O sanfoneiro que foi tocar no inferno

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOSÉ COSTA LEITE

O SANFONEIRO QUE FOI TOCAR NO INFERNO



Deus é grande e poderoso O seu poder é eterno Confiando nêle eu traço Nêste pequeno caderno A história do Sanfoneiro Que foi tocar no inferno No sertão do Ceará Em tempos que longe vão Existiu um sanfoneiro Chamado Sebastião Conhecido na sanfona Pelo o heroi do sertão Era ele e sua mãe E as irmãs Ana e Maria A velha era viuva E com seu filho vivia Sofrendo nas unhas dele Que só Deus mesmo sabia


Êle era um filho ruim Muito bruto e malcriado Arengava com a velha Quando era aconselhado E quase todos os dias Amanhecia zangado. Num 24 de Agosto Dia de S. Bartolomeu Zangado e muito enraivado O rapaz amanheceu Para encurtar a história Até nas irmãs bateu. Pôs-se ageitando a sanfona Na sala, todo amuado A velha fez o almôço E veio com todo agrado Disse: o almôço está pronto E êle ficou calado.


A velha disse: meu filho Hoje é dia de inverno E é 24 de Agôsto Ouça o pedido materno Aonde vai tocar hoje Êle disse: no inferno! Ela disse: credo em cruz! Misericórdia, S. Braz Êle agarrou a sanfona E saiu sem olhar pra traz Dizendo: hoje eu toco Até para o satanaz. Deixou na mesa o almoço Saiu sem dar atenção Com meia hora depois Êle avistou um negrão Escanchado n’um cavalo Prêto da cór de carvão


Êle avistando o negro De nada desconfiou O negro disse: rapaz Agora mesmo eu vou Procurar um sanfoneiro Que o povo, em casa mandou. O rapaz disse ao negro Sai sem ser convidado Vou tocar em qualquer parte É bastante ser chamado O negro sorriu e disse: Vai dar certo pra danado. Disse o rapaz: então vamos Para ver o que se faz Disse o negro: vamos logo Que lá vai ser bom de mais E o cavalo sorriu Para o lado do rapaz


O negro sorriu e disse: Montas e vamos embora E quando o rapaz montou-se Disse o negro sem demora Daqui lá são seis mil léguas Mas eu chego em meia hora E quando Sebastião Já se achava montado Na garupa do cavalo Sentiu um mal cheiro danado De enxofre e creolina Que ficou desconfiado. E o cavalo partiu Numa grande disparada Subindo serra e descendo Numa carreira danada Com três léguas de distância Se ouvia a tropelada.


A carreira era tão grande Que a terra estremecia O negro metia as esporas Que sangue quente descia Quanto mais êle furava Mais o cavalo corria. Disse o negro: feche os olhos Por dois minutos sómente O rapaz fechou os olhos E quando abriu novamente Viu que haviam chegado Em um lugar diferente Era um palácio escuro E o rapaz foi mandado A um grande salão de dansa Aonde era esperado Para tocar na sanfona Um frevo quente e queimado


Tinha mais de mil pessoas Dansando ali no salão Mas o salão era escuro Sem ter iluminação Só se ouvia a zuada Dos sapatos pelo chão. Era a maior gritaria Dentro do arrasta pé E a negrada gritava: Manda brasa, atola o pé Catuca pra ver se vai Vamos saber como é. E Sebastião sentou-se Sem se sentir muito bem Ouvia fala de homem E fala de mulher também Ouvia sómente a fala Porém não via ninguém


Ouvia gente dizer: Puxa o fole sanfoneiro Emburaca empurra o dedo E seja muito ligeiro Deixe a sanfona gemer Que meu pé é maneiro E o rapaz na sanfona Puxava mesmo porque Era o maior rela bucho E dentro do fuzuê Negra levantava a saia Dizendo: tá pra você Sebastião resolveu Deixar o povo sózinho Mas estava tudo escuro Não acertou o caminho Viu que estava envolvido Nos laços do mau vizinho.


E a negrada gritava Vamos todos xaxiá Acoche o cordão da saia Lá vai eu daqui pra lá Aproveite o rela bucho Rele lá que eu relo cá. O sanfoneiro perdido Avistou uma prisão Aonde viu muita gente Na maior lamentação Chorando, dando gemido E viu até um irmão. O irmão disse: meu mano Que estás fazendo aqui? Tu vieste aqui em vida Eu vim depois que morri Isto aqui é o inferno Cheguei nunca nunca mais sai.


Sebastião lhe contou Todo passado ligeiro O irmão disse: cuidado Não fique prisioneiro Não coma comida alguma E nem aceite dinheiro O rapaz viu no inferno Moça quente sacodida Que usa saia ligada E mulher casada enxerida Que atraiçôa o marido E usa calça comprida. Mocinho namoradeira Jogador e cachaceiro Mulher falsa e criminoso Anarquista e desordeiro Xifrudo e viuva quente Sedutor e xangôzeiro.


Quem rouba um peso e medida Quem só vive em cabaré Quem gosta de seduzir Quem engana a bôa fé Quem é velhaco e farrista Lá já sabe como é Mulher feia e ciumenta Que aperreia o marido Nas unhas do satanaz Bebe chumbo derretido E dança mais um rela bucho Bem queimado e remexido. Mulher que engana o marido Chegando lá Lucifer Monta no seu espinhaço E vai nela pra onde quer Porem, já não é pecado Marido enganar mulher.


O sanfoneiro tremeu E o cabelo arrepiou Tocou ainda um baião E comida não aceitou Quando foram lhe pagar Ele também recusou. A meia noite em ponto Quando o galo cantou O negro com o cavalo A ele se apresentou Ele montou na garupa E o cavalo <<embalou>> Fechou os olhos e abriu E viu que tinha chegado No mesmo lugar aonde O negro havia encontrado E quando chegou em casa Contou o que foi passado


Êle disse que o inferno É uma cidade assada Lampião é o prefeito E fez praça ajardinada Está fazendo o calçamento E já tem agua encanada. Até luz de Paulo Afonso Lampião já quer botar Com a filha de Lucifer Breve êle vai se casar E no dia do casamento Êle quer inaugurar Em cada casa o prefeito Está fazendo uma puxada Pra botar moça enxerido Da sobrancêlha raspada Mulher falsa e traiçoeira E viuva chumbregada.


LĂĄ contei aos leitores Como o caso se passou O sanfoneiro coitado Sabe que foi e voltou Teve medo e no inferno AtĂŠ a sanfona deixou.

FIM



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