A CASA em revista - Edição 2

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A CASA FOTO ARTE



A CASA EM REVISTA - ed.2


Capa Giramundo Maria CecĂ­lia LeĂŁo


Editorial

A CASA em revista é uma publicação virtual de artes visuais com ênfase na fotografia contemporânea. Nasce dentro

do isolamento social necessário para evitar o coronavírus.

Inicialmente voltada para artistas que participam de projetos, encontros ou cursos A CASA, busca dar visibilidade em

tempos de pandemia para a emergente produção destes artistas, também servir de portfólio e ajudar a colocar novos

nomes e trabalhos em circulação dentro do sistema de arte. Além de ensaios fotográficos e trabalhos relacionados à

imagem, cada edição terá uma entrevista com um artista convidado, que apresentará também um ensaio, projeto ou

produção de sua autoria, escolhido e selecionado por ele mesmo.

Nesta segunda edição, temos a alegria de receber Edu

Simões, mais um artista que se reinventa. Edu é um nome forte na fotografia documental, e está aqui nos presenteando

com um ensaio conceitual surpreendente. Esperamos que apreciem essa edição. Bem vindos novamente!


Quarentena Arthur Costa

Se a quarentena aprisiona, a fotografia liberta Quando a quarentena dรก fome, a fotografia sacia E se ela sufoca? A fotografia expande.











A Casa e Seus Espíritos Bernardo Conde

Estar em casa é também se confrontar, olhar para dentro e entrar em contato com o indizível. São campos de luz e sombra atiçando as sensações. Flertando com os surrealistas, o ensaio “A casa e seus espíritos” (nome inspirado no romance de Isabel Allende), traz as portas e luzes como frestas para o inconsciente.







Ritual Para as Marcas do Corpo e da Alma Gizele Vieira

Desde que nascemos sentimos dor. As minhas começaram pelo ventre aos 12 anos e de lá para cá não pararam mais, foram apenas se transformando e passando de um lugar para outro do corpo, até atingirem a alma.









Possibilidade de Sentir Luciane Villanova

Quero o invisível visível, minhas marcas são a materialidade deste sentir. Na experiência radical da incomunicabilidade os afetos não circulam ,a pele que separa do outro revela a dualidade humana: ou Eu ou o Outro. Sofremos para ser, mas fugimos da dor que nos dá a direção para outras formas do viver.











Regência Luciano Paiva

Regência surgiu há cerca de 8 anos num exercício de observação do desenho das linhas do mobiliário urbano, as listras me chamaram atenção imediatamente e seu movimento me remeteu à geometria de Athos Bulcão. A divergência e convergência das linhas numa tentativa de encaixe, criam desenhos com seus movimentos de ir e vir, sobe e desce como a mão de um maestro, onde a disposição das imagens permitem a composição de imagens e narrativas, entrecortadas por sombras e armações, é claramente geométrica e nenhum pouco perfeita.











Gira Mundo

Maria Cecília Leão Desde 2019 desenvolvo projetos com autorretratos em que faço performances, expressando através do meu corpo meus sentimentos. Consigo nesta série, Gira Mundo, manifestar meus receios, angústias e um turbilhão de sensações. O mundo ao meu redor gira de uma maneira frenética e minhas emoções também. e-mail: mcecileao@hotmail.com instagram: m.cecileao











Triatípico

Patrícia Moreno A proposta deste ensaio nasce da vulnerabilidade de todos os humanos deste planeta chamado terra que ficaram expostos a pandemia do COVID19. Na maioria dos países as medidas de reclusão foram adotadas e o Brasil não ficou de fora. Sem definição ou um limite de prazo para a circulação normal citadina acontecer os dias se tornaram intermináveis . Começa então uma odisseia de aprendizado dentro deste confinamento que vai muito além da corriqueira noção do tempo manhã, tarde e noite. Inspirada no humor ácido do fotógrafo Marcos Chaves e no convívio digital com a turma d’ A CASA, a sobrevivência destes dias nada comuns e a rotina diária inspiraram este ensaio. A exigência da assepsia para o não contágio veio carregando sentimentos de paranoia que chegava a beira da diversão eclodindo alguns personagens “Sui generis”.









Vestígios

Sílvia Lorenz-Martins Imagens fluidas, líquidas, oníricas, enevoadas, veladura na natureza e nos seus mistérios que a ciência insiste em desvelar, mas nossa cegueira é teimosa. Drama e beleza. Estamos frente a vestígios deixados nesses territórios idílicos, lindamente assustadores, sedução em forma de imagem. A fotografia propiciando mais um belo encontro da técnica com a poesia, do tangível com o intangível, da razão com o delírio, e nos ensinando, se quisermos ver, que tudo é um amálgama de saberes inseparáveis.

slorenzmartins.com










Artista Convidado

Edu SimĂľes

Gastronomia Para Um Dia de Trabalho Duro


Entrevista A CASA: Olá Edu, bem-vindo A CASA em revista. Você nos presenteia com a série “Gastronomia para um dia de trabalho duro” que virou uma belíssima publicação em livro. Além deste, você tem um outro lindo livro, “Amazônia”. Como é sua produção de ensaios, você já fotografa pensando em publicar ou isso acontece como um resultado natural do seu trabalho? EDU SIMÕES: Cada projeto tem um ponto de partida e um de chegada. No caso do projeto “Amazônia” ele já nasceu com o destino de ser um livro. Nesses casos, além do indefectível Photoshop, eu trabalho muito com um programa de edição de livros. A narrativa é tão importante quanto a qualidade intrínseca de cada fotograma. No caso do “Gastronomia para um dia de trabalho duro” foi bem diferente. O projeto nasceu de uma encomenda para um calendário em homenagem ao compositor paulista Adoniran Barbosa em 2004. O fotolivro nasceu 14 anos depois, quando eu jamais esperava, mostrando que alguns trabalhos têm a capacidade de abrir seus próprios caminhos.


A CASA: O livro “Gastronomia...” foi editado fora do Brasil e apresenta um projeto gráfico surpreendente. Como surgiu essa oportunidade e como foi desenvolver o projeto do livro fora do país? EDU SIMÕES: Eu conheci o editor Pierre Bessard em Paris em 2014, quando ele publicou um Zine com algumas fotos minhas da Amazônia. (Inferno Verde Editions Bessard/2015 ) Em 2018 ele veio fazer uma palestra aqui no Brasil e em visita ao meu estúdio encontrou na minha mesa uma latinha com um protótipo bem ruim de um pequeno livro com as marmitas. Ele, que é um editor genial, viu aquilo e transformou em uma pequena joia, o que me deixou imensamente feliz. A CASA: Conta um pouco pra gente como a fotografia surgiu na sua vida, quais as dificuldades iniciais e como foi superá-las, levando você a ser um dos nomes mais queridos da fotografia brasileira? EDU SIMÕES: Posso dizer que a fotografia na minha vida foi uma química que deu certo! No caso, a química mesma, hidroquinona, hipossulfito de sódio e ácido acético. Fui fisgado pela fotografia através do laboratório. Aquilo era pura mágica!!! Esse inicio se deu quando eu tinha ainda 14 anos. Mais tarde, quando terminei o ensino médio, decidi que não queria fazer uma faculdade. Entre ser chofer de


caminhão e fotógrafo, felizmente, optei pelo primeiro. Certamente eu seria um péssimo caminhoneiro. Na fotografia eu vi a possibilidade de juntar duas coisas que me motivavam. A ideia de fazer algo concomitantemente ligado à arte e a alguma atuação política. Isso me levou para o fotojornalismo. Arte e política continuam sendo uma busca para mim, ainda que hoje, eu entenda essas duas manifestações de forma infinitamente mais ampla. A maior dificuldade para quem está começando e para mim não foi diferente, é você encontrar a sua própria voz. Um estilo próprio. Uma visão de mundo pessoal e significativa. Isso leva tempo e exige muito trabalho e uma certa humildade. É preciso, na minha opinião, estudar muito, conhecer o que já foi feito em fotografia e, seguindo o conselho do Robert Frank, nosso maior mestre: “Para fazer um bom trabalho você precisa de mais inteligência. E você não pode simplesmente imitar um famoso fotógrafo de 35mm. Cartier-Bresson não vai ajudar, lentes de grande angular também não vão ajudar. “ A CASA: O ensaio que estamos publicando tem uma visualidade próxima à fotografia de produto, mas seus trabalhos mais famosos passam pela fotografia de natureza e retratos. Como surgiu essa ideia de


usar a estética da fotografia de produto para fazer arte contemporânea e como foi desenvolvê-la? Que artistas te inspiraram nesse processo? EDU SIMÕES: Nessa época, eu trabalhava como editor de fotografia de 3 revistas da mesma editora: Revista Bravo, República e Sabor. Esta última, uma revista de gastronomia, para a qual eu também fotografava. Tive a ideia de fotografar a comida ultra desvalorizada consumida pela classe mais pobre com a mesma técnica e o mesmo cuidado com que eu fotografava os requintados pratos dos mais renomados chefs da gastronomia nacional. Eu tinha a intenção de elevar a comida de marmita à condição de uma refeição gourmet. A CASA: A estética que você escolheu para retratar as marmitas nos passa uma ideia de confinamento. Toda a comida fica conformada ao pequeno recipiente e não há espaço para definir bem onde ficará cada item. O trabalho também faz isso com as pessoas, as conforma e confina ao objetivo único de produção. Outros trabalhos seus, como “Eu tenho um sonho” também lidam de alguma forma com esse conflito entre um enquadramento social num papel determinado e a possibilidades de expansão desses limites. Você vê isso no seu trabalho? Caso seja, é um sentimento próprio que você digere no processo de criação? Quer


dizer, houve situações que te conformaram como sujeito, e te fizeram buscar a arte como forma de quebrar essas limitações, ou o espaço metafórico das marmitas? EDU SIMÕES: Em 2006, quando eu saí da Revista Bravo, foi um choque. Percebi duas coisas muito importantes. Uma é que a profissão de editor de fotografia, tal como eu exerci por 18 anos, não existiria nunca mais. A outra e a mais importante, foi a compreensão de que a disseminação do uso da internet e a predominância das redes sociais nas nossas vidas, estavam transformando radicalmente o universo da imprensa e sobretudo o da fotografia. Meio que estupefato, fui correndo estudar e ler tudo o que encontrava sobre essas transformações. Passei a participar de todos os festivais de fotografia que consegui na busca de novas informações. No meio dessas reflexões eu vi o universo onde eu atuava, o da fotografia da empresarial e da imprensa, se desmanchar rapidamente enquanto o universo da fotografia artística aqui no Brasil seguia um caminho inverso. O SP-Artfoto por exemplo, se tornava cada vez mais pujante, com mais e mais galerias sendo incorporadas. Essa foi a deixa


para mergulhar a fundo em uma prática que sempre me acompanhou, a dos trabalhos pessoais desvinculados dos interesses das empresas de comunicação. A partir dessa reflexão, passei a me dedicar quase que exclusivamente ao que nos anos 80 chamávamos de ‘fotografias inúteis’. Eram esboços de uma fotografia artística, que naquela época, aqui no Brasil, tinha pouco ou nenhum valor. Uma coisa que me ajudou a fazer esse percurso ou essa ressignificação do meu fazer profissional, foram os trabalhos para os “CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA”, editado até 2012 pelo Instituto Moreira Sales, onde, além dos retratos dos escritores, eu desenvolvia um ensaio fotográfico baseado na vida e na obra de cada um desses escritores. Nesses ensaios, as fotografias eram publicadas sem qualquer legenda ou texto explicativo, o que me obrigou a desenvolver/apurar uma linguagem puramente visual, capaz de se sustentar. Foram 16 anos de aprendizado que me prepararam para essa fase em que me encontro atualmente. Hoje me dedico exclusivamente a produzir trabalhos autorais que terão como destino exposições de arte ou fotolivros.


Estes dois trabalhos que você citou, podem ser alocados na categoria de pós-documentarismo fotográfico. Isto é, preocupados com o que acontece na vida real das pessoas, mas que se descolaram de um certo fundamentalismo humanista (estilo reportagem da Magnum - Leica 35mm em preto e branco, como disse o fotógrafo inglês Paul Graham). Entendo as marmitas como uma metonímia, onde cada latinha tem dentro dela um mundo representado. O mundo gastronômico popular com tudo o que ele tem de cultural e nutricional e o mundo das relações familiares. Podemos imaginar que alguém, provavelmente uma mulher, acordou às 4 horas da manhã para preparar aquela refeição que o servente, o pedreiro e o carpinteiro, irão abrir na hora do almoço. Ao ver um delicado enrolado de pimenta enfeitando o centro de uma marmita, percebo que um recado de afeto e consideração foi transmitido. “Eu tenho um sonho”, para quem não conhece o projeto, foi uma exposição feita na favela da Rocinha em 2013 com retratos de 13 jovens moradores na favela expostos em enormes lambe-lambes colados em um muro de arrimo na entrada da favela pela Gávea. Através de um QRCode também colado no muro, com um celular era possível ouvir cada um dos retratados descrevendo seus sonhos.


Projetos assim, para citar a professora Susane Dobal, levam o fotodocumentarismo da sua condição de descrever uma “verdade última” para descrever “verdades múltiplas”. Desta forma ampliando o horizonte, como você disse. Os retratos, sem deixar de descreverem quem são essas pessoas, como se vestem ou moram, agora estão acrescidos do pensamento sobre o futuro destes jovens, seus desejos e aspirações. A CASA: Suas imagens têm um forte caráter de representação/ apresentação do outro. O que te motiva a buscar apresentar a imagem do outro em seus trabalhos? O que você espera que o público experiencie com as imagens? EDU SIMÕES: Meus trabalhos são sempre focados no Brasil e eu tenho certeza que pouquíssimas pessoas conhecem o nosso país em sua enorme diversidade social, cultural, paisagística e etc. Procuro sempre partir da minha necessidade de conhecer e entender algumas o Brasil. Tenho a ousadia de achar que através desses projetos, algumas pessoas vão me acompanhar nessa aventura.


A CASA: As marmitas retratadas no livro, são marmitas reais de trabalhadores. Como você conseguiu convencer a galera a ceder o prato de comida para ser fotografado? Explica pra gente como foi essa negociação e a reação dos donos das marmitas? EDU SIMÕES: As fotos que estão nos livros foram feitas em dois momentos bem distantes e em cada um desses momentos a estratégia foi distinta. O primeiro momento foi em 2004, quando visitei alguns edifícios em construção. Uma vez dentro das obras, eu montava meu pequeno estúdio com um tripé especial para fazer as fotos em plongée, uma Hasselblad com lente 120mm e um flash de estúdio. Com o circo montado, eu esperava a hora do almoço e pedia se poderia fotografar a marmita momentos antes de serem devoradas. Muitos deixaram. No segundo momento, em 2018, recorri aos amigos pedreiros e arquitetos para completar o número de páginas que o livro exigia. A CASA: Você tem galeria que te representa. Como você entende o funcionamento do mercado de arte no Brasil para artistas que trabalham com fotografia, principalmente essa fotografia que é mais próxima do documental?


EDU SIMÕES: Sou muito novo nesse universo para poder emitir opinião segura. Sei que tive a sorte da minha primeira e única experiência ser com a Galeria Marcelo Guarnieri. Com ele aprendi que esse processo tem que ser feito de forma lenta e consistente. É verdade que o mercado de arte no Brasil e no mundo é muito focado na arte contemporânea, dando menos atenção para experiências mais clássicas. Pelo menos era assim. Com a crise provocada pelo corona vírus, só podemos ter duas certezas. Uma a de que tudo será muito, mas muito diferente de tudo que conhecemos. A outra é que ninguém sabe o que vai sobreviver e sobretudo o que de novo irá acontecer. Penso que o Big Date, a inteligência artificial e o pós Covid-19 vão gerar novas formas de pensamento, sensibilidade, reflexões e novas formas de organização social. E como consequência, novos movimentos artísticos relevantes. A fotografia não estará imune a tudo isso. Com certeza novos e importantes fotógrafos surgirão para nos ensinar que nada é estático e que, com a fotografia, podemos chegar a lugares que sequer imaginamos hoje. Um novo mercado deverá surgir desse caldo. Sejam bem-vindos os novos fotógrafos!












Artistas

Arthur Costa Bernardo Conde Gizele Vieira Luciane Villanova Luciano Paiva Maria Cecília Leão Patrícia Moreno

Artista

Convidado

Sílvia Lorenz-Martins

Edu Simões


Conselho Editorial Greice Rosa Mรกrcio Menasce Marco Antonio Portela

Projeto Grรกfico Bruno Almeida


acasafotoarte.com


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