A mulher que se casou dezoito vêzes

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


VALERIANO FELIX DOS SANTOS

A MULHER QUE SE CASOU DEZOITO VÊZES...



Vou contar uma historia Certamente interessante Se é verdadeira, não sei Quem me contou não garante Mas vale a pena escuta-la E enquanto vou narra-la Você pode rir bastante! Ora pois, uma mulher De beleza singular Que se chama Dorotéa Nos jornais fez publicar Que segundo seus revezes Casou-se dezoito vezes E mais outro casar!

Nascida na Paraíba Terra de mil tradições Cujas glorias do passado Enternecem corações Dorotéa Carvalhal Tambem tem em Portugal Herança de alguns milhões!


Essa tão bela viuva É mulher fenomenal Inteligente e fidalga Até fez curso normal Toca zabumba e soprano E para tocar piano, Inda não houve outra igual! Tem os cabelos compridos Ondulantes, aloirados Pelos seus ombros caídos E docemente espalhados A péle fina e cheirosa A voz suave e dengosa Os quadris arredondados.

Muito lindas suas mãos E seus olhos muito lindos O seu coração esconde Desejos, os mais infindos Apesar de tantos anos E de tantos desenganos Seus dias não estão findos!


Goza de plena saúde É forte como um gigante E antes do sol nascer Já tomou banho na fonte No seu curral tira leite Na sua fabrica de azeite Já trabalhou o bastante.

Laça boi, mata cavalo Derruba touro "pereira" Mulher-macho, sim senhor! Usa punhal e peixeira Luta box e joga bola Numa briga mata, esfola Sabe jogar capoeira! Nas terras da Paraíba Tem várias propriedades Tem pensões nos Institutos Vasta roda de amizades Frequenta cabeleireiros Pedicure e massageiro E altas sociedades.


O seu nome é tão comprido Que declina-lo faz mal Mas em toda Paraíba Dão-lhe firma oficial Sobrenomes dos maridos Tristemente falecidos Coisas muito natural. Usa dezoito alianças Dos dedos de suas mãos Já visitou Portugal Onde tem pais e irmãos Tem roçados de mandioca Torra café, faz pipoca Ferra bois, castra barrões.

Anda de noite sozinha Montada no seu cavalo Quando vem de vaquejadas Ou então brigas de galo Na Paraíba de então Nunca encontrou valentão Que pisasse no seu calo!


É viuva, sim senhor Respeitada, garantida Mete a cabeça no mundo Sem receios, destemida Quando quer tomar pileque Nunca encontrou um moleque Pra mexer com sua vida. Fez uma linda capela Na sua propriedade Pra rezar pra seus finados Quando lhe chega a saudade Dorotéa é caso sério Tambem fez um cemitério Com dezoito sepultados.

E naquele cemitério Uma nova cova existe aberta Pois quem casar-se com ela Perde a cama e a coberta Não comerá mais pirão Pode levar o caixão Que tem a morte por certa.


Casar-se-á, toda vida Logo após o casamento Começa correr suor E ferver o pensamento Quando a noiva se despir Tentará correr, fugir Mais ligeiro do que o vento. Ao encontro lhe virão Fantasmas de todo jeito O coração pulará Danado dentro do peito E pensando ser feitiço Será levado ao hospício O crime será perfeito.

Depois de morto, o caixão Será levado em cortejo Dorotéa desolada Cumprindo mais um desejo Tendo na mão um rosário Na boca daquele otário Então deitará um beijo.


Levará para a capela E mandará dizer missa Chorará fingidamente Clamando aos céus por justiça Tantos maridos valentes Motoristas competentes Seu carro não desenguiça. Depois do sepultamento Dorotéa desolada Irá tocar seu piano Já por outro apaixonada E cantando uma canção Dirá: Tenho o coração E a alma retalhada.

Quando for pela manhã Ela irá ao cemitério E em cada sepultura Há de rezar um mistério E uma Salve-Rainha E dirá: Que sorte a minha Casamento é caso sério.


Mas em cada sepultura Há-de deitar uma flor Dizendo: "Durma feliz Ó meu decimo oitavo amor Que a terra te seja leve E outro irá muito breve Aliviar tua dor.

E em cada por do sol Vai a cada sepultura E lhe põe um cravo roxo Cor da sua desventura E pondo a mão sobre o peito Dirá: Deus me dá um jeito De carpir tanta amargura. Na capela Dorotéa Fará sua devoção Diante da sua Santa Virgem de recordação E dirá à meia voz: Estou virgem como vós Como dói meu coração!


Tendo feito a penitencia Naquela igreja sozinha Irá ver como se vão As coisas pela cozinha Dirá se quer no almoço Caldo fino ou caldo grosso Carne de bode ou galinha.

E montando seu cavalo Ligeiro que nem um raio Vai correr sua fazenda Na Serra do Papagaio Dá ordens pelos roçados Que quer ver todos plantados Antes das chuvas de maio. E antes do meio-dia Voltará para o almoço Bebe um copo de cachaça Vai tomar banho num poço E dirá: sem ter marido Dá-se um duro de cupido Esta vida é mesmo um osso!


E depois buscando a cama Descansa um pouco a cismar Neste mundo há tantos homens Mas nenhum quer se casar Tanta riqueza perdida Que será de minha vida Quem me deu tanto pena!

Se levanta soluçando E se senta no piano Corre os dedos nos teclados E toca um triste "baiano" Tanto toca como chora Dizendo: Virgem Senhora Dá-me um marido este ano!

Eu agora vou narrar Como morrem seus maridos Guardados por muitos médicos Por polícia guarnecidos São fatos que metem medo Os "porquês" desse segredo São todos desconhecidos.


Dorotéa namorou-se De um rapaz muito moderno Seu coração palpitou De ciume quase eterno Vivendo aquela paixão Se noivaram no verão E casaram-se no inverno. Tinha dezessete aninhos Ao ser levada ao altar O seu primeiro marido Nunca aprendeu a montar E por maldição de falo Sofreu queda de cavalo Logo depois de casar.

Sem gozar lua de mel Ficou viuva e coitada Mas sendo muito bonita Foi por muitos cobiçada E quebrando a viuvez Já pela segunda vez Aos pés de Deus foi levada.


Não gozou lua de mel Nesse novo casamento Seu marido foi mordido Por um bicho peçonhento Com licença das palavras Uma cascavel das bravas Acertou no seu assento.

Outro otário se casou Com a viuva Dorotéa Que fez ela não se sabe Nem se pode ter idéia Na noite do casamento Foi terrível o seu tormento Pois morreu de diarréia.

E já pela quarta vez Encontrou com quem casar-se Todos lhe deram conselhos Que devia confessar-se Para tirar o quebranto Procurasse um Pai de Santo Todo seu corpo fechasse.


Esse fez muita mandinga Tomou banho de açucena Casou-se com Dorotéa Sua morte causou pena Um tiro vindo de um canto Logo após o ato santo Deixou viuva a pequena. Dorotéa já andava Por tudo desiludida Tinha consigo um azar Doença desconhecida Apesar de ser tão bela Continuava donzela Sem ninguém em sua vida.

Apareceu um mulato Que disse: Eu topo a parada A moringa da viuva Desta vez vai ser quebrada Se ela for mula manhosa Eu farei mais carinhosa Não tenho medo de nada.


Esse morreu engasgado Quando chupava um tutano Dorotéa que cantava A dedilhar seu piano Disse: Virgem Mãe Senhora Tenha pena de quem chora Dai-me outro esposo neste ano.

Soluçando inconsolável Disse consigo: Eu não acho Um homem que seja homem Um cabra que seja macho Escuto roncar trovão Chove tanto no sertão Vive seco o meu riacho. Um rapaz muito simpático Lhe disse: Topo o negocio Eu quero dos teus finados Ser o presidente socio Se me dás cama e comida Caso contigo querida E gargalhou todo indócil!


Dorotéa disse: - Filho Já nasci assim sem sorte Os maridos com quem caso Vindos do Sul ou do Norte Oh, que destino cruel Antes da lua de mel São ceifados pela morte.

E você é muito jovem Tem na frente melhor sina Já não quero ser chamada De uma mulher assassina Eu nasci para sofrer Não quero contradizer Determinação divina.

Se tem coragem querido Irei contigo ao altar Dou-te logo dez milhões Pra depressa te arrumar Serei bondosa e fiel A nossa lua de mel Na China iremos gozar.


Conhecerás Nova Iorque Te levarei a Paris Porque contigo eu farei O que com outros não fiz Se tiveres melhor sorte E escapares da morte Te juro, serás feliz!

E daremos volta ao mundo Indo a Madri e Japão Quero que me dê um filho Batizarei por João E voltando a Paraíba Vamos até Curitiba De ônibus, ou de avião.

Na verdade eu não sou feia Sou rica, dengosa e bela Todos olham para mim Se vou até a janela Tenho os cabelos compridos Já tive tantos maridos E continuo donzela!


- Eu me caso com você Disse o rapaz destemido Nem que morra logo após Engasgado ou entupido Está selado o assunto Me considero defunto Mas hei-de ser seu marido.

Esse foi o casamento Mais festivo do lugar Foi um corre-corre doido Por terra, por água e ar Dorotéa Carvalhal Mandou vir de Portugal Um padre pra lhe casar.

E depois do casamento Um avião foi fretado O noive por cem soldados Estava, pois vigiado Pra evitar incidentes Por doutores competentes Tinha sido examinado.


E deixaram João Pessoa Com alegres despedidas Mil beijos e mil abraços Com discursos, com bebidas Com vivas, arroz e flores E raríssimos dulçores Que enternecem muitas vidas. Quando o avião voava Sob os céus das Alagoas Deixando pra trás o mar Com seu barcos e canoas Dorotéa Carvalhal Recordando Portugal Murmurava algumas loas!

De repente foi aberta Uma porta de emergencia O noive precipitou-se Em terrível contigencia Como um pequeno brinquedo Aterrou sobre Penedo No telhado de uma agencia


Dorotéa deu um grito Quando o noivo escapoliu - Aero-moça, socorro O meu esposo fugiu (E com grave palidez) - Estou viuva outra vez Oh, coitado, onde caiu? Ao chegar ao Galeão Foi procurar um hotel Seu destino era terrível A sua sorte cruel Ela mesma desgraçada Tantas vezes foi casada Sem gozer lua de mel.

Um carioca porem Após ouvir sua historia - Se queres mesmo casar Sou da Favela da Gloria Eu aceito o casamento Sem enfrentar sofrimento Nunca se conta vitoria.


E casou-se Dorotéa Com o rapaz, mas coitado Quando saiu do casório Já caminhou carregado Disse o médico Macedo: - O rapaz morreu de medo Seu caso está consumado.

Um fazendeiro do Sul Viuvo por muitas vezes Disse: - Dorotéa vamos Topar os nossos revezes E nossas melancolias Se noivaram, com três dias Se casaram com dois meses.

Casou-se com Dorotéa Porque de nada tinha medo Não quis festa, tinha medo Tudo se deu em segredo Com três horas de casado Um sapo contaminado Mordeu-o na ponta de um dedo.


Foi levado ao sanatorio E o médico atestou: - O senhor está danado Cão azedo lhe picou? Naquele dia de chuva A Dorotéa viuva Pra São Paulo viajou.

Desta vez foi um paulista Que disse: - Topo a parada Ela veio da Paraíba Mas deve ser batizada E se ela for um vampiro Eu nunca perdi um tiro Em cascavel assanhada.

E casou-se, coitadinho Seu caso fez pena e dó Nem bebeu um pouco d'água Nem comeu de pão-de-ló Quando o padre disse, amem Virou os olhos tambem E fechou o paletó.


Apareceu um sujeito Chamado Sebastião Procurou a Dorotéa E falou sobre a questão Ela disse: - A sorte é tua Só não sou mulher de rua Só me caso com cristão.

Casou-se não sentiu nada Até comeu e bebeu Quando os convivas se foram Foi aí que aconteceu Escorregou numa escada E nessa queda danada Não teve jeito, morreu.

Tornou casar-se em São Paulo Com um moço solteirão Dorotéa disse logo: - Encomendo o seu caixão Sempre garanto o que digo Que quem se casa comigo Morre até de congestão.


E casou-se, mas o jovem Sentiu no templo um calor E disse: - Senhora dona Chame a bomba ou o doutor Disse o padre zombeteiro: - Chama-me logo o coveiro Que a extrema-unção eu dou.

Viuva, sempre viuva Dorotéa foi a Minas Encantadora e faceira As suas mãos muito finas Sem maldizer sua sorte Ela diz que qualquer morte São contigencias divinas.

Casou-se em Belo Horizonte Ficou viuva outra vez Passando pela Bahia Casou-se também com três Sem sorte, sem boa dita Regressou tristonha, aflita Em perpétua viuvez.


Chegando naquela terra Tão querida e adorada Procurou sua fazenda Aparelhou a estrada Lhe surgiu um espanhol Que caiu no seu anzol Como amoreira pescada.

Se casando, logo após Morreu repentinamente Deixou um bar muito grande Uma fabrica de aguardente E dez milhões de cruzeiros Na sua conta corrente.

Um cidadão português Mandado de Portugal Veio cá para o Brasil Por razão nacional E ao vê-la, disse: - Oh! Uva És tu que és a viuva Dorotéa Carvalhal?


- Sou eu mesma cidadão A que me vem o senhor? - Eu venho de Portugal Direitinho ao teu amor És rica, não temo a morte Sou um velho ainda forte Que dou no batente, dou.

O coitado do portuga Morreu aos pés do altar Tropeçou em qualquer coisa Botou as pernas pro ar Viuva, sempre viuva Dorotéa manda chuva Sempre louca pra casar.

Ainda no mês passado Publicou um Edital "Viuva Paraibana Doroteá Carvalhal Quem desejar suicidar-se Basta com ela casar-se Tem de graça o funeral".


Um doutor vindo da França Foi decidido, foi franco - Quem casar-se com a senhora Vai direto pro barranco O seu mal é de nascença Se aloja à sua doença Na ponta do figado branco. Melindrosa operação Deve ser feita em Paris Custa dois bilhões de francos Sob os cálculos que fiz Vai me ser um trabalhão Porque tal operação É feita pelo nariz. Depois de ser operada Deve então fazer um teste Porque depois de cortar Talvez, outra ponta reste Dorotéa está tristonha A sua luta é medonha Pra casar vai ser a peste.


Ninguem mais quer se arriscar Nem por dinheiro ou amor Ela ĂŠ linda como um cravo Cheirosa como uma flor Mas, sendo Paraibana Deve ser, ninguem se engana: MULHER-MACHO SIM SENHOR!... FIM



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