Como se amança uma sogra zé do brejo e chico da rua

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOÃO MARTINS DE ATHAYDE

COMO SE AMANÇA UMA SOGRA ZÉ DO BREJO E CHICO DA RUA



Vi um diabo de cócoras Um mês depois de casado Quando julgava passar A lua de mel deitado A doce, o queijo e o vinho E a pequena de um lado Porem a mãe dela Cobra conhecida Há pouco mordida Por uma cadela E quem era ela Inda não sabia Tinha a teoria Da mãe do macaco Tomava tabaco Fumava e bebia Então a velha criava Uma maldita ranchada Tinha um bode e um carneiro Uma cadela pelada Um bacurau na gaiola E uma gata espiritada.


Fazia miau O bode bé-bé O carneiro me O cachorro au, au E o bacurau Amanhã eu vou A mulher falou Devido a zuada A velha deitada Nem se incomodou Uma porca magra velha Danada contando um Um baú velho de flandre Onde havia um goiamum Faça idéia, um samba desses Se não é mais que um jejum Eu já estava cheio Peguei logo um pau Fui ao bacurau Aquela soltei-o O cachorro veio


Meti-lhe a madeira Com a inquirideira, Partiu a porquinha Ali a gatinha Encheu na carreira. Minha mulher exclamava: Quando a mamãe não ouvir, A gata dela miar E <<Cupido>> não latir Sant’Ana! Esta casa hoje, Se arrisca muito a cair! Papai está no mato Mamãe deserto-o, Porque obrigou-o A engolir um rato Que xarope ingrato, Que cousa cruel Que taça de fel Mamãe disse alto: Ou engole o rato, Ou toma um cristel


Eu disse: deixa ela vir Meu plano já está formado, Cai uma banda do céu Fica o sol dependurado Cai um corisco vermelho, Desce um raio esverdeado. As luzes se apagam A terra estremece O ar emudece As nuvens se rasgam Os astros se estragam Tudo é destruido Eu estando <<ruido>> Não há quem me arranhe, Hoje sua mãe, Encontra marido. Três horas da madrugada A velha se levantou, Disse: << Cupido>> não late Bichano inda não miou O bode não quer berrar A porca inda não roncou.


Isso é novidade Que houve em meus bichos E esses caprichos, Acabam mais tarde: O cacete arde E o dia é meu, Gritou-me: entendeu? Erga-se daí E saiba que aqui O galo sou eu. Trançou a saia nas pernas Ficou como um diabete, Fez um cocó no cabelo E lançou mão de um cacete Bateu-me na porta e disse; Vamos a ela, cadete?


A mulher tremia Que embalava a cama, A mãe tinha fama Por isso temia Mas eu lhe dizia: Esta fama cai Hoje ela vai Com freio e com sela O diabo nela, Caçando seu pai. A velha aí perguntou: Porque está custando tanto? Para em dar em cabra ruim Primeiramente o espanto; Marcou o couce na porta, Que foi voá-la no canto.


Já rompia aurora Ao quebrar a barra, Peguei-a na marra Meti-lhe a espora Com menos de uma hora Ela disse: eu morro Pedia socorro O bode berrava A porca guinchava, Latia o cachorro. Então lhe disse: velha Eu cá não sou seu marido. Se ele fosse como eu Não andaria fugido Eu faço você beber, Chá de chumbo derretido.


Que desenganar-se Balance-se aí, Que faço daqui Você desmanchar-se Ensino a montar-se Num bicho de pé Lhe juro por fé A coisa faz pena: Gritou a pequena: Tambem isso é. Mas o que, seu camarada Facilitei com a bicha, Ela arripiou-se toda Ficou que só lagartixa Trancou a saia de novo, Gritou: couro velho espicha! E disse: se pode Faças como fez, Porem dessa vez Pegou-me o bigode


Gritei: quem me acode? A mulher correu Que fazia eu? Dei-lhe um cachação Que a velha se ergueu Fechei a mão bem fechada Marquei-lhe a boca na frente O murro ainda obrigou A velha a engolir um dente Tambem mais de quinze dias Meu braço ficou doente E o rolou entrou De novo outra vez Quando fez um mês O velho chegou A casa ficou Que só um vasculho Cresceu o barulho Não parava uma hora Quem vinha de fora Só via o embrulho


Chegou um filho da velha Que andava foragido A velha quase que o mata Ele saiu escondido Soube da luta foi ver Se a velha tinha morrido. Porem desta vez Os planos falharam Porque arribaram Dali todos três A velha Cortês Bisonha e calada A saia rasgada E a cara roxa Arrumou a trouxa Encheu a estrada E assim que amansei O leão tão furioso, A cousa mais carregada O bicho mais perigoso Eu pensava não haver, Inseto tão venenoso,


Bicha perigosa Nem touro zebu Ou surucucu De pico de rosa Que fera teimosa Animal valente Nem a ferro quente A cabra temia Babava e cuspia Que me pôs doente É mais facil se amansar Uma cobra de veado Do que uma sogra velha Dessas do olho virado Cabeça oval e seca Cabelouro levantado

A minha amansou


Mas quanto lutei! S贸 eu mesmo sei Quanto me custou Inda hoje estou Sem poder andar Fiz ela amansar Que ficou demais Hoje s贸 n茫o faz Dar-me de mamar.

FIM


ZÉ DO BREJO COM CHICO DA RUA ─ GLOSANDO Dois glosadores falavam Sobre a grande carestia O bacalhau não havia Os vapores não chegavam Preceitos não se guardavam Estava o tempo feio e cru O povo com fome e nu Disse o outro: tempo mau Mas em vez do bacalhau Nós temos pirarucu C ─ Prefiro morrer danado Prego os dentes na parede Como uma cobra verde Um rato inda estando inchado Mas aquele desgraçado Baboso que só muçu Não tem que ver cururu Inda que um santo me dê Eu digo: como isso o que! Não como pirarucu


ZE ─ Ora, seu colega, deixe Essa tola opinião, Porque nos diz o rifão: O que vem na rede é peixe Largue a cisma não se vexe Esse cuidado não tenha ─ Disse um matuto da brenha Agora não o deixava E diz mesmo tendo raiva, Pirarucu tanto venha. C ─ Passo três dias com fome Mendigando pela rua, Como um cão ladrando a lua Que há quatro dias não come Prefiro negar meu nome Dizer: me chamo urubu Sou filho de um tapuru Neto da caranguejeira Moro numa bagaceira, Não como pirarucu


Zé ─ Desprezo peru assado Não dou valor a leitão, Não acho graça em capão E deixo qualquer guisado Por muito bem preparado E temperos que ele tenha Desde a capital a brenha Procure tudo que há Que nada me agradará, Pirarucu tanto venha C ─ Na catastrofe mais medonha No suplicio mais horrendo Ainda alguem me prendendo Em Fernando de Noronha Passo por uma vergonha Ando pela praça nu Bebo um caldo de urubu Como um cachorro sem sal Com tudo isto afinal, Não como pirarucu


ZÉ ─ Disse um velho beberrão: Meus filhos abençoados, Eu peço aos fiéis amados Quem quiser ser meu irmão Não estire sua mão Para a venda que não tenha Esse peixe que se empenha Por nossa sub-existência Eu como por excelencia Pirarucu tanto venha. C ─ Inda eu estando derrotado A fome horrenda e tirana, Como casca de banana Numa feira ou num mercado Como um aruá assado Afervento um cururu Prefiro um camelo cru Conforme a necessidade Mas inda contra a vontade Não como pirarucu


ZÉ ─ Não gosto de pedantismo E nunca escolho comida, E que nos sustenta a vida Satisfaz o organismo Censuro até o cinismo Por muito sagaz que venha; Disse um vendedor de lenha Numa taverna bebendo: Minha mãe morreu dizendo: Pirarucu tanto venha C ─ Prefiro a excomunhão Do padre do juazeiro, Porem no mundo inteiro, Isso foi sem precisão Não foi tão má minha ação, Para um castigo tão cru Deus do céu tirai-me tu Sustente conte comigo Posso cair no perigo. Não como pirarucu


ZÉ ─ E um peixe saboroso Tendo maxixe e quiabo, Um pedaço do seu rabo Faz um almoço gostoso Um pirão muito oleoso, Cozinha com pouca lenha Eu morava ém Jurumenha Ouvir dizer pelo um homem Que no sertão todos comem, Pirarucu tanto venha. Foi o Zé, então no disse: Que tem esse pobre peixe, Eu acho bom que o deixe, Isso é pura tolice Agora se ninguem visse Esse peixe no sertão Quem confessa ser cristão Diz que um homem legal Vê logo que não faz mal, Pirarucu com feijão.


Um poeta velho ouviu O poeta atropelado. O outro estava danado Como fera partiu O poeta velho acudiu. Com destino forte e cru Como uma abelha de enxu, Vai de encontro ao caçador Disse a Zé: por favor, Não gabe pirarucu. C ─ Que tem morrer de fome Fique dormindo no mato, Coma pula e carrapato Mas pirarucu não come, Uma lembrança se some, Onde não vai urubu Nem cobra surucucu Não fica tão assanhada Minha mãe era casada, Não come pirarucu.


Z ─ Disso eu tambem já notei Diversos já tem me dito Você é muito esquisito E eu sempre o detestei Inda a pouco conversei Com alguém do Pageú Disse um rapaz do Peru Chegando agora no Norte Que até na hora da morte Só come pirarucu C ─ Você é muito atrasado Não parece ser da roda Pirarucu está na moda Como o bigode raspado É um peixe desgraçado Bebento que só muçu Cozido parece cru Assado fede a camôa Não tem prazer a pessoa Que come pirarucu


Z ─ Seu avô nasceu no mato Enquanto viveu caçou E esse nunca enjeitou Lagartixa, cobra e rato Raposa, furão e gato, Camaleão e teju Maritacaca e timbu Sapo, rã, cacete e jia Morreu numa pescaria Atrás de pirarucu C ─ E por uma dessas assim Eu hoje não gosto dele Porque se não fosse ele Meu avô não tinha fim Que falta fez ele a mim Passei fome e andei nu Comendo bacalhau cru Sem alguem dar-me um abrigo Por isso é meu inimigo Quem come pirarucu


Zé ─ tenho enjeitado sardinha Deixei xixarro e salmão Com vinho alcobaça e pão Ensopado de estrelinha Boa canja de galinha Belo papo de peru Frigideira de pitu Escabeche de cavala Nem um desses me regala Igual a pirarucu

FIM



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