ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
JOÃO MARTINS ATHAYDE
A HERANÇA DA MINHA AVÓ
JUAZEIRO DO NORTE 1978
LEITORES, eu vou contar Um caso que aconteceu O culpado não fui eu Quem quiser pode escutar Depois o leitor dirá Se acaso eu tenho razão Dêem sua opinião Ficar calado é ruim A boca que diz que sim Bem pode dizer que não Eu quero manifestar Quem eu era antigamente Vivia folgadamente Sem a ninguem ocupar O meu modo de passar Era um modo verdadeiro Minha vida de solteiro Era um sonho doirado Vivia sempre folgado Nunca faltou-me dinheiro
Por arte não sei de quem Uma carta eu recebi Para ir ao Cariri Que eu me dava muito bem Então arrumei os trens Fui até o Caicó De lá fui ao Seridó Estive em Nova Esperança Fui lá buscar uma herança Da finada minha avó Eu fui chamar o doutor Junto com o tabelião Com ilustrado escrivão Chamei o procurador Veio o avalizador Quando o dia amanheceu Outro não apareceu Para dar-se andamento Depois do arrolamento O herdeiro só fui eu
Eu fui ver os possuídos Depois do arrolamento Quando eu fui lá pra dentro Fiquei de queixo caído Eu agora estou munido No meio do farturão Descansei o coração A minha avó enricou-me Tudo quanto ela deixou-me Eu vou dar explicação Eu herdei da minha avó Um braço duma balança As asas duma esperança Um espeto de assar mocó Duas vagens de jiló As beiras de um funil Uma pedra e um fuzil Uma saia muito suja O bico duma coruja E uma calça sem fundil
A finada minha avó Deixou mais uma bacia Estufada de porcaria Dela fazer catimbó Três unhas de mocotó O babado duma saia O ferrão duma lacraia Um couro de apanhar cisco Duas pedras de curisco Três quengos de sapucaia Um pé de cebola roxa Uma marmita sem asa Um caco de apanhar brasa E os molambos duma colcha Um chifre de cabra mocha Uma chaleira furada Uma garrafa quebrada Uma rama de cará Uma casca de cajá As tripas duma almofada
Uma cuia de coité Uma bacia de pau Três rabos de bacalhau O arco dum jacaré O couro dum punaré Uma tijela quebrada Uma camisa rasgada Duas pedras de quixó Um cinturão dum cipó Os osso duma rabada Deixou o esporão dum galo Um pinto de canhão Três caroço de pinhão E dois dentes dum cavalo Um chocalho sem badalo O couro dum cururu Três espinhos de quandu O focinho dum chimpanzé O cabo duma colher As penas dum urubu
As unhas duma cauã Dois parafusos de aço Um penico dum cabaço Dois ovos de jaçanã Três vagens de mucunã Um cachorro da mão torta Uma cesta de horta A pata dum goiamum Um fato de jerimum Uma taramela de porta Um frade de botar banha Um fundo dum garrafão Dois pintos de gavião Uma dúzia de castanha As patas de duma aratanha As pernas dum tamborete Duas bombas dum foguete O arção duma cangalha O cabo duma navalha O bico dum picarete
Deixou-me um cabo de faca Um canivete sem mola O braço duma viola A tranca duma macaca O vento duma ticaca Um colête sem botão O caco dum botijão Três cabeças de cebola Dois botões duma ceroula A tampa dum capitão Uma colher de pedreiro Uma sangra de bodoque A tampa dum querrimboque O bico dum candeeiro O cabo de um papeiro Um pano cheio de tabaco Um caldeirão com um buraco Um caco de tapioca Um gomo duma taboca Um chapeuzinho dum macaco
As pernas duma cadeira Um bisaco descosido Que a velha tinha trazido De engenho da piolheira A banda duma esteira Um feixe de peri-peri O casco dum jaboti Enrolado num papel Um quengo de mexer mel Do engenho põe-pra-ti Um casco de tatu bola O pescoço dum cabaço O retrato dum palhaço O cocho duma gaiola O coice duma pistola Uma raposa esfolada Uma cauã despenada Uma ticaca se assando Um caracará cozinhando Uma coruja torrada
Uma vara de bandeira Um taco de rapadura Dez asas de tanajura Três batatas de parreira Um tição duma fogueira Três fiapos de retrós Um boneco de celiloz Daquele que não emborca Uma cangalha de porca Um sapo chamado vós Distinto, leitor agora Vou tratar sobre o cavalo Pois deixar de exaltá-lo Não posso deixar por hora Tanto atrasava a história Como atrasava a ação Enjeitei um dinheirão Porem eu não escutava Nem vendia e nem trocava O cavalo pragatão
Tinha uma perna quebrada Na outra tinha um espravão No braço tinha um limão E no outro uma enxuada Tinha um orelha cortada Tossia de vez enquando Só andava se arrastando Com duas bicheiras no braço Dez bexigas no espinhaço Só andava se urinando Só andava para traz Não precisava de mais corda De mês em mês tinha a roda Dente ele não tinha mais As orelhas desiguais Uma grande outra pequena Magro que fazia pena Em cada quarto uma abelha Dois jerimuns na sarnelha Cego da gota serena
Quando ele estava enfadado Ele caia dos quartos Só de escalva tinha quatro E o espinhaço quebrado Tinha os quartos derrengados Uma esponja se gerando Uma crava levantando O corpo muito franzino Doente do intestino Viviam as tripas roncando Só andava acocorado Quando subia ladeira Botava uma catarreira Ficava todo breado Só comia demorado Tinha o suor fedorento Lerdo, sentido e cosquento Bastante passarinheiro Tanjão e muito popeiro Dava coice até no vento
Tinha uma pisadura O gererê paco-paco E debaixo do sovaco Tinha uma grande rotura Coberto de peladura Tinha cido dum cigano Todo enrolado de pano Cada braço com três ovas Quase todas luas novas Dava-se o roda plano Quando ia defecar Era uma armada tão feia Se ouvia com légua e meia O pragatão esfoliar Depois dele terminar Passava um mês entupido Vivia todo enturido Deitado na terra dura Estercava pela rotura Rinchando por um ouvido
FIM