A morte comanda o cangaço

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOAQUIM BATISTA DE SENA

A MORTE COMANDA O CANGAÇO

1977



Aos meus caros leitores Neste romance que faço Contarei a grande história Dum cangaceiro devasso Porque o crime e a morte Comanda sempre o cangaço Há muitos anos passados O nordeste brasileiro Vivia sempre assolado Todo povo em desespero Tristemente castigado Por seca e por Cangaceiro

Pois os chefes do governo Não tomavam providência E os grupos de bandidos Viviam da violência Roubavam e assassinavam Sem compaixão, sem clemência


Era chefe dos bandidos Sempre um famoso assassino Lampião e João de Banda E um tal de Gesuino Chico Grande e Zé Beícinho E o Valente Antonio Silvino No lugar onde chegavam O chefe e seus Cangaceiros Atacavam o pessoal E roubavam seus dinheiros Matavam e defloravam As filhas dos fazendeiros

Usavam roupas esportes Chapeu de couro quebrado Mas um cinturão de balas Sobre o seu peito cruzado Um fuzil a tiracolo Um ou dois punhais de lado


Vezes viajavam a pés Vezes que era à cavalos Quando atacavam as cidades Ninguém podia enfrentá-los O Exército e a Polícia Não podiam dominá-los

Afinal não se atreviam Penetrar nas Capitais Atacavam os municípios Matavam os policiais E defloravam as donzelas Na vista dos próprios pais

E conduziam com eles Aquelas moças formosas Viajavam dia e noite Nas Catingas perigosas E faziam acampamentos Nas brenhas mais temerosas


As noites nos forrós De festança e bebedeira Num enorme fuzuê Cantavam mulher rendeira Pinoteando com mulheres Assim quase a noite inteira Cada Chefe de bandidos Possuia outro Chefão Um Caudilhão respeitado Que dominava o Sertão E zombava até das ordens Do Governo da Nação Aqui eu alego um caso Do bandido Lampião Num ataque que ele fez À um digno Cidadão Nos sertões da Paraíba Na fazenda Conceição


Roubou-lhe todo dinheiro Fez uma grande Chacina Pois matou o fazendeiro Incendiou à campina Quiz forçar uma mocinha Ainda quase menina

A mocinha resistia Com toda força que tinha E o grupo de bandidos No chão privaram a mocinha E ainda não conseguindo Fazer o que lhe convinha

Uns lhe puxaram nas pernas Outros puxaram nos braços Foi um dos crimes mais barba Feito por esses devassos (ros No terreiro da fazenda Deixaram a moça em pedaços


Outra vez num lugarêjo Numa festinha brejeira Tinha uns noivos casado Lampião e a Cabroeira Fizeram grande invasão Cantando mulher rendeira

Tomaram conta da festa Como um bando de urubús Tirando as roupas fizeram Que todos dançassem nús E no meio do pagode Mandaram apagar a luz

Aqui deixarei Leitores A vida de Lampião Porque esta minha história Toma outra direção Sobre outro Cangaceiro Que assombrava o Sertão


E meu Romance se alastra Num sentido deletério, Da vida de outro bandido Pois o Capitão Silvério Foi a origem dos crimes Como um segundo Tibério

No ano de 27 Lá no sertão asqueiroso Do nordeste brasileiro Deu-se este drama horrôroso Com o Capitão Silvério O tal bandido famôso Nêste tempo no nordeste Reinava a lei do mais forte Paraíba, Pernambuco O Rio Grande do Norte Ceará e Alagôas Rondavam o crime e a morte


Pois o Capitão Silvério Junto com seus cangaceiros Vivia pelos Sertões Atacando os fazendeiros E deflorando as donzelas Como monstros desordeiros Fazia os acampamentos No lugar mais encoberto Aonde ali não morasse Uma pessôa por perto E como lôbos vorazes Vivia lá no deserto

E em diversas fazendas Que ele não atacava Escolhia um cangaceiro Pessoalmente mandava Buscar a certa importância Quando êle precisava


Se não fosse a importância Por aquele Cangaceiro Ele atacava a fazenda Tomava todo dinheiro Tocava fogo na casa E matava o fazendeiro Nesse tempo residia Numa fazenda fagueira Um fazendeiro por nome Senhor Raimundo Vieira Ao lado de sua mãe Uma velha hospitaleira

O Cangaceiro Silvério Escolheu da cabroeira Um cabra de confiança Numa mula corredeira Mandou buscar 20 contos Na fazenda do Vieira


Numa hora em que Vieira Alimentava seu gado Aproximou-se o bandido Naquela mula montado E do Capitão Silvério Deu-lhe o seguinte recado

O Vieira respondeu-lhe Que não tinha esta quantia E não mandava o dinheiro Porque nada lhe devia Nisto nem Dona Cidinha E foi vendo esta arrelia

Gritando fuja bandido Desocupe o meu terreiro Não quero ve-lo um instante Pois não tenho meu dinheiro Que ganhei honestamente Para dar a Cangaceiro


O bandido disse: velha Pode então se preparar Que o Capitão Silvério Muito breve vem buscar O dinheiro e dar-lhe o troco Que a senhora precisar Saiu dali as carreiras Então assim que chegou Aonde estava Silvério Uma calunia contou Logo o Capitão Silvério Indignado ficou

Armou-se rapidamente E gritou a cabroeira Saquem das armas valentes Não discutimos asneira Iremos incendiar A fazenda do Vieira


Seguindo com 20 cabras Cada qual mais brigador Aonde ia um violeiro Por nome de Beija-Flor Que brigava com 10 homens Para mostrar seu valor O fazendeiro Vieira Não estava prevenido Diante desta ameaça A nada então deu ouvido Mas caiu sem esperar No ataque do bandido

Era um tempo de sêca E sua mãe nesse dia Tinha feito uma promessa Que a São José pedia Pra mandar algumas chuvas Pois há tempo não chovia


Na hora do grande ataque Todo povo em procissão Cantava: meu São José Com seu cajado na mão Te peço com fome e sede Não mate os teus filhos não Quando o povo do festejo Do bandido ouviu a fala Jogou o andor do Santo Lá num recanto da sala Cada qual pegou um rifle E se travaram na bala

Saia chuvas de balas Da casa do fazendeiro Os bandidos entricheirados Atirando no terreiro O torrião de fumaça Parecia um nevoeiro


O fazendeiro Vieira Foi visto por um bandido O cabra atirou no moço Vieira rolou ferido Os cabras pensaram que Ele tivesse morrido

Como os cabras de Silvério Já vinham de encomenda Não cesaram um só instante Nessa batalha tremenda Mataram muitos na bala E invadiram a fazenda Se aproximaram da casa Mataram o resto que tinha E o Capitão Silvério Agarrou Dona Cidinha Para assassinar a velha Da forma que lhe convinha


Arrastou a pobre velha Para o meio do terreiro Depois cortou-lhe a cabeça E mandou um cangaceiro Espetá-la numa vara Comprida de marmeleiro

Todo dinheiro que tinha Ele roubou nessa hora Somente o crânio da velha Ficou do lado de fora Tocou fogo na fazenda Queimou tudo e foi embora

O fazendeiro Vieira Recuperou seus alentos Saiu de lá dum barreiro Com mais de um ferimento Aproximou-se de casa Quase dar-lhe um passamento


Lamentou a sua sorte Perdeu o gosto da vida Chorou muito vendo o crâneo De sua mãe tão querida Em uma vara comprida Olhou sua casa amiga Em fogo se consumindo Vieira dizia oh! Deus! Será que estarei dormindo? Quase fora do Sentido Ficou triste e refletindo

Nesta hora alí chegaram Os seus leais companheiros Que andavam a <<campear>> Com os trajes de vaqueiros Juntando as vacas de leite Que andavam nos tabuleiros


Juraram junto à Vieira De perseguir o Silvério Vieira disse: Eu garanto Que honrarei meu critério Hei de plantar todos eles Nas valas do Cemitério Vieira tinha um amigo Por nome de Barauna Falou para a vaqueirada Cada amigo se reuna Vamos perseguir Silvério E derribar-lhe a coluna

Com três dias de trabalho Reconstruíram a morada Do fazendeiro Vieira Que tinha sido queimada Pelo bandido Silvério E sua cangaceirada


Dali seguiram na pista Do bando de malfeitores Preparados para a luta Expostos a tantos rigores Colhendo algumas notícias Quem eram seus protetores

Nesta jornada encontraram Uns bandidos no caminho Vieira fez fôgo neles Depois chegando um vizinho Descobriu que o chefe deles Era o coronel Nezinho E tomaram os bandidos Uma moça muito linda Filha doutro fazendeiro Que se chamava Florinda Vieira sentiu por ela Remorso e paixão infinda


Essa donzela era filha Dum Sertanejo decente E os bandidos roubaram Do meio de sua gente Para leva-la a Silvério E lhe fazer um presente

Porem Vieira de longe Duma trincheira avistou-a Na frente de quatro cabras Bem perto duma lagôa Meteu balas nos bandidos Venceu a luta e tomou-a

Depois foi investigá-la Porem Florinda com mêdo Dos Grupos de Cangaceiros Ocultos pelo degredo Confessou que dos bandidos Não conhecia o segredo


Vieira se preparou No outro dia cedinho Atacou logo a fazenda Dêsse coronel Nezinho Matou tudo e lá deixou O Silvério sem padrinho

Nêsse grande tiroteio Pôde escapar um bandido Foi avizar a Silvério O que tinha acontecido E Silvério ficou como um Leão enfurecido

Pensando sêr a polícia Que tinha morto o patrão Saiu matando os soldados Saiu matando os soldados Por vila e povoação E por onde êle passava Deixava limpo o Sertão


Vieira junto a seu grupo Indignado da vida Sempre seguindo na pista Daquela corja bandida Como uma cobra num rasto Não lhe soltava a batida

Florinda a moça bonita Que ele tinha tomado Do grupo de Cangaceiros O Vieira apaixonado Não confiou eu deixa-la Levou Florinda á seu lado

E dentro daquelas brenhas Do sertão rústico asqueiroso Vieira se contentava Vendo o seu rosto formoso Iniciou-se um Capítulo Do maior drama amoroso


Porem Florinda acanhada Naquele grande degrêdo Dizia a ele ocultado Do seu amor o segrêdo Pra te deixar tenho pena Pra te seguir tenho mêdo

Vieira lhe respondeu: Florinda meu coração Neste mundo tudo muda Muda a lei muda a razão Porque tudo está sujeito A lei da transformação

Vêdes este sertão seco Que se parece um inferno Ficará verde e florido Quando chegar o inverno Tudo isto se transforma Pela lei de Deus Eterno


Eu era manso e cordeiro Desde o tempo de menino PorĂŠm a lei que faculta De cada um o destino Removeu-me a lado oposto Me transformando assassino Com estas frases Florinda Ficou logo convencida E disse para o Vieira: Eu serei tua querida E jamais me apartarei Estou por tudo na vida

Cada qual bem satisfeito Com o seu viver devasso Vieira sempre na pista De SilvÊrio a cada passo Porque o crime e a morte Comanda a lei do Cangaço


Vieira pelos sertões A Silvério procurava Sempre encontrando notícias No lugar que ele passava Lamentava os grandes crimes Que o bandido praticava

Nesta jornada passaram Numa Vila do Sertão Assassinando a polícia Daquela povoação Por suspeitá-la da morte De Nezinho seu patrão

No lugar daqueles crimes Ergueira um grande cruzeiro Outro dia ele passando Lá encontrou um romeiro Rezando com uns devotos No pé do Santo madeiro


Sivério chegou pra perto Com seu instinto brutal Curvou um joelho em terra No meio do pessoal Tocado não sei por quem Fez ele o pelo Sinal E perguntou ao beato: Voces para onde vão? O beato disse: eu vivo Sem casa e sem direção Implorando a Caridade Por vila e povoação

Silvério disse ao Beato: Alguém que me acha horroroso De fato que tenho sido Insolente e criminoso Mas pra diversas pessoas As vezes sou piedoso


E metendo a mão no bolso Disse: leve este dinheiro Que tomei a poucos dias De Vieira um fazendeiro Matei tudo lá pois ele Ameaçou-me primeiro

O beato recebeu Aquela grande quantia Dizendo para Silvério: Jesus, José e Maria Toquem no teu Coração Te faça feliz um dia

Silvério chamou seus cabras Colegas vamos embora Porque quem vive do crime Não tem descanso uma hora E seguiram reunidos Dali pelo mundo a fora


No outro dia o beato Alí com os seus romeiros Viu da Cruz se aproximando Uma turma de vaqueiros Era o Vieira que vinha Na pista dos Cangaceiros

Quando Vieira chegou Pertinho daquela cruz Viu diversos pobrezinhos Cadavéricos e semi-nus Todos chorando com pena Valendo-se de Jesus

Havia algumas mulheres Ali vestidas de preto Os cabelos desgrenhados Tão magras como um graveto Com os rostos cadavéricos Parecendo um esqueleto


Vieira vendo esta cena Ficou mais subsaltado Depois viu ali chegando Um cortêjo ensanguentado Trazendo cinco defuntos Para enterrar num valado

Vieira presenciando O tristonho funeral Soube ali que foi Silvério Com seu instinto brutal Que assassinou sem motivo Todo aquele pessoal Nesta hora foi chegando Ali aquele romeiro Do qual nós antes falamos Do pé do Santo Cruzeiro Se aproximou de Vieira E entregou-lhe o dinheiro


Dizendo tome seu moço Este dinheiro avultado Que o Silvério me deu Dizendo ter lhe tomado Não posso aceitar esmola Quando o dinheiro é roubado Vieira olhando o fardo Do dinheiro conheceu Dizendo para o beato Este dinheiro foi meu Passará ser novamente Porque o senhor me deu

Por causa deste dinheiro Minha mãe perdeu a vida A minha casa tambem Em fôgo foi consumida Sem me vingar de Silvério Não deixo sua batida


Reunindo seus vagueiros Seguiram na sua pista Vieira dizendo: em breve Alcanço ele de vista Pois no livro dos defuntos Botei seu nome na lista

Vieira com muitas léguas Encontrou um ambulante Que deu notícia que o bando Ia já muito distante Este teve tanto medo Que quase morre em flagante

Pensou logo que Vieira Tambem fosse desordeiro Ofereceu-lhe o que tinha Mercadoria e dinheiro Vieira, amavel-lhe disse: Obrigado, cavalheiro


Vieira a este ambulante Comprou um lindo vestido Para ofertar à Florinda Pois estava resolvido Fazer dela sua espôsa Era este seu sentido

No outro dia passando Numa campina selvagem Vieira olhando Florinda Deu paradeiro a viagem Extaseou-se mirando O perfil daquela imagem Disse com sorriso a ela: Querida não tenha mêdo Vamos subir lá pra cima Daquele grande rochedo Porque desejo somente Te revelar um segredo


Florinda seguiu de perto Acompanhando Vieira Quando chegaram no cume Daquela grande pedreira Sentaram-se numa pedra Contemplando a cordilheira Vieira disse à Florinda Querida vá se trajar Com este vestido branco Para comigo casar Enquanto você se veste Prepararei nosso altar

Florinda lhe respondeu: Concordo que o senhor fique Enquanto eu vou me vestir De uma maneira bem chique Ao voltar ela encontrou Uma Cruz de Chiquechique


Vieira disse sorrindo Está pronto o ornamento Eu mesmo sirvo de padre Para o nosso Casamento Fazemos por conta própria O ato de juramento Neste momento Florinda Com ele cruzou a mão Ele perguntou Florinda Maria da Conceição Quer se casar com Vieira? Florinda disse pois não!

Ele perguntou à si Senhor Raimundo Vieira Quer se casar com Florinda E tê-la por companheira? Respondeu consigo; sim Casaram desta maneira


Assim Florinda e Vieira Uniram-se no noivado Desceram lá da Colina Um como o outro abraçado É assim como se faz Casamento improvisado

E depois do casamento Seguiu seu intenerário Em procura de Silvério Seu tremendo adversário Premeditando a Vitória Se Deus não desse o contrário Lá bem adiante o Vieira Encontrou nos matagais Um lugar onde o Silvério Travou com policiais Uma luta e de ambas partes Morreram gente demais


Silvério ali já se via Combatido e procurado Dos sertões do Ceará Havia desnorteado Ou então estava oculto Lá um canto ignorado

Porém um velho dali Disse a Vieira em segredo: Que o Silvério fugiu Lá para um grande degredo Onde sempre se ocultava Quando se achava com medo Era uma Caatinga extensa Denominado espenhaço Um sertão muito exquisito Sêco, asqueiroso, escasso No centro tinha uma casa Para ocultar seu Cangaço


Quem entrasse na caatinga Levasse alimentação E agua para beber Pois era sêco o sertão Cortados por serranías Com dez leguas de extenção Lá no centro da Caatinga Era o coito do bandido Na aba duma montanha Um lugar muito escondido Quem fôsse lá precisava Ir pra morrer prevenido

Na crença dos seus fanáticos Êle não brigava só Porque mandou uma nêgra Prepara-lhe um catimbó Lhe fechar todo seu corpo Da cabeça ao mocotó


Esta nêgra se chamava Micaela Feiticeira Conhecida no nordeste Por grande Catimbozeira E fechou tôdo seu corpo Num dia de Sexta-feira

Roubou uma hóstia benta Do padre da freguesia Com o sangue de Silvério Ela fez a bruxaria Que Silvério entrando em luta Nunca ninguem lhe vencia

Tendo seu corpo fechado Deu-lhe mais uma oração Lhe fez uma tatuagem De um Sino Salomão Pintou mais um Santo Hilênio No pulso da sua mão


Rezou mais a oração Das palavras retornadas Cantou as forças do credo E mandou tres empregadas Enterrar tres cururús Na cruz de duas estradas

Garantiu mais a Silvério: Bala e punhal não lhe fura Eu fechei todo seu corpo Está como a pedra dura Ninguem derrama o seu sangue Cadeia não lhe segura Porem com tudo é preciso Nas oração ter cuidado Nunca passe por debaixo De um arame farpadoo Corte os fios que tiver Para passar o cercado


Com relação as mulheres Deixe longe a oração Outra coisa eu lhe proibo Nunca se sente em pilão Nem beba agua em caneco De flandres pelo sertão

Como de fato Silvério Depois desta bruxaria Tornou-se um monstro imortal Que ninguem não lhe ofendia Era arneira numa luta Lhe atirar de pontaria

Por isto todos temiam Aquele monstro terrivel Para prende-lo ou matá-lo Sempre, sempre era impossivel Quando se achava num cêrco Fugia como invisivel


Vieira sabendo disto Foi na casa do Simão Um velho do outro tempo Que morava no sertão E conhecia as idéias De quebrar toda oração

O velho disse: meu filho Esta mandiga eu acabo E preparo o seu punhal Que êle entra até o cabo Na hora que você queira Até no corpo do diabo

Carregue seu bacamarte Com as contas dum rosário O senhor primeiro mande Benzê lo por um vigário Atire em Silvério e veja Lhe suceder o contrário


Com as promessas do velho Vieira animou-se mais Na pista dos Cangaceiros Por dentro dos matagais Sempre encontrando vestígios Daquele bando voraz

Porém lá numa caatinga Denominado espinhaço Divisando á do Foncêca Vieira perdeu o traço Do grupo e disse: - meu Deus Não sei agora o que faço Nisso um caboclo lhe disse: Seu Vieira, meu senhor Mande chamar Zé Chicó Pois êle é rastejador Que rasteja todo bicho Para o canto que ele fôr


Vieira sabendo disto Depressa mandou chamá-lo Zé Chicó sabendo disse: Eu garanto rastejá-lo Se ele for para o inferno Eu prometo em ir busca-lo Vieira alí resolveu Mandar Florinda voltar Para sua residência Porque aquele lugar Era asqueirôso e difícil Da moça lhe acompanhar Florinda não quiz voltar Porem Vieira insistiu A moça ficou tristonha E dêle se despediu Voltou olhando a Vieira Até quando se encobriu


Na mesma hora Vieira Seguiu com os companheiros Naquele sertão ardente Por dentro dos taboleiros Passando mata espinhosa Penhasco, gruta e ribeiros

Zé Chicó nos rastros dêles Passava gruta e rochedo Não se apartava da trilha Dentro do grande degrêdo Farejava como um cão Por címa até de lagedo Os cangaceiros cismados Quando na terra pisava O derradeiro que ia O rasteiro desmanchava E Zé Chicó na batida Pelo rumo farejava


Lá bem no centro do Ermo Êles tiveram uma prova Que o grupo estava perto Poís encontraram uma cova Onde enterraram um bandido A terra inda estava nova Aquele bandido que Alí estava enterrado Tinha o nome de Curuja Era perverso e malvado Que brigando com a polícia De balas saiu cravado

Silvério viu que Curuja Não padia acompanhá-lo Ordenou a outro cabra Para acabar de matá-lo E lá no centro da mata Mandou o grupo enterrá-lo


Já era o terceiro dia Vieira pode saber Que o grupo estava perto Porem faltou-lhe o comer E nos cantilhos não tinha Mais água para beber

Nisto Vieira foi vendo Que ia se aproximando Uma mulher solitária Desgrenhada, manquejando Era Florinda que vinha Pela mata o procurando

Vieira animou-se mais Quando viu sua querida Nisto surgiu uma res Que andava alí perdida Se resolveram pegá-la Para fazer a comida


Era um grupo de vaqueiros Como doidos na carreira Por dentro daquela mata Foi a maior quebradeira Mataram a vaca e comeram Assada numa fogueira

Depois seguiram sutil Sem estalar um garrancho Com tres horas de viagem Vieira avistou um rancho Era a casa onde SilvĂŠrio Fazia ali seu farrancho

Vieira muito escondido De longe presenciando Viu um grupo de bandido Tudo sorrindo e dançando Cantando mulher rendeira No terreiro pinotando


Outros fazendo comida Em redor duma fogueira Dum lado daquele rancho Tinha uma grande pedreira Vieira e seus companheiros Ali fizeram trincheira

Naquela hora o Silvério Estava ali descontente Nisto um bandido falou: Patrão aqui para gente Falta apenas duas coisas Mulher e muita aguardente Disse o Silvério: é verdade Mande buscar já depressa Moças e mulher casada Ainda que o marido peça E os pais fiquem chorando Traga uma grande remessa


Pegue a Chiquinha do Zéca Me traga aquela danada Faz 3 dias que casou-se Porem não quer dizer nada Se o marido tambem vir A farra é mais animada

Justamente nesta hora Que o mulheril foi chegando O Exército de Vieira Somente estava esperando Pelo grito do patrão Com os fuzis apontando Nisto o Vieira ao seu povo Com a mão deu o sinal Começou o tiroteio Como fogo em tabocal Sangue de cabra corria Que fazia lamaçal


Silvério gritava á êles: Corram lá para pedreira Justamente aonde estava Todo grupo de Vieira E todo cabra que ia Era uma morte certeira

E gritavam como loucos No meio da confusão Sem ver os seus inimigos Atiravam em direção Daquela grande pedreira E rolavam pelo chão O pessoal de Vieira Naquela serra escondido Cada tiro era uma queda E a morte dum bandido Porém Silvério animado Não se julgava perdido


Do pessoal do Silvério Já muito pouco restava E Silvério lá do rancho Para o Vieira gritava Que era homem pra homem Morria e não se entregava Ali junto com Silvério Naquele rancho escondido Só restava João mortalha Um capanga destemido O mais naquela contenda Tudo já tinha morrido

Mortalha gritou: Vieira Não tenho o que discutir Me entregar nunca me entrego Ninguem me faz desistir Vou sair do cerco agora Pode lá se prevenir


Puxou pela pontaria Lá do rifle do Vieira Vieira apertou o dedo Foi uma morte certeira O cabra caiu no meio Das brasas duma fogueira

Com a morte do Mortalha Silvério pôde saber Que as suas orações Tinha perdido o poder Só restavam dois caminhos Era entregar-se ou morrer

Gritou lá para o Vieira Detenha o seu pessoal Pois não tenho mais ninguem Que possa lhe fazer mal Venha você decidir Comigo aqui no punhal


Vieira gritou Silvério Você tem passagem franca Peça a morte que quizer Na bala ou na arma branca E foi puxando um punhal Imitando uma alavanca Um amigo do Vieira Achando o contrato feio Quiz ajudar o amigo Vieira disse: eu odeio Sendo a questão para dois Outro não entra no meio

Silvério é homem eu sou homem Silvério é forte eu sou forte Os louros desta batalha Ganhará quem tiver sorte Nosso contrato está feito A luta é de vida ou morte


Partiram um para o outro Com o seu punhal na mão Com 10 minutos de luta Agarrados pelo chão Silvério ia furando Vieira em cima do vão Florinda de perto disse: Não posso mais resistir Atirou logo em Silvério Êle tombou pra cair E começou nesse instante Do mundo se despedir.

FIM



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