Edição 238

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13 de dezembro de 2011 • ANo XXI • N.º 238 • QUINzeNAL GrATUITo dIreTor cAmILo soLdAdo • edITores-eXecUTIVos INês AmAdo dA sILVA e João GAspAr

acabra

“Monstro Meu” pelo CITAC 14 a 19 dezembro

JorNAL UNIVersITárIo de coImbrA

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Grande reportaGem: Só reSta a memória ao alentejo Os levantados do chão. José saramago assim os apelidou, quando fez desse povo as palavras que contaram o caminho contra a miséria. esses mesmos fomos visitar, no alto alentejo, onde da pobreza e do esforço vimos mais do que de gente erguida. Pág. 11 a 14

JOÃO PAULO BARBOSA DE MELO “Gastaremos grande parte dos recursos no apoio social, porque as pessoas estão a passar dificuldades” Barbosa de Melo completa, este mês, um ano na presidência da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). A sua tomada de posse foi atípica - sucedeu a Carlos Encarnação quando este se demitiu. Em jeito de balanço, o presidente considera o ano que passou um período de aposta na continuidade dos projetos já anunciados. A nível

de iniciativas futuras, e devido à atual conjuntura económico-financeira do país, Barbosa de Melo considera que “não é hora” de novos investimentos. Ainda assim, o presidente da CMC ressalva a necessidade de a câmara investir grande parte dos recursos na ação social. Págs. 2 e 3

enda

TecnOcracia

Dirigentes definem ações concertadas

Ressurgir da técnica Uma aliança secreta como possível solução na África Austral

No último Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA), no passado dia 9, foi aprovada por unanimidade, uma moção intitulada de “Natal Negro no Ensino Superior” que define um leque de ações a desenvolver pelo movimento associativo ainda antes do final de 2011. As ações estão agendadas para os dias 20, 21 e 22 deste mês e são uma forma de contestar os atrasos no processo de atribuição de bolsas de ação social escolar, mas também a insuficiência do regulamento de atribuição de bolsas. Os protestes têm como objetivo pressionar o Ministério da Educação e Ciência no que concerne a estes assuntos.

As cadeiras do poder executivo estão a ser ocupadas por personalidades que tentam mediar a ocorrência da atualidade conjetural de crise. “Indivíduos de formação essencialmente técnica”, estes, empreendem de forma resoluta a decisão do imperativo de ajuda financeira europeia. Perspetivar a técnica a par e passo com a política é o paradigma que estes governos enfrentam. A preservação do debate público em confronto com a crescente racionalidade tecnicista anuncia-se primordial aquando da interposição da técnica na humanização do estado social. Aplicar a austeridade é premente. A tecnocracia pode surgir como solução.

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acOrdO alcOra

Na década de 70, é assinado por Marcelo Caetano um acordo secreto com a África do Sul e a Rodésia (atual Zimbabué), onde constava quem e que interesses estariam verdadeiramente por detrás da política colonial portuguesa. A multirracialidade e a pluricontinentalidade defendidas por Portugal são embaraçadas pela aliança com o apartheid. O documento, agora finalmente divulgado, foi o tema de discussão levado à Conferência Alcora – Novas Perspetivas da Guerra Colonial. Pág. 17

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Mais informação em

acabra.net


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destaque

João Paulo BarBosa de Melo • Presidente da câMara MuniciPal de coiMBra

DaviD Barata

Barbosa de Melo substituiu Carlos Encarnação na presidência da CMC em dezembro de 2010. Hoje, afirma, “mudou o governo e mudaram para pior as circunstâncias económicas”.

“Não é tempo para mais projetos grandiosos e novos” Ana Morais João Paulo Barbosa de Melo está à frente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) desde dezembro do ano passado e, em entrevista ao Jornal A Cabra, mostrou-se satisfeito com o primeiro ano de mandato cumprido. Numa altura em que cada vez mais se fala de cortes orçamentais e medidas de austeridade, Barbosa de Melo diz que Coimbra não é exceção e revela as prioridades da sua gestão. O presidente mostra-se ainda preocupado com o setor social, mas a prioridade é concluir os projetos em curso. Em relação ao futuro, o autarca considera que “não é tempo” para mais investimentos. Como foi o seu percurso político até ingressar na CMC? Fui deputado municipal durante oito anos e a minha entrada, do ponto de vista partidário, foi em 2005, no Partido Social Democrata. Fui, durante sete anos, presidente do Centro de Estudos e Formação Autárquica. De que forma recebeu influên-

cias do seu pai, António Barbosa de Melo, presidente da Assembleia da República entre 1991 e 1995? Todos nós recebemos influências dos nossos pais. Recebi influências do meu pai e da minha mãe, cada um à sua maneira. A minha formação está muito enquadrada naquilo que eu recebi em casa. A sua tomada de posse foi atípica. Quando, em dezembro de

“Depois de anos sem trabalho feito, nota-se uma evolução positiva na reabilitação urbana” 2010, Carlos Encarnação se demite, o presidente cessante alegou “incompatibilidade com o governo”. Essa incompatibilidade ainda existe? Fui eleito por uma lista encabeçada por Carlos Encarnação e eu era o número dois. Quem aceita ser o número dois numa lista autárquica sabe que pode ser chamado a desempenhar as funções de quem está

à frente. Desde esse momento, mudou muita coisa, mudou o governo e mudaram para pior as circunstâncias económico-financeiras do país. Isso condiciona fortemente o que uma autarquia pode fazer. As relações que temos hoje com o governo são relações institucionais normais, mas é claro que há opiniões divergentes e isso é normal em democracia. Pegando em questões pendentes: a CMC ainda continua a lutar contra a co-incineração em Souselas? Isso é uma guerra que Coimbra trava e continua a travar. Se é para escolher cimenteiras para queimar resíduos perigosos, que se escolham cimenteiras em locais onde não vive muita gente. Souselas é a Norte de Coimbra, e quando os ventos sopram de Souselas para Coimbra, mostra que fazer co-incineração em Souselas é a mesma coisa que fazer co-incineração em Coimbra. Dois projetos e trinta anos depois, como se encontra a situação do Campus da Justiça? Essa é uma decisão em que a CMC pouco mais pode fazer do que oferecer o terreno e incentivar os sucessivos governos a avançar com as

soluções. Aquilo que é evidente é que as instalações atuais não têm condições mínimas para funcionar. Houve já dois grandes projetos nos últimos 30 anos, mas não temos indicação se está na lista das prioridades que este governo tem para o país. Eu diria que no próximo ano não está, mas é uma questão que tem que ser resolvida. A empresa municipal da Turismo de Coimbra (TC) tinha há poucos meses um futuro in-

“Temos que ter juízo na maneira como usamos dinheiro que não é nosso, mas sim dos contribuintes.” certo. Como se encontra agora? A empresa municipal TC continua a existir. Tem todo o sentido que uma cidade com a dimensão de Coimbra tenha espaço para uma empresa que trate só de a promover. Foi com esse sentido que a TC foi criada. Para nós, havendo condições jurídicas para ela continuar, parece-nos que é uma boa aposta. A CMC com uma empresa municipal consegue fazer mais com

menos dinheiro. De que forma é que o eventual fim da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) pode afetar o trabalho desenvolvido na Baixa? Tanto quanto sei a SRU não acaba. A SRU não é uma sociedade só camarária, é uma parceria entre o Estado e a autarquia. Depois de alguns anos em que não se viu trabalho feito, nos últimos meses notou-se uma evolução positiva com o lançamento do primeiro fundo de investimento imobiliário para a zona em frente à CMC, e que nos próximos três anos vai permitir reabilitar um conjunto de quarteirões por inteiro. Estamos num bom caminho, mas o trabalho da reabilitação urbana é um trabalho complexo e demorado. São tarefas para uma geração e se andámos três gerações a abandonar a Baixa, vamos ver agora se recuperamos numa aquilo que em três não foi feito. De que forma é que a CMC apoia a candidatura da Universidade de Coimbra a património da UNESCO? A candidatura não se destina apenas a classificar edifícios; é, sim, para classificar o património da Universidade de Coimbra (UC), que é mate-


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destaque rial mas também imaterial. A candidatura é sobre todo esse património imaterial, não é só sobre ruas e edifícios. Há uma consequência prática: o território da Alta, da Baixa e da Rua da Sofia é alvo do ponto de vista material dessa candidatura. Na próxima sessão da CMC vai ser apresentado o regulamento que vai vigorar na construção e recuperação de casas nesta zona central. Este processo está a correr muitíssimo bem, a câmara está muito empenhada. Isto é um projeto tanto da CMC como da UC. Com o aumento já anunciado dos passes sociais, os SMTUC vão também subir os preços, ao contrário do que vêm fazendo? Não. O que estamos a fazer é um exercício difícil, que é tentar não atualizar os preços, como já foi anunciado a nível nacional. É um esforço

“Nos últimos anos não subimos os preços dos passes, mas este ano vamos fazer um ajuste para cima. porém, é inferior ao que vai acontecer no resto do país”

DaviD Barata

difícil porque estamos numa altura em que o gasóleo e a eletricidade estão a subir vertiginosamente. Nos últimos três anos não subimos os preços, mas este ano vamos ter que fazer um ajuste para cima, mas que é muito inferior ao que vai acontecer no país. Sentimos que este é um momento difícil para as pessoas, estamos a levar ao limite aquilo que podemos fazer para não subir tanto os preços. Quais os principais projetos da CMC para a cultura? A cultura é uma área muita vasta e Coimbra tem muitas instituições culturais. A maior parte do trabalho da câmara não passa por substituir essas instituições, mas sim dar-lhes apoio e procurar que elas funcionem melhor juntas. Há outros projetos, por exemplo, o projeto do arquivo municipal, que vai avançar já para o ano e que é uma velha necessidade de Coimbra. Mas o principal trabalho da CMC é coordenar e trabalhar com a diversidade cultural e riqueza da cidade. Como considera que está o associativismo em Coimbra? Há uma crise generalizada do movimento associativo em todo o país. O associativismo baseia-se numa ideia generosa de haver pessoas que se metem em projetos sem esperar muitas recompensas. É importante que este movimento não morra, para que possa renascer. As instituições que se juntaram para ajudar a pensar a cidade, infelizmente, também têm sido vítimas desta doença que ataca o espírito associativo em Portugal. Numa altura em que se fala de voltar a apostar no setor primário, a CMC também pensa apostar na agricultura? No meio urbano, não estamos à espera de ver grandes plantações de milho ou trigo. Há pequenas experiências com hortas urbanas, perto dos bairros sociais. A CMC tem vindo a atribuir pequenas parcelas de terreno a pessoas que querem cultiválas. É neste sentido de incentivo à horta urbana que vamos continuar a trabalhar, não no sentido de grandes explorações agrícolas na cidade. A nível industrial, não lhe parece que Coimbra tem perdido um pouco da sua expressão?

“Não podemos deixar de apoiar instituições da cultura e do desporto”, assevera Barbosa de Melo. Não. Ou melhor, há um certo tipo de indústria que Coimbra tinha há 20 ou 30 anos e que desapareceu. O que está em curso em Coimbra agora é uma mudança do paradigma de uma indústria tradicional para atividades tecnológicas diferentes. Não me parece que isso seja mau, acho que é um bom caminho que Coimbra está a percorrer. Não devemos esperar que a indústria seja só de alta tecnologia, mas é necessário apostar nesse papel motor que as indústrias tecnológicas têm. O número de pedidos de habitação social já tinha ultrapassado, no mês passado, os pedidos de 2010, cerca de 600. Como é que a CMC está a dar resposta aos pedidos? A CMC tem um parque habitacional grande e vai procurando atribuir as habitações às pessoas que mais precisam. É uma área em que a câmara, sozinha, não pode resolver o problema, é demasiado caro e implica recursos para além daqueles que a CMC tem. O que tem sido feito em Portugal nos últimos anos são parcerias entre municípios e a administração central para minimizar esse problema. É possível que, se o cenário económico se agravar, os pedidos aumentem e que a nossa rede deixe de poder resolver os problemas de

todas as pessoas. De que forma é que os cortes do Orçamento do Estado para 2012 vão influenciar os investimentos da CMC? Influenciam porque representam menos recursos para a CMC numa altura em que temos muitas obras a serem feitas. Menos recursos representam mais dificuldades. Vamos adiar algumas coisas que não podemos fazer já. É uma situação que não é dramática, mas que é muito séria. Temos que ter muito juízo na maneira como usamos o dinheiro que não é nosso, mas sim dos contribuintes. Quais os setores prioritários em que a CMC vai apostar? A primeira prioridade são as obras co-financiadas por fundos comunitários, que se não forem feitas agora podem não vir a ser feitas. Depois tem que haver uma repartição da despesa. Não podemos deixar de apoiar instituições da cultura e do desporto, porque elas não sobreviveriam e isso seria uma hecatombe. Estamos preparados para gastar uma grande parte dos nossos recursos no apoio social, porque as pessoas estão a passar mais dificuldades.

ração da administração local pode vir a afetar a gestão da CMC? Para já, em nada. Não sabemos o que aí vem. Até lá, aguardamos para ver o que acontece e só nessa altura podemos reformular o que houver para reformular. Qual é que considera o momento mais marcante do seu mandato? Os projetos fundamentais do mandato são o Coimbra iParque e o Convento de São Francisco, que são essenciais para a cidade ter um futuro mais risonho. No próximo ano de restrições orçamentais, o principal desafio é concluir estes dois projetos que dependem exclusivamente da CMC. Quais os novos projetos e novas perspetivas que pensa implementar em Coimbra? O próximo ano é de consolidação daquilo que este ano já foi feito e para que, daqui a uns meses, se possa ver resultados do investimento. Investir em muitos mais projetos grandiosos e novos, não é tempo para isso.

De que forma é que a reestrutu-

Pensa recandidatar-se em 2013? É uma decisão que será tomada a tempo.

sMM, prOjETO “AbrANDADO”

ipArqUE “A TODO O VApOr”

CONGrEssOs só EM 2013

“O sistema de Mobilidade do Mondego (sMM) é um projeto estruturante para Coimbra, é algo em que a CMC está empenhada há 20 anos. O sMM foi iniciado do ponto de vista de obras, depois foi abrandado pelo governo anterior. Até ao momento, há 140 milhões de euros que estão gastos. O que a CMC entende por unanimidade é que é fundamental que o sMM não pare, tentando obter junto dos fundos comunitários o financiamento que falta para o concluir. O ritmo a que vai continuar depende das condições que neste momento ainda não temos a certeza de quais são”.

“Apesar da conjuntura, já temos quatro empresas a construir no iparque. O edifício central de serviços já está em obras e o edifício seguinte também já está a andar. É um projeto que também é estruturante para Coimbra. O iparque permite-nos ter um espaço para empresas tecnológicas na área da saúde e não só, o que contribui para mudar a economia da cidade. O iparque está a todo o vapor, tendo em conta as circunstâncias difíceis que as empresas vivem. se neste momento há empresas a investir 20 milhões de euros no iparque é porque as coisas estão a correr bem”.

“O Centro de Convenções de são Francisco vem colmatar uma dificuldade grande da cidade - o facto de não ter capacidade para receber certo tipo de convenções, devido à falta de infra-estruturas com a dimensão necessária. passamos a poder organizar congressos com mais de 1000 pessoas, coisa que até agora não existia. isto vai abrir uma frente nova na economia de Coimbra e vai representar uma maisvalia urbanística na zona. É uma obra de 30 milhões de euros. A obra vai estar pronta no primeiro trimestre de 2013, mas a estrutura começará a funcionar no verão de 2013”.

prOjETOs EsTrUTUrANTEs “O CHUC

EsTá CriADO NO pApEl, NãO NA práTiCA”

“O Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) é um projeto que resulta de uma fusão anunciada, sem sequer ser estudada. Neste momento, o CHUC está criado no papel mas na prática ainda não foi feito. Vamos trabalhar na base da sua existência, mas sobretudo o que a cidade exige ao ministério da saúde e a quem venha assumir a administração do CHUC é que sejam feitos estudos credíveis sobre a fusão dos dois hospitais. Esta fusão resulta de uma decisão tomada pelo anterior Governo, mas nela há qualquer coisa de estranho. A anterior ministra da saúde entendeu que era preciso juntar sem ter realizado qualquer estudo. A CMC contesta isso em absoluto. As decisões políticas não se tomam dessa maneira. Eu não sei se a solução de juntar hospitais ou juntar serviços em Coimbra é ou não é boa. Haverá situações em que faz sentido juntar serviços e evitar algumas redundâncias, mas há outras em que isso não se justifica. Aquilo que a CMC se baterá sempre para que aconteça é que as decisões de fusão sejam devidamente estudadas. Agora, decidir fundir e continuar sem estudar o que acontece é absolutamente inaceitável. Acabar com a concentração de meios ligados à saúde em Coimbra é muito perigoso para a cidade”.


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Ensino sUpERioR

Cacique garante votos nas eleições da AAC, considera Elísio Estanque aNa morais

Redes de fiabilidade e oferta de cargos são fatores que aumentam a participação dos estudantes no ato eleitoral, aponta ainda o sociólogo Inês Balreira No passado dia 6, ficou conhecido o novo presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC). Eleito com 4155 votos, Ricardo Morgado derrotou André Costa, da lista C, com uma vantagem de 413 votos. Ainda que na segunda volta tenham votado menos estudantes – na primeira volta votaram 9285 estudantes e na segunda 8511 – estas eleições para os corpos dirigentes da AAC foram as mais participadas dos últimos anos. De acordo com o docente da Faculdade de Economia da UC e investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), Elísio Estanque, um dos factores para o aumento da participação dos estudantes no ato eleitoral, e o que “o que fez a diferença entre a lista L e a C”, foi a “capacidade que ambas as listas tiveram de edificar toda uma rede de fidelidade e de comprometimento de natureza pessoal ou através da oferta de cargos”. “Este tipo de programas é mais orientado pela fidelidade e pelo caciquismo, coisa que se fala nos bastidores e que contou iNês balreira

para um maior número de votantes”, assegura. Ricardo Morgado refuta este argumento, afirmando que “nenhuma lista tem meios para obrigar nove mil pessoas a ir votar”. “Se por cacique se pode entender o simples facto de perguntar a um colega se já votou, acho que não é por aí que votam nove mil e tal pessoas numa eleição”. Já André Costa não nega a existência do cacique: “todos sabemos que há muitas pessoas que na altura de eleições se dirigem aos seus colegas apenas para irem votar”, afirma. O estudante revela, contudo, que o projeto da lista C “nunca se pautou por essa via”. No entanto, Elísio Estanque vai mais longe no que toca a críticas às duas listas. “São candidatos do sistema”, afirma o docente. O sociólogo explica que ambas as candidaturas presentes na segunda volta “tinham ligações com estruturas dirigentes anteriores”. André Costa contrapõe, reafirmando que a candidatura da lista C “foi, desde o primeiro momento, um projeto de mudança, e não existe nada que se afaste mais do sistema” do que o projeto que liderava. “O próprio sistema reagiu à existência do nosso projeto e isso demonstra que não fazíamos parte dele”, acrescenta. Quanto à continuidade do projeto “Desperta a Academia” enquanto movimento, o estudante afirma não saber ainda se “vai continuar ou não de forma estruturada”. Por sua vez, Ricardo Morgado explica que “as duas listas se destacavam” e tinham posi-

Na segunda volta, a abstenção atingiu os 61 por cento ções “muito mais moderadas em relação à AAC e à política educativa do que as outras três listas”. O candidato eleito assevera ainda que este aspeto não é motivo para se afirmar que as duas listas – C e L – são iguais. “Não percebo bem o que

é o sistema”, acrescenta Ricardo Morgado.

Níveis de abstenção significativos Apesar da maior participação estudantil na primeira e segunda volta,

o nível de abstenção continua, no entanto, bastante significativo, considerando os perto de 22 mil estudantes inscritos nos cadernos eleitorais. Na primeira volta a abstenção foi de aproximadamente 58 por cento, sendo que na segunda de 61 por cento. Para o investigador do CES um dos fatores que contribui para os níveis significativos de abstenção prende-se com o grau de fiabilidade que os estudantes veem nos dirigentes estudantis. “O estudante comum tem dificuldade em se rever nas estruturas dirigentes enquanto defensoras dos seus interesses”, aponta Elísio Estanque. O docente clarifica que “uma maioria dos estudantes mostra uma desconfiança em relação às intenções dos dirigentes estudantis”, que muitas vezes se revelam “mais preocupados com o protagonismo e ambição pessoal do que com a defesa dos interesses dos estudantes”. Elísio Estanque aponta ainda outro motivo para a abstenção, que se prende com a progressiva regionalização dos estudantes. O sociólogo explica que, com a regionalização, “os estudantes estão mais perto das suas casas e deslocam-se mais vezes à sua residência de origem”. Este fator, ainda de acordo com Elísio Estanque, “reduz o grau de envolvimento por parte dos estudantes àquilo que são os espaços e contextos de sociabilidade de Coimbra, ficando assim circunscritos ao mundo da universidade e dos seus cursos”.

Mestrado depende da decisão de docentes Diretor da FLUC explica que não é pela falta de docentes que o segundo ciclo de Arqueologia não está a funcionar, apesar de admitir uma carência de professor na faculdade Inês Balreira Um dos cursos que mais sofre atualmente com a falta de docentes é o de Arqueologia e História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), nomeadamente o segundo ciclo, que não abriu este ano devido à falta de professores. Porém, o diretor da FLUC, Carlos André, explica que o facto do segundo ciclo de arqueologia não estar a funcionar “não teve que ver com a falta dos mesmos”, mas sim com uma “decisão dos próprios docentes de arqueologia”. Ainda assim, o diretor reconhece que “há professores, mas não em número suficiente”.

O estudante membro do conselho pedagógico, Daniel Nunes, garante que a situação dos alunos de Arqueologia já foi exposta em conselho pedagógico da faculdade. “O que o diretor nos garantiu é que faria os possíveis para que o mestrado voltasse a reabrir no próximo ano letivo”, afirma. Contudo, Carlos André resalva que a situação não depende apenas de si, mas que “passa pela proposta da secção de arqueologia” para o próximo ano letivo. Carlos André explica ainda que o caso de Arqueologia é muito concreto, uma vez que o “desenho do mestrado foi feito em função de uma área muito específica, que era dirigida por um professor francês convidado que deixou de colaborar com a faculdade”. Apesar do diretor da FLUC admitir que existem problemas sérios, a nível de docentes, em várias áreas da faculdade, garante que “a qualidade do ensino não está posta em causa”. Carlos André explica também que uma das causas que contribui para o número insuficiente de professores

prende-se com o facto “da aposentação de muitos da faculdade”. “As condições da UC e da FLUC, mas também as regras da administração pública, não consentiram a substituição destes docentes através da contratação”, clarifica o diretor. Se na Faculdade de Letras não há condições para a contratação de novos professores, o mesmo não se passa em outras faculdades da UC. Exemplo é a Faculdade de Economia da UC (FEUC). Segundo o diretor, José Reis, a FEUC “vai abrir brevemente concurso para a contratação de docentes na área de Relações Internacionais (RI)”, de modo a constituir um corpo docente mais especializado. O presidente do núcleo de estudantes de Relações Internacionais da Faculdade de Economia (NERIFE), Gustavo Alves, explica que o curso apresenta, neste momento, uma “falta de professores especializados, o que compromete as matérias lecionadas”. “Os recursos humanos existentes na faculdade têm que se adaptar às cadeiras que

lecionam”, explica o estudante. Gustavo Alves conta, ainda, que a falta de docentes especializados compromete a escolha de algumas cadeiras opcionais no curso de RI. “Temos um grande leque de cadeiras opcionais mas, na realidade, na falta de vertentes especializadas, elas acabam por não abrir”. Contudo, o diretor da FEUC não vê este aspeto como um real problema: “as cadeiras opcionais são para os estudantes de uma determinada área complementarem a formação com outras áreas de saber, e o curso de RI é pautado pela interdisciplinaridade”, explica José Reis. Gustavo Alves adianta que o diretor da FEUC propôs uma solução para colmatar o problema das cadeiras opcionais. “No próximo ano vai ser criada uma lista de 25 cadeiras opcionais e todas elas vão ser reais”, clarifica. Até ao fecho da edição os estudantes de Arqueologia não se mostraram disponíveis para prestar declarações, esclarecendo que se encontram num processo de diálogo para tentar resolver o problema.


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Ensino sUpERioR

ENDA define ações de fim de ano d.r.

Dirigentes associativos decidiram unanimemente levar a cabo o “natal negro no Ensino superior”, um conjunto de ações concertadas para pressionar a tutela Camilo Soldado No passado Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA), que decorreu no dia nove de dezembro em Braga, foi votada, por unanimidade, a moção “Natal Negro no Ensino Superior” que define o conjunto de ações concertadas a levar a cabo pelo movimento associativo no final do ano civil de 2011. Com a ação social escolar (ASE) como principal ponto de discussão, os dirigentes, reunidos no Minho, apontam os protestos para os dias 20, 21 e 22 deste mês como forma de pressionar a tutela a ouvir os estudantes. No primeiro dia as associações académicas vão lançar a imagem do plano de ações para os meios de comunicação e internet, no segundo haverá ações simbólicas a nível local por todo o país e no terceiro vai ter lugar uma conferência de imprensa e entregarão um manifesto pela ASE na Assembleia da República (AR), para onde está marcada uma vigília noturna no mesmo dia (ver caixa). Segundo os dirigentes reunidos no encontro, o protesto avançou para contestar os atrasos nos processos de atribuição de bolsas de ASE e contra o que dizem ser a insuficiência do regulamento da atribuição de bolsas em responder às

6 Ricardo Morgado

Presidente eleito da direção-geral da Associação Académica de Coimbra

dia 22 os dirigentes associativos vão entregar um manifesto pela ase na assembleia da república, seguido de uma vigília noturna reais necessidades do país. Esta decisão foi também tomada porque a opinião dos dirigentes académicos – segundo a qual o governo não tem ouvido as reivindicações dos estudantes – converge no que toca à postura adotada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC). Na quarta feira passada, dia sete, várias associações académicas do país, das quais se conta a de Coimbra, reuniram-se com o Secretário de Estado do Ensino Superior, João Queiró. O presidente da direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Eduardo Melo alinha pelo mesmo tom e mostra-se crítico: “a única coisa que posso dizer desta reunião é que continuamos bastante apreensivos e sem respostas em relação aos problemas

concretos dos estudantes”. O presidente da Associação Académica da Universidade de Aveiro, Tiago Alves, aponta, igualmente, que a falta de diálogo é “um dos graves problemas deste ministério”. Na altura em que começam a ser conhecidos os primeiros dados sobre o processo de atribuição de bolsas, Eduardo Melo considera que “esta é uma forma também de pressionar para que haja maior proximidade entre a secretaria de estado e MEC, que esse diálogo seja mais produtivo”. Quanto às ações estipuladas pelo ENDA para os dias 21 e 22, a moção não prevê a mobilização de estudantes. Tiago Alves afirma que o grande objetivo é que “as ações sejam levadas a cabo ao nível dos di-

rigentes estudantis” mas não fechará portas a “quem queira participar”. Eduardo Melo lembra a especificidade das datas, nas quais a maioria dos estudantes está a estudar para os exames, justificando assim a ausência de uma grande mobilização, mas também pelo carácter “mais mediático das ações para ter mais espaço na opinião pública”. O vice presidente da Associação Académica da Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, Sérgio Martinho, faz um balanço “bastante positivo” deste ENDA extraordinário pela “união das académicas que houve” e acredita que este é “o início de uma conversação com a tutela que se deverá alongar no princípio do próximo ano”.

A VOZ DAS SECÇÕES

20 de dezembro - Lançamento nacional da imagem corporativa do plano de ações

21 de dezembro - Ações simbólicas a nível local como a criação de árvores de natal negras e faixas negras em locais icónicos

22 de dezembro - Conferência de imprensa na Assembleia da República (AR) e entrega de um manifesto pela ação social no ensino superior - Vigília noturna na AR

“Queremos, de uma vez por todas, passar uma imagem forte da académica ” Eleito à segunda volta com 4155 votos, Ricardo Morgado é novo presidente da direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC). A ligação aos estudantes e uma política de proximidade são os pilares do seu projeto. Que balanço fazes destas eleições? Foram umas eleições disputadas como já não havia há alguns anos. A primeira volta ultrapassou os nove mil votantes e a segunda os oito mil e quinhentos, o que dá muito mais legitimidade a quem vai agora assumir os cargos na DG/AAC e nos outros órgãos da AAC. Foi um processo extremamente saudável para a academia, onde todas as listas se portaram de forma exemplar e se discutiram ideias. Ganhaste à segunda volta

com uma vantagem de 4.95 por cento em relação à lista C. Consideras que vais lidar com uma academia dividida? Não. Agora já não há listas. Neste momento há uma direcção-geral de todos os estudantes. Deixa de haver “Liga-te”, “On’s” e “Despertadores”. Quando tomares posse, quais vão ser as tuas primeiras linhas de acção? Queremos começar já a trabalhar a partir desta semana, não só na passagem de dossiers, como na criação de uma metodologia de trabalho para o próximo ano. A primeira coisa que irei fazer sinceramente ainda não sei. Poderá passar pela comunicação e pela imagem una da AAC. Não nos podemos esquecer que vem aí 2012, o ano mais difícil que a nossa geração já enfrentou por isso temos de pensar, desde já, na acção social e no financiamento do ensino superior. Queremos, de uma vez por todas,

passar uma imagem forte da académica, com uma reivindicação forte que temos que ter e vamos tê-la. Já tens como experiência a coordenação de um pelouro na DG/AAC 2010 e conheces a linha de atuação da atual direção geral. O que pensas mudar no teu mandato? AQueremos ter uma equipa a trabalhar de forma coesa, mas queremos principalmente fazer aquilo que o nosso slogan diz e o que defendemos desde o início. Queremos criar uma política de proximidade entre a DG/AAC e os restantes organismos da casa muito mais efectiva. A ligação entre a académica e os estudantes e a política de proximidade são o pilar deste projecto. Vais tentar concertar esforços ou trocar ideias com os elementos dos projectos derrotados?

Sim, sem dúvida. Há questões nas quais temos opiniões diferentes mas questões comuns e eu quero voltar a ouvi-los e tê-los como uma opinião. Nunca os vou negligenciar. Eu já disse ao André Costa, assim como disse aos outros candidatos, que conto com todos para o melhor da AAC. Não vou deixar ninguém de parte, quero ouvir toda a gente e contar com todos para o mandato. Como pensas ver a AAC no final do teu mandato? Espero que os estudantes olhem para a AAC e se revejam de outra forma. Quando se falar na AAC que se possa voltar a pensar naquilo que ela sempre foi capaz de ser: a ousadia, a diferença, a irreverência, a cultura, o desporto a juventude. Uma académica forte. Uma AAC moderna, virada para o futuro mas que respeite o seu passado e realmente faça a difrença no ano que aí vem. Inês Balreira


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CulTurA

O CITAC mostra o monstro cá

cultura por Até

Entre 14 e 19 de dezembro, o CITAC lança um convite à intervenção crítica, com a peça “Monstro Meu”. De uma forma pouco convencional, o público vê-se diante de um limbo temporal, onde as emoções se cruzam com o humor. Por Ana Duarte

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DEZ

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“JuVENTuDE EM MArChA” DE PEDro CosTA

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ciNemA mscAv • 21h30 eNTrAdA livre

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CoNVErsAs sobrE CINEMA deBATe cAsA dAs ArTes • 21h30 eNTrAdA livre Até

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AnA duArTe

Estamos prontos?”, pergunta o encenador Rodrigo Santos aos atores, que, por detrás dos panos negros do estúdio do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC), se iam preparando, e ultimando os últimos retoques para começar o ensaio. “Monstro Meu” é a peça a estrear dia 14 de dezembro, ficando por lá até ao dia 19. A sala encontra-se às escuras e o ensaio começa. “É provável que eu mande bitaites, mas divirtam-se”, avisa Rodrigo Santos. E os atores divertiram-se. A empatia entre o encenador e os membros do CITAC é notável, apesar de ser a primeira vez que trabalham juntos. No palco, surge uma criatura que nos faz lembrar o pequeno robô do filme “Wall-E”. Depois, o conflito de uma atriz que acordou do pesadelo de ter tratado o texto por você – e não por tu. A peça continua com uma desconstrução de conceitos: o conceito dramatúrgico e o de conteúdo. O encenador trabalhou na aposta de fornecer formação aos atores, pois sabe que está a lidar com “ um grupo de pessoas de passagem” e não com atores profissionais. “Eu quero que os atores fiquem com noção do que é construir um espetáculo”, afirma Rodrigo Santos, daí o grupo dos atores do CITAC ter acompanhado o processo tanto de criação de textos originais, como de citações. E assim, “o texto foi-se construindo”, completa Viviane Andrade, membro do CITAC. O público é convidado a intervir e é revelada a verdadeira essência do CITAC: a atitude arrojada, crítica e interventiva. A encenação de Rodrigo Santos ajuda neste exemplo

“o MENINo JEsus ArTesANATO cAsA muNicipAl dA culTurA TOdO O diA • eNTrAdA livre NOTA: AlguNs

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épOcA fesTivA e reTOmAdOs em

JANeirO

de

2012

Por Rafaela Carvalho

de caráter: “Monstro Meu” alicia até ao mais distraído dos espetadores a uma postura cada vez mais cívica, mais social e mais crítica. O trabalho da produção tem sido um misto entre o tranquilo e o frenético. “Eu venho de uma companhia que está habituada a trabalhar em cima do joelho, com prazos curtos e ideias originais, e tentei fazer isto no CITAC”, explica o encenador. Deste modo, ele tenta que o grupo de atores tenha a noção de como um espetáculo é feito do início até ao fim, sem esquecer a economia de custos e de tempo. Anabela Ribeiro, membro do CITAC, apelida este trabalho de “montanha-russa”: “é a cena das

emoções, do que é que é o texto nos dá para termos a personagem”. Isto, em pouco tempo. “Monstro Meu” relaciona várias personagens com vários contextos, mas com uma linha organizada. “A peça, no geral, tem uma espinha dorsal para chegar às emoções, à linguagem de espetáculo”, explica Viviane Andrade. Ao público, é possível passar por vários estados de emoções através das representações dos atores. “Mexemos em coisas da infância, como é criar os nossos próprios monstros. Colocamos isso na nossa linguagem e esperamos que as pessoas fiquem tocadas, de uma forma ou de outra, com isso” acrescenta Vi-

viane. O objetivo essencial desta peça, qual limbo temporal onde se cruzam diferentes conceitos como infância, democracia e até o referendo grego, será provocar reação no público. Mas não uma reação qualquer. “Quero que o público tenha tomates. Se não gostar da peça, abandona a sala”, afirma Rodrigo Santos. Não quer com isto dizer que as expetativas para a estreia não são boas, de todo. “É uma peça que tem o tempo certo para o tipo de comédia que é e humor que tem”. Por isso, “as expetativas são boas e eu estou contente”, revela o encenador.

Com Mariana Santos Mendes

Uma alternativa ao materialismo cultural No dia sete, a Arte à Parte celebrou o seu aniversário, com um concerto de José Valente, onde se promoveu um diferente tipo de solidariedade e partilha cultural João Valadão

JAN NA Mão DA ArTE”

A peça é fruto do projeto apresentado para o concurso de encenação lançado pelo CITAC

No palco estão poucas coisas, não há luxos. No centro uma mesa, rodeada de uma cadeira e dois candeeiros. À parte de objectos eletrónicos básicos, alguns instrumentos de percussão completam este cenário quase vazio. As crianças e jovens na plateia começam a

ficar irrequietos, o concerto já era para ter começado há largos minutos. Eis que José Valente surge de cima com o seu violino e inicia um desfile até ao palco enquanto toca e interage com os espetadores. É o convidado para o habitual concerto de aniversário da Associação Cultural de Música e Teatro Arte à Parte, realizado no dia sete de dezembro, no auditório do Instituto Português da Juventude. A associação, instituída em 2007, celebra agora o seu quarto aniversário. Segundo Adélia Pinto, presidente da mesa da assembleia da associação Arte à Parte, “o projecto teve as suas origens numa ideia chamada Ópera «Bichus», que, na altura, integrava as comemorações do centenário do nascimento de Miguel Torga”. Atualmente, conta com um número

de sócios entre os 60 e os 70 elementos. A comemoração do aniversário contou com a presença de instituições de caridade que acolhem crianças órfãs e carenciadas, uma ideia que já tinha sido concretizada o ano passado e que este ano foi acolhida no IPJ de forma a receber uma maior quantidade de jovens. O incentivo à partilha cultural, mais do que económica ou material, foi o mote para esta celebração. Questionado sobre o grande défice cultural que se assiste no país e na cidade de Coimbra, o músico diz que é “difícil manter um equilíbrio entre sobreviver e a perceção de que se é um cidadão e se tem responsabilidades na sociedade”. A ideia de trabalhar com José Valente partiu do próprio, “ele entrou em contacto connosco, houve ali al-

guma empatia” diz ainda Adélia Pinto. O músico confessa que “a intenção é criar uma tradição”, revelando assim um desejo de repetir a iniciativa nos anos que se seguem. O concerto surge como alternativa para aqueles que não têm possibilidades económicas para frequentar outro tipo de eventos culturais. José Valente diz que “até podem não gostar nada, mas há aqui uma alternativa”. A fuga às típicas ações de solidariedade foi outra preocupação do artista, que afirma querer afastar-se dessa relação de caridade. “Eu sou músico, não preciso na realidade de ajudar alguém a comprar qualquer coisa. Posso ser solidário oferecendo música”, acrescenta ainda. Nas palavras de Adélia Pinto, o desejo é que “o espírito de solidariedade e colaboração continue”.


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CulTurA olgA juskIewICz

Das 68 obras expostas, encontram-se duas da autoria do falecido marido da artista, o pintor inglês Victor Willing

(N)o imaginário eclético de Paula Rego A decorrer desde 20 de novembro a 19 de fevereiro, na Casa das Caldeiras, está a exposição “My Choice”, de Paula rego, que já passou por Cascais e pelo Porto Ana Duarte Margarida Fidalgo Pais “Escolhi apenas aquilo de que gostei. Não escolhi imagens por causa do nome do artista ou por serem consideradas historicamente relevantes”. É assim que a pintora Paula Rego descreve a exposição “My Choice”, agora presente na Casa das Caldeiras, onde são exibidas obras da coleção do British Council – uma organização internacional que tem como intuito promover a inovação tanto nas artes, como nas ciências e, sobretudo, na língua -, escolhidas pela própria. A exibição começou por ter lugar na

Casa das Histórias, em Cascais, e depois seguiu para o Porto, para a Fundação EDP. Já em Coimbra, a Sala do Carvão foi o “gabinete de curiosidades” escolhido para acolher as obras selecionadas por Paula Rego. E o termo “gabinete de curiosidades” não vem ao acaso. Um dos curadores da exposição em Coimbra e professor do Colégio das Artes, João Maçãs de Carvalho, afirma que “é uma sala com uma tradição de exposições muito grande, com os Encontros de Fotografia em Coimbra”. Com ele está António Olaio, também curador e professor do mesmo departamento: “imaginámos logo que ali seria o sítio indicado”. Também o arquiteto João Mendes Ribeiro, que traçou a reabilitação do edifício, é – curiosamente – um participante ativo na conceção da exposição. “Apesar de ser um espaço multidisciplinar, é muito importante e interessante que se inaugure a Sala do Carvão como sala de exposições, ainda para mais com uma coleção notável da escolha de Paula Rego”, refere o arquiteto. A logística desta atividade coube

não só aos curadores, mas também à reitoria da Universidade de Coimbra (UC). A vice-reitora para a Cultura e Comunicação, Clara Almeida Santos, explica que era interessante ter “ uma componente ligada à universidade”, o que distingue a exposição em Coimbra dos outros locais. Para isso, foi feito um workshop com alunos de Arquitectura, Design e Multimédia e Estudos Artísticos da UC e uma master class com um técnico de Londres (da British Council) e com o primeiro galerista da Paula Rego, Robert McPherson.

A singularidade da exposição em Coimbra A exposição “My Choice” tomou um novo rumo em Coimbra, diferindo bastante das montagens em Cascais e no Porto e tendo, por ideia de base, a criação de um ambiente de ligação direta entre obras e público. António Olaio explica que, juntamente com José Maçãs de Carvalho, procurou montar uma “instalação de relação entre as peças, que fosse tão ou mais importante que a sua identificação”. E

o resultado traduz-se num ambiente de “sala de estar” , onde a disposição das várias pinturas, fotografias e desenhos remonta a um qualquer espaço doméstico preenchido com aquilo que de melhor o British Council possui, selecionado quase instintivamente pela pintora portuguesa. Também para João Mendes Ribeiro, a opção da montagem se revela “familiar”: “parece uma espécie de espaço doméstico, tal como temos as imagens, as figuras e fotografias na nossa casa”. Clara Almeida Santos reitera a particularidade da montagem em Coimbra – o tal “gabinete de curiosidades”: pelo facto de a Sala do Carvão ser negra, a vice-reitora salienta a atmosfera envolvente, provocada por um“sentimento purificado, onde desfilam as personagens escolhidas por Paula Rego”. Também as opções da pintora foram comentadas. João Maçãs de Carvalho considera esta exposição como “uma escolha muito mais intuitiva do que propriamente curatorial” e afirma que a artista “não se preocupou em fazer uma exposição coerente” mas sim “uma expo-

Em Palco • À noite, entre bichos e superstições

É

nos corredores do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra que tudo começa. Os “bichos” são apresentados, fazendo-se acompanhar por uma música tipicamente tradicional. A interação das personagens para com o público é imediata, característica principal desta peça que nada tem de convencional. Aqui, são expostas em forma as mais variadas superstições e crenças que aparecem nas fábulas e estórias antigas, que se vieram a transmitir oralmente de geração em geração. A “viagem” começa, pessoas caminham para as mais variadas

cenas, onde lhes é apresentado o mundo do fantástico e do mirabolante, encenado pelos atores do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), que, em pequenas cenas demonstram, talvez, os medos e os presságios que ainda se encontram enraizados na sociedade. Por vezes, são representados na forma de animais, desde a aranha ao lobisomem. Mas também há as curandeiras, que tentam extorquir o mal instaurado através de rituais antigos, rituais estes que são exemplificados diretamente no público. “Bichos, Gentes e outros Quebrantos”, sendo uma peça que

não é de todo natural aos olhos do incauto público que se habituou a um “teatro-tipo”- onde se sentam e assistem ao mesmo -, vem revelar não só a possibilidade de a mesma ser adaptada a diversos sítios e lugares, bem como se traduz numa maneira de explorar a literatura tradicional, no papel de animais, onde o diálogo não existe. O GEFAC traz-nos esta “parábola”, que exprime a mistura do real com o imaginário, realidade esta que se manifesta nas vozes dos atores. A proximidade do público com o próprio elenco é constante e, inicialmente, um pouco estranha, mas à medida que se co-

nhece melhor este mundo do sobrenatural, o “convite” a entrar torna-se natural. Desta forma, este tipo de espetáculos vem não só dinamizar a 6ª arte, como confere uma essencialidade e originalidade de assistir teatro. Consequentemente a pessoa deixa-se envolver, chegando a sentir-se como parte integrante do mesmo e não um mero espetador, que chegou, senta-se, e nada mais cria com a peça do que a sensação audiovisual. Em “Bichos, Gentes e outros Quebrantos”, as emoções são impossíveis de não aparecer.

Por Mariana Santos Mendes

sição que correspondesse ao seu próprio imaginário”. António Olaio partilha dessa opinião e acrescenta que estamos perante “novas leituras sobre as obras, profundamente marcadas pelo seu olhar forte”.

“A escolha da escolha” A exposição é acompanhada de sessões de debate, onde vários convidados das mais diferentes áreas têm a oportunidade de escolher uma obra e discuti-la com o público. A primeira teve lugar no dia 30 de novembro, com o arquiteto João Mendes Ribeiro como convidado. A próxima realiza-se a 11 de janeiro e a última a 15 de fevereiro. Estas tertúlias pretendem fomentar o interesse que a exposição faz suscitar nas pessoas que se deslocam à Casa das Caldeiras: “é muito interessante ver o que é que motiva as nossas escolhas e leva a uma reflexão sobre isso”, comenta Clara Almeida Santos, deixando ainda o convite para a participação ativa neste tipo de debates e, sem esquecer, a visita à seleção de obras de uma das mais célebres artistas portuguesas. AnA duArTe


8 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

DeSPoRTo

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futSAl AAC/oAf x loures 16h • Pavilhão engenheiro Jorge Anjinho

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A n d e b ol AAC x batalha AC 17h • estádio universitário nº 3

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f u t e b ol Académica-Sf x Gândara 18h • estádio universitário

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b A S qu e t e estádio universitário Sampaense basket x Académica IPavilhão Serafim Marques

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O basquetebol ficou mais pobre Pessoas de toda a Associação Académica de Coimbra (AAC), do desporto da academia, do basquetebol, da cidade, lamentam o falecimento de Alfredo Robalo. Com um passado imenso no basquete, o treinador deixa memórias de amizade e respeito. Aos 56 anos, Robalo foi vítima de cancro. Por Fernando Sá Pessoa

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ntigo treinador da secção de basquetebol da Académica, Alfredo Jorge Robalo dos Santos é lembrado por todos os que trabalharam consigo no seio da Associação Académica de Coimbra (AAC). Miguel Portugal, expresidente da associação, deixou uma mensagem de condolência aos familiares, aproveitando para mostrar a “tristeza com que soube da notícia”. Nas palavras do antigo dirigente, “o basquetebol e toda a Académica ficam mais pobres”. Facilmente se compreende, se olharmos para o seu vasto currículo dentro da Associação e do desporto, nomeadamente enquanto responsável por este pelouro, e enquanto treinador das equipas de basquetebol universitário feminino e masculino. É também por isso que o ex-dirigente associativo prefere olhar “com alegria para tudo o que o professor conseguiu fazer pela Académica” porque, embora seja “um momento muito triste”, deixou a academia em muito melhor estado do que estava quando a encontrou. Com efeito, o professor chegou à Académica no início da época 1977/78, para as funções de treinador. Rafael Ferreira, ex-coordenador geral do desporto da

D.R:

AAC, realça o ano em que teve a oportunidade de trabalhar com o professor. “Vi que tinha um grande amor à casa e aprendi imenso com ele”, afirma. Falando sobre o homem e profissional, salienta a “a maneira apaixonada como trabalhava todos os dias em prol das causas do desporto”. Em 2009, foi distinguido com o prémio dedicação, na III Gala do Desporto de Coimbra. Tendo estado à frente das equipas universitárias de basquetebol, feminina e masculina, da AAC, alcançou os títulos nacionais universitários. Em 2008, a vitória pela equipa feminina valeu-lhe mesmo a obtenção do prémio FADU na categoria de melhor treinador. Também em 2010 venceria a competição mas, desta feita, ao leme da equipa masculina. O igualmente ex-treinador de equipas como o Olivais Coimbra e o Sampaense foi ainda, ao longo da sua carreira, reconhecido por variadas vezes, como demonstra o prémio Salgado Zenha, na categoria de carreira.

Lado Pessoal Fátima Valente, antiga membro do Conselho Desportivo da Associação Académica de Coimbra,

Badminton pode sofrer quebra Com o princípio utilizadorpagador perto do início, é tempo de secções desportivas da AAC, como a de Badminton, preverem os danos que tal medida poderá causar Fernando Sá Pessoa Dentro da secção de Badminton da AAC, a medida de passar a pagar pela utilização do estádio não é vista com bons olhos, ainda para mais quando as dificuldades financeiras tanto se fazem sentir. Se a secção, como nos conta o presidente Nuno Baía, “não possui apoios praticamente nenhuns”, torna-se complicado pagar a referida verba pelo Estádio Universitário.

Nuno Baía afirma que não há, nem nas piores previsões, o perigo de fechar portas. Todavia, existe um risco grande de perda da competitividade da modalidade dentro do desporto universitário de Coimbra. Em causa está a séria possibilidade de “redução do número de atletas”, apesar de estes, porventura, poderem passar a ser os financiadores do funcionamento da secção. “Ainda não se percebeu se os estudantes universitários vão ter que pagar para representar a própria associação, o que seria algo estranho”, afirma Nuno Baía. Esta deverá ser, no entanto, uma decisão que caberá às secções da academia. O que, segundo o presidente, parece ser certo, é a não participação do badminton da academia em algumas competições nas quais tem vindo a fazer figura em anos anteriores. Apesar do bom desempenho

que tem vindo a ser revelado pela modalidade, lamenta o presidente que “os treinos devam passar a ser menos”, de maneira que, consequentemente, “não faz sentido participar em torneios universitário sem preparação”.

Falta de reconhecimento Na verdade, o presidente fala, numa altura em que a secção de badminton honrou o nome da academia com um primeiro, um segundo, um quarto e um quinto lugar nos campeonatos universitários que decorreram em Coimbra no início do mês de dezembro, em “falta de reconhecimento”. “Dignificámos, mais uma vez, a AAC”, congratula-se. Ficaram, pelo meio, palavras elogiosas de agradecimento a Ailton Rita, coordenadorgeral do desporto da AAC, sem o qual “nada disto teria sido possível”.

destaca a personalidade do professor, dizendo “que era alguém espetacular, uma grande perda para a cidade”. Numa vertente mais humana, Carmo Rebelo conheceu bem Alfredo Robalo, pois foi sua colega no basquetebol, com catorze anos e, mais tarde, sua jogadora. Por isso, a agora chefe de secção da Académica/OAF, que jogou pela equipa feminina de basquetebol da Académica, afirma ter sido com ela “que o professor foi para o clube”. “Era uma pessoa que adorava a modalidade”, acrescenta. E, como pessoa próxima, a comoção das suas palavras é grande, quando diz que era “um amigo do coração”. A ex-colega de Alfredo Robalo aproveitou para enviar as condolências à família do treinador. “Era uma pessoa que levava tudo muito a sério”, lembra ainda. No entanto, o também antigo coordenador geral do desporto, João Almeida, recorda “a alegria imensa do treinador”. “Todos ficaram a admirar esta pessoa que tinha uma energia fantástica para viver”, acrescenta. Vítima de cancro de pulmão, Alfredo Jorge Robalo dos Santos não resistiu à doença e faleceu, aos 56 anos, no passado dia 11 de dezembro.

Patinagem artística volta a ganhar força Fernando Sá Pessoa Após a modalidade artística ter sido reconstituída no passado mês de novembro, a secção de patinagem da Associação Académica de Coimbra (AAC) faz um balanço muito positivo dos primeiros tempos da disciplina. Afastada de qualquer atividade há já quatro anos, a secção de patinagem voltou a abrir portas, pelo que conta já com treze atletas femininas, mais doze do que no último ano em que funcionou. No entanto, embora esteja a haver vasta adesão, pelo menos a comparar com os anos anteriores, o facto de este ser um ano introdutório faz com que a competição não seja, para já, fator a levar em linha de conta. Nas palavras de João Rodrigues, presidente da secção, essa é uma “meta para, se

tudo correr bem, o próximo ano”, apesar de, no fim de semana passado, ter já ocorrido uma demonstração no Atrium Solum. Para esta reativação, conta o presidente, muito contribuiu a “possibilidade de haver pavilhão” disponível para o efeito, assim como a vontade da nova monitora, Inês Almeida. João Rodrigues acautela, todavia, que, mesmo que a modalidade vingue dentro da academia, é preciso ter atenção ao “acréscimo de despesa” que ela acarretará, já a contar com o princípio do utilizador-pagador do Estádio Universitário de Coimbra. Nesse sentido, será necessária uma abordagem ao crescimento sustentável, na medida em que esse aumento deverá significar, consequentemente, um elevar das receitas.


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DeSPoRTo SecçõeS de lutaS e arteS marciaiS

A luta nos ringues não se faz só do confronto físico Nos recônditos do pavilhão número um do estádio Universitário, bem lá no fundo, existe uma sala. Apertada, com um projeto de ginásio ocultado por colchões que a dividem em dois, cabe nela um ringue, mesmo à medida. É ali que, durante a semana, várias secções de lutas da academia se reúnem para treinar. Por Fernando Sá Pessoa

D

a entrada até ao “palco”, curto, vão dois palmos, não mais. E o ambiente que se respira na sala, antes de mais um treino de boxe, é de descontração. Percebem-se brincadeiras e provocações amigáveis, o relaxamento normal antes do início. “O boxe é golpes de punhos e nada mais”, afirma o instrutor Bruno Cordeiro. ”Já o kickboxing envolve também as pernas”, acrescenta. O aquecimento é feito com relativo à-vontade, devido ao muito espaço disponível. Mas fora da sala, pois claro. À volta do campo onde crianças praticam hóquei no Estádio Universitário, seis elementos – entre os quais duas são raparigas -, preparamse para o treino com uma corrida a passo lento. Já no seu decorrer, os ânimos elevam-se um pouco e os treinadores parecem ser os mais empenhados. A gestão de recursos obriga a que dois combates entre instrutores e alunos se desenrolem ao mesmo tempo, enquanto os outros esperam de fora. No balouçar das cordas que roçam a parede, cai um dos formandos, após golpe de pé do tutor. “Isto aqui não é futebol”, brinca Francisco Rodrigues, praticante de ju jitsu que assiste, de fora. Tudo normal. A descontração dá lugar à seriedade que, envolvida em suor, começa a pesar.

Os ânimos são fortes e não há lugar para desconcentrações. Em contraste com a luz, o fumegar das costas dos atletas comprova-o.

Desportos competitivos No caso da secção de boxe, não é fácil de alcançar resultados competitivos. Apesar do balanço muito positivo do último ano, tanto o instrutor como o seu homólogo Paulo Nogueira são expeditos em concluir que é difícil assegurar regularidade contínua, quando a maioria dos praticantes são estudantes. “De trinta atletas, aproveitam-se cinco ou seis para a competição”, afirma Bruno Cordeiro. Noutra secção da academia, o judo, os valores são nobres. Cultiva-se, num dos maiores clubes da modalidade que existem no país, “o respeito, a amizade e o ajudar o próximo”. Quem o diz é Nuno Silva, orientador da secção. E, não obstante o facto, o nível competitivo mantém-se alto. Já na secção de lutas agarradas, onde a greco-romana e a luta livre têm maior dimensão, o treinador Miguel Silva é realista ao admitir a falta de competitividade. No entanto, ressalva-se com o bem-estar físico e mental que é trabalhado nos praticantes. “Ensinamo-los a ter hábitos de disciplina e espírito de sacrifício”, adianta.

Preconceitos à parte Um outro aluno acaba um dos combates, ainda durante o treino, com uma mazela na testa. O “confronto” com o professor torna-se vigoroso e ambos acabam abraçados, como que refreando os acalorares. Porém, não se iludam os céticos, porque as vantagens veem-se também nestas situações. Garante Paulo Nogueira que o aumento do autocontrolo e a descida do stress, associada aos benefícios cardiovasculares são importantes

“Muitos alunos entram com níveis de agressividade altos e saem como cordeirinhos” proveitos deste tipo de modalidades. A verdade, sorri ao dizê-lo, é que “muitos dos alunos entram com os níveis de agressividade altos e saem como cordeirinhos”. No caso das lutas, o treinador olha com alguma tristeza para a confusão que as pessoas fazem entre a luta livre e o wrestling. “É uma palhaçada contra a regra, que vai contra os prin-

cípios que nós defendemos aqui”, acusa. Porque, segundo o mesmo, as consequências físicas que advêm da prática das lutas só existem na alta competição. “É como no futebol”, compara, onde “os jogadores também acabam com os joelhos desfeitos”.

“Há bolas de hóquei no tapete” Enquanto a sala, limitada, acolhe o treino de boxe, cá fora, na extremidade oposta do pavilhão, decorre um treino de taekwondo. Os uniformes brancos fazem a sua harmonia contrastar com a loucura que o campo de hóquei, com crianças trajadas de preto, alberga. Queixando-se de não ter casa própria, a instrutora Ana Santos afirma que, “por vezes, as bolas de hóquei vêm ter ao tapete, enquanto pessoas passam por cima deles”. Nisso, as secções de boxe e de lutas estão melhor. No seu cubículo - duas máquinas de pesos e um ringue entrincheirado -, Bruno Cordeiro resigna-se: “é o que temos e estamos satisfeitos aqui no cantinho”. Apesar disso, a expressão de conformação não deixa de contrastar com o instrutor de judo, que se congratula com “uma das melhores salas do país”.

Com Fábio Santos OlgA juskiewiCz

Prolongamento f ut S A l

A A c a d é mica/OAF Futsal venceu o Operário dos Açores e vingou-se assim do resultado da primeira volta. Em deslocação às ilhas, a Briosa conseguiu chegar ao nono lugar, estando com 19 pontos. No regresso à primeira divisão nacional, a equipa de Tó Coelho prossegue a sua prestação positiva, estando apenas a dois pontos fora da zona do play out. Terá, no próximo dia 14, hipótese de se aproximar desse feito, se conseguir vencer o penúltimo classificado Loures.

R u Gb Y

A equipa de râguebi da secção da AAC foi alcançar, a Lisboa, uma importante vitória sobre a CDUL, por 14-8. Com este triunfo contra o segundo lugar do Campeonato Superbock, os estudantes podem, praticamente, festejar a presença na final four. A Académica segue no terceiro lugar, cada vez mais solidificado.

fu t e b o l

A secção de futebol da Associação Académica de Coimbra foi ao campo do Vigor e Mocidade obter um difícil ponto, após empate a duas bolas. À jornada 12, a permanência está, por enquanto, garantida, quando os 16 pontos estão bem distantes dos sete do lugar do Touring, equipa que está no lugar imediatamente abaixo (11º posto). Sem grandes motivos de emoção, a Académica está longe de poder pensar noutros voos, tal é a distância que a separa dos lugares cimeiros.

An d e bo l

Na primeira fase da zona centro da terceira divisão do campeonato nacional, a secção de andebol da AAC continua na luta pela subida. Apesar disso, a equipa dos estudantes perdeu por um ponto na última partida, na deslocação ao terreno do AD Albicastrense (30-29). À 18ª jornada, a Briosa segue em terceiro lugar, mas apenas dois pontos separam a turma academista do líder Académico de Viseu.

O boxe da AAC continua a obter bons resultados, apesar das limitações da secção.

Por Fernando Sá Pessoa


10 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

CIDADE

Tecelagem de almalaguês

Fio a fio, vai-se fazendo a tradição Distantes do centro urbano de Coimbra, há pessoas que lutam para manter vivas tradições seculares. É esse o caso das tecedeiras de Almalaguês que, através da técnica única de tecelagem que exercem, constituem o maior centro de tecelagem manual da Europa. Por Ana Morais e Inês Amado da Silva

A

lmalaguês será, muito provavelmente, um nome desconhecido para muitos habitantes de Coimbra. A localidade, situada a uns escassos 12 quilómetros da cidade, algo deslocada do eixo urbano e de difícil acesso para os que não conhecerem os percursos mais rurais, parece remetida para um outro tempo. Um tempo do qual se herdaram as tradições que distinguem a aldeia e que o próprio nome deixa antever. “Começar a falar da tecelagem de Almalaguês”, explica o presidente da junta, Victor Costa, “obriga-nos a recuar à colonização árabe da Península Ibérica”. O facto de a zona ser marcadamente rural e de pouca emigração contribuiu para que as pessoas “se tenham fechado em si próprias”, como verifica o presidente: Almalaguês tornou-se, “ao longo do último século, uma aldeia muito isolada de Coimbra”. Desvantagem? O que é certo é que a tradição da tecelagem, ponto de maior interesse da aldeia, “mantém rigorosamente aquilo que conhecemos dos teares árabes e falar do tecer almalaguês é falar do que os árabes introduziram na península”, explica Victor Costa. A tra-

dição faz parte do dia-a-dia destas gentes, que continuam hoje a tecer conforme o modelo árabe, ao contrário do que aconteceu noutras regiões. Em tempos, a tradição terá sido bem mais acentuada – o tear servia não só para tecer, mas era lá também que os rapazes iam namorar as raparigas, que cantavam enquanto teciam. Os mais velhos recordam aqueles tempos com alguma nostalgia, porque associados a este tipo de

inês AMAdo dA silvA

inês AMAdo dA silvA

“Falar da tecelagem de Almalaguês obriga-nos a recuar à colonização árabe”, diz Victor Costa artesanato está uma cultura popular muito singular. O fundador da Sede e Museu Etnográfico e Folclórico “As Tecedeiras de Almalaguês”, Joaquim Isidoro, conta que, antigamente, “tinha uma tia que tinha mais de 30 mulheres a trabalhar para ela todos os dias, porque ia à feira de Montemor de 15 em 15 dias”. Recorda também a semeadura de linho que se estendia

até Penacova - “tínhamos um lagar para fabricar o linho, mas foi morrendo, morrendo”, lamenta.

Maior centro manual de tecelagem da Europa Tão singular como a cultura em torno desta arte é a especificidade de técnicas e materiais. “O tecido feito no tear de Almalaguês é diferente do tecido de outros tipos de tear”, garante a presidente da Associação Herança do Passado, Emília Pereira, para explicar que a técnica utilizada na freguesia é única no país. Maria de Lurdes Ferreira, de 64 anos, faz parte da direção d’ “As Tecedeiras de Almalaguês” e também ela é tecedeira. Enquanto demonstra trabalho no tear, domina eximiamente um rol infinito de termos desconhecidos de quem não exerce esta arte, como por exemplo: cabestilhos, tempereiros e lançadeiras, objetos indispensáveis ao trabalho no tear. Victor Costa revela que, em toda a freguesia, se encontram 127 teares ativos, considerando ativo aquele que tenha uma tecelã a trabalhar pelo menos duas vezes por semana. Este número contribui para que Almalaguês possa ser consi-

derado o maior centro manual de tecelagem da Europa. Victor Costa salvaguarda ainda que “foi a medo que não se afirmou ser o maior centro manual do mundo”, devido ao desconhecimento total da concentração de teares ativos nos países orientais. São várias as ameaças que esta tradição enfrenta nestes dias: se, por um lado, uma delas parece vir do Oriente, como acredita Lurdes Ferreira, no entanto, a maior pa-

“A tecelagem de Almalaguês adapta-se a tudo, portanto tudo podemos fazer” rece surgir no seio da própria localidade. Desde o 25 de Abril que se vem verificando “uma quebra enorme” da produção: com a melhoria das acessibilidades e da qualidade de ensino origina-se uma espécie de “êxodo das senhoras”, como diz Victor Costa. “Nos últimos anos, tem sido uma necessidade imperiosa recuperar e reavivar a tecelagem”, alerta o AnA MorAis

AnA MorAis

A tecedeira lurdes Ferreira, de Almalaguês, mostra grande mestria no manuseamento do tear.

presidente, perante a ameaça do desinteresse das novas gerações. Cristina Fachada é um exemplo raro no panorama atual da atividade: tem 44 anos, está a tecer há 32 e diz nunca ter procurado outra profissão “porque era isto que gostava de fazer”. Antes de trabalhar por conta própria, trabalhou também em oficinas, mas quis ter mais possibilidade de criação. Hoje, diz ter já “outro tipo de publicidade”, inclusive um site onde divulga o seu trabalho, tentando “atalhar por outros caminhos”: “é mais prático para os mais jovens”, revela. No entanto, a tecedeira vaticina um futuro pouco risonho para a atividade: “para cima dos 25/30 anos, essas moças ainda sabem tecer, mas para os 20 já não”. “Neste momento”, lamenta Cristina Fachada, “as casas têm o tear na mesma, mas não está a funcionar e os jovens não aprendem”. A tecedeira afirma a sua vontade de continuar, mas não esconde a descrença: “depois da minha geração, acho que [a tradição] vai desaparecer”.

Países nórdicos são possibilidade de mercado Também Emília Pereira comenta este facto, e considera que o negócio não foge ao panorama atual “está em crise”. Ainda assim, a artesã sublinha a necessidade de se repensar o comércio da tecelagem de Almalaguês, mostrando a preocupação de se insistir na aprendizagem da técnica pelas gerações vindouras. É nessa linha que atua a Associação Herança do Passado, que se apresenta como “um local de formação”, com a realização de sucessivos ateliers e workshops. Victor Costa conta, até, que a junta organizou uma formação com uma professora vinda de Lisboa que “não foi muito bem recebida pelas tecedeiras”, pois consideraram a situação como “uma afronta”. Neste momento, todos concordam que o produto terá que se adaptar ao mercado. Emília Pereira afirma que os produtos ganham um contorno mais visível nas feiras e exposições de artesanato, e afirma que “é preciso ir ao encontro dos clientes”, posição que Cristina Fachada reitera. Victor Costa antevê que o negócio ganhe um “futuro a nível internacional, nomeadamente nos países nórdicos”, e Emília Pereira vai mais longe, assegurando que “a tecelagem de Almalaguês se adapta a tudo, portanto tudo podemos fazer”. E sugere ainda: “dêem-nos as ideias que nós fazemos”.


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LevanTados do chão

Hoje, verga-se o corpo do Alentejo

Saramago escreveu, em 1980, o livro “Levantado do Chão”. Nele retrata o caminho que a população de Lavre tomou para se insurgir contra a miséria rural. Fomos ao Alto Alentejo ver se esta é ainda a terra de um povo levantado do chão. Reportagem por João Gaspar e Félix Ribeiro. Fotografia por João Gaspar


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LevanTados do chão

H

á nesta terra algo que nos faz pensar, mal a vemos, que já estamos a entrar no Alentejo. O Homem parece que fugiu daqui. E fugiu, fugiu aos poucos. Cercas de arame guardam campos sem fim à vista, onde as casas nem sempre existem, e quando existem, ou estão sozinhas ou se fazem de poucas visitas. Os sobreiros que se plantam aos olhos de quem vê toda esta terra são a cara do Alentejo. Árvores cansadas, de copa pesada e triste, que, ao se curvarem, fazem sombra na terra abandonada. Na verdade, não esperávamos nada de diferente. Os vinte e poucos anos não nos trazem outras memórias. Nem de lutas de enxada, nem de trabalho de sol a sol, nem da porrada dos capatazes, nem da terra tomada por quem a cultivou. Isso ensinou-nos Saramago. “Durante toda a sua vida não fez mais do que ganhar o pão, e não todos os dias (...), que venha um homem ao mundo sem ter pedido, que passe frio e fome infantil mais do que a conta, se conta pode haver, que chegando a crescido tenha a fome de redobrar como castigo por ter sido o corpo capaz de aguentar tanto, e depois de maltratado por patrões e feitores (...) vai preso como gado...”, diz o narrador do livro Levantado do Chão, retratando a vida de João MauTempo, personagem inspirada em João Serra, nascido e criado em Lavre, e que lá morreu antes de poder ver a sua gente levantar-se do chão. E como Lavre continua no mesmo sítio, à beira de Montemoro-Novo, resolvemos ver se era a inocência da nossa idade que nos dizia que já não havia gente levantada.

Os corvos, os javalis e a buleta Ainda antes de chegarmos a Lavre nos apercebemos de que se, de facto, alguma vez o povo se levantou do chão, pouco tempo se manteve de pé. Em plena

planície, um aglomerado de casas corta com as herdades entregues ao baldio – Foros de Vale de Figueira. Cultivo, até agora, nem vêlo. Milhares de hectares depois, o único terreno que vemos cultivado é a horta do Ti Joaquim. Do alto dos seus 83 anos, a horta é de um homem que viveu para além do Estado Novo, do 25 de Abril e da Reforma Agrária. E, na hora de levantar o dedo, é ao presente que aponta: “olha, na dele, os bichos passam fome”. A dele? É uma das largas terras que a poucos pertencem: os latifúndios. A terra ninguém a trata, do gado também não. Sem pasto, esse morre de fome e a sua carcaça, sem servir para nada mais, vira alimento de corvos, que se fazem ouvir todos os dias na pequena aldeia. Já os javalis, à falta de fartura, galgam cercas e vegetação para entrar nas hortas de quem já tão pouco tem. Ainda que abandonados, os terrenos quase invo-

Os javalis, à falta de fartura, galgam cercas e vegetação para entrar nas hortas luntariamente produzem. Os sobreiros, azinheiras e oliveiras que se prostram pelas planícies e montes alentejanos dão fruto que é esquecido, como o terreno, e se deixa ficar no chão, sem que ninguém o possa apanhar. “Há buleta à farta, mas murtamnos se a apanharmos”, lamenta Ti Joaquim. Se a GNR, e não estamos aqui a duvidar do cumprimento do seu dever, não hesita em puni-lo, José Saramago absolve-o. “Apanhar a bolota do chão não é roubar, e que fosse, a fome é uma boa razão para roubo, quem rouba por precisão tem cem anos de perdão, bem sei que o ditado não é assim, mas devia ser, se eu sou ladrão por ir

roubar bolota, ladrão é também o dono dela, que nem fabricou a terra nem plantou a árvore e a podou e a limpou”, reza assim Saramago em seu livro. Por sorte do acaso, parou o carro de Custódio Gingão enquanto conversávamos com Ti Joaquim. Deputado parlamentar pelo PCP nos anos de 1976 a 85, conta-nos os números que fazem a memória que aqui toda a gente se orgulha em ter: a Reforma Agrária - a terra tomada por quem a trabalhava. 4000 ovelhas, 400 vacas de ventre, 300 cabris, 70 toneladas de azeitona. “Disto, desapareceu tudo”, sentencia o antigo deputado. “A reforma agrária acaba, tomam-nos as terras. Depois, os donos ficaram com a terra e deixaram de produzir. De 1170 habitantes, 300 foram para a Suíça”. São ainda menos agora, divididos entre pensionistas, desempregados e funcionários do lar de idosos. “Isto é uma vergonha, vou tentando sobreviver”, como tentam os corvos e os javalis. Ti Joaquim, abalado e de olhos molhados, sobrevivente ainda, condena: “isto é sempre o que os homens querem”. Isto não é o Estado Novo; desses tempos, Idalina Matias e Albertina Canelas, que entretanto se juntaram à conversa, lembram a travessia que suas mães tomavam nos tempos do sol a sol, atravessando ribeiras apoiadas em cajados, porque o corpo moído quase não era delas, mas do trabalho, duro e ingrato, e nem esse agora existe. Idalina, na altura gaiata mas já a fazer trabalho de mulher, viu a injustiça do latifúndio, viveu a fartura da Reforma Agrária e agora, com 265 euros por mês, mal da coluna e das mãos, a dever na farmácia e a dever no supermercado, diz que a sua tiroide come mais do que ela, mas, mesmo assim, preocupase mais connosco: “isto para vocês está pior”. Ti Joaquim também nos avisa: “não chegam à minha idade, mas Deus queira que cheguem”. É ele, como que um pai para Idalina, que lhe põe o pão na arca quando,

calculamos nós, a tiroide assim o pede. As vizinhas abalaram, o ex-deputado também, ficamos novamente sós com Ti Joaquim, diante de sua casa, que se mantém de pé há 40 anos, construída com as suas próprias mãos e com a generosidade do velho Cunhal, seu antigo patrão que lhe emprestou “as máquinas todas” e que ainda lhe queria oferecer a madeira: “fossem todos os ricos assim”. Foi também o velho Cunhal que, no dia 23 de Junho de 1958, se abeirou perante os seus trabalhadores, entre eles Ti Joaquim, e informou: “olha, mataram um camarada nosso lá em Montemor”. Fora José Adelino dos Santos, assassinado a tiro pela GNR numa manifestação em frente à câmara. Pobre coitado, pedia apenas trabalho, como os de agora. E voltemos a Saramago, que em seu livro transcreve as palavras dos 700 que estavam ao lado daquele que mais tarde sairia de lá cadáver: “queremos trabalho, queremos trabalho, que mundo este haver quem de descansar faça ofício e quem trabalho não tenha, mesmo pedindo”. Mais de 50 anos se passaram, mas o tempo passou ao lado da pertinência das palavras. Prova disso, são as que Ti Joaquim usa para retratar um passado recente, depois de acabada a Reforma Agrária, devolvidas as terras aos antigos proprietários e ainda a entrada dos subsídios da Política Agrícola Comum com Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE): “gastaram dinheiro em casas e carros. Era uma coisa doida. Pagar para não produzir – a maior vergonha do mundo”.

O que mais há na terra é paisagem Feitas as despedidas, rumamos a Lavre, espaço principal do romance de Saramago. Até lá, apenas gado e a mesma terra sem cultivo. No cimo de um monte afiguramse-nos as típicas casas

brancas alentejanas, e, de lá, ganham forma as palavras com que Saramago começa o seu livro: “o que mais há na terra, é paisagem”. Em passos calmos, que se fazem da companhia de uma bengala, Adelino Matias, a um dos 90, encosta a sua velhice a uma parede para nos dizer que antes do 25 de Abril ganhava pouco, é certo, mas “havia trabalho com fartura. Agora não há”. Viridiana Lopes, sentada ao lado, também ela a fazer uso da sua

Viridiana via-se forçada a guardar os filhos num caixote para que ficassem protegidos da chuva bengala, concorda com Adelino. “Antes havia muita miséria. Andávamos a martirizar o corpo, mas pelo menos havia trabalho”. Parece-nos difícil pensar que houvesse algo de positivo nesse tempo cruel. A palavra cruel não é usada aqui ao desbarato. Viridiana, quando ia trabalhar, via-se forçada a guardar os filhos num caixote para que estes ficassem protegidos da chuva. No verão, outros filhos de outras mulheres, conta-nos ela, apenas com meses de vida, eram deixados debaixo da sombra dos sobreiros, enquanto os pais se entregavam ao lavor da terra. Azarados alguns, que não chegavam a tempo. O Sol avançava, a sombra mudava de lugar. Foi assim que vários filhos se perderam com a insolação. Adelino, de olhos muito azuis, lembra, por sua vez, que por qualquer coisa “era logo uma sova”. “Éramos escravizados. Eu passei por isso tudo”. Para além do trabalho feito de pancada, a comida também era pouca: “comíamos o que havia, até ervas para encher a barriga”, como as carrasquinhas (talos de


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LevanTados do chão cardos selvagens). Já não estamos no Estado Novo, Viridiana já não tem que comer ervas para encher a barriga, o seu almoço, e que vai também ser seu jantar, é “um prato de arroz com um ovo lá dentro”. Grande mudança. Para Adelino, é cada vez pior, resta-lhe o desejo de que mesmo “esse poucochinho Deus queira que não acabe”. É a fome que leva ao fiado, já nos contava Saramago: “andou João Mau-Tempo a curtir a vergonha de dever e não poder pagar (…), e agora é ele quem vai de loja em loja a dizer o recado, e quando é mal recebido, faz de conta que não sente, o padecer tornou-lhe rija a pele, a necessidade que o leva não é apenas sua. Senhora Graniza, o pessoal está em luta pelas oito horas de trabalho e os patrões não querem vir ao acordo, por isso estamos em greve, venho pedir que espere três ou quatro semanas”. Senhora Graniza, que foi na verdade Maria Saraiva, mãe de Elvira, que serve numa taberna perto do coreto de Lavre. “As pessoas estão outra vez a pedir fiado como antes do 25 de Abril”, lamenta. Ainda antes de Saramago passar serões em sua casa, entrevistando sua mãe, Elvira recorda, impressionada, de quando gaiata, na loja da “Senhora Graniza”, via como se alimentavam as famílias dos camponeses: “era tão pouco, tão pouco, fazia-me confusão ver como conseguiam comer com tão pouco”.

A herança comunista Manuel José, na taberna, entra na conversa, alvitrando o que nos foi sendo comum ouvir ao longo da nossa visita: “o Alentejo perdeu muito com o capitalismo”. “A malta apertou, mas os capitalistas aguentaram-se”, diz, recordando-se do que para muitos é o seu maior motivo de orgulho – a Reforma Agrária. “A gente tem umas saudades desse tempo”, diz Elvira a Caracol, o

que suscita neste um desabafo sentido: “porra!”. E depois do saudosismo logo surgem as críticas ao presente e aos subsídios de apoio à criação de gado dados pelo Ministério da Agricultura. “Eles [latifundiários] só querem os animais para o subsídio”, acusa Elvira. Fernando José do Rosário, ou como toda a gente o chama, Caracol, ataca não só esse subsídio como todos os outros, como por exemplo o incentivo à não produção ou à plantação de oliveiras: “não haviam de receber subsídio nenhum, esse devia ser para a gente”. Mas, como o próprio diz, “contra a força não há resistência” e Caracol resignou-se a aceitar que as terras, que na Reforma Agrária foram tomadas pelo povo que as queria trabalhar, voltassem aos antigos proprietários. Isto pode explicar a aversão que vimos ao capitalismo. Ainda antes de falarmos com Caracol pela primeira vez, um seu amigo apontoulhe o dedo e gracejou: “foste sempre um lacaio dos capitalistas”.

Depois de Saramago, está o povo levantado do chão? “Que o primeiro-ministro venha cá ver se estamos levantados” Marcolino Ferreira

“Há que ler o livro do Saramago para não querermos voltar a esse tempo. As pessoas têm que ter algo para se levantar e se fixar neste chão. Precisamos de pessoas que olhem para este chão” Ângela Catarino

“Perdemos tudo pelo que lutámos. Temos que nos levantar novamente do chão” António Joaquim

“Agora forma-se inveja, ódio que nesse tempo não havia. Isto já está quase no tempo da PIDE, só com denúncias, piquices e mesquinhices. Viver, trabalhar, ajudar – tudo isso era o levantado do chão. Já não se vê isso” Daniel Dias

“A memória é o que lhes resta. Aproveitaram para ter talvez o seu único verdadeiro momento de democracia para entrarem para a História, e que a História entrasse neles adentro” Paula Godinho

Em Lavre, não há amigos nem de Cavaco Silva nem de António Barreto Aqui não há amigos nem de Cavaco Silva nem de António Barreto, pelo papel que lhes apontam no retrocesso da Reforma Agrária. Elvira, assim que refere a sua opinião sobre Cavaco, meio a medo, dá um passo atrás: “eu aqui a falar mal do Cavaco e vocês se calhar gostam dele”. Esta gente aqui veste-se de vermelho. Desde as primeiras autárquicas, em 1976, que a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo é governada pelo Partido Comunista Português, sozinho,

“A dinâmica social e a imaginação criativa que houve naquele período de dois anos não morreu, e em certos contextos pode-se revelar mais facilmente” Pedro Hespanha

“Levantámo-nos, mas estamos outra vez a cair” António Joaquim de Alponedro

“Traduzo a ideia do levantado do chão como um povo que foi construindo a sua consciência de classes e de começar a procurar os seus próprios caminhos. Hoje não temos a possibilidade de encontrar o nosso caminho” Carlos Pinto de Sá


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LevanTados do chão ou em coligação. É óbvio o orgulho com que António Joaquim de Alponedro recorda as visitas de Vasco Gonçalves a José Saramago, na freguesia de Lavre, durante as quais seguia em frente da comitiva, na sua bicicleta, tal qual um batedor, de forma a garantir a segurança dos ditosos visitantes, nos agitados tempos do verão quente de 1975. Não obstante os serviços prestados a Vasco Gonçalves e ao Nobel português, António Alponedro recebe apenas 300 euros por mês, vai-se governando com o apoio do lar de idosos, onde lhe lavam a roupa e o alimentam por apenas um euro e meio. A renda não a tem pago: “há aí uma senhora muito rica que eu acho que me paga a renda. Ela diz que não, mas eu vou à Casa do Povo e está paga”.

A UCP Boa Esperança Apesar de este ato anónimo de altruísmo a António Alponedro, Daniel Dias, o presidente da Unidade Colectiva de Produção (UCP) Boa Esperança, uma das poucas que ainda subsistem, pegada da Reforma Agrária, considera que havia uma união entre as pessoas que não há agora: “a reforma trouxe felicidade”. As diferenças não se estancam no comportamento da população. A ver: quando a UCP se formou chegou a ter 374 funcionários, produziu duas mil toneladas de cereais em 76 e 77 e possuía seis mil hectares de terra. Hoje, a Boa Esperança emprega seis pessoas, detém apenas 20 hectares, com mais 300 arrendados, já quase não produz cereais e mantém-se à base de gado e serviços a proprietários. Daniel Dias encontra justiça no mote da reforma: “a terra a quem a trabalha”. Não que seja necessariamente contra a entrega de terras aos latifundiários, mas “injusto é o proprietário não produzir nada”. Dos investimentos feitos nas terras que mais tarde foram obrigados a devolver – gado, maternidades para porcos, vacais, instalações – não viram um tostão e, ainda para mais, nas terras onde antes, como diz, recebiam das próprias mãos, viram ser plantados hectares de pinhal, subsidiados pela CEE. “[Antes] as pessoas ganhavam para o que produziam e achavam que estava bem. Sabiam que tinham trabalho, e disso, tenho saudades”, desabafa. “Trigo, cevada, tabaco, milho, tomate, vacas leiteiras, ovelhas…”, enumera António Joaquim, tesoureiro da Boa Esperança, lembrando os tempos áureos da UCP que representa. Como primeira machadada, António Joaquim aponta para a chamada Lei Barreto, que vinha, em 1977, impor limites à Reforma Agrária, com desocupações de terras, termo das UCP’s e ainda a atribuição de indemnizações aos antigos proprietários. “Quantas marchas até a Lisboa? Quantas marchas a trator? Quantas manifestações em Évora e Montemor? Ouvidos moucos, até em tribunal. Nunca nos foi devolvida terra ne-

nhuma”.

Um povo curvado Ângela Catarino, nascida em Évora (mas só para nascer), está no seu segundo mandato como Presidente da Junta de Freguesia de Lavre. Nascida já depois da apoteose da Reforma Agrária, Ângela, com os seus 33 anos, do pouco que se lembra, recorda que todos os pais dos seus colegas trabalhavam na agricultura. Agora não é assim, “tirando os postos de trabalho no turismo, no lar e na valência de idosos, não existe trabalho na Freguesia de Lavre”. Os terrenos à volta de Lavre, pertencem, na sua grande maioria, “apenas a duas pessoas”, conta-nos. Para a presidente da junta, a política do incentivo à não produção “tem sido um desastre”. “O abandono das pessoas está ligado ao abandono da reforma [agrária]”, o que sentencia o seu trabalho: “é um ato de coragem ser-se presidente de junta no Alentejo – as pessoas tudo perdem aqui”. E, segundo Saramago, antes nem chegaram a ter: “Ai minha santa mãe, que um homem vai rebentar de tanta fome, e os filhos, que dou eu aos filhos, Põem-nos a trabalhar, E se não há trabalho, Não

“Quantas marchas a trator? Quantas manifestações? Ouvidos moucos, até em tribunal ” faças tantos”. O Nobel português inscreveu nas suas páginas a magia da humanidade feita num único movimento – o levantar do chão. Contra a opressão e a miséria, este foi um povo que encontrou e fez o seu próprio caminho. Todavia, na nossa viagem, lamentamos ver o mesmo povo, ainda de pé, pela força da obrigação, mas certamente curvado, demasiado próximo do chão. “Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também no chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo”. Recordemos novamente António Joaquim de Alponedro, o mesmo que, de bicicleta, abria caminho e protegia Saramago de eventuais inimigos. “Eu acho que se ele viesse cá, morria de desgosto”. José Saramago morreu há pouco mais de um ano, mas duvidamos de quem nos seja capaz de dizer, em boa verdade, que vendo o povo curvado, um homem não possa morrer duas vezes.

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Fotorreportagem em

acabra.net

A engrenagem rural A 29 de julho de 1975 sai o primeiro decreto-lei, 406-A/75, que vem enquadrar legalmente as ocupações de terras que já estavam a ser empreendidas por parte dos trabalhadores rurais, logo a seguir à revolução, sob o mote “a terra a quem a trabalha”. O mesmo vem determinar a expropriação de todos os terrenos pertencentes “a pessoas singulares, sociedades ou pessoas coletivas de direito privado (…), se verifique corresponderem a mais de 50 mil pontos ou, independentemente desse requisito, ultrapassem os 700 hectares”. A lei, segundo o sociólogo Pedro Hespanha, surgiu como “um processo de justificação da legalidade da ocupação”, sendo que as primeiras tomas de terra foram despoletadas pela noção de uma legitimidade ética presente nos trabalhadores. O aclamar de justiça remete-nos para o funcionamento do latifúndio, sistema agrário mais comum no Alentejo do pré-25 de abril. Estas grandes extensões de terreno funcionavam sob os moldes de uma cultura extensiva, em que o proprietário, não querendo investir em adubos ou estrumações, deixava a terra em longos períodos de pousio, o que remetia a um emprego sazonal. Não só as áreas de cultivo não tinham grande investimento, como se praticava também o montado – plantação de árvores como o sobreiro – e a reserva de caça.

O gesto do pelicano “Havia terrenos que estavam abandonados, que não produziam, e havia gente que precisava de trabalhar, precisava de viver”, explica-nos Pedro Hespanha, também antigo diretor do Centro da Reforma Agrária de Portalegre, acrescentando que dramáticas eram as situações de falta de trabalho. Situações essas que se espelham no pedido que alguns proprietários faziam à população, segundo nos conta a antropóloga Paula Godinho, que investiga a resistência rural: “imitem o gesto do pelicano” – tirar do corpo para dar de comer aos filhos. Segundo Paula Godinho, com a chegada da democracia, o emprego

todo o ano assume-se como a grande reivindicação dos trabalhadores rurais, restituindo-se, também, “a função social da terra - alimentar uma população”. Para a investigadora, foi um processo de mudança social rural acelerado; só depois veio a legislação, antes já as populações tinham ocupado as herdades depois de lhes verem negada a exigência de emprego junto dos proprietários. Em 1975, são aplicados os vários decretos-lei que vieram legalizar o processo de ocupações. Pedro Hespanha considera que surge, em 1976, “o primeiro resvalar da Reforma Agrária”. Foi suspenso nesse ano o Crédito Agrícola de Emergência – que garantia o fundo de maneio para salários e investimento agrícola – às Unidades Coletivas de Produção (UCP) e cooperativas que não apresentassem um relatório de contas completo. “A segunda ofensiva foi no tempo de António Barreto”, enquanto este era ministro da Agricultura e Pescas no I Governo Constitucional. A ofensiva veio alterar os 50 mil pontos expropriáveis da antiga lei [50 hectares de terras médias de regadio e 500 hectares de terras de sequeiro], para 70 mil pontos, e outorgava a possibilidade dos proprietários de determinar qual a área a ser a readquirida. Isto possibilitou a inutilização de

A situação em Montemor-o-Novo é “absolutamente dramática”, afirma Carlos Pinto de Sá áreas cruciais para a produção no restante terreno, ainda nas mãos de UCP’s e cooperativas. O cariz vingativo das classes sociais afetadas pela Reforma Agrária esteve sempre presente no processo de reaquisição das terras, como nos expõe Paula Godinho: “foi um regresso ao passado mas com revanche – não queriam contratar trabalhadores locais porque tinham na memória todo o processo”.

O exemplo de Montemor Nas palavras do presidente da Câmara Municipal de Montemor-oNovo, Carlos Pinto de Sá, a situação do seu município é “absolutamente dramática, porque desde a entrada de Portugal na União Europeia ficámos sujeitos à Política Agrícola Comum (PAC)”. É esta política europeia que incentiva à não produção através de subsídios. Sobre a PAC, o presidente da câmara é da opinião de que “o governo deveria fazer pressão para que estas políticas de pagar para não produzir fossem alteradas”. Durante a Reforma Agrária, dois fenómenos ocorreram em Montemor-o-Novo. De acordo com Carlos Pinto de Sá, a partir do 25 de abril e até à década de 80, Montemor cresceu a uma velocidade superior à média nacional: nove por cento ao ano. Para além do crescimento demográfico, a Reforma Agrária veio trazer mais quatro mil postos de trabalho, depois desta se esmorecer, três mil se perderam. A demografia no concelho também esmorece – em 1981 eram 20 210 habitantes. Nos Censos 2011, contam-se 17 437. Para Carlos Pinto de Sá ainda é válida a exigência da terra por quem a trabalha, e tece considerações sobre o fim da reforma: “a Reforma Agrária não desaparece por questões económicas. Existiram mais de 550 UCP’s na Zona de Intervenção da Reforma Agrária. Conheço mais de uma centena e não sei de nenhuma que, ao encerrar as portas, não estivesse a dar lucro”. “Foi um processo político”, acusa. Para os intervenientes no processo da toma de terras, a memória da reforma é uma da qual se orgulham profundamente, como nos conta Paula Godinho: “as pessoas sentiam que podiam fazer alguma coisa”. E parafraseia as mulheres do Couço, com quem conviveu: “os nossos braços contavam”. Não há lugar para a Reforma Agrária hoje. Pelo menos é esta a opinião de Carlos Pinto de Sá: “qualquer iniciativa desse tipo seria totalmente reprimida e as pessoas seriam acusadas de não respeitar a propriedade privada”.


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CIênCIA & teCnOlOgIA

CO2 possível de se reutilizar D.R.

De um gás que provoca efeito de estufa, a Universidade de Coimbra está a criar mecanismos de conversão em compostos aproveitáveis pelas empresas. O ambiente agradece Paulo Sérgio Santos Os dados são claros. De acordo com os últimos relatórios da Agência Europeia do Ambiente (EEA) e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), a quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida para a atmosfera é já superior à esperada para o biénio 2011-2012. Importa, portanto, sequestrar aquele que é um dos principais gases responsáveis pelo efeito de estufa. Abílio Sobral, investigador no Laboratório de Química Orgânica, do Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), esclarece que há várias formas de reter o dióxido de carbono que é libertado: “basta plantar árvores ou privilegiar o crescimento de algas”. No entanto, estes são processos muito lentos e, nos últimos anos, “têm-se usado materiais multiporosos inorgânicos para que o processo de sequestro de CO2 seja condensado logo no emissor, evitando-se a emissão atmosférica”. Todavia, não é só em retenção de dióxido de carbono que se pensa no Departamento de Química. “Projetos de captação de CO2 já existem. O que se está aqui a falar é de conver-

ter CO2”, continua Abílio Sobral, concluindo que “a base do estudo é a transformação do dióxido de carbono”. Há já quinze anos que as porfirinas, presentes no grupo hemo (encontrado em proteínas como a hemoglobina) e na clorofila, são utilizadas em química medicinal. O investigador da UC confirma que “há um trabalho enormíssimo feito com esse tipo de moléculas, dado que são compostos fundamentais na chamada terapia fotodinâmica do cancro, que é uma metodologia não invasiva de tratamento”. Em anos recentes, têm-se descoberto importantes novas aplicações para estas moléculas, como demonstra o docente ao referir que as porfirinas, no estado sólido, “formam estruturas tridimensionais multiporosas”. Abílio Sobral refere ainda que é “a vantagem de terem canais dentro das estruturas cristalinas e a relação área-superfície em termos de volume que faz com que ganhem importância no domínio da química ambiental”. No fundo, “são compostos que podem ser depositados sobre polímeros, tintas, esponjas ou espumas”, explica.

em metanol”, aclara o investigador. Aqui entra a poupança económica subjacente: “se essa mesma empresa consumir 40 toneladas de metanol por dia, deixa de necessitar de ser compradora deste produto. E, ao mesmo tempo, paga menos taxas e impostos sobre a emissão de dióxido de carbono porque, obviamente, deixa de o emitir”, explica Abílio Sobral.

Balanço otimista do projeto

Binómio oferta/procura Atualmente, ninguém fica indiferente à problemática da emissão de gases com efeito de estufa, sendo o CO2 o mais conhecido pelo público em geral. Abílio Sobral entende que “este é um momento muito propício, devido à relação entre a oferta e a procura”. O investigador considera que, quando há uma grande procura aos produtos que podem ser gerados a partir da transformação do dióxido de carbono, “existem enormes oportunidades de negócio”. Compostos como o metanol, o formaldeído e o ácido fórmico são os resultados es-

Espetrómetro de massa custou 120 mil euros perados da transformação do CO2 e que, segundo o investigador, “estão entre os materiais mais consumidos pela indústria química. O metanol é um importante combustível e solvente industrial, enquanto o formaldeído e o ácido fórmico são agentes de preparação de polímeros e mate-

riais resinosos”. Perceber a lógica desta ideia é relativamente simples. “É como ter lixo no quintal e alguém pagar para se dar autorização para levarem o lixo. Por exemplo, uma empresa produz 50 toneladas de CO2 por dia e consegue converter, dessas 50, 40

Num projeto estabelecido temporalmente para três anos, o investigador não deixa de fazer um percurso positivo. “Para o primeiro ano, que está a decorrer, tínhamos planeado o início dos estudos e a verificação da capacidade de aprovisionamento de CO2”, objetivos esses que foram cumpridos na totalidade. Outro dos pontos cruciais era a abertura de bolsas de investigação, “essenciais para o emprego jovem e científico” sendo que, neste momento, Abílio Sobral conta com uma equipa, entre investigadores e bolseiros, que já ascende a 15 pessoas. Toda a universidade sai a ganhar, confirma Abílio Sobral: “foi adquirido um espetrómetro de massa, aparelho que permite identificar os diferentes átomos que compõem uma substância, em carência no Departamento, e que também estava previsto no projeto”. O investigador garante ainda que os próximos dois anos apresentam desafios igualmente aliciantes: “o projeto da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) já está delineado e há que o seguir. Mas é no terceiro ano que surgirá a parte mais forte do projeto, com as experiências de transformação de CO2 nos compostos, como é o caso do metanol, e igualmente com os testes no terreno, com os parceiros industriais”.

Novo modelo de intervenção apoia crianças em perigo O Modelo de Avaliação e Intervenção Familiar Integrado permite maior autonomia das famílias e melhores soluções para crianças e jovens negligenciados Filipe Furtado Um novo modelo de avaliação e intervenção em famílias com crianças em situação de risco foi desenvolvido na Universidade de Coimbra (UC). O Modelo de Avaliação e Intervenção Familiar Integrado (MAIFI) é uma ferramenta de apoio a Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e a tribunais nas decisões a tomar acerca do futuro desses menores, garantindo apoio às respetivas suas famílias. Ana Teixeira de Melo, investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UC

(FPCEUC), é a responsável pelo desenvolvimento desta nova ferramenta de intervenção social que foi criada para “apoiar o processo de mudança de famílias «multidesafiadas», ou seja, que experimentam várias dificuldades, vários desafios e que têm vidas muito difíceis”. O novo modelo de intervenção foi avaliado ao longo de quatro anos, em sete concelhos do país, através de Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental e respetivos parceiros locais. A investigação resulta de uma tentativa de otimizar recursos humanos das equipas interdisciplinares compostas por psicólogos, assistentes sociais e educadores sociais, que medeiam essas problemáticas. A principal caraterística do MAIFI é a de ser “um modelo colaborativo, centrado nas forças”, onde a intervenção é feita com a família, a partir das suas competências e recursos, sublinha a investigadora. Há que “perceber se a criança está segura” e avaliar quais as formas de

ajudar os pais “ para melhor cumprirem com as suas funções.” Os elementos das equipas que trabalham com esses agregados familiares, fazem-no “numa relação de parceria”, aponta Ana Teixeira de Melo. “Presta-se atenção a cada um dos indivíduos da família, aos desafios que cada pessoa tem de lidar, mas também às condições da família, as condições ambientais e sociais de vida, a ligação que tem com a comunidade e aos constrangimentos que aquelas que vivem numa situação de pobreza têm que enfrentar”, acrescenta a responsável pela investigação. Nos modelos tradicionais as famílias são acompanhadas por diversos especialistas e por várias instituições. Isto dificulta o processo para a família que “às tantas está perdida no meio de tantos profissionais”, com projetos diferentes. Segundo a investigadora, o MAIFI é “um modelo no qual a família ganha maior poder sobre a sua realidade”, isto é, “tem um papel mais autó-

nomo”. O MAIFI é um modelo terapêutico que “procura reforçar e revalorizar as relações dentro da família”, é “um modelo social, porque há uma preocupação em ajudar a família a alterar as suas circunstâncias sociais e ambientais ”, é um

modelo educativo “na medida em que se procura ajudar a família a desenvolver competências para cuidar melhor das crianças” e um modelo forense que garante orientações específicas para garantir apoio ao sistema de proteção de menores. D.R.


16 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

PAís

Emergência dos tecnocratas não desculpa rompimento com a democracia A figura do tecnocrata surge associada à resolução pragmática dos problemas conjunturais das economias periféricas da Europa. Não são políticos, evocam a técnica como solução, e distanciam-se da visão humanista do estado social. Aplicar medidas austéras é prioridade face à política. Por Liliana Cunha e Catarina Gomes

“E

mais do que isto/ É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de finanças”. O politólogo, José Adelino Maltez, relembra Fernando Pessoa para distinguir aqueles que são tecnocratas daqueles que são políticos. A tecnocracia, entendida como uma “alternativa à democracia e ao totalitarismo”, segundo o politólogo, teve já expressão nos anos trinta, no período entre as duas grandes guerras. Consistia numa abordagem mais técnica dos problemas, despida de qualquer ideologia política. A definição vulgarmente utilizada para designar “um indivíduo de formação essencialmente técnica que ocupa uma posição de poder” é vista como uma possibilidade de resposta aos problemas financeiros dos países em crise. No entanto, ainda que este grupo de técnicos imiscuídos na classe executiva dos estados soberanos se apresentem como mediadores na incidência da crise, promovem o divórcio entre governos e população. Em momentos de necessidade “é a empatia política que pode sensibilizar as pessoas para os sacrifícios”, adianta o professor de economia do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa), Luís Francisco de Carvalho. Para este, a democracia representativa, onde a população delega nos que elege o poder de atuar para o bem social, “no fundo, toma decisões em prol da economia do estado”. Assim, os tecnocratas usam uma visão instrumental do conhecimento com vista à eficácia. Fazem uso da racionalidade técnica para privilegiar os fins em detrimento dos meios. De acordo com o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues, a excessiva técnica torna-se um confronto à continuidade da humanização da política e uma ameaça para o debate público. O mesmo considera também que a repercussão da ação tecnocrata transmite aos cidadãos a ideia de que é possível decidir fora do quadro das opções políticas do país. “Isso vai fragilizar o debate público e facilitar a emergência de movimentos radicais, sobretudo neoliberais”, antevê Vítor Rodrigues. Não desvalorizando as decisões do suporte técnico, este explica que tudo o que signifique “amputar as decisões sobre desenvolvimento e qualidade de vida de contexto político e ideológico implica a fragilização da democracia”.

Eurocracia No plano europeu, a aplicação das

D.R.

Os primeiros-ministros grego e italiano, Lucas Papademus e Mário Monti respetivamente, são considerados eurocratas D.R.

O exemplO pOrtuguês: VítOr gaspar em portugal, perfilar Vítor gaspar como tecnocrata já não é novidade. O homem escolhido por pedro passos Coelho para orientar o ministério das finanças apresenta uma trajetória académica muito próxima daquilo que se pode considerar o “indivíduo de formação essencialmente técnica que ocupa uma posição de poder”. escolhendo a economia como a área de conhecimento em que se quis graduar, doutora-se nesta no fim da década de 80 pela universidade Nova de lisboa. Chega em 1994 ao Banco de portugal para chefiar o Departamento de estudos económicos. Quatro anos mais tarde viria a ocupar o cargo homónimo, desta feita no Banco responsável pela preservação da moeda única europeia - o Banco Central europeu. a posição europeia alcança frutos catapultando-o em 2007 como diretor do gabinete de conselheiros de política europeia da comissão europeia. Conhecedor dos contornos políticos, económicos e estratégicos da união europeia, assume assim uma posição de destaque aquando da escolha para ministro do xIx governo constitucional de portugal, o qual alcança em junho de 2011. poder-se-á apelidar de tecnocrata pois provém de um domínio da ciência social que estuda a administração, condição necessária para resolver os desígnios paradigmáticos atuais da crise. medidas de austeridade está sujeita à avaliação prévia das especificidades económicas de cada membro da união europeia, que variam. Existe uma legitimação da tecnocracia, que é recebida com “grande passividade pelo povo que passa a ser governado por alguém que não foi eleito, mas que lhes é imposto como qualificado para resolver os problemas”, explana o sociólogo. Numa Europa periférica constata-se a emergência da base tecnocrata nos lugares de chefia do governo, como

é o caso da Grécia, com Lucas Papademus, ex-presidente do Banco Central Europeu e atual Primeiro Ministro, e da Itália, com o ex-comissário europeu Mário Monti.

“Um ataque à democracia pela geofinança” Para o economista Luís Francisco de Carvalho existe a possibilidade de substituição do “governo dos homens pelo governo das coisas”, já que são agentes provenientes de áreas do saber como o direito, eco-

nomia e finanças, contudo carecem de formação política. O professor de Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Armando Marques Guedes, contrapõe a opinião do economista, já que “as decisões técnicas são decisões políticas encriptadas”. “Não faria uma contraposição tão clara entre o técnico e o político”. Eles “interpenetram-se”, acrescenta. Encara-se a atuação destes técnicos como premente na geopolítica europeia numa altura em que se veri-

fica “um ataque à democracia pela geofinança”, defende José Adelino Maltez. “Trata-se de uma operação de guerra, hoje”, enfatiza. Não obstante, a partir do momento em que se põe em causa o debate público e se suspende a democracia, “deixa de ser aceitável” a tecnocracia. “A longo prazo, espero que a técnica não seja mais eficaz do que a política”, teme Francisco de Carvalho, atestando que a estratégia económica nem sempre pressupõe a humanização das medidas adotadas.


13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a

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MuNdo AlcorA: UmA AliAnçA coloniAlistA D.R.

D.R.

A análise do Acordo Alcora vem contrariar muitos dos dados que, até hoje, se tinham por adquiridos sobre a política colonial portuguesa.

Portugal e a aliança com o apartheid Nos anos 70, e num ambiente de secretismo, era assinado um acordo entre Portugal, Rodésia e África do sul, que mudaria a concepção da política colonial portuguesa. É, agora, divulgado o Acordo Alcora, que revela os interesses que realmente estiveram por detrás da sua política de ação. Por Carolina Caetano e Maria Garrido

E

ra até agora oficial, dado “como história assente”, que durante o Estado Novo “o regime que governava as colónias” se autoproclamava“multirracial, pluricontinental e com capacidades para determinar a sua política colonial”. Tal facto é contradito e desacreditado pela divulgação de um acordo secreto assinado por Marcelo Caetano na década de 70. Quem o diz é o Coronel Matos Comes, presente na Conferência Alcora – Novas Perspetivas da Guerra Colonial (Alianças Secretas e Mapas Imaginados) realizada no Centro de Estudos Sociais (CES) no passado dia 29 de novembro. O então denominado Exercício Alcora, assinado por Marcelo Caetano, “revela que em vez de a política colonial portuguesa ser determinada por Lisboa, como se sempre entendeu, era sim determinada em boa parte pelos interesses estratégicos, políticos e económicos da África do Sul”, afirma Matos Gomes. Deste modo, Portugal integrava-se “na política da África do Sul e dos interesses do apartheid”, sendo que os mesmos iriam “conduzir à ação política, militar e económica de Portugal nas suas antigas colónias”. De uma forma genérica, “a África do Sul e os seus interesses” foram “o

piloto da política colonial portuguesa”. Matos Gomes vai mais longe ao defender que Portugal “nunca teve uma política colonial autónoma, mas antes dependente e sobretudo determinada pelo exterior. Primeiro por parte dos ingleses, e depois por parte dos sul-africanos”. “Quando se trata a Guerra Colonial, normalmente trata-se apenas a versão branca, portuguesa, como um problema unicamente português que algures atua em África”, afirma uma das coordenadoras do projeto do CES que deu lugar à Conferência Alcora, Maria Paula Meneses. No entanto, “aquilo que Portugal faz é integrar-se na política colonial das grandes potências que estiveram sempre a dirigir os seus interesses em África”, completa Matos Gomes.

Uma tríplice aliança com objetivos comuns Ainda assim, o Acordo Alcora não foi um tratado exclusivamente bilateral. Nesta aliança, cabe ainda um terceiro elemento da África Austral: a Rodésia (atual Zimbabué). A justificação para a inclusão do país, na altura liderado pelo britânico Clifford Dupont, advém da também supremacia branca instalada no governo deste estado, à semelhança do que acontecia com Angola e Mo-

çambique com o poder local aí exercido. “Com este acordo, os poderes instalados na África Austral pretendiam, no fundo, prolongar os seus regimes, os seus sistemas, e pretendiam prolongá-los pela conjugação de esforços”, assevera o Tenente-Coronel Aniceto Afonso, outro dos oradores presentes na Conferência Alcora, acerca desta tríplice aliança. Também um estudioso da matéria, Aniceto Afonso desvenda o real objetivo do tratado como sendo um

“O secretismo era necessário para portugal, visto que o país se afirmava multirracial” “combate ao nacionalismo africano”, que era então encoberto pela luta contra o “alastramento do comunismo na África Austral”. O orador comenta ainda que esta era uma aliança que seria “evidentemente de natureza política mas que tinha essencialmente repressões militares, sendo na prática, uma aliança militar”. Contra os movimentos de libertação

que insurgiram, tanto em Angola como em Moçambique, o acordo visava então um reunir de esforços para evitar a expulsão dos regimes brancos do poder. “Há uma luta de libertação: Angola e Moçambique. E o que eles entendem dessa luta é que esta expulsava o branco”, refere a investigadora do projeto presente na conferência Amélia Souto. Portugal, África do Sul e Rodésia eram, então, estados que encaravam as lutas de libertação como “ações terroristas contra a soberania exercida pelos respetivos governos” e que “todos aqueles que se opunham à administração normal eram tidos como terroristas”. Aniceto Afonso explica que, mesmo depois do 25 de Abril de 1974, “continuaram a desenrolar-se reuniões Alcora” e “depois do 25 de Abril houve um curto período de contradições internas até se resolver a questão da autonomia e da independência das colónias e do reconhecimento dos movimentos de libertação”, remata. Contradições estas que “só se vieram a superar-se no final de Julho, quando finalmente a lei reconhece esses movimentos”. O general chama, assim, a atenção para um “prolongamento de ideias da continuidade de uma política que já não tinha razão de ser depois do 25 de Abril”.

O secretismo O Exercício Alcora seria uma aliança apenas conhecida, na época, por um grupo reduzido que nela participava. Neste seguimento, a divulgação do documento desvenda, refere o Tenente-Coronel, que as “ações concretas de cooperação de forças militares” dos três países que atuavam no terreno, e que passavam até agora apenas por um “apoio informal de uns países aos outros, tinha por detrás esse acordo, secreto mesmo nessa altura”. E porquê o secretismo? Aniceto Afonso responde: “o secretismo era evidentemente necessário para Portugal, visto que o país se afirmava multirracial. E o facto de ter uma aliança com um país [África do Sul] que era oficialmente racial, num regime de apartheid, iria ter grandes repercussões na sua posição no contexto internacional”. Lembrando Portugal como um país da NATO, Amélia Souto alerta para o interesse em se procurar saber “que implicações [a divulgação do documento] poderá ter e até que ponto esta organização discutiu o assunto”. Questionado sobre se se está a reescrever a história, Matos Gomes discorda. “Não é uma reescrita mas é recolocarmo-nos, portugueses, no nosso papel na história europeia e no chamado colonialismo”.


18 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | terça-feira

Cinema

artes

Método Perigoso ”

N

de DaviD Cronenberg Com Keira Knightley MiChael FassbenDer sarah gaDon 2011

Mudam-se os tempos, permanecem as vontades

ver

CrítiCa de josé santiago

Q

uem lá esteve e de quem não se ouve falar. É o ponto de partida para entendermos uma temática que, como a própria guerra, se vai desvanecendo na mente dos portugueses. a realizadora, Marta Pessoa, traz ao de cima o velho e cansado tema da guerra colonial. Mas não é desta guerra que pretende falar, denuncia uma guerra sentida por aquelas que viram gente partir, uma guerra de isolamento. o filme desenrola-se com uma série de entrevistas a mulheres que, de forma directa ou indirecta, desempenharam um papel no conflito. são retratos individuais que remetem para um universo de mulheres desprovidas de liberdade própria, trava-

ão estamos habituados a encontrar David cronenberg no contexto do cinema de época, mas se analisarmos bem o último trabalho do realizador, a diferença não é tão notória como poderíamos estar à espera. cronenberg sempre se moveu por vários quadros temporais, o presente e vários futuros, mas o que está aqui em causa, e se mantém, é a temática. longe vão os tempos dominados pela fobia causada pela mutação do corpo humano que encontrámos em Videorome, crash e existenz. o tema que aqui persiste é o sexo e todo o tipo de violência a ele associado. apesar do que nos é apresentado na sinopse oficial, onde nos dizem que o filme gira em torno do nascimento da psicanálise a partir da relação tensa entre carl Jung e sigmund freud, não é aí que reside a verdadeira natureza da obra. “Um Método Perigoso” é um filme de conflito pessoal, onde

assistimos ao tortuoso percurso de carl Jung que, durante a convivência com alguns dos seus pacientes, começa a duvidar, ele próprio, do conforto oferecido pela exactidão da ciência. entre os pacientes está sabina spielrein, uma jovem russa com comportamentos sadomasoquistas e otto Gross, também ele um psicanalista, mas com tendências anarcas e uma visão nada abonatória da monogamia. são aliás estas duas personagens que catalisam toda a interacção que Jung tem com freud e que levam à crescente tensão entre estes dois homens. o filme é construído por fragmentos cujo único fio condutor são os momentos decisivos na vida do personagem principal. cronenberg não tem qualquer tipo de problemas em avançar alguns anos na narrativa, se durante esse tempo não há nada de relevante para a história que quer contar. esta marca a terceira colabora-

ção consecutiva do realizador com Viggo Mortensen, desta vez num papel mais reduzido, como sigmund freud, mas com um peso dominante. Michael fassbender oferece-nos uma interpretação contida, mas esmagadoramente expressiva, tal já não se pode dizer de Keira Knightley, que parece não estar segura do seu valor e preferiu enveredar por uma interpretação absurdamente exagerada e quase constrangedora. “Um Método Perigoso” é um filme sobre relações pessoais, amorosas ou de simples amizade, mas onde o sexo tem sempre uma palavra a dizer e parece ser a força dominante sobre todas as outras. coloca dúvidas e não oferece respostas, talvez por isso seja mais estimulante. David cronenberg não mudou, apenas a percepção que o público passou a ter dele. continua visualmente agressivo e sem amarras artísticas. a mutação física deu lugar à mutação da mente.

Quem vai à guerra ” das nos seus sonhos. Num tempo em que a emancipação feminina pouco se afirmava, a nação lusitana vivia às cegas, não havia uma consciência da irracionalidade de todo o conflito. É uma transparência óbvia nas vozes dessas mulheres, o povo era ingénuo. Pouco ou nada se sabia, tudo era controlado. a guerra era lá longe, uma espécie de mito para a maioria, que terminava quando o amigo era mobilizado. a batalha feminina, menos bélica mas igualmente penosa, fazia-se no apoio ao próximo. lutava-se contra um prepotente machismo, figurado pelo marido, ao mesmo tempo que se respeitava e obedecia. a luta diária contra os horrores dos traumas de guerra e o apoio a um companheiro que muitas vezes não res-

pondia na mesma moeda fazem destas mulheres combatentes de batalhas muito pessoais. as histórias são intercaladas com inúmeras fotos, cartas e vídeos do ultramar ou da família esperançosa em Portugal. No entanto, a abordagem terá sido demasiado abrangente. o enfadonho sucede-se com a narração de histórias, que apesar de terem a intenção de dar um retrato da sociedade portuguesa dos anos 60, pouco interesse suscitará no público em geral. os cenários querem-se sombrios, mas em conjunto com discursos pouco eloquentes afastam o espectador que não se identifique com o tema. fica o registo de uma luta de uma geração que ainda hoje subsiste. joão Valadão

filme

De Marta Pessoa eDitora real ficção 2011

artigo disponível na:

Porque quem fica, também sofre


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Feitas oUvir

ler

a montanha mágica”

o

som é mais privilegiado do que as palavras. o som efémero nesta texto está repleto das palavras que usamos todos os dias, planície nossa para explicar, descrever, argumentar, estimular, dizer a verdade ou mentir. o pensamento transforma-se em palavras que concorrem constantemente com as palavras que temos na cabeça, mas a música tem à sua disposição um campo muito mais vasto de associações porque está simultaneamente dentro do mundo e fora dele. Prova disto é este último projecto de rodrigo leão, ele que a cada álbum consegue arrancar-nos mais sensações. Hoje, fá-lo através das palavras, cheiros e recordações. de Uma conjugação entre memórias roDrigo leão de infância com a realidade ilustradas em canções que não procueditora ram muito mais do que uma pura sony MusiC simplicidade. consegue provar que a música é, afinal de contas, uma 2011 simples sequência de belos sons. No seguimento de “a mãe” (2009) e da reedicção do álbum de estreia “ave Mundi luminar” (2010) surge “a Montanha Mágica”, uma compilação de 12 temas onde rodrigo leão deixa bem claro a presença de antigas melodias, embora com novos arranjos. Mudanças que nos continuam a transmitir algum conforto e segurança a que nos habituou, mesmo sem os cinema ensemble. Por um lado desenlaces, mas também um regresso às origens. em temas como “o baloiço” ou “a revolta” vemos rodrigo leão deixar o sintetizador para retomar o Baixo e a guitarra deixados com os sétima legião. os elementos indispensáveis continuam juntos; o trio de cordas Viviena tupikova, Bruno silva e carlos tony Gomes, ao qual se junta celina da Piedade, no acordeão e metalofone. Mas não estaríamos a falar de um trabalho de rodrigo leão se não se falasse de colaborações. as vozes são de Miguel filipe com “o Hibernauta”, o australiano scott Matthew na interpretação de “terrible Dawn” e o brasileiro thiago Pethit em “o fio da Vida”. Na vida, como na música, só podemos falar das reacções e percepções pessoais e esta montanha mágica é um belo exemplo de como é possível conjugar a relação entre o conteúdo inexprimível da música e o conteúdo inexprimível da vida. lígia anjos

Caderno de maya”

a Maya de allende

de isabel allenDe editora Porto eDitora 2011

i

sabel allende deposita nas suas palavras o ardor e a beleza com que imaginamos as povoações hispano-americanas. cada obra assinada pela escritora chilena é garantia de sucesso. caderno de Maya não será exceção. com uma narrativa fluida, torna-se demasiado difícil não escorregar para dentro da história. sem darmos conta, entramos num ciclo vicioso de drogas, numa intriga com membros da máfia, ou simplesmente mergulhamos na segurança de uma ilha, na tranquilidade de chiloé a escritora parece nutrir de uma predilecção pela narração de histórias acerca de mulheres. Maya é a eleita nesta obra, ou melhor, no seu caderno. começa por revelar a sua história com timidez, mas depois abre por completo a sua alma, deixa de se esconder, e mostra-se sem ocultar os pormenores da sua vida que acabaram por a guiar até ao chile. a morte do seu Popo marca o início da decadência de Maya. as lágrimas que não derramou transformam-se em sementes de ódio que fazem crescer sentimentos de revolta no espírito da jovem. o esquecer momentâneo provocado pelo álcool ou as ilusões de felicidade a que permitem as drogas, são a panaceia encontrada por Maya para curar a sua dor. tratamentos psicológicos apenas a atormentam, e a fuga de

uma clínica acaba por se mostrar morosa quando, sem o saber, é apanhada no meio de uma rede de tráfico de droga e de dinheiro falso. De súbito encontramos Maya nas ruas, doente, a prostituir-se por um copo de álcool. chiloé é o refúgio que devolve alguma paz ao espírito de jovem. a sua avó entrega-a aos cuidados de Manuel, homem assaltado durante a noite por memórias de tempos de tortura. a relação entre os dois, numa casa onde as portas estão ausentes, é complicada. a desconfiança de Manuel pela gringuita acaba por ser quebrada quando se apercebe que as garrafas de vinho não desaparecem da sua prateleira. aos poucos, Maya afeiçoa-se ao seu novo companheiro e desenvolve uma curiosidade pelo seu passado que a levarão a descobrir um elo inquebrável que existe entre os dois. É também nesta terra que a jovem se depara com histórias de magia e somos envolvidos pela aura mística já típica nas histórias da autora. “apercebera-me de que, na literatura, a felicidade não serve para nada – sem sofrimento não há história”. caderno de Maya é a prova de que allende tem a inaudita capacidade de criar obras-primas, capazes de marcar a história da literatura. niCole ináCio

JoGar

el shaddai, ascension of the metatron” em busca do divino

GUerra DaS CaBraS a evitar fraco Podia ser pior Vale a pena a cabra aconselha a cabra d’ouro Plataforma XboX 360 e Ps3 artigos disponíveis na: editora ignition entertainMent 2011

É

impossível não reparar na distinção que “el shaddai” apresenta face aos pares. Desde logo, na escolha de tema: trata-se afinal de uma adaptação do livro de enoche, texto apócrifo dos manuscritos do Mar Morto que narra a queda dos anjos e a sua expulsão pela mão do profeta que dá nome ao título. Pasme-se, não é uma tentativa artificial de recuperar um texto de relevância cultural como forma de enaltecer o ‘ethos’ de um produto comercial banal e de mérito artístico nulo como “Dante’s inferno”. aqui, a inspiração é traduzida de forma honesta, desde logo porque takeyasu sawaki (realizador) procura transpor a letra do texto para um esplendor visual que convida à contemplação solene intimamente associada à arte sacra. soutarou Hori (director artístico) foi assim à arte – do ideal de beleza clássico, às composições abstractas de Kandinsky, à fantasia nipónica do estúdio Ghibli – em busca de referências formais que depois replica numa estilização extravagante, moderna e ecléctica. o resultado é uma estonteante pintura digital que, qual visão profética de Blake, nos hipnotiza e envolve num mar de simbolismo que busca expri-

mir a natureza última do transcendente, do divino (“el shaddai” é ‘Deus todo poderoso’ em hebraico). a sua riqueza plástica é de um virtuosismo tal forma avassalador que apenas encontra par, em tempos recentes, na obra-prima de Mizuguchi, “rez”. só que ao invés deste, sawaki nunca consegue imiscuir o jogo no quadro - limita-se a colar em cima secções de plataformas “Mario” intercaladas com refrões rítmicos do combate de Hideki Kamiya (com quem já trabalhou). este pecado redunda num ciclo de repetição lúdico de intensidade elevada, que acaba por não só barrar uma relação mais profunda com a ficção que narra, como também prejudicar a fruição da sua beleza, que ganharia com um ritmo pausado, quiçá mesmo uma total ausência de dimensão lúdica (heresia!). falhado esse desígnio maior, resta apreciar “el shaddai” pela sua singular contribuição no domínio estético, de tal forma refinada e trabalhada que atinge patamares de autenticidade e vanguardismo inauditos, assim figurando como um dos poucos videojogos dos últimos 5 anos que fizeram algo de genuíno para fazer avançar o meio. rUi CraVeirinHa


20 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | terça-feira

soltAs

AnA FRAncisco

umA ideiA PArA o ensino suPerior mário nogueirA • ProFessor; CoordenAdor do sPrC; seCretário-gerAl dA FenProF

tomAi e Comei

um Grande deBate naCIonal Para deCIdIr o Futuro

ei-lo, PArA APrAzer o goto

Para o palato esta foi a última degustação do ano na cantina dos serviços sociais da universidade de Coimbra. Embora a ementa estivesse já pré-determinada no início do semestre, a verdade é que o hambúrguer com batatas fritas sempre caiu no bom goto. Chegar cedo é condição, já que o prato principal é sem exceção à regra o primeiro a ir. Em boa hora se encontra uma cantina quase vazia, a esperar por saciar os estômagos ávidos de quem procura um fastfood mais acessível. As amarelas são o destino social por excelência. Para começar o pão com sementes serve as hostes, e a maçãzinha verde para diminuir a falta de vitaminas é levantada. Há que ter cuidado para não chocar defronte de uma pequena anomalia no fruto, por ventura já um pouco amadurecido. Ei-lo. O hambúrguer que transpira um odor a carne grelhada e apetecível. Tudo o resto são acompanhamentos: o arroz, que aspira a ser de tomate mas que apenas adquire o tom alaranjado; as batatas de corpulência forte mas em menor número; e o bendito do ovo que comuta a falta do molho cocktail, e que se faz parceiro inseparável do pão. Há que ressaltar o sabor da carne. Não, não é esplêndido visto que um excesso de óleo peca na sua cobertura, misturando-o com o carbonizado da carne de vaca. Atenção, nada que não se resolva – cubramos a carne com o ovo e tudo se camufla. Em boa verdade tudo deve ser comido, os resquícios já não são deste tempo, e durante a tarde se compreende que com um almoço bem composto o trabalho rende. Enfim, o que remanesce é a sensação de satisfação, quase fartura. O óleo perturba a degustação e, compromete-a a certo ponto, mas as batatas e o arroz também não podem ser esquecidos tal como o belo do pãozinho que sem sementes seria sem sal.

Por Liliana Cunha

Nos tempos que correm não há grande espaço para ideias inovadoras, quer para o ensino superior, quer para os demais níveis e graus de ensino. O tempo é de corte e redução e inovador seria, ainda que num tempo destes, perceber a importância estratégica da qualificação e formação superiores, bem como da ciência para o futuro do país e, percebendo, investir no setor. Inovador seria que, em tempo de crise, os governos não procurassem sempre o caminho mais simples e mais à mão: cortar e pôr em causa os serviços públicos e, entre estes, a Educação. É sempre assim que, sem olhar a consequências, os governantes procuram aumentar receitas e reduzir despesas para equilibrar défices e pagar dívidas que a sua incompetência e a ganância de especuladores ajudaram a criar. Inovador seria, desta vez, fazer de forma diferente. Seria necessário questionar Bolonha nos seus custos, incluindo os não financeiros: perda de qualidade, afastamento de estudantes, organização dos cursos e impacto nas próprias instituições. Seria necessário questionar o regime de financiamento do ensino superior e o impacto negativo que tem nos estudantes e nas famílias o elevado custo da frequência. Seria necessário questionar as condições de trabalho no En-

“Forever Yours” e “senhor dos AFlitos” • CAv • Até 26 de Fevereiro

ImortalIzar, teImosIa de uma mente

E

ntramos no Pátio da Inquisição, viramos à esquerda para o Centro de Artes Visuais (CAV) e subimos ao primeiro piso. Oito atos em oito fotografias, interpretados por um homem e uma mulher, sucedem-se nos recantos das paredes. A exposição “Forever Yours”, da autoria de Pedro Medeiros, inclui-se na obra fotográfica que este tem vindo a fazer no projeto de Paulo Furtado, The Legendary Tigerman. A obra foi criada para acompanhar o álbum “Masquerade”, mas apresenta-se aqui de forma autónoma para permitir uma leitura descontextualizada do mesmo. O conjunto de imagens encenadas têm por base a taxidermia humana - a paragem do tempo embate no espetador. As oito fotografias representam um ritual alegórico na qual o cadáver da mulher sofre várias operações, para no final se apresentar como uma peça de museu. A exposição remete também para o caráter da sexualidade, um voyeu-

sino Superior, desde as físicas e materiais às que se colocam aos que nele exercem atividade profissional (docentes, não docentes e investigadores), nomeadamente em relação à sua estabilidade, questão fundamental para a estabilidade do sistema. Seria necessário refletir sobre as condições em que se realiza a investigação e se produz ciência, na certeza de que a precariedade crescente destas atividades levará, a curto prazo, ao seu colapso. Seria indispensável rever o regime de gestão das instituições, democratizando-a e garantindo uma participação maior de todos os membros da comunidade educativa. Portanto, antes de qualquer outra inovação, a principal de todas e fundamental neste momento, seria deixar de navegar ao sabor dos ven-

tos e realizar um grande debate nacional, com carácter de urgência, para apurar o diagnóstico e definir o que é preciso fazer para o futuro. Um debate que deverá ser amplo, envolvendo a sociedade e não se resumindo ao plano político ou ao estrito nicho setorial. No tempo que corre, seria claramente inovadora uma alteração profunda do comportamento político dos governantes, assumindo, com humildade democrática, que a verdade não é absoluta nem reside apenas n a s s u a s cabeças.

d.r.

Arte.Ponto D.R.

rismo que “surge em todo o rito de enfatização escultórica e erotização do corpo feminino”, nas palavras do autor. Surge então o desejo de preservar o corpo, guardar para sempre um ideal de beleza, imortalizar a paixão. É uma obsessão inconsciente que faz lembrar o psicótico Norman Bates, do universo cinematográfico de Hitchcock. A fotografia, aqui, apresenta-se num paralelismo com a taxidermia, com o fim comum de tornar algo eterno, de ir além da morte. No rés-do-chão do CAV, em conjunto com a exposição de Pedro Medeiros, encontramos “O Senhor dos Aflitos”. É uma mostra realizada a partir de um espólio de uma tipografia centenária da cidade do Porto. Na parede, o relógio marcou a hora de saída e nela o trabalhador deixou as luvas penduradas. Releva-se o percurso decadente de uma empresa, agora reduzida a um único trabalhador, onde noutros tempos mais de uma centena de pessoas lá ganhavam a vida. A vida diária deste

homem, intercalada com diversos momentos monótonos, é mostrada ao visitante através do vídeo China. O trabalho, ainda manual, é intercalado com pausas repletas de melancolia. Essa paralisia realça-se com o som ambiente de uma bengala que bate imparavelmente no chão. Pelos corredores, espalha-se o material de trabalho tipográfico, desatualizado pelo tempo. Material inútil, vendido a sucateiros para prolongar um pouco mais a vida da tipografia. Noutra parte da exposição surgem fotografias, criminosos comuns, acompanhados de citações de um jornal popular do século XIX e desenhos simples que apelam à súplica ou ao castigo. Um fracasso económico generalizado - o abatimento que se deu nas classes mais baixas da sociedade e a decadência urbana em que caiu o país e a cidade do Porto, em específico, é como fica o retrato que Pedro Medeiros nos deixa em “O Senhor dos Aflitos”. Por João Valadão


13 de dezembro de 2011 | terça-feira | a

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soltAs 1918: num domingo

miCro-Conto

Por ondjaki

E

m 1918, Mertingër saiu de casa pela manhã, e era domingo. Apesar do frio cerrado havia sol, o que dava às árvores e às folhas um tom enternecedor. Se entrou no bar e pediu um chá bem quente que tomou com bolachas, ou se nesse bar encontrou Melän – sua amiga, é coisa que se não sabe. Como o cemitério ainda estava fechado, pegou na câmara fotográfica e fotografou o exterior do cemitério, os seus três enormes portões, um corvo que passou devagar e a parte visível de alguns jazigos altos. Era estranho que o cemitério ainda não estivesse aberto. Atirou uma pedrinha ao corvo e tirou uma fotografia – onde até hoje consta o início do voo do corvo nesse domingo de 1918. Do bolso, retirou duas bolachas – uma comeu, outra atirou-a ao corvo. O sol estava alto e visível porque as nuvens entretanto haviam-se afastado. Guardou a câmara fotográfica; arrumou-a no saco onde estavam dois livros cinzentos de poesia. Viu a árvore. Levantou-se e pôs-se do outro lado dela, onde fez chichi. Sentiu-se aliviado. Às quatro da tarde, em pleno sol e ainda na distante companhia do corvo, estranhou que o coveiro não abrisse a porta. Estranhou igualmente que mais ninguém estivesse ali, sendo domingo. Caminhou devagar até encontrar a pessoa que queria, o que foi difícil porque a vila estava um

pouco deserta. Então disse: desconfio que algo se tenha passado com o coveiro. Ao que se sentou confortavelmente, ajeitando o saco sobre o seu colo. De facto,

disseram-lhe, o coveiro faleceu. E foi hoje o seu enterro. Mertingër percebeu então que o enterro se havia dado, por alguma razão, em outro cemitério que não

o do corvo. O que nunca chegou a entender foi o silêncio dos sinos. É que também o tocador de sinos…

Ondjaki, 34 anOs É Onjaki, mas também é ndalu de almeida, nome com que nasce em 1977, em Luanda. depois de se maravilhar com Tintim por volta dos 14, Ondjaki descobre o escritor brasileiro Graciliano ramos. O autor de “Vidas secas” agarra-o e mostra-lhe a coisa bonita que são os livros, onde antes só via chatice. segue-se a tríplice Luandino Vieira, Mia Couto e Manoel de Barros que o chocalham com as possibilidades que a literatura albergava. Procura uma voz e lança-se na reconstrução de mundos, em prosa ou em poesia, muitas vezes imiscuídas. E é nesses mundos refeitos que Ondjaki encontra a sua infância, fonte do olhar para o passado que faz questão de revisitar de forma constante. não se refugia em pretensões literárias e parece que tudo o que diz lhe vem com uma simplicidade natural. dos livros que publicou, guarda um carinho por “Bom dia Camaradas”, seu primeiro romance e que lhe sai ao sabor da memória. Outros podem ficar guardados pelos prémios que o ajudaram a plantar nome na literatura de expressão portuguesa, como o livro de contos “Os da minha rua”, que lhe valeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco em 2007.

João Gaspar

monumentAis PAnAdos soCiAis

CAdernos eleitorAis – lição n.º2: A CAmPAnhA

Por doutorando Paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd

A

reter: esta não começa quando delibera a Comissão Eleitoral. Começa na Queima, em crescendo até à Latada, com picos por altura dos convívios, a velocidade de cruzeiro durante as duas semanas legais, e com a energia cinética acumulada, espraia-se no dia de reflexão e do acto eleitoral. Quem assume este encargo fulcral é um ideólogo que tenha criado tantos anti-corpos que cada vez que mostra a cara fora da sede perdes 50 votos, mas conhece os meandros da questão, um exvice-presidente, ex-política educativa ou ex-qualquer coisa na queima das fitas. Alguns conceitos centrais: Autocolante: o sufixo “auto” é falacioso. Deveria ser heteroautocolante. É para colar em todo o lado e em toda a gente. Colorido de preferência, surge antes da campanha oficial, com mensagens insidiosas que remeterão para o teu futuro lema. Blogs: arena onde se digladiam os egos e se denunciam os podres.

De pouca expressão junto da comunidade estudantil servem principalmente para se apalpar terreno lançando boatos. Convites pontuais/gerais: são a recompensa de um trabalho eleitoral bem feito. Podem servir de aliciante para gente de lealdades divididas. Debates: ninguém vê nem ouve. Provavelmente será um dos esquerdistas a ganhar. Bebe dois beirões antes e verás que o tempo passa mais depressa. Informar: é a tua resposta cada vez que te perguntam quais são as tuas propostas para a AAC. Jota: they will make you offers you can’t refuse. Lema: também não interessa. Só tem de ter “AAC” lá pelo meio. Se não fores muito criativo tenta inspirar-te em lemas de outras campanhas. Merchandising: só interessa que seja muito e variado, mesmo que de utilidade duvidosa. Paga-se com futuros contratos de impressões, bilhéticas e materiais oficiais diversos – este é o teu verdadeiro

inês bAlReiRA

plafond, se ganhares… Organigrama: colecção de fotos do facebook, de gente que pode ou não saber que faz parte de um projecto, que serve para vincular os representados a votar numa determinada lista. Plafond: não te deixes enganar! Isto é dinheiro que a AAC dá para aquelas listas dos esquerdistas conseguirem ir a eleições! Finges

que vais lá imprimir flyers e sais de lá com a sebenta de Direito Romano debaixo do braço. Programa eleitoral: só interessa que seja de um papel bonito. Sede: o covil da besta. Os SASUC arranjam umas salas jeitosas, mas é preciso jogar na antecipação. Se os espaços mais interessantes estiverem ocupados vais ter de recorrer a um conhecido que te

arranje poiso numa das avenidas centrais da cidade. Senhas de cerveja: são dos teus melhores aliados, o rácio de transferência cerveja-voto é bastante elevado. Procura angariar e distribuir o maior número ao custo mais reduzido, em eventos recatados ou nas festividades académicas, com pagamento em tachos. SMS: a derradeira arma. A usar no dia das eleições, aparentemente não constituem uma forma de campanha. Ventania: fenómeno de origem meteorológica que parece incidir especialmente sobre propaganda exterior (faixas, pendões, etc) resultando invariavelmente na sua destruição. Agora a sério, é a malta que as arranca e depois adopta designações da hierarquia militar para se gabar (tipo: Coronel Nortada ou Major Tufão). Continua no próximo fascículo.


22 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

opinião a Universidade e a co-incineração castanheira barros*

a poluição proveniente de noroeste fez com que o anjo de pedra ficasse sem a asa esquerda e mantivesse a direita bem conservada. então pensei (...) que fará aos nossos pulmões!

Quando em 1972 o Grupo CIMPOR se instalou em Souselas, uma voz da Universidade de Coimbra ergueu-se, chamando a atenção para o grave perigo que representava o funcionamento de uma unidade produtora de cimento a 5 quilómetros em linha recta do centro de uma cidade universitária. O padre Sebastião Cruz, professor de Direito Romano, orador exímio, dotado de um invulgar sentido de humor e de uma admirável força pedagógica, foi o Homem destemido que enfrentou “o touro” em tempo de ditadura, ao contrário do que fez em Burgos quando teve que saltar as barreiras (como ele próprio contava) quando passeava tranquilamente com um outro ilustre romanista e se deu conta que toda aquela multidão que ladeava a estrada não estava ali para saudar a passagem dos conferencistas, mas sim para festejar uma largada de touros. Os factos deram razão a um Homem, pequeno de estatura, mas grande em dignidade e coragem, que costumava dizer a propósito da palavra “jus” (direito): “tudo o que é pequeno é poderoso, mas não digo isto em defesa própria”. A existência de um vizinho poluidor que durante 30 anos pintou de branco os telhados e as couves de Souselas, e agora procede à queima de resíduos perigosos às portas da cidade, é algo que tem de merecer a nossa reacção e não a nossa compla-

cência. Apesar de os filtros de mangas, colocados em 2002, terem passado a reter o pó de cimento em maior escala, não evitam a libertação dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), entre os quais se incluem as dioxinas e os furanos que são substâncias altamente cancerígenas, produzidas durante a combustão de resíduos perigosos. Despertei para o problema da coincineração quando um dia o professor Fernando Rebelo me levou até junto da janela do seu gabinete, na Reitoria, e, apontando para o telhado em frente, me disse: “Ó Castanheira Barros, já reparou que aquele anjo perdeu a asa do lado esquerdo?”. Assim era, atribuindo o então magnífico reitor e geógrafo esse facto à poluição proveniente de Noroeste que fez com que o anjo de pedra ficasse sem a asa esquerda, e mantivesse a direita bem conservada. Então pensei: se a poluição pode fazer isto à pedra que fará aos nossos pulmões! Quando saí da audiência na reitoria, com o parecer do professor Nuno Ganho debaixo do braço, estava pronto para a luta. Esse brilhante estudo explica como se movimentam as substâncias poluentes entre Souselas e Coimbra em função do quadrante de que sopram os ventos, identificando as zonas mais afectadas da cidade,

cujas características geográficas potenciam a concentração das substâncias poluentes, sobretudo durante a noite e a madrugada. Temos que estar atentos às nuvens de cor avermelhada que pairam com frequência sobre as nossas cabeças durante a noite, não sendo difícil detectar a sua proveniência. A brigada do ambiente na Guarda Nacional Republicana, apesar de sucessivamente alertada, não consegue obstar à intolerável poluição nocturna de Coimbra, tal como o seu departamento de trânsito nunca levantou qualquer contra-ordenação pela violação dos sinais de trânsito que proíbem o transporte de resíduos perigosos na estada municipal de acesso à cimenteira da CIMPOR. Temos, pois, que fazer valer a força da nossa cidadania, numa cidade adormecida e acomodada que é cobardemente atacada enquanto dormimos. Com o apoio de 8 professores catedráticos de várias áreas do conhecimento, sendo 7 da Universidade de Coimbra e um do Instituto Superior Técnico de Lisboa, venho desde 2001 lutando sem tréguas contra a co-incineração de resíduos perigosos, apontando desde a primeira hora a pirólise como o método adequado para o tratamento dos resíduos que não possam ser reciclados. Houve o cuidado de dar passos seguros de um ponto de vista técnicocientífico na frente de combate

judicial que iniciei há dez anos. Aconteça o que acontecer uma coisa é certa: conseguiu-se evitar a co-incineração em Souselas-Coimbra durante cerca de nove anos, ou seja, desde o despacho de José Sócrates em Abril de 2001, que determinou a opção por Souselas e Outão, até Fevereiro de 2010, data do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que revogou as decisões de 1ª e 2ª instâncias que tinham suspendido a eficácia das licenças concedidas à CIMPOR para a co-incineração de resíduos industriais perigosos. Face a grosseiras e intoleráveis anomalias em acções cautelares já findas, cometidas ao longo dos últimos seis anos pelos tribunais administrativos, principalmente pelo Supremo Tribunal Administrativo, foi decidido solicitar audiência conjunta ao primeiro-ministro e à ministra do Ambiente na procura de uma solução política para o problema, sem abdicar da continuidade da luta judicial, uma vez que estão pendentes cinco acções populares sob a forma de acções administrativas especiais, sendo três respeitantes a Souselas e duas ao Outão . Nós vamos continuar a lutar. Qual vai ser o seu contributo?

*Advogado

D.R.

A Cabra errou: Na edição 237, a crítica de jogo, intitulada “Dias de Raiva”, foi, erroneamente, atribuída a Rui Craveirinha, quando, na verdade, foi escrita por Rafael Pinto. Pelo sucedido, o nosso pedido de desculpas. Cartas ao diretor podem ser enviadas para

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13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a

cabra | 23

opinião ramal da loUsã/metro mondego Jaime ramos* É uma ferrovia com mais de cem anos. Só no percurso Coimbra-Serpins, esta infra-estrutura transportava, por ano, mais de um milhão de passageiros. Durante décadas foram lançadas ideias para a sua modernização, electrificação e alargamento a Góis ou a Tomar. No final da década de 80 foi anunciada a construção do túnel na baixa de Coimbra, permitindo a ligação ferroviária do Parque da Cidade à Estação Velha, sem conflitos de espaço entre o trânsito rodoviário de superfície e o sistema ferroviário. O túnel não foi construído por oposição da Câmara de Coimbra que defendeu uma solução de “eléctricos ligeiros”. O Metro Mondego é um projecto com quase 20 anos de avanços e recuos, que nasceu desta oposição ao túnel e defesa dos eléctricos de superfície. Em Janeiro de 2010, as pessoas deixaram de poder usar o Ramal da Lousã porque o Governo decidira avançar com as obras para o Metro Mondego. Poucos meses depois surgiram notícias indicando que o Governo se preparava para suspender as obras e que pretendia substituir o Metro Mondego por autocarros ou “metro bus”. Perante esta irresponsabilidade, as populações e os autarcas mais interessados lançaram várias iniciativas: marcha lenta na Auto-estrada, a 31 de Dezembro de 2010, e manifestações em Lisboa, junto à residência oficial do primeiro-ministro e à Assembleia da Republica. O Movimento Cívico, integrando pessoas e autarcas de Góis, Lousã, Miranda e Coimbra, pretende garantir a continuação das obras no Ramal da Lousã ou Metro Mondego, de modo a garantir a existência de um sistema de transporte público de passageiros, sobre carris, de preferência eléctrico, entre Serpins e Coimbra. Perante as circunstâncias económicas, aceita-se que as novas linhas dentro da cidade de Coimbra possam ser adiadas até haver uma melhoria

das condições financeiras. O Ramal da Lousã ou Metro não deve ser confundido com novas obras megalómanas, como o aeroporto na margem sul do Tejo, terceira ponte em Lisboa e TGV para Madrid, uma vez que se trata de uma infra-estrutura com mais de cem anos e que transportava cerca de 2 milhões de passageiros por ano. Este movimento não defende uma determinada solução técnica, que cabe aos especialistas, nem um modelo de gestão, que é competência do Governo. E ao Governo cabe escolher a melhor solução, sem desperdícios, tendo em conta as disponibilidades financeiras. Defendemos a solução de tracção eléctrica por questões ambientais, e de poupança futura, garantindo uma maior

independentemente de todo o contexto financeiro, salienta-se que o presidente da república e o primeiroministro assumiram publicamente que se vai encontrar uma solução sustentabilidade. Independentemente de todo o contexto financeiro, salienta-se que o presidente da república e o primeiro-ministro assumiram publicamente que se vai encontrar uma solução para o transporte, sobre carris, entre Serpins e Coimbra. Em 2010 todos os partidos na Assembleia da Republica assumiram o compromisso de o Estado concretizar uma ligação ferroviária, sobre carris, nos troços Serpins-Coimbra. A idoneidade dos mais altos dignitários do regime é garantia de que este processo - Ramal da Lousã/Metro - vai ter uma solução satisfatória para a população da região. A dignidade das pessoas de Coimbra exige que todos honrem a palavra dada.

*Médico e Presidente do Movimento de Defesa do Ramal da Lousã

Secção de Jornalismo, Associação Académica de Coimbra, Rua Padre António Vieira, 3000 - Coimbra Tel. 239821554 Fax. 239821554 e-mail: acabra@gmail.com

editorial o bom fUncionamento da realpolitik na aac

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Findado mais um período eleitoral, relativo ao sufrágio para os corpos gerentes da Associação Académica de Coimbra (AAC), revela-se importante fazer uma análise da quadra politicamente mais animada da academia. Por ser passível de interpretações ambíguas, a novidade mais relevante e interessante saída destas eleições – quando comparada com os anos anteriores – está no aumento exponencial do número de votantes. Seria desejável que o conhecimento dos projetos por parte dos estudantes fosse o principal fator que levasse a uma tal afluência às urnas. Quem esteve atento nos dias em que decorreu o ato eleitoral, pôde observar elementos das duas listas análogas, no que toca à capacidade de mobilização de votos, a circundar as várias mesas de voto. Desde a simples abordagem nas faculdades e departamentos a apelar ao voto em determinada lista, passando pelo envio de mensagens e emails auxiliados por cadernos e documentos de excel onde figuram nomes de potenciais “votos”, juntando tudo isto com o controlo apertado do número de votantes de hora em hora, contam-se de entre as inúmeras técnicas que apodrecem a democracia na AAC. É pena que, uma vez mais, se encare o cacique como um problema menor e normal ou mesmo como uma questão cultural e não sejam tomadas medidas efetivas que punam de forma exemplar as listas cujos membros façam uso desta prática que tem feito escola na academia de Coimbra. Mais uma vez a questão do financiamento da campanha prova ser fundamental para um bom resultado eleitoral. Enquanto não se estandardizar o montante disponível para a campanha de cada lista, limitando-a a esse valor, haverá sempre projetos em clara vantagem. Por último, não deixa de ser repugnante o facto de haver estudantes com a fotografia e o nome nos organigramas das listas sem sequer terem tido conhecimento prévio nem terem dado a autorização para a utilização da sua imagem para tais efeitos.

É pena que, uma vez mais, se encare o cacique como um problema menor e normal ou mesmo como uma questão cultural e não sejam tomadas medidas

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Do Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA) que se realizou em Braga na passada sexta-feira, nove, saiu uma moção aprovada por unanimidade pelos dirigentes. O conjunto de ações intitulado “Natal Negro no Ensino Superior” pretende esboçar uma reação do movimento associativo nacional ao já previsível atraso no processo de atribuição de bolsas. Não deixa de ser uma evolução tendo em conta que este órgão é conhecido por posições mais conservadoras que opta, na maioria das vezes, pelo diálogo com a tutela, mesmo quando este se revela infrutífero. A ação é simbólica, mas pode ser o começo de um processo de reivindicação que se quer mais robusto. Estas medidas deveriam ter sido aprovadas logo depois de ter sido analisado o regulamento de atribuição de bolsas. Mais uma vez, as decisões tomadas em ENDA pelos dirigentes estudantis a nível nacional pecam por muito suaves e muito tardias. Por Camilo Soldado

Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas Multimédia Ana Francisco, Catarina Gomes Editores Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando Sá Pessoa (Desporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido (Mundo) Secretária de Redação Nicole Inácio Paginação Inês Amado da Silva, João Miranda, Rafaela Carvalho Redação Daniel Silva, Diana Teixeira, Fábio Santos, Félix Ribeiro, Joana de Castro, Mariana Santos Mendes, Paulo Sérgio Santos Fotografia Ana Duarte, Ana Francisco, Ana Morais, David Barata, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, Olga Juskiewicz, Rafaela Carvalho Ilustração Ana Granado, Ana Beatriz Marques, Tiago Dinis Colaborou nesta edição Carolina Caetano, Margarida Fidalgo Pais Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, João Valadão, José Afonso Biscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos, Luís Luzio, Pedro Madureira, Pedro Nunes, Rafael Pinto, Rui Craveirinha Publicidade João Gaspar 239821554; 917011120 Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, Mário Nogueira, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Ondjaki


Mais informação disponível em

Redação: Secção de Jornalismo Associação Académica de Coimbra Rua Padre António Vieira 3000 Coimbra Telf: 239 82 15 54

Fax: 239 82 15 54 e-mail: acabra@gmail.com Conceção e Produção: Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

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Badminton

A secção de badminton da AAC voltou a trazer o título de campeões nacionais universitários de badminton para Coimbra. A 1 de dezembro, os atletas da casa conseguiram a revalidação do título. Para além do primeiro lugar, a AAC ainda arrecadou o segundo, quarto e quinto lugares no campeonato universitário que decorreu em Coimbra. Apesar do sucesso desportivo, o presidente fala em falta de reconhecimento e avizinha tempos difíceis com o princípio de pagadorutilizador, podendo este custar a perda de competitividade. É então necessário demonstrar a excelência do desporto da AAC, mesmo que essa esteja ameaçada. J.G.

FCTUC

Abílio Sobral, investigador da FCTUC, trabalha novos usos para o dióxido de carbono. O primeiro passo é a retenção dessas emissões, evitando que cheguem à atmosfera. As possibilidades de negócio são elevadas na transformação do CO2 em metanol, formaldeído ou ácido fórmico, alguns dos compostos mais consumidos pela indústria química. Reduzir emissões do gás e reconvertê-lo nestes compostos permite poluir menos e poupar muito mais. A investigação segue um rumo que pode colocar Portugal na vanguarda das tecnologias verdes e resolver uma das batalhas deste século: o aquecimento global. F.F

Caminhos da vida por AnA FilipA SilvA

Barbosa de Melo

Um ano à frente da CMC não trouxe mais do que iniciativas anteriores para a dinâmica da cidade. Os “projetos estruturantes” que Barbosa de Melo faz questão de salientar são já projetos que vêm de outros tempos. Nos projetos que dependem “exclusivamente” da CMC, há que concluir a obra. Já os que resultam de decisões tomadas pela administração central, só podemos esperar pela “pressão” da câmara. Será que até 2013 estes projetos serão mais do que isso e estarão efetivamente concretizados? Para uma maior afirmação de Coimbra no panorama nacional, é bom que sim. A.M.

200 x 100 Quando me dizem que a vida é cíclica, vou tentar acreditar de forma menos cética, porque cada vez mais reparo que ela é isso mesmo: um verdadeiro ciclo. Começamos num ponto, como uma estação de comboio, e seguimos sempre em frente, porque para a frente é que é o caminho. E, quando finalmente damos por nós, já voltámos ao ponto de partida, seja por pura ironia ou pelo simples facto de o mundo ser redondo. Por isso, por mais longa que seja a nossa caminhada ou por mais adversidades que ela tenha e nos faça mudar, nunca devemos esquecer de onde somos e de onde vimos.


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