das lentes dos meus companheiros de viagem vejo em mim as marcas do tempo. Ele passou e eu ainda cá estou. Como será que eles estão? Como será a minha chegada? Ainda falta um mês.