O negrão do paraná e o seringueiro do norte

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


FRANCISCO SALES DE ARÊDA

O NEGRÃO DO PARANÁ E O SERINGUEIRO DO NORTE



No Paraná residia Um Negrão audacioso Valente com a pantera Bruto covarde orgulhoso Contava 110 mortos Como um leão furioso Na arte de desonrar Já tinha perdido a conta E por onde ele passava Causava medo e afronta Qualquer 1 que ele pegasse A cova já estava pronta Quando chegava nas feiras Fazia o maior destroço Dava nuns matava outros Quebrava perna e pescoço O pobre que ele pegasse Quebrando osso por osso


Não havia quem topasse Com ele na batucada Brigava bem na rasteira Muito mais na cabeçada Na festa que ele chegava Parava toda zuada Media 1 metro e 80 A altura do Negrão Tinha as munhecas d’onça Os braços como um pilão Era um monstro na grossura Mas ligeiro como um cão Só andava bem armado De punhal e cartucheira Um rifle papo amarelo Com bonita bandoleira Chapèu d’couro e a roupa D’masela azul verdadeira


Tinha os olhos encarnados Nariz grosso de taboca Andava todo banzeiro Como uma tigre na loca No lugar onde pisava No chão fazia barroca Nunca quiz 1 companheiro Esse negro mau vizinho Dormia pouco na noite Só viajava sozinho Quem via ele de longe Cortava logo caminho Uma vez foram 10 praças E um valente oficial Para dar fim ao Negrão Q’ estava feito um chacal Acabando até os santos Da fazenda Maraial


Mas assim q’ foram entrando 3 Na cancela da fazenda O negro presentiu ele E emburacou na contenda E esmagou tanta gente Como cana na moenda Pegou logo o oficial Para começar a briga Deu-lhe um acocho tão grande Que estorou-lhe a barriga E o chão ficou todo cheio De sangue, tripa e lombriga Matou mais 5 soldados De 3 quebrou perna e braço E 2 por serem ligeiros Se escapuliram do laço E o negro ficou sozinho Virando o resto em bagaço


Dessa vez ainda sangrou O fazendeiro na guela Matou a velha enforcada E carregou uma donzela Fez o que bem entendeu E depois deu fim a ela Outra vez ele chegou Numa feira ao meio dia Rasgou saco e virou banco Fez a maior arrelia Tocou fogo no mercado Acabou tudo que havia Depois entrou na igreja Fez o sacrist達o subir Bater no sino 3 horas Disse eu sou pra incardir Agora ajunte seus santos Que eu quero me divertir


O sacristão juntou tudo Sem ter pedido nem rogo Disse o negro estas calungas Estão doentes de gôgo Pra não emprestar o mundo Bote o gás e toque fogo Dalí saiu o Negrão Fazendo a toda murrinha Passou por uma fazenda Juntou arroz com galinha Depois deu um fazendeiro E carregou-lhe a filhinha Chegou num saba na casa De um tal Chico Nicolau Mas a mùsica era zabumba Gaita, pire e birimbau E dessa vez o Negrão Fez um bonito saral


Entrou no samba dizendo Daquí não corre ninguèm Todos homens tirem a roupa E as mulheres tambem È pra dançar tudo nú Quero ver quem dança bem Dançaram o resto da noite Tudo nu como nasceu De manhã o negro disse Já fizeram o gosto meu Agora tragam aguardente Pra beber quem não bebeu Mandou buscar numa venda 48 canadas Disse aquí estão 2 ancoras È pra serem estragadas Cada um se sente logo E continue as bicadas


Era um cabra despejando Numa banda de coite E o negro dizendo venha Seu João, seu Pedro e seu Zé Joana, Maria e Josefa É pra beber tudo em pè Quando terminou a cana Estava tudo embriagado Ele agarrou a zabumba Fez um buraco de lado E enfiou na cabeça De um negro velho pelado Lascou a gaita e o pìfe E quebrou o birimbau Triangulo, reco e caixão Amarrou tudo num pau E pendurou no pescoço Da velha de Nicolau


Agarrou as roupas todas Do povo que estava nù E fez logo uma coivara Debaixo de um mulungù Botou logo e foi embora Dizendo ou samba jaú Um mês depois o negrão Foi cercado novamente Por 30 policiais 2 alfare-se um tenente Desta vez viu-se apertado Mas desgraçou muita gente Escapuliu-se do cerco Porque tinha um patuà Que punhal não lhe pegava E nem bala ia lá Se envultava em qualquer canto O Negrão do Paraná


O governo do Estado Jà estava sem assunto De mandar tanto saldado E só ver chegar defunto Deixou de o perseguir Se não ia perder muito E assim continuava Os estrago do Negrão Quase todo dia um crime Ou um ataque do ladrão O povo todo assombrado Sem encontrar remissão Ninguém queria mais ir Numa festa ou na feira A qualquer pai de familia Que tinha filha solteira Conservava ela trancada Para não ver a bagaceira


Quem vinha de outro estado Tinha logo informação Do tal negro desordeiro E tomava direção Por estradas diferentes Prá se livrar do Negrão Pois ele sempre habitava Das Pratas do Maraial Pelo pè de uma serra Tinha um grande arraial Onde era ponto certo Do triste negro infernal Mas não há nada no mundo Para não se negativo Porque sò Deus é o ser Infinito e positivo E o mais tudo que existe Ao seu poder è cativo


Quem é justo nada sofre O castigo é pra quem peca A vida è como uma flor Que vem o sol e resseca E todo brabo do mundo Encontra outro na beca Portanto vamos saber Como foi que o Negrão Cheio de orgulho e brabesa Desordem e mal intenção Um dia encontrou a carne Que temperou o feijão No Ceará habitava O moço João Balduino Filho de boa familia Mas ele desde menino Já trazia sua sorte Traçada com o destino


Com 20 anos de idade João Balduino fugiu Com um velho do Pará Que a ele muito iludiu Para irem ao Amazonas E João com ele seguiu Na cidade Porto Velho Em poucos dias chegaram Todos 2 eram dispostos Um seringal arrumaram Nas matas frias do norte Muitas vezes trabalhavam Esse velho sò não era Um legítimo feiticeiro Mas tinha todos preparados Que precisa um macumbeiro E ensinou tudo a João Como amigo verdadeiro


De orações fortes e preces Fez um caderno profundo Entregou a João e disse: Não deixe isto um segundo Que o homem não deve andar De boca aberta no mundo Assim o velho prà João Era bom em todo artigo Mas uma tribo de indios Botou ele em perigo João ainda matou 6 Porem perdeu seu amigo Quando João ficou sozinho Disse: Agora eu vou andar Sem meu amigo não quero Neste Amazonas ficar Vendeu o que tinha lucro E destinou-se embarcar


Em um navio casteiro Que ia pro Maranhão O Seringueiro embarcou Na mesma tripulação E foi saltar em Caxias Daí tomou direção Não se agradou do clima Por isto não ficou là Com 3 dias embarcou E saltou em Paraná Disse: Aquí eu fico uns dias Depois volto ao Cearà Seguiu para o interior Afim de ganhar dinheiro E ficou numa fazenda Trabalhando de vaqueiro Passou um ano e depois Prosseguiu outro roteiro


Pediu as contas dizendo Meu bom patrão vou embora Visitar o Cearà Que chegou saudade agora E mesmo jà faz 6 anos Que de meus pais vivo fora O patrão pagou-lhe tudo Com boa satisfação E o Seringueiro partiu Prá visitar seu sertão Porém desse vez caiu Nas cacadas do Negrão Nesse tempo havia alí Um grande milionário Do Paraná era ele O maior proprietario E caiu tambêm nas garras Do negro extraordinário


Esse grande fazendeiro Chamava-se Artur Clemente Era ele e a esposa Com uma filha somente Mais lindas do que as rosas Numa manhĂŁ florescente O NegrĂŁo chegou um dia Pior que febre amarela Pegou logo o fazendeiro Amarrou numa cancela Pendurou a mulher dele Foi atrĂĄs da donzela Acertou logo no quarto Que ela estava trancada Deu na porta pra quebrar Mas nessa hora assustada O Seringueiro do Norte Vinha tomando chegada


Avistou logo um homem Numa cancela amarrado E a mulher pendurada Ficou todo horrorizado Nisto ouviu gritar lá dentro Não me mate condenado Nessa hora o Seringueiro Nem perguntou o que havia Disse consigo: É ladrão Que està nesta moradia E eu vou ver se socorro Quem està em tanta agonia Meteu-se de casa a dentro Adiante estava o Negrão Agarrado a jovem Mas nessa ocasião O Seringueiro gritou Solte a moça seu ladrão


Nessa voz do Seringueiro O Negrão endoideceu Deu um empurrão na moça Que a pobre se estendeu E partiu para o rapaz Dizendo: o duro sou eu O rapaz disse està cero Voce è duro eu sou duro Pegue armas se defenda Que tambem estou no apuro Pode furar se poder Que tambem vou ver se furo Alí os dois se travaram No ferro brando alvejado Como dois leões na jaula Um com outro agarrado E o negro viu que o moço Tambem era batizado


Na luta quebraram mesa Banca, cadeira e sofá Petisqueiro e guarda-roupa Não escapou nada là E o rapaz gritou ao negro: Se valha do patuá Emburacam num quarto Quebraram tudo que tinha Saíram por outra porta Passaram pela cozinha Que sò deixaram inteiro Um cambito numa linha Voltaram para o salão Nesse embulho horrendo e feio Botavam o ferro um no outro Prà lascar de meio a meio Mas não encontravam nada Que os punhais desse freio


Da sala foram ao terreiro Alí o rapaz gritou: Negro imundo se prepare Que sua hora chegou E o negro disse tambem: Nossa briga começou E partiu um para o outro Como quem perde o conceito Mas o Seringueiro deu-lhe Uma punhalhada a jeito E arrancou-lhe um breve Que o negro tinha no peito Aí o negro conheceu Que a coisa estav ruim Disse o rapaz: Pai Eterno Senhor Martire do Bomfim Cristo redentor dos martires Vinde socorrer a mim


Nestas frases deu um pulo E alcançou o Negrão Dou-lhe uma punhalada Ao lado do coração Não furou mais temeu dele Um embrulho de cordão Todas orações do negro Estavam naquele embrulho Aí o negro afracou E o rapaz comorgulho Começou furando o negro Como um pau q’dá gurgulho Deu-lhe 30 punhaladas Desde os pés ao cabelouro O negro caiu por terra Espichado como um touro O rapaz disse: Eu agora Já que matei tiro o couro


A moça que estava longe Avistou a briga horrenda Quando viu que o negrão Tinha perdido a contenda Disse aquele miserável Hoje encontrou sua emenda E correu para o rapaz Afim de lhe agradecer Ele disse não è hora Corra em casa vá me ver Uma foice ou um facão Para um serviço eu fazer E foi trouxe logo Um facão muito afiado O rapaz esquartejou O triste negro malvado Pra ele não bulir mais Com quem estava descansado


Soltou os pais da menina Emmenos de um segundo O velho de tão contente Ficou que e muribundo Deu-lhe um abraço tão grande Que quase esquece do mundo E espalhou-se a notícia Que na fazenda Amapá Prometido por Jesus Um moço do Ceará Tinha liquidado a fama Do Negrão do Paraná Começou a chegar gente De pertinho e mais além Até o governador Veio a fazenda também Abraçar o Seringueiro E dar o seu parabem


Trouxe mais uma medalha Como gratificação Entregou ao Seringueiro As honras de capitão E do povo ele ganhou 100 contos pela ação E o velho Artur Clemente Disse: Eu não posso pagar Porque se não fosse ele Eu tinha que me acabar Tenho mil contos de no banco E a metade vou lhe dar 5 fazendas que tenho 4 suas e uma minha E se acaso agradar-se De minha extrema filhinha Com todo gosto darei Laudecí minha santinha


Respondeu o seringueiro Falando bem de percí De tudo que prometeu-me Gostei mais de Laudecí Ela disse: Então deu certo Que tambem gostei de tí Todos alegres disseram: O justo sempre é quem vence Artur mandou chamar todos Do valente Cearense E casou-se o seringueiro Com a rica Paranaense O seringueiro do norte Guiado pelo destino Defendeu o Paraná Das mãos do assassino Ficou livre honrado e rico Capitão João Balduino


Feliz com todos viveu Sendo rico e de patente Ao lado de sua esposa LaudecĂ­ Pontes Clemente Em ParanĂĄ honrou muito Sua prestimosa gente.

FIM



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