A CASA em revista Edição 9

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A CASA FOTO ARTE



A CASA EM REVISTA - ed.9


Capa Eis o Homem Milena Ferreira


Editorial

A CASA em revista é uma publicação virtual de artes visuais com ênfase na fotografia contemporânea. Nasce dentro

do isolamento social necessário para evitar o coronavírus.

Inicialmente voltada para artistas que participam de projetos, encontros ou cursos A CASA, busca dar visibilidade em

tempos de pandemia para a emergente produção destes artistas, também servir de portfólio e ajudar a colocar novos

nomes e trabalhos em circulação dentro do sistema de arte. Além de ensaios fotográficos e trabalhos relacionados à

imagem, cada edição terá uma entrevista com um artista convidado, que apresentará também um ensaio, projeto ou

produção de sua autoria, escolhido e selecionado por ele mesmo.

Coração feliz por termos em nossas páginas Ana Paula

Albé, querida artista que usa a fotografia como meio para seus intermináveis devaneios poéticos. Uma professora respeitada e admirada por todos alunos. Artista com uma

produção que incomoda, faz pensar, intriga. Mas vocês vão descobrir muito dela em nossas páginas. Vamos entrar?


Gaia Ana Zinger

“A cura para as saudades de casa é lembrar de onde viemos. É redescobrir a igreja original dentro de si mesmo. É lembrar que as áreas selvagens do mundo são as paisagens da alma e que as criaturas que pertencem a elas são criadoras de almas.”

“Precisamos nos conhecer de novo, ler, compreender e falar a linguagem de uma natureza que nunca parou de se comunicar conosco.”

Ian McCallum









Céu de Ícaro Eliane Heeren

De longe, muito longe, observamos vultos, sombras, contornos que instigam a imaginação a adivinhar futuros. O mistério nos habita e nos move.











Ouça

Gizele Lima A sexualidade feminina foi e ainda é reprimida ao longo da história da humanidade. Frases como “menina fecha as pernas!”, “senta igual a uma moça”, “tira a mão daí, é feio”, “cuidado com a saia”, foram passadas de nossas bisavós para avós, mães e repassadas para nós. “Ouça” é uma experiência fotográfica que nos leva a refletir sobre o íntimo feminino, mergulhar nos sons que o corpo produz, perceber seus movimentos e a redescobrir a força da natureza selvagem que por muitas vezes encontra-se adormecida em cada mulher.









Geladas Glícia Gomes Geladas surge no momento em que o mundo está em confinamento. A partir dessa experiência, começo aprisionar fotos de desconhecidos no gelo. O que mais me encanta nesse processo, é o inesperado. É ter a paciência de esperar o tempo fazer o seu trabalho. É não ter o controle do processo e mesmo assim se satisfazer com o resultado. Ao colocar a água no congelador, a única certeza que eu tenho é que ela vai virar gelo. A surpresa de como a imagem vai interagir com o gelo, as formas e desenhos que se formam, é o que me faz querer seguir nesse processo de pesquisa.









Desabrigo

Herbert Zampier O recorrente sonho que na verdade era sua vida...







sรณ

Miriam Ramalho sรณ.











EIS O HOMEM Milena Ferreira Um observatório concebido antes e durante pandemia, oscilando entre percepção e comtemplação do desenvolvimento do ser e a ilusão de tentar externalizar o que não pode ser dito e nem tão pouco contido.











COVIDAI-5 – E DAI5? Memórias Do Exilio Social Silvio Moréia

Forçados ao exilio social a convite de um vírus autoritário e austero exigindo de cada um de nós o distanciamento de amigos, parentes e entes queridos impondo um difícil processo de sobrevivência. Nesta trajetória percebemos o desaparecimento de vidas em seu enclausuramento residencial, sem direito ao afeto do olhar, sem direito ao toque que afaga. Sem direito a dor do luto. Contrastando esta dura realidade, ressurgem de um tenebroso passado manifestações

isquêmicas, ecoando de algumas vozes indiferentes que

bradam o retorno das memórias do cárcere, surgindo assim uma nova pandemia: a da ignorância e da sofreguidão inquirindo a mordaça e a atrofia democrática com a volta da edição do Ato Institucional nº 05 de 13 de dezembro de 196 8 - AI-5. Isolamento - Confinamento - Cativeiro - Tortura - Desaparecimento. O que não pode desaparecer é o esquecimento! Como mencionado no livro Direito à Memória e à Verdade – História de Meninas e Meninos Marcados pela Ditadura (Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República lançado em 2009): “Os corpos e as almas continuam a ser violados mesmo nos dias de hoje, demonstrando que não podemos considerar os microfascismos como superados.” Quem viver, verá? “Perdoem por tantos perigos, perdoem a falta de abrigo, perdoem a falta de amigos, os dias eram assim...”. (Compositor Ivan Lins e Vitor Martins)












Artista Convidado

Ana Paula AlbĂŠ MATA-MATA


Entrevista A CASA: Bem vinda A Casa Albé, obrigado por aceitar participar da nossa revista. Você pode contar um pouco do início da sua carreira com fotografia, se vc entrou pelo viés comercial ou já foi direto para o artístico e autoral? ANA PAULA ALBÉ: Oi oi, estou achando um luxo ser entrevistada por vocês ... eu era cinéfila na adolescência mas meu mundo era muito distante da possibilidade da arte, de ser artista. fiz vestibular para cursos variados e pensei : serei o que o acaso quiser ... era a parte mais divertida do vestibular ... não querer ser exatamente nada daquilo. Mas fui meio covarde e alternei minhas inscrições entre comunicação e direito ... eu achava impossível fazer uma universidade de teatro, cinema, artes ... embora fosse isso que eu queria. Então ali eu já estava disposta a buscar uma formação paralela ... Passei pela escola do Ivan Lima, FotoRiografia? e era maravilhoso que ele desmembrava os livros da PhotoPoche para que a gente reeditasse como quisesse. E passava muito tempo no laboratório de lá,


aulas de experiência fotográfica da Denise Cathilina no EAV do Parque Lage, a fotografia nas artes visuais com Marcos Bonisson, as investigações técnicas com o Cesar Barreto no inicio do Ateliê da Imagem, a inesquecível primeira aula do Pedro Karp Vasquez que mandou a turma toda fechar os olhos por uns 30 minutos e imaginasse ... eu ia tentando me (in)formar como fotógrafa e paralelamente me candidatava a trabalhos. Fiz o Curso BLOCH quando ainda estava no 2º período da faculdade, eu era um pinto molhado no meio das feras concorrendo a vaga de fotógrafo da Manchete ... tive palestras incríveis ali ... olhava aqueles caras e só me perguntava com que que diabos fui parar ali (e olha que passei por uma prova teórica e uma prática com PROVIA 100Iso, rs). Eu era muito crua e continuei a faculdade ... nem pensei em largar tudo e ir pra lá. Acho também que eu ficava muito assustada com esse mundo de fotojornalistas ... Fiz um período de trainee do DiárioLance no Rio e no meio do caminho fui selecionada para o Curso Abril. De alguma forma, esses cursos formavam a gente ao nos apresentar a profissionais experientes, já que no Brasil não tinha um curso técnico muito menos teórico sobre imagem. Minha resposta está enorme e nem cheguei no meio ... é que o caminho que nós trilhamos nessa época era de fato muito pessoal. Ganhava 900,00 e gastava 450,00 no curso + material de laboratório. Me lembro de ter feito uma montagem enorme de um pescoço 2x1m que expus na Casa da Matriz, o Leo Feijó que estava organizando ... depois o Ateliê da Imagem começou a ter esse lugar de juntar as


pessoas em aulas e sextas livres. Enquanto isso eu trabalhava tb ... como fotógrafa onde me queriam. Não negava trabalho porque era no trabalho que eu também aprendia a fotografar. Um dia, no fim do Curso Abril, fui mostrar meu portfolio na EXAME e o fotógrafo me perguntou se eu não tinha um projeto pessoal. Não eu não tinha ... eu tinha imagens variadas de coisas variadas mas também nem era muito nada específico. E não dormi pensando no tal do projeto pessoal, da linguagem, da sua marca nas fotos ... Bobagem, hoje eu vejo que o que ele chamava de marca não era uma marca mas um desejo de marca, mas como eu sempre corri atrás da tal da fotografia, lá tava eu, angustiada porque não tinha marca. Voltei para o Rio, como fotógrafa da Placar, fiz também frilas para outras revistas. O pessoal da fotografia da Placar em SP era muito legal, tinham desenvolvido, eles sim, uma marca para a revista, uma vontade, um olhar mas o Ricardo Correia me mandou pro Rio e eu fiquei meio orfã daquele grupo da imagem e tratando só com os jornalistas de texto. Acabaram com a sucursal, fui trabalhar com cinema ... fiz um documentário de dança e ficava horas assistindo os iluminadores desenhar as luzes de palco e como eu, a câmera, poderia participar daquela relação de corpo, luz e sombra. O Movimento. Terminei o documentário e meu namorado morava em São Paulo e fui para São Paulo.


A CASA: Você é carioca mas acabou indo morar em Sampa. Quais diferenças você verificou na produção, circulação e mercado entre essas duas cidades? ANA PAULA ALBÉ: Não fui fotógrafa em São Paulo. Cheguei e consegui a função dos meus sonhos na época : assistente de direção de fotografia. Trabalhei por 1000 anos com o Jr Junior ... compactados em reais um ou dois anos, anos intensos e muito divertidos aprendendo tudo sobre refletores, gelatinas, câmeras, lentes, enquadramentos, filmes, traquitanas, como trabalhar em equipe, como virar a noite, como estar disposta e animada e feliz pelo trabalho como o samurai que aquela equipe do Jr faz. A publicidade tem uma dinâmica muito específica, equipes, viradas de noite, viradas de dia, locações ... podia ser SP ou qualquer lugar do mundo. Eu era assistente direta e pouco me relacionava com o mercado como frila. Era muito trampo ... eu estava cheia de informação, querendo começar a experimentar coisas novas e depois de uma virada de noite eu decidi tirar um mês para respirar e fui trabalhar com uma companhia de performance dinamarquesa que veio para o festival Panorama. Cheguei a trabalhar em uma produtora por mais um tempo e depois migrei definitivamente para as artes. Trabalhei com essa companhia por 2 anos direto, viajamos pelo Brasil depois Índia e assim que cheguei, engravidei da minha 1a filha. Daí eu fui carregando ela nos primeiros projetos mas depois decidi aterrar em São Paulo mesmo e me candidatei ao mestrado em artes.


A Casa: Como é conciliar a carreira de artista, mãe e professora de arte? Ana Paula Albé: É uma confusão ... as vezes sou maternal nas aulas, trago histórias das aulas pra casa, empurro todos para fora do ninho, as vezes chamo todos para o ninho e monto casa (rá, olha que vcs são assim também!) ... eu tenho certa inveja das artistas que não tiveram nem quiseram filhos, que se dedicam integralmente a uma atividade só e etc. Eu faço tudo junto ... me sinto deslocada em muitos lugares também, um pouco mais velha que a média dos artistas, resolvendo questões de trabalho com criança implorando colo, levando bebe para oficina de artes ... mas eu quis tudo isso, não reclamo de nada, só preciso viver até 150 anos para dar conta dos desejos todos ... A Casa: Qual a relevância que você acreditar ter para um artista frequentar cursos de pós-graduação como mestrado e doutorado? Vale participar desse processo rigoroso de seleção e depois de defesa? Ana Paula Albé: Para mim foi e é muito importante. Tudo vale a pena. Estudar é muito bom, ensinar também é divertido, acredito em uma relação horizontal, meio misturada até ... eu sei algumas coisas de fotografia, do pensamento fotográfico, das artes e algumas relações já


desenvolvidas. Cada aluno vem de um lugar e o caminho dele também me interessa, eu também aprendo muito. E influencia o que eu faço ... acho que se você tem interesse em dar aula, é muito bom estudar. A relação com um professor, um farol (formal ou não) com quem você possa conversar sinceramente durante a pesquisa é muito rico e tranquilizador (rs). A Casa: Quais referências artísticas mais te influenciam na sua carreira? Ana Paula Albé: Minhas referências são muito relacionadas a vida cotidiana ... gosto de trabalhar com tudo que me rodeia mitos do candomblé, filosofia, textos literários, música cafona na radio ... mas eu montava os cursos de fotografia e alternava os artistas que eu mostrava. Chegou uma hora que eu percebi que a Julia Margareth Cameron, Claude Cahun, Cindy Shermann, Francesca Woodman, Duane Michals, Wolfgang Tillmans estavam sempre lá No meu trabalho pessoal não saem da cabeça o Bataille, Blanchot, Warburg, Godard pelas imagens que fazem. A Casa: Qual sua relação com o mercado de arte e galerias?


Ana Paula Albé: Entendo muito pouco o que fazer para estar de forma confortável nesse mercado. Só achei uma solução, não depender dela financeiramente. Não fiz faculdade de arte, minha família não tem história de artistas e o mercado não me parece assim tão claro tb ... ou talvez o caminho seja longo mesmo ... às vezes tem um conhecido que trabalha numa galeria ou é curador e vê um espaço em algum lugar de arte e aparece um espaço legal para o meu trabalho. Ou a gente inventa esse espaço também .... As exposições que eu fiz foram todas “oasis” no saara. Foram momentos. Vamos fazendo o trabalho e as situações vão acontecendo. A Casa: Quais conselhos você daria para estudantes e novos artistas que pretendem ingressar no sistema de arte? Ana Paula Albé: Pergunta pro Portela, que ele é famoso. Depois me conta no privado! Imagina o mico que seria encontrar o marchand da sua vida e não ter trabalho para apresentar? A vida é dura mesmo, tem de trabalhar, ser generoso com a sua dúvida e seguir ...



















Artistas

Ana Zinger Eliane Heeren Gizele Lima Glícia Gomes Herbert Zampier Miriam Ramalho Milena Ferreira

Artista

Convidado

Sílvio Moréia

Ana Paula Albé


Conselho Editorial Greice Rosa Marcio Menasce Marco Antonio Portela

Projeto Grรกfico Bruno Almeida


acasafotoarte.com


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