ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
JOÃO JOSÉ DA SILVA
O VALENTE CORTA-MUNDO
Tornei pegar minha pena que nunca se achou cansada que nos detalhes poéticos contar sem escapar nada desse tal de Corta-Mundo a sua vida passada Corta-Mundo foi o filho que de Gonçalinho herdou a foice que a orelha do bicho humano cortou agora eu vou contar tudo quanto ele praticou Gonçalinho deu a êle a foice como lembrança mas Corta-Mundo inda era naquele tempo criança saiu da casa dos pais com ela por segurança
Eu não preciso contar a vida dêle em menino basta dizer que tomou um gigantesco destino de sair mundo a dentro feito o maior peregrino Nessa vida peregrina fortemente ele cresceu ao completar 15 anos e um mês apareceu no engenho dum Barão pra dar o recado seu Ele chegou nesse engenho viu lá uma novidade pois junto da casa grande tinha gente em quantidade trabalhando há 8 dias sem haver prosperidade
Tinha ali êsse conjunto todo dia a trabalhar para arrancar uma pedra que impedia se olhar a casa dêsse barão o Deus daquele lugar Corta-Mundo ao chegar foi logo assim perguntando - que faz! tanta gente aqui nessa pedra escavacando? ou é grupo de grilos? por sobre um muro avançando! Com a proposta do môço se arruinou tudo ali logo o barão foi chegando brabo que só um sirí dizendo: você agora ou trabalha ou morre aqui
Que é isto, disse o môço: - o senhor quer se zangar? venha com frases mais mansas querendo me respeitar pois oque eu disse aqui posso agora lhe provar Só fiz dizer que aqui tem um grupo de grilinho batendo sobre esta pedra com tão grande borborinho pois eu digo ao senhor que tiro a pedra sozinho! O barão logo irritou-se e disse: venha tirar a pedra do meu terreiro e mandou se retirar quem trabalhava e depois começou lhe explicar
Dizendo a ele: tirando-a terá tudo a seu favor e do contrário já sabe sofrerá grande rigor para quando andar no mundo deixar de ser falador Nada disto disse o moço: - eu tiro-a por minha conta mas no ato de agressão o mundo não me amedronta como é que vou temer a sua pequena afronta? Eu tirar sua pedra sem precisar discussão mais exijo do senhor somente uma refeição pra eu encher a barriga a minha satisfação
Pois se existe alimento inda não me satisfez porque já tenho completo 15 anos e um mês e não enchi a barriga ainda a primeira vez Disse-lhe o barão: você! é um fazedor de pouco sem ter fôrça tira a pedra cara de macaco chôco que eu tenho comer pra dar-lhe inda você sendo ôco Corta-Mundo disse: assim! eu vou fazer seu serviço agarrou-se com a pedra deu-lhe um vai e vem e nisso o povo todo correu com medo do rebuliço
Corta-Mundo ali gritou: - meu bisavô Vira-Mundo ajudai-me e ajudou-se com a pedra nun segundo ficou um rombo tão grande que se via outro mundo E com ela na cabeça gritava: patrão aonde eu boto-a, mais o barão chama: povo te esconde que êste homem é o diabo que chegou não sei de onde Só se via ali o povo correndo pra todo lado e Corta-Mundo sorrindo dizia: patrão cuidado que eu vou soltar a pedra pois já me acho cansado
O barão tremia tanto que só quem sofria frio já disse 20 braças gritou caçando desvio: - bota a pedra lá na varzea do lado esquerdo do rio Corta-Mundo ouvindo isto de carreira disparou fez que entendeu errado dentro do rio jogou a pedra que duma serra até a outra tapou Deu uma espanada dagua que sobre as nuvens bateu com o furor que o mundo de repente escureceu só com a agua do rio quase uma hora choveu
Depois disso Corta-Mundo disse: meu patrão agora quero encher minha barriga pois já está fora de hora e outra que eu preciso hoje mesmo ir-me embora O barão disse consigo: - eu agora me embaraço com êste monstro que fez escurecer o espaço quanto para comer eu já sei que me desgraço O gerente ali gritou - patrão faça todo empenho pra pagar a êste homem com dinheiro porque tenho a certeza qu’ele come até mesmo o seu engenho
Pois o qu’ele fez agora faz a gente acreditar que dentro do seu engenho e nem em outro lugar exista comer que dê pra ele se fartar O barão achou de acôrdo e a Corta-Mundo chamou para pagár-lhe em dinheiro mais ele não aceitou e disse: qual foi seu trato? e pela foice puxou Encalceu logo na mola deixou o povo assombrado o aço brilhou no mundo com um tinido danado espichou 50 braças deixou tudo horizontado
E gritou para o barão: - veja se dar-me a comida! ou quer passar pelo cume dessa foicinha querida?! que só em eu pegar nela já está toda sacudida? O barão disse tremendo: - amigo pode sentar-se e entregou-lhe um cartão dizendo que ele o levasse no barracão que com êle traria o que precisar-se Corta-Mundo fez três fogos no terreiro e foi buscar três taxas lá no engenho botou agua a esquentar e foi para o barracão buscar o que cozinhar
Trouxe 10 fardos de xarque 12 sacos de feijão 20 cargas de farinha bacalhau figo alemão botou tudo nas três taxas para sua refeição Assim que a primeira taxa foi começando a ferver êle foi principiando a puxar carne e comer pois comeu a carne antes do feijão amolecer Nessa hora ia passando no terreiro uma boiada Corta-Mundo disse: agora a festa fica animada porque estou vendo carne pra metade da mesada
E deu um bote num quarto dum boi, e o segurou matou-o dum baque e na testa deu um corte e agarrou o couro e puxou com fôrça que até na calda arrancou Tambem arrancou o fato e ali muito ligeiro botou-o pra cozinhar e sem querer paradeiro fez com o resto dos bois o que fez com o primeiro Alotava um boi na taxa dentro da agua fervendo e antes de amolecer ia rasgando e comendo em quanto o feijão estava noutra taxa se ardendo
Tempo depois o feijão tinha um tanto amolecido mas dos bois o derradeiro êle já tinha comido com metade da farinha e o caldo tinha bebido E o resto da farinha misturou com o feijão comeu com o bacalhau e o figo de alemão depois lambeu mais a taxa e entrou no barracão Tirou tudo quanto tinha que prestasse pra comer e comeu mas a barriga nada de querer encher depois entrou no engenho procurando o que beber
Encontrou 14 tanques repletos de mel de furo diz Corta-Mundo consigo: - eu agora estou seguro pois se encontrar farinha vou ficar de buxo duro Por muita sorte encontrou de farinha um armazem êle o abriu e de sacos da farinha tirou cem foi come-los com o mel dizendo: agora estou bem No primeiro tanque um saco da farinha o despejou mas o mestre de açucar com raiva lhe reclamou êle irônico pergunta-lhe - porque assim me falou
Falei porque este mel com farinha misturado só pode ficar perdido estou muito aperriado porque quando o patrão ver comigo fica danado!? Besteira diz Corta-Mundo: - consigo o patrão não briga o senhor comigo a frente jamas sofrerá fadiga outra que o mel que tem não enche a minha barriga E sem mais querer conversa a comer mel começou secou os 14 tanques a farinha se acabou passou pra comer açucar todo que tinha arrazou
Tinha assim um armazem aonde o barão guardava bananas de sua horta e nesse dia ele estava do chão até o telhado tão cheio que abismava Que ali tinha bananas Corta-Mundo conheceu quebrou a porta e entrou todo povo extremeceu porque até mesmo as cascas das bananas êle comeu Depois entrou no engenho com o furor desmedido pra beber caldo poque antes disso tinha ido e por causa de tal mel inda não tinha bebido
Pôs no parol seu bocão com seu modo furibundo e o engenho moeu nun rojão alto profundo três horas correndo caldo na bôca de Corta-Mundo Toda cana que estava na esteira se acabou e o rapaz que sevava quase assombrado arribou e Corta-Mundo com fome na casa grande embocou Lá o comer que encontrou comeu e por ser selvagem foi a chiqueiro dos porcos de lá bebeu a lavagem por fim deixou o barão de esmola e fez viagem
Com 15 dias depois a fome lhe atacou êle avistou outro engenho pra ele se encaminhou falou para trabalhar mais ninguem lhe aceitou Diz Corta-Mundo ao chefe: - tire-me dêste atrapalho! me arranje comida e rancho diz o chefe: eu lhe agasalho mas não sei se o senhor vai se agradar do trabalho Corta-Mundo perguntou-lhe: - e oque vai arranjar! para eu fazer! meu patrão? diz o chefe: é pra cortar cana, só é oque tenho querendo vá trabalhar
Corta-Mundo aceitou logo o patrão lhe entregou a chave de uma barraca êle nela se trancou ainda era bem cedo e lá o dia passou As 4 horas da tarde foi o patrão perguntar se o trabalhador novo tinha ido trabalhar disseram: não, êle foi na barraca lhe acordar Chegou lá deu 4 gritos Corta-Mundo estremeceu levantou-se, abriu a porta o patrão lhe apareceu dizendo: ainda dormia? que proceder êste seu!...
Patrão! e que horas é essa? hora! Inda está perguntando! mais de 4 e esperava você está trabalhando pois os outros camponeses quase já virão largando?! Pois patrão êles largando é hora d’eu começar pois não gosto de estar junto doutra gente a trabalhar mesmo porque minha foice pode a alguem golpear E eu estando sozinho do campo fico senhor aí posso trabalhar seja em que trabalho fôr e lhe aviso mais que sou um tanto trabalhador
Logo o patrão foi mostrar-lhe o dito canavial os outros vinham largando e Corta-Mundo, afinal puxou pela sua foice sua amiguinha legal E logo na mola dela com o seu dedo encalcou 50 braças de aço de cana a dentro embocou o patrão quase assombrado do local se retirou Corta-Mundo começou com sua foice roçando só se via o esbandalho e a cana se deitando tambem os matos vizinhos no gume da foice entrando
Quando êle roçava a foice que pegava a cana em cheio distava 5 braças era o escangalho feio dali até mesmo pedra torava de meio a meio Com 10 minutos não tinha uma cana do patrão que não estivesse caída fazendo esteira no chão o mato, as serras, os rochedos sofrendo o mesmo arrastão Corta-Mundo foi entrando em propriedade alheia o esbandalho era imundo a destruição era feia com 20 minutos tinha já roçado legua e meia
No engenho começou chegar queixa do rapaz que estava arrazando o mundo dum modo estranho e voraz o senhor de engenho quase cairia para traz Indignado mandou dar ao môço um recado que não cortasse mais cana quando êle foi encontrado cana de 60 usinas êle já tinha cortado Ficou o senhor de engenho dos uzineiros intrigados por causa do esbandalho pelo rapaz praticado e mais sem cana e sem nome completamente quebrado
Corta-Mundo fez viagem depois numa travessia se encontrou com uma negra que quem a visse media 10 braças em cada perna e tinha grande energia Botou-se pra Corta-Mundo mas êle a foice puxou calçou na mola e o aço de mundo a dentro embocou ela ali gritou: menino! já sei que contigo eu vou Fez-se logo na rasteira mas Corta-Mundo gritava: - negra danada olha a foice e nela descarregava a foice, que até as serras com rocha e monte cortava
Mas só não cortava a negra que era ligeira de mais pois Corta-Mundo lutava com fôrça estranha e voraz procurava a negra adiante já a negra estava atraz Corta-Mundo indignou-se e com a foice roçou serra e monte que ali duma só vez desabou até a maldita negra na foice tambem entrou Morta que foi a tal negra ali se desencantou uma princesa e pro reino dela o rapaz lhe levou e a pedido dos pais com ela ele se casou
Essa negra era uma bruxa que com o seu poder imundo encentou essa princesa mas como Deus é profundo ela passou nesse dia na foice de Corta-Mundo Corta-Mundo já casado seguiu pra sua nação lá com a sua familia fez uma santa união só noutro livro o freguez verá tudo o quanto fez Lasca-Mundo um seu irmão
FIM