ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
ABRAÃO BATISTA
OS SOFRIMENTOS DE UM CAMELÔ
JUAZEIRO DO NORTE 1991
Um dia, em Fortaleza Eu ía andando na rua Avistei um camelô Debaixo da vida crua Aproximei-me para ver Como ele se situa. Cheguei perto do coitado E fui assim perguntando − Como vai ó camelô? Estás feliz, trabalhando, Mas o pobre camelô Foi assim me informando: − Eu vivo só nesta vida Dela, não posso correr Sob sol, chuva, sereno Traz penoso o meu sofrer O que ganho, mal completa Para meus filhos comer.
A polícia nos persegue Mais do que aos marginais Somos como desordeiros Pra quase todos fiscais Se eu ganhasse na sena Isso eu não queria mais. Camelô o que é isso? Pareces com um animal... Pra jumento, falta o rabo O resto é tudo igual Com essa cangalha torta Para o jegue, passas mal. O coitado olhou pra mim E desconfiado, sorriu − É isso mesmo, o político Da nossa frente sumiu É uma raça que a gente Só na política se viu.
Veja, aqueles infames Por aqui não aparecem Veja que nos seus peitos Os corações embrutecem Só que nós os elegemos, Agora, eles esquecem? Mais a frente tinha outro Camelô, muito invocado Vendia ele bolsinhas E entre elas alojado Parecia com um cabide Com bolsas por todo lado. Meu velho, o que você Faz com essa situação? Ele disse: − Os fiscais Me tratam como um ladrão Se eu reclamar levo pau E me arrastam pro camburão.
Agente não tem direito E nem eu posso reclamar Os fiscais são um horror Não me deixam trabalhar Se arriar a muchila Aparecem pra me levar. − O camelô é obrigado Sempre, em pé permanecer Ai daquele que descançar Ou de fraco amolecer Porque a polícia leva Pra na grade apodrecer. Do outro lado da rua Estava, outro, agitado Fez um aceno pr1aquele Que conversava ao meu lado Eu dirigi-me para ele Para saber do enfado.
Ele disse comovido Toda a sua situação − Quando terminava o dia Perdia toda a razão Chegava em casa, caía Como se fosse um torrão. O outro disse: assim mesmo Quando lá em casa chego Caio como um pau duro Querendo só meu sossego Nem a mulher, nem os filhos Presto atenção, eu não nego. A luta do camelô É para a família manter Não é como um marginal Para a polícia prender Ou, seu direito de voto Não dá pra reconhecer
− Lá em casa eu não sei O que é mais televisão Caio na rede, banido Me considero um capão Que não tem prazer na vida, Eu vivo só de ilusão. Meus ombros são em brasa As costas, eu não ligo mais, Meus rins, pegando fogo Eu só penso nos fiscais Não deixam que eu trabalhe São uns sacanas e rivais. Se o camelô esmorecer E a cangalha arriar O fiscal vem depressa Para o coitado autuar Ai do camelô atrevido Que queira então, reclamar.
O camelô só tem direito De andar com os pés no chão No máximo, tem um chinelo Sua roupa é um calção Almoçar é seu pecado Como água com ilusão. Além do sufoco da vida Tem a presença dos fiscais; Como dou comida aos filhos Com esse bando de chacais? Minhas forças estão sumindo A minha saúde? – Nunca mais. Eu vivo no sofrimento O que não posso entender Um político ganha tanto Mas não quer reconhecer A minha triste situação Como o poeta aqui, ver.
De manhã eu me levanto Pra pegar a lotação No ônibus sofro acocho Atrevimento e empurrão Quando chego no ofício Me comparam a um ladrão. Tem deputado traficante Juiz preso como ladrão Pastor acusador de estrupo De roubar o pobre cristão Mas o camelô que trabalha Tiram dele o ganha pão. Esse pêso que carrego No chão não posso botar Mas aquele carro de luxo Na calçada pode ficar O camelô é um bicho Só serve para apanhar.
O meu Jesus, o que faço Com essa perseguição? Dizem, pra nós camelôs Não tem mais apelação Somos o grande obstáculo Pro turismo da Nação! Dizem que o camelô Atrapalha o urbanismo A nossa imagem é má Pros lojistas e turismo Isso sim, eu vou dizer − São facismo e comunismo. Como uma autoridade Aqui não sabe escolher Prefere para o turista Mostrar para ele ver Uma cidade bem limpa Com seu povo no padecer.
Para que as nossas ruas Com flores embelezar Se o povo passa fome E o político a enganar? − O camelô também é gente Ele pede: só trabalhar! Pra que sobre o camelô Tamanha perseguição? Se querem a cidade limpa, Os senhores tem a razão... Mas arrajem um trabalho Para os filhos da Nação! Se eles vem para a rua Foram expulso do interior! Onde anda a assistência Que o estado deve, doutor? − Entre o homem e urbanismo Qual deles tem mais valor?
Tem cara que inda diz Que camelô ganha bem Ganha mais do que um médico Esse cara é mesmo, sem, A não ser que o nosso ganho Seja um ganho do além. Quem bate carteira, tem Com a polícia mais cartaz Comparando com o social O urbanismo é fulgaz A não ser que nos arranja Bom trabalho e a paz. O camelô é um troço Só vive de apelação No correr do dia à dia Ele é o próprio palavrão − Valei-me ó Jesus Cristo E o Padre Cícero Romão!
O que faço com meus filhos E a mulher pra dar à luz? Com tanta perseguição Como aqui eu já expus Camelô é como bicho: Ou veado, ou avestruz. Camelô vive em guerra Entre o certo e irreal Trabalha pelo sustento Numa luta desigual Pela frente, não tem futuro E por traz: policial. Autoridade do meu país Escutem, prestem atenção − Camelô também é gente Não assalta, não é ladrão É um pequeno comerciante Ele vota, é cidadão.
Façam um projeto feito Pro camelô se ajeitar Por traz dele é a família Que se deve considerar É melhor ser camelô Do que com drogas traficar.
FIM