ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
MARCUS GIOVANNI ARRUDA SILVA
PELEJA DE UM BANCÁRIO COM UM COMERCIÁRIO
CRATO-CE 1994
B – Quero antes lhe dizer Que eu estou muito contente Pois o verso popular, Nesse curso, está presente Prá mostrar nossa raiz No cordel e no repente. C – vou mostrar a essa gente Que não rimo pé quebrado, Quero ver cada estudante Com o queixo pendurado, Pois sou bom no improviso E mió no decorado. B – Nós dois fumo convidado Prá cantar dentro da linha Apóis não, estarmos cá; A pedido da Bastinha, Nossa mestra em português, No cordel, uma rainha.
C – E porque que eu não vinha Fazer parte desse encontro Prá ganhar algum trocado Ou na prova ter dois pontos, Eu invento qualquer rima, Meu parceiro eu desmonto. B – Pois não caia nesse conto Não é ponto que importa, Nós precisa ser letrado Para, além daquela porta, Quando for usar caneta, Não sentir nossa mão torta. C – Quero ver se u suporta Os ispim que vai pisar, Pois teu canto é manhoso Não tem força no rimar, Chego inté ficar pensando Se tu pisa o calcanhar.
B – Deixe de cacarejá, Jogue fora sua manta, Pra poder rimar comigo Tem que ter boa garganta Quero ver depois da queda Como é que se alevanta. C – Bicho da cara de anta, Feio que nem cururu, Tronco de amarrar onça, Cabelo de caititu, Se vestido é desse jeito Imagine o cabra nu. B – Eu pensei que fôsse tu Um caboco educado, Se ficar nesse enredo Sai daqui todo enrolado, Mude o mote cantador Que eu já tô mei invocado
C – Você tá encabulado Adiante dos colegas, O salão está de prova Que tu tá pedindo trégua, Quem mandou me insutar Bicho da cara de égua. B – Tô medindo, numa régua, Seus dizer, seus palavrão, Pois se não mudar o tom Vou deixar você no chão; Outra vez tô te pedindo: Cante com moderação. C – Teu tamanho é de anão, Tem os bofe junto as venta, Cabra assim desse calibre, Brinca mas não aguenta, Entre nessa cantoria, Vê se algo tu inventa.
B – Sou que nem pedra noventa, Tenho calma que nem Jó, Mas não sou burro de carga Pra sofrê nos mocotó, Pois de agora em diante Você dança num pé só. C – Vamos ver se esse brocó Sabe mermo de peleja, Pois tá parecendo imagem Enfeitando as igreja, Onde nós ajoelhado Pede a Deus que nos proteja. B – Meu amigo, escute e veja Com bastante atenção, Pra depois num pôr defeito No barbante do violão, Tá escrito, em nossa testa, Tu é pinto, eu gavião.
C – Essa tua falação É enxerto de linguiça, Na disputa da toada Tu não dá prá meia missa, Eu me faço de urubu Prá comer tua carniça. B – Tá errada essa premissa, Veja bem como é o mote: Nós na beira da lagoa, Eu sou cobra e tu caçote, Me arrastando na ribeira Eu me faço dando um bote. C – Eu desmancho esse pacote Prá botar tu no sufoco, Pois aqui já tô sabendo Que tu é um dorminhôco, Se alevanta ao meio dia, Pro trabalho dá cotôco.
B – Esse santo do pau ôco, Tá se vendo, pelo nome, Que por dentro é sem recheio E por fora quase some, A magreza tá dizendo: Faz um mês que ele não come. C – Muita vez eu passei fome, Nem que eu queira vou negar, Pois nasci num lugarejo Que se chama Quincuncá, Lá, baixinho desse tópe Serve só prá nós sentar. B – Vai ser feio teu pena Se te pego como quero, É mió sair correndo E deixar de lero lero, Ou então arrume a trouxa Pra morar no cemitéro.
C – Cum você não desespero, Já ganhei essa parada, Vou trocando a violinha Esperando o camarada; Se aqui tu apanhou Lá tu morre de porrada. B – Essa ruma de ossada É retrato do flagelo; Eu agora desafio Prá disputa do martelo, Capinando as orelha, Aparando seu pinguelo. C – Eu conheço esse duelo, É difícil, eu não nego, Vou tacando martelada Inté vê sumi o prego; Ou tu racha pelo meio Ou então sai daqui cego.
B – Pois então você reveja, Essa sua cantoria, Que mudando a poesia, Nós aposta nem que seja Cachaça, pinga e cerveja; No martelo agalopado Eu te deixo entalado Vou saindo da sextilha E armando uma armadilha Prá pegar esse veado. C – De você não tenho mêdo, Não se mostre valentão, Filho de galo capão, Digo e não peço segredo Acordei hoje bem cedo Com a ira de assassino, Vou matar esse menino Igualmente faço aborto E depois dele tá morto Vou na igreja e toco o sino
B – Eu vendo essa criatura Magra chega dá desgosto Olhando para o seu rosto Só tô vendo a armadura, Carne ali não faz figura, Só tem pele e só tem osso Metro e meio de pescoço Fino igual uma seringa De resto sobra a catinga Do buraco desse moço. C – Tu é nego, gordo e baixo Não tem apresentação, Prá ser bucha de canhão, Tá faltando só o despacho Eu num sei pra quê que cacho Se é muié que te domina, Tu num pode ir na esquina Que ela pega logo a tranca, Homem na barriga branca Todo ele a fala é fina.
B – O teu jeito é esquisito, Vou contar pro pessoal Que naquele carnaval No lugar Faria Brito, Quase morre de dar grito Agarrado cum veado E de tanto esfregado, Remexendo o boca mole Inda hoje tá seu fole Cum botão desapregado. C – Desse pobre eu tenho dó, Mas sei bem o que ele qué Não gostado de muié, Foi dançar no caritó De cueca e palitó, Nunca vi tão engraçado, Quando se deitou de lado Na sombra do Juazeiro, Descobriram seu trazeiro E fizeram o mal traçado.
B – é mió nós manerá Nesse troço delicado, Tá ficando complicado Prá depois nós explicar: Aconselho nós falar De ofício e de trabalho, Nessa loa eu não falho, Pode ser outro assunto O cantor aqui tá junto Prá pegar qualquer atalho. C – esse peste é um otário, Leva a vida pelos trancos Só porque trabalha em Banco Bota pinta de bancário, E mostrando um bom salário Leva nós é no pagode, Mas comigo tu num pode Sai fazendo uma careta Pendurado na cruzeta Espichado que nem bode.
B – A inveja é tua amada A cobiça, a ambição, Vou dizer a teu patrão Que tu veve na calçada Bem de frente do Esplanada, A falar da vida alheia, E fazendo coisa feia Cum povo da freguesia, Vou dizer das nota fria Só prá ver tu na cadeia. C – Inda bem que eu sou branco, Diferente do parceiro, Que além de fofoqueiro Tem a cara de tamanco; Não sabia que no banco Tinha gente desse jeito, Que parece bom sujeito Mas na fala desafina Faz fofoca na surdina Me botando seus defeito
B – Eu enfrento meu serviço Cum empenho e com nobreza Junto assim minha riqueza Sem mas coisas dá sumiço Mas tu faz um ribuliço Quando pega uma venda, Troca o nome da fazenda E ligeiro enrola o pano Leva o pobre no engano Vende xita e diz que é renda. C – Volta ao mundo, algodão, Casimira ou cetim, Linho seda e morim Prá camisa ou blusão Aproveite a promoção, Compre aqui no Esplanada, Tem tambem roupa listrada, Pano liso e colorido, Se levar muito ticido Não precisa dar entrada
B – não é bom gastar dinheiro Nessa tempo de inflação, Aproveite a ocasião Prá pensar nos seus herdeiro, Veja que o derradeiro Inda não está criado, Prá sair desse estado E ver cheio a sua pança É mió pôr na poupança Que comprar pano fiado. C – Foi há pouco, bem recente, Trago ainda na lembrança, Que mexeram na poupança Por ordem do presidente, Que enganando muito gente, Deu sumiço no dinheiro E deixou os brasileiro Sem chinelo e sem colete, Banco agora é tamborete, Acredite no vendeiro.
B – Ta mentindo esse canalha, Isso foi a cinco anos, Vem agora outro plano Sem ter roubo nem ter falha, A conversa que se espalha, Pelo Banco no momento, É subir o rendimento Abaixando a inflação, Faça a sua aplicação Que vai melhoramento. C – Tu vem lá da capital Com jeito de sabidão, Entendido de infração, Vem dizendo que é legal Esse tal plano Real; Pois lá vai um desafio Que te deixa a ver navio, São as coisa do sertão; Saia dessa confusão Me dizendo o que é estio.
B – Isso é seca, é falta d’água, O inverno que não veio, O mauto sem ter meio, Ver os fí assim de magoa E se as nuvem nem deságua Vai faltar o dicumê, Sem legume prá ferver Cum as panelas emborcada, Vai findá o camarada Descarnado igual você. C – O cantor respostô bem Cum muita filosofia, Tá cantando a cantoria Cuma nunca vi ninguem; Prá ganhar cinco vintém Me arresponda o que é um lote, Dô ainda um capote, Uma sela e um arreio Se disser sem aperreio O que é um cabeçote.
B – O retalho de uma terra Que nós chama loteamento, Ou um grupo de jumento Nas vereda lá de serra, Onde, à noite, o sapo berra, Tá dizendo o que é um lote; Outra coisa é cabeçote: Duas forquilha embirada A cangalha tá formada, Na testeira tá o mote. C – Quando tu, lá na cidade, Quer saber que horas são, Puxa a manga do blusão Derretido de vaidade, E sem ter dificuldade Tu ispia pro ponteiro; Mas o pobre do roceiro Como finda esse problema, Onde mora, o seu dilema É não ter relojoeiro.
B – Ele arriba sua cara, Protegendo cum chapéu, Vê o sol que tá no céu Mais cum pouco ele repara Prá que lado da coivara Vai a sombra se mexendo, Das hora fica sabendo, Desfazendo esse dilema, O roceiro, seu problema, Finda, assim, arresolvendo. C – Mas me diga cidadão, Se o céu tá enuviado Deixa o sol todo tapado Sem dá sombra pelo chão; Como pode um cristão, Que não usa algibeira Nem relojo de pulseira, Acabar cum esse inferno Se as chuva do inverno Tão chagando ás montoeira.
B – Ele usa outro argumento, Ouça bem, preste atenção, Lá nas brechas do sertão Deus deixou um grande invento, Deu apito ao jumento Pra soprar pelo Nordeste, Onde o cabra bom da peste Quando ouve essa zoeira, Diz: Valeu Padre Vieira E dá graça ao Pai Celeste. C – A poesia tá gostosa, Tem gosto do piqui, Mas fiquemo por aqui, Deixando a rima teimosa Que é pra ver se em outra prosa, Quando nós se ver de novo, Mostraremo a esse povo Que nós somo dois poeta E seguindo noutra reta Tu me louva e eu te louvo
FIM