Mundoca desordeiro e o negrão não teme nada

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


EXPEDITO SEBASIテグ DA SILVA

MUNDOCA DESORDEIRO E O NEGRテグ Nテグ TEME NADA



Pra quem gosta de estória De cabra bom na brigada Aqui pretendo narrar Uma que me foi contada De Mundoca Desordeiro E o Negrão Não-Teme-Nada O negrão nasceu em Barbalha No tempo da escravidão O qual recebeu na pia Nome de Sebastião Porém quem o conhecia Só lhe chamava Tião Então o pai de Tião Era rico em alta escala Possuía três engenhos E escravos na senzala Tinha sítio em toda parte E dinheiro nem se fala


Certo dia na fazenda Um touro estava acoado Tião entrou no curral Somente dum pau armado Com três pauladas na venta O deixou acomodado Por alguém duvidar dele Tião certa madrugada Foi buscar no cemitério Duma ceveira a ossada Por isso lhe apelidaram De Tião Não-Teme-Nada Porém Tião por seu pai Foi expulso da fazenda Porque ele certo dia Com uma raiva estupenda Matou um feitor do pai Com uma surra tremenda


O feitor dava num negro Amarrado num mourão Tião vendo a covardia Tomou-lhe o relho da mão E deu-lhe tão grande surra Que deixou-o morto no chão O pai de Tião sabendo Então logo sem demora Irado como uma fera Mandou ele ir embora Dizendo que não queria Vê-lo ali mais uma hora Tião logo retirou-se Pois seu pai era um perigo Procurou uma fazenda De um fazendeiro amigo Ali num canto isolado Fez duma choupana abrigo


Ali ficou trabalhando Feliz com sua pobreza Mas certo dia um boato Espalhou-se com surpresa Que toda noite corria Um bicho na redondeza Tião ouvindo o boato Disse consigo em segredo: − Vou emboscar esse bicho Pois de nada eu tenho medo Se for valente, um de nós Do mundo partirá cedo Então com um parabelum E uma faca afiada À noite se escondeu Numa moita da estrada Por onde o bicho passava Seguido da cachorrada


Às onze horas da noite Pouco distante ele ouviu Da cachorrada os latidos Então cá se preveniu Logo depois na estrada Um escuro vulto viu Tião olhava pro vulto Que corria na estrada Não divulgava cabeça Nem pés, nem braço, nem nada Ele ai pulou na frente Com sua faca empunhada O Tião Não-Teme-Nada No bicho a faca empurrou Porém na ponta da faca Só o lugar encontrou Porque para trás o bicho Com ligeireza pulou


Mas logo no mesmo instante Contra Tião investiu Porém o bicho no salto Escorregou e caiu O rapaz pulou em cima E de leve lhe feriu Tião ai, com surpresa Ouviu o bicho falar: − Tião, eu peço por Deus Para tu não me matar Se minha vida poupares Bem caro irei te pagar Tião conheceu que era Um fazendeiro casado Que alta noite saía Em uma capa embrulhado Para a casa duma amante Deixando o povo assombrado


Tião voltou pra seu rancho Deitou-se, mas não dormiu Momentos depois dois tiros A porta do rancho abriu Pegou ele o parabelum E por trás escapuliu Tião viu ser dois sujeitos Então pôde refletir Que por certo o fazendeiro Pra ele não descobrir Mandou aqueles dois cabras Sua vida concluir Tião pelos dois sujeitos Se viu logo perseguido Então por trás dum aterro Ficou deitado escondido Os dois longe um do outro Vinham sem fazer ruído


Um chegando no aterro Quando para baixo olhou Tião na cara atirou-lhe Ele de lá rebolou Como fosse um passarinho Bem nos seus pés expirou O outro gritou: − Joaquim O tiro foi acertado? Tião falou pelo morto Dizendo: − Está baleado Estou com ele, vem logo Para matá-lo sangrado Quando o outro no aterro Sem medo nenhum surgiu Tião de lá com um tiro Entre os olhos lhe atingiu Do mesmo jeito do outro Nos seus pés se concluiu


O Tião pensou consigo: − Eu o que devo fazer É não voltar mais pro rancho Daqui desaparecer Se ficar não terei mais Sossego enquanto viver Eram duas da manhã Mas Tião Não-Teme-Nada Seguiu por uma vereda Não procurou a estrada Então sem temer seguiu Por uma mata intricada Muito distante na mata O sono lhe atacou Ele ai numa caverna Que escondida encontrou Entrou sem pavor nenhum E lá dentro se deitou


Tião dormindo sonhou Que estava numa gruta Com uma faca enfrentando Uma era muito astuta Já se achava cansado Quase vencido na luta Nisso ele despertou Devido a grande zuada Dum esturro pavoroso De uma onça pintada Que na porta da caverna Rosnava desesperada O Tião Não-Teme-Nada Dum pulo se levantou Puxou pelo parabelum E na onça disparou A bicha com uma tapa A arma dele tomou


Ele ai puxou a faca Mas o feroz animal De novo tomou-lhe a arma Num tapa descomunal Tião ia se lembro Puxou da cinta o punhal A onça pulou em cima Mas Tião sem temer ela Caiu de vez para trás Ficando por baixo dela Ai de baixo pra cima Cravou-a bem na goela A onça deu um esturro Que a terra estremeceu Sem mais nenhuma destreza Sobre o chão se estendeu Ali vermelha de sangue Esperneando morreu


O Tião Não-Teme-Nada Embora muito cansado Procurou seu armamento Que tinha a onça tomado E só viajou depois Do dia ter clariado Quando o dia amanheceu Penetrou de mata a dentro Ele dizia consigo: − Sem destino irei ao centro Nesta jornada que vou Até no inferno eu entro Porém Tião se perdeu Naquela mata sombria Passou três dias vagando Sem saber pra onde ia Com quatro dias saiu Perto duma moradia


Mas na dita moradia Tião foi logo avistando Três cangaceiros montados Com as armas apontando Pra duas pobres mulheres Que achavam chorando Bem perto delas se via Dois homens mortos no chão Ambos rendados de bala Que causava compaixão E os bandidos sorrindo Com grande satisfação O Tião Não–Teme-Nada Perguntou com insistência O que está se passando Aqui nesta residência? Pois este clamor que vejo Doi em toda consciência


Pergunto um dos bandidos: −Qual a cobra que o mordeu? Noto que você não sabe Onde foi que se meteu Corra se não se arrepende Do momento em que nasceu Disse Tião: − Não gostei De ouvir o seu despacho Mas daqui sair correndo Eu muito custoso acho Pois nasci para ser homem E não pra temer a macho Disse um bandido: − Você De viver já está cansado. Ai puxou o revólver Porém foi logo alvejado Por um tiro do Tião Que saiu do outro lado


Quando os 2 bandidos viram A rapidez de Tião Quizeram puxar as armas Porém na ocasião Ouviu-se dois estampidos E duas quedas no chão Eram os cabras que das selas Caiam no chão sem vida Tião chegou-se às mulheres Com a voz compadecida Disse:− Já estão vingadas A questão foi decidida Me digam, estes bandidos São de vocês conhecidos? Disse uma:− Estes cabras São capangas foragidos Do Mundoca Desordeiro Um dos piores bandidos


O Mundoca Desordeiro É pior que o Satanás Possui diversos capangas Fazendo crimes brutais Roubam, desonram e matam Deles ninguém vai atrás Hoje estes três bandidos De surpresa aqui chegaram Entraram de casa à dentro Nosso dinheiro roubaram Depois meu filho e marido Ali tiros mataram Eles iam nos matar Porém o senhor chegou No momento derradeiro E nossas vidas salvou Não podemos lhe pagar O favor que nos prestou


Disse Tião: − Só exijo Que cada uma de si Montem aqueles cavalos Que selados estão ali E partam sem mais demora Para distante daqui Logo depois que os mortos Ali foram sepultados Nos cavalos dos bandidos Que se acham selados Elas montadas partiram Em busca dos povoados Então no outro cavalo Dum falecido assassino Tião dum pulo montou-se E seguiu sem ter destino Por aquela terra estranha Na proteção do Divino


Com quatro dias depois Numa fazenda saiu Notou que estava em festa Mas o povo quando o viu Lhe olhando apavorado Do terreiro se sumiu Apenas em pé na porta Ficou só o fazendeiro Que perguntou: − E’ bandido Do Mundoca Desordeiro? Caso sejas, pode vir Na paz que darei dinheiro Disse Tião: − Tenha calma Eu disso não venho atrás Sou um simples passageiro Que gosta muito da paz E vem de bem longe em busca De serviço e nada mais


Disse o fazendeiro: − Amigo Perdoe a minha impressão Aqui todos nós vevemos Com a mão no coração Aqui tem um tal Mundoca Que assombra a região Em redor quarenta léguas É ele que tudo manda Os piores cangaceiros Nesta região comanda Quem tem mulher bonita Com medo dele debanda Hoje aqui esta fazenda Está em festividade Pois minha filha completa 15 anos de idade Amanhã vou interná-la Num colégio na cidade


Oculto esta festinha Eu resolvi a fazer Porém vou já encerrar Porque pode acontecer Do Mundoca desordeiro Por aqui aparecer Disse Tião: − Meu amigo Bote a festa pra frente Se acaso aparecer Esse bandido insolente Eu irei mostrar a ele Que a coisa é diferente O homem chamou a filha Que se chamava Zelinda Tião vendo-a admirou-se Pois não tinha visto ainda Por onde já tinha andado Outra donzela tão linda


A jovem cumprimentou-o Com um sorriso encantador Tião apertou-lhe a mão Inebriado de amor Ficou logo apaixonado Por aquela linda flor Porém nessa ocasião Ouviu-se três estampidos Olharam para o terreiro E viram surpreendidos O Mundoca desordeiro Seguido de três bandidos Tião pulou no terreiro Pra enfrentar a desgraça Puxando o seu parabelum Gritou alto: − Lá vai massa! Ai tudo confundiu-se Com tiroteio e fumaça


Terminando o tiroteio No meio da confusão Os bandidos de Mundoca Jaziam mortos no chão Só Mundoca no punhal Lutava com Tião Disse Mundoca: − No tiro Parece que estás só? Mas hoje com meu punhal Vou transpassar-te o gogó Porque eu tenho certeza De fechar-te o paletó Tião respondeu: − Não pense Que temo tua carranca Hoje aqui o meu punhal Te dará passagem franca Pra ires num envelope Residir no ‘’cara branca’’


E os dois se debatiam Com os punhais em disputa O Mundoca era ligeiro Igual um leão na luta O Tião como uma fera Assanhava numa gruta Mas num descuido, Tião Foi numa perna ferida Mesmo no tronco da coxe Pelo temível bandido Tião embora sangrando Não mostrou-se esmorecido E mandava no Mundoca O seu punhal violento Mas no lugar do bandido Encontrava só o vento Pois Mundoca era na luta Veloz como pensamento


O Tião topou num toco E no choque que sentiu Caiu e seu cotovelo E uma pedra atingiu Ficando o braço dormente Distante o punhal caiu Ai Mundoca sorrindo Em cima dele pulou O Negrão Não-Teme-Nada Ligeiro no chão rolou E pegando o seu punhal Dum salto se levantou E antes que o mundoca Se firmasse bem no chão Saltou por cima do monstro Com tanta disposição Que quando o enguiçava Cravou-lhe o punhal no vão


O mundoca Desordeiro Disse: − Chegou o meu dia! Com a mãe na punhalada Cambaleando pendia Um arco de sangue vivo Distante dele caía Lhe faltando a resistência Sobre o chão se estendeu Olhando para Tião Um longo gemido deu E com enorme careta Se emborcando morreu Nesse instante o fazendeiro Saiu de casa pra fora Disse pra Tião: − Amigo Creio que Nossa Senhora Pra esta minha fazenda Te mandou mesmo na hora


Agora entre pra cá Pra tratar do ferimento Também quero oferecer-lhe Agora neste momento Da minha filhinha Zelinda Sua mão em casamento Disse Tião: − Eu aceito E sua bela proposta Mas é preciso saber Se sua filha gosta A moça ai respondeu: − O sim é minha resposta O Tião depois de está Completamente curado Com a formosa Zelinda Na fazenda foi casado Se tornou um homem rico E por todos respeitado

FIM



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